Transferência de concessão de serviço público e inconstitucionalidade da exigência de autorização legislativa prévia

May 26, 2017 | Autor: L. Coelho Ribeiro | Categoria: Direito Administrativo, Direito Público, Concessão de Serviço Público
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Interesse Público ‐ IP Belo Horizonte,  ano 15,  n. 80,  jul. / ago.  2013 

Transferência de concessão de serviço público e inconstitucionalidade da exigência de autorização legislativa prévia Leonardo Coelho Ribeiro  

Palavras­chave: Concessão de serviço público. Transferência da concessão, ou de controle da concessionária. Autorização prévia do Poder Legislativo. Inconstitucionalidade. Inutilidade. Jurisprudência do STF. Sumário: Introdução – 1 Inconstitucionalidade da intervenção do Poder Legislativo – O princípio da separação, independência e harmonia dos poderes e a reserva de administração do Poder Executivo – 2 Inconstitucionalidade da intervenção prévia do Poder Legislativo – A Constituição de 1988 e o paradigma do controle legislativo de contas a posteriori – 3 A inutilidade da interferência do Poder Legislativo diante da finalidade da anuência prévia do Poder Concedente à transferência de concessão ou de controle da concessionária – 4 A reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de dispositivos análogos – Síntese Conclusiva   Introdução É corriqueira a prática de se incluir, nos arcabouços legislativos estaduais e municipais, previsões normativas condicionando a prática de atos tipicamente de administração, pelo Poder Executivo, à autorização do Poder Legislativo. Assim o transparecem, muitas vezes, enunciados normativos que condicionam a transferência de uma concessão de serviço público, ou do controle da concessionária, não só à anuência do Poder Executivo, mas também à anuência das Assembleias Legislativas. A inconstitucionalidade deste tipo de norma é patente e, como se verá na sequência, assim o permitem concluir: (i) o princípio da separação, independência e harmonia dos Poderes; (ii) a reserva de administração frente ao parlamento; (iii) o sistema de controle posterior, exercido pelo Poder Legislativo, sobre os atos do Poder Executivo, nas searas financeira e orçamentária; (iv) o caráter objetivo do exame, pelo Poder Executivo, de condições do novo concessionário ligadas à capacidade do prestador e à qualidade da prestação do serviço; (v) a falta de expertise do Poder Legislativo no tema e a inutilidade de sua interferência; e (vi) a consolidada jurisprudência do STF que, desde 1970, vem declarando a inconstitucionalidade de dispositivos análogos.   1 Inconstitucionalidade da intervenção do Poder Legislativo – O princípio da separação, independência e harmonia dos poderes e a reserva de administração do Poder Executivo A separação de poderes é uma ideia inerente à própria essência da Constituição, enquanto documento máximo de um Estado de Direito voltado à limitação do exercício do Poder e à garantia dos direitos fundamentais. Com a repartição dos Poderes, e o estabelecimento de uma relação de independência e harmonia entre eles, por meio de um sistema de freios e contrapesos, busca­se mitigar o risco da prática de atos arbitrários e de caráter absolutista que adviriam mais facilmente do exercício concentrado do

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Poder. A Constituição de 1988 confere tamanho valor à separação de Poderes, enquanto uma das pedras de toque do Estado brasileiro, que optou por retirar­lhe da seara de disposição legislativa ordinária, conferindo­lhe o status de cláusula pétrea (art. 60, §4º, III, CRFB de 1988), de modo a torná­la impassível de reforma. Amparada neste arranjo de separação, independência e harmonia de Poderes, está o que a doutrina convencionou denominar por reserva de administração, assim definida por Arícia Fernandes Correia: A reserva de administração em sentido estrito compreenderia o exercício da função administrativa em seu conteúdo essencial e concreto, a englobar tanto atos administrativos unilaterais (formais ou materiais) quanto bilaterais, bem como procedimentos administrativos, que não poderiam ser substituídos nem pelo legislador, tampouco pelo órgão jurisdicional.1 (Grifos nossos) Trata­se, por assim dizer, de um espaço de atuação reservado ao Poder Executivo para o exercício de sua vocação finalística, qual seja, administrar. É o que se extrai, além do Princípio da Separação de Poderes, do comando disposto no art. 84, II, da CRFB de 1988,2 ao conferir ao Chefe do Poder Executivo a função de “direção superior” da Administração Publica. A noção de reserva de administração ganha contornos mais específicos quando se tem, nitidamente, uma hipótese em que o Poder Legislativo altera dispositivo legal para condicionar o exercício de competência do Poder Executivo ligada à esfera típica de atuação deste. O caso é de reserva de administração em face do parlamento, que impede que o legislador — como pretendeu fazê­lo no caso em análise —, a pretexto de legislar, administre. Assim, haverá violação da reserva de administração em face do parlamento sempre que o Poder Legislativo interferir na esfera de atuação administrativa que compete, com exclusividade, ao Poder Executivo. A esse respeito, Jorge Reis Novais discorre que: [...] haverá violação do conteúdo essencial quando, por força de determinação parlamentar, o governo é pontualmente degradado ao nível de um órgão subordinado que recebe ordens ou instruções vinculativas da assembleia da república... ou quando vê frustrada, por força das mesmas imposições, a possibilidade de determinar auto­responsavelmente, na medida em que lhe esteja constitucionalmente atribuída, o sentido e o conteúdo do exercício de suas competências.3 (Grifos nossos) É exatamente esse tipo de violação que ocorre quando o Poder Legislativo interfere em atos e contratos administrativos, como o são, por exemplo, os que disciplinam concessões de serviços públicos entre o Poder concedente e as concessionárias. Não há, portanto, no ordenamento jurídico brasileiro, espaço para previsões normativas que confiram às Assembleias Legislativas estaduais competência para anuir quanto a questões relativas ao exercício da administração propriamente dita, na medida em que não são elas, as Assembleias, nem “Poder Concedente”, nem tampouco “coadministradoras” com o Poder Executivo.

