Transformação das práticas e das narrativas etnográficas

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4ª Jornada de Ciências Sociais da UFJF - 2015 Minicurso: Transformação das Práticas e das Narrativas Etnográficas Professora: Natália Morais Gaspar – Doutora em Antropologia – PPGSA/IFCS/UFRJ. Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) [email protected] Resumo: Os debates atuais sobre a etnografia, principal traço distintivo da antropologia profissional, implicam mudanças na relação autor/objeto/leitor, nas condições de produção do trabalho antropológico, interrogações sobre os limites da capacidade de conhecer o outro. Boa parte das reflexões críticas sobre a etnografia gira em torno das assimetrias de poder implícitas na relação pesquisador/pesquisado, gerando diferentes estratégias para lidar com estas questões. O objetivo deste curso é contribuir para a ampliação do debate acerca do fazer etnográfico e de suas relações com a teoria antropológica, percorrendo contribuições contemporâneas de estudos do desenvolvimento, da cooperação internacional e das elites, e da antropologia da ciência e da tecnologia, como estratégias da disciplina em voltar seu olhar para sua própria sociedade – suscitando também questões a respeito dos estudos antropológicos sobre outros povos. Para tanto, serão trazidas ao debate questões sobre o surgimento e o desenvolvimento da própria Antropologia, situados em contextos históricos e políticos específicos, na medida em que se relacionam com impasses e potencialidades do método etnográfico e do trabalho de campo. Dos etnógrafos clássicos às contribuições recentes da antropologia nas sociedades complexas, passando pela crítica pós-moderna, o objetivo é problematizar a manutenção da distância da antropologia em relação ao “outro” e as possíveis vantagens e perspectivas de superá-la. Palavras-chave: Etnografia – Trabalho de Campo – Antropologia da Ciência e da Tecnologia – Elites – Práticas de Poder Resumo expandido: 1 - Apresentação Os debates atuais sobre a etnografia, principal traço distintivo da antropologia profissional, implicam mudanças na relação autor/objeto/leitor, mudanças nas condições de produção do trabalho antropológico, interrogações sobre os limites da capacidade de conhecer o outro, gerando diferentes estratégias para lidar com estas questões. O objetivo deste curso é contribuir para a ampliação do debate acerca do fazer etnográfico e de suas relações com a teoria antropológica, percorrendo contribuições contemporâneas de estudos sobre o desenvolvimento, a cooperação internacional e as elites, burocratas e corporações, bem como estudos da ciência e da tecnologia. Esses estudos trazem estratégias da antropologia para voltar seu olhar para sua própria

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sociedade – colocando questões para pensar também o interesse da antropologia por outros povos. Para tanto, serão trazidas ao debate questões sobre o surgimento e o desenvolvimento da própria antropologia, situados em contextos históricos e políticos específicos, na medida em que se relacionam com impasses e potencialidades do método etnográfico e do trabalho de campo. De Malinowski até as contribuições mais recentes da antropologia nas sociedades complexas, passando pela crítica pós-moderna, o objetivo é problematizar a manutenção da distância da antropologia em relação ao “outro” e as possíveis vantagens e perspectivas de superá-la. 2 - Metodologia O curso será ministrado em três sessões de aula expositiva, com apoio de Datashow e textos impressos, seguidas de debate. 3 - Conteúdo programático Aula 1 – 10/11/2015, terça-feira, 9hs. Surgimento e desenvolvimento da etnografia e a crítica pós-moderna Assim como o surgimento da etnografia como traço distintivo da antropologia profissional está relacionado ao contexto de expansão do colonialismo, a crítica pósmoderna ao método etnográfico, desenhada inicialmente nos Estados Unidos nos anos 1980, relaciona-se com transformações como o desmantelamento dos impérios coloniais e restruturação das relações entre as nações – que implicam mudanças nas condições de realização do trabalho de campo e no contexto em que se escreve sobre o outro. Os sujeitos pesquisados pela antropologia cada vez menos são nativos de aldeias distantes e isoladas e cada vez mais cidadãos de outras nações que se relacionam por complexos caminhos culturais e políticos com a nação de onde vem o antropólogo. Além disso, cada vez mais o antropólogo pesquisa membros de sua própria sociedade. Tomando como fio condutor os estudos de James Clifford sobre a formação e desintegração da autoridade etnográfica na antropologia social no século XX (1998, pp. 17-62), serão debatidos os trabalhos de etnógrafos clássicos e algumas das principais questões sobre o trabalho etnográfico: o contexto político e a assimetria de poder na relação pesquisador/pesquisado; os desafios da escrita etnográfica e a análise do

