“Transformações do mercado de trabalho na região Norte de Portugal”, in Actas do IV Congresso Astur-Galaico de Sociologia, Corunha, CD-ROM, 2007

July 4, 2017 | Autor: Carlos Gonçalves | Categoria: Unemployment, Employment, Portugal, Labour Market Dynamics
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Título : Transformações do mercado de trabalho na região Norte de Portugal Autor/es: Carlos Manuel Gonçalves Procedencia: Universidade do Porto. Portugal Resumen: Pretende-se reflectir sobre as principais tendências de transformação do mercado de trabalho na região Norte de Portugal. Em particular a nossa atenção será dirigida para a análise das mutações ao nível da actividade, do emprego e do desemprego que conferem à região algumas especificidades no seio do contexto nacional. A par disto tomam-se igualmente como objecto central da nossa comunicação as recomposições sociolaborais, com particular destaque para a análise dos processos de terciarização, de incremento das qualificações académicas da população activa e da intensa participação da mulher no mercado de trabalho. Recomposições que adquirem uma notável importância num contexto económico em que o padrão de especialização produtiva, que durante longo tempo caracterizou a região no contexto mais amplo do noroeste peninsular, encontra-se sujeito a fortes tensões e conflitos decorrente da influência directa dos processos de globalização económica e financeira.

Carlos Manuel Gonçalves

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IV Congreso Astur-Galaico de Sociologia Área Temática: Sociologia del Trabaljo y de las organizaciones

Carlos Manuel Gonçalves1

Transformações do mercado de trabalho na região Norte de Portugal

Questões prévias O texto que se apresenta reúne um conjunto de notas de investigação, ainda sintéticas e sujeitas a um aprofundamento posterior, obtidas no quadro dos trabalhos do Projecto de Investigação - “A Região Norte de Portugal: dinâmicas de mudança social e recentes processos de desenvolvimento”2. A equipa do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que está a desenvolver os trabalhos pretende com aquele Projecto, no fundamental, descortinar sociologicamente os processos de mudança e recomposição social ocorridos na região Norte, no decurso das últimas duas décadas, no quadro mais amplo das transformações ocorridas no espaço nacional no passado histórico recente, bem como no quadro da União Europeia. Especificamente o nosso texto pretende reflectir sobre as principais tendências de transformação do mercado de trabalho na região em causa. Iremos centrar-nos em dois aspectos, profundamente interligados: primeiramente, nas mutações ao nível da actividade económica dos agentes sociais, do emprego e do desemprego que conferem à região algumas especificidades no seio do contexto nacional; depois, nas recomposições sociolaborais, com particular destaque para a análise dos processos de terciarização, de incremento das qualificações académicas da população activa e da intensa participação da mulher no mercado de trabalho. Recomposições que adquirem uma notável importância num contexto económico em que o padrão de especialização produtiva, que durante longo 1

Sociólogo. Investigador do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Professor do Departamento de Sociologia da mesma instituição. [email protected] 2 Projecto (POCI/SOC/57600/2004), aprovado para financiamento pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Carlos Manuel Gonçalves

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tempo caracterizou a região no contexto mais amplo do noroeste peninsular, se encontra sujeito a fortes tensões e conflitos decorrentes da influência directa dos processos de globalização económica e financeira. Ao longo das últimas décadas a sociedade portuguesa apresenta relevantes e e substantivas mudanças e recomposições sociais, em termos espaciais, demográficos, económicos, sociais, políticos e simbólicos, as quais configuram uma notória mudança estrutural. Mudanças que assumem particularidades derivadas do facto de Portugal ser uma formação social complexa que ocupa, no actual sistema mundo, uma posição semiperiférica (Santos, 1993), de desenvolvimento intermédio (Almeida, 1995) em que se entrecruzam dimensões sociais que nos afastam dos países da modernidade avançada, ocorrendo o oposto com outras. Por sua vez, é de sublinhar que as transformações verificadas, em várias dimensões da vida social, são permeadas pela conflitualidade social, pela polémica e discussão, por tensões que se prolongam no tempo, que nem sempre originam situações de consenso social, e por contradições. Se é pacífico no seio da sociologia portuguesa, que nomeadamente no período posterior à queda do Regime do Estado Novo em 25 de Abril de 1974, que a sociedade portuguesa se pautou por relevantes mudanças, de natureza estrutural, que aprofundaram a sua modernização convergência com outros espaços nacionais, em particular geograficamente situados na União Europeia, já encontramos alguma diversidade entre os quadros interpretativos, referenciados a posturas teóricas descoincidentes, sobre os padrões da configurações que tomaram as transformações, os modos e conceitos identificadores da sociedade portuguesa no sistema mundo contemporâneo3. A reflexão sobre o país leva-nos a considerar, no plano das problemáticas da modernização e do desenvolvimento, que as mudanças sociais se expressam em diferentes dinâmicas territoriais, existindo, no contexto do espaço nacional, situações contraditórias de maiores ou menores desequilíbrios e homogeneidades. O todo nacional revela fortes assimetrias, sobretudo em termos dos padrões de performance económica, de emprego, de desemprego, de rendimentos do trabalho, da riqueza gerada pelas famílias, do PIB, da extensão da pobreza para além das variáveis demográficas. No contexto de permanente intermediação entre o local, o nacional e o global, os quadros territoriais da região Norte têm estado sujeitos a ritmos diferenciados de mudança e de processos de recomposição social, bem como à acção de factores estruturantes, alguns dos quais funcionam como obstáculos a um incremento do desenvolvimento sócio-económico. Embora não abordado de forma directa no presente texto, o Norte apresenta relevantes assimetrias intra-regionais4. Os processos de transformação da sociedade portuguesa, no passado histórico recente, são um bom exemplo empírico da não aplicabilidade das visões lineares, etapistas e unidimensionais a tais processos. Analisar as problemáticas teóricas da mudança social e do desenvolvimento nas sociedades contemporâneas, marcadas pela complexidade e pela reflexividade (Beck, Giddens, Lash, 1994; Castel, 1995; Beck, 2000; Giddens, 2002), requer o abandono daquelas interpretações sociológicas que 3

Sobre essas propostas de leitura da sociedade portuguesa vejam-se, entre outros: Santos (1993); Almeida et al., (1994); Barreto (1996); Machado e Costa (1998); Pinto e Pereira (2006). 4 Sobre esta questão consulte-se os seguintes trabalhos: INE (1998); Gonçalves (2002); Ferrão (1996); Santos e Bessa (org) (1999). Para informações e dados sobre a região Norte consulte-se: http://www.ccdr-n.pt/www. Carlos Manuel Gonçalves

