Trajetórias de meninas que pintam.pdf

May 30, 2017 | Autor: Thayanne Freitas | Categoria: Street Art, Urban Graffiti, Graffiti, Antropologia Urbana, Womens Studies, freedascrew
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Trajetórias de meninas que pintam: a etnografia e a história oral no graffiti da Grande Belém THAYANNE TAVARES FREITAS Introdução Este artigo faz parte da minha pesquisa de mestrado que se encontra em andamento sobre as Freedas Crew, um coletivo de mulheres que grafitam na Grande Belém. A pesquisa foi iniciada em 2014, ao conhecer Michelle Cunha – artista visual e grafiteira –, período este que a artista resolveu propor uma oficina de graffiti somente para mulheres, na qual me inscrevi e participei de todo o processo. O coletivo das Freedas foi criado logo após a oficina, como uma proposta de finalização da atividade, pois a ideia era que a formação de um grupo só de mulheres grafiteiras incentivassem outras a vivenciar a rua a partir desta arte. A pesquisa tem como principal metodologia a experimentação, na qual tive a oportunidade de estar perto das integrantes e não só, mas em experenciar o que elas estavam vivenciando. Busquei no decorrer da pesquisa ser a mais respeitosa possível com minhas interlocutoras, aguardando um bom momento para realizar as primeiras “entrevistas informais gravadas” e somente após um ano de pesquisa em campo e mantendo contato frequente por ser uma ‘freeda’, compreendi que este seria o momento, após a construção e manutenção do afeto criado entre as integrantes da crew. Inicio o texto apresentando alguns fatos etnográficos que envolvem a oferta de uma oficina de graffiti que deu origem posteriormente ao coletivo. A partir destes fatos apresento o desenvolvimento da oficina concomitante com o tomar corpo da pesquisa, diante das possibilidades que o próprio campo me ofereceu. Nessa perspectiva ao mesmo tempo que eu me aproximava como pesquisadora-antropóloga, o aprendizado do graffiti me tornava a cada dia mais grafiteira, pois ao me inscrever na oficina juntamente com as demais meninas me inseri no circuito de aprendizado e nas consequências que dela decorreu nos meses seguintes. Apresento estes fatos iniciais para alicerçar o relato oral das integrantes, pois traz uma base de compreensão de como tudo ocorreu para que atualmente eu tenha tido acesso às informações que trago neste artigo. Sendo assim, a pesquisa é uma etnografia que dialoga com a história oral para desvelar trajetórias de duas mulheres do graffiti, Ester (Bisteka) e Karina (Ka), ambas das Freedas Crew. Não faço história oral, a minha aproximação com ela ocorre a



UFPA – Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia.

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partir de um “experimento em igualdade” (PORTELLI, 1997:10), procurando fazer da escuta uma postura ética e política para com as interlocutoras da pesquisa. Freedas Crew: Vivências

Às 14h24 do dia 21 de outubro de 2014 Michelle Cunha anunciou em uma rede social digital a seguinte proposta: “Vou começar a oferecer aulas de graça de pintura na rua só para mulheres que querem aprender a grafitar. Basta trazer seu material e ajudar a descolar o muro. Quem pilha?”. Esse foi o primeiro chamado para a realização de uma oficina de graffiti para mulheres realizada na casa-ateliê Sopro da artista e que atraiu o interesse de muitas pessoas que acompanhavam sua página digital. Após essa postagem, a proposta da oficina foi se estruturando e ganhou o nome de “Vivência para mulheres – introdução ao graffiti e outras formas de intervenção urbana”. Michelle criou um evento virtual e apresentou com mais detalhes como seria, cobrou uma taxa de inscrição de valor simbólico para a compra de parte do material necessário para o andamento das oficinas, como: tinta à base d’água, rolinhos, papéis, compensados, pincéis e canetas coloridas. O único material solicitado para as possíveis participantes foi uma lata de spray a partir do segundo encontro. A oficina teve um grande número de interessadas, mas só foram ofertadas 15 vagas que rapidamente foram preenchidas, inclusive criando-se uma lista de espera caso houvesse desistências. A primeira aula ocorreu no dia 31 de outubro e finalizou no dia 28 de novembro de 2014, totalizando quatro encontros. Como primeiro contato com as aprendizes, Michelle sugeriu uma breve apresentação de cada aluna expondo seus interesses para com a oficina. As garotas apresentaram diversas expectativas, Ester, por exemplo, relatou que tinha contato com o graffiti por meio de seu companheiro que já grafitava há anos, mas que ela por um longo tempo só o acompanhava nas intervenções e que havia chegado o momento dela aprender também. Outras diziam ter interesse, por que achavam instigante a arte urbana e como tinham habilidades com o desenho encontraram na oficina a grande oportunidade de praticar. No momento da apresentação expus o meu interesse como possível pesquisadora – pois estava em meio ao processo seletivo de mestrado – interessada no graffiti realizado por mulheres juntamente com a minha curiosidade em aprender aquele tipo de intervenção urbana que naquele instante se mostrava misteriosa.

