Tradução - O direito penal do inimigo e o Estado democrático de direito (Bernardo Feijoo Sánchez)

June 1, 2017 | Autor: J. Pinheiro Faro ... | Categoria: Direito, Direito Penal, DERECHO PENAL
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O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. CRIMINAL LAW FOR THE ENEMY AND DEMOCRATIC STATE OF LAW.

Bernardo Feijoo Sánchez Professor Titular da Universidade Autônoma de Madri.

Traduzido por: Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira+ e Igor Rodrigues Brito*

Resumo: A tentativa do direito penal do inimigo é, pelo menos a partir de Jakobs, estabelecer uma distinção entre cidadãos e inimigos na estrutura do direito penal moderno. Apesar do que dizem algumas críticas simplistas, não se trata de definir todo delinquente como inimigo, senão de verificar se há pessoas que devem ser excluídas do tratamento normal que o Estado dispensa a seus cidadãos, com seus respectivos princípios e garantias. Depois de apresentar o modelo original do direito penal do inimigo, o autor estabelece as quatro características negativas do mesmo. Por fim, o autor conclui que o direito penal do inimigo, tal como formulado por Jakobs é incompatível com o vigente Estado democrático de direito. Palavras-chave: Estado democrático de direito; Direito penal do inimigo; Inimigos e cidadãos. Abstract: At least from the Jakobs doctrine, the criminal law for the enemy tries to establish a difference between citizens and enemies into the structure of the modern criminal law. In spite of some simplistic critics, the aim of the criminal law for the enemy is not to define every delinquent as an enemy, but verifying if there are people who must be excluded from the usual treatment that the State gives to its citizens, considering the respective principles and guarantees. After presenting the original model of the criminal law of the enemy, the author established four negative characteristics of this model. And, at the end, the author concludes that the criminal law for the enemy such as Jakobs formulated it is incompatible with the democratic State of law. Keywords: Democractic State of law; Criminal law for the enemy; Enemies and citizens.

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Bacharelando em Direito pelas Faculdades de Vitória (FDV); Editor de Panóptica. Coordenador de Relações Internacionais da FDV; Revisor de Panóptica.

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Introdução O denominado direito penal do inimigo expôs uma questão que tem preocupado bastante todos os grandes teóricos do surgimento do Estado moderno: que fazer com aqueles que não aceitam ser cidadãos e não se submetem à soberania do Estado? Formulado nos termos da teoria do contrato social, que acontece com aqueles que não se submetem ao contrato social (expressa ou tacitamente) e que, por isso, não se vêem submetidos ao resultado de acordos sociais mais importantes, de modo a ficar à margem de regras sociais essenciais? Se na atualidade os cientistas do direito penal têm posto tais tipos de questões é por uma singela razão: um dos teóricos mais influentes atualmene do direito penal do inimigo, Guenther Jakobs, está dedicando, no final de sua vida acadêmica, um grande esforço intelectual para que uma profunda distinção entre cidadãos e inimigos estruture o direito penal moderno. É evidente que Jakobs não coloca a questão em termos individual-contratualistas acerca de existirem sujeitos que não querem assumir o papel de cidadãos1, e sim parte da idéia de que se trata de uma definição do sistema jurídico. É este que decide quais características mínimas têm de reunir os sujeitos para que possam ser considerados cidadãos, de maneira que quem não cumprir tais requisitos mínimos não pode ser tratado como cidadão, senão como inimigo; em termos jakobsianos, o reconhecimento como cidadão por parte do sistema jurídico exige o cumprimento de determinados deveres ou obrigações irrenunciáveis: quem não cumpre esse mínimo não pode ser tratado como cidadão. Apesar do que dizem algumas críticas simplistas, não se trata de definir todo delinquente como inimigo2, e sim se há pessoas que devem ser excluídas do tratamento normal dispensado pelo Estado aos seus cidadãos, com os respectivos princípios e garantias3. Esse projeto teórico de grande envergadura que parte da distinção entre um direito penal de cidadãos e um direito penal de inimigos obriga indubitavelmente os penalistas a se posicionarem a favor ou contra como todos os anos os teóricos do direito penal fazem quando se vêem compelidos a falar sobre a posição do dolo dentro da teoria jurídica do delito. Se existe um livro coletivo como este4 é devido única e exclusivamente à elaboração de Jakobs de um direito penal do inimigo. O estado da questão é que, com exceção de alguns de seus discípulos, a doutrina tem se posicionado radicalmente contra o desenvolvimento de um direito penal do inimigo, do modo visualizado por Jakobs e, inclusive, se pode perceber uma generalizada e apaixonada posição de beligerância contra as perigosas consequências que para o Estado democrático de direito pode acarretar esse projeto

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Suas críticas à filosofia social e jurídica das teorias do contrato social podem ser encontradas em: Jakobs,Norm, Person, Gesellschaft, pp. 40 ss., 125 e Doxa 2000, pp. 325 ss. 2 Em uma tradição iluminista derivada da idéia do contrato social conforme a qual todo aquele que atue contra as bases do contrato social, a cometer um delito grave se converte em inimigo e que está representada principalmente por Fichte e Rousseau. Não creio, pos isso, que seja oportuno reconduzir a atual discussão – que aqui é tratada – sobre o direito penal do inimigo à teoria de Rousseau sobre o direito pela como faz, por exemplo, Perez del Valle, CPC 2001, pp. 597 ss., ainda que já, em tal trabalho se possam apreciar as diferenças entre os argumentos de Rousseau e de Hobbes (na minha opinião, o referencial filosófico de Jakobs neste tema, ainda que este lance mão de Kant). 3 Jakobs, Derecho penal del enemigo, p. 26. 4 Aqui o autor faz referência ao livro (em dois volumes) no qual foi publicado seu trabalho original em espanhol.

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teórico do autor alemão5 (e não apenas nos habituais encontros de penalistas). Este livro será seguramente uma magnífica prova dessa situação. Para participar com rigor neste debate doutrinário é preciso esclarecer primeiro o conceito e os fundamentos do direito penal do inimigo, a qual, como se verá, não é uma tarefa fácil já que o que se deve primeiro dizer tange um conceito ambíguo com pluralidade de significados. Uma vez esclarecida essa questão, apresentarei meu posicionamento: o direito penal do inimigo tal como o concebeu Jakobs vai de encontro às bases de nosso Estado democrático de direito6. É redondamente rechassável a idéia de que todo aquele que é definido pelo sistema jurídico como inimigo seja automaticamente excluído do âmbito das pessoas, isto é, fique juridicamente desprotegido, sem direito, liberdades fundamentais e garantias de um cidadão. Não compartilho, portanto, da idéia essencial de Jakobs de que um direito penal do inimigo claramente delimitado é melhor para o Estado de direito do que mesclar todo o direito penal com fragmentos de regulamentações próprias do direito penal do inimigo7. Essa idéia é a que sustenta seu argumento principal de que manter um direito penal do inimigo é a melhor maneira de conservar um direito penal de cidadãos. Em minha opinião, a melhor forma de evitar que se filtre um direito penal do inimigo difuso é combater genericamente a existência normativa de inimigos enquanto não nos encontrarmos em tempos de guerra e a denunciar entretanto as diversas manifestações no direito positivo do direito penal para inimigos8. 5

Ambos, Derecho Penal Internacional, pp. 56 ss.; el mismo, ZstrR 2006, pp. 1 ss.; Bung, HRRS 2006, pp. 63 ss.; Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, pp. 89 ss.; Cancio Meliá/Feijoo Sanchez, Prevenir riesgos, pp. 60 ss.; Demetrio Crespo, RDPC 2004, pp. 87 ss.; Diez Ripolles, Jueces para la Democracia 2004, p. 37; idem, L-H Mourullo, pp. 286 ss.; Eser, Strafrechtswissenschaft, p. 445; Faraldo Cabana, Nuevos retos, pp. 305 ss.; Feijoo Sanchez, ADP 2000, pp. 1207 ss.; Gracia Martin, RGDP 2004, pp. 1 ss., em especial 25 ss.; idem, RECPC 2005, pp. 27 ss.; Greco, GA 2006, pp. 102 ss., a rechaçar o conceito de direito penal do inimigo em suas três vertentes legitimatória-afirmativa, descritiva ou crítica e de denúncia; Hefendehl, StV 95, p. 158; Hoernle, GA 2006, pp. 89 ss.; Laurenzo Copello, RDPC 2003, p. 456; Maqueda Abreu, Jueces para la Democracia nº 47, p. 11; MartinezBujan Perez, El Derecho penal del enemigo; Muñoz Conde, El nuevo Derecho penal autoritario, pp. 170 ss.; idem, RGDP 2005, pp. 16 ss.; idem, RP 2005, pp. 123 ss.; Polaino Navarrete/Polaino-Orts, PG, p. 137; Portilla Contreras, Jueces para la Democracia 2004, pp. 43 ss.; idem, L-H Bacigalupo, pp. 693 ss.; idem, L-H Mourullo, pp. 860 ss.; Prittwitz, ZStW 113, pp. 794 ss., entre outros lugares; Ramos Vazquez, Símbolos y enemigos, pp. 1434 ss.; idem, Nuevos retos, pp. 90 ss.; Roxin, PG, 2/126 ss., a incluir às críticas tradicionais, o caráter desnecessário e supérfluo do direito penal do inimigo para a discussão político-criminal, na linha de: Greco; Sauer, NJW 2005, pp. 1703 ss.; Schuenemann, GA 2001, pp. 211 s.; Sinn, ZIS 3/2006, pp. 112 ss.; Zaffaroni, L-H Mourullo, pp. 1077 ss., com um interessante retrocesso histórico da questão; idem, Dogmática y criminología, pp. 626 ss.; Zugaldia Espinar, CPC 2003, pp. 111 ss. Analiza criticamente algumas destas críticas Gracia Martin, L-H Mourullo, pp. 453 ss. 6 Chama atenção que Jakobs em recente prólogo a um livro sobre o direito penal do inimigo publicado na Argentina (nota 24) afirma que o Estado de direito só pode alcançar seu verdadeiro objetivo, “por meio de fins que na realidade lhe são alheios”. 7 Derecho penal del enemigo, p. 56. 8 Neste sentido, por exemplo, o direito penal do inimigo é funcional para diversos fenômenos legislativos atuais que devem ser severamente criticados e que têm a ver com uma utilização populista e eleitoral do direito penal. Pode-se constatar como o modelo punitivo está a se fragmentar entre um sistema de sanções para a delinquência standard e outro para um tipo de criminalidade que gera maior sensação de insegurança. Uma grande quantidade de eleitores não parecem dispostos a ser igualmente generosos com aquele tipo de criminalidade que mais lhes preocupam. Como assinalou Silva Sánchez, La Ley, 98-4, p. 1451, adverte-se a disposição a acolher respostas seletivas em função mais da percepção social do correspondente fato delitivo como fonte de insegurança que

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Todavia, apesar desse ponto de partida, a oposição frontal e sem matizes também não é acertada. A proposta de Jakobs é tão ampla que em seu interior é possível identificar várias questões ou temas que não têm sido tratados adequadamente pela doutrina e que é um mérito especial da construção desse autor as ter posto sobre a mesa como objeto de discussão científica (mesmo que já sejam objeto de discussão em outros âmbitos). Uma vez ventiladas tais questões já não se pode esconder a cabeça embaixo da terra como o fazem os avestruzes ou desviar os olhos. São provocações que, antes ou depois da ciência do direito do século XXI, aqueles têm de enfrentar. Teremos, pois, que analizar o que pode ocasionar por fim – apesar do rechaço – a idéia do direito penal do inimigo. Por outro lado, se dogmaticamente podemos definir as características do que podemos denominar direito penal do inimigo e identificá-lo, isto por nos ser útil para deslegitimar algumas partes do ordenamento vigente; de se dizer, trata-se de um instrumento para separar os modelos legítimos dos modelos ilegítimos de direito penal9 (não mais difundido que as referências ao direito penal simbólico ou ao direito penal do risco). 1. Um ponto de partida necessário: os conceitos de direito penal do inimigo e de inimigo Como ponto de parte da análise crítica da construção de Jakobs pode-se afirmar que não está claro o limite entre o direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo ou entre cidadãos e inimigos10, especialmente de uma perspectiva prática ou de aplicação judicial de tal distinção. Esta não pretende ser uma observação nova, haja vista que o próprio Jakobs em seus trabalhos sobre essas questões tem reconhecido sem circunlóquios que se trata de uma distinção difícil tanto na teoria quanto na prática. Apesar deste problema genético, à medida que o debate atual tem sua fonte na construção deste autor é preciso expor os elementos essenciais da definição de dois conceitos estreitamente vinculados: o direito penal do inimigo e o de inimigo. Segundo Jakobs, as características do direito penal do inimigo seriam as seguintes: 1) ampla melhoria da intervenção do direito penal, em muitos casos com um enriquecimento subjetivo dos tipos; 2) falta de uma redução da pena proporcional à referida melhoria; 3) supressão de garantias processuais. Tratar-se-ia do modelo de um ordenamento jurídico-penal próprio de um Estado preventivo que se caracteriza por uma estratégia pró-ativa e não re-ativa na gestão dos riscos sociais. Em termos jakobsianos, com esses tipos de normas não importa manter a configuração

em função da gravidade do fato cometido. Os partidos político têm se dado conta desta situação e procuram fazer um uso partidário do direito penal. 9 Jakobs, La ciencia del Derecho Penal, pp. 121 s., afirma que se "se tem de indagar sobre o verdadeiro conceito de direito penal [...] que o êxito desta empresa não garante pois pode ser que se fale em mensagens sob a rubrica de ‘direito penal’, sem que pertença propriamente a seu conceito”. Nesta frase de Jakobs está latente a idéia de que o direito penal do inimigo não seria um autêntico direito penal senão uma espécie de direito policial de prevenção de delitos, apesar de depois de 1999 terem desaparecido tais referências de seus trabalhos sobre o tema. Neste sentido, tenho me utilizado do conceito em minha crítica à reforma dos delitos de terrorismo por meio da LO 7/2000 en Revista Jurídica Universidad Autónoma de Madrid 2001, pp. 46 ss. 10 Jakobs, Derecho penal del enemigo, pp. 21 s., 33, 55, que não duvida em falar sobre a existência de múltiplas formas intermediárias e que ambos os modelos praticamente nunca apareceram em uma configuração pura.