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identificaram uma etapa importante do pensamento sociológico. A sociologia superou, embora envolta ainda numa certa polémica, a dicotomia entre processos sociais exógenos/endógenos relativamente ao contexto territorial em análise, a linearidade da evolução temporal das sociedades ou a procura de um factor social último determinante das transformações sociais (Sztompka, 2002; Giddens, 1984; Castells, 1996). A opção vai para modelos teóricos pluridimensionais, assentes no tempo e na história (Sztompka, 1991). As mudanças sociais envolvem, na diacronia, os diferentes processos e as recomposições sociais, na sua coerência e contradições, mas igualmente vectores de ruptura e de permanência que, de sobremaneira, importa detectar e interpretar (Forsé, 1989; Trémouloinas, 2006, Wallerstein, 2006). Tendo presente o que se acabou de avançar, afigura-se-nos importante apontar, sem objectivo de exaustividade, certas considerações prévias sobre a nossa abordagem das transformações do mercado de trabalho na região Norte de Portugal, objecto do presente texto, recorde-se. Nos últimos anos, a sociologia vem manifestando um interesse crescente pelas questões das dinâmicas do emprego e do desemprego, em sentido lato. Aspecto em si que é consequência, entre outros factores, da relevância do volume do desemprego nas três décadas anteriores, da quebra acentuada e cíclica da capacidade de criação sustentável de emprego, e das substanciais alterações na relação salarial fordista construída no pós Segunda Guerra Mundial - terciarização, feminização, flexibilidade, precariedade e segmentação do mercado de trabalho, diferenciação, dualização e exclusão dos trabalhadores, limitação dos benefícios sociais do Estado-Providência, transformações das relações de trabalho no sentido da sua individualização, quebra do poder sindical, entre outras. Os textos de Marauni e Reynaud (1993), Gonçalves (2002 e 2006), Kovacs (2002), Kovacs (org) (2005), Freyssinet (2004), Demazière (2006), Horty (2006), não obstante as diferenças conceptuais e metodológicas que subsistem entre eles, estão atravessados longitudinalmente por várias leituras sobre as dinâmicas do mercado de trabalho, mobilizando para o efeito, de um modo mais ou menos expressivo, um olhar sociológico. Não é nosso objectivo explorar esse olhar neste momento, parece-nos suficiente, atendendo ao actual objecto de interesse, verificar que se assiste a uma valorização da análise quantitativa dos stocks e das dinâmicas que caracterizam a população activa, dos mecanismos sociais (re)produtores da recomposição desta população, bem como do emprego e do desemprego. De modo interligado com os patrimónios teóricometodológicos da sociologia do trabalho e da economia do trabalho (não propriamente a de inspiração neoclássica), mas a que vai beber os seus fundamentos às teses institucionalistas, ganham destaque as discussões sobre os processos de construção social e valididação dos quadros teóricos elaborados para explicar os modos de repartição e de recomposição do emprego e do desemprego, para além dos processos de mobilização, uso e reprodução da força de trabalho. A isto acresce um notório interesse pelos estatutos dos sujeitos sociais e pelas estratégias das diversas instituições sociais que se mobilizam e que estruturam o mercado de trabalho. Perfilhamos uma concepção sistémica das dinâmicas do mercado de trabalho que nos possibilita uma leitura das fortes e complexas interdependências que subsistem entre as posições de emprego, de desemprego e de inactividade (Gazier, 1992). A complexidade actual, que caracteriza tais dinâmicas, Carlos Manuel Gonçalves

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torna quase impossível uma representação fixista e de contornos bem precisos das posições apontadas. Segmentos cada vez mais importantes da população encontram-se em situações de fronteira no quadro do mercado de trabalho, ocupando intermitentemente empregos, na economia formal ou informal, passando ciclicamente períodos no desemprego, por vezes escamoteado pela frequência de cursos de formação profissional ou em ocupações inseridas no sistema de wokfare, ou então retirando-se conjunturalmente da actividade económica e transitando para a condição de inactivo. Pelo apontado, mais uma vez se sublinha que um dos principais contributos da análise sociológica do emprego pretende, seguindo a tradição crítica de fenomenologia e do interaccionismo simbólico, dar uma forte ênfase à análise fina dos limites, dos significados e da evolução histórica destes, que se encontram subjacentes a toda uma bateria de categorias - fortemente justificadas por proposições jurídicas, administrativas e estatísticas - que são mobilizadas, na qualidade de elementos da contabilidade social e de caracterização morfológica, para se dar conta, com implicações sociais e políticas, da denominada realidade do mercado de trabalho. Conceber tais categorias como construídos sócio-históricos, referenciadas a coordenadas espácio-temporais, influenciadas por critérios de natureza política, não cientificamente validados, é, para nós, um elemento que iremos ter presente na reflexão que desenvolveremos de seguida. 1. Inactividade e actividade Segundo o Recenseamento Populacional de 2001, residiam na região Norte5 3.687.293 indivíduos, o que representava 35,6% da totalidade da população de Portugal. Depois da década de oitenta em que se assistiu a uma estagnação na evolução do volume populacional, o período seguinte registou, tal como aconteceu para o país, um crescimento moderado (6,2%), para o qual foi importante a conjugação entre um saldo natural positivo, uma quebra não tão acentuada, como aconteceu em outras regiões, da taxa de natalidade e o incremento da fixação de população imigrante, em especial no decorrer dos últimos anos do século XX. A região acompanha a tendência nacional de subida da densidade populacional (173 hab/Km2 em 2001, contra 160 hab/Km2 vinte anos antes), embora, e tal como se irá indicar para outros indicadores, subsista, ao longo do tempo, fortes desequilíbrios em termos da distribuição espacial da população intra-regional. Em especial entre 1981 e 2001, e no prolongamento de movimentos que ganharam mais expressão na década de sessenta, assistiu-se, por um lado, a uma crescente litoralização e urbanização da população, numa corda que, grosso modo, vai de Viana de Castelo até Espinho, expandindo-se mais para o interior, no espaço confinado entre Braga e Amarante e, por outro lado, à sedimentação da urbanização dos centros urbanos do interior, acompanhada, por sua vez, por uma desertificação humana dos correspondentes hinterlands. Não obstante se vir a assistir a um envelhecimento demográfico na região Norte, o mesmo apresenta um ritmo mais baixo o que caracteriza o todo nacional. Enquanto o índice de envelhecimento, em 2001, na 5

A região Norte corresponde a uma região de natureza administrativa - Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NutII) - que geograficamente é limitada a norte e a este pela Espanha, a oeste pelo Atlântico e a sul pelos concelhos da margem esquerda do Douro. Carlos Manuel Gonçalves

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região, era de 79,8, o valor nacional ascendia aos 102,2. Por sua vez, a população mais jovem (menos de 25 anos), evidencia igualmente um decréscimo proporcional, mantendo, todavia, naquele ano, valores superiores à média nacional, respectivamente de 32,6% e 30,0%. Aspecto relevante, como veremos mais à frente, para se compreender alguns dos elementos que caracterizam as transformações no mercado de trabalho no Norte de Portugal. Em termos das dinâmicas familiares e dos padrões de conjugalidade, a região Norte não é de fácil leitura. As quebras das taxas de fertilidade e de natalidade e da dimensão média das famílias, ao longo dos últimos vinte anos, não são tão expressivas como as que caracterizam globalmente o país. Condicionantes em termos da matriz cultural e social, permeada por operadores simbólico-ideológicos de natureza religiosa de inspiração católica, prevalecentes nos espaços menos urbanos do Norte, poderão explicar as diferenças registadas. Sinteticamente, estamos perante uma região - comparativamente aos valores nacionais - em que se registam maiores taxas de nupcialidade e de natalidade, um mais amplo peso de casamentos católicos, acompanhado por uma menor proporção de nados-vivos fora do casamento, uma taxa de divórcio mais limitada e um peso significativo dos agregados familiares com mais de 5 pessoas. Certamente que uma análise mais fina, por exemplo ao nível das sub-regiões do Norte, não deixaria de mostrar que estes indicadores se diferenciam significativamente. Uma zona litoral, onde se destaca o Grande Porto, com uma intensa dinâmica económica, institucional e sócio-cultural, com uma forte presença das classes médias urbanas, com estilos de vida modernos e de padrões que aspiram a copiar o modelo dos países do centro europeu, e um interior, não homogéneo socialmente, em que se entrecruzam, em contradição e tensão, modernização e tradicionalismo, elementos que invalidam qualquer leitura das respectivas dinâmicas societais que assentem em interpretações esquemáticas e sociologicamente reducionistas. Começamos a nossa abordagem, dando conta dos processos de recomposição da população sem actividade ou população inactiva6. Em 1981, foram recenseados 1.964.812 inactivos na região Norte, o que representava 57,6% da população residente total e 34,8% da totalidade dos inactivos do país. A maioria dos inactivos eram mulheres (63,0%), tendência comum a outras regiões do continente e das regiões autónomas e que se irá manter como uma regularidade social. Durante os vinte anos seguintes7, a evolução do volume deste segmento populacional não sofreu mutações fortemente significativas; unicamente por força de alterações demográficas e do acréscimo dos processos de transição do estatuto de inactivo para o de activo, o seu peso relativo no seio da população residente foi decrescendo, quedando-se nos 51,9% em 2001.