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Os ensinamentos iniciais incluíram uma introdução ao vocabulário básico do graffiti (‘bomb’, ‘tag’, ‘cap’, ‘rolê’1...) e uma das principais regras de convivência que é a do ‘atropelo’2. Alguns exercícios de desenho com tinta ‘PVA’ a base d’água, spray e canetinhas hidrocor e lápis de cor. Em outro dia de oficina ela se concentrou em ensinar como desenvolver sua própria ‘tag’ e a afirmação de identidade na rua, neste aprendizado Michelle incentivou a construção de assinaturas com letras diferenciadas e a criação de um nome ou pseudônimo que poderia ser usado na rua. E no fim deste dia utilizando um compensado forrado com um papel pardo e canetões (uma espécie de canetinha, porém com a ponta grossa é muito utilizada para soltar ‘tags’ em qualquer superfície discretamente) na mão foram feitas diversas ‘tags’, algumas com estampas, outras com sombreamento, noções de profundidade, geralmente construindo letras gordas, entrelaçadas e multicoloridas. No terceiro dia os exercícios foram utilizar a tinta ‘PVA’ para colorir os papeis A4, posteriormente com cortes aleatórios e de diversos tamanhos e cores, colamos em um papel em branco construindo formas, seres, paisagens, deixando livre a imaginação. A ministrante da oficina incentivava a nossa criatividade partindo da perspectiva que aquela colagem poderia estar em um muro, por meio da mistura de cores e de formas geométricas3. Já no quarto encontro seria uma aula utilizando spray, Michelle solicitou que levássemos papelão, spray e estilete. O objetivo era que cada aluna elaborasse um ‘stencil’4 na forma desejada e que no final da tarde faríamos nosso primeiro ’rolê’, sairíamos pelo bairro da Campina atrás de um muro, preferencialmente de uma propriedade abandonada, para deixarmos nossas primeiras intervenções.

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Bomb é a assinatura do artista que pode ser em forma de letras (gordas) ou personagens. São feitos sem autorização e por isto são de rápida execução. Tag é a assinatura da(o) grafiteira(o) geralmente é um pseudônimo. Cap é uma espécie de “bico” acoplado na latinha de spray para que a tinta seja expelida. Existem diversos modelos que alteram a espessura do risco. Rolê é a busca de muro para intervenção que pode ser em local autorizado ou não. 2 Ao menos aqui em Belém o ‘atropelo’ é visto como um desrespeito ao graffiti ou pixo. Mas já encontrei um relato em um vídeo referente ao graffiti realizado em Lisboa em que o ato de ‘cobrir’ o trabalho de outro artista significa reconstruir aquele graffiti. 3 Como o graffiti feito por Criola, uma grafiteira de Minas Gerais. Ver perfil em: facebook/criolagraff 4 Stencil Técnica realizada com um papelão ou lâmina de raio-x com cortes em formatos variados em que um jato de spray ultrapassa os recortes e deixa a imagem na superfície.

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Na Rua Ferreira Cantão encontramos um muro de um prédio abandonado mesmo repleto de graffitis, ‘pixos’5, imagens feitas a ‘stencil’ encontramos alguns espaços e deixamos nossas primeiras marcas na cidade. Somente após a convivência com o grupo e relembrando esses fatos percebo que neste momento foi iniciado por algumas meninas uma criação de ‘personagens’6 que mais tarde tornaram-se suas principais artes no muro, ou melhor, a ocasião criou a primeira relação entre as aspirantes do graffiti e as suas possíveis marcas na rua incluindo ‘personagens’ e ‘bombs’. Mas sobre este assunto discutirei melhor no terceiro capítulo deste texto. Neste dia em especial éramos sete meninas: Walquíria, Michelle, Ester, Camila, Karina, Luana e eu. As meninas demonstraram segurança, principalmente porque estávamos sob a orientação e companhia de Michelle que era a mais experiente e escolheu o local de intervenção. Relembrando com algumas delas (via rede social digital) sobre o que sentiram naquela primeira experiência nas ruas e já praticando o ‘vandal’ 7, pude verificar o quanto foi marcante para cada uma delas e com diferentes perspectivas. Luana quando nos encontrou ficou muito feliz e ao mesmo tempo desconcertada por não ter preparado nada (‘stencil’ou ter levado material), mas se animou ao ser incentivada pelo grupo para escrever algo no muro “Vai! Pega! Manda uma frase!”, “porque sempre que vou fazer algo com material assim que não é meu, fico cheia de medo de 'ai, estou desperdiçando, não sei fazer isso, estou estragando’ sabe? Mas eu enfrentei isso, porque vocês me incentivaram”. Ester (Bisteka), relembrando, disse que ficou nervosa principalmente porque o muro não era autorizado. Pensou na possibilidade “de alguém mandar a gente parar”. Os transeuntes que ali circulavam demonstraram o seu espanto em se deparar com um grupo de meninas intervindo em uma parede em plena luz do dia. Muitos ao passarem de carro gritavam: “deixem de pixar, suas pixadoras!!”8.