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normativa ou a vigência do ordenamento jurídico, e sim melhorar a prevenção dos delitos. Em relação ao conceito de inimigo, Jakobs11 fundamenta este status de inimigo do seguinte modo: “aquele que pretende ser tratado como pessoa deve dar em troca uma garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa. Se não existir essa garantia ou se ela for expressamente negada, o direito penal passa a ser uma reação da sociedade ante o ato de um de seus membros para ser uma reação contra um inimigo. Isso há de implicar que tudo está permitido, a incluir uma ação desmedida; ou melhor, é possível que ao inimigo seja reconhecida uma personalidade potencial, de tal modo que na luta contra ele não se pode ir além do necessário”. De acordo com essa idéia só pode ser tratado pelo Estado como pessoa aquele que oferece certa segurança cognitiva de que irá se comportar de acordo com o direito. “A situação existente em relação à pessoa no direito é a mesma que a da vigência do ordenamento jurídico, que a do Estado enquanto conjunto de um ordenamento jurídico, em geral, que a de qualquer pessoa antes (e não apenas em) do direito: para concordar com a realidade, para oferecer orientação, a situação normativa precisa de um apoio cognitivo12”. O inimigo, segundo Jakobs, “é um indivíduo que, não só de maneira incidental em seu comportamento [...] ou em sua ocupação profissional [delinquência econômica, deliquência organizada e especialmente, tráfico de drogas (...)], isto é, que em qualquer caso, de forma presumidamente duradoura abandonou o direito13” Os inimigos são, em definitivo, autores suscetíveis de culpabilidade que geram insegurança. 2. A perspectiva metodológica: mera descrição ou legitimação É evidente que a descrição que Jakobs oferece acerca do direito penal do inimigo corresponde com a evolução do direito penal moderno e com determinadas tendências das últimas reformas do direito penal, não apenas na Espanha como nos países vizinhos14. Jakbos descreve adequadamente parte do novo panorama em 11

La ciencia del Derecho Penal, p. 138. La pena estatal, p. 167. 13 La pena estatal, p. 170 («se trata de individuos que en su actitud -delitos sexuales-, en su vida económica (criminalidad económica, relativa a las drogas y otras modalidades de criminalidad organizada) o por su imbricación en una organización criminal (terrorismo, criminalidad organizada) se han apartado, probablemente, de modo permanente, pero, en todo caso, con cierta seriedad, del Derecho; dicho de otro modo: que no prestan la garantía cognitiva mínima que es imprescindible para ser tratado como persona en Derecho»). 14 No mesmo sentido, dentre outros, Cancio Meliá, Derecho Penal del enemigo, pp. 16, 61, 84, a afirmar que este é seu único ponto de encontro com a construção de Jakobs; Demetrio Crespo, RDPC 2004, p. 90; Díes Rípolles, Jueces para la Democracia 2004, p. 37; Gracia Martin, Prolegómenos, pp. 120 ss.; idem, RGDP 2004, p. 9; idem, RECPC 2005, pp. 3, 11; idem, L-H Mourullo, pp. 480 ss.; Hoernle, GA 2006, pp. 80 ss., sobre o direito penal do inimigo como conceito descritivo; Kuhlen, Crítica y justificación del Derecho penal, p. 229, a considerar que “em longo prazo resulta duvidoso, mais que a existência deste direito penal de luta, qual será sua extensão”; Laurenzo Copello, RDPC 2003, p. 455, a compartilhar a análise de Silva; Portilla Contreras, Jueces para la Democracia 2004, pp. 43 ss., em relação ao direito processual e material, que considera que o surpreendente é “a aparição de uma base doutrinária que apóia – não só reconhece – a necessidade de um direito garantista para pessoas e outro, sem os direitos clássicos, para as não-pessoas”; Silva Sánchez, La expansión, pp. 163 ss., que se refere a âmbitos como a delinquência patrimonial profissional, a delinquência sexual violenta e reiterada, a criminalidade organizada ou o terroristmo, a assumir que se trata de um fenômeno inevitável por tempo limitado para âmbitos excepcionais, e que 12

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que nos encontramos muitas das vezes. Como já assinalou Silva Sánchez15, “constatada a existência real de um direito penal de tais características – sobre o que não se pode estabelecer dúvida alguma – a discussão fundamental versa sobre a legitimidade do mesmo”, já que “à vista de tal tendência [...] o círculo do direito penal dos ‘inimigos’ tenderá, ilegitimamente, a se estabilizar e a crescer”. Outrossim, a distribuição de Jakobs nem sempre se limita a ser descritiva e, por isso, diferentemente de Silva Sánchez não diz respeito a uma tendência expansiva ilegítima, e sim ao contrário disso; e isso é precisamente o que tem dado motivo a uma ampla resistência por parte da doutrina. Na procura por fazer uma exposição coerente desta idéia, é preciso ter em mente as diversas fases pelas quais se passou até a construção do direito penal do inimigo16: - Existe uma primeira fase em que se introduziu a expressão direito penal do inimigo por volta dos anos oitenta17. Em sua primeira versão de 1985, em trabalho apresentado no Congresso de catedráticos alemães de direito penal realizado em Frankfurt no ano de 1985, o direito penal do inimigo era um problema de tipos penais específicos de caráter excepcional. A função que cumpria originalmente a definição era de oferecer uma expicação dogmática sobre determinados tipos da parte especial que têm a ver especialmente com a antecipação da intervenção do direito penal e com o rigor punitivo com o qual são tratados (a antecipação não implica em diminuição de pena). Neste caso, Jakobs adotava uma postura essencialmente descritiva sobre determinadas partes do direito penal alemão (que se podia estender aos outros ordenamentos). Esta posição original não suscitou um grande apoio da doutrina, nem uma resistência frontal pela mesma18. Embora Jakobs fosse ambíguo em relação ao alcance da denominação, era possível utilizar desde sua proposta a referência ao direito penal do inimigo em um sentido crítico como uso ilegítimo do direito penal e, portanto, o direito penal do inimigo a partir dessa potencial crítica poderia vir a se converter em um dado ou critério político-criminal de ilegitimidade. - Em uma segunda fase, quatorze anos depois19, o direito penal do inimigo alcançou uma nova dimensão de força a se converter num elemento estrutural da teoria do direito penal e da pena de Jakobs. Para esse autor, a distinção conceitual entre cidadão e inimigo se converteu em uma questão essencial de seu pensamento, de modo que sua teoria perdeu seu aspecto monolítico que até então havia apresentado na medida em que apareceram os modelos de direito penal e de pena reconhece a estreita relação deste direito penal excepcional com o que Jakobs chama de direito penal do inimigo; Silva Sánches/Felip i Saborit/Robles Planas/Pastor Muñoz, Ideología de la seguridad, p. 129. Em relação ao direito processual, FRISCH, Strafrechtswissenschaft, pp. 197 s. 15 La expansión, p. 166. 16 Em profundidade sobre a evolução do conceito de direito penal do inimigo na obra de Jakobs a partir de uma perspectiva crítica, ver: Prittwitz, Política criminal, pp. 107 ss. 17 ZStW 97, pp. 753 ss., 783 s. y PG, 2/25 c. Sobre estas colocações iniciais de Jakobs: Baratta, Pena y Estado, pp. 46 s., a ressaltar o importante valor político-criminal desta abordagem; Dencker, StV 88, pp. 262 ss.; Kindhaeuser, Gefährdung, pp. 182 ss., a assumir certos aspectos e a criticar outros, a ressaltar como não se trata de um problema dogmático e sim que o problema de fundo é que certos tipos penais apresentam problemas de legitimidade no direito penal liberal do cidadão (p. 188). 18 Ver a informação de Gropp, ZStW 97, pp. 920 ss. 19 Sobre esta mudança Schulz, ZStW 112, pp. 659 ss. Não é, contudo, adequada a definição desta mudança de rumo da perspectiva jakobsiana por parte de Ambos, ZStrR 2006, pp. 18 s., como conversão do direito penal do inimigo em programa político, o qual é pouco compatível, por outro lado, com as objeções que lhe são dirigidas noutros lugares do mesmo trabalho (pp. 20 ss.).

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com fundamentos diametralmente distintos. Ademais, entrou em cena a relevância da distinção cidadão/inimigo de modo a produzir uma mudança essencial: a perspectiva de Jakobs não só carece das possibilidades críticas que anteriormente oferecia como também passa a ser uma perspectiva legitimante20. Contra essa perspectiva legitimante, que se radicalizou com os atentados de onze de setembro de 2001 contra as torres gêmeas de Nova York e o Pentágono como se pode notar em seu trabalho sobre o direito penal do inimigo de 2003 e em seu trabalho sobre a pena estatal de 2004; é contra tal perspectiva que, com boas razões, se têm alçado as vozes críticas da doutrina. Jakobs não só oferece uma descrição do direito penal do inimigo que pode ser encontrada nos ordenamentos jurídico-penais ocidentais, o que, como foi dito, é algo completamente compartilhado, como também oferece um conceito de inimigo o qual justifica que determinados sujeitos tenham de ser tratados como não-pessoas no direito. Aí é em que precisamente se aloja a compreensível resistência generalizada à sua construção. Nesta segunda fase, a definição de uma norma como pertencente ao direito penal do inimigo só acarreta a indicação de que tem de ser legitimada ou justificada com referência a pressupostos distintos daqueles que têm servido para o direito penal de cidadãos. Isso se pode verificar em um elemento essencial de sua teoria como é a função social da pena: Jakobs introduziu perspectivas inócuas ou de prevenção individualizada em relação aos inimigos, e a utilizar argumentos kantianos, afirma que “se deve separar aqueles que não admitem se submeter a uma constituição civil21”. O direito penal do inimigo se converteu numa parte fundamental ou estrutural de sua teoria da pena como complemento necessário do direito penal da pessoa orientado à prevenção geral positiva22. Jakobs quer que o conceito de pena sirva também para cumprir funções de segurança cognitiva contra os sujeitos competentes (culpáveis) que não oferecem um mínimo de segurança de que levarão uma vida conforme o direito. “O direito penal do inimigo mantém a vigência da norma, o direito penal do inimigo [...] combate perigos23”. A prevenção geral positiva não é uma estratégia válida, ao menos exclusivamente, para certos autores suscetíveis de culpabilidade que geram insegurança cognitiva e que, por isso, devem ser tratados de forma radicalmente distinta. Sua teoria geral da pena como prevenção geral positiva serve para os cidadãos e não para os inimigos. Se Jakobs mudou de rumo nos últimos anos e tem dado à dicotomia cidadão/inimigo um conteúdo essencial, isso se deve não apenas ao interesse de descrever um fenômeno como também é uma necessidade motivada por sua construção teórica de 20

Esta mudança qualitativa pode ser vista em Spinellis-FS, pp. 460 ss., Die Deutsche Strafrechtswissenschaft vor der Jahrtausenwende, pp. 51 ss., Derecho penal del enemigo, passim, La pena estatal, pp. 167 ss. (capítulo VI), ZStW 117, pp. 839 ss. A relevância dessa mudança já foi antecipada por Pawlik, Betrug, p. 58. 21 Derecho penal del enemigo, p. 14; La pena estatal, pp. 173 ss., especialmente p. 174. 22 Norm, Person, Gesellschaft, pp. 109 ss., em que a questão é tratada dentro de sua reflexão filosófica sobre a pena; La pena estatal, pp. 167 ss. (capítulo VI). Em ambos os casos chega à curiosa conclusão de que o direito penal internacional não é direito penal de cidadãos, e sim direito penal de inimigos, na medida em que não se trata de um ordenamento normativo consolidado e real de acordo com o qual se desenvolva a Comunidade Internacional (Derecho penal del enemigo, pp. 51 s.). 23 JAKOBS, Derecho penal del enemigo, p. 33.

