Transferências Intraeuropeias de sede e exit taxes: notas de reflexão sobre os problemas associados à tributação à saída de sociedades na União Europeia, em resultado da descoordenação das políticas fiscais dos Estados Membros

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“Transferências intraeuropeias de sede e exit taxes: Notas de reflexão sobre os problemas associados à tributação à saída de sociedades na União Europeia, em resultado da descoordenação das políticas fiscais dos Estados membros” HARMONIZAÇÃO FISCAL EUROPEIA

Susana Monteiro Dias PG – FINANÇAS E FISCALIDADE

Porto | 2013

Apresentação de trabalho individual, como requisito de aprovação, à unidade curricular “Harmonização Fiscal Europeia”, lecionada no âmbito da Pós-Graduação em Finanças e Fiscalidade, na Porto Business School, no ano letivo 2013/2014

Título “Transferências intraeuropeias e exit taxes: notas de reflexão sobre os problemas associados à tributação à saída de sociedades na União Europeia, em resultado da descoordenação das políticas fiscais dos Estados membros.” Instituição de Ensino Porto Business School Autoria Susana Monteiro Dias Aluna n.º 131595026 Docente Prof. Doutor Elísio Fernando Moreira Brandão Unidade Curricular Harmonização Fiscal Europeia Trimestre 1.º Trimestre Local Porto, Portugal Data 22 de dezembro de 2013 Trabalho redigido de acordo com o novo acordo ortográfico

Harmonização Fiscal Europeia

Índice

Resumo ………………………………………………………………………........

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Abstract ……………………………………………………………………….......

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Abreviaturas e siglas ……………………………………………………………...

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Introdução ……………………………………………………………………........

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I – Parte ……………………………………………………………………….......

9

Capítulo I – Liberdade de estabelecimento de sociedades e exit taxes: à procura de um equilíbrio .......................................................................................................

9

Secção I – Começando pelo óbvio: o direito de estabelecimento ..................

9

Secção II – Exit taxation: repartição justa dos poderes tributários ou restrição à liberdade de estabelecimento? ......................................................

9

Capítulo II – Problemas associados à exit taxation .................................................

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Secção I – A matéria coletável .......................................................................

12

Secção II – Cash flow disadvantage ………………………………………...

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Secção III – Dupla tributação ……………………………………………….

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Capítulo III – Condições de legitimação para a tributação de saída .......................

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Secção I – Determinação do montante de imposto ........................................

14

Secção II – Cobrança de imposto ...................................................................

14

II – Parte …………………………………………………………………………..

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Capítulo I – O caso português C-38/10 ...................................................................

16

Secção I – Da desconformidade do regime de exit taxes português, com o direito comunitário, à intervenção da Comissão Europeia ............................

16

Secção II – Da decisão do TJUE ao regime atual de exit taxation .................

16

Capítulo II – Questões em aberto e perspetivas de evolução ..................................

17

Secção I – Risco de não cobrança do exit tax e limite temporal para o seu diferimento .....................................................................................................

17

Secção II – Cobrança de juros ........................................................................

17

Considerações finais ....……………………………………………………...…….

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Fontes e bibliografia ………………………………………………………...…….

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Harmonização Fiscal Europeia

Resumo No presente artigo, a autora propõe-se a analisar os esforços de harmonização, impulsionados pelas instituições europeias, em matéria de tributação à saída de sociedades. Como se perceberá pelos títulos deste estudo, centrar-se-á, numa primeira parte, em hot topics relacionados com o tema elegido, aturadamente discutidos pela doutrina e que devem balizar qualquer intenção de se legislar sobre ele. Num segundo momento, passar-se-á a uma breve resenha do tratamento legal concedido pelo sistema português, antes e depois da intervenção da Comissão Europeia e do Tribunal de Justiça da União Europeia. Essencialmente procura-se lançar a reflexão sobre as questões que ficaram em aberto, após a alteração do regime português de exit taxation, tendo em vista a sua conformidade com o direito comunitário, e quais as perspetivas de evolução desta matéria.

