Traídos pelas Expectativas – A Democracia Brasileira nas Urnas pós-Impeachment

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Traídos pelas Expectativas – A Democracia Brasileira nas Urnas pós-Impeachment Carlos Frederico Pereira da Silva Gama Diretor de Relações Internacionais Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT) Indignação. Histeria. Pânico. O “voto no ninguém” foi majoritário em grande parte do Brasil. Dos quase 20% em Manaus aos mais de 40% em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Entre abstenções, votos brancos e nulos, grandes porções do eleitorado não escolheram nenhuma candidatura. Seria essa desolação eleitoral um sinal de desprestígio da democracia? Em pesquisa recente da ONG Latinobarómetro, apenas 32% das pessoas entrevistadas no Brasil declararam preferir a democracia a qualquer outro regime político. Em 2015, essa porcentagem era de 54%1. A distância crescente entre as expectativas do eleitorado e as opções de representação que o sistema partidário disponibiliza a cada dois anos se manifestou com regularidade nas urnas. Entretanto, a taxa de abstenções nas últimas eleições municipais do século 20 (2000) era inferior a 15% na média nacional. Somados, brancos e nulos não chegavam a representar 10% do eleitorado2. Esse desencantamento de longa duração sofreu uma abrupta aceleração entre 2014 e 2016. 54 milhões e meio de votos deram a Presidência a Dilma Rousseff. Além de 51 milhões de votos para Aécio Neves, já havia 37 milhões de brancos, nulos e abstenções. Dilma foi reeleita por 38% do eleitorado. O cômputo dos diversos processos que produziram a minoria vitoriosa nas urnas se mostraria, a seguir, insuficiente para viabilizar o governo reeleito. O enredo do impeachment se desenrolou no começo de 2015, contra o pano de fundo da maior crise econômica em décadas. O desgaste do sistema partidário conferiu tintas dramáticas ao quadro de desalento que culminou com a deposição de Dilma (abandonada por seus aliados, por seu próprio partido e pelo eleitorado)3. Em 2016, a Presidência da República era ocupada por alguém que nunca se candidatou ao cargo. Diante da inutilidade do voto para explicar os descaminhos do país, a alienação do eleitorado se aprofundou. Em meio a disputas quiméricas por votos úteis e renovadas promessas de reforma, as constelações políticas do século 21 se desfizeram rapidamente, espuma na areia pós-impeachment. No day after da ressaca, a figura messiânica do gestor foi vendida como panaceia para uma economia global em lenta recuperação. De Maurício Macri na Argentina a Donald Trump nos EUA, esse perfil de liderança patriarcal (o self-made man gourmet) se incorporou à norma culta da política contemporânea. A suposta neutralidade da tecnocracia antipolítica foi colocada à prova em outros contextos de crise. A não-novidade dessa aparição traz memórias desconfortáveis – tais como a Argentina de Fernando de La Rua, a Itália de Sílvio Berlusconi e o Brasil de Fernando Collor de Mello. 1

http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,apoio-a-democracia-no-brasil-cai-22-pontos-dizpesquisa,10000073814 2 http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2000/quadro-geral 3 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva Gama (2016). “A Democracia que não Ousa dizer seu Nome”. SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/267159. Acesso em: 31 de Agosto de 2016.

Inconvenientes do messianismo se reproduzem pelo espectro político pós-impeachment4. As faces da crise se repetem, nos novos e velhos partidos – da REDE de Marina Silva ao PT de Lula, passando pelo PSOL de Marcelo Freixo. A Nova República se tornou um inquietante cortejo de velhos rostos, alguns deles rejeitados sistematicamente na urnas (como os malabarismos de Ciro Gomes, atualmente lotado no PDT). Com a criatividade em estiagem, a insistência se investiu de virtude. O PMDB nunca precisou de figuras de proa para se acomodar nas arcas da Nova República. Além dos desconfortáveis vice-presidentes-interinos, apostou nos vencedores das eleições majoritárias. O PSDB de Fernando Henrique Cardoso e o PT de Luiz Inácio Lula da Silva colheram apoios decisivos para seus longos governos no partido associado com as contradições políticas de José Sarney. A redemocratização (que culminou na Constituição de 1988) foi produto de velhas alianças regionais sob a égide do PMDB. Egresso da ARENA/PDS, Sarney foi premiado com um ano extra de mandato. Enquanto outros partidos venciam eleições, o antigo MDB conquistava seus governos fazendo uso dos instrumentos à disposição. O teflon das promessas de renovação política e reforma do sistema político não resistia ao assédio PMDBista na formação dos novos governos. Não há pressa no PMDB5. Não é surpreendente que, no aniversário de 28 anos da Constituição, boa parte do eleitorado se sinta traída pelas expectativas deixadas pelo caminho. O “não político” eleito prefeito de São Paulo acaba de lançar a candidatura presidencial do governador paulista Geraldo Alckmin – ambos do PSDB, vitorioso nas capitais e grandes centros urbanos. Já o PMDB de Michel Temer conquistou mais prefeituras (1027) e se mantém como a força política de maior capilaridade e envergadura no país, ocupando as Presidências da República e Senado, além de deter mais cadeiras na Câmara Federal. Aliados no governo dantes interino já lutam por púlpitos e picadeiros do pleito presidencial por vir. Em contraste com a força das ruas manifesta entre 2013 e 2016, dilemas se acumulam nas urnas6. O voto em ninguém se tornou mais representativo do que recordes eleitorais (João Dória em SP). Diante da recusa massiva do eleitorado, a democracia segue em compasso de espera e lenta agonia.

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Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2015). “A Crise de Memória e a Diferença que o PT pode fazer”. Carta Maior. Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-crise-de-memoria-e-a-diferencaque-o-PT-pode-fazer/4/32937. Acesso em: 24 de Fevereiro de 2016. 5 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2016). “Sob Judice: A Nova República em Transição”. SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/262141. Acesso em: 17 de Abril de 2016. 6 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2016). “Brasil 2016: o Monólogo Violento da Crise e o Futuro da Cidadania”. SRZD. Disponivel em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/260960. Acesso em: 12 de Março de 2016

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