Pixação/Pixo – Geralmente são letras, símbolos ou grafismos, monocromáticos e que podem revelar as iniciais do autor ou pseudônimo, o nome do grupo a qual pertence ou inúmeras formas de comunicação ilegíveis aos que não pertencem ao seu contexto. Para a lei, a pixação é crime. 6 Personagem/persona – Ilustração desenvolvida pela(o) grafiteira(o) e que contem características (técnica, traço, cores, estética...) que são associadas ao estilo de seu autor. 7 Vandal é realizar um pixo ou graffiti sem autorização. 8 Em um encontro recente com as Freedas, Ester refletiu que um grupo de meninas fazendo intervenções geralmente intimida os policiais. 5

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Já a Karina (Ka), por exemplo, relatou que sua vontade foi de “chegar no local e fazer”, não se sentiu nervosa em intervir em um lugar público e de certa forma numa parede não autorizada, “eu achava que seria sempre tranquilo, eu senti muita tranquilidade, eu queria interagir com tudo!”. Essa conversa foi realizada alguns meses depois pela internet a partir de mensagens individuais9 e não tive acesso as sensações de todas sobre aquele momento em forma de relato, mas ao estar com elas percebi o quanto estavam atentas ao fluxo de pessoas, à divisão de espaço na parede, na utilização de materiais (de acordo com o que aprenderam nas aulas), na interação entre elas ao se ajudarem com o ‘stencil’, por exemplo. Porém, das que conversei, foi possível trazer perspectivas diferentes sobre aquela ocasião e que abordaram pontos importantes, como o apoio que Luana recebeu das outras meninas mesmo que não tenha participado da aula de ‘stencil’ e que não tenha levado material para usar; o medo de Ester com a possibilidade de sermos interrompidas a qualquer momento e a coragem de Karina em estar tranquila mesmo sendo uma ocasião nova para muitas meninas que ali estavam presentes. Aquele primeiro ‘rolê’ foi uma experiência específica por ter sido feita em grupo, por um coletivo de mulheres. Foi uma ação planejada e tinha o intuito de mostrar essa roupagem do graffiti que é o chamado ‘vandal’ e o ‘rolê’. Para meninas iniciantes se mostrou bastante desafiador e instigante também, confesso que para mim foi um momento muito transgressor ampliando novas possibilidades de estar na rua e interagir com ela. Naquele cenário urbano deixamos de fazer parte da massa de pessoas em movimento e nos colocamos como protagonistas naquele cenário que era a rua, na qual estávamos interferindo artisticamente no seu aspecto visual10.

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Em uma época específica utilizei como metodologia a construção de um caderno de campo digital (Achutti e Hassen 2004) e na época em que tive essa conversa o grupo já havia sido criado. Atualmente a página não está atualizada, mas pretendo continuar com o procedimento. Para acessá-lo: arriscandonorisco.blogspot.com.br. 10 Nesse sentido, pareceu-me que esse ato de desviar o comportamento cotidiano da rua, isto é, de apenas movimentar-se por ela; o “vandal” rompe com o sentimento blasé, essa determinada incapacidade de reagir a todos os estímulos que as grandes cidades fazem aos seus moradores, tal como descrito por Georg Simmel: “A incapacidade, que assim se origina, de reagir aos novos estímulos com uma energia que lhes seja adequada é precisamente aquele caráter blasé, que na verdade se vê em todo filho da cidade grande, em comparação com as crianças de meios mais tranquilos e com menos variações.” ([1903]2005:581)

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A oficina previa um ‘mutirão’11 como atividade de fechamento dos ensinamentos. Em conversas no decorrer de uma das aulas da oficina, Michelle retomou a questão do ‘mutirão’ falando que existia uma chance de ele ser realizado na escola em que Walquíria lecionava como professora de artes. A integrante ficou responsável em agilizar a negociação com o colégio, pois a ação seria em parceria com os alunos como atividade extracurricular. No dia 06 de dezembro de 2014 ocorreu o ‘mutirão’ em parceria com a Escola Pública Antônio Gomes Moreira Junior, localizada no bairro do CDP. Os alunos juntamente com a professora de Artes passaram a ‘PVA’ no muro utilizando diversas cores, divididas em blocos de parede. Isso faz parte do preparo prévio do muro, é de praxe no graffiti que o muro já esteja com alguma camada de tinta antes do processo da pintura com spray, mas há casos em que o muro está somente no cimento, com manchas de lodo ou com cascas de tintas soltas, sendo assim, é preciso que se passe uma lixa para tirar o excesso e assim, iniciar a base com tinta. O ‘mutirão’ foi organizado pela Walquíria e mobilizado por Michelle por meio das redes sociais digitais. Michelle preparou um flyer convocando grafiteiros a participarem da ação coletiva e essa articulação com os demais grafiteiros da ‘cena’ local foi muito importante para a realização do evento. Antes de terminarmos o graffiti fomos convidadas para almoçarmos no interior do colégio. A feijoada foi feita e servida por alguns professores e foi o momento para conversarmos um pouco, já que na pintura nos falamos somente para troca de alguns materiais, pedidos de empréstimo da única escada disponível e outros assuntos que ficaram restritos ao grafitar. Foi interessante perceber os olhares de surpresa – dos grafiteiros ali presentes –, ao ver meninas organizando e participando de um ‘mutirão’ de graffiti. Era claro perceber que o ‘mutirão’ tinha em sua maioria grafiteiros do gênero masculino e que não estavam acostumados em ver tantas meninas grafitando juntas. Também foi possível observar que alguns sabiam da existência da oficina e, que ali, estariam presentes as meninas que a fizeram juntamente com a Michelle. Este evento foi importante também para o grupo de meninas por ter sido uma oportunidade de interação com os outros artistas, por ter sido um ‘mutirão’ planejados por 11

Mutirão é um painel de graffiti feito em conjunto com vários outros artistas da cidade. Além disso, é de praxe que as(os) organizadoras(es) ofertem uma feijoada no almoço e tenha música tocando. Existem mutirões que a comunidade ao redor também colabora com o evento.