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Temos em conta análises anteriores: Gonçalves (2002 e 2003). Ao longo da presente comunicação, iremos mobilizar os dados empíricos fornecidos pelos Recenseamentos Populacionais elaborados decenalmente pelo Instituto Nacional de Estatística. Todavia, os Recenseamentos apresentam diferenças em termos dos conceitos que afectam directamente a elaboração de uma série coerente ao longo dos vinte anos – 1981 a 2001. Uma das principais mudanças verificadas consubstancia-se na alteração da idade mínima para ingresso no mercado de trabalho dos 12 anos, em 1981 e 1991, para os 15 anos em 2001. Deste modo, e não obstante tal conjunto populacional ser reduzido, as comparações que se possam fazer devem atender ao aspecto apontado, sendo por nós assumidas como tendências aproximativas das dinâmicas enformadoras da realidade social. 7

Carlos Manuel Gonçalves

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Quadro 1 Indicadores sobre a população inactiva na região Norte e em Portugal

População residente total População inactiva total Distribuição % das categorias de inactivos Menos de 12 anos Menos de 15 anos Estudante Domestica Reformado/Pensionista Incapacitado para o trabalho Outros Pessoas vivendo de rendimentos Inactivos dependentes a) Inactivos em idade activa b) % de Inactivos em idade activa no total da população residente % de Inactivos Dependentes no total da população residente Índice de Dependência na Óptica do Emprego c) Índice de Emprego Potencial d)

1981 1991 2001 Região Norte Portugal Região Norte Portugal Região Norte Portugal 3.410.099 9.833.014 3.472.715 9.867.147 3.687.293 10.356.117 1.964.812 5.649.992 1.892.260 5.468.969 1.912.278 5.365.909

39,6

35,3

12,7 13,1 23,0 24,6 13,9 16,0 7,4 7,1 3,1 3,5 0,4 0,3 1.085.070 3.030.177 761.351 2.285.008 22,3 23,2

30,8 a) 16,6 15,8 27,4 2,0 7,4 958.476 901.643 26,0

27,2 a) 17,8 16,2 30,5 1,9 6,4 2.756.467 2.628.806 26,6

33,7 12,4 12,7 32,0 3,3 5,9 1.137.062 729.596 19,8

30,9 12,7 11,4 36,1 3,3 5,6 3.259.903 1.986.559 19,2

31,8

30,8

26,0

27,9

30,8

31,5

82,1

79,2

63,8

66,7

68,7

70,1

57,5

59,7

60,0

63,7

44,1

42,7

Notas: a) Conjunto de jovens (menos de 12 anos para 1981 e 1991 e menos de 15 anos para 2001) e idosos (mais de 65 anos); b) Conjunto de indivíduos entre os 12 e os 64 anos para 1981 e 1991 e entre os 15 e os 64 anos para 2001 e que são estudantes, domésticos, reformados ou outros. c) Relação entre os inactivos dependentes e o total de empregados. c) Relação entre os inactivos em idade activa e o total dos empregados; d) Relação entre os activos em idade activa e o total dos empregados.

Fonte: INE, Recenseamento Geral da População.

A evolução apontada acima encerra um conjunto importante de transformações no seio da população inactiva que são bem ilustrativas da modernização não só da região Norte, como também do país. Se atendermos à repartição desta população por categorias, observa-se, desde logo, que o peso das domésticas8 diminuiu para metade em vinte anos. É um movimento de população que, para além do efeito dos fenómenos demográficos propriamente ditos, representa vários processos de transição como a passagem das mulheres, remetidas às tarefas da casa e da família, para a condição de beneficiárias de uma pensão, categorizando-se, assim, como reformados, bem como a inserção das mulheres no mercado de trabalho, de que falaremos mais especificamente nas páginas seguintes.

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Esmagadoramente constituída por mulheres, a categoria de domésticas, é perspectivada segundo as convenções sociais que esquematizam a realidade social, contabilizam e rotulam os agentes sociais, como inactivas económicas. É, por demais sabido, que elas detêm um papel fundamental na denominada economia doméstica, com repercussões nas dinâmicas económicas dos países. Assim, o trabalho realizado na unidade doméstica, quando não muitas vezes se prolonga em actividades esporádicas ou sazonais no campo da economia informal, como suporte essencial à sobrevivência da família, é tornado invisível economicamente, conferindo à mulher (na qualidade de doméstica no seio de um agregado familiar) um estatuto de menor reconhecimento social e distorcendo, em termos analíticos, as complexas dinâmicas societais. Confira-se sobre a questão Marauni (2005), entre outros. Carlos Manuel Gonçalves

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De modo interligado a estas transições, assiste-se a um importante fluxo de ingresso de indivíduos na condição de reformados9. O volume de reformados na região Norte passou de 272.964, em 1981 para 518.297, em 1991 e, finalmente, para 612.488 no final do período (uma variação positiva de 124,4% em vinte anos). Em termos nacionais, verifica-se movimento de tendência e grandeza semelhante (um acréscimo de 113,8%). Um exercício mais fino sobre tal tendência aponta-nos para que o grosso do fluxo de saída tenha ocorrido nos anos oitenta, vindo posteriormente a abrandar. Consequentemente, a posição relativa dos reformados no conjunto da estrutura da população inactiva alterou-se substancialmente ocupando um lugar cimeiro em 2001, juntamente com o segmento populacional menor de 15 anos. Um conjunto de factores transversais à sociedade portuguesa, e não propriamente exclusivos da região que, conjugados entre si, podem ser avançados para explicar o apontado: a ampliação do sistema de cobertura da população por regimes de pensão pela Segurança Social, no quadro da aplicação dos princípios de solidariedade social inerentes à expansão, embora com importantes lacunas, tensões e contradições do Estado-Providência em Portugal no pós 25 de Abril de 1974; proliferação das reformas antecipadas, antecipando, em termos de idades mínimas, a saída da condição de empregado; a passagem à reforma de um contingente relevante de indivíduos que terminaram a sua actividade em organizações económicas privadas ou estatais. No caso das duas últimas situações, retenha-se que alguns segmentos populacionais regressam ao mercado de trabalho formal ou informal - este último com uma forte expressão económica, em determinados momentos dos anos oitenta e noventa -, constituindo um reforço do volume da procura de emprego, intersectando-se com a população em idade activa, acumulando, assim, a condição de reformado com a de empregado. Regresso que destaca as fortes interdependências, que antes apontámos, entre inactividade, emprego e desemprego não passíveis de serem, frequentemente, captadas pelas categorias estatísticoadministrativas sobre o mundo laboral. Após um acréscimo importante do peso da população estudantil na década de oitenta, fruto de uma mais ampla inserção dos jovens no sistema escolar (aumento das respectivas taxas de escolarização) e do prolongamento temporal da sua escolaridade (Quadro 1), no decénio seguinte a tendência inverte-se, reduzindo-se 4,2 pp. Para isto contribuiu a diminuição, em termos de volume, da população mais jovem, no seio da população residente da região Norte. Ventilando analiticamente com outros indicadores a população inactiva, e sempre na perspectiva das relações deste segmento populacional com o mercado de trabalho, destaca-se que o peso dos inactivos dependentes10 face à população residente mantém em 2001 um valor aproximado ao de 1981 na região. O Índice de Dependência na Óptica do Emprego reduziu-se substancialmente nos anos oitenta - em 1981 verificava-se uma relação de quatro inactivos dependentes por cada cinco empregados, em 1991 e 2001, de três inactivos dependentes por cada cinco empregados. Por sua vez, o