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Já de agora é possível concluir ser inconstitucional, desta feita, qualquer previsão normativa que fixar à Assembleia Legislativa a competência para anuir, como requisito ao aperfeiçoamento, com a transferência de concessão ou do controle societário de concessionária de serviço público estadual, ainda que pretenda fazê­lo sob o pretexto de exercer a fiscalização financeira e orçamentária das atividades do Poder Executivo que, de fato, lhe cabem.   2 Inconstitucionalidade da intervenção prévia do Poder Legislativo – A Constituição de 1988 e o paradigma do controle legislativo de contas a posteriori S e   a   s u j e i ç ã o   a   q u a l q u e r  anuência da Assembleia Legislativa estadual, condicionando a transferência da concessão de serviço público ou do controle societário da concessionária, já seria inconstitucional, dita inconstitucionalidade fica ainda mais patente em hipóteses na qual se requer uma anuência prévia da Assembleia Legislativa estadual. E isso porque, como o item que se passa a desenvolver levará a concluir, já de longa data, o próprio controle financeiro e orçamentário das atividades do Poder Executivo, exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, dá­se a posteriori, e não a priori, em nosso ordenamento jurídico. Quer dizer: até mesmo no campo em que o Legislativo é, de fato, competente para fiscalizar mais intensamente as atividades do Executivo, a regra é de que o controle seja posterior, e não prévio. O exemplo do controle financeiro e orçamentário é extremamente elucidativo e merece ser investigado. Senão vejamos. No Brasil, a disciplina constitucional do sistema de fiscalização das atividades financeira e orçamentária do Poder Executivo pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas, criados na Constituição de 1890, evoluiu junto à expansão das funções da Administração Pública. Nas Constituições de 1934 e 1941 as Cortes de Contas exerciam, como regra, um controle prévio às atividades do Poder Executivo, especialmente por meio do antecedente registro de atos da Administração Pública pelos Tribunais de Contas, sem o qual tais atos não poderiam produzir efeitos.4 Como a realização das atividades financeiras do Estado dependia tanto da decisão dos entes administrativos como também da atuação dos órgãos de controle, que acabavam por participar da formação da decisão de contratar particulares para exercerem atividades administrativas, “a função de administração financeira era, de certa forma, partilhada entre os gestores públicos e os órgãos de controle”.5 Desde 1967, no entanto, a Constituição assumiu a sistemática geral que ostenta até hoje, conferindo aos Tribunais de Contas a competência para exercer o controle  posterior à realização dos atos pela Administração Pública,6 “provavelmente em razão do crescimento do Estado, de suas funções e do volume de contratos por ele celebrados”, centrando­se “na repressão ao gasto ineficiente, ilegítimo ou ilegal de recursos públicos, permitindo que a Administração firmasse e executasse contratos com autonomia”.7