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direito penal. Isto é, determinados pontos de partida de Jakobs ou elementos básicos de sua teoria do direito desembocam na necessidade de tratar determinados delinquentes como não-cidadãos ou como não-pessoas. Jakobs não apenas chega à conclusão de que o ordenamento jurídico trata determinados delinquentes como não-pessoas no direito, como também considera que devem ser tratadas assim por não haver outra alternativa. Em suas obras sobre o tema repete-se o lema: “quem não dá a garantia cognitiva de que se comportará como pessoa de direito, não deve ser tratado como pessoa de direito24”. - Na evolução relatada é preciso assinalar que as coisas parecem ter mudado entre 2003 e 2005 como consequência da generalizada resistência crítica à sua posição. Se Jakobs em trabalhos muito recentes parece ter decidido dar algum passo para trás e insistir no caráter descritivo de sua construção25 é porque se deu conta de que o seu sistema tem sido visto pela doutrina dominante como incompatível em relação aos elementos essenciais de um Estado democrático de direito. Ademais, embora procure destacar os aspectos descritivos de sua construção, não pode renunciar totalmente aos elementos normativos já que uma mudança radical de rumo exigiria que deixasse para trás um lastro que acabaria por afetar elementos básicos de sua teoria geral do direito. A essa questão dedico-me em seguida, haja vista que embora Jakobs esteja atualmente a fazer ver que o conteúdo normativo de seu modelo está reduzido a 20% ou a 2% de modo a deixar 80% ou 98% ao campo da descriçào, isso não muda substancialmente as coisas. 3. A autêntica raiz da questão: a definição de cidadão ou de pessoa como indivíduo fiel ao direito De acordo com Jakobs o delinquente só pode ser tratado como pessoa e como objeto ou como risco na medida em que possa garantir sua fidelidade no futuro; do contrário, já não pode ser tratado como pessoa e sim apenas como inimigo. O inimigo não seria um sujeito de direito, e sim apenas um objeto deste. O direito penal do inimigo, na versão radical propugnada por Jakobs, deriva diretamente de seu 24

La pena estatal, pp. 174 s. No prólogo à edição argentina de seu livro com Cancio Meliá (Jakobs/Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, edit. Hammurabi, Buenos Aires, 2005) publicado em junho de 2005, Jakobs afirma que “se o leito tiver dúvidas acerca de se alguma de minhas considerações são utilizadas com intenção descritiva ou normativa, me compreenderá melhor se eleger a variante descritiva, isto é, se intentar olhar cominigo no espelho da sociedade de liberdades. As poucas anotações normativas apenas servem para delimitar a imagem. Agradeço desde já pelas correções de eventuais percepções errôneas”. Durante a revisão deste ensaio, chegou às minhas mãos o texto de uma conferência de Jakobs, com o título: ¿Derecho Penal del enemigo? Un estudio acerca de los presupuestos de la juridicidad, em que muda o enfoque que vinha a dar ao direito penal do inimigo. Este trabalho ratifica a impressão de que nos encontramos em uma terceira fase na elaboração teórica do direito descritivo do inimigo por parte de Jakobs no que resulta interessante sua insistência no enfoque descritivo dos pressupostos da juridicidade. Assim, por exemplo, na nota preliminar responde às críticas de Roxin e Greco que “quem descreve o necessário não se preocupa com a legitimação” e nas primeiras linhas do trabalho insiste em que o que ele intenta é apenas “descrever a quem o sistema jurídico trata como inimigo, e prognosticar a quem atribuirá no futuro esse papel. Não se trata de criar normas, muito menos postulados políticos, e sim de seguir constatações e seus prolongamentos até o futuro”. Adiciona na parte I.B que “repetirei que minhas considerações se formulam com intenção descritiva, não prescritiva [...] e por isso procuro conhecer e dar a conhecer do que se trata, ainda que seja detestável”. Sem embargo, a última parte desta conferênca (V) é dedicado a questões que, evidentemente, não são apenas descritivas porque a mera descrição não esgota a questão: "É legítimo um direito penal do inimigo? E, em caso afirmativo: Até que potno?”. 25

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conceito de pessoa como procurarei expor. Apesar de originalmente o direito penal do inimigo como fenômeno basear-se num conceito descritivo (com potencial crítico, portanto), o desenvolvimento do conceito de inimigo vinculado ao conceito funcionalnormativo de pessoa do catedrático de Bonn (a inclusão como estratégia social só se pode descrever em relação à exclusão) faz com que a colocação da questão adquira uma dimensão diferente. A principal objeção que foi dirigida ao sistema funcionalista de Jakobs desde o princípio foi sua incompatibilidade com o conceito de pessoa que tem o direito26. A crítica tem um caráter essencial de maneira que o próprio Jakobs, a reconhecer este problema, procurou resolver essa questão ao tratar com profundidade o conceito de pessoa, sobretudo a partir de 198527. Sem embargo, Jakobs não se tem limitado a tentar frear as críticas, de modo que se pode afirmar que o que lhe interessa desde essa data de forma primordial é o conceito normativo de pessoa, que passou a fazer parte essencial de sua tentativa de construção sistemática do direito penal moderno. Seus mais recentes trabalhos sobre a distinção entre o direito penal de inimigos e de cidadãos não é mais uma concreção de sua re-elaboração em chave funcional do conceito de pessoa e de sua idéia de que o sujeito de imputação jurídico-penal destinatário das normas não é um ente natural ou psicofísico, e sim uma pessoa configurada socialmente28. Ainda que a crescente relevância do conceito de pessoa se possa constatar em diversas partes, supõe-se um marco essencial do desenvolvimento de sua posição o trabalho Sociedad, norma e pessoa em uma teoria de um direito penal funcional29, a alcançar o tema seu ponto máximo de desenvolvimento em Norm, person, gesellschaft30. A teoria funcional de Jakobs jão não tem apenas dois elementos essenciais, os conceitos de sociedade e de norma (expectativas contrafáticas) como também o conceito de pessoa como terceiro elemento essencial31 (melhor dizer pessoa jurídica ou pessoa no direito, entendido como conceito amplo que englobaria a tradicional distinção entre pessoas físicas e pessoas jurídicas). É mérito de Jakobs ter ressaltado como que o que interessa desde a perspectiva dogmática não é o indivíduo como homo phaenomenon, e sim como pessoa jurídica, isto é, como construção social e, em concreto, jurídica. É o ordenamento normativo

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Vide: Kindhaeuser, ZStW 107, pp. 707 ss.; Neumann, Generalprävention, p. 149; Schneider, Funktionalismus, pp. 15 s. 27 Assim, por exemplo, Fabricius, Lehrbuch, pp. 60 ss., compartilha das críticas de Kindhaeuser e Neumann ao se referir à segunda ediçào do manual de Jakobs, mas reconhece que essa lacuna foi suprida a partir de 1995, ainda que pessoalmente não goste do conceito de pessoa posto por Jakobs. 28 Básico Jakobs, Norm, Person, Gesellschaft, pp. 35 ss. y Doxa 2000, pp. 340 ss. Mui evidente este ponto de partida no trabalho de habilitação de seu discípulo Lesch, Verbrechensbegriff, p. 186 e passim, que adota como ponto de partida uma perspectiva normativa da subjetividade. É cada vez mais evidente esta progressiva normativização através do conceito de pessoa na escola de Jakobs: Jakobs, Sociedad, norma y persona, pp. 78 s.; Pawlik, Betrug, pp. 7 ss., com grande profundidade. Ocupei-me com maior profundidade desta questão em Teoría de sistemas, pp. 525 ss. 29 Em especial, pp. 29 ss., 69 ss., sobre a subjetividade mediada pelo social. Vide: Spinellis-FS, pp. 447 ss. e Normativización, pp. 18 ss. 30 Pp. 38 ss. 31 Mir Puig, RDPC 98, p. 454, o qual desde o prólogo da 1ª ed. de seu manual (p. VII) havia afirmado que o conceito de imputação era também um conceito funcional, esta questão não teria lugar marcado em seus trabalhos.

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que reconhece e atribui personalidade32. Ele não supõe negar ao indivíduo suas características individuais, e sim apenas ressaltar que desde a perspectiva do sistema jurídico apenas interessa a dimensão normativa dos seres humanos. Quando Schuenemann33 afirma que: no sistema de Jaboks não interessa “o indivíduo entendido como sujeito ilhado, e sim a sociedade concebida como um sistema social autopoiético para o qual os homens só têm relevância como ‘pessoas’, ou seja, como ‘estruturas’ ou desempenhadoras de papéis”, apesar do tom crítico com que o faz Schuenemann, mais que uma crítica, trata-se de uma aproximação descritiva. O que caracteriza a concepção normativa de Jakobs é que em sua teoria do direito penal nunca deixou de estar latente a concepção de que o sistema social exige uma cooperação ou prestação positiva a seus cidadãos que tem a ver com a fidelidade ao direito34. Essa idéia, independentemente das influências de Luhmann ou Hegel, é um pressuposto de sua teoria que se tem mantido inamovível durante o passar do tempo. O status de cidadão é definido como um dever. Este ponto de partida, somado a uma excessiva identificação entre Estado, sociedade e pessoa35, é o que faz com que apenas seja materialmente (e não só formalmente) definido como pessoa o que reconhece internamente as normas ou, o que é o mesmo, “atua em fidelidade ao ordenamento jurídico36”: “por meio da fidelidade ao ordenamento jurídico é que se constituem as pessoas37”. Isso tem como consequência teórica que os que nem sequer possuem um mínimo de fidelidade têm de ser declarados pelo sistema social como não-cidadãos, o que, como sabemos, permite utilizar qualquer medida coativa contra eles. O que delinque (é infiel) uma vez ou outra é formalmente pessoa, contudo a alguns não é sequer possível dar essa definição formal (em suma, uma personalidade potencial, isto é, não existente). O conceito de pessoa do sistema jurídico conforme Jakobs tem, pois, um conteúdo material que exige certa racionalidade individual vinculada à sociedade ou, caso se prefira, ao ordenamento jurídico. Assim, se entende que para Jakobs – de modo coerente – o cometimento de um delito implique que uma pessoa enfraqueça sua personalidade em sentido material (já que uma pessoa por definição é apenas a que se mantém minimamente fiel ao direito a compartilhar seus valores); o que delinque passa a ostentar exclusivamente uma personalidade formal38 que nem sequer é 32

Em diversos lugares, recentemente, ZStW 117, pp. 247 ss. Em sentido contrário: Gracia Martin, RGDP 2004, pp. 14 ss. e RECPC 2005, pp. 34 ss. Não deixa de ser interessante que segundo este autor embora o direito em geral tenha em conta a pessoa como construção social ou normativa, isso só se excepciona para o direito penal. Na mesma linha crítica: Ambos, ZStrR 2006, pp. 20, 25 ss. 33 Culpabilidad, p. 99. 34 Com variações, isso é algo que está presente tanto em seus primeiros trabalhos (Jakobs, Schuld und Prävention, p. 29, em que é evidente que os sub-sistemas individuais têm que efetivar prestações positivas para a manutenção do ordenamento), como nos da última fase de seu pensamento (Jakobs, Norm, Person, Gesellschaft, pp. 112, 125 e passim, “pessoa é o que tem de cumprir uma tarefa para um grupo”, a assinalar como os direitos surgem pela necessidade de cumprir com os deveres como tarefas em benefício do grupo). 35 Kargl, GA 99, p. 66; Prieto Navarro, Ciudadanos y enemigos, pp. 55 ss., 75 s. 36 Derecho penal del enemigo, p. 36. 37 Normativización, p. 11. Vide: Sociedad, norma y persona, pp. 64 s., em que se define normativamente como pessoa o cidadão fiel ao direito, de modo a ser um “assunto particular do cidadão se preocupar em ser suficientemente fiel ao direito”.. 38 Straftheorie, pp. 32 ss. eNorm, Person, Gesellschaft, pp. 98 ss. Críticas acertadas em relação a esta construção formal da personalidade desde a perspective da imposição da pena: Polaino

