Tráfico de droga e vitimação_percepção de (in)segurança (2013)

July 25, 2017 | Autor: Ana Sani | Categoria: Victimology, Vitimologia, Drugs
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TRÁFICO DE DROGA E VITIMAÇÃO: PERCEPÇÃO DE (IN)SEGURANÇA LAURA M. NUNES PROFESSORA AUXILIAR FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DA UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, PORTO · PORTUGAL [email protected]

aNA ISABEL SANI PROFESSORA ASSOCIADA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DA UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA, PORTO · PORTUGAL [email protected]

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Resumo

Abstract

A percepção de risco pode, em resultado da convivência pacífica com o fenómeno, não se traduzir em níveis elevados de medo do crime. Este trabalho apresenta os dados recolhidos por questionário a 244 indivíduos de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 16 e os 82 anos, a respeito da associação entre consumo de drogas e práticas criminosas. O estudo evidenciou uma percepção do tráfico de drogas como algo não condenável, contrariamente ao consumo, entendido como reprovável.

The risk perception cannot translate into high levels of fear of crime, if exists a peaceful coexistence with the phenomenon. This paper presents data about the association between drug use and crime. We used a questionnaire, and a sample of 244 individuals of both sexes, aged between 16 and 82 years. The study shows an awareness of the drug trade as something wrong, as opposed to consumption, which is seen as reprehensible.

Introdução

destinadas a esse fim (Quintas, 2011). Não obstante, o tráfico de drogas prossegue e, de acordo com o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (2010), verifica-se uma evolução nos níveis de inovação e de sofisticação em que se encontram, por exemplo, os importadores europeus de cocaína. Por outro lado, e ainda segundo a mesma fonte, o abuso de heroína mantém-se como responsável pela maior parte de situações de morbilidade e mortalidade na União Europeia (o que remete para a sobrevitimação do dependente de drogas). Não se podem também esquecer as novas drogas, na medida em que alguns Estados da União Europeia apontam para consumos elevados de anfetaminas e metanfetaminas. Referindo a mesma instituição, tem-se verificado a emergência de laboratórios clandestinos de transformação da cocaína na Europa. Sendo essa a droga mais traficada a nível mundial, as apreensões dessa substância na Europa têm vindo a aumentar progressivamente, sobretudo a partir de 2004. Assim sendo, o tráfico de drogas mantém-se como uma actividade altamente lucrativa, que vai fazendo vítimas por vários motivos que lhe estão associados. Por isso, algumas das áreas urbanas que abrigam esse negócio ilegal apresentam níveis de consumo e de crime associado ao tráfico muito consideráveis. Essa é, precisamente, a situação de uma comunidade da cidade do Porto, que se apresenta como alvo deste estudo.

O tráfico ilícito não é um crime novo. Antes pelo contrário, trata-se de uma modalidade criminosa tão velha quanto a civilização humana e que, indubitavelmente, se encontra associada a uma diversidade de problemas com que se deparam as actuais sociedades (Kelly, Maghan & Serio, 2005). O tráfico de drogas, em particular, é uma área de actividade que se constitui como grave ameaça à segurança internacional, sendo considerado como a segunda maior indústria do mundo (Thachuk, 2007). Desde logo, é conveniente salientar que a cada vez mais clara distinção entre tráfico e consumo de drogas foi conduzindo à tendência, progressivamente mais marcada, para a repressão sobre o primeiro e, simultaneamente, também foi gerando uma aproximação à aposta na prevenção e no tratamento do consumo de substâncias (Quintas, 2011). Nas actuais sociedades desenvolve-se o debate da legalização das drogas (Stel, 2000), havendo mesmo quem refira (Reuter & MacCoun, 1995) ser apelativo considerar que a retirada das medidas repressivas poderia vir a ser vantajosa, na medida em que reduziria os danos associados ao proibicionismo. Não obstante, os mesmos autores também alertam para a possibilidade de que esses danos venham a ser substituídos pelos causados pela expansão do consumo de drogas. Em Portugal, a descriminalização do consumo de drogas mantém o carácter ilícito desses consumos, muito embora deixe de os considerar como crime. Em consequência dessa descriminalização, o consumo de drogas sofreu um inicial aumento para, posteriormente, vir a diminuir, sendo que o consumo problemático parece estar em retracção, dada a redução dos pedidos de atendimento nas instituições públicas