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mulheres, além de ter sido uma experiência diferente no graffiti – como o tamanho do muro, o fato de ser liberado e aceito pelas pessoas que da escola usufruem. Todas essas questões intensificaram a vontade de pintarmos juntas e o próximo passo foi dado logo em seguida: a criação da crew. O “Mutirão de graffiti por sonhos de paz e amor”, que acabei de descrever, foi o estopim para indicar a necessidade da criação de um grupo. Não que isso já não fosse previsto, mas o pintar compartilhado, a parceria no processo criativo do graffiti, a mobilização de cada integrante para a efetivação do muro foi determinante para a concretização das Freedas Crew. O ‘mutirão’ ocorreu no dia 06 de dezembro, alguns dias depois Michelle sugeriu a criação de uma crew, a escolha do nome ocorreu no dia 09 do mesmo mês. Fomos incentivadas a pensarmos em vários nomes e assim, votarmos no que mais representasse o grupo e suas pretensões no graffiti. Surgiram nomes como “Crew das Créus”, “Pupilas Crew”, “Vemtimbora Crew”, mas não tiveram o voto da maioria. A sugestão escolhida pelo grupo foi o “Freedas Crew”. Esse nome foi pensado para simbolizar resistência, superação e a liberdade de mulheres artistas. É uma espécie de anglicismo, com a junção da palavra free com o primeiro nome de Frida Kahlo, a qual se tornou nossa principal inspiração12. Gostaria de reforçar mais uma vez que as minhas contribuições para com o grupo foram autorizadas e incentivadas pelas próprias meninas que não só me viam como pesquisadora, mas principalmente como integrante e por este motivo esperavam que eu somasse de alguma forma para o crescimento do grupo, seja nos momentos de ações artísticas, seja dando opiniões diversas inclusive em alguns casos de conflitos (comum em qualquer meio social). É importante salientar também que não somos a primeira crew de meninas na cidade, pois desde 2007 existe um outro grupo (totalizando quatro integrantes) chamado “Ratinhas Crew”13 que foi criada pelas grafiteiras Marcely Feliz (Cely é formada em Artes Visuais pela UFPA) juntamente com Érika Pimentel (Kika). Portanto, desde a criação do nome o grupo passou a se organizar enquanto coletivo, realizando ações e participando dos processos criativos em conjunto. Logo, a página da crew e um grupo virtual foram criados na internet, pois dessa forma, os muros poderiam ser divulgados Para ter acesso a um texto sobre a criação da ‘crew’, consultar Freitas (2015). Para ter maiores informações ler a monografia de conclusão de curso de Marcely Feliz (2014), intitulada Cely Feliz: nem todo risco no muro é masculino. 12 13

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e a articulação com as integrantes – em prol de novas intervenções na cidade – poderia fluir com mais facilidade. Das quinze meninas inscritas na oficina somente nove delas participaram das aulas e destas, todas contribuíram para a formação da ‘crew’ exceto uma. Sendo assim, as Freedas inicialmente são formadas por: Camila, Ester (Bisteka), Isabella (Bel), Karina (Ka), Luana (Lu), Michelle Cunha (Mic), Thayanne (Petit) e Walquíria (Kika). Desde sua formação muitas situações ocorreram constituindo a história do grupo, como: os ‘salves’ entre ‘crews’ ou entre grafiteiras(os), casos de muros apagados por seus proprietários, a rejeição de personagens, uma situação de ‘atropelo’, abordagem policial em ‘rolês’, conflitos no próprio grupo, entrada e saída de integrantes e tudo o que a formação de um coletivo de graffiti comumente está vulnerável a passar. Atualmente o coletivo tem sete integrantes, Walquíria saiu da crew, Michelle Cunha se distanciou tornando-se a principal parceira do grupo e a Juh foi convidada para compor as Freedas. Pretendi delinear a formação e configuração das Freedas Crew com os fatos etnográficos apresentados, para assim, trazer as entrevistas realizadas com as integrantes. Utilizei a técnica da entrevista informal gravada, na qual não se limitou a questões e respostas, mas a uma conversa com as interlocutoras de forma não direcionada. Sendo assim, as informações que surgiram foram referentes a vivências anteriores a oficina de graffiti e algumas temáticas ficaram mais evidentes, como: as motivações que as levaram a se escreverem na oficina e a leitura de seus próprios personagens. Diante disso, os relatos se enveredaram para outras direções. Das sete meninas, obtive dois relatos que serão expostos nas próximas páginas. O olhar das Freedas sobre os acontecimentos Ressalto que por causa do tempo escasso para a elaboração deste artigo e a metodologia escolhida para a realização da pesquisa de modo geral, que é a etnografia baseada na experimentação, o conviver com as interlocutoras e a busca de um momento adequado (por meio da construção de uma maior interação e confiança) para uma abordagem mais incisiva como a realização de entrevistas, estas só foram feitas recentemente. Portanto, a escuta foi realizada com duas das integrantes da crew, Karina mais conhecida como Ka e Ester que assina seus trabalhos como Bisteka. A entrevista informal gravada foi iniciada apenas com uma pequena intervenção que apresentou qual seria o objetivo