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Na categoria dos reformados estão incluídos os indivíduos que auferem pensões de sobrevivência, de invalidez e de velhice com um passado contributivo ou não para a segurança social. 10 Conjunto de jovens (menos de 12 anos para 1981 e 1991 e menos de 15 anos para 2001) e idosos (mais de 65 anos).

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peso dos inactivos em idade activa11 registou aumentos nos anos oitenta, decrescendo no período subsequente. Este segmento da população funciona como uma reserva potencial de mão-de-obra na Região. Embora com as devidas cautelas decorrentes da alteração da idade mínima de ingresso no mercado de trabalho, afigura-se-nos plausível avançar que o efeito de trabalhador desencorajado não se verificou entre 1991 e 2001, ao contrário do que ocorreu na década anterior. Por sua vez, o Índice de Emprego Potencial testemunha o que se acaba de afirmar - em 1981 e 1991, subsistia uma relação de três inactivos em idade activa por cada cinco empregados, em 2001 de dois inactivos em idade activa por cada cinco empregados. A evolução daqueles dois índices, em particular nos anos noventa, é virtuosamente positiva para a então sustentabilidade dos regimes de segurança social e que, como veremos à frente, resulta, primordialmente do aumento do volume da população empregada. Embora estatisticamente, segundo as convenções administrativas, a população inactiva esteja afastada do mundo laboral, o percurso que fizemos anteriormente afigura-se-nos imprescindível para a abordagem sistémica do mercado de trabalho e para a compreensão e evolução dos stocks e dos fluxos entre inactivos, empregados e desempregados. Ao longo das últimas décadas, a região Norte tem concentrado uma parcela importante da totalidade da população activa portuguesa. Em 2001, representava 35,6% dos activos, valor quase idêntico a outra das regiões mais importantes – Lisboa (35,4%). A tendência ao longo dos vinte anos tem sido para a ampliação dos indivíduos com actividade económica, mesmo em momentos, como a década de oitenta, em que existiu uma estagnação no crescimento da população residente. Tal tendência encerra uma das principais transformações ocorridas no mercado de trabalho em Portugal, que importa destacar. Se atendermos a uma análise mais fina, por género, vemos que subsistiram dois padrões quanto à evolução dos respectivos volumes de activos. Os homens cresceram de uma forma bastante moderada, enquanto as mulheres ingressaram maciçamente no mercado de trabalho (uma variação de 24,8% entre 1981 e 1991, e de 19,2% na década seguinte). Tendência de cariz idêntico encontramos nos valores respeitantes à média nacional. Deste modo, não só se amplia a proporção das mulheres no seio da população activa, aproximando-se dos 50,0%, bem como a taxa de actividade feminina cresce significativamente,

situando-se

nos

41,4%

em

2001.

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Conjunto de indivíduos entre os 12 e os 64 anos para 1981 e 1991 e entre os 15 e os 64 anos para 2001 e que são estudantes, domésticos, reformados ou outros. Carlos Manuel Gonçalves

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Quadro 2 Indicadores sobre a população activa 1981 1991 2001 Região Portugal Região Portugal Região Portugal Norte Norte Norte População Activa Total a) 1.445.287 4.183.022 1.580.425 4.398.166 1.775.015 4.990.208 População Activa Masculina 915.230 2.704.986 919.276 2.584.621 986.855 2.742.035 População Activa Feminina 529.967 1.478.036 661.149 1.813.545 788.160 2.248.173 % de Mulheres na População Activa 36,7 35,3 41,8 41,2 44,4 45,1 Taxa de Actividade Total a) 42,4 42,5 45,5 44,6 48,1 48,2 Taxa de Actividade Masculina 55,7 57,1 54,8 54,3 55,4 54,8 Taxa de Actividade Feminina 30,0 29,0 36,8 35,5 41,4 42,0 Taxa de Actividade Total Juvenil b) 70,1 64,1 63,0 55,4 52,6 49,4 Taxa de Actividade Juvenil Masculina 82,6 77,8 68,1 61,7 56,3 53,4 Taxa de Actividade Juvenil Feminina 57,4 50,2 57,7 49,0 48,8 45,2 Notas: a) Em 1981 e 1991, a idade mínima de ingresso na população activa é de 12 anos, em 2001 de 15 anos. b) Dos 15 aos 24 anos para os três períodos. Fonte: INE, Recenseamento Geral da População.

Os processos traçados antes apresentam significados diferenciados. Por um lado, a evolução da taxa de actividade masculina, marcada pela estagnação, traduz a conjugação entre a transição da condição de empregado para a de reformado, fruto do processo de envelhecimento da mão-de-obra, e o prolongamento do tempo de permanência dos jovens no sistema escolar, conduzindo ao adiamento do seu ingresso no mercado de trabalho. Não obstante encontrarmos as mesmas dinâmicas no caso das mulheres, variando provavelmente em termos de volume de activas, a amplitude quantitativa da femininização do mercado de trabalho foi tão intensa que compensou largamente as saídas e as ausências de entrada das jovens que ficaram na escola12. Embora mantendo-se inferior à taxa de actividade masculina, mas no sentido da convergência com esta, a intensificação da participação feminina no mundo laboral, que prolonga uma tendência pesada de transformação da sociedade portuguesa, a partir dos anos setenta do século passado13, alterou a composição morfológica do mercado de trabalho. A par da feminização ter sido, na região Norte e no país, decisiva para o crescimento do volume global da população activa. Feminização que, por sua vez, está intimamente articulada com outros processos sociais estruturantes, nas últimas décadas, da sociedade portuguesa. Estão, neste caso, a litoralização, a urbanização, o aumento da escolarização das mulheres, a sedimentação das classes médias, de matriz urbana, o desenvolvimento de novos estilos de vida e de outros posicionamentos face às várias dimensões da vida social (Almeida et al, 1996). Em simultâneo, importa ter presente que a feminização do mercado de trabalho caracteriza-se por ser enformada por processos, complexos e 12

No caso da indústria têxtil e do vestuário, fortemente representativas, na região Norte a participação das mulheres é bastante elevada por força dos processos de divisão sexual do trabalho. 13 Segundo os Recenseamentos Populacionais, em 1960 a taxa de actividade feminina era de 13,0% (embora possa estar subestimada pela não inclusão das mulheres que trabalhavam nas actividades agrícolas e não consideradas, para efeitos estatísticos, activas), evoluindo para 19,0% passados dez anos.