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reconhecida ao que não oferece ou dá uma segurança cognitiva nesse sentido (o inimigo ou o não-cidadão)39. O que cabe objetar a essa concepção teórica é que no marco do sistema político e jurídico vigente o ordenamento não espera que os cidadãos reconheçam pessoalmente as normas, e sim apenas que não ajam com menosprezo em relação às normas da vida social. Num sistema de liberdades, o cidadão tem liberdade para decidir se vai se comportar de acordo com a norma e quais são as razões pelas quais lho fará. Nesse contexto normativo, o direito não pode exigir dos cidadãos que acatem as normas como corretas e em virtude disso organizem uma vida conforme o direito. O direito próprio de um sistema de liberdades materialmente democrático tem de reconhecer, ao contrário, ao cidadão a possibilidade de rechaçar internamente ou mediante expressões a norma como válida, o que não se lhe pode reconhecer – já que sem a norma em particular e o sistema democrático de liberdades em geral não teria vigência – é executar uma ação contrária à norma. O dever não consiste em ser fiel à norma, e sim em evitar não a reconhecer mediante um comportamento que a infrinja. Isto é, aquele que não reconhece internamente a norma deve evitar – a seguir a estratégia que quiser – o injusto (a infração da norma). A pena só pode ser imposta ao que manifesta ou comunica uma falta de reconhecimento da norma por meio de uma ação que a infrinja. O ordenamento de um sistema democrático não pode exigir, portanto, mais que o reconhecimento externo. Não duvido que Jakobs estaria de acordo com minhas observacões, embora as bases teóricas de seu sistema ponham óbices para chegar a essa conclusão. Sua recuperação da distinção hobbesiana entre fides e confessio40 não resulta em um cimento bem sólido para manter este tipo de evidências. Isso é devido, em minha opinião, ao fato de que a posição de Jakobs e aí reside o problema essencial da construção da dicotomia cidadão/inimigo, acaba por ser insuficientemente normativa no que diz respeito à estruturaçào da personalidade jurídica41. Jakobs considera que Navarrete e Polaino-Orts, PG, p. 46, ao assinalar como tal construção resulta contraditória a partir dos pressupostos de Jakobs. 39 Vide: Straftheorie, pp. 37 ss. eNorm, Person Gesellschat, pp. 109 ss. 40 Jakobs, Norm, Person, Gesellschaft, pp. 73, 79. 41 A crítica de Gracia Martin, RGDP 2004, pp. 21 ss. e RECPC 2005, pp. 38 ss., caminha em sentido contrário, a considerar que Jakobs não leva em consideração o homem individual empírico (“o direito penal não tem como destinatário a pessoa jurídica, isto é, entendida como construção normativa, e sim o homem, entendido como indivíduo humano”). Contudo, o que ocorre é o contrário: Jakobs é inconsequente em relação a seu ponto de partida geral porque precisamente o ponto de partida da teorização do inimigo se encontra na constatação empírica de que há sujeitos distintos que, formulado em termos welzelianos, carecem de capacidade para se vincular ao ordenamento éticosocial. Welzel já esteve diante deste problema, que não posso resolver mediante a pena retributiva senão mediante um sistema específico de medidas de segurança. Jakobs, na realidade, coloca o mesmo problema em termos mais moderno e a desvincular o direito das sociedades modernas da existência de uma ordem ético-social. A teoria da pena de welzel só funciona em relação aos cidadãos que podem ser definidos como capazes de vinculação ético-social e diante dos restante, com respeito aos quais o direito não pode desenvolver essa formação ética, não resta mais que a prevenção geral negativa ou a prevenção especial negativa (em forma de medidas de segurança). Pode-se considerar que a descrição de Jakobs não corresponde com a realidade, e não há excesso de normativismo neste ponto. Por exemplo, em La pena estatal, p. 165, a comentar a discussão entre Feuerbach e Grolmann, afirma que “com toda segurança, Grolmann exagera quando considera praticamente qualquer delinquente como uma figura tão duvidosa que fora necessário apená-lo para evitar ulteriores atos: mas é um fato que há figuras especialmente duvidosas, autores que agem como se o delito fosse seu modo de vida, autores que dão impulso a seus institos, autores de tendência,

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a presunção de respeito às normas com que o sistema jurídico trata os cidadãos se esvai quando há evidência do contrário, ou melhor, que o sistema jurídico não possui uma confiança contrafática nos cidadãos42: “aquele que não dá garantia cognitiva de que vai se portar como pessoa no direito não tem porque ser tratada como pessoa no direito43”. Seria uma espécie de presunção iuris tantum. Em minha opinião, trata-se, por dizer de uma forma gráfica, de uma presunção iuris et de iure (haja vista que uma presunção é uma definição básica do ordenamento jurídico). A definição de pessoa do sistema jurídico não é apenas para o que a deseja44 senão que é plenamente contrafática ou puramente normativa porque nunca vai tratar os sujeitos de acordo com uma definição distinta45. As pessoas têm sempre os mesmos direitos e deveres e por isso podem ser castigadas vez ou outra. Mesmo que a questão da exclusão fática por parte da ordem social (pobreza extrema, marginalidade etc.) possa chegar a se produzir e, portanto, pode ser um dado relevante para o discurso jurídico, a exclusão normativa não é possível em nosso sistema jurídico-constitucional, já que iria de encontro com as bases do próprio sistema. A Constituição reconhece a todos um status mínimo de pessoa (com seus direitos e liberdades fundamentais) sem que ninguém o tenha de obter e reconhece uma dignidade (com os direitos invioláveis que lhes são inerentes) que obriga a tratar todos sempre como sujeitos de direito e impede que sejam tratados preventivamente como meros objetos (perigos, riscos etc.). Portanto, não se trata de o “inimigo”, que para Jakobs é o perigoso culpável, não seja pessoa, senão que a questão é de que a ser cognitivamente pessoa descobrimos ser perigoso. Isso pode terroristas e outros nos quais cabe identificar uma tendência consolidada em relação ao delito, e parece um tanto quanto ingênuo impor – com Feuerbach –a pena apenas em virtude da legalidade, sem pensar jamais na segurança”. 42 Esta idéia de que a personalidade não é contrafática é, na realidade, a base de sua construção (Derecho penal del enemigo, pp. 36 ss., 47 s.). Segundo Jakobs “a personalidade é irreal como construção exclusivamente normativa. Apenas será real quando as expectativas que se dirigem a uma pessoa também se cumpram no essencial. Certamente, uma pessoa também pode ser construída contrafaticamente como pessoa, mas, precisamente, não de modo permanente ou sequer preponderante. Quem não fornece uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado como pessoa, como o Estado não o deve tratar como pessoa”. Chamo atenção à expressão “deve tratá-lo” (isto é, segundo Jakobsm não há alternativa funcional alguma). Sobre as raízes hobbesianas desta idéia, ver: Prieto Navarro, Ciudadanos y enemigos, pp. 62 ss. 43 La pena estatal, pp. 174 s. 44 Jakobs, Derecho penal del enemigo, p. 40 (“um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar num estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”); idem, Normativización, p. 54 (“a pessoa de direito, ou seja, o titular de deveres e direitos, só pode ser tratada como pessoa na medida em que se conduza fundamentalmente conforme a norma; caso se comporte permanentemente como um diabo, converte-se em um inimigo, isto é, em uma nãopessoa”). 45 No mesmo sentido: Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, pp. 98 s. Nest ponto há um salto lógico na argumentação de Jakobs, a incorrer, neste ponto, num certo naturalismo que não casa bem com sua metodologia normativa. Da constatação de uma atitude vital aversiva, Jakobs traz uma conclusão normativa: o que ele define como inimigo já não pode ser tratado como pessoa ou, melhor, deve ser tratado de um modo que resulta intolerável para qualquer pessoa. Contudo, um dado fático sem base não dá lugar a uma determinada decisão normativa. Esta se tem de adotar de acordo com os parâmetros do sistema político e jurídico vigente: o Estado democrático de direito. Neste ponto, portanto, é que divirjo radicalmente de Jakobs. A existência de inimigos (de acordo com a definição jakobsiana já exposta) não tem porque gerar necessariamente uma consequência normativa com a que afirma Jakobs. Como já disse, neste ponto do discurso há um salto lógico na argumentação. O sistema jurídico pode reagir como disse Jakobs, mas não tem porque ser necessariamente assim. Há alternativas e, em minha opinião, o decisivo é que o Estado democrático de direito faça uso de tais alternativas.

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condicionar o cumprimento da pena (sem a aumentar) ou gerar outro tipo de responsabilidade que não tem a ver com os fins da pena senão do direito policial (de segurança cidadã) sob controle judicial. Não teria, tampouco, problema constitucional algum em que após a condenação fosse possível adotar medidas (não necessariamente privativas de liberdade) como, por exemplo, de localização em hipóteses de alta periculosidade residual sempre que estejam em perigo bens jurídicos básicos irrecuperáveis (vida, saúde, liberdade)46. Sobre isso falarei mais adiante. Em todo caso, as medidas que se poderia adotar estariam sempre e sem exceção submetidas ao princípio de proporcionalidade e aos limites formais de toda sanção, já que o perigoso não deixa de ser pessoa e desfrutrar de seus direitos constitucionais. Em sentido contrário a essas idéias, Jakobs argumenta – com muita coerência em relação ao ponto de partida exposto – com argumentos fáticos: tratar o inimigo que se deve combater como um cidadão supõe um abuso do direito penal para os cidadãos, já que toda instituição jurídica precisa de um apoio cognitivo. Não há mais saída do que colocar nestes termos a questão, já que se as situações de infidelidade não pontuais ou ocasionais não despersonalizarem, seu edifício dogmático cairia por terra: a função social da pena já não consistiria em produzir fidelidade normativa. 4. Características negativas do modelo exposto 4.1. Problemas conceituais O direito penal do inimigo e, sobretudo, o conceito de inimigo introduz um grau de faticidade que não deveria ter lugar em uma teoria tão normativa quanto a de Jakobs, ainda que isso seja devido, segundo justifica este autor, ao peso que o subsistema economia, com suas necessidades cognitivas, tem nas sociedades modernas ocidentais47. Jakobs tem uma teoria normativa do direito penal para cidadãos e uma não normativa para inimigos. O enorme projeto metodológico de normatização que este autor empreendeu pode desaguar no direito penal do inimigo. Há um exemplo concreto: a revitalização da ineficácia por meio de uma teoria da pena, ainda que se procure ocultar sob o manto de que tem a ver com uma maior culpabilidade, supõe uma quebra no sistema de Jakobs48. No sistema de Jakobs acabam por conviver duas concepções paralelas da culpabilidade: não há apenas uma culpabilidade. Curiosamente a responsabilidade penal dos inimigos é uma incoerência com as bases do sistema funcional jakobsiano até agora, a destroçar entre outras questões elementos básicos de sua teoria como a distinção entre expectativas normativas e cognitivas. No âmbito do direito penal do inimigo o que se trata basicamente é da defraudação de expectativas cognitivas como, por outro lado, Jakobs reconhece: “as pessoas não apenas necessitam da certeza de estar no direito, como também de que poderão sair mais ou menos 46

Pode-se pensar inclusive noutro tipo de medidas não privativas nem restritivas de liberdade como a existência de arquivos de DNA deste tipo de delinquentes. 47 Norm, Person, Gesellschaft, pp. 112 ss. e Strafrechtswissenschaft vor der Jahrtausenwende, p. 49. Esta primazia do subsistema economia na sociedade atual por sua maior incidência sobe os outros subsistemas sociais (entre eles o direito) se encontra já presente na obra de Luhmann nos anos oitenta (vide: Ökologische Kommunikation, p. 101), mesmo que posteriormente este autor tenha mudado de opinião a outorgar preeminência ao subsistema ciência. 48 Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, pp. 94 ss.