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daquela conversa, na qual expus o interesse em saber quais foram suas trajetórias antes se inscreverem na oficina de graffiti. A construção do texto e a análise das entrevistas será feita a partir das ideias comuns e divergentes de ambas. Inicialmente o primeiro contato com o spray das duas integrantes teve um ponto em comum que foi a presença masculina. Ester ao conhecer Marcelo – grafiteiro e seu atual companheiro –, percebeu no graffiti a possibilidade de expor e traduzir suas revoltas e sentimentos, pois alcançaria o maior número de pessoas, pois o graffiti na rua chama a atenção dos transeuntes. Já Karina em algumas saídas pela cidade deixou alguns ‘riscos’ juntamente com amigos skatistas. Nesta época, mesmo utilizando algumas técnicas do graffiti, como o ‘stencil’, ela não tinha consciência, conforme me contou, que aqueles ‘riscos’ já faziam parte do universo do graffiti. Nos relatos a seguir, é possível perceber que ambas tiveram motivações diferentes para se aproximarem do graffiti, mas que de certa forma compreendiam que era uma atividade artística capaz de capturar olhares e de comunicar. Ester ao contextualizar sua aproximação com tal arte de rua, relembra que ela está intrínseca à várias situações de violência. A integrante conta que [...] a nossa vida toda a gente passa por um monte de situação machista, mas que as vezes a gente não percebe que a gente tá passando por aquilo, porque o mundo é dominado, a estrutura toda do sistema é feita por homens. [...]Eu tive um relacionamento com um homem violento, né!? Como eu já tinha ti falado. Aí, esses relacionamentos são sempre assim: a pessoa depois que faz a merda, aí, vem no outro dia pedir milhares de desculpas, traz flores manda até carro som na frente da casa pra pedir desculpa. Éé...aquilo também vai te prendendo numa situação que só depois que a sua autoestima já está destruída que tu vai se tocando que tudo aquilo que aconteceu também, porque o mundo tem um sistema, e a estrutura do sistema toda é machista. Foi nessa hora muito que a minha ficha foi cair sabe?! A minha ficha foi cair...e eu fui percebendo... Por mais que a mulher possa trabalhar, estudar, a estrutura do sistema continua a mesma, sexo continua tabu, eu tenho um filho, porque EU fiz uma coisa errada, a errada fui eu, eu que fui a errada, ele não tá errado em nada, sexo é errado pra mulher e a consequência disso é ter um filho e o filho é o castigo, é o castigo dela ter feito aquilo, agora atura! Tu que pariu o Matheus que o embale! Depois que o Matheus nasceu é que eu comecei sim, a de fato militar pelo feminismo, sabe!? Porque antes disso eu não via muito que motivo nem causa apesar de passar por essas situações, eu não via muito motivo e causa pra militar por isso, pela causa das mulheres, sabe!? Foi aí, que entrou o graffiti, eu conheci o Marcelo, ele fazia graffiti, só tinha a Cely que pintava, sabe!? Ééé...e aí, eu fui vendo isso, né!? Que no muro eu poderia ir extravasando toda essa revolta que ficou se acumulando anos e anos e anos situações após situações sabe?! (Ester - Bisteka, 17 de fevereiro de 2016).

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O graffiti aqui está associado a uma história de violência contra a mulher e assume o papel reivindicador, comunicador e via de protesto. É o desabafo de uma mulher vítima da violência masculina e doméstica que vislumbra no graffiti a possibilidade de atingir e chamar a atenção dos transeuntes por meio da arte de rua. O graffiti em suas primeiras aparições teve um papel importante de denúncia e um caráter político forte. Como está ligado ao movimento Hip Hop por ser um dos quatro elementos14 que o compõe, o graffiti também adquire essa relação com as causas das minorias étnicas e da crítica social, apesar de existir intervenções que almejam somente a democratização da arte. Baseado em autores que tratam o assunto e por meio do campo de pesquisa é possível perceber que tanto o graffiti quanto a pixação possuem conjuntamente um caráter crítico social e político. Ester também acredita que a arte precisa expressar uma posição política, crítica e na fala seguinte clarifica mais seu posicionamento Eu via o Marcelo fazendo, aí, o que que acontecia... eu percebia que toda aquela revolta que eu tinha dentro de mim, eu poderia, é.. extravasar no muro. Porque aí a arte ela é... eu acho que arte não precisa ser só estética, ela pode ser política, aliás, eu acho que ela deve ser política. A arte tem que ter posicionamento político, então, quando eu via, assim, ele fazendo... todo mundo olhava aquilo, todo mundo olha quando o graffitti tá na rua, se eu fizer alguma coisa ligando a questão da mulher, eu posso pegar todos aqueles sentimentos de revolta que eu tenho dentro de mim e extravasar no muro. (Ester - Bisteka, 17 de fevereiro de 2016).