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pluridimensionais, que (re)produzem situações de discriminação e de segregação, não só ao nível do mercado de trabalho, como da família e das instituições políticas, entre outras. Uma das particularidades da região Norte face a outras regiões do país reside numa maior incorporação relativa dos jovens no mercado de trabalho. Em 2001, segundo dados do Recenseamento Populacional, representavam 40,2% da totalidade dos jovens trabalhadores do país com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos. Como poderemos observar no Quadro 1, a taxa de actividade juvenil, em todos os anos considerados, é sempre superior à média nacional. Subsistindo, por outro lado, diferenças entre as taxas por género, sendo a masculina superior. A dinâmica económica da região e de segmentos do tecido empresarial - que se baseiam em processos de trabalho mobilizadores de mãode-obra intensiva, conduzem à geração de empregos para jovens, por vezes de baixo nível qualificacional e, nos tempos mais recentes, marcados pela precariedade laboral -, o abandono precoce da escola associado ao não prolongamento da escolaridade, a persistência em determinadas zonas da região, de cariz mais rural, de uma matriz sócio-cultural não valorizadora de um prosseguimento temporalmente lato da aprendizagem no sistema escolar, reforçada, em parte, pela não disponibilização de uma oferta de ensino ampla e vocacionado para um ensino de cariz profissionalizante, são alguns dos factores que contribuem para o valor que as taxas de actividade juvenis apresentam na região Norte. Um dos factores mais vulneráveis da região está no perfil de habilitações académicas da população activa e que o diferencia, pela negativa, da média nacional. Em 2001, 68,6% dos sujeitos com actividade económica possuem habilitações iguais ou inferiores ao ensino básico (ou seja, um máximo de nove anos de escolaridade). Importa, contudo, sublinhar que, ao longo da década de noventa, se assistiu à diminuição do peso relativo da população menos escolarizada, o que foi igualmente patente para a totalidade da população residente na região, bem como aumentou a proporção de activos com ensino secundário e duplicou o peso dos que têm um diploma do ensino superior. Quadro 3 Distribuição percentual da população activa por nível de escolaridade

Sem instrução Ensino Básico Secundário Médio Superior Total

1991 2001 Região Norte Portugal Região Norte Portugal 3,3 4,1 1,3 1,8 80,1 74,1 67,3 59,5 8,7 11,8 18,1 22,2 2,3 2,5 0,6 0,7 5,6 7,6 12,7 15,7 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: INE, Recenseamento Geral da População.

A melhoria da escolarização da população residente nos anos noventa foi geradora dos resultados obtidos em 2001, não ultrapassando, todavia, as relevantes diferenças que subsistem face à média nacional. Verificou-se um aumento significativo da população activa com um nível de habilitações superior, o que traduz uma melhoria da qualificação da mão-de-obra mobilizada pelas organizações públicas e privadas. Esta tendência traduz, por outro lado, uma maior capacidade de oferta Carlos Manuel Gonçalves

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de cursos por parte das instituições universitárias e politécnicas, em especial a partir dos meados dos anos oitenta, que foi socialmente correspondida por uma procura por parte dos jovens e das suas famílias de uma titulação académica de nível superior, como meio, entre outros, que possibilite no mercado de trabalho o acesso a empregos com mais elevados recursos materiais e simbólicos. Transição do ensino para o emprego apresenta determinadas particularidades. Em primeiro lugar, verifica-se quer o alongamento temporal e o aumento da complexidade das trajectórias, o que corresponde a um tempo mais prolongado de acesso a um emprego regular e estabilizado, quer o desenrolar de percursos pautados pela mobilidade entre desemprego, emprego instável ou ocasional e formação profissional sem que os mesmos estejam condicionados a uma linha de continuidade, mas fundamentalmente de oportunidade, de modo a evitar-se a exclusão laboral. Em segundo lugar, a sujeição destes jovens a novas formas de emprego marcadas pela precariedade contratual e pela incerteza face ao futuro profissional. Razões ligadas à quebra da dinâmica económica, à não gestação de empregos em quantidade e qualidade para absorver os jovens diplomados ou mesmo pelo excesso de oferta de diplomados em determinadas áreas científicas (o caso das humanidades e das ciências sociais) poderão ser avançadas para o entendimento sociológico das dificuldades que os jovens da região, e do país em geral, vivenciam nas últimas décadas. O défice qualificacional que se verifica no Norte é um dos importantes obstáculos ao acréscimo dos níveis de rendimento, da produtividade e da competitividade, bem como a uma mudança sustentada e qualificante da sua inserção económica internacional. 2. Emprego Na sequência, em parte, do apontado até ao momento, o volume do emprego ao longo dos últimos vinte anos sofreu um crescimento, não obstante seja de salientar, e porque estamos unicamente a comparar anos isolados, que foi um período, em que o país e a região Norte, registaram inflexões, no sentido da subida, do desemprego (até 1986, rondando as taxas de desemprego os valores entre os 8% e os 9%, e entre 1994 e 1997, com taxas de cerca de 7%). Para a expansão do emprego, contribuiu decisivamente a incorporação das mulheres no emprego (75,2% do aumento do volume de pessoas empregadas foi preenchido por mulheres). Mais uma vez se assiste a uma transformação morfológica relevante da composição de género do emprego: a proporção de empregadas passou de 35,5% em 1981, para 43,5% em 2001. Neste último ano, o volume de emprego da região correspondia a 35,6% do total do emprego nacional, enquanto a região de Lisboa tinha um valor semelhante (35,2%). Por outro lado, e tal como se verifica para outros indicadores, existe uma forte concentração territorial do emprego. Em 2001, na região do Grande Porto concentrava-se 35,6% do emprego, e na conurbação industrial difusa circundante - Cávado, Ave, Tâmega, Entre Douro e Vouga - 49,7%, perfazendo um total de 71,6%. A taxa de emprego registou uma tendência de subida, em ambos os géneros, assumindo valores muito próximos dos correspondentes ao país. O assalariamento mantém-se como o tipo predominante de relações de emprego no seio do mundo laboral da região Norte (cerca dos 80,0% do total das pessoas empregadas). Em termos económicos, o VAB gerado na região em 1980 representava 28,0% do total Carlos Manuel Gonçalves

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deste indicador para o espaço continental (bastante afastado de Lisboa com 44,6%). Ilustrativo da alteração relativa do Norte neste espaço, no sentido negativo, é o facto de o seu contributo para o VAB nacional, em 2003, se reduzir para 29,5%. Concomitantemente, a região apresentava níveis baixos de PIB per capita, naquele ano representava 79% da média nacional. Quadro 4 População empregada na região Norte e em Portugal 1981 Região Norte

1991 Portugal Região Norte

População empregada total 1.321.799 3.828.264 População empregada masculina 852.561 2.524.233 População empregada feminina 469.238 1.304.031 Taxa de Emprego - Total a) a) Homens a) a) Mulheres a) a) % dos Sectores de Actividade Agricultura, Silvicultura e Pescas - Total 19,8 19,7 Homens 18,3 19,6 Mulheres 22,5 20,0 Indústria, Const, Energia e Agua- Total 47,6 38,7 Homens 52,1 43,9 Mulheres 39,3 28,5 Serviços - Total 32,6 41,6 Homens 29,5 36,5 Mulheres 38,2 51,4 a) Sem informação. Fonte: INE, Recenseamento Geral da População.