Palavras-chave: Harmonização fiscal europeia Liberdade de estabelecimento de sociedades Transferências intraeuropeias de sede Mais valias Tributação à saída de sociedades Impostos de saída

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Abstract In this paper, the intent is to analyze harmonization efforts, made especially by E.U. institutions, regarding exit taxation. As the content of the paper demonstrates, it will focus primarily on hot topics about the subject matter previously chosen, subject that was heavily discussed by literature law and that should evaluate any intention to legislate on it. Secondly, the Portuguese law regime will be thoroughly analyzed, before and after a critical intervention by the European Commission and by the European Court of Justice. Essentially, the goal is to generate reflection upon the questions left answered, after the alteration of the Portuguese exit taxation regime, considering its conformity with the european law, and which are some perspectives of evolution for this subject.

Keywords: European tax harmonization Freedom of establishment Cross-border transfers of seat Capital gains Exit taxation Exit taxes

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Abreviaturas e Siglas

art. cf. CIRC CE E.M.

artigo confronte com Código do Imposto sobre o Rendimento da Pessoa Coletiva Comissão Europeia Estado membro

pág.(s)

página(s)

parág.

parágrafo

ss.

seguintes

TFUE

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TJUE

Tribunal de Justiça da União Europeia

UE

União Europeia

vd.

vide

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Introdução As transferências intraeuropeias de sede afiguram-se, no mundo atual, profundamente marcado pela globalização e internacionalização da economia, como operações legítimas de transferência da atividade ou do investimento para um Estado que não o da sua sede. Todavia, esta temática despoleta uma outra questão que nos parece estar longe de ter uma solução definitiva – a da legitimidade europeia da tributação à saída de pessoas coletivas – e que nos propomos a tratar neste artigo. Debruçando-nos sobre esta problemática, a transferência intraeuropeia de uma sede, sob a proteção da liberdade de estabelecimento de sociedades, apresenta-se intimamente ligada com a fiscalidade. Primeiramente, fixar a sua sede num E.M. ou noutro não será totalmente indiferente, desde logo para definir em qual deles a sociedade passa a ter o estatuto de residente (e, consequentemente, como será tributada). Mais, atualmente, a legítima opção de saída de uma sociedade aciona um mecanismo tributário, pelo Estado de origem, que procura assegurar que mais valias latentes (i.e., acumuladas e não realizadas), respeitantes aos ativos gerados no seu território, não “escapam” ao seu poder tributário. Desta sorte, situações como a explanada supra, constituem um claro desafio aos E.M. Concretizando, paulatinamente exige-se que aqueles adotem políticas externas, impulsionadoras da integração económica, mas que comprimem parte desse seu poder. A imposição de tais parâmetros, que se materializam, antes de mais, na necessidade de adequar os sistemas fiscais internos à internacionalização das empresas, servem para assegurar que nenhuma restrição (injustificada) à sua liberdade de estabelecimento seja consagrada no domestic law, na medida em que possa ser suficientemente desencorajadora da vontade das sociedades de se fixarem no Estado de acolhimento e, consequentemente, de pôr em causa a concretização de um mercado comum. Entretanto, várias questões ficam sem resposta: até que ponto será legítimo impor aos E.M. a perda de receitas fiscais, em nome da implementação de uma união económica? Como se pode continuar a exigir aos E.M. que as suas finanças públicas se apresentem saudáveis e equilibradas quando obrigados a renunciar receitas das quais são legítimos titulares? Teremos oportunidade de nos debruçarmos sobre os últimos esforços empreendidos no sentido de harmonizar as políticas dos diferentes sistemas fiscais nacionais, em matéria de exit taxation. Não podemos deixar de assinalar, todavia, que é

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visível (sobretudo perante o cenário de crise económica em que vivemos) uma forte resistência por parte dos E.M. em abdicar de parcelas significativas da sua soberania fiscal. Esta temática da tributação à saída de sociedades requer consenso, reclama uma “...solução racional de compromisso entre a necessidade de eliminar as disparidades fiscais existentes entre os Estados membros e autonomia destes em sede da sua competência legislativa ou jurisdicional.”1. O esforço de harmonização fiscal destas questões tem vindo a ser feito essencialmente pela via negativa, com especial destaque para a Comissão Europeia e para o TJUE. O recurso a instrumentos jurídicos (ou seja, pela via positiva, como são exemplo os regulamentos ou as diretivas) é praticamente nulo. Entendemos, por isso, que, nos últimos anos, a atuação do Tribunal de Justiça, fortemente impulsionada pela Comissão Europeia, relativamente ao regime dos impostos de saída, tem sido decisiva, criativa em alguns casos, mas claramente insuficiente. Não negamos o seu contributo: as decisões judiciais constituem guidelines para as alterações legislativas. Mas são insuficientes, porque o contributo para a construção de um sistema fiscal federal é nulo. Antes, assistimos a decisões casuísticas que têm dado origem a alterações legislativas profundamente complexas, tortuosas, imperfeitas e incompletas, como foi o caso das alterações introduzidas ao regime português de transferência de residência das pessoas coletivas para o estrangeiro e que, em sede própria, será objeto da nossa análise.