Ester ao falar sobre suas primeiras experiências com o spray aponta outras problemáticas: Acontece que assim, no início as primeiras vezes que eu fui começar a pintar, tá, foi tudo de boa. Só que aí, como eles já grafitam há muito tempo, aí, tem sempre aquela história... De ver a técnica “ah, ajeita isso”, “ah, ajeita aquilo”. E aí, surgem alguns conflitos. (Ester - Bisteka, 17 de fevereiro de 2016).

No relato de Ester ela aborda uma questão comum no meio do graffiti que é a constante interferência do grafiteiro na arte executada pela grafiteira. Posso inferir que existe uma necessidade de impor uma certa superioridade de técnica e desenvolvimento do graffiti feito por mulheres, mesmo que a artista já esteja em um estágio mais avançado de aprendizado, e

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O hip-hop é formado por elementos expressivos distintos, a música rap, a dança, conhecida como break ou street dance e o graffiti, que é a expressão visual. Configuram-se então os quatro elementos do hip-hop: o MC, ou mestre de cerimônias, que é o cantor do Rap; o DJ ou disk jóquey, que comanda as bases musicais, através de toca-discos, sobre a qual os MC’s ritmam suas letras; o B.Boy ou break boy e a B. girl, são os que dançam; e o grafiteiro propriamente dito, que é quem intervém através da arte visual (FERREIRA, 2007:24).

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experiência. Estas situações estão relacionadas a representatividade significante do masculino tanto no Movimento Hip Hop, quanto mais especificamente no graffiti, o que já foi apontado por várias pesquisas sobre a relação de gênero presentes nessas atividades artísticas (Viviane Magro 2003). Neste caso, a interferência constante em seu trabalho fez com que parasse momentaneamente de intervir artisticamente na cidade. Já a aproximação que Karina teve com o graffiti foi de outra natureza, estava circundada pela admiração daquele tipo de arte e que a fez acompanhar alguns trabalhos realizados na cidade por artistas locais e admirar as intervenções de grafiteiros de outras cidades como o caso dos “Gêmeos”, por exemplo. [...] o que me levou a fazer graffiti mesmo foi mais... nunca imaginei que eu iria fazer graffiti, foi mais uma aventura, querer experimentar e ter a sensação, a sensação que eu tinha quando eu via o graffiti, eu comecei a pensar: qual era a sensação se eu fizesse o graffiti e outra pessoa visse? Aí, eu comecei a pensar nisso...admirava muito... (Karina – Ka, 17 de fevereiro de 2016).

Foi possível perceber que nos relatos expostos, a presença masculina na iniciação com o spray foi recorrente, mas que as experiências foram diferentes e tiveram também motivações diversas. Ester viu no graffiti a oportunidade de falar sobre o que lhe afligia levando em consideração a sua vivência pessoal, além disso, existiu também os conflitos relacionados ao pintar com homens, a questão da imposição de técnicas e formas de pintar, o que fez com que Ester se retraísse momentaneamente. Enquanto Karina tinha a curiosidade em experimentar aquele tipo de intervenção urbana como mais um conhecimento sobre a arte. Por mais que ambas sejam mulheres, as experiências estão ligadas a diversos outros fatores que as fizeram se interessar pelo graffiti. A oficina de graffiti ofertada por Michelle Cunha também foi relatada pelas integrantes como uma oportunidade de maior aprendizado e aproximação com essa arte, como veremos a seguir: Aí tá, a Michelle resolve se revoltar também, por causa daquele evento e tem pouca mulher pintando, porque as que estavam na atividade não tavam muito indo pra rua. ‘Vou fazer uma vivência pra mulheres’, tipo, eu acho que é minha oportunidade de eu aprender mais, algumas técnicas com pessoas que também não tem muito conhecimento como eu, talvez até tenham algum conhecimento, mas que também querem aprender mais e, só com mulheres, porque não está dando certo em pintar com eles, sabe!? (Ester - Bisteka, 17 de fevereiro de 2016).

No relato de Karina, ela destaca a indicação de um amigo para o interesse em realizar a oficina

12 Conheci o Ricardo, ele faz Design também. A gente se conheceu e a gente conversava muito sobre graffiti. Ele já conhecia a Michelle. Teve um dia que ele falou assim: ‘olha Karina, vai abrir uma oficina de graffiti e é só para mulheres’. Aí eu fui, mas eu não fui pensando “aah, eu vou ser uma futura grafiteira”, eu fui mais para experimentar... e comecei a...aí, quando começou a oficina, tudo que foi vivenciado lá, mais sobre os estudos, analisando os graffitis, aí, eu comecei a gostar, né!? Me apaixonar pelo graffiti. Foi desde aí, que eu comecei a pensar que era aquilo que eu queria, fazer graffiti. (Karina – Ka, 17 de fevereiro de 2016).

