TRAGÉDIAS HUMANAS E RECURSOS MINERAIS

June 16, 2017 | Autor: Paulo Soares | Categoria: Geopolitics, Mineral Resources Management
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TRAGÉDIAS HUMANAS E RECURSOS MINERAIS Paulo César Soares Geólogo, Professor UNESP e UFPR, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geologia

Summary HUMAN TRAGEDIES AND MINERAL RESOURCES - The largest environmental disaster in Brazil, the collapse of mining dam in Mariana (MG, Nov/06) and the Paris tragedy (Nov/13) are viewed as the result of the capitalism greediness over mineral resources: the making of money regardless high human and environmental risk or the appropriation of native richness like petroleum and minerals under war aftermath and misery, both generate a kind of uncontainable rejection and hate. The overrun of these disorders could not be made with choices of punishment or retaliation taken under the domain of emotions. The history shows that retaliation procedure only brings more pain, hate and brutality.

A inquietude tem nos assolado nestes dias de tragédias, quando temos amanhecido em dias mais cinzentos aqui no sul e vendo o mar avermelhado lá no leste. Aquela de Mariana tão próxima de nós, enquanto profissionais, e brasileiros, e aquela mais distante em Paris, aquele tipo de desgraça que pensávamos ter ficado restrito a núcleos políticos mais radicais e ignorantes. Será que exageraríamos se víssemos algo em comum? As duas têm muito a ver com a ganância capitalista em escala diferente. As reações também podem ter algo em comum: a exacerbação do ódio e da intolerância. Aqui, o fortalecimento da rejeição à mineração e mesmo a qualquer tipo de empreendimento de aproveitamento dos recursos naturais, à convivência harmônica de atividades normalmente conflitantes de uso e de preservação do ambiente, subsolo, solo, água e ar. Neste caso o conflito mais notável é o da mineração, por se expor como vitrine, seja nas minas ou nos rejeitos e efluentes. A mineração pode ser insensível o suficiente para expor suas cavas e seus rejeitos ao residente, transeunte ou viajante, como ocorre à meia altura no terceiro pico mais alto do Paraná, diante da centenária estrada turística da Graciosa. Este descaso com a sensibilidade e qualidade de vida dos habitantes locais tem sido a herança cultural da mineração, desde os tempos de Salomão, em

que se utilizava de escravos e vidas, até Potosi, para a riqueza do minerador ou da mineradora, supostamente dona do minério. Lá, o fortalecimento da rejeição a uma imensa comunidade dona de uma rica história cultural e científica. O Eixo do Mal, junto ao berço da humanidade, como foi combatido há uma década, não é diferente geograficamente da rica província petrolífera, formada pelos depósitos do paleo-oceano Tetis e suas margens tropicais. Seu fechamento formou o conjunto de cadeias montanhosas dos Alpes aos Himalaia e suas bacias vizinhas. Contrastando com a riqueza do sal de Salsburg, da Áustria, até os Himalaias o petróleo fácil e barato tornou-se o objeto de cobiça do poder e do capital. E também os minérios; lá no miserável e mutilado Afeganistão, onde cada pessoa sobrevive com dois dólares por dia, está o cobiçado trilhão de dólares estimado pelo USGS, em minérios, especialmente do lítio das baterias. A guerra do Iraque sacrificou milhões de pessoas, cidades e construções históricas... Porem gerou oportunidades de negócios multi-bilionários com a descoberta de campos gigantescos de petróleo barato em terra (a segunda reserva mundial, um campo com 12 bilhões de barris, descoberto em 2013), repartidos entre companhias ocidentais. O cerco ao Irã, com a terceira maior reserva de petróleo barato, a aparente destruição das monstruosidades criadas pelo mesmo poder a 20 anos atrás, Al Qaeda e Talibã, a primavera árabe movimentada e armada pelos mesmos interesses, em diversas nações na disputa de poder, compõem três movimentos alimentados pela ânsia derivada da riqueza geológica destes países, agora em competição com a ressurgida Rússia. Nações que souberam aproveitar seus recursos naturais contrastam com as que não souberam. Para além destas insanidades, algo incompreensível no mundo civilizado é a escolha das respostas num estado emocional de raiva. Tal como foi a guerra ao eixo do mal. A ferocidade quando somos acuados é algo irracional, como mostram os inimigos da civilização. Agora é dirigida ao Estado Islâmico, algo também surgido e alimentado pelos interesses escusos, nem mesmo ainda criado, ainda indefinido, porem produtor e