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A Constituição de 1988, ainda que ampliando significativamente a abrangência do controle do Poder Legislativo sobre as atividades financeira e orçamentária do Poder Executivo, reiterou, como dito, o sistema de controle a posteriori de contratos celebrados pela Administração Pública.8 À luz da análise do mecanismo de Controle de Contas, que integra o sistema de freios e contrapesos que visa garantir a independência e a harmonia dos Poderes, é permitido concluir­se já fazer mais de 50 anos que, no Brasil, não é possível veicular, seja por meio de Lei ordinária, ou mesmo por dispositivos de Constituições estaduais e Leis Orgânicas municipais, exigências de caráter prévio e condicional à validade de atos inseridos no âmbito das atividades administrativas, conferidas que são ao Poder Executivo, com exclusividade, em observância à sua expertise institucional e espaço de atuação. Dessa feita, previsão infraconstitucional que imponha tal interferência não se harmoniza com o arranjo de Poderes constitucionalmente balanceado na Carta de 1988. A saber, é de todo inconstitucional a fixação de exigência legal que confira ao Poder Legislativo o exercício de um amplo controle prévio9 que veicula uma ação “quase administrativa”, engessando as atividades do Poder Executivo, como que remontando a sistema de controle que se encontra superado desde a Carta de 1967. Tanto é assim que o Egrégio Supremo Tribunal Federal já decidiu a respeito nos seguintes e exatos termos: O art. 71 da Constituição não insere na competência do TCU a aptidão para examinar, previamente, a validade de contratos administrativos celebrados pelo Poder Público – Atividade que se insere no acervo de competência da função executiva.10 Quer dizer: não compete ao Poder Legislativo anuir, como que condicionando, para que o Poder Executivo exerça atividades tipicamente administrativas que lhe competem, nem tampouco realizar controle prévio às atividades do Poder Executivo, ainda que em seu campo adequado de fiscalização, que é o financeiro e orçamentário, na medida em que o sistema de controle de contas vigente em nosso ordenamento jurídico é a posteriori, e não a priori.   3 A inutilidade da interferência do Poder Legislativo diante da finalidade da anuência prévia do Poder Concedente à transferência de concessão ou de controle da concessionária Não bastasse a inconstitucionalidade desvendada a partir do Princípio da separação, independência e harmonia dos Poderes, da reserva de administração em face do parlamento, e do paradigma de controle repressivo das atividades do Poder Executivo pelo Poder Legislativo, é preciso enfocar na finalidade do mecanismo sob estudo. Desse modo, o presente item se dedica a investigar em que se justifica a previsão legal que exige que o Poder concedente anua previamente à transferência da concessão, ou do controle da concessionária de serviço público, conforme preceitua o art. 27 da Lei nº 8.987/95, mas não se justifica, de outro lado, a participação do Poder Legislativo nesta mesma intervenção. Em primeiro lugar, essa exigência visa evitar a burla ao procedimento licitatório, como poderia Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital

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acontecer com a criação de uma sociedade empresária ideal, projetada e mantida apenas para disputar licitações e, depois, alienar sua posição contratual a terceiros que não fossem aptos a prestar o serviço nas condições licitadas. Isso não quer dizer, no entanto, que o concessionário tenha que ser perpetuamente o mesmo na relação contratual, nem tampouco que não possa passar por modificações societárias — até mesmo porque entendimento neste sentido iria de encontro à própria característica da “mutabilidade” dos contratos administrativos, violando, ainda, a liberdade de empresa assegurada pelo Princípio da Livre Iniciativa. Para garantir esse controle de que não se trata de uma burla à licitação e às suas exigências é que o Poder Concedente — ou seja, quem formulou os termos da delegação contratual — precisa anuir, previamente, à transferência da concessão, ou do controle da concessionária. A própria preocupação com o respeito ao procedimento licitatório revela, aliás, que a finalidade da anuência prévia dedica­se, exclusivamente, a avaliar considerações de caráter objetivo, como as características daquele que pretende ser o novo concessionário, e também as condições que deverão ser observadas na prestação do serviço, na forma em que fixadas por contrato, edital e lei. Não importa, portanto, exatamente quem é o concessionário,11 mas se ele preenche os requisitos objetivos para prestar o serviço com a qualidade de antemão exigida. Todos os critérios que devem ser considerados pelo Poder Concedente, de acordo com a lei, são de natureza objetiva, ligados somente à prestação do serviço e suas condições, pelo que, inclusive, devem ser compatíveis com o tempo restante de concessão, investimentos e prestações ainda pendentes, sob pena de se tornarem indevidos, por desproporcionais.12 A preocupação, portanto, é pura e exclusivamente ligada à manutenção da qualidade do serviço e de suas condições essenciais fixadas nos marcos legal e editalício/contratual. Esse caráter objetivo revela, mais uma vez, que além da inconstitucionalidade já demonstrada, um dispositivo normativo que imponha a anuência prévia do Poder Legislativo à transferência da concessão denota interferência injustificável e de total inutilidade. Isso porque, além dos parâmetros serem objetivos, são originariamente fixados por lei, sendo posteriormente densificados no edital que dirigir a licitação, e no contrato consequentemente celebrado com o vencedor do certame. Edital e contrato, por sua vez, são formulados pelo Poder vocacionado a prestar serviços públicos e/ou administrar sua prestação: o Poder Executivo. Ora, daqui já se poderia reiterar a absoluta impropriedade — e mesmo ineficiência — do Poder Legislativo se imiscuir na aferição das condições objetivas necessárias — legalmente fixadas de antemão — para que se dê a substituição do concessionário de serviços públicos, seja por meio da assunção de sua posição contratual por uma nova pessoa jurídica, seja pela alteração do controle societário da sociedade empresária concessionária. Não bastasse isso, vale lembrar que o controle financeiro e orçamentário, exercido pelo Legislativo — com o auxílio do Tribunal de Contas — sobre o Executivo, tampouco justificaria que fosse exigida sua anuência à mudança de concessionário, haja vista que a análise das capacidades prestacionais do serviço pelo novo concessionário garante, por si só, a manutenção do contrato e de todas as Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital

