TRANSDISCIPLINARIDADE E TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO: UMA AULA DIFERENTE

September 9, 2017 | Autor: João Amado | Categoria: Literature, Interdisciplinaridade, Utopia/Distopia, Didática
Share Embed


Descrição do Produto

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 3

TRANSDISCIPLINARIDADE E TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO: UMA AULA DIFERENTE SILVA NETO, João Gomes1 SILVA, Ana Luiza Gonçalves2

RESUMO Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e de campo de abordagem transdisciplinar que coteja elementos da literatura distópica, com características de algumas teorias administrativas. A partir da análise da literatura, foi apresentado um modelo de plano de ensino e um roteiro para uma aula de 75 minutos, fazendo uso do recurso de vídeo; aula essa, que foi lecionada aplicada em sala de aula em uma turma de terceira fase do curso de administração das Faculdades Borges de Mendonça da cidade de Florianópolis - Santa Catarina. Para tanto, utilizou-se o clássico: “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, verificando as possibilidades de interconexões com o Fordismo e Taylorismo. Buscou-se não somente verificar as possibilidades do gênero distópico em ilustrar aspectos das teorias da administração, mas suscitar uma postura de reflexão crítica em relação ao contexto sóciocultural em que esses modelos administrativos surgiram; pensar nos reflexos negativos decorrentes de paradigmas reducionistas, deterministas e mecanicistas sobre as organizações e a sociedade que se verificam ainda nos dias de hoje. Palavras chave: Transdisciplinaridade, Administração, Literatura, Fordismo, Distopia. Abstract This is a bibliographic research based on a transdisciplinary approach that intents to relate elements of dystopian literature with characteristics of some administrative theories. For so, it will be used the classic: "Brave New World" by Aldous Huxley, checking the possibilities of interconnections with Fordism and Taylorism. Besides verifying the possibilities of dystopian literary genre to help illustrate aspects of some theories of Administration, the aim of this work is to encourage an attitude of critical reflection in relation to historical and cultural contexts of which these administrative models emerged, thinking of the negative effects resulting from reductionist, deterministic, and mechanistic paradigms about organizations and society that there are still today, and propose creative insights and original thinking to the possible negative consequences of these paradigms in the future. Key-words: Transdisciplinarity. Administration. Literature. Fordism. Distopia.

1

Acadêmico João Gomes da Silva Neto – [email protected] Professora Ana Luiza Gonçalves Silva, Dra. em Psicologia pela UFSC. Orientadora do trabalho – email: [email protected] 2

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 4

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1.1 A ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR

As artes podem ser uma alternativa de conhecimento complexo da “cultura das humanidades”, ou seja, uma cultura que por meio da filosofia, do ensaio, do romance, estimula a inteligência geral e a reflexão sobre o conhecimento e sobre a condição humana. Essa cultura genérica pode complementar e enriquecer o universo didático e científico estimulando o que Morin (2006) chama de religação dos saberes, o olhar “extradisciplinar” que uma disciplina ou campo de saber pode lançar sobre uma outra disciplina distinta ou campo de saber distinto. Esse olhar “de fora”, além dos limites e das fronteiras da disciplina, permite justamente visualizar as fronteiras que limitam o conhecimento das próprias disciplinas, e que, dificilmente são identificados do “lado de dentro” das mesmas. Muitas vezes deve-se tomar distância para poder melhor observar o que está perto. O físico romeno Nicolescu (2006, tradução nossa), pondera que para algum desavisado, pode parecer paradoxal que de sua experiência no núcleo estrito das ciências exatas ele venha a chegar às idéias de limites entre o conhecimento disciplinar. Mas do lado de dentro, esse núcleo provê evidências do fato de que, após um longo período, o conhecimento disciplinar alcançou suas próprias limitações abrangendo conseqüências extremas, não só para a ciência, mas também para a cultura e para a vida social. As possibilidades de “migrações” de esquemas cognitivos e de circulação de conceitos entre disciplinas distintas é o “antídoto” contra o imobilismo e o fechamento das disciplinas. É o que Morin (2006) chama de inter-poli-transdisciplinaridade, muito embora recuse uma “definição” fechada do fenômeno. Exposto isso, antes do que um conjunto de técnicas ou estratégias, pode-se falar de uma atitude, uma postura, que se orienta em um sentido sistêmico, complexo, de articular conhecimentos e saberes diversos que trespassem os limites disciplinares favorecendo pensar sinergicamente o global e o conjunto. É dessa maneira, que nos referimos aqui a uma abordagem transdisciplinar. Morin (2002, p.49) também discorre mais pontualmente sobre as possibilidades didáticas da literatura quando afirma que “[...] o conhecimento da complexidade humana faz parte do conhecimento da condição humana”. [Nesse sentido, a função do romance é expandir o “domínio do dizível à infinita complexidade de nossa vida subjetiva” de modo a instaurar “a multiplicidade interior de uma pessoa”]. O pensador ainda pontua que, com a literatura, o