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adiante com seus interesses, com seu bem-estar49”. Jakobs assinala como “a vigência da norma não é um fim em si mesma; as pessoas querem se estabelecer no ordenamento jurídico e encontrar alí sua liberdade e bem-estar50”. 4.2. Problemas com as garantias próprias do Estado de direito A dicotomia cidadãos/inimigos coloca sérios problemas de compatibilidade com o princípio do fato como princípio básico de um direito de penas próprio dum Estado de direito, a se inclinar muito mais a um direito penal do autor51, mesmo que não se possa negar se tratar dum direito penal do autor de características distintas às dos modelos até então conhecidos. 4.3. Problemas político-criminais A teorização do direito penal do inimigo nos termos expostos acaba por ter como efeito – não necessariamente almejado – a legitimação dos discutíveis e disfuncionais processos de endurecimento punitivo que estão a experimentar os ordenamentos jurídico-penais ocidentais. Resulta perigosíssima sua idéia de que o inimigo (definido terrivelmente como não-cidadão) apresenta uma culpabilidade distinta. Jakobs fundamenta a atual expansão em intensidade do direito penal com base na idéia de que o inimigo não apenas lesa a segurança jurídica como também a cognitiva e que, por isso, deve suportar não só uma reação normativa como os cidadãos, mas também uma reação cognitivamente necessária. 4.4. Problemas metadogmáticos A concretizar o conceito de inimigo, este traz certa confusão à análise jurídico-penal, e, dentro do direito penal para inimigos se têm mesclado questões muito diversas. Por exemplo, nos trabalhos de Jakobs posteriores à sua mudança de rumo de 1999 sobre o direito penal do inimigo, têm-se encontrado de forma crescente a partir do atentado do onze de setembro de 2001 referências pontuais ao fenômeno do terrorismo globalizado de origem islâmica52. Nestes casos, dentro de sua teoria entremesclam-se num mesmo plano a condenação de uma pessoa na Audiência 49

Normativización, p. 53. Normativización, p. 54. Esta idéia é desenvolvida em Derecho penal del enemigo, pp. 36 s., a assinalar que “caso se pretenda que uma norma determine a configuração de uma sociedade, a conduta conforme à nroma deve realmente se esperada no essencial, o que significa que os cálculos das pessoas deveríam partir de que os demais se comportarão conforme à norma, isto é, precisamente a não a infringir. Ao menos nos casos das normas de certo peso, que se possa esperar a fidelidade à norma necessita de certa corroboração cognitiva para poder se converte em real [...] sem uma suficiente segurança cognitiva, a vigência da norma se corrói e se converte em uma promessa vazia, vazia porque já não oferece uma configuração social realmente suscetível de ser vivida [...] as pessoas não querem apenas ter direito, como também ir e vir, de se dizer, sobreviver enquanto indivíduos necessitados, e a confiança no que não deve ser apenas supõe uma orientação com a que é possível sobreviver quando não é contradita com demasiada intensidade pelo conhecimento do que será”. 51 Ambos, ZStrR 2006, p. 27; Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, pp. 88 s., 93 s., 100 ss. (“a regulação tem, desde o início, uma direção centrada na identificação de um determinado grupo de sujeitos – os ‘inimigos’ – mais do que na definiçõ de um ‘fato’”); Diez Ripolles, L-H Mourullo, p. 289; Feijoo Sanchez, ADP 2000, pp. 1207 s.; Hefendejl, StV 95, pp. 159 s.; Sinn, ZIS 2006, p. 116. 52 Sobre este fenômeno ver o cenário estratégico desenhado pela Directiva de defensa nacional 1/2004 de 30 de dezembro. 50

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Nacional ou no Tribunal Superior de Hamburgo por colaborar com uma organização que prepara atentados terroristas além das fronteiras, fenômenos como o de Guantánamo ou o bombardeio de países como o Afeganistão. Tudo acaba posto no mesmo saco se for considerado que com os inimigos se trata de combater riscos na medida do necessário, de modo que optar por uns instrumentos violentos ou outros para combater o inimigo não é mais que uma questão de conveniência. Por isso não é estranho que na linha de seus trabalhos mais recentes sobre o direito penal do inimigo apareçam referências à persecução de delitos mediante a guerra53. O direito penal do inimigo pode canalizar-se como tal por meio de um processo ou se transformar sem problemas em algo complementar ao direito penal (e, inclusive, ao direito em geral). Isso é indiferente à medida que o que importa é a prevenção do delito, de modo que a reflexão sobre os instrumentos para alcançar tal objetivo perde importância. Isso é especialmente preocupante numa época histórica na qual têm desaparecido as fronteiras entre segurança interna e segurança externa, entre a luta contra o delito e a guerra (inclusive entre a guerra e a paz)54, de modo que o exército faz as vezes de polícia55 e de modo que já não é preciso distinguir entre investigações policiais e atividades de serviços secretos (que, em muitos casos, são convertidas logo em formalidades judiciais). A posição de Jakobs acaba por justificar uma guerra sem quartel contra o inimigo, o que pode fazer desaparecerem todos os limites inerentes a um Estado democrático de direito, especialmente ao serem combatidos os riscos que vêm de fora de nossas fronteiras (os inimigos externos56). Ao contrário do que sustenta este autor, não se trata de terroristas brutais consiguirem que diante deles não haja nenhuma outra regra que o racionalmente necessário, senão que nós queiramos manter as regras do jogo do Estado democrático de direito porque normativamente definimos de tal maneira57. Não deixa de ser atrativo que o modelo jakobsiano, que acaba por retirar os conflitos protagonizados por inimigos do âmbito do direito, esteja a obrigar os participantes no debate a dizer obviedades como que se o tratamento dos inimigos não se situar dentro do direito então não é compatível com um Estado de direito. Se o direito penal de cidadãos é, em termos jakobsianos, uma autoconstatação da identidade normativa da sociedade, não se entende porque há de existir um direito penal de inimigos que é todo ao contrário: negação da referida autoconstatação. O conceito de inimigo passa a ser um conceito geral da teoria do direito. Jakobs não apenas modifica com o conceito de inimigo uma parte do direito penal, como que em geral justifica que o inimigo não seja tratado como pessoa de direito (salvo para pagar seus impostos, cobrar heranças e assuntos afins). Sinceramente, dá medo 53

Derecho penal del enemigo, p. 46. Críticas nesta linha: Prittwitz, RP nº 14 (2004), p. 181; Schuenemann, GA 2003, p. 313. Sobre a idéia do direito penal do inimigo em um país com uma guerra civil permanente travada como na Colômbia, ver o estudo monográfico de Aponte, Krieg und Feindstrafrecht. 54 Beck, El mundo después del 11-S. 55 Entre as diretrizes da política de defesa se estabelece de forma clara a colaboração das Forças armadas com as Forças e Corpos de Segurança do Estado para preservar a segurança e o bem-estar dos cidadãos. 56 Desde 2001 têm ocupado um lugar de protagonista no discurso do direito penal do inimigo o que podemos chamar inimigos externos, embora Jakobs não tenha escrito sobre possíveis distinções dentro do grupo de inimigos. 57 Ver: Prantl, Mein Feind, der Terrorist.

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pensar na questão de até que ponto se pode levar o conceito de inimigo quando se utilizam instrumentos que não tenham de ser canalizados por meio de um processo penal. Guantánamo ou a campanha de operações organizadas pela CIA de sequestros de indivíduos em diversos países do mundo para torturá-los e interrogálos nos dão uma idéia do que pode chegar a justificar o conceito de inimigo (a necessidade é um limite difuso, sobretudo quanto maior for a sensação de temor). A referência ao inimigo pode fazer com que nos esqueçamos de que inclusive fora do processo penal existem determinadas garantias jurídicas (por exemplo, as convenções de Genebra também vigem sobre os que não as respeitam). Também na guerra, segundo nosso direito positivo, existem regras jurídicas.. 6. Perspectivas Apesar das quatro características negativas expostas, há uma série de temas estritamente jurídico-penais trazidos pelo direito penal do inimigo e que os trabalhos de Jakobs sobre este tema demonstram que devem ser tratados abertamente em uma perspectiva científica. Ainda que se rechacem os fundamentos últimos do direito penal do inimigo, isso não significa dever ele ser jogado no lixo e que certas idéias de Jakobs não possam ter utilidade em alguns pontos sem que se fuja ao direito penal para cidadãos próprio de um Estado democrático de direito. Rechaçar o modelo de Jakobs não pressupõe pecar por ingenuidade, como este reprova quem que não compartilha com seu modelo dicotômico entre cidadão e inimigo, embora tampouco eu acredite ser certo, como assinala Cancio Meliá58 em suas críticas ao modelo de direito penal do inimigo, tratar-se de medidas em estado de exceção que, portanto, não fazem parte do direito penal; ao menos, determinados conteúdos do modelo jakobsiano não podem ser definidos de forma tão simples como não-direito penal. Esse diagnóstico de Cancio Meliá impede entender adequadamente alguns aspectos dos ordenamentos jurídico-penais vigentes (por apresentar apenas um exemplo, os delitos de terrorismo). Determinados tipos de delinquência apresentam certas peculiaridades que devem ser levadas em consideração pelo direito penal sem que isto nos leve necessariamente a um direito penal de exceção ou de emergência. Não se trata, desde logo, que alguns sujeitos sejam tratados como inimigos, e sim de que, sem que deixem de ser cidadãos, recebam um tratamento jurídico-penal diferenciado é justificável no Estado democrático de direito. Por conseguinte, entendo que existem pelo menos dois temas que, nos próximos anos, a doutrina jurídico-penal espanhola passará a discutir de forma exaustiva e aberta: 6.1. A inocuização59 Creio que muito ganhamos no tratamento dogmático dos problemas se o novo e difuso conceito de inimigo for reconduzido a um velho e conhecido problema da 58

Derecho penal del enemigo, p. 16. Jakobs, Derecho penal del enemigo, pp. 14, 23 s. Sobre este aspecto do direito penal do inimigo, ver: Diez Ripolles, L-H Mourullo, pp. 286 ss., 291 s. Quando na doutrina espanhola atual se fala de inocuização é obrigatório remeter aos trabalhos de Silva Sánchez, L-H Barbero, pp. 683 ss. e La expansión, pp. 141 ss. Este autor assinala com razão (p. 142) como esta é “uma terceira dimensão da administrativização do direito penal” o redescobrimento da inocuização”. Silva Sánchez, La ley 98-4, p. 1450, tem também razão em assinalar que “nas últimas décadas havia uma tendência a identificar a prevenção especial com a ressocialização, algo que neste momento volta a estar longo de ser evidente; ao contrário, intimidação individual (short-sharp-shock) e falta de capacidade (incapacitation) reaparecem como critérios preventivo-especiais merecedores da consideração”. 59

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teoria geral do direito penal: a questão dos delinquentes plenamente culpáveis que encerram uma periculosidade criminal grave. Como já assinalei mais acima, creio não haver problemas para discutir no Estado democrático de direito o que fazer com os cidadãos que apresentem tais características. Estes paralelismos podem ser apreciados se levarmos em conta que Jakobs fundamenta o direito penal do inimigo num direito da segurança dos cidadãos fiéis ao direito. Sem embargo, essa é uma tarefa que, ao contrário do que entende Jakobs, não se pode canalizar por meio de um incremento nas penas senão mediante a opção por outros tipos de sanções como as medidas de segurança pósdelitivas quando isto for estritamente necessário60. Isso é evidente se tivermos em conta que a idéia da pena para inimigos de Jakobs tem, na realidade, a ver com efeitos preventivo-especiais61 e, como reconhece, a prevenção especial é um efeito preventivo que pertence a outro contexto de legitimação que é próprio da prevenção geral positiva. Como assinala com razão o próprio Jakobs, “no âmbito do efeito preventivo-especial de assegurar a pena privativa de liberdade, o autor não é visto como pessoa competente, e sim como foco de perigo. No plano material, trata-se de medida de segurança denominada ‘pena’”. Interessante que Jakobs aceite sem problemas serem as medidas de segurança sanções que fazem parte do direito penal do inimigo, quando, em relação aos cidadãos, sustenta serem sanções de tipo policial ou quase-policial, assim como aceite que o autor que sofre uma pena não seja concebido como uma pessoa competente. Na realidade, Jakobs adiciona a idéia de ineficácia em sua teoria da pena para inimigos ao procurar justificar que o inimigo também apresenta maior culpabilidade e por isso, todavia, cabe falar de penas. É de se observar esta idéia de uma pena maior não só a partir de perspectivas de prevenção especial negativa como também de prevenção geral positiva a entender em sua última reformulação da pena62 que a determinação desta depende da questão da segurança cognitiva: a dor ou o sofrimento que representa a pena serve para a salvaguarda cognitiva da vigência da norma na medida em que o delito põe em perigo o apoio cognitivo que toda norma necessita ter para poder servir de orientação na vida social. O delito põe em risco a prestação real de orientação do ordenamento jurídico e, portanto, sua vigência real. Reparar ou restabelecer tal menosprezo cognitivo que sofre a norma é o fim da pena. O inimigo afetaria mais a segurança cognitiva da norma e por isso seria necessário lhe impor uma pena maior “por sua maior culpabilidade neste sentido”. 60

Evidente na concepção do direito penal do inimigo de Silva Sánchez, La expansión, pp. 164 s.: “se o que caracteriza o ‘inimigo’ é o abandono permanente do direito e a ausência da mínima segurança cognitiva em sua conduta, então que parecer que o modo de o afrontar seria recorrer a meios de segurança cogntiva que não tenham natureza de penas. A mudança do ‘cidadão’ para o ‘inimigo’ ira a se produzir mediante a reincidência, a habitualidade, a profissionalidade delitiva e, finalmente, a integração em organizações delitivas estruturadas. E, nesta passagem, além do significado de cada fato delitivo concreto, manifestar-se-ia uma dimensão fática de periculosidade, à qual se deveria fazer frente de modo ativo. O direito do inimigo – caberia pensar –seria, então, ante todo o direito das medidas de segurança aplicáveis a imputáveis perigosos”. Junto a esta questão fariam parte do direito penal do inimigo segundo Silva Sánchez o problema das regras materiais e processuais específicas para a delinquência organizada (p. 165) que será tratada posteriormente. 61 Normativización, pp. 57 ss.; La pena estatal, p. 172 (“a confirmação da nroma cede diante da administração de segurança”). A recuperação do pensamento de Grolmann em sua última obra sobe a pena (La pena estatal, pp. 163 ss.) como preâmbulo do tratamento da pena para inimigos não é nenhuma casualidade. 62 La pena estatal, pp. 129 ss.; La pena como reparación del daño, passim.