As integrantes consideram a oficina como oportunidade de aprenderem mais sobre essa arte urbana. Ester ressaltou o fato de que era uma oficina só para mulheres, assim como a fala do amigo que sugeriu à Karina. Para Ester que vivenciou um histórico violento de relação de gênero é possível inferir que a característica da oficina em delimitar seu público ao feminino foi determinante para seu interesse em se escrever na oficina, bem como pela experiência inicial que teve em pintar com grafiteiros. Somado a isto, é possível que a integrante tenha esperado que o pintar com outras mulheres que não demonstrassem uma superioridade técnica – por serem também aprendizes –, fosse uma experiência mais agradável. Baseadas nas expectativas, tanto de Ester, quanto de Karina em relação ao graffiti, ambas desenvolveram seus personagens com intensões diferentes. Apresento primeiramente o processo de elaboração do personagem de Ester Eu queria mesmo só fazer frase de protesto inicialmente, só que aquilo não seria socialmente aceito, seria considerado pichação. E se eu associasse o personagem com alguma fala, né!? A caveirinha falando alguma coisa, aí já seria socialmente aceito, né!?Tanto que é, né!?Todo mundo: ‘ai, que bonitinho!’, mesmo quando é alguma coisa forte que eu escrevo ‘ai, que bonitinho!’ Aí, o personagem...pra eu pensar no personagem foi aquilo que eu já tinha falado, né!? Eu gosto de rock, a caveira sempre teve assim no mundo do rock, nas estampas desses negócios de rock. Éé... aí, foi disso o personagem, a caveira simboliza a morte, então é uma coisa que conversa com a questão da mulher, da violência contra a mulher, porque apesar da violência contra mulher nunca ter diminuído, ela só aumenta, quando aquilo não acontece com a gente é como se aquilo pra gente não existisse ou as vezes até acontece, mas tu não quer muito se ligar naquilo, porque mesmo quando aquilo me aconteceu e que tu tens acesso, por exemplo, aquelas estatísticas de cada 10 mulheres 8 no mundo vão sofrer algum tipo de agressão, seja ela física ou, seja ela verbal em algum momento da vida. “8 em cada 10 mulheres?” é simplesmente 80% das mulheres no mundo. (Ester – Bisteka, 17 de fevereiro de 2016).

Ficou evidente que seu personagem foi pensado para comunicar e chamar a atenção da sociedade para a violência contra as mulheres. O graffiti adquire um caráter político, ao retratar as violências vivenciadas pelo gênero feminino. Destaco também a preocupação que a artista teve em não associar sua arte a algo ilegal e “não aceito socialmente” como ela mesmo afirma. Apesar de muitas vezes as pessoas direcionarem seus olhares somente a estética da

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caveira e não percebendo o quão forte são as frases atreladas a ela. Eis, que quando a Ester mescla as duas características, ela mantém o seu objetivo que é usar a palavra como forma de protesto e a “legaliza” quando atrela a imagem (graffiti), evitando algumas retaliações sociais. Segundo Gitahy (1999), existem alguns elementos que diferenciam o graffiti da ‘pixação’. O graffiti tem uma ligação com a arte plástica e prioriza a imagem como forma de comunicação, enquanto a ‘pixação’ tem sua predominância na palavra ou letra, portanto, o perfil de ambos influencia drasticamente a aceitação ou não da sociedade como um todo. Sobre este mesmo assunto, Pereira (2005) levando em consideração o contexto paulistano em que surgiu a ‘pixação’, aborda uma fase em que o graffiti inicialmente não foi bem aceito socialmente sendo visto como uma arte plástica deslocada de seu habitat (a galeria). O ‘pixo’ surge como mais uma maneira de se expressar, porém foi associado a sujeira, “o rótulo de sujeira, antes também atribuído ao grafite, ficou reservado apenas para a pichação” (PEREIRA, 2005:19). O que resultou em uma maior aceitação do graffiti agora como arte em detrimento do ‘pixo’. Já no caso da Karina seu personagem foi desenvolvido da seguinte forma (...) eu comecei a imaginar assim, que eu queria jogar características minhas no muro, mas não coisas que lembra a mim, mas coisas assim, que eu criei. (...) eu tinha que ter alguma coisa criada por mim sem ser parecida das outras pessoas, por mais que ela seja nua e tenha os cabelos grandes, mas foi algo que foi criado por mim e também o bomb pode não tá dentro do padrão dos bombs, né!? Só é uma letra, mas eu também acho que ele é mais parecido comigo ainda mais quando eu jogo essas coisas assim...essas características da mandala, porque eu gosto da mandala e tal, quando eu jogo essas coisas dentro, eu acho ele bem parecido comigo, bem a minha cara. Aí, foi assim que eu comecei a me encaixar no graffiti. (Karina – Ka, 17 de fevereiro de 2016).

Karina ao desenvolver seu personagem vislumbrou a possibilidade de deixar sua identidade na sua ilustração. Buscou elementos que a representasse e firmasse sua criatividade e inovação diante dos personagens já existentes de outros artistas locais. A integrante destaca mais sobre sua personagem na fala abaixo Sobre a personagem eu já havia desenhado ela antes do graffiti, já desenhei mulheres com cabelos grandes, e até achei um desenho, ia te mostrar depois, que eu achei um desenho antigão, que eu acho que deveria tá no ensino fundamental, e era uma mulher com um bracelete no braço, aí eu fiquei pensando “caramba! Parece que é uma coisa meio que já tá dentro da gente, uma coisa subliminar”. Aí, eu fiquei pensando, porque o bracelete para mim...quando eu botei o bracelete, eu queria botar uma coisa regional, por exemplo, aquelas grafias e também é um bracelete de ouro com as grafias marajoaras, tipo como se fosse o valor da grafia marajoara e também tem algumas grafias que são no braço, né!? No lugar do bracelete foi mais por causa disso. Mas aí quando eu vi esse desenho eu fiquei imaginando, “égua! Eu já tinha desenhado isso! Eu já tinha imaginado isso!”. (Karina – Ka, 17 de fevereiro de 2016).