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 5

ensino sobre a condição humana poderia adquirir uma forma mais vívida e ativa (MORIN, 2002, p.91). Sob a luz desse entendimento é que pretendemos verificar as possibilidades de estudar e relacionar algumas Teorias da Administração com a literatura distópica.

1.2. DISTOPIA

Enquanto as utopias propõem uma idealização para o bem, o gênero anti-utópico vem posicionar-se enquanto uma antítese do discurso utópico, algo como uma utopia negativa. As distopias mergulham na catarse das possibilidades de tragicidade e de fatalidade do ser humano, como crítica que quer expor através do grotesco, os perigos da realização, ou de uma sociedade orientada para a tentativa de uma materialização de certos ideais utópicos. Em geral contestam a utopia presente nos discursos políticos das sociedades totalitárias e autoritárias, criticando seus fundamentos e ideais de perfeição. Também critica certos valores das sociedades capitalistas, quais sejam: o discurso progressista da produção e do consumo bem como o deslumbramento ingênuo e alienante frente aos avanços tecnológicos sob o baluarte da “evolução” e da “melhora na qualidade de vida”.

1.3 O FORDISMO EM “ADMIRÁVEL MUNDO NOVO”

O livro “Admirável Mundo Novo” (1932) foi escrito na época em que o modelo de produção em massa e padronização Fordista estava em franca expansão. No romance, temos claramente uma crítica ao modelo Fordista, mas não é só. Temos igualmente, e talvez até mais importante e pertinente para nossa realidade contemporânea, uma crítica a certos valores tais quais: a racionalidade instrumental e ao paradigma reducionista, mecanicista e determinista que nortearam aquela sociedade na qual esse modelo se legitimava, e em certas instâncias ainda hoje se legitima. Em relação ao Fordismo, mais especificamente na narrativa, existem elementos explícitos e outros subliminares. De forma sucinta, em caráter ilustrativo, analisaremos alguns destes elementos juntamente com considerações de caráter social, a partir de agora.

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 6

Os nomes e os sobrenomes dos personagens são referências indiretas a figuras históricas de relevância sócio-política e cultural na época em que o livro foi escrito, e por conseqüência, na trama. O nome de um dos protagonistas, por exemplo, é Bernard Marx, que na trama é psicólogo especialista em técnicas de condicionamento psicológico. Seu nome mescla Bernard (possível referência ao psicólogo francês Claude Bernard) e Marx, fazendo menção a Karl Marx. Deste mesmo modo, os demais personagens têm também nomes emblemáticos, como: Engels, Hoover, Pavlov, Trotsky, entre outros. Uma interjeição corrente entre os personagens no livro é a emblemática: Our Ford (nosso Ford), que vem a ser corruptela de Our Lord (nosso senhor ‘Deus’) em inglês original, demonstrando ironicamente a personificação mítica de Ford, como referencial de deidade da sociedade do new world. A expressão: “Graças a Ford”, também é corrente e tem a mesma função conotativa. O “T”, fazendo menção ao automóvel modelo T criado por Ford, ocupa o lugar de símbolo divino, ao invés da cruz. As eras são divididas em antes de Ford e depois de Ford, ao invés de antes e depois de Cristo, reforçando a imagem e referencial de divindade. As pessoas do “Mundo Novo” não nascem. São produzidas em série em laboratóriosfábricas chamados centros de incubação e condicionamento. Por meio de uma tecnologia de eugenia, a partir de um único óvulo, geram-se 96 indivíduos gêmeos idênticos e perfeitos. Além de da maioria da população ser constituída de pessoas fisicamente iguais, elas usam também uniformes iguais, de acordo com suas castas. Isso reforça o sentido de identidade na comunidade. Os cidadãos são produzidos e condicionados conforme sistema de castas departamentalizadas pela função que exercerão na sociedade do new world. Os indivíduos Alpha, parcela minoritária da população, são produzidos e condicionados desde a infância a ocuparem os cargos mais importantes: serviços de alta gerência e diretoria, digamos assim. São os que planejam, organizam, controlam a lei e a ordem, e controlam as outras castas “operárias”. Elemento típico da estrutura de centralização de poder Fordista. Depois há as castas dos Betas, Deltas, Gamas, Ypsilons, gradativa e respectivamente, diminuindo em grau de importância hierárquica. Igualmente, de acordo com essa diminuição de grau hierárquico, diminui, também, o nível de importância conceitual e aumenta o grau de divisão de trabalho mecânico, braçal e serviçal dos “cargos” de cada grupo. Cada um desses grupos de castas tem suas atribuições de tarefas bem definidas, com suas atividades fragmentadas, previsíveis e superespecializadas, características típicas da estrutura organizacional de hierarquia verticalizada e mecanicista de Administração Científica.