2001 Portugal

Região Norte

Portugal

1.501.817 883.895 617.922 59,4 71,5 47,9

4.129.709 2.476.911 1.652.798 57,7 70,6 45,3

1.656.103 935.351 720.752 64,6 74,3 55,4

4.650.947 2.599.088 2.051.859 65,1 73,8 56,7

10,6 11,0 10,0 49,4 52,4 45,1 40,0 36,6 44,9

10,8 11,7 9,4 37,9 43,3 29,7 51,3 45,0 60,9

4,8 5,6 3,7 45,8 52,0 37,7 49,5 42,4 58,6

5,0 6,0 3,7 35,1 43,8 24,1 59,9 50,2 72,2

Em termos da distribuição sectorial do emprego constata-se a importante transformação do peso de cada um deles. De modo idêntico ao ocorrido para o país, na região Norte subsistiu a perda forte da importância da Agricultura como geradora de emprego, mas manteve-se o peso da Indústria, Construção, Energia e Água e ampliou-se acentuadamente a atractividade do sector dos Serviços. São claras mudanças sociais no padrão de especialização produtiva da região, no sentido da sua modernização, que merecem algumas notas mais. No prolongamento das mudanças sociais dos anos sessenta do século passado (em que foram determinantes os processos emigratórios da população nortenha para a Europa ou para o litoral do continente nacional), quebraram-se, em parte, os traços sócio-económicos e culturais de ruralidade da região, num contexto de acentuada desruralização com a consequente alteração da natureza e das funções do mundo agro-rural e com a correspondente desertificação populacional (os que ficam são predominantemente pequenos camponeses envelhecidos em que os rendimentos provêm das pensões da segurança social). Temos assistido à diminuição do número de explorações agrícolas e ao aumento da sua dimensão (concentração da propriedade), bem como à redução de determinadas zonas da superfície agrícola. Tendência que é concomitante à instalação, no passado mais recente, de novos agricultores, mais jovens e qualificados, que apostam em empresas agrícolas, de dimensão reduzida, mas Carlos Manuel Gonçalves

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capitalizadas, direccionadas para produtos específicos, como o leite, a vitivinícola, as hortícolas, a floresta, etc14. Deste modo, verifica-se, ao longo do tempo, a quebra da agricultura para a formação do VAB regional - em 1980 era de 7,8%, em 2003 quedou-se unicamente nos 3,7%. Mesmo assim, a região Norte concentrava, em 2001, 34,0% do total do emprego agrícola do país, destacando-se das restantes regiões. Gráfico I Distribuição percentual da população empregada por sectores de actividade económica 100%

4,3

4,8

90%

10,5

12,1

80%

16,5

2,5 3,5

27,5

26,5

18,4

70%

16,8 25,9

4,6 4,7

41,7

47,4 34,0

1991

2001

Lisboa e Vale do Tejo Centro

18,0

Norte

30% 35,6

Algarve Alentejo

22,0

40%

20%

4,3 4,8

43,6

60% 50%

2,0 3,3

14,1

14,9

28,3

29,4

1991

2001

46,4

10% 0% 1991

Primário

2001

Secundário

Terciário

Fonte: INE, Recenseamento Geral da População.

O sector secundário, no seio da repartição sectorial do emprego da região, evolui, em termos absolutos, de modo diferenciado conforme a década em análise. Nos anos oitenta (uma variação de 18,1%) e no decénio seguinte, quase estagnou (uma variação de 2,2%). Fruto da conjugação com as evoluções dos outros sectores, o peso relativo do secundário neste último período reduziu-se, mantendose, contudo, como aquele que concentra o maior volume de mão-de-obra (45,8% em 2001). É uma posição dominante não só no seio da região, como igualmente ao nível do país - para aquele ano, o Norte empregava 46,4% da mão-de-obra do sector a nível nacional -, o que traduz um dos traços caracterizadores do padrão de especialização produtiva da região. No sector, ganha destaque a indústria transformadora, em particular os ramos do têxtil, do vestuário, do mobiliário e da cortiça, com uma importante vocação exportadora, localizada preferencialmente no espaço ocidental da região (com uma menor representatividade na cidade do Porto, fortemente terciarizada). São actividades económicas em que predominam limitados níveis remuneratórios, uma mão-de-obra com baixas qualificações académicas e profissionais, processos de produção de trabalho-intensivo, formas de organização, de liderança e de mobilização da tecnologia obstaculizadoras da inovação e do acréscimo dos factores imateriais geradores de ganhos de competitividade. Na região existe um importante défice de actividades com uma maior intensidade tecnológica, criadoras de emprego qualificado e de produtos de valor acrescentado. A par desta situação, é constatável a emergência de espaços industriais, embora 14

Provavelmente esse movimento é uma consequência da inserção de Portugal na União Europeia com a correspondente transferência de substanciais fundos financeiros para o desenvolvimento rural, não obstante as limitações impostas pelos vários modelos de Política Agrícola Comum implementados. Carlos Manuel Gonçalves

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circunscritos, mesmo nos sectores industriais historicamente tradicionais - o têxtil, do vestuário, por exemplo - que tendem a colmatar aquele défice e contribuir para uma alteração sustentada de alguns dos eixos do padrão de especialização produtiva. No espaço económico do Norte, o contributo do sector secundário para o VAB regional vem diminuindo (46,1% em 1980, 35,3% em 2003). Em especial nos anos noventa, verifica-se uma tendência para o incremento dos processos de desindustrialização por via da falência de empresas ou pela sua deslocalização para outros contextos geográficos europeus, atingindo predominantemente os ramos do têxtil e do vestuário que estão, presentemente, sujeitos a uma forte concorrência por parte dos países industriais emergentes, como a República Popular da China. Ao longo dos últimos vinte anos, o sector dos serviços ao nível da região Norte, mas igualmente do país, aumentou substancialmente a sua capacidade de criação de emprego, absorvendo cerca de metade da mão-de-obra da região, em 2001. A intensificação da terciarização - outro dos importantes processos de recomposição sócio-económica da região - deu-se principalmente pela incorporação das mulheres na respectiva força de trabalho (representavam 46,2% em 1981 e 51,6% passados dez anos). Saliente-se ainda que a região agregava unicamente 29,4% do total do sector a nível nacional. Subsistindo, portanto, espaço económico para o crescimento das actividades terciárias, desejavelmente as que se baseiam em I&D e em produtos e em serviços de alto valor acrescentado, tal não tem acontecido até ao momento, de modo notório. Na recomposição do sector, tem um papel importante a implementação de unidades comerciais de grande dimensão. Por outro lado, a expansão dos serviços e das funções do Estado e das Autarquias, embora assimetricamente distribuídas pelo território da região, concorreram para a sedimentação dos serviços. Como consequência do aumento da terciarização, e da quebra dos outros dois sectores, o contributo do sector para o VAB regional aumentou significativamente (de 46,1%, em 1980 para 62,1%, em 2003). Como defendemos antes, uma das importantes recomposições do mundo laboral, ao nível da região concretizou-se pelo importante incremento da participação da mulher. Simultaneamente, verificamos que um outro eixo de transformação se encontra na recomposição socioprofissional da população empregada. Quanto à evolução da estrutura do emprego por grandes grupos profissionais são expressivas as alterações ocorridas nos anos noventa do século passado na região Norte e no país. Alterações que resultam, num primeiro plano, da redistribuição do peso do emprego pelos sectores de actividade económica na região acima apontada. Processos que, por sua vez, se entrecruzam, recordese, com os processos de inserção espacial da população - o reforço da litoralização (e simultaneamente da desertificação produtiva e humana de vários territórios, com particular relevo para o interior) e da urbanização -, com as dinâmicas demográficas e as de escolarização, como também com

a

recomposição da estrutura socioprofissional. Face a esta recomposição, e na região Norte, o volume de Dirigentes e o seu correspondente peso na estrutura quase duplica entre 1991 e 2001 (Quadro 5), verificando-se tendência idêntica para as Profissões Intelectuais e Científicas e para as Profissões Técnicas Intermédias, sem, contudo, neste último caso se atingir a amplitude dos grupos anteriores. A expansão destes grupos, em termos de volume e de importância relativa, no seio da estrutura do emprego, é consequência de vários processos, Carlos Manuel Gonçalves