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suas características originais, não promovendo qualquer impacto financeiro e/ou orçamentário para o Estado. Com o exposto, mais uma vez se prova tanto a competência do Executivo para aferir, sem qualquer dependência perante o Legislativo, o atendimento aos critérios objetivos exigíveis do novo concessionário, ou novo controlador do concessionário atual, quanto à impropriedade que está na tentativa do Legislativo se imiscuir na competência do Executivo de maneira injustificada e inútil. Mesmo porque, preenchidos os requisitos objetivos pela nova sociedade empresária, sem qualquer prejuízo à manutenção do serviço nos termos contratados e legalmente fixados, sequer se cogita possível que o próprio Executivo, Poder concedente, negue a transferência, sob pena de incorrer em arbítrio, violando a impessoalidade e a liberdade de empresa, ambos valores constitucionalmente tutelados. Valem, no ponto, as colocações de Marçal Justen Filho, amparadas em Rafael Bielsa, que sintetiza: Pelos motivos acima, é indispensável a concordância do poder concedente para operar­se a transferência da condição de concessionário. Essa concordância deverá ser obtida previamente ao ato voluntário de transferência. Não envolve manifestação de vontade livre e ilimitada nem, como é evidente, deriva de escolhas subjetivas dos agentes públicos. A concordância ou oposição do Estado deverá retratar conclusões lógicas, apoiadas no exame do Direito. Como observou Bielsa, “o concedente pode opor­se à transferência da concessão, mas a oposição não pode ser absolutamente discricionária, pois poderia resultar arbitrária... Se o proposto reúne as condições de aptidão técnica, solvência financeira e moral, a oposição é infundada”.13 (Grifos nossos) Em suma, não só padece de inconstitucionalidade, como também de falta de qualquer utilidade prática que a pudesse justificar, qualquer intervenção do Poder Legislativo no procedimento administrativo de anuência para a transferência de posição contratual de concessionário de serviço público. É este, a propósito, o entendimento consolidado do Egrégio Supremo Tribunal Federal.   4 A reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de dispositivos análogos Tudo quanto foi exposto até aqui é amplamente amparado pelo que o E. Supremo Tribunal Federal vem decidindo, reiteradamente, desde 1970, construindo sólida jurisprudência pela inconstitucionalidade de normas que pretendiam impor a autorização do Poder Legislativo para que o Poder Executivo exercesse a administração pública por meio da celebração de convênios, convenções, acordos e contratos destinados à concessão e permissão para exploração de serviços públicos. A posição consolidada do E. STF pode ser extraída, dentre outros, dos seguintes precedentes: Representação nº 826/MT; Representação nº 1.024­04/GO; Representação nº 1.210­7/RJ; ADIn nº 165­5/MG; ADIn nº 462­0/BA; ADIn nº 770­0/MG; ADIn nº 342­9/PR; e ADIn nº 2.733­6/ES. Tais precedentes, como se passa a demonstrar por meio da citação de excertos retirados da