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 7

As castas de trabalhadores autômatos, obedientes e eficientes são a maior parcela da população do “novo mundo”. São feitos para não terem inteligência, ou, a inteligência mínima necessária apenas em função da tarefa que executarão na sociedade. Também são biogeneticamente pré-determinados. O sujeito que trabalhará nas minas ou na indústria de fundição, já é pré-determinado geneticamente a gostar de temperaturas extremas e a rejeitar o frio, por exemplo. São depois condicionados desde a fabricação a amarem os serviços os quais serão obrigados a executar, como pode ser vislumbrado no trecho: “Mais tarde, seu espírito seria formado de maneira a confirmar as predisposições do corpo” (HUXLEY, 1987, p.27). Ora, de forma fantástica, na fábula, Huxley traz à tona uma questão ética extremamente atual e pertinente: o que poderia acontecer, e de algum modo já está acontecendo, quando os interesses hegemônicos de poderes políticos, encontram a ambição de grandes companhias de bio-técnologia e engenharia genética. Busca-se respaldo no discurso utópico da evolução e da salvação da humanidade pela ciência, a legitimação ética para fazer clones ou órgãos produzidos em série a partir de embriões produzidos somente para este fim. Pela primeira vez na história, o ser humano ou mesmo a vida, é passível de ser “fabricada”. Outra característica da eugenia praticada no “mundo novo” é o da contenção do envelhecimento. Não se sabe exatamente a idade dos personagens. Não existe a velhice, leiam-se aí, as ações do tempo sobre a saúde ou sobre a beleza do corpo. O velho de sessenta tem a mesma vitalidade, as mesmas forças e os mesmos gostos que tinha aos dezessete. Aqui podemos também, fazer um paralelo com a indústria dos cosméticos e das cirurgias plásticas, propagadas pelos meios de comunicação em massa, por exemplo. Introjeta-se na consciência coletiva da comunidade do new world por meio dos diversos “Escritórios de Propaganda” e “Colégios de Engenharia Emocional” a busca pelo prazer hedonista, bem como o evitar o pensar. Pensar seria furtar tempo precioso do prazer sensorial. Outros valores fundamentais introjetados na sociedade são: o ódio ao que é gratuito e belo, como a natureza, o culto ao progresso, ao consumo e a tudo que é industrializado, novo e “moderno”. Frases tais quais “mais vale acabar que consertar; mais vale acabar que conservar” ou “quanto mais se remenda menos se aproveita” e “eu adoro roupas novas” são incessantemente repetidas pelos veículos de condicionamento coletivo, e consequentemente, pelos indivíduos, a tal ponto que o ato de consertar ou remendar algo, era visto como antisocial. Por esse motivo, os livros e qualquer outra forma de arte são proibidos, por serem considerados perigosos para a estabilidade e ameaçadores enquanto potenciais agentes “descondicionantes”.