vendedor de petróleo para o ocidente via Turquia. Será que podemos justificar a guerra e o ódio pelo comportamento terrorista de facções diversas e células espalhadas pelo mundo? Será que é impossível construir no século XXI algo em comum que não seja a guerra? A destruição do Iraque, do Afeganistão, da Síria continuará depois com outros desafiadores? Ainda resta a pobre África, há muito espoliada em seus recursos. Quem sabe também a America Latina? Quando um não quer dois não brigam, diz o ditado. Assim ocorreu com a posição americana no Irã. É possível a interlocução. A ONU tem sido ignorada solenemente. Por que retornar às guerras de revanche e retaliação? O povo parece aprovar. Ninguém vai destruir pelas armas o ódio dos rejeitados e acuados. E aqui, agora? Bem, também não devemos julgar, punir ou mesmo fazer novas regras e escolhas sob o embalo da estupefação, da tristeza, da raiva, por um acontecimento inteiramente descabido, o rompimento de barragens de rejeito. A responsabilidade pelos danos sim! E neste caso não há como querer desviar a responsabilidade do agente construtor, nem mesmo querer compartilhar com os agentes fiscalizadores. Tudo o que for possível fazer para reparar o dano e evitar a repetição deve ser feito. Aí cabe o papel do técnico, do pesquisador. Qual é o nível de conhecimento e de segurança que são aplicados à construção destes depósitos de rejeito, numa tal dimensão assustadora e ameaçadora de comunidades a jusante? E também das minas? Desastres na mineração são o resultado do descaso, já lembrava Georgius Agricola em 1550 (De re metallica, 1556). Com quanto descaso, descuido e atalhos se faz mineração no Brasil? A mineração tem que atender três compromissos básicos: a responsabilidade social, ambiental e a sustentabilidade extensiva ao pós-mina. Responsabilidade em nível de diretoria, não apenas de profissional. O Brasil assumiu o compromisso de fazer a mineração atender quatro princípios: 1) ter consentimento bem informado e livre das comunidades afetadas; 2) participação da sociedade nos benefícios do desenvolvimento; 3) compensação financeira e 4) mitigação de efeitos adversos (Comissão dos direitos Humanos da ONU, 1990). Mas a mineração ainda é vista aqui como o usufruto de um bem privado, com privilégio sobre qualquer outra ocupação do território ou atividade. E o velho código de meio século atrás é o atual e ainda a trata assim. A ONU, assim como as convenções internacionais e nacionais, tem pouco valor quando se trata da apropriação privada dos recursos minerais, petróleo e água. Parece que o que vale é a contravenção, seja aqui ou no

antigo mar de Tetis convertido em cadeias montanhosas. Entretanto tem aquelas nações e comunidades que souberam usar seus territórios e seus recursos naturais. Riqueza natural e sabedoria juntas podem fazer a diferença entre nações ricas e pobres, entre soberanas e reféns. Assim, um código de mineração nacional é muito mais que uma regra de jogo econômico doméstico, pois se trata com jogadores de um clube de poder historicamente perverso. Tudo tem que ser feito para garantir não o poder da mineradora sobre o bem mineral, mas da sociedade sobre a mineração, para que a sociedade não se torne, ao invés de soberana e beneficiária, seu refém e vítima.

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