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construção argumentativa que os levou a declarar a inconstitucionalidade de tais tipos de norma, baseiam­se em encadeamento lógico semelhante àquele até aqui elaborado. Na Representação nº 826/MT, primeiro precedente a tratar do tema, restou declarada a inconstitucionalidade de dispositivo que exigia a autorização prévia do Poder Legislativo para a realização de atos pelo Poder Executivo, sob o argumento de que a gestão é o centro de direção da administração, função constitucionalmente reservada ao Poder Executivo: Art. 21 – Compete privativamente à Assembleia: VII – Autorizar previamente o Governador: b) a, diretamente ou através de autarquia, departamento ou órgão do Governo, celebrar acordos e convênios com a União, com outros Estados e com os Municípios. [...] 3. O dispositivo, ao subordinar à previa autorização da assembleia a celebração de acordos e convênios de que participe e Estado,  retira do Executivo uma prerrogativa integrante do poder de gestão que constitui o centro da direção administrativa que lhe é afeta constitucionalmente — art. 81, inciso I. Procede a arguição contra a alínea “b”.14 (Grifos nossos) De outro giro, a Representação nº 1.024­04/GO — que em boa parte já adianta os argumentos aduzidos nos precedentes seguintes —, foi proposta em face da Lei Constitucional nº 30/79, do Estado de Goiás, que incluía na Constituição estadual dispositivo conferindo competência exclusiva à Assembleia Legislativa para “XI – Autorizar, mediante parecer prévio do Tribunal de Contas e do Conselho Municipal de Contas, em suas respectivas áreas, a celebração de convênios pelo Estado, através de seus órgãos da Administração Direta ou Indireta, com entidades públicas ou privadas”. Do voto do Ministro Relator Rafael Mayer destaca­se que: Mas também não poderia buscar o suporte, para a questionada norma constitucional do Estado, no art. 45 da Constituição Federal, onde se dispõe que – “a lei regulará o processo de fiscalização, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, dos atos do Poder Executivo, inclusive os da administração indireta”. Com efeito, por não regulamentado, ainda não se pode ter a noção do alcance que o legislador federal o dará, mas de qualquer modo a sua ênfase se faz em uma fiscalização política ou parlamentar que não deve ultrapassar as linhas de separação entre os poderes para se instalar no âmbito do Poder Executivo, como uma instância de supervisão administrativa, a integrar com uma segunda vontade a feitura dos atos administrativos, o que somente a própria Constituição poderia prever no delineamento das relações entre os Poderes. [...] Ora, o controle externo pelo qual se realiza a fiscalização financeira e orçamentária da União, pelo Congresso Nacional, mediante o Tribunal de Contas, não assume, em nenhum momento do processo fiscalizatório a forma de autorização prévia adotada pela Emenda estadual. A fiscalização financeira e orçamentária se faz, na Constituição Federal, a posteriori... [...] De conseguinte, o dispositivo aduzido pela Lei Constitucional nº 30 contém procedimento que excede dos limites e da forma da fiscalização e do controle externo estabelecidos na Constituição Federal, e alarga indevidamente a competência do Poder Legislativo, ao instituir um controle prévio sobre atos da Administração, fazendo depender de sua autorização, em cada caso, o exercício de faculdade inerentes à função administrativa e, portanto, restringindo o âmbito de sua competência.15 (Grifos nossos)

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Já da Representação nº 1.210­7/RJ, que culminou por declarar a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Constituição estadual e de Leis Complementares estaduais no que tocava ao emprego das expressões “sob a condição de a Câmara Municipal referendá­los, ou nos termos de autorizações concedidas”, além da argumentação acerca da inconstitucionalidade da exigência de autorizações prévias, destaca­se que nem mesmo a hipótese de referendo estaria livre da pecha de inconstitucionalidade. Confira­se, do voto do Ministro Relator Moreira Alves: Como bem acentua o parecer da Procuradoria­Geral da República, a semelhança das hipóteses não deixa de existir, mesmo no tocante à ratificação ou referendo, porquanto a ratificação nada mais é do que o assentimento a posteriori, mas com efeitos retroativos à data da celebração; e o referendo é estabelecido expressamente como condicio iuris, e, portanto, como requisito de eficácia do acordo ou do convênio. Portanto, se a autorização a priori implica, como esta Corte entende, ofensa ao princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, o que se dá, sem dúvida alguma, com a necessidade de ratificação ou de referendo, indispensáveis à eficácia do acordo ou convênio celebrados.16 (Grifos nossos) Logo, do precedente se conclui, como argumentado neste opinamento, que o só fato de haver interferência do Poder Legislativo no exercício de competências exclusivas do Poder Executivo já revela inconstitucionalidade, seja tal interferência prévia, ou não. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 165­5/MG, por vez, se vê reforçado o argumento de que a Constituição não prevê tais tipos de intromissão do Poder Legislativo nas atividades do Poder Executivo: E a Constituição atual — se bem que haja efetivamente ampliado as modalidades de fiscalização pelo Congresso da ação governamental — afora no tocante aos atos internacionais, que, como visto, não servem aqui de parâmetro, não reclamou prévia autorização legislativa para nenhum contrato ou convênio da Administração.17 (Grifos nossos) De especial relevância para o tema é a ADIn nº 462­0/BA. Nela, foi declarada a inconstitucionalidade de dispositivo que determinava a anuência prévia do Legislativo para que fosse autorizada a transferência da concessão ou do controle societário de empresa concessionária, como se vem aduzindo no presente trabalho: Também nas ações diretas de inconstitucionalidade nos 676­2, 177­9, 342­9 e 165­5, onde matéria idêntica foi adotada nas Constituições dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, a Suprema Corte concedeu liminares. De fato, os incisos XIII e XXX do art. 7 1  ferem o princípio da independência e harmonia dos poderes preservados no artigo 2º da Constituição Federal, pois ao atribuir a administração de bens de interesse público ao Executivo, a Lei Maior deu­lhe competência para os atos decorrentes, não podendo a Assembleia dispor ao seu talante sobre a matéria. [...] 2. Dispõem, respectivamente, o inciso XXX do artigo 71 e o §1º do artigo 25 da Constituição do Estado da Bahia: Artigo 71 – Além de outros casos previstos nesta Constituição compete privativamente à Assembleia Legislativa: XXX – aprovar previamente contratos a serem firmados pelo Poder Executivo, destinados à concessão e permissão para exploração de serviços públicos, na forma de lei; Artigo 25 – ... §1º – A concessão de serviços públicos dependerá de prévia