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 8

O consumo diário de um tipo de “droga da felicidade”, o “soma”, é legalizado, incentivado e mesmo produzido e distribuído pelas autoridades para manter a população em um estado de felicidade e estabilidade constantes. Aqui poderíamos levantar uma questão muito atual em relação à perversa multinacional indústria farmacêutica, ao monopólio de patentes de medicamentos, ao mercado milionário dos antidepressivos. Junto a essas questões, poderíamos atrelar à da ética científica, ou da falta dela, quando pesquisadores financiados por empresas privadas alimentam o mercado e a mídia com uma espécie “marketing científico” das doenças e das maravilhas da farmacologia e da bioquímica moderna. Podemos citar o fenômeno “Prozac” ou “Viagra” apenas como dois possíveis exemplos mais pontuais. Outros valores morais e sociais essenciais constantemente reforçados são a padronização e a coletividade. Todos são estimulados a permanecerem em grupos e a serem iguais. Todas as atividades esportivas, sociais e mesmo as relações sexuais são estimuladas ao máximo, porém em coletividade. Um dos lemas propagados é “todos são de todos”. A individualidade é considerada amoral e a monogamia é perniciosa porque todo envolvimento duradouro ou mais profundo pode levar a sentimentos mais intensos, o que é indesejável, pois desequilibrariam a estabilidade. As relações devem ser superficiais, para que a vida seja emocionalmente fácil. Mesmo o querer estar só é visto como um sintoma de doença, pois todo o valor positivo está em função do que possa favorecer a pretensa felicidade da coletividade e sua estabilidade.

1.4 A IMPORTÂNCIA DE UMA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

Esses são apenas alguns aspectos relativos ao impacto social e humano desses modelos administrativos, e seus reflexos numa contextualização sócio-histórica, que podem ser regatados por meio da abordagem transdisciplinar proposta. Em relação à importância de uma perspectiva epistemológica e do desenvolvimento histórico no estudo das organizações relata Ferreira (2010, p.38):

[...] Jacques (2006) e Bedeian (2004) chamam a atenção para o fato de que a imprecisão (ou mesmo o desconhecimento) dos autores da atualidade sobre os acontecimentos e perspectivas do passado compromete o entendimento mais acurado das abordagens atuais justamente porque reproduzem distorções perigosas sobre o processo de formação do pensamento administrativo. [...] o – ‘universalismo’– a concepção do fenômeno organizacional contemporâneo como

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 9

sendo típico de qualquer organização ao longo da história – e o ‘presentismo’– o tratamento descontextualizado dos fenômenos organizacionais – correspondem a traços marcantes do ensino gerencial empreendido nas escolas de Administração, e essa condição compromete a capacidade analítica dos gestores [...]

Neste sentido, a pertinência do estudo das teorias administrativas sob uma perspectiva histórica, não se resume apenas pelo seu valor histórico em si. Existem empresas que ainda hoje se utilizam dos métodos Tayloristas e auferem lucros astronômicos por meio da exploração de mão de obra não sindicalizada. É o caso, para citar apenas um exemplo, das cadeias multinacionais de lanchonetes do tipo fast-food, que contratam estudantes, geralmente menores de idade, pagando míseros salários, trabalhando em condições insalubres. Esses aspectos, contudo, não são geralmente abordados de forma crítica no contexto acadêmico da Administração. Acontece que a ênfase que as literaturas da área geralmente dão ao estudo dessas empresas “bem-sucedidas”, é a da gestão em nível operacional, da lógica reducionista, da racionalidade instrumental, da eficiência, eficácia, da produtividade e do lucro. Essas mesmas empresas são modelos de gestão de “sucesso” a serem festejados, estudados e seguidos. Contudo, em relação a esses modelos de gestão, na opinião de Drucker (2006), na atual época de revolução sócio-econômica e cultural, a maioria dos gerentes não consegue se adaptar às rápidas mudanças “da sociedade do conhecimento”, por não saber o que fazer. O que se verifica são fracassos gerenciais generalizados. Esses gestores pensam em problemas a resolver e não são capazes de entender o ambiente de mudança e imprevisibilidade em que se encontram, tampouco de visualizar soluções eficazes. Deveriam reavaliar a cultura organizacional e as teorias nas quais suas empresas se fundamentam. Nesse contexto, podemos concluir que a pop-management não tem ajudado aos empresários e gestores das organizações globais, tampouco contribuirá para a formação do estudante de Administração. Na visão de Drucker (2006 p.156-157): A educação irá se tornar o centro da sociedade do conhecimento e a escola será sua instituição-chave. De que conhecimentos todos devem dispor? O que é “qualidade” em aprender e ensinar? Estas serão necessariamente as preocupações centrais da sociedade do conhecimento e as principais questões políticas. [...] Também podemos prever com confiança que iremos redefinir o que significa ser uma pessoa educada. Tradicionalmente, e em especial durante os últimos 300 anos, pessoa educada era alguém que tivesse um fundo prescrito de conhecimento formal. [...] Daqui em diante, uma pessoa educada será, cada vez mais, alguém que aprendeu como aprender e continua aprendendo, especialmente através de educação formal, por toda sua vida.