1. O estudo Este trabalho pretende apresentar os dados recolhidos através de inquérito por questionário a 244 indivíduos de ambos os sexos, residentes, estudantes ou comerciantes num bairro

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Construir a Paz: Visões interdisciplinares e internacionais sobre conhecimentos e práticas

problemático da cidade do Porto, com idades compreendidas entre os 16 e os 82 anos, sendo a média etária de 37.5 anos, com um desvio-padrão de 20.15. Neste estudo pretendeu-se averiguar a percepção dos residentes a respeito da associação entre consumo de drogas e práticas criminosas, procurandose, também, capturar a forma como os que ali moram percebem e interpretam o tráfico e consumo de substâncias. Para tanto, foi elaborado um questionário cujas questões alternaram entre as fechadas e de resposta dicotómica e as abertas, de forma a capturar os aspectos subjectivos associados às representações e às percepções dos inquiridos a respeito do fenómeno. Ao longo da administração do instrumento, foram também registadas algumas das verbalizações dos sujeitos que, dessa forma, procuravam justificar algumas das suas respostas a certas questões do questionário. Por outro lado, através desse registo, também foi possível perceber a forma como o crime e as drogas eram percepcionados pela população, bem como as suas percepções sobre segurança/insegurança, aumento/redução da criminalidade, medo do crime e implicações do tráfico/consumo de drogas na vida daquela comunidade. 2. Os resultados Assim, e após o tratamento dos dados obtidos, a percepção das populações relativamente à segurança/insegurança, revelou-se uma componente essencial ao conhecimento daquela área citadina. As representações dos participantes quanto à (in)segurança na área geográfica em estudo caracterizam-se maioritariamente pelo sentimento de segurança (67.2%), em contrariedade com a insegurança sentida por 30.3% dos sujeitos (Cf. Quadro 1). Quadro 10. Percepção de (in)segurança. Considera que vive numa área segura? Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

164

67.2

Não

74

30.3

Total

238

97.5

Respostas

Sim

Omissões n

6

2.5

244

100.0

No que respeita aos argumentos que sustentam a percepção de segurança dos sujeitos, prendem-se maioritariamente com a experiência pessoal, mais propriamente com o facto de nunca terem sido vítimas, nessa área geográfica em concreto, (e.g., “Nunca me senti ameaçado, não vi nada de grave”; “Nunca se meteram comigo”; “Não consta que haja problemas”), o que é sustentado por 35.7% do total da amostra. Dessa percentagem total parcial deve ser referida ainda a construção de segurança atendendo à percepção de controlo social formal (e.g., “Presença de policiamento”; “Pois tem muita polícia”; “Local vigiado”), pois este facto é referido por 6.6% dos participantes, constituindo a segunda razão mais apontada. Já no que diz respeito à percepção de insegurança sentida por 30.3% da amostra, mas justificada por 26.2.% dos sujeitos, surgiu necessariamente associada à existência de fenómenos criminais (e.g., “Todos os dias nos deparamos com criminalidade”; “Vários assaltos a carros”; “Nesta zona assaltam

tudo”) e/ou perigo (e.g., “Há sempre distúrbios e barulho”; “Muito perigosa”; “Parecem as favelas do Brasil”), assim como, e em particular, ao fenómeno da droga (e.g., “Só ressacados e droga”; “Muita droga e assaltos”; “Há assaltos, contrabando e droga”). Estas duas categorias juntas correspondem a metade das justificações apontadas para a insegurança, correspondendo a 13.1% do total da amostra. No que diz respeito à percepção sobre a evolução da criminalidade, 68% dos participantes considera que houve um acréscimo do fenómeno, perante 29.5% dos sujeitos que acham que não houve crescimento no crime (Cf. Quadro 2). Quadro 11. Percepção da evolução da criminalidade. A criminalidade tem aumentado? Respostas

Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

Sim

166

68.0

Não

72

29.5

Total

243

97.5

Omissões

6

2.5

n

244

100.0

Um número considerável de indivíduos (40.2%) não justificou a sua opinião sobre a evolução da criminalidade. Dos 46.8% dos indivíduos que justificaram o aumento da criminalidade, 16.8% atribuiu-a a problemas económicos e desemprego que atingem as populações (e.g., “Devido à crise”; “Falta de emprego”; “Falta de dinheiro ou rendimento”). Adicione-se a isso a verificação de mais crimes para 10.2% dos participantes (e.g., “Há menos segurança e vejo mais crimes”; “Há muitos criminosos”; “Há boatos de roubos e assaltos”; “Já fui assaltado”). Importa referir que 7.4% dos sujeitos da amostra constroem essa percepção sobre o aumento do crime pela mediatização de incidentes criminais (e.g., “Pelo que se ouve nas notícias”; “Cada vez se ouve mais sobre aumento da criminalidade”; “Aparece nos noticiários”). Uma menor percentagem sustentou a ineficácia do sistema (legislação; estruturas) como motivo para a sua percepção de aumento da criminalidade (e.g., “Leis mais brandas”; “Ineficácia da polícia”). Em contrapartida, para 13.1% dos indivíduos, a criminalidade tem-se mantido ou mesmo diminuído, sendo essa percepção construída com base na experiência pessoal (e.g., “Nunca soube de nenhum caso”; “Não posso queixar-me”; “Aqui na área não”). Apenas 1.2% destes referiu que poderá estar relacionado com o controlo social formal (e.g., “são zonas controladas”). Há ainda quem tenha apontado que esse aumento não existiu, o que se verifica é que “são é mais descarados a vender e a comprar droga”. Estas justificações do aumento/ redução/manutenção da criminalidade, encontram-se distribuídas pelas diferentes categorias de resposta que constam do quadro 3.

Vol 1. Família, Justiça, Social e Comunitária

Quadro 12. Fundamentos para a percepção da evolução da criminalidade. A criminalidade tem aumentado porque: Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