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Vide NABAIS, José Casalta, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, Almedina, 2013, pág. 83 8

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Parte I Capítulo I – Liberdade de estabelecimento de sociedades e exit taxes: à procura de um equilíbrio Secção I – Começando pelo óbvio: o direito de estabelecimento É pacífico que a legitimidade das transferências intraeuropeias de sede se encontra ancorada no direito de estabelecimento (art. 43.º a 48.º TFUE). Nesse sentido, não oferece dúvidas que as pessoas coletivas são beneficiárias da liberdade em apreço. Não obstante, essa possibilidade ficará dependente do preenchimento de um dos seguintes critérios jurídico-formais (art. 54.º TFUE), a saber, (1) que sejam constituídas de acordo com a legislação de um E.M., (2) que tenham a sua sede, administração central ou estabelecimento principal num E.M.; (3) que se verifique a existência de uma atividade genuína e efetiva no Estado de acolhimento, com caráter de estabilidade e continuidade. O direito de estabelecimento abarca, em si, duas dimensões: o direito à entrada e o direito à saída, ambos facilitadores da construção comunitária. Ora, face a tais entendimentos, não será de estranhar que a liberdade de estabelecimento sirva também o objetivo primordial de garantir que à sociedade, cuja sede foi transferida, seja conferida, no Estado de acolhimento, o benefício do tratamento nacional. Assim sendo, saliente-se que toda e qualquer medida nacional, restritiva desta liberdade, só será legítima quando (1) não possua um carácter discriminatório; (2) seja justificada à luz de razões imperativas de interesse geral e (3) respeite um critério de proporcionalidade2.

Secção II – Exit taxation: repartição justa dos poderes tributários ou restrição à liberdade de estabelecimento? A cobrança de impostos de saída sobre mais valias latentes, respeitantes às diferenças entre os valores de mercado e os valores contabilísticos fiscalmente aceites dos elementos patrimoniais das sociedades, ocorre, em princípio, sempre que haja a cessação da sujeição tributária daquelas, no Estado da origem. Desta sorte, a tributação de saída serve, antes de mais, como forma de garantir que potenciais mais valias não 2

Consulte, para maiores desenvolvimentos, BARNARD, Catherine, The Substantive Law of the EU – The Four Freedoms, Second Edition, Oxford University Press, 2007, págs. 330 ss. 9

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“escapam” ao poder tributário do Estado de origem. Tal pretensão parece estar em conformidade com o princípio da territorialidade fiscal, associado a um elemento temporal, ou seja, a residência, naquele território, durante o período em que as mais valias se geraram3. O Estado de origem deve poder tributar o “...valor económico gerado por uma mais-valia latente no seu território, mesmo que (...) não tenha sido efetivamente realizada”4, sobretudo quando esse mesmo Estado difere a sua tributação apenas para o momento da realização. Assim, ao não se precludir o direito à tributação daquelas, pelo Estado de origem, garante-se a repartição justa dos poderes tributários entre E.M. Todavia, esta solução parece-nos ser de duvidosa racionalidade. Todo e qualquer regime de impostos de saída, que seja capaz de dissuadir da intenção de transferir uma sede, constitui