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 10

Pode-se concluir que em um contexto acadêmico, é consideravelmente importante estimular o questionamento epistemológico das teorias da administração, sob as lentes de um olhar mais complexo e sistêmico, que percebam as organizações em toda a sua gama de conseqüências históricas, sociais, culturais, regionais e globais e não apenas sob a lógica do lucro e do paradigma obtuso que concebe as organizações como sistemas fechados, isoladas do ambiente externo onde atuam negligenciando os efeitos perversos da produção e do consumo desmesurado e da cobiça por lucros estratosféricos a qualquer custo. Nesse sentido, a abordagem transdisciplinar, pode ser um recurso didático que contribua para trazer esse tipo de discussão à tona.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1. Amostra e fonte de informações No pólo epistemológico, quanto à postura lógica científica adotada: realizam-se análises e sínteses bibliográficas e relacionam-se dialeticamente os conceitos expostos. No pólo teórico, quanto ao campo da Administração são estudadas as teorias administrativas do Taylorismo e do Fordismo. Quanto à literatura, faz-se uso do gênero distópico representado pelo romance “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. A pesquisa de campo foi realizada presencialmente em sala de aula com uma turma do curso de administração na disciplina de Gestão de Pessoas, com a participação de 26 alunos da terceira fase, e a presença da professora da disciplina que atuou como mediadora da atividade. Quanto aos recursos instrucionais utilizados, além do projetor multimídia e da lousa para o momento expositivo da aula proposta, utiliza-se o vídeo como recurso que pode aproximar “[...] a sala de aula do cotidiano, das linguagens de aprendizagem e comunicação da sociedade urbana [...]l” como pondera Moran (1995, p.27); ainda segundo o autor:

O vídeo está umbilicalmente ligado à televisão e a um contexto de lazer, e entretenimento, que passa imperceptivelmente para a sala de aula. Vídeo, na cabeça dos alunos, significa descanso e não "aula", o que modifica a postura, as expectativas em relação ao seu uso. Precisamos aproveitar essa expectativa positiva para atrair o aluno para os assuntos do nosso planejamento pedagógico. Mas ao mesmo tempo, saber que necessitamos prestar atenção para estabelecer novas pontes

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 11

entre o vídeo e as outras dinâmicas da aula. [...] Vídeo significa também uma forma de contar multilingüística, de superposição de códigos e significações, predominantemente audiovisuais, mais próxima da sensibilidade e prática do homem urbano e ainda distante da linguagem educacional, mais apoiada no discurso verbalescrito.

Também, adota-se o modelo de fórum, quando ao fim do processo, todos tem a oportunidade de debater os temas abordados, trocar idéias e dar sugestões sobre os conteúdos apresentados e sobre a aula em si.

2.2 SITUAÇÃO E AMBIENTE EM QUE FORAM REALIZADAS AS OBSERVAÇÕES DA PESQUISA A aplicação dos questionários foi realizada no período noturno, na sede das Faculdades Borges de Mendonça na cidade de Florianópolis - Santa Catarina. Foram apresentados aos alunos o plano de ensino e o roteiro de aula bem como, qual era o objetivo da aula. Após esta, o questionário de avaliação de conhecimentos residuais foi entregue para ser respondido pelos alunos. Feito isto: a aula foi ministrada pelo discente, explorando os conteúdos: trazer questionamentos sobre algumas conseqüências e impactos sociais e culturais do taylorismo e fordismo a partir da perspectiva artística da literatura distópica, representada mais especificamente pelo livro “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. Breve panorama das teorias de vanguarda: visão sistêmica, abordagem transdisciplinar, pensar complexo, com o intuito de oportunizar o contato com essas teorias; alguns aspectos reducionistas, deterministas e mecanicistas da Administração Científica e respectivos impactos sócioculturais: de quando surgiram e alguns que se estendem até os dias de hoje; alguns aspectos da obsolescência dessas teorias num contexto contemporâneo; documentário em vídeo fragmento editado do documentário: Super Size Me, (USA, 2004); considerações sobre o ambiente interno e externo da cadeia de restaurantes McDonald’s e a partir daí, visualizar de que maneira os princípios tayloristas são aplicados; visualizar sob enfoque sistêmico alguns impactos da padronização e produção em massa no ambiente externo, “stakeholders” diretos e indiretos, da cadeia de lanchonetes McDonald’s; visualizar alguns aspectos negativos: na indústria