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Contudo, o que Jakobs leva em consideração é que sua culpabilidade não é maior por ser mais infiel à norma, e sim que gera insegurança cognitiva porque se espera que no futuro continue a ser culpável. Portanto, a maior pena não tem a ver com a culpabilidade pelo fato que ocorreu e sim pelo que é esperado no futuro. Trata-se, nas palavras de Jakobs, de defesa ou combate diante de perigos. A construção de Jakobs para legitimar uma pena maior para inimigos mascara o problema de fundo: trata-se simplesmente de ineficácia. Isso é evidente se levarmos em conta que a solução à insegurança cognitiva oferecida pela sanção penal é resgatar de um ambiente ou retirar da vida social aqueles que não se orientam por mínimas pautas comuns para que os cidadãos possam contar com que os indivíduos com os quais convivem não operem com modelos normativos completamente distintos. Apenas assim, segundo Jakobs, se pode garantir uma segurança cognitiva mínima e os cidadãos podem agir a contar com que só se encontrão com pessoas com um mínimo de fidelidade ao direito. Colocada sem rebuços a questão, o que se deve perguntar é se inicialmente é legítima num Estado de direito a inocuização. E creio que a resposta é negativa em relação às garantias próprias ao Estado democrático de direito. A ineficácia não pode fazer com que sejam impostas penas mais elevadas, apesar de ser aspecto não incompatível com um Estado democrático de direito. Com respeito à ineficácia, destacam-se duas questões: a) a forma de execução da pena de prisão para delinquentes perigosos; b) que fazer com os sujeitos culpáveis que mantêm sua periculosidade criminal depois de cumprir sua condenação. A primeira questão é um elemento que faz parte de nosso direito penitenciário: a periculosidade determina a classificação e a forma mais ou menos severa de cumprimento da pena de prisão. E esta é uma questão que não pode ficar sem tratamento teórico63. Caso não se admita existir uma maior culpabilidade nestas hipóteses, ao contrário de Jakobs, é evidente que o fim da ineficácia não pode ter como consequência que se reajuste a pena adequada à culpabilidade por um fato. A utilizar seus próprios argumentos contra isso: tratar-se-ia de uma despersonalização jurídica (por isso representa uma – ilegítima – infração do princípio de culpabilidade). O único efeito que pode ter a periculosidade do condenado é afetar as condições de cumprimento da pena de prisão, o que por outro lado é uma questão que já está contemplada em nosso direito penitenciário64. O cumprimento duma pena adequada à culpabilidade também serve, e isso se pode verificar de forma consciente ou intencional, para prevenir delitos durante o tempo de cumprimento da pena65. A ineficácia não é uma estratégia legítima como fim que justifique a existência de uma instituição como a pena e, portanto, não pode condicionar a duração da mesma. Além das possibilidades – limitadas – mencionadas, cabe apenas optar (ou não) de lege ferenda por medidas policiais ou preventivo-especiais para combater a periculosidade criminal residual depois da execução da pena, como exporei mais adiante. Assim, ao contrário do que defende Jakobs66, estas funções assegurativas 63

JAKOBS, Derecho penal del enemigo, pp. 23 s., “cabe pensar que é improvável que a pena privativa de liberdade se convertera na reação habitual diante a fatos de certa gravidade se não concorrera nela este efeito de asseguramento”. 64 Vide art. 10 LOGP e art.102.5 do regulamento de desenvolvimento. 65 Jakobs, Derecho penal del enemigo, pp. 23 s. 66 Também o que sustenta Schuenemann, Tatproportionalität, pp. 190 ss., 195.

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não podem determinar a duração do tempo de cumprimento da prisão, e sim exclusivamente o regime de cumprimento de uma pena adequada à culpabilidade do autor. A pena não cumpre fins distintos das características individuais do autor culpável. Os fins preventivo-especiais que sejam perseguidos fora dos limites da culpabilidade, já não têm nada a ver com as penas senão para mostrar as sanções como são: medidas de segurança que se orientam exclusivamente de acordo com a periculosidade criminal do réu. Se, ao finalizar o cumprimento da pena de prisão, por exemplo, se mantiver a periculosidade do recluso, a pena não pode resolver esta questão. Caso se queira resolver, há que acudir a medidas policiais e a medidas de segurança pós-delitivas como sanções específicas para resolver este problema que a pena não pode67. Em relação à velha questão do que fazer com os sujeitos culpáveis que mantêm sua periculosidade depois de cumprir sua condenação, é evidente se poder assumir não fazer nada diante de tal problema por temor ao que hipoteticamente poderia ocorrer se existissem sanções com essas características (o que é um argumento legítimo68); mas os princípios do Estado democrático de direito não obrigam a chegar a essa conclusão69. De fato, há países vizinhos ao nosso, como Alemanha, Áustria, Suécia ou Suíça que demonstram que se pode fazer um uso correto e tremendamente restringido deste tipo de sanções para solucionar um problema que, ainda que quantitativamente reduzido – não nos enganemos – existe70. Eu creio que o modelo do direito penal do inimigo não afronta bem o tratamento da questão, de maneira a conduzí-la por caminhos pouco afortunados. Sobretudo porque a camufla ao considerar que todo sujeito definido como inimigo tem de sofrer uma pena maior por sua maior “culpabilidade cognitiva”. O principal problema do 67

Sanz Moran, RDP 2004, pp. 18, 29, assinala com razão como a inexistência deste tipo de soluções existentes noutros ordenamentos fez com que o legislador espanhol tenha optado por um endurecimento geral da pena de prisão e por utilizar os incrementos punitivos como via inocuizadora para combater a periculosidade criminal. Esse é um prognóstico que eu já havia dado antes das reformas de 2003 (Revista Jurídica Universidad Autónoma de Madrid 2001, p. 56) e que, infelizmente, ocorreu. 68 Embora este argumento implique, na realidade, em negar a existência de um direito geral à segurança. Tal negação é o que faz que a partir desta perspectiva só seja relevante uma análise de proporcionalidade com relação à pessoa que sofre a sanção apesar de ser absolutamente irrelevante uma análise de proporcionalidade com relação às pessoas que podem sofrer o delito. Seria o ponto de partida diametralmente oposto ao modelo do direito penal do inimigo aquele que prima pela existência do direito à segurança. 69 Críticas à situação atual do direito penal espanhol em relação aos culpáveis habituais e perigosos de criminalidade grave: Alonso Alamo, Estudios penales en recuerdo del Prof. Ruiz Antón, p. 73; Bacigalupo Zapater, Revista canaria de Ciencias Penales 2000, pp. 9 ss.; Cerezo Mir, que sempre manteve a necessidade destas medidas e por isso considera que esta falta de previsão é um dos maiores defeitos do código vigente em: La Ley 96, pp. 1474 s.; Feijoo Sanchez, Revista Jurídica Universidad Autónoma de Madrid 2001, pp. 54 ss.; Gracia Martin, Lecciones, pp. 313 s., seguem Cerezo; ver: Jorge Barreiro, Comentarios, pp. 298 s., AP 2000, pp. 505, 516, a recolher várias soluções adotadas noutros ordenamentos, RDPC 2000, p. 181 y L-H Mourullo, pp. 584 s.; Sanz Moran, Medidas, pp. 218 ss. 70 Paradigmático Silva Sánchez, L-H Barbero, pp. 708 s. (“há significativos indícios de que na sociedade não se compartilha da tese de que a culpabilidade pelo fato há que definir a fronteira absoluta da distribuição de riscos entre indivíduo e sociedade. Isto é, a tese de que, cumprida a condenação ajustada à culpabilidade, a sociedade deva assumir sempre todo o risco de um delito futuro cometido pelo sujeito imputável. Pelo contrário, parece que se admite a idéia de que a constatação de uma séria periculosidade resistente após o cumprimento da condenação deveria dar lugar a alguma fórmula de segurança cognitiva adicional”).

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modelo de inimigo neste ponto é que justifica estratégias estandartizadas e gerais de ineficácia contra “tipos de delinquente” que, em minha opinião, são contrárias ao Estado democrático de direito. Assim, por exemplo, cabe assinalar que resulta muito funcional para uma estratégia comum nos Estados Unidos que, em minha opinião, é inconstitucional: a das teorias da ineficácia seletiva ou da neutralização seletiva (selective incapacitation)71. Silva Sánchez72 assinala como “a premissa maior da teoria da ineficácia seletiva é que é possível individualizar um relativamente pequeno número de delinquentes (high risk offenders), em relação aos quais é possível dizer terem sido os responsáveis pela maior parte dos fatos delitivos e prever que o continuarão a ser. De modo que a inocuização dos mesmos – isto é, sua retenção na prisão o máximo de tempo possível – proporcionaria uma radical redução do número de delitos e, com isso, importantes benefício a baixo custo”. Em razão a esta estratégia de análise de Silva Sánchez73 fica claro que se tem razão ao indicar como a mudança qualitativa a partir de uma perspectiva políticocriminal é “que o método da predição de periculosidade para determinar os sujeitos que, precisamente, devem ser tornados inofensivos, mudou radicalmente”: “no momento de adotar consequências jurídicas inocuizadoras, os métodos predicativos baseados na análise psicológica individual de responsabilidade ou periculosidade têm sido substituídos por outros de natureza estatística (actuarial justice), de modo que o delito passa a ser abordado com as mesmas técnicas probabilísticas e quantitativas que, no âmbito dos seguros, por exemplo, são utilizadas para a gestão de riscos. Isso supõe recorrer ao método estatístico, a tomar por base determinados indicadores cuja quantificação é o ponto de partida para emitir prognósticos de periculosidade sobre grupos ou classes de sujeitos (low risk offenders, medium risk offenders, high risk offenders), sem necessidade de entrar em estudos psicológicos do indivíduo concreto (diagnóstico e prognóstico clínico). Esta ideologia “gerencial” é, seguramente, a característica mais visível da “New Penology” norte-americana, também denominada – graficamente – “managerial or administrative criminology”, que lenta e inexoravelmente se difunde pelo continente europeu74”. Como se pode verificar, as técnicas estatísticas da denominada “Nova Penologia” norte-americana e o modelo de direito penal do inimigo se casam perfeitamente. 71

Sobre esta questão: Ensslin, Strafzumessung, p. 43, com posteriores referências, em sentido descritivo; ver Hirsch, Past or Future Crimes, Caps. 9 a 12, em sentido crítico, especialmente em relação às formulações de início dos anos oitenta de: Greenwood, Abrahamse, Wilson e Moore; Rotman, AP 98, pp. 853 s., em sentido crítico; Schumann, Aufgeklärte Kriminalpolitik, pp. 456 ss., com posteriores referências, em sentido crítico. 72 L-H Barbero, p. 700. 73 La expansión, pp. 141 ss.; L-H Barbero, pp. 700 s. 74 Ver também: Brandariz, Itinerarios, pp. 43 s., com ulteriores referências. Como assinala este autor a “Nova penologia” caracteriza-se porque teoricamente “é produzida uma transcendental mutação na perspectiva de aproximação aos destinatários principais do sistema penal, que, em atenção aos sujeitos individuais por seus comportamentos próprios, que são sancionados com consequências jurídicas desenhadas em chave de reintegração social, passa, graças também aos avanços da tecnologia em vigilância ao controle basicamente de sujeitos sociais concretos conceituados como grupos de risco, diante dos quais emerge a idéia de irrecuperabilidade e, por conseguinte, cada vez com maior intensidade, a incapacitação ou neutralização como função básica do sistema de controle”. A tese da necessidade de implantar mecanismos da denominada gestãao estatística no sistema penal, que é uma nota distintiva da chamada “Nova penologia”, tem sua origem no trabalho dos criminólogos Feeley e Simon em en Criminology, 1992, passim.