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autorização legislativa e far­se­á sempre mediante licitação pública, ressalvados os casos previstos em lei. Também com relação a esses dois dispositivos tenho­os por inconstitucionais, uma vez que ofendem o artigo 2º da Constituição Federal. Com efeito, em ambos se estabelece uma autorização prévia do Poder Legislativo — à semelhança do que ocorre com os convênios, convenções ou acordos celebrados pelo Poder Executivo — que se torna um pressuposto de validade das concessões ou permissões para exploração de serviços públicos, e, portanto, uma forma de participação na formação desses atos, o que, evidentemente, não se compadece com o poder de fiscalização a posteriori que, pela Constituição federal, incumbe ao Poder Legislativo com relação ao exercício da administração que cabe ao Poder Executivo. 3. Em face do exposto, julgo procedente, em parte, a presente ação direta, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e a expressão “dependerá de prévia autorização legislativa e” do §1º do artigo 25, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989.18 Fica ainda mais clara, diante do aporte deste precedente da Corte Constitucional, a notória inconstitucionalidade de qualquer dispositivo legal que imponha a anuência do Legislativo como requisito para a autorização da transferência de concessão de serviço público, ou de controle societário da respectiva concessionária. Tendo em vista todo o exposto, é conclusivo que dispositivos de tal natureza desafiariam a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, o que pode se dar em controle concentrado objetivo, por meio da propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), ou por controle difuso subjetivo, como questão prejudicial em processo interpartes.   Síntese Conclusiva Os argumentos até aqui elaborados podem ser sumarizados nas seguintes assertivas: I) O princípio da separação, independência e harmonia dos Poderes, cláusula pétrea constitucionalmente fixada, busca mitigar o risco da prática de atos arbitrários e de caráter absolutista que adviriam mais facilmente do exercício concentrado do Poder; II) A reserva de administração em face do parlamento confere um espaço de atuação exclusiva do Poder Executivo, para que nele exerça sua vocação finalística, qual seja, administrar. Isso impede que o legislador, a pretexto de legislar, administre; III) No arranjo federativo brasileiro, as Assembleias Legislativas não são coadministradoras com o Poder Executivo, pelo que a sujeição a qualquer anuência da Assembleia Legislativa estadual, como a que condiciona a transferência da concessão de serviço público ou do controle da concessionária, é inconstitucional; IV) Como até mesmo o devido controle financeiro e orçamentário das atividades do Poder Executivo, exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, dá­se após a prática dos atos pelo Executivo, e não antes, a inconstitucionalidade é ainda mais patente quando o que está em foco é uma anuência prévia da Assembleia Legislativa estadual para o aperfeiçoamento de um ato de competência do Poder Executivo, como o é o consentimento com Biblioteca Digital Fórum de Direito Público ­ Cópia da versão digital