alimentícia/

engenharia

alimentar:

alimentos

baratos,

porém,

pobres

nutricionalmente; alimentos com excesso de produtos químicos com potencial para viciar os consumidores; na indústria do fast-food: comidas com excesso de gordura e açúcar; pobre

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 12

nutricionalmente (junk food); ingredientes relacionados a várias doenças entre as quais: diabetes, obesidade, doenças coronárias, arteriosclerose entre outras; na indústria da agricultura e pecuária extensiva: macro-problemas de saúde e problemas sócio-econômicos; poluição sistêmica do meio ambiente; poluição e desertificação dos solos; poluição dos lençóis freáticos e do ar; excesso de agrotóxicos na alimentação; excesso de hormônios nos animais; doenças epidêmicas relacionadas a criação extensiva de animais como frangos, gado, suínos, (gripe do frango; gripe chinesa; vaca louca, gripe suína H1N1 entre outras); alimentos geneticamente modificados.

3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Quando da aplicação de provas, trabalhos e/ou questionários, é comum escutar dos alunos suas preferências por “questões de assinalar”, ou seja, de múltipla escolha, em detrimento das questões abertas, ou dissertativas. Outra impressão relevante que se pode reproduzir aqui é a relação dos alunos com as atividades que “se não valem nota, responderei de qualquer jeito” ou mesmo: “se não vale nota não farei” nas palavras dos próprios, comumente escutadas em entrevistas com alunos. Sobre tais eventos discorrem alguns autores tais quais: Bressan, Juliato e Carvalho (2010, p.2-5): “Este baixo nível de engajamento dos alunos é evidenciado por meio da não leitura dos textos básicos antes de cada aula, do desejo de que o professor dê a aula, da relutância dos alunos em desenvolver trabalhos escritos dentro e fora da aula [...] uma preferência por avaliações com questões de múltipla escolha nos testes ou questões abertas com respostas fechadas que poderiam ser ‘tiradas’ dos textos [...] mas há ainda outro desafio, e talvez mais difícil de se superar, que está relacionado com a dificuldade ou a hesitação dos alunos em “expressar e defender seus próprios argumentos, em questionar as idéias apresentadas nos textos ou nos materiais das exposições e em avaliar criticamente os argumentos dos colegas (CELLY, 2007) ”.

Seguramente esse tipo de postura de “matar a matéria” orientada meramente para aquisição do diploma, compromete o processo de aquisição e construção do conhecimento, bem como o desenvolvimento do pensamento crítico e a habilidade conceitual de articular, resignificar, adaptar e utilizar os conceitos ensinados no curso de maneira eficaz, como podemos observar no estudo de Bressan, Juliato e Carvalho (2010). Alguns dos resultados colhidos nesta avaliação podem vir de alguma maneira a corroborar as observações recém expostas, também trazendo outros elementos que possam

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 13

complementar esse quadro, com o intuito de se aproximar do perfil dos alunos envolvidos e suas possíveis dificuldades em lidar com certos conteúdos ou temas propostos, bem como identificar certas habilidades importantes a serem mais desenvolvidas como a de leitura, interpretação e produção textual, que em muitos momentos se evidencia pela falta de coesão e coerência no texto, (ou na falta de texto). Puderam-se visualizar outros aspectos relevantes que de certa forma complementam um perfil de alunado, que já havia sido apontado anteriormente. Alguns dos os estudantes reportaram como indesejável, ou algo a ser evitado, o excesso de leitura. Outros a intenção de uma aula mais dinâmica e uma aluna chegou mesmo a sinalizar sua preferência por uma aula com brincadeira. Pode-se trazer situação análoga, identificada por outros autores entre eles Wood Jr. e De Paula (2002, p.8): [...] alunos, comumente fatigados pela dupla jornada de trabalho e estudo, favorecem aulas-shows e cursos “divertidos”. No lugar de visões críticas, abstrações e teoria, ganha espaço o pop-management, com sua retórica salvacionista, programas de 7 passos e receitas para o sucesso.