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nem sempre simultâneos no tempo e com tensões e contradições entre si. Em primeiro lugar, a modernização organizacional e tecnológica de alguns dos segmentos do tecido empresarial consequência de um aumento da competitividade, do investimento estrangeiro, da internacionalização dos mercados, da terciarização, entre outros aspectos - fortemente mobilizadora de novos conhecimentos científicos e técnicos formais e complexos, provenientes de uma formação escolar estruturada e longa e de uma formação profissional contínua, traduziu-se na contratação de um número crescente de sujeitos com um nível elevado de qualificações académicas, estatutariamente assumidos como profissionais. Por sua vez, a modernização de sectores da burocracia estatal, pautada por uma mobilização da tecnicidade e das actividades de gestão e processamento da informação tão peculiares da designada sociedade da informação e do conhecimento, e a expansão e diversificação das áreas e das acções do Estado, por vezes no sentido do desenvolvimento das estruturas de um Estado-Providência, embora marcado pela insuficiência e fragmentação (Mozzicafredo, 1998), também concorreram para o aumento de empregos estatais para profissionais, em particular com formações académicas nas áreas da educação, saúde, serviços sociais e direito. Em segundo lugar, do lado da procura de emprego, assistese à crescente produção pelo sistema de ensino superior (universidades e politécnicos) de diplomados e o seu consequente afluxo ao mercado de trabalho no decorrer dos últimos quinze anos, com o consequente acréscimo dos níveis de escolaridade da população activa. Todavia, o peso relativo das Profissões Intelectuais e Científicas e das Profissões Técnicas Intermédias na região Norte permanece abaixo do respeitante aos mesmos grupos para Portugal, o que denota uma fragilidade desta quanto à existência de população empregada com elevadas qualificações académicas e profissionais. Quadro 5 Indicadores sobre os grandes grupos profissionais % dos grandes grupos profissionais % de mulheres 1991 2001 2001 1991 2001 2001 1991 1991 Grupos de Profissões Região Portugal Região Portugal Região Portugal Região Portugal Norte Norte Norte Norte Dirigentes 4,4 4,3 7,1 7,0 21,7 22,3 30,4 31,1 Profissões Intelectuais e Científicas 4,2 5,6 7,1 8,6 48,8 49,2 57,0 56,9 Profissões Técnicas Intermédias 6,1 7,5 8,3 9,6 53,8 53,1 45,5 47,1 Empregados Administrativos 8,6 10,7 9,3 11,1 47,6 52,7 56,9 61,2 Pessoal dos serviços 10,8 13,6 12,2 14,3 43,7 47,1 56,2 58,2 Trabalhadores agrícolas, da floresta e da 9,2 8,6 4,1 4,1 39,3 33,9 32,6 31,2 pesca Operários industriais 42,2 32,8 38,6 30,3 33,7 24,9 29,9 21,7 Trabalhadores não qualificados 14,5 16,9 13,2 15,1 57,8 56,6 65,1 65,5 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 41,3 40,4 43,6 44,4 Fonte: INE, Recenseamento Geral da População. Categorias dos grupos profissionais adoptadas cf. Machado e Costa (1998)

A par do aumento da importância dos profissionais, sedimenta-se a posição dos grupos dos Empregados Administrativos e do Pessoal dos Serviços consequência do processo, mais vasto, de terciarização da actividade económica na região, não obstante os correspondentes valores se manterem Carlos Manuel Gonçalves

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inferiores aos nacionais. Os Operários Industriais perderam peso na estrutura do emprego, de modo mais expressivo na região do que no país, consequência da intensificação da desindustrialização. A quota de Trabalhadores não qualificados mantém-se ainda importante, configurando-se como um sinal explícito da debilidade qualificacional da estrutura ocupacional, paradoxalmente com valores inferiores ao todo nacional. Um outro olhar a partir da categoria género poderá ser lançado sobre as tendências apontadas da estrutura ocupacional na região Norte e em Portugal. Do Quadro acima registam-se os fortes crescimentos da taxa de feminização nos Dirigentes, nas Profissões Intelectuais e Científicas15, tanto para Portugal como para a região. No caso das Profissões Intelectuais e Científicas, o emprego feminino acabou mesmo por superar o masculino, em 2001 - dado histórico relevante. Registam-se aumentos das proporções das mulheres nos Empregados Administrativos e no Pessoal dos Serviços, para os quais contribuiu, embora com menor relevância quantitativa, o decréscimo do volume de homens. A diminuição dos Operários Industriais fez-se sentir de modo diferenciado, conforme o género. Quer para Portugal, quer para a região Norte, em 2001, ampliou-se o peso dos homens e a um abaixamento, ligeiro, da respectiva taxa de feminização. No entanto admitimos que, no caso da região Norte, tal facto resulta do processo de desindustralização que se verificou nos anos noventa do século passado, por ter sido feito à custa do encerramento de empresas e da retracção do volume de assalariados, em contextos de redefinição técnica ou organizacional, onde predominavam operárias, como sejam as empresas de vestuário (fortemente caracterizadoras da paisagem industrial dos territórios da região onde a indústria transformadora tem uma maior presença). No conjunto do grupo dos Trabalhadores agrícolas, da floresta e da pesca, as mulheres são proporcionalmente

mais

penalizadas

com

o

intenso

movimento

de

declínio

observado.

Tradicionalmente, incluem-se no grupo das ocupações maioritariamente ocupadas por homens, o que persiste na actualidade. Todavia, a desvalorização do papel económico e profissional que atravessa as relações de género no seio de tais ocupações não deixa de induzir, no momento de identificação e de caracterização ocupacional das mulheres, a uma sua sub-representação. Por último, a ampliação da taxa de feminização dos Trabalhadores não qualificados (categoria agregativa de indivíduos com ocupações pouco qualificadas na agricultura, na indústria e nos serviços), que evoluiu negativamente para os homens e de modo contrário para as mulheres, em termos de volume, poderá ser interpretada com uma tendência socialmente penalizante e contrastante com a intensa participação das mulheres nos grupos ocupacionais mais qualificados. 3. Tendências recentes do desemprego Permeando as notórias recomposições sociais que caracterizaram a evolução da população inactiva, activa e empregada da região Norte nos anos oitenta e noventa, dos quais demos conta nos seus aspectos principais nos pontos anteriores, observa-se o incremento da segmentação, flexibilização 15

Sublinhe-se que as mulheres são responsáveis por 66,7% do crescimento que se verificou nas Profissões Intelectuais e Científicas na região Norte, entre 1991 e 2001, e por 67,7% no respeitante a Portugal.