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O problema deste tipo de perspectivas a partir dos parâmetros normativos do Estado de direito é que, definitivamente, não deveriam ser mais que indícios de periculosidade que foram convertidos em presunção iuris et de iure de periculosidade criminal. A inconstitucionalidade desta estratégia se faz presente nas últimas reformas do direito penal espanhol (ao se pensar no tratamento duríssimo para qualquer terrorista ou membro de uma organização criminosa pelo simples fato de tê-lo sido quando cometeu o delito) deriva de que é possível lhe impor uma sanção para prevenir a periculosidade criminal a alguém que no momento em que sofre a sanção necessidade de tal periculosidade. De se dizer que caso se queira introduzir a idéia de ineficácia, isso não se pode fazer por meio de uma pena para determinados grupos de delinquentes (inimigos?) a serem tratados por igual, senão em todo caso por meio de medidas pós-delitivas específicas que combatam a periculosidade particular de cada delinquente75. Por exemplo, certas “carreiras criminais” podem cessar a partir de certa idade, pelo que apesar de apresentar um histórico delitivo, uma pessoa pode estar nessa fase final de sua “carreira criminal”. A reincidência ou multirreincidência pode ser um indício de que uma pessoa possa voltar a cometer atos delitivos no futuro e que deverá ser valorada por um juízo específico de periculosidade criminal em combinação com outros dados, embora não seja uma prova irrefutável e automática de que isso seja assim (sobretudo, caso se considere a duração dos processos penais na Espanha). A periculosidade criminal individual não se combate com sanções estandartizadas, pelo que as medidas encaminhadas a prevenir tal periculosidade devem ter em conta a periculosidade individual e não uma periculosidade fictícia relacionada com o tipo de delinquente. O perigo da concepção do direito penal do inimigo é que oculta estes problemas de constitucionalidade a resultar funcional para este tipo de estratégias nas quais a idéia de periculosidade criminal individualizada se vê fulminada ante a idéia da gestão social de riscos (os delinquentes são tratados como um determinado tipo de risco definido de forma estandartizada). Do ponto de vista denominado como fenômeno da expansão do direito penal há se considerar que apesar de em alguns âmbitos a expansão poder ser definida como qualitativa (o direito penal se ocupa de novos problemas ou necessidade sociais de que não se ocupava bem, porque não eram percebidos como tais ou porque eram exclusivamente tratados por outros ramos do ordenamento); no âmbito da delinquência organizada e de determinados grupos de autores, a extensão é quantitativa. Trata-se da expansão do direito penal por via de sua intensificação76. Isto é, intensifica-se a intervençào do direito penal diante de determinados tipos de delinquentes (por suas caracterísiticas individuais ou por sua pertença a uma 75

Silva Sánchez/Felip i Saborit/Robles Planas/Pastor Muñoz, Ideología de la seguridad, pp. 114 ss., a expor diversos modelos existentes no direito comparado. Evidentemente, existe a opção de nada fazer. Mas a experiência tem demonstrado, como há algum tempo eu já disse, que nesse caso a política busca soluções irracionais e ilegítimas. 76 Silva Sánchez/Felip i Saborit/Robles Planas/Pastor Muñoz, Ideología de la seguridad, pp. 113 ss. Como assinalou Diez Ripolles, Jueces para la Democracia 2004, p. 28, este é um aspecto mais destacado por Silva Sánchez depois da 2ª edição de sua obra La expansión del Derecho Penal, a criticar a perspectiva desta obra que “a discussão teórica sobre a indevida ‘expansão do direito penal’ não verse [...] sobre as contínuas reformas legais encaminhadas para endurecer o arsenal punitivo disponível contra a delinquência clássica senão que, muito ao contrário, tenha como objeto primordial de reflexão a convivência de assegurar à nova criminalidade uma reação penal notavelmente suavizadas em seus componentes aflitivos”.

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organização criminal). Um dos problemas político-criminais essenciais deste princípio de século em toda Europa é se é devido reforçar ou incrementar a proteção da sociedade frente a determinados delinquentes valorados como altamente perigosos. Há que tratar a questão de forma aberta porque a idéia de inocuização tem muito a ver de forma oculta com este canal expansivo do direito penal mais recente77. Dito isso é evidente que com o debate sobre o direito penal do inimigo lidamos com coisas muito concretas. Para citar um exemplo sem o esgotar, o aumento do limite máximo da pena de prisão para quarenta anos por meio do art. 76 do CP também obedece à idéia de uma maior presença da inocuização (não é casual que uma das hipóteses se dê em casos de delitos de terrorismo). Ademais, as reformas do Código Penal do início do século XXI, especialmente aquelas inseridas pela LO 7/2003, de medidas de reforma para o cumprimento integral e efetivo das penas, tem enveredado uma mudança radical de rumo político-criminal no que diz respeito às sanções. Por meio desta reforma colocou-se a idéia de que em relação a certos tipos de delinqüentes definidos abstratamente como pertencentes a tipos perigosos, os benefícios penitenciários que favorecem a reinserção social devem, nestas hipóteses, ser conquistados pelo delinqüente, o qual é aquele que tem de demonstrar que diante dele não é preciso a inocuização78. Trata-se de um magnífico modelo de direito penitenciário do inimigo79. Nos casos de condenações por delitos de terrorismo ou cometidos no seio de organizações criminosas, o delinquente deve ter um motivo maior que os outros tipos de delinqüente para evitar a inocuização. Em relação a determinados grupos de delinqüentes (relacionados com o terrorismo e a delinqüência organizada) a idéia de segurança tem excluído toda possibilidade de reinserção social tal como esta se encontra prevista em geral pelas leis penitenciárias e pelo art. 25 II CE. Por fim, a periculosidade criminal grave que permanece depois do cumprimento da condenação pode ser combatida legitimamente sem sairmos do âmbito de um direito

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Paradigmático em relação a esta idéia: Silva Sánchez, L-H Barbero, pp. 699 ss. Ver: Diez Ripolles, L-H Mourullo, pp. 294 ss.; Sanz Moran, RDP 2004, pp. 26 ss.; Silva Sánchez/Felip i Saborit/Robles Planas/Pastor Muñoz, Ideología de la seguridad, pp. 122 s. Como assinalam estes autores, são as seguintes as consequências que têm induvidável convergência com o direito penal do inimigo: a) “as penas assumem um papel semelhante ao das medidas de segurança, tanto que se convertem em uma resposta à periculosidade do sujeito e deixam de ter a ver como uma resposta ao fato delitivo”; b) “abandona-se a idéia de proporcionalidade entre fato e sanção porque esta última já não é um castigo que tem a ver com a gravidade do fato senão uma resposta à periculosidade do delinquente”; c) “entra em crise o direito penal do fato e a neutralização dos focos de periculosidade se converte no eixo da atividade do legislador como da execução das sanções penais; com efeito, o princípio da culpabilidade deixa de ser um pressuposto ineludível da intervenção penal”; d) “o direito penal não combate a periculosidade desde uma perspectiva terapêutica”; e) “o direito penal se converte em um instrumento quase-policial que determina a imposição de medidas de segurança quando se manifesta a periculosidade de um sujeito em um delito concreto”; f) “neste contexto, a pena privatica de liberdade e seu cumprimento efetivo se apresentam como mecanismo adequados para cobrir as necessidade de neutralização dos delinquentes perigosos”. 78 Esta idéia pode-se verificar claramente em: Bueno Arus, La ciencia del Derecho Penal, pp. 144 ss., que sobre a base não empírica da existência de duas grandes categorias de delinquência (p. 146) considera que a prevençõ especial positiva não teria sentido para um determinado grupo de delinquentes. 79 Sobre isso: Faraldo Cabana, Nuevos retos, pp. 317 ss.

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penal de cidadãos. Para isso, são legítimas apenas medidas proporcionais80, necessárias e adequadas. Por exemplo: a privação ou limitação da liberdade de ir e vir só é legítima quando se encontram em sério perigo outros bens básicos como vida, saúde ou liberdade, a não se poder aplicar, por exemplo, uma sanção de privação de liberdade contra atos delinqüentes exclusivamente patrimoniais; porque tem um maior peso constitucional o direito à liberdade que o direito à propriedade e ao patrimônio. Ter-se-á que optar sempre pelas medidas menos gravosas (por exemplo, não se pode privar da liberdade sem um controle eletrônico ou um tratamento sócio-terapêutico ambulatório sob supervisão judicial já é medida suficiente). Inclusive ter-se-ia de dizer aos que temem estes tipos de sanções serem convertidos em penas de prisão perpétua camufladas, que a duração de tais sanções deveria ter controle periódico e que os conhecimentos empíricos dos quais dispomos nos demonstram como inclusive os psicopatas a partir de certa idade (aproximadamente depois dos quarenta anos) se apresentam menos violentos e impulsivos. Estas simples referências são feitas em relação a uma questão que não pode ser tratada com detalhe neste trabalho. O que me importa destacar é se pode ser feito algo (é mais, creio que se deveria fazer algo) e que não há que o fazer por meio de um anti-garantista direito penal do inimigo incompatível com nosso Estado democrático de direito. 6.2. O direito penal das organizações criminais81 Em minha opinião, se o inimigo não é imputável como perigoso, por seu turno o conceito de direito penal do inimigo deve ser reduzido a um direito penal de organizações criminais (a entender o conceito num sentido amplo que abarque não apenas as que possuem fins econômicos senão também outros fins como as organizações terroristas). Desta maneira se ganha em clareza conceitual, embora seja preciso, todavia, polir dogmaticamente o aberto e difuso conceito de organização criminal82 na medida em que têm razão autores como Hefendehl 80

Assinala Diez Ripolles, L-H Mourullo, p. 296, que “o critério de proporcionalidade correto terá de basear-se no conceito de distribuição de riscos entre indivíduo e sociedade, isto é, em quando ou a partir de que momento o risco de reiteração no delito o deve assumir a sociedade, instante no qual já não será preciso a medida”. Sobre este tipo de questões que se deve debater. 81 Sobe os vínculos com o direito penal do inimigo: Feijoo Sanchez, ADP 2000, pp. 1208 ss.; Gracia Martin, Prolegómenos, pp. 95 ss., com muitas referências; idem, RECPC 2005, p. 20; Hefendehl, StV 95, pp. 156 ss.; Jakobs, Derecho Penal del enemigo, pp. 41 ss., 43 ss.; Portilla Contreras, Jueces para la Democracia 2004, pp. 43 ss.; idem, L-H Bacigalupo, pp. 693 s., 708 ss.; Schneider, ZStW 113, pp. 499 ss.; Silva Sánchez, La expansión, p. 165; idem, Estudios penales en recuerdo del Prof. Ruiz Antón, pp. 1071 ss.; Silva Sánchez/Felip i Saborit/Robles Planas/Pastor Muñoz, Ideología de la seguridad, pp. 127, 129 ss., a ressaltar como “a segregação entre o tratamento jurídico-penal das organizações criminais e o direito penal comum é cada vez maior”. A bibliografia sobre delinquência ou criminalidade organizada é vastíssima. Em minha opinião, a doutrina espanhola tem trazido contribuições essenciais: Sanchez Garcia de Paz, Delincuencia trasnacional organizada, pp. 621 ss. e La criminalidad organizada, embora não concoder com algumas de suas colocações dogmáticas sobre a questão. Sobre a definição em textos legais e internacionais: art. 282 bis LECRim., relativo à questão do “agente oculto”, embora a doutrina seja pacífica sobre sua pouca utilidade no âmbito do direito penal material; Convenção das Nações Unidas contra a delinquência transnacional organizada de 12 de dezembro de 200; Ação comum da União Européia relativa à incriminaçõ da participação em uma organização delitiva nos Estados da União Européia de 21 de dezembro de 1998 (DOCE L 351). Expõe o conteúdo desses textos e de outros também relevantes, com profundidade: Sanchez Garcia de Paz, Delincuencia trasnacional organizada, pp. 625 ss. 82 Sobre a (preocupante) falta de clareza do conceito superficial a sua aplicação judicial, ver: S. T. S. 1336/2005, de 2 de fevereito. Sobre o valor explicativo nulo que na prática têm as definições