Talvez as idéias e valores utilitaristas, o determinismo e o reducionismo da racionalidade instrumental da indústria do management e do pop-management, sejam com o que a maioria dos alunos se identifique em primeiro momento, sendo esta, quiçá, uma área de conforto, onde se reconhece aquilo que aparentemente já se sabe ou já se ouviu falar, minimizando aparentemente qualquer maior dificuldade durante a vida acadêmica e que muitas vezes tem como fim em si mesmo, a obtenção do diploma em detrimento da aquisição de conhecimentos. Em relação a essa postura, podemos ler no relato de Bressan, Juliato e Carvalho (2010, p.3): [...] muitos demonstraram falso pressuposto que os leva a uma expectativa de passar de ano (“matar a matéria”, como muitos se referem) e/ou obter a sua graduação com um mínimo de esforço e que o simples fato de obterem o diploma tornaria possível melhoria na carreira nas empresas. Tudo isto parece ter como conseqüência uma redução da importância da educação superior como meio de aprendizagem, para o desenvolvimento do pensamento crítico e para a aquisição de conhecimentos e competências que são, na verdade, os fatores de mobilidade na carreira (CELLY, 2007). [...] existe ainda um fator do ambiente externo, comumente arrolado, que se refere às exigências de várias empresas da região que, de um lado não admitem para estágio alunos com dependências em disciplinas do curso e, de outro, requerem diploma de graduação de seus funcionários para que eles possam ser promovidos. [...] o efeito residual deste requerimento das empresas é a tendência de muitos alunos em buscar obter nota para “passar” na disciplina [...] e tirar o diploma como objetivo central dos alunos [...].

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 14

Somado a esse panorama temos, uma cultura televisiva e da internet que é o meio pelo qual a maciça parcela de nossa sociedade se informa, se comunica, socializa e busca entretenimento, onde o modo e o nível de linguagem são extremamente diferentes da usada em sala de aula. Sobre essa linguagem televisiva discorre Moran (1995, p.28):

[...] Os temas são pouco aprofundados, explorando os ângulos emocionais, contraditórios, inesperados. Passam a informação em pequenas doses (compacto), organizadas em forma de mosaico (rápidas sínteses de cada assunto) e com apresentação variada (cada tema dura pouco e é ilustrado).[...] As linguagens da TV e do vídeo respondem à sensibilidade dos jovens e da grande maioria da população adulta. São dinâmicas, dirigem-se antes à afetividade do que à razão. O jovem lê o que pode visualizar, precisa ver para compreender. Toda a sua fala é mais sensorialvisual do que racional e abstrata. Lê, vendo. A linguagem audiovisual desenvolve múltiplas atitudes perceptivas: solicita constantemente a imaginação e reinveste a afetividade com um papel de mediação primordial no mundo, enquanto que a linguagem escrita desenvolve mais o rigor, a organização, a abstração e a análise lógica.

E ainda adornando esse cenário, apesar de certas pesquisas apontarem o significativo aumento no número de leitores nessa década, o contexto geral da relação dos brasileiros com a leitura ainda não é tão animador, mesmo entre os estudantes adultos:

Há uma grande, enorme fatia da população que não conhece os materiais de leitura, ou conhece muito mal. Há um claríssimo problema de acesso aos materiais de leitura, especialmente ao livro. Mesmo tendo-os por perto, falta a descoberta, a volta na chave que faz a súbita ligação e torna o sujeito capturado para a leitura. Ele não descobriu a senha. Por isso mesmo, à frente da leitura (5º ou 4º lugar, conforme o enfoque), depois apenas de ver televisão, ouvir música e (às vezes) ouvir rádio, os entrevistados (mesmo os mais novos) afirmam preferir ocupar seu tempo livre... descansando! Ao mesmo tempo, a falta de tempo (com índices de às vezes mais de 50%) é a alegação mais comum dos entrevistados, em várias respostas, para tentar justificar o não envolvimento com a leitura. (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2007).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho se propunha em ser uma pesquisa exploratória, bibliográfica e de campo de abordagem transdisciplinar que cotejasse elementos da literatura distópica com características de algumas teorias administrativas. Para tanto, utilizando-se do clássico da literatura distópica: “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, verificando as