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Karina ressalta o quanto o(a) artista está intrínseco(a) à própria criação, ao personagem. Percebeu que existe uma ligação muito intensa no processo criativo, ao relatar que já havia feito sua personagem há algum tempo atrás e que atualmente a fazia em seus graffitis, ela reforça esse estreitamento. Na personagem está contido todas as expectativas que a artista espera repassar (por mais que essa intenção não fosse clara incialmente), seria a valorização da cultura paraense representado mais claramente pelo bracelete e o grafismo marajoara. A minha personagem, quando eu comecei a fazer eu não tinha uma ideia “ah, eu quero passar isso” na minha personagem. Eu queria passar uma mulher que, no primeiro momento, eu queria passar uma mulher diferente, mas que fosse com uma cor bem... Bem paraense. (...) Pra mim ela é uma mulher que é diferente, por causa da cor do cabelo, porque o cabelo, eu acho o cabelo grande, no meu particular eu acho os cabelos grandes bonitos e eu acho que ela muda sempre a cor do cabelo, como se ela tivesse sempre mudando. (...) Assim, as coisas que eu queria dar mais destaque pra ela era o cabelo, a cor e o bracelete. (...) Mas pra mim ela, ela tá mais ligada a isso... Aos indígenas e a liberdade e ... o espirito feminino. (Karina – Ka, 17 de fevereiro de 2016).

Outros elementos também foram agregados, como: a cor de pele que também remete especificamente aos nativos do Pará; o cabelo longo e colorido que traz a ideia de diversidade; a nudez que transmite sentimentos de liberdade. Todos estes elementos em um só personagem reúnem fatores que trazem uma representatividade da população da Região Norte e em especial do estado do Pará.

Figura 1: Personagem da Ka em destaque na quadra de esportes na Praça Doroty Stang.

Figura2: Bisteka deixou seu personagem e a frase: Antes puta que submissa !.

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Ao falarem sobre seus personagens verifiquei que ambas buscaram associar, tanto temáticas, quanto fragmentos que as representassem. Temáticas estas que circundaram sobre a violência contra a mulher e as várias formas de opressão e, no caso de Karina a artista direcionou seu personagem a valorização de elementos que se aproximam da população de seu

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Estado, o Pará. Ester trouxe na caveira a simbolização do rock (estilo de música que aprecia) e a morte retomando a questão da relação de gênero, enquanto Karina introduz os traços da mandala (símbolo que tem apreço) – seja no cenário para seu personagem, seja como estilo de preenchimento do seu ‘bomb’ –, e as referências à cultura paraense. Últimas palavras Este texto apresenta uma proposta experimental. Pretendo desenvolver alguns aspectos aqui ensaiados, intensificar as entrevistas com Ester e Karina, além de fazer entrevistas de profundidade com as outras integrantes das Freedas, valorizando o diálogo constante com as interlocutoras também no processo da escrita e utilização de imagens. A partir da conversa gravada, transcrição das falas, restituição destas para as entrevistadas e, as eventuais alterações dos trechos feitas por elas é que foi possível a construção desse texto. O intuito era de fazer um escrito que não prejudicasse as interlocutoras e que produzisse algum efeito positivo para elas. Além disso, não era propor uma “dispersão da autoridade” (CALDEIRA, 1988:156) do texto antropológico, mas conforme já foi dito, produzir um experimento em igualdade (PORTELLI, 2005), a partir do diálogo contínuo e do comprometimento ético (PORTELLI, 1997). Por conta de minha condição de mulher e interesse em comum no graffiti como expressão artística e política, acredito que esse experimento foi possível de ser realizado com as interlocutoras da pesquisa. Referências Achutti, L. E; Hassen, M. N. Caderno de campo digital – antropologia em novas mídias. Horizontes antropológicos 10(21):273-289, 2004. Caldeira, T.P. do R. A presença do autor e a Pós-Modernidade em Antropologia. Novos Estudos CEBRAP nº21, Julho de 1988, pp. 133-157. Feliz, M. G. Cely feliz: nem todo risco no muro é masculino. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014. Ferreira, L. T. O traçado das redes: etnografia dos grafiteiros e a sociabilidade na metrópole. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos: UFSCar, 2007. Freitas, T. T. Freedas Crew: mulheres livres para pintar. Revista DR – Divas Revolucionárias 2, 2015. Disponível em: Acessado 10/12/2015 às 15h. Gitahy. C. O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999.

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Magro, V. M. Meninas do graffiti: educação, adolescência, identidade e gênero nas culturas juvenis contemporâneas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 2003. Pereira, A. B. De rolê pela cidade: os pichadores em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo: USP, 2005. Portelli, A. Forma e significado na História Oral. A pesquisa como um experimento em igualdade. Proj. História, São Paulo, (14), fev. 1997. _____. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Proj. História, São Paulo, (15), abr. 1997. Simmel, G. As grandes cidades e a vida do espírito. MANA 11(2):577-591, 2005.

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