uma restrição

(em

princípio, injustificada) à liberdade de

estabelecimento. Adicionalmente, outros argumentos haverá a ter em linha de conta. O regime de exit taxation é fortemente penalizador (e, novamente, dissuasor) das transferências transfronteiriças de sede. Ora vejamos: apenas aquelas estão sujeitas a exit taxes. No caso de uma sociedade optar pela alteração de sede, dentro do território do Estado de origem, não haverá lugar a qualquer tributação de mais valias latentes. A sociedade é tributada apenas e só quando as referidas mais valias sejam efetivamente realizadas, pelo que esta diferença de tratamento entre situações puramente internas e as ditas cross-border situations parece-nos, à partida, injustificada. Até ao momento não se afigura totalmente claro se o regime de impostos de saída é ou não compatível com o direito comunitário. É um facto que serve a garantia de repartição dos poderes tributários, mas a que custo? Ao dissuadir do exercício do direito de estabelecimento, em que termos pode esse facto ser (ou não) pernicioso para a economia? Até que ponto se deverá exigir a um Estado que renuncie receitas das quais é legítimo titular? Por outro lado, poderá a consagração de um regime de transferência intracomunitária de sede a “custo zero”, no Estado da origem, incitar a esquemas de planeamento fiscal de duvidosa legalidade, isto é, levar à procura de um E.M. de acolhimento que garanta um regime de tributação de mais valias menos oneroso, no momento em que as pretenda realizar? Trata-se de questões relevantes, motivo pelo qual 3

Nesse sentido, vd. LEITÃO, João Menezes, Saídas para a tributação à saída de sociedade na União Europeia, Comentário ao acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 29 de Novembro de 2011, National Grid Indus, C-371/10, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, IDEFF, Ano V, Número 2 – Verão, Almedina, pág. 275 4 Cf. Acórdão N – C-470/04(2006), parág. 49 10

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devem ser obrigatoriamente ponderadas no momento em que se façam opções legislativas.

Capítulo II – Problemas associados à exit taxation A preocupação com a construção de um regime de exit taxation equilibrado justifica-se, como temos vindo a anotar, pela existência das ditas cross-border situations, essencialmente porque, ao longo de vários anos de atividade de uma sociedade, exercida em diferentes Estados, geram-se mais valias latentes. Tal é frequente, por exemplo, no caso dos ativos intangíveis, designadamente goodwill. Assim não será indiferente esclarecer: no caso de tais mais valias serem entretanto realizadas, devem ser totalmente atribuídas ao Estado da fonte ou podem também sê-lo ao Estado de acolhimento? No caso de serem atribuídas também ao novo Estado da residência deverá aquele ter em consideração a proveniência do rendimento, para efeitos de cálculo de imposto? Para estas situações, alguns autores5 referem ser conveniente a preparação de um balanço no qual deverá ser expresso o valor de mercado de todos os ativos. Dessa forma, caso ocorra uma nova transferência de sede ou se realizem mais valias, só a diferença de valor (rectius, o aumento de valor do ativo), respeitante ao período em que residiu naquele concreto Estado, poderá ser por ele tributada. Diferentemente, se não houver essa preocupação, a matéria coletável poderá incluir todos os ganhos, mesmo aqueles que não estejam conexionados temporalmente com o seu território. Ressalve-se também que esta situação torna-se mais complexa quando determinados sistemas tributários permitem a amortização de determinado tipo de ativos (ex.: ativos intangíveis) que, como se sabe, reduzem a matéria coletável. De igual forma, se, no momento da transferência de residência, tais mais valias potenciais não puderem ser realizadas surgem igualmente vários problemas. Desde logo, sempre que não se considere as futuras flutuações de valor dos ativos, após o momento da transferência (ou seja, problemas relativos à matéria coletável); qualquer pretensão tributária que recaia sobre a data da migração e não sobre a data da realização de mais valias (cash flow disadvantage) e, por último, eventuais problemas derivados do

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Veja-se, HURK, Hans van den / KORVING, Jasper, The ECJ's Judgement in the N Case against the Netherlands and its Consequences for Exit Taxes in the European Union, in IBFD - Bulletin for International Taxation, April 2007, pág.155 11

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“choque” de pretensões tributárias entre os E.M. envolvidos na operação de transferência de sede (dupla tributação). Passaremos agora a analisar os problemas comummente associados ao regime de tributação à saída de sociedades. Secção I – A matéria coletável Um dos problemas associados a este regime é o de saber qual o montante preciso das mais valias a incluir, na matéria coletável, por um determinado Estado. É por esse motivo que, ocorrendo a migração de uma sociedade, a questão poderá ser bastante complexa. Não raras vezes, os E.M. tributam mais do que deveria ser permitido. O Estado de acolhimento não tem em atenção se o Estado de origem das mais valias potenciais tem alguma pretensão legítima quanto a tributá-las e em que montante. Por sua vez, o Estado da fonte não exige que as mais valias sejam efetivamente realizadas para tributálas, bastando-se com a transferência da sede. O importante será salvaguardar a receita fiscal que se arroga, evitando a sua dissipação. Cremos que, tratando-se de uma transferência intraeuropeia de sede, tais receios serão infundados. Vigoram, na U.E., mecanismos de cooperação administrativa, quer em matéria de troca de informação6, quer em matéria de assistência mútua7 para a cobrança de créditos (nesta última, devem ser incluídos os créditos fiscais). Assim sendo, o único risco a considerar será o da insolvência do devedor do imposto (in casu, a sociedade migrante). O risco de se verificar uma perda fiscal parece-nos bastante reduzido. Secção II – Cash flow disadvantage Regra geral, grande parte dos E.M. que adotam o regime de exit taxation tributam as empresas no momento da transferência da sede e não no momento em que as mais valias potenciais efetivamente se realizam. As situações como a descrita – e que dão origem à chamada desvantagem de tesouraria – penalizam fortemente toda e qualquer vontade de exercer o direito de estabelecimento. A título de exemplo, no julgamento que opôs a empresa neerlandesa National Grid Indus BV ao Inspecteur van

6 7

Diretiva 76/308, Diretiva 2001/44 e Diretiva 2002/94 Diretiva 2001/44/EC, de 15 de Junho de 2001 12

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de Belastingdienst Rijnmond8, o TJUE pronunciou-se no sentido de que “...uma sociedade de direito neerlandês que pretende transferir a sede da sua direção efetiva para fora do território neerlandês, no âmbito do exercício do direito que o artigo 49.º TFUE lhe garante, sofre uma desvantagem de tesouraria, por comparação com uma sociedade semelhante que mantém a sede da sua direção efetiva nos Países Baixos.” Secção III – Dupla tributação Por último, o problema cuja resolução exige maior consenso por parte dos E.M. – o da dupla tributação. Em traços gerais, grande parte dos sistemas fiscais arrogam para si um direito absoluto a tributar as sociedades com sede no seu território, quer seja através dos seus lucros quer quando se verifique um aumento dos seus ativos patrimoniais. O exemplo com o qual pretendemos avançar é similar ao apresentado por HANS VAN DEN

nossa

HURK e JASPER KORVING9. Bastará pensar num sistema fiscal (para facilitar a

exposição

designamos

por

país

AA)

que

consagre

uma

regra

de

“regularização/contabilização final”. Ou seja, havendo uma transferência intraeuropeia de sede, todas as mais valias potenciais devem ser consideradas e tributadas como lucros realizados, sobre o qual será aplicado o exit tax. Mais, para a formação desse lucro deverão concorrer também os ativos intangíveis (ex.: goodwill). Todavia, não é menos frequente a transferência da sede para Estados (por hipótese, país BB) que pura e simplesmente desconsideram que, na formação daquele lucro tributável, concorreram os ativos intangíveis (ex.: goodwill) e outras mais valias potenciais. Equacionando a hipótese da empresa pretender alienar a marca XX, da qual era detentora, o país BB tributa a mais valia realizada, sem considerar se, em algum momento, já o foi em AA. Ora, como facilmente se perceberá pelo exemplo, os impostos de saída conduzem a situações de dupla tributação, porquanto, em AA, os poderes tributários recaem sobre a mais valia potencial (a marca XX) e em BB, embora já se procure tributar mais valias geradas com sua a alienação, não há dedução dos montantes pagos no Estado de origem.

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Cf. Acórdão NGI – C-371/10 (2011), parág. 37 e 41. Neste processo, a sociedade NGI, BV, com sede estatutária nos países baixos, decidiu transferir a sua direção efetiva para o Reino Unido. A sociedade viu as mais-valias latentes dos seus ativos serem tributadas. Veio alegar a incompatibilidade do direito doméstico neerlandês com o direito europeu, pronunciando-se o Tribunal de Justiça no sentido da alteração do direito interno. Sobre este caso, exaustivamente, LEITÃO, João Menezes, ibidem, págs. 269 e ss. 9 In The ECJ's Judgement in the N Case against the Netherlands and its Consequences for Exit Taxes in the European Union, IBFD – Bulletin for International Taxation, April 2007, pág. 156 13

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Capítulo III – Condições de legitimação para a tributação de saída Secção I – Determinação do montante de imposto Essencialmente foi através do acórdão National Grid Indus, BV, a que oportunamente já fizemos referência, que se estabeleceram as guidelines a observar, pelos E.M., na criação dos seus regimes de tributação à saída, quando estejam em causa ativos empresariais. E fê-lo quer quanto à “determinação efetiva do montante de imposto” quer quanto ao momento da sua cobrança, consagrando uma solução completamente inovadora e inesperada, oposta àquela que estava em vigor para os ativos privados de pessoas singulares (e que, no fundo, se esperava que fosse “copiada” pelo Tribunal de Justiça). Naquele aresto, o Tribunal foi perentório em afirmar que o montante de imposto, sobre as mais valias latentes, pode ser fixado definitivamente, no momento em que se dá a transferência de sede. As menos ou mais valias, suscetíveis de serem realizadas posteriormente à migração, não devem ser consideradas no Estado de origem. Secção II – Cobrança de imposto Nessa mesma decisão judicial encetou-se uma solução original quanto à cobrança de imposto, que se crê que permite contrabalançar os “interesses em jogo”: por um lado, garantir a sua repartição equilibrada entre Estados e, por outro, definir uma solução que seja o menos lesiva possível para o direito de estabelecimento. Por outras palavras, considera-se que ao contribuinte deve ser dado o direito de escolha quanto à forma como pretende liquidar o imposto em dívida. Desta sorte, sempre que haja uma transferência transfronteiriça de sede haverá a opção de pagamento integral do exit tax. Embora não negando que possam surgir desvantagens de tesouraria para a sociedade, esta pode-se eximir dos encargos administrativos relativos à monitorização dos ativos empresariais. Diferentemente poderá optar pelo pagamento diferido, do montante de imposto, até à realização das mais valias, com a ressalva de que aquele é calculado e fixado no momento da migração e que toda e qualquer flutuação de valor posterior já não poderá ser considerada. Adicionalmente, poderá haver lugar à cobrança de juros, calculados segundo a legislação interna de cada E.M., ficando a sociedade sujeita a obrigações declarativas, tais como uma declaração anual sobre a manutenção da titularidade, posse e disposição efetiva dos ativos. Por último, refira-se ainda que o TJUE abriu a possibilidade de o 14

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Estado da fonte poder obrigar a sociedade à constituição de garantias bancárias, sempre que haja um risco real e efetivo do imposto não vir a ser cobrado, o que, como sabemos, aumenta com o decurso do tempo. Ainda que o que se procure seja salvaguardar as receitas fiscais dos estados – facto perfeitamente compreensível no caso de estarem em causa avultados montantes de imposto – não podemos deixar de dizê-lo: esperemos que o recurso a este mecanismo não torne a exceção na regra, o que se traduziria tão só na obstaculização (injustificada) do direito ao estabelecimento. Só o tempo (e a boa fé das Administrações Fiscais) o dirá.

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II Parte Capítulo I – O caso português C-38/10 Secção I – Da desconformidade do regime de exit taxes português, com o direito comunitário, à intervenção da Comissão Europeia Originalmente, o regime português de exit taxation previa que quando ocorresse a deslocalização de uma empresa portuguesa (transferência de sede para o estrangeiro) ou o encerramento de uma sucursal (transferência de elementos patrimoniais entre sede e outro estabelecimento estável) haveria lugar à tributação, mesmo que ainda não tivesse ocorrido qualquer realização efetiva de ganhos ou mais valias. Também os sócios daquela sociedade ficariam sujeitos a uma tributação baseada na diferença entre o valor dos ativos líquidos da sociedade (calculados a preço de mercado, à data da transferência) e o preço da aquisição das partes sociais. Com efeito, na matéria coletável, deveriam ser incluídas todas as mais valias não realizadas, diferentemente do tratamento que era dado no caso de se tratar de uma situação puramente interna. Através de uma ação por incumprimento (art. 278.º TFUE), a Comissão Europeia pediu ao TJUE que avaliasse o regime português de impostos de saída. Entendia que o CIRC, nos artigos 76.º-A, 76.º-B e 76.º-C, consagrava uma restrição desproporcionada à liberdade de estabelecimento, prevista no TFUE, e que, por esse motivo, seria incompatível com o direito da União Europeia. Secção II – Da decisão do TJUE ao regime atual de exit taxation Não podemos afirmar que a decisão judicial sob anotação constituiu uma inovação no ordenamento comunitário, na medida em que se seguiu de perto a arquitetura do modelo de decisão consagrado no acórdão National Grid Indus, BV. Não obstante, não podemos deixar de assinalar que se tratou da primeira decisão direta sobre o regime de exit taxation português, exigindo a sua aplicação imediata às reorganizações societárias que estivessem em curso, na época, em Portugal, bem como à transferência de ramos de atividade para outros E.M., permitindo inclusivamente o reembolso do imposto suportado. Desenvolvidamente, o Tribunal de Justiça começou por afirmar que a opção por um regime de exit taxation, em si, configura um obstáculo à liberdade de

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estabelecimento. Dois esclarecimentos: primeiro, porque exige um encargo financeiro sem que efetivamente tenha havido um fluxo de dinheiro e, em segundo lugar, já não o exige sempre que se trata de situações puramente internas. Todavia, no momento da migração da sociedade, Portugal pode legitimamente, por força do princípio da proporcionalidade, proceder ao apuramento ou liquidação definitiva do imposto sobre as mais valias acumuladas, quando conexionadas com o seu território. Não é, contudo, obrigatório que proceda à sua cobrança definitiva. Esse mesmo princípio justifica que à sociedade seja dada uma opção de escolha entre o diferimento do pagamento de imposto ou o seu pagamento imediato. Verificando-se aquela primeira opção, a Administração Fiscal portuguesa pode exigir o cumprimento de obrigações declarativas, a prestação de uma garantia bancária (quando entenda ser necessária) e a cobrança de juros. Em suma, as alterações legislativas, introduzidas no ordenamento jurídico português, foram no sentido de colocar cobro a um tratamento incompatível com o direito comunitário a que eram sujeitas as matérias de redomiciliação e transferência de sede de um estabelecimento estável para outro E.M. Por outras palavras, entendeu ser injustificado o tratamento a que eram sujeitas as mais valias latentes, apenas com base no facto de estarem conexionadas com mais do que um Estado. Não obstante, o TJUE esclareceu também que, no caso de as mais-valias serem tributadas por força da cessação da atividade de um estabelecimento estável, não haverá qualquer incompatibilidade com o ordenamento comunitário.

Capítulo II – Questões em aberto e perspetivas de evolução De acordo com a decisão proferida no caso C-38/10, Portugal alterou o CIRC, dando origem aos atuais artigos 83.º e 84.º. Todavia, existem questões importantes, que se relacionam com a opção pelo diferimento do pagamento de imposto, e que ficaram sem qualquer resposta. Passamos a enunciá-las. Secção I – Risco de não cobrança do exit tax e limite temporal para o seu diferimento Optando pelo diferimento do pagamento do exit tax, com a passagem de tempo que decorre entre o momento de transferência da sede e o momento de realização das mais valias, o risco do Estado de origem, em não conseguir cobrar o imposto, é cada vez mais real. Tendo consciência desse risco, tem-se entendido que a solução poderá passar pela constituição de uma garantia bancária. Essa hipótese foi avançada pelo Advogado17

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Geral PAOLO MENGOZZI, durante as suas conclusões no processo Comissão vs. Portugal. Argumentou que a constituição de uma garantia bancária serviria esses casos. Esclarece, no entanto, que o seu montante não deve corresponder à totalidade do imposto diferido, sob pena de se tornar numa medida capaz de dissuadir da vontade de exercer o direito de estabelecimento. Cumprirá ter também presente, que a respeito da questão em apreço, a maioria da doutrina entende que o recurso a garantias bancárias só deverá ser exigível quando estejam em causa ativos de valor bastante elevado e apenas em situações excecionais. A verdade é que esta possibilidade não constitui uma novidade. Antes, já se avançou com esta hipótese no leading case em matéria de exit taxation: o National Grid Indus, BV. O TJUE optou por não se pronunciar sobre esta questão. Como avança ANTÓNIO ROCHA MENDES10, será que poderemos concluir, do silêncio do Tribunal, que concorda com a posição do Advogado-Geral e que as garantias apenas se devem aplicar a situações em que esteja em causa a tributação de ativos de elevada complexidade? Por outro lado, pretenderá significar que a cobrança do exit tax pode ser assegurada apenas pela Diretiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de Março de 2010, que disciplina a assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas? Em segundo lugar, questionamos também qual será o período temporal dito “aceitável” para o diferimento temporal da tributação. Sem surpresa, o TJUE também não se debruça sobre esta questão, pelo que permanece em aberto. Secção II – Cobrança de juros Esta possibilidade foi também ela equacionada pelo Advogado-Geral do processo C-38/10, mas sem que o TJUE a tivesse analisado. A priori parece-nos plausível a cobrança de juros pelo diferimento do exit tax, calculado de acordo com a legislação interna portuguesa. Um ponto de esclarecimento: no cálculo dos juros não haverá lugar a uma taxa sem risco, na medida em que não se procura, nesta matéria, compensar o E.M. com base em considerações de custos de oportunidade, bem como nas ditas vantagens de tesouraria a favor do contribuinte. Antes pelo contrário, deve ser incluído um prémio de risco. O diferimento da cobrança vai sempre implicar o risco