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 15

possibilidades de interconexões com o Fordismo e Taylorismo. E assim foi feito. Posteriormente, este trabalho propunha-se em apresentar uma proposta de plano de ensino e de roteiro de aula e consequentemente aplicar esse método em sala de aula em uma turma de administração, colhendo e analisando seus resultados de caráter qualitativo e quantitativo. E assim se deu. A aula foi toda cronometrada e gravada em áudio e durou 75 minutos conforme o previsto no roteiro. Consideremos que aproximadamente 20 minutos foram ocupados com a aplicação do pré-teste e pós-teste e 5 minutos foram utilizados para a projeção do documentário em vídeo, 5 minutos de apresentação do plano de aula. Logo, tivemos efetivamente 42 minutos de aula propriamente dita, que na verdade, teve muito mais um tom de colóquio, relativamente descontraído, que de uma aula tradicional meramente expositiva. A mesma foi permeada com exemplos práticos, associações da teoria com eventos do cotidiano e fenômenos da atualidade para tentar prover à aula, o máximo de analogias que fossem significativas para os alunos. De maneira geral, em relação à coleta dos dados, sob o aspecto quantitativo, os alunos tiveram um percentual de acertos maior no pós-teste. Sob o aspecto qualitativo, igualmente no pós-teste, pôde-se observar que as respostas foram mais bem delineadas, mais claras e em maior profusão, o que demonstra que a aula teve efetividade em sensibilizar e esclarecer aos alunos sob os temas propostos. Pode-se concluir que o método proposto estimulou questionamentos e suscitou participação significativa do grupo no qual a aula foi aplicada, além de identificar alguns aspectos do perfil do alunado pesquisado. Também oportunizou aos alunos um contato com as teorias de vanguarda e a oportunidade de fazer alguns questionamentos em âmbito epistemológico. De certa maneira o método apresentado, também veio ao encontro da necessidade de qualquer acadêmico em desenvolver habilidades fundamentais, quais sejam: ler mais e melhor para bem escrever, e melhor se expressar, oportunizando o contato com textos mais complexos e de qualidade. Logo, no tocante à sugestão da aula proposta em suscitar conexões transdisciplinares sob um enfoque social a partir de uma perspectiva artística por meio da literatura mostrou-se um recurso válido, que pode estimular a contextualização e interconexão dos saberes, o pensamento crítico e maneiras criativas de se criarem problemáticas e hipóteses, tornando o estudo mais profícuo e agradável.

Revista Borges, ISSNe: 2179-4308 , vol. 01, n. 01, 2010, p. 16

REFERÊNCIAS BRESSAN, Flávio; CARVALHO, Luiz Vieira de; JULIATO, Antonio Carlos. Do uso da aprendizagem ativa como ferramenta para domínio e aplicação de conceitos de administração. In: CONGRESSO SOBRE ENSINO, PESQUISA E FORMAÇÃO DOCENTE EM ADMINISTRAÇÃO, 21., 2010, Brasília. Anais... Brasília: ENANGRAD, 2010.1 CD-ROM. DRUCKER, Peter Ferdinand. Administrando em tempos de grandes mudanças. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2006. FERREIRA, Fábio Vizeu. Potencialidades da análise histórica nos estudos organizacionais brasileiros. RAE. São Paulo, v. 50, n. 1, jan. /mar. 2010. p. 037-047. HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 20. ed. São Paulo: Círculo do Livro. 1986. INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. 2007. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2010. MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. Comunicação & Educação. São Paulo, ECAEd. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995.

NICOLESCU, Basarab. Reshaping sciences, policies and practices for endogenous sustainable development. Moving Worldviews, ed. Bertus Haverkort and Coen Reijntjes; COMPAS Editions, Holland.2006, p. 142-166. Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2010. MORGAN, Gareth. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas. 1996. MORIN, Edgar. A Cabeça bem feita. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. _____________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 11. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2006. TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1990. WOOD JÚNIOR, Thomaz; DE PAULA, Ana Paula Paes. Pop-management: a literatura popular de gestão. São Paulo: Publicação interna da Fundação Getúlio Vargas. 2002. Disponível em . Acessado em 09/07/2010.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.