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a transferência de uma concessão de serviço público, ou o controle societário de uma concessionária; V) Além de inconstitucional, é inútil — dada sua falta de expertise no tema — a interferência do Poder Legislativo no ato do Poder Executivo de consentir com a transferência do controle de uma concessionária de serviço público, diante da finalidade da anuência prévia do Poder Concedente, que é a de aferir, objetivamente, o atendimento de requisitos ligados à qualificação do prestador de serviços e às condições para o exercício das prestações, conforme fixados em lei, edital e contrato; VI) Até porque, preenchidos os requisitos objetivos pela nova sociedade empresária, sem qualquer prejuízo à manutenção do serviço nos termos contratados e legalmente fixados, sequer se cogita possível que o próprio Executivo, Poder concedente, negue a transferência, sob pena de incorrer em arbítrio, violando a impessoalidade e a liberdade de empresa, ambos valores constitucionalmente tutelados; e VII) Tudo quanto foi exposto é amplamente amparado pela sólida jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal que, desde 1970, vem declarando a inconstitucionalidade de normas que prevejam a autorização do Poder Legislativo para que o Poder Executivo exerça a administração pública por meio da celebração de convênios, convenções, acordos e contratos destinados à concessão e permissão para exploração de serviços públicos. Tendo isso em vista, enunciados normativos desse tipo desafiam controle constitucional, seja na via concentrada, seja na via difusa.  

1 CORREIA, Arícia Fernandes. Reserva da administração e separação de poderes. In: BARROSO,

Luís Roberto (Org.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro, Renovar, 2007. p. 596. 2 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: II – exercer, com o auxílio dos

Ministros de Estado, a direção superior da administração federal. 3 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. 2006. p. 63 apud CORREIA.

Reserva da administração e separação de poderes. In:   B A R R O S O   ( O r g . ) . A    reconstrução democrática do direito público no Brasil, p. 598. 4 Confira­se o teor dos artigos 101, da Constituição de 1934, e 22 e 77, da Constituição de 1946,

respectivamente: “Art. 101 – Os contratos que, por qualquer modo, interessarem imediatamente à receita ou à despesa, só se reputarão perfeitos e acabados, quando registrados pelo Tribunal de Contas. A recusa do registro suspende a execução do contrato até ao pronunciamento do Poder Legislativo. §1º – Será sujeito ao registro prévio do Tribunal de Contas qualquer ato de Administração Pública, de que resulte obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional, ou por conta deste (...)” (Grifos nossos).     “Art. 22 – A administração financeira, especialmente a execução do orçamento, será fiscalizada na União pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas, e nos Estados e Municípios

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pela forma que for estabelecida nas Constituições estaduais. (...) Art. 77 – Compete ao Tribunal de Contas: I – acompanhar e fiscalizar diretamente, ou por delegações criadas em lei, a execução do orçamento; II – julgar as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos, e as dos administradores das entidades autárquicas; III – julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões. §1º – Os contratos que, por qualquer modo, interessarem à receita ou à despesa só se reputarão perfeitos depois de registrados pelo Tribunal de Contas.   A recusa do registro suspenderá a execução do contrato até que se pronuncie o Congresso Nacional. § 2 º   –  Será sujeito a registro no Tribunal de Contas, prévio ou posterior, conforme a lei o estabelecer, qualquer ato de Administração Pública de que resulte obrigação de pagamento pelo Tesouro nacional ou por conta deste (...)” (Grifos nossos). 5 Nesse sentido, SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Competências de controle dos

Tribunais de Contas: possibilidades e limites. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.).  Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 193. 6 A Constituição de 1967, inaugurando a sistemática que seria mantida pela Emenda

Constitucional nº 01/69, assim previu: Art. 71 – A fiscalização financeira e orçamentária da União será exercida pelo Congresso Nacional através de controle externo, e dos sistemas de controle interno do Poder Executivo, instituídos por lei. §1º – O controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas e compreenderá a apreciação das contas do Presidente da República, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. (...). §3º – A auditoria financeira e orçamentária será exercida sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes da União, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, a quem caberá realizar as inspeções que considerar necessárias. (...) §5º – O Tribunal de Contas, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou das Auditorias Financeiras e Orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões, deverá: a) assinar prazo razoável para que o órgão da Administração Pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei; b) no caso do não atendimento, sustar a execução do ato, exceto em relação aos contratos; c) na hipótese de contrato, solicitar ao Congresso Nacional que determine a medida prevista na alínea anterior, ou outras que julgar necessárias ao resguardo dos objetivos legais. §6º – O Congresso Nacional deliberará sobre a solicitação de que cogita a alínea “c” do parágrafo anterior, no prazo de trinta dias, findo o qual, sem pronunciamento do Poder Legislativo, será considerada insubsistente a Impugnação. §7º – O Presidente da República poderá ordenar a execução do ato a que se refere a alínea “b” do §5º, ad referendum do Congresso Nacional (...) (Grifos nossos). 7 É como anota ROSILHO, André. Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 56­57. 8 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do

Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; (...) IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à

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Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; (...) §1º – No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. §2º – Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. (...) Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam­se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros (Grifos nossos). 9 É oportuna a lição de Egon Bockmann Moreira: “Também se deve atentar para o momento do

controle: é possível aos Tribunais realizar análise preventiva dos atos e contratos da Administração, mas essa não deve ser a regra. A competência detida pelas Cortes de Contas diz respeito precipuamente ao controle a posteriori das atividades que envolvam bens e verbas públicas, jamais a configurar condição ao exercício das competências da Administração” (MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 222, grifos nossos). 10 STF. ADI nº 916/MT. Min. Joaquim Barbosa. DJ, 20 mar. 2009. 11  U m a   v i s ã o   d o u t r i n á r i a   i n i c i a l   p u g n a v a   p e l a   n a t u r e z a  intuitu personae  d o   c o n t r a t o

administrativo. Essa visão, contudo, não se mantém, pois para a Administração não importam as características subjetivas do licitante, mas apenas o cumprimento de requisitos objetivos estabelecidos no edital de licitação. Por meio da licitação, o Poder Público seleciona a “melhor proposta” e não a “melhor sociedade licitante”. Como outras sociedades também podem ter a qualificação, conclui­se que o contrato não é intuitu personae, mesmo porque, se assim o fosse, seria caso de inexigibilidade de licitação, pois somente uma sociedade empresária teria condições de prestar o serviço de que necessita a Administração Pública, o que evidentemente não ocorre no caso sob exame.     Para o primeiro entendimento confira­se: MEIRELLES, Hely Lopes.  Direito administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 194. Já no sentido ora adotado, confira­se: SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo contratual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 104. 12 Marçal Justen Filho leciona que as exigências oponíveis ao terceiro que se pretende novo

concessionário devem ser compatíveis com o que remanesce por cumprir para o bom exercício da concessão de serviço público: “Ora, as exigências possíveis de impor aos terceiros não podem ser superiores àquelas imponíveis aos anteriores partícipes da relação jurídica de concessão. Se uma parcela dos investimentos já foi realizada, não se admite que o cessionário da concessão seja constrangido a reiterá­la. (...) Ou seja, a exigência de que o terceiro apresente os mesmos requisitos de habilitação impostos ao concessionário não significa que a avaliação deva ter em vista a situação existente à época da licitação. Deve verificar­se o que era exigível em relação ao concessionário no momento em que se processar a modificação subjetiva. Nada além disso pode ser imposto ao terceiro. (...) Em síntese, o poder concedente não pode subordinar a cessão do controle a exigências que seriam ilícitas em face do anterior controlador. Os requisitos exigíveis em face do cessionário devem ser considerados em vista das circunstâncias e tomando em conta a

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Interesse Público ‐ IP Belo Horizonte,  ano 15,  n. 80,  jul. / ago.  2013 

situação empresarial da concessionária” (JUSTEN FILHO, Marçal.  Teoria geral das concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 535­537). 13 JUSTEN FILHO, Marçal.  Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética,

2003. p. 544. 14 STF. Rp nº 826/MT. Voto do Min. Rel. Barros Monteiro. Tribunal Pleno. 21.10.1970. 15 STF. Rp nº 1.024­04/GO. Voto do Min. Rel. Rafael Mayer. Tribunal Pleno. 30.05.1980. 16 STF. Rp nº 1.210­7/RJ. Voto do Min. Rel. Moreira Alves. Tribunal Pleno. 07.06.1985. 17 STF. ADIn nº 165­5/MG. Voto do Min. Rel. Sepúlveda Pertence. Tribunal Pleno. 07.08.1997. 18 STF. ADIn nº 462­0/BA. Voto do Min. Rel. Moreira Alves. Tribunal Pleno. 21.08.1997.

 

Como citar este conteúdo na versão digital: Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Leonardo Coelho. Transferência de concessão de serviço público e inconstitucionalidade da exigência de autorização legislativa prévia. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 15, n. 80, jul./ago. 2013. Disponível em: . Acesso em: 19 dez. 2016.

Como citar este conteúdo na versão impressa: Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Leonardo Coelho. Transferência de concessão de serviço público e inconstitucionalidade da exigência de autorização legislativa prévia. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 15, n. 80, p. 139­154, jul./ago. 2013.

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