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antropólogo como autor (Geertz 2009, pp. 11-39); as interrogações sobre os limites da capacidade de conhecer o outro. Serão debatidas, também, algumas das diferentes estratégias para lidar com estas questões: diferentes modos de autoridade etnográfica, seus pressupostos políticos e epistemológicos (Clifford, 1998); a reciprocidade de perspectivas (Gell 2014, pp. 291303) ; as ficções persuasivas (Strathern 2013); tomar as ideias indígenas como conceitos, estabelecendo a equivalência entre os discursos do antropólogo e do nativo, bem como a condição mutuamente constituinte destes discursos (Viveiros de Castro 2002). Aula 2 – 11/11/2015, quarta-feira, 9 hs. Antropologia da ciência e da tecnologia e a etnografia das práticas científicas A Antropologia da Ciência e da Tecnologia coloca contribuições fundamentais para pensar a etnografia e suas transformações, pois vem atuando na vanguarda do olhar antropológico sobre a sociedade ocidental. Ao elevar a contribuição do “pensamento nativo” à produção do conhecimento, considera simetricamente as vozes de cientistas, engenheiros, ativistas de movimentos sociais, coletivos indígenas, etc., conduzindo a antropologia a uma postura de menos “falar sobre” e mais “falar com”. A contribuição de Bruno Latour, um dos principais proponentes franceses dos Estudos da Ciência e da Tecnologia, ao estudar um laboratório, colocando entre parênteses nossas crenças sobre a ciência, apresenta uma observação de primeira mão do trabalho do saber, que utiliza cientistas como informantes, sem usar o que eles dizem para explicar o que fazem. Assim, de certo modo, Latour contribui para reabilitar a capacidade do etnógrafo de familiarizar-se com um campo, permanecendo independente dele e à distância, tão questionada por parte da crítica pós-moderna. O recurso à etnografia das práticas científicas realça o potencial da observação etnográfica para lançar luz sobre a maneira pela qual o conhecimento científico é produzido, forçando a explicar os fatos incontestes das ciências por meio dos recursos elaborados para dar conta dos fetiches: a antropologia das ciências. Em uma etnografia clássica, o autor precisava lançar mão de conhecimentos os mais diversos – comumente classificados como políticos, econômicos, religiosos, etc. – para explicar como outros povos geriam, pensavam e classificavam seu meio ambiente. Para Latour, os estudiosos da nossa própria sociedade precisam considerar as mesmas questões. E é nas ciências e

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nas técnicas que se encontra o estado da relação entre humanos e não-humanos na sociedade ocidental, estabelecendo vínculos entre ambos e “dividindo o que é factível e o que é perigoso, o que é desejável e o que não é” (1998, p. 101). Nesta aula, analisaremos a experiência de Latour ao acompanhar como etnógrafo uma expedição multidisciplinar à Amazônia, observando práticas da pedologia e da botânica. O objetivo é contribuir para a percepção do quanto a atenção aos detalhes da prática científica, o descrever de perto, o examinar em pormenor práticas que geram informações sobre determinada situação podem ser reveladores da maneira pela qual a ciência opera no estabelecimento de vínculos e fronteiras entre a sociedade ocidental e a natureza. Aula 3 – 12/11/2015, quinta-feira, 9hs. Etnografia contemporânea no mundo globalizado Como a antropologia, em sua tradição etnográfica de estudos de pequenas comunidades, pode trabalhar em escalas globais? Como se dá o fazer etnográfico em contextos politicamente tensos ou nos quais os pesquisadores estão em posição inferior em termos das dinâmicas de poder que estudam, ou se encontram nelas imiscuídos, como parte de sua atividade profissional? Trata-se de contextos para os quais os textos introdutórios clássicos pouco preparam seus leitores. Os estudos sobre o desenvolvimento e a cooperação internacional contribuem com algumas estratégias para lidar com as questões que se colocam aos etnógrafos na contemporaneidade, como a etnografia multissituada para lidar com a questão da escala (Marcus 1995). Ou a inserção das objeções formuladas por atores pesquisados a partir da publicação dos resultados da etnografia, em contextos nos quais as representações etnográficas se tornam inevitavelmente parte do mundo que está sendo estudado, trazendo à tona a natureza essencialmente relacional do conhecimento antropológico (Mosse 2006, p. 937). Os estudos das práticas de poder, que reúnem reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações, por sua vez, propõem repensar o lugar que a observação participante adquiriu como abordagem de pesquisa privilegiada para a antropologia. As reflexões de antropólogos a partir de suas (nem tão) novas possibilidades de inserção profissional para além da universidade – em órgãos governamentais, organizações não