Problemas económicos/ desemprego

41

16.8

Ocorrência de roubos/ assaltos

25

10.2

Mediatização

18

7.4

Ineficácia da polícia/ legislação

16

6.6

Presença de muitos problemas/conflitos

8

3.3

Ocorrência de tráfico/ consumo de drogas

6

2.5

114

46.8

Respostas

Total parcial

A criminalidade não tem aumentado porque: Respostas

Experiência/Observação

Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

28

11.5

Controlo social formal

3

1.2

Crime limitado a tráfico/consumo de drogas

1

0.4

32

13.1

Total parcial

Omissões

98

40.2

n

244

100.0

Quanto à tipologia de crimes destacaram-se o furto/roubo (61.1%), o tráfico de drogas (56.8%) e o assalto a estabelecimento comercial (42.2%) como os referidos por mais participantes como ocorrendo naquela área da cidade. Há ainda referência, por 29.9% da amostra, aos crimes de agressão física, de assalto a residência por 28.7% dos sujeitos, e por 22.1% dos inquiridos, aos danos a espaços/equipamentos públicos. Em relação aos crimes mais temidos pelos participantes, destacaram-se os crimes de furto/roubo (58.6%), o assalto a residência (49.2), a agressão física (43.4%), o tráfico de drogas (41%) e o assalto a estabelecimento comercial (34%). É de salientar que o tráfico de drogas apenas apareceu como crime temido em quarto lugar. Destaque-se que, entre as verbalizações dos sujeitos, o consumo de drogas aparece como algo reprovável (e.g., “É uma vergonha”; “Consomem no átrio da escola”), enquanto o tráfico de drogas é algo que é visto como um “negócio” como qualquer outro e, de acordo com as verbalizações retiradas, trata-se de algo em que as pessoas “Não fazem mal a ninguém (…) tem de se viver de alguma coisa!”. Conclusão Assim, este estudo evidenciou uma percepção do tráfico de drogas como algo não condenável, contrariamente ao consumo de substâncias, entendido como reprovável, embora não sendo uma conduta criminalizada. Constatou-se, ainda, que a distribuição dos espaços e as condições degradadas em que vive aquela comunidade, são percebidas pelos residentes como causa das elevadas taxas de toxicodependentes que por ali circulam. Igualmente grave, é a proximidade espacial entre

os locais de consumo de drogas e a escola, num registo que remete para a presença de factores de risco. Os resultados corroboram a ideia de que a mudança comunitária pressupõe necessariamente a auscultação das populações que, muitas vezes, confiam que é nas mudanças estruturais que reside a razão de uma melhor e mais pacífica vivência em comunidade. Em suma, pode depreender-se a respeito da imperativa necessidade de auscultar as populações residentes nas áreas mais problemáticas das nossas cidades, assim como sobre a forma como percepcionam o crime e de como o representam. Efectivamente, o que é definido como um acto passível de punição por lei, não é necessariamente interpretado como reprovável em termos sociais. É o que aqui se verifica, sendo notória a necessidade de pensar em planos de intervenção comunitária, que atendam à reinserção dos que se encontram em situação de conflito com a lei, bem como à prevenção primária dos que desde tenra idade estão expostos a um meio envolvente que se pode considerar como criminógeno e, finalmente, ao esclarecimento das populações que se pretende que colaborem num regime moderno de policiamento. Referimo-nos, aqui, ao policiamento de carácter comunitário, em que deverá vigorar a permanente interacção e a colaboração mútua entre polícia e população. Para tanto, há urgência em desconstruir os significados atribuídos a comportamentos que, como o tráfico de drogas, sendo um crime gravíssimo, se tornaram em algo que é visto como recorrente e natural em determinadas comunidades urbanas. É que, na verdade, a existência aberta de crime numa comunidade local não está directamente relacionada com o grau de (in)segurança sentido pelas populações residentes nessa área. A percepção de risco para os moradores pode, em resultado da convivência pacífica com o fenómeno, não se traduzir em níveis elevados de medo do crime não obstante os níveis elevados de criminalidade registados no bairro. BIBLIOGRAFIA • Kelly, R., Maghan, J. & Serio, J. (2005). Illicit trafficking. Oxford, ABC-Clio. • Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. (2010). Relatório anual. A evolução do fenómeno da droga na Europa. Luxemburgo, Serviço das Publicações da União Europeia. Disponível em http://www.emcdda.europa.eu/ attachements.cfm/att_120104_PT_EMCDDA_AR2010_ PT.pdf (Consultado em Junho de 2011). • Quintas, J. (2011). Regulação legal do consumo de drogas: impactos da experiência portuguesa da descriminalização. Porto, Fronteira do Caos Editores. • Reuter, P. & MacCount, R. (1995). Assessing the legalization debate.In: G. Estievenart (Ed.). Policies and strategies to combat drugs in Europe. London, Martinus Nijhoff, pp. 39-49. • Stel, J. (2000). Debate wanted about legalization of drugs. Disponível em http://www.cedro-uva.org/lib/stel.debat. en.pdf (Consultado em Junho de 2011). • Thachuk, K. (2007). An introduction to transnational threats. In K. Thachuk (Ed.). Transnational threats (pp. 3-22). Westport, Praeger Security International.

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