Carlos Manuel Gonçalves

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e precarização da mão-de-obra. Mais propriamente, ampliou-se o volume e o peso relativo das formas atípicas de emprego (em ruptura com as formas típicas da relação salarial fordista) - falsos independentes, contratos de trabalho a termo certo, trabalho temporário e emprego a tempo parcial e, em determinados momentos, trabalho informal ou clandestino (mobilizando nos últimos anos população imigrante). Formas que se identificam pela sua precariedade e pela insegurança a que submetem a vida dos assalariados. Grosso modo, no início dos anos noventa, o peso dos trabalhadores a tempo parcial e com um contrato laboral a termo certo eram respectivamente de 4,5% e 9,3%, registando-se em 2005 valores bastante superiores, 10,0% e 17%16. Tendência idêntica regista-se para a globalidade do país. São formas atípicas de emprego que afectam mais as mulheres e os jovens com baixas qualificações escolares e profissionais e que concorrem para a segmentação do mercado de trabalho e para a (re)produção de situações de desigualdade social. Formas que, por outro lado, são instrumentos de flexibilização quantitativa do emprego, em termos do seu volume, custos e tempo de trabalho, os quais são considerados pelos defensores das teses neoliberais sobre quer a economia e a vida societal, quer a desregulamentação do mercado de trabalho, como fundamentais, senão mesmo cruciais, para o crescimento e para a manutenção da competitividade das empresas, no contexto de globalização e internacionalização das trocas comerciais (Gonçalves, 2003). Nos últimos quinze anos, na região e no país, o desemprego ciclicamente aumentou, atingindo valores mais elevados que no passado entre 1994 e 1997 (cerca de 6%), para inverter essa tendência nos anos imediatamente subsequentes. A partir de 2002 é patente, mais uma vez, um forte e continuado agravamento do desemprego no país, atingindo a taxa de desemprego, em 2006, 8,9% (175,8 mil indivíduos uma variação de 131,3%) superior 1,2 p.p. à média nacional. Quadro 6 Indicadores sobre o desemprego para a região Norte e para Portugal 2000 RN Port

2001 R.N Port

2002 R.N Pot

2003 R.N Port

2004 R.N Port

2005 R.N Port

2006 R.N Port

Taxa de actividade 51,3 51,1 52,3 51,7 51,4 52,2 51,9 52,3 52,0 52,2 52,7 52,5 52,9 52,8 Empregados (milhares) 1770,5 4908,5 1825,5 4989,1 1802,3 5106,5 1793,8 5118,0 1794,0 5122,8 1797,9 5122,6 1805,3 5159,5 Taxa de Emprego 60,4 59,1 61,6 59,6 59,1 58,4 58,3 58,2 57,7 57,8 57,5 57,4 57,6 57,7 Desempregados (milhares) 76,0 205,5 69,7 213,5 92,8 270,5 130,8 342,3 148,7 365,0 174,0 422,3 175,8 3134,4 Taxa de Desemprego 4,1 3,9 3,7 4,0 4,9 5,0 6,8 6,3 7,7 6,7 8,8 7,6 8,9 7,7 Taxa de Desemprego Masculina 3,4 3,1 3,0 3,2 4,1 4,1 5,8 5,5 6,9 5,8 7,5 6,7 7,1 6,5 Taxa de Desemprego Feminina 5,0 4,9 4,4 5,0 5,9 6,0 8,0 7,2 8,6 7,6 10,4 8,7 10,9 9,0 Taxa de Desemprego (15-24 anos) 8,1 8,0 6,5 8,7 10,8 11,6 13,6 14,5 15,3 15,3 15,8 16,1 16,9 16,3 Taxa de DLD 1,9 1,7 1,6 1,6 1,9 1,9 2,6 2,4 3,8 3,1 4,8 3,8 4,9 4,0 % de DLD no total dos desemp. 45,4 43,7 42,2 40,0 38,9 37,2 38,3 37,8 49,1 46,3 54,1 49,9 55,5 51,7 Desemp. à procura do 1º emprego (%) 13,9 13,3 17,6 16,2 17,0 15,2 15,5 13,5 15,0 13,5 14,7 13,9 15,8 13,7 Desemp. à procura de novo emprego (%) 86,1 86,7 82,4 83,8 82,7 84,8 84,5 86,5 85,1 86,5 85,3 86,1 84,2 86,3 Fonte: INE, Inquérito ao Emprego.

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Segundo dados do Inquérito ao Emprego do INE. A estas formas atípicas e precárias de emprego teremos que agregar o trabalho domiciliário, o trabalho clandestino em que se integra o trabalho infantil (ainda com alguma expressão em zonas da região Norte), o trabalho temporário, para além do trabalho familiar não remunerado. Carlos Manuel Gonçalves

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O agravamento recente do desemprego está fortemente relacionado com as crescentes dificuldades que a economia portuguesa começou a experimentar no passado recente. Após 2000, a economia deixou de convergir com a média da União Europeia (UE), entrando em crise, registando-se uma ligeira retoma em 2006. A região Norte nos anos mais recentes tem sido mais penalizada pelo desemprego (com taxas de desemprego superiores às nacionais) (Gonçalves, 2005). Algumas das vulnerabilidades económicas e sociais da região - como, por exemplo, o padrão de especialização produtiva, em parte dependente de actividades que sofrem uma forte concorrência de economias estrangeiras, uma parcela importante do tecido empresarial debilmente inovador e concorrencial, a perda de competitividade assente unicamente nos baixos salários, os níveis baixos de escolarização e de qualificação profissional da população activa - reforçadas pela quebra da performance económica global do país têm gerado, no conjunto, o avolumar do desemprego. O fechamento do mercado de emprego estatal, por razões de contenção orçamental, tornou ainda mais difícil a (re)inserção laboral dos desempregados. As mulheres e os jovens (15-24 anos) são mais vulneráveis ao desemprego. No caso destes, o valor da taxa é o dobro da nacional. Este facto é uma regularidade presente nas dinâmicas do mercado de trabalho. Embora seja de reter o peso do desemprego de inserção (que abrange fundamentalmente jovens recém-saídos do sistema de ensino), o segmento daqueles que procuram um novo emprego é fortemente significativo (ascendiam a 76,7 milhares em 2002 e 175,8 milhares, em 2006). Evolução que é a manifesta tradução da conjugação entre o encerramento de empresas (algumas no quadro dos processos de deslocalização produtiva e de desindustrialização), as reorganizações tecnológicas e produtivas e a ausência de criação de emprego que compense os fluxos para o desemprego17. Concomitantemente, o volume, a proporção de desempregados de longa duração (1 ano e mais no desemprego) e a respectiva taxa expandiram-se significativamente (actualmente esta é cerca do dobro da referente ao ano de 2000). Neste aspecto, a região Norte apresenta valores superiores à média nacional. Alguns apontamentos finais No presente texto reflectimos sobre as principais tendências de transformação do mercado de trabalho na região Norte, no pós início da década de oitenta do século passado. Não nos parece ocioso, retomar, embora de modo esquemático, algumas dessas tendências. Em primeiro lugar, salientar que as mudanças sócio-económicas que se perfilaram ao longo do nosso arco temporal de análise são prolongamentos de tendências iniciadas nos anos sessenta e setenta e que, não obstante assumindo especificidades territoriais no espaço nacional, vão ser profundamente estruturantes da sociedade portuguesa no sentido da sua modernização. Referimo-nos, especialmente na nossa região, aos processos de urbanização, intensificados pela sub-urbanização, de litoralização, de desruralização dos espaços do interior acompanhada pela desertificação humana. 17

Entre 2002 e 2006, a Indústria Transformadora na Região Norte perdeu 35,4 mil empregos, cerca de metade do total da perda a nível nacional que foi de 63,4 mil empregos. Cf. INE, Inquérito ao Emprego. Carlos Manuel Gonçalves

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As parciais especificidades do Norte em termos de dinâmicas demográficas, da conjugalidade e da tendência de envelhecimento da população (embora persista como a região com mais elevada proporção de jovens) deixam antever que, face ao país, não estamos perante tendências dissemelhantes, mas somente face a ritmos desiguais. Particularidades sócio-culturais e políticas enformadoras de algumas zonas do Norte