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quando assinala que “ninguém sabe ao certo que é a criminalidade organizada83” ou Roxin quando destaca que “não existe um conceito de criminalidade organizada juridicamente claro com uma mínima capacidade de consenso84”. O forte incremento quantitativo do tratamento do tema na literatura especializada não tem servido para clarear as coisas (e sim, o contrário). Apesar do que se disse: as características com as que Jakobs descreve o direito penal do inimigo (aumento da intervenção do direito penal, falta de uma redução da pena proporcional a tal aumento, existência de leis processuais específicas etc.) são precisamente as que caracterizam este setor – existente – do ordenamento jurídico. A isso se teria de somar certa exasperação punitiva em todos aqueles delitos nos quais o que mais pesa é a prevenção da delinqüência organizada ou a luta contra e mesma (delitos relativos ao tráfico de drogas ou contra os direitos dos cidadãos estrangeiros) e, inclusive, a exceção de critérios gerais de imputação. Por exemplo, em âmbitos como os delitos de terrorismo ou narcotráfico se equiparam atos preparatórios com execução do tipo assim como os diferentes níveis de responsabilidade pelo fato que se podem diferenciar noutros âmbitos delitivos (condutas de participação e autoria) de tal maneira que se poderia chegar a falar de um conceito unitário de autoria. É legítimo que em um Estado democrático de direito existam normas penais e precessuais específicas contra a delinqüência organizada? A resposta é de início que não. Isso não significa valer tudo na guerra ou cruzada que tenha sido politicamente declarada (a nível estatal e supraestatal) contra as organizações criminais, senão que o cometimento de delitos vinculados a estruturas organizadas apresenta peculiaridade que devem ser levadas em conta. Isso tampouco significa que se autorizem intervenções ilegítimas do Estado contra qualquer cidadão ao amparo da justificativa de que se trata de uma atuação necessária para combater a delinqüência organizada (por exemplo, realizar escutas telefônicas indiscriminadamente sem autorização judicial para descobrir pistas sobre organizações delitivas85). O que quero afirmar é que é possível discutir no âmbito do Estado de direito e do direito penal de cidadãos sobre a necessidade de criar normas especiais para a delinqüência relacionada com organizações criminais. Trata-se de um fenômeno que pode justificar respostas jurídicas específicas. Não há dúvida de que existe e se encontra em expansão nos ordenamentos penais europeus um direito penal especificamente criado para membros de organizações criminais (tráfico ilegal de drogas, tráfico ilegal de imigrantes, violência racista e xenófoba, lavagem de dinheiro, terrorismo etc.). No Código Penal espanhol não apenas se tem de levar em conta certos preceitos da parte especial (arts. 187.3, 189.3.e, 271 c, 276 c, 302, 318 bis.5, 369, 370.2º, 371.2, 515, 571 ss. CP – e a correspondente regulação dos arrependimentos: 376, 579.3 CP; arts. 2.3 a e 3.2 LO 12/1995, de represão do contrabando, que estão a dar lugar a uma caótica jurisprudência) como também a importância que a referência a organizações oferecidas sobre a criminalidade organizada pela doutrina e pelos textos internacionais, ver o trabalho de Kinzig, Erscheinungsformen organisierter Kriminalität, pp. 778, 786 y passim. 83 StV 95, p. 156. 84 Criminalidad organizada, p. 198, ao que adiciona que “tão-só disponhamos de descrições heterogêneas sobre um fenômeno que até agora não tem sido abarcado com precisão”. 85 A colocar um curioso exemplo deste tipo de dinâmicas legislativas que estão a se tornar comuns: o RD 54/2005, de 21 de janeiro, sobre medidas de prevenção da lavagem de dinheiro nos obriga enquanto cidadãos a pedir autorização para portar com mais de 80.500 euros em moeda ou em cheques bancários ao portador. Quem não o fizer, poderá ser multado com alta multa econômica e poderá ter confiscado o dinheiro que estiver a portar.

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criminais têm adquirido no âmbito do sistema de sanções, especialmente no que diz respeito à execução da pena privativa de liberdade. Inclusive a tem no que diz respeito à questão da vigência espacial do direito penal: o art. 23 IV LOPJ dentro do princípio de justiça universal ou mundial não apenas contempla os delitos internacionais em sentido estrito (como o genocídio) como também os delitos que têm a ver com organizações criminais que se dedicam a uma atividade delitiva transnacional (narcotráfico, prostituição, tráfico ilegal de dinheiro, terrorismo etc.). O conceito de delinqüência organizada é um conceito normativo que deve ser dogmaticamente tratado como o dolo e a imprudência ou a autoria e a participação. Como nestes casos problemáticos tradicionais, a distinção entre a delinqüência orgnizada e a não organizada pode determinar a maior ou menor gravidade da sanção e, inclusive, a necessidade de intervenção do direito penal; as atuações relacionadas com organizações criminais podem adquirir uma dimensão distinta que legitime um tratamento diferenciado de outras atuações similares que devem ser interpretadas em chave individual (ainda que seja em regime de coautoria). O contexto organizativo de atuação pode afetar o significado delitivo da conduta. As teorias tradicionais do injusto se encontram demasiado apegadas à delinqüência em chave individual, a ser, em minha opinião, um erro crasso interpretar em chave estritamente individual o sentido objetivo de alguns comportamentos que têm a ver com organizações86. A deixar de lado o fascinante tema das questões processuais que não podem ser tratadas aqui (existência duma delinqüência mais difícil de investigar tem modificado a fase de instrução e seus limites), assim como o tema de sanções e regras penitenciárias especiais que têm a ver mais com o tema já tratado da periculosidade criminal (o que pertence a uma organização criminal é definido como inimigo); é preciso refletir sobre as seguintes questões: 1. Do ponto de vista político-criminal geral, uma vez que é evidente que existe um interesse político em atuar de forma especial contra as organizações criminais, há que determinar dogmaticamente qual pode ser o fundamento da uma maior penalidade para tais organizações. A partir deste ponto de partida é preciso determinar uma política criminal geral (e não apenas centrada em tipificações específicas) em relação àquelas hipóteses que possam justificas ou legitimar uma intervenção punitiva mais severa. Precisamente o melhor exemplo do que não se deve fazer é a situação atual no ordenamento jurídico-penal espanhol caracterizado por uma política criminal errática que dá lugar a contínuas incoerências e atritos entre os diversos preceitos que se ocupam do fenômeno. 2. Do ponto de vista político-criminal da parte especial há que tratar tanto a existência como a legitimidade de tipos penais específicos para comportamentos relacionados com organizações criminais além do tradicional delito de associação criminal. Por exemplo, a partir desta perspectiva, a tipificação da posse, fabricação, depósito, tráfico, transporte ou fornecimento de armas, munições ou substâncias ou aparatos explosivos, inflamáveis, incendiários ou asfixiantes (art. 577 CP) pode ser legítima na medida em que a coloca a Exposição de Motivos da LO 7/2000 em 86

Sobre os delitos relativos a organizações criminal, ver: Silva Sánchez, Estudios penales Ruiz Antón, pp. 1074 ss., num trabalho pioneiro que representa um modelo do trabalho dogmático que está por ser feito sobe este assunto.

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relação à situação anterior “a atual legislação não facilita que se condene aqueles que assim ajam portam, não já os explosivos ou armas que provoquem incêndios ou destroços, senão apenas os componentes necessários para provocar a explosão”. Por essa razão se tipifica uma hipótese específica de participação intentada – ato preparatório em geral impune – que rompe as regras gerais de imputação, sem que se tenha decidido castigar já que em relação a atividades organizadas o fato adquire uma dimensão distinta. Embora a quem leve uma garrafa para preparar um explosivo não faça falta lhe castigar até que não impeça a execução do fato delitivo que vai cometer com esse explosivo, a situação é distinta com respeito a organizações que podem compartimentar muito a colaboração de seus membros de tal maneira que uns levem caixas de garrafas ao lugar do crime, outros levem elementos para fazer pavios e outros levem vasilhas com gasolina. Num caso como este interpretar em chave individualista que levar uma caixa de garrafas é uma conduta permitida sem ter em conta sua relação com o resto dos membros da organização faz com que não se possacompreender adequadamente a dimensão da referida conduta. 3. A partir duma perspectiva dogmática relacionada com esta questão, constatar a existência de um direito penal de organizações criminais facilita a restrição teleológica de alguns tipos penais a ter em conta que ainda que formalmente determinados comportamento se correspondam com a letra da lei, tais comportamentos só adquirem um significado delitivo quando têm a ver com atuações de organizações criminais. Caso se entenda que certas normas estão teleológicamente orientadas aos delitos relacionados com organizações criminais é mais evidente que não se podem aplicar a fatos estritamente individuais (ainda que se trata de uma hipótese de co-delinquencia). Neste sentido tem-se, por exemplo, interpretado em diversos trabalho o mal denominado delito de apologia ao genocídio (art. 607.2)87. É uma idéia implícita na formulação jakobsiana do direito penal do inimigo que existem normas que não pertencem ao “direito penal comum” e que, portanto, não devem ser aplicadas a qualquer sujeito ainda que formalmente se possam enquadrar na descrição típica. Tal como se formula aqui se trata de uma idéia perfeitamente compatível com o princípio do fato (em determinados casos, o fato é normativamente distinto se está relacionado com uma organização criminal). 4. Também de uma perspectiva dogmática é preciso tratar a existência de regras específicas de imputação para os delitos relacionados com organizações delitivas. É evidente a existência de peculiaridades dogmáticas se se tem em mente que em delitos que têm a ver com organizações criminais se modificam aspectos como os umbrais da relevância penal ou se fulminam as diferenças entre as normas de participação. Mas também existem peculiaridades que devem ser desenvolvidas por doutrina e jurisprudência ainda que não estejam expressamente mencionadas nas leis penais. Por exemplo, em muitos casos não há uma participação em um fato delitivo concreot senão que se participa de forma abstrata e generalizada nas atividades da organização. Num trabalho com estas características não é possível mais que dar algumas pinceladas sobre as características de um direito penal para organizações criminosas. O que foi dito não tem o escopo maior do que colocar as bases para 87

La Ley 98, p. 2273 e ADP 2000, pp. 1204 ss.

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posterior investigação científica sobre um direito penal com estas características que cada vez se faz mais ativo na doutrina espanhola. No que aqui interessa, e de acordo com as críticas já apresentadas, creio que o direito penal do inimigo dificulta uma racionalização dos problemas expostos. Em exemplo concreto: se o decisivo é o que é o autor ou a sua pertença ao grupo dos inimigos, finaliza-se o passo à reflexão dogmática sobre quais são os critérios de acordo com que um fato adquire objetiva ou intersubjetivamente relevância delitiva por sua vinculação com um contexto organizativo (no âmbito do direito penal do inimigo o maior peso da atitude da conduta de vida faz que a teoria da imputação objetiva careça praticamente de relevância), ou se dificulta enormemente o tratamento das melhores opções políticocriminais (agravante genérica na parte geral, subtipos agravados específicos na parte especial, criação de um tipo específico de pertença à organização que entre em concurso com as infrações correspondentes etc.) para tratar deste fenômeno. Conclusões 1. O direito penal do inimigo tal como foi formulado por Jakobs é incompatível com nosso Estado democrático de direito. Não só é perigosa como totalmente errônea a idéia de que os direitos fundamentais e certas garantias próprios de tal sistema são apenas para aqueles que as merecem. 2. Sem ter de assumir a existência (legítima) de um direito penal para inimigos, a aparição em nosso sistema jurídico de sanções de caráter inofensivo e a configuração de um direito penal das organizações criminais não é em si algo incompatível com o Estado democrático de direito. A dogmática tem que traçar limites em ambos os casos para que o direito penal não deixe de ser um direito penal de cidadãos que respeite determinadas garantias que o Estado democrático de direito reconhece a todos sem exceções. 3. A partir de uma perspectiva político-criminal a referência a um preceiro ou a um grupo de preceitos como direito penal do inimigo (ou do não-cidadão) tem utilidade para deslegitimar a presença de tais normas ou setores normatios em nosso ordenamento jurídico88. REFERÊNCIAS ALONSO ALAMO, M.: Delito de conducta reiterada (delito habitual), habitualidad criminal y reincidencia. En: OCTAVIO DE TOLEDO Y UBIETO/GURDIEL SIERRA/CORTES BECHIARELLI (coords.), Estudios penales en recuerdo del Prof. Ruiz Antón, Valencia, 2004. AMBOS, K.: La parte general del Derecho Penal Internacional, Montevideo, 2004. ______. Feindstrafrecht. En: ZStrR 2006. APONTE, A.: Krieg und Feindstrafrecht, Baden-Baden, 2004.

88

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