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Cf. MENDES, António Rocha, News Analysis: Portuguese Exit Tax Decision Raises Question, reprinted from Tax Notes Int'l, September 24, 2012, pág. 1173 18

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daquele não vir a ser cobrado. E tal poderá ser feito através da constituição de uma garantia bancária. Não obstante, ressalve-se que a cobrança de juros só deverá ser possível quando também o seja (i.e, a cobrança) nas situações de transferência de sede puramente internas e quando não haja mecanismos de assistência mútua que permitam monitorizar os ativos em causa. Deve-se ter também especial atenção para o facto de a cobrança de todo e qualquer juro, desde o momento da migração, não poder implicar um regime que o torne incompatível com direito da União Europeia, no sentido em que não deve colocar o contribuinte numa situação mais onerosa do que se o imposto não tivesse sido diferido.

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Considerações Finais Ao longo dos últimos anos, os diferentes regimes de exit taxation, em vigor na União Europeia, têm sido paulatinamente modificados, num claro esforço em harmonizá-los e em compatibilizá-los com o direito da União Europeia. Contudo, não podemos deixar de referir que a via escolhida (a negativa, pelo TJUE) oferece bastantes dúvidas. Isto porque dificilmente conseguiremos erigir um sistema fiscal, de caráter supranacional, através da revogação de leis internas incompatíveis com o direito comunitário. Não negamos o seu contributo, mas essa construção só pode ser feita e deve ser feita, em primeira linha, pelos órgãos legislativos que parecem ter-se demitido das suas funções. As alterações legislativas com base em decisões judiciais – como tivemos oportunidade de anotar ao longo deste trabalho – conduzem a soluções imperfeitas, incompletas. Constatamos esse facto a propósito do (novo) regime de exit taxation português. Veja-se a importância das questões que ficaram por resolver, designadamente quanto ao limite temporal para o diferimento dos exit taxes. Parece-nos de duvidosa racionalidade o papel do TJUE: tendo oportunidade de se pronunciar sobre a questão, como pode ter optado por não o fazer, sobretudo tendo, em linha de conta, que há sistemas fiscais que já o fazem (como é o caso da Suécia)? E não podemos deixar de destacar o papel ativo da Comissão Europeia na coordenação das políticas de exit taxation dos E.M. com o direito comunitário. Por último, é pacífico que os regimes de exit taxes não devem impedir transferências de sede com o intuito de evitar fraude fiscal. Ainda que aqueles possam representar um obstáculo à liberdade de estabelecimento, à falta de consenso entre os Estados sobre a matéria, conseguem, pelo menos, assegurar a repartição equilibrada dos poderes tributários. A dita restrição à liberdade de estabelecimento deve ser mitigada pela “oferta” de “esquemas de pagamento” de impostos de saída (com tributação imediata, mas sem encargos administrativos, ou tributação diferida, mas com os referidos encargos) que minorem a lesão sobre aquela liberdade. Para concluir cremos que passos importantes foram dados no sentido de coordenar os diferentes sistemas tributários, em matéria de exit taxation, e de tentar compatibilizá-los com o direito europeu. Haverá, no entanto, vários aspetos do regime de tributação à saída de pessoas coletivas que ainda terão de ser estudados e

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trabalhados. Mas a ser feito que o seja, preferencialmente, por iniciativa do legislador comunitário.

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