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governamentais e até em empresas - contribuem para pensar o fazer etnográfico em contextos de forte polarização ou assimetria, pautando-se criticamente não apenas na observação participante, mas também no tratamento de documentos, tão importantes para a pesquisa antropológica em sociedades em que a escrita é instrumento de poder e segregação. 4 - Bibliografia: CLIFFORD, James. “Sobre a autoridade etnográfica”. In: A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX, págs. 17-62. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998. LATOUR, Bruno. “Referência circulante: Amostragem do solo na floresta Amazônica”, in A esperança de Pandora. Bauru: Edusc, 2001, p. 39-96. CASTILHO, Sérgio Ricardo Rodrigues; SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; TEIXEIRA, Carla Costa. “Etnografando burocratas, elites e corporações: a pesquisa entre estratos sociais hierarquicamente superiores em sociedades contemporâneas”, pp. 7-31. In: CASTILHO, Sérgio Ricardo Rodrigues; SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; TEIXEIRA, Carla Costa (orgs.). Antropologia das práticas de poder: reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa; Faperj, 2014. 5 – Referências bibliográficas: CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. “A presença do autor e a pós-modernidade em Antropologia”. In: Novos Estudos nº21, julho de 1988. CASTILHO, Sérgio Ricardo Rodrigues; SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; TEIXEIRA, Carla Costa (orgs.). Antropologia das práticas de poder: reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa; Faperj, 2014. CESARINO, Letícia. “Antropologia multissituada e a questão da escala: reflexões com base no estudo da cooperação Sul-Sul brasileira”. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 20, n. 41, jan./jun. de 2014. EVANS-PRITCHARD, E. E. Os Nuer. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 2002. FABIAN, Johannes. O Tempo e o Outro: como a antropologia estabelece seu objeto. Caps. I e II, pp. 39-99. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

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FERGUSON, James. “The Anti-Politics Machine – “Development” and Bureaucratic Power in Lesotho”. In: The Ecologist, Vol. 25, Nº 5, September/October 1994. GEERTZ, Clifford. Obras e vidas: o antropólogo como autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. GELL, Alfred. A antropologia do tempo: construções culturais de mapas e imagens temporais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. HARAWAY, Donna. “A partilha do sofrimento: relações instrumentais entre animais de laboratório e sua gente”. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 17, n.35, jan./jun. de 2011. LATOUR, Bruno. WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. LATOUR, Bruno/SCHWARTZ, Cécile/CHARVOLIN, Florian. “Crises dos meios ambientes: desafios às ciências humanas”. In: Tecnociência e Cultura: Ensaios sobre o Tempo Presente. Araújo, Hermetes Reis de (org.). São Paulo: Estação Liberdade, 1998. LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Capítulos 1, 2 e 3, pp. 15-36. Porto Alegre: Editora EDUSC, 2002. MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. In: Coleção Os Pensadores. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Prólogo do autor, Introdução, caps. 1 e 2. MARCUS, George E. “Ethnography in/of the world system: the emergengy of multi-sited ethnography”. In: Annual Review of Anthropolgy 24:95-117, 1995. MORAWSKA VIANNA, Catarina. Os enleios da tarrafa: etnografia de uma relação transnacional entre ONGs. São Carlos: EdUFSCar, 2014. _____________________________. “Lições em Engenharia Social: a lógica da matriz de projeto na cooperação internacional”. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 20, n. 41, jan./jun. de 2014. MOSSE, David. “Anti-social anthropology? Objectivity, objection, and the ethnography of public policy and professional commmunities”. In: Journal of the Royal Anthropological Institute (N.S.)12, 935-956, 2006.

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STRATHERN, Marilyn. O gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006. ____________________. Fora de contexto: as ficções persuasivas da antropologia. São Paulo: Terceiro Nome, 2013. VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “O Nativo Relativo”. In: Mana 8(1): 113-148, 2002. 6 - Requisitos técnicos, materiais e orçamento Datashow (projetor), quadro e giz. 130 cópias xerox/aluno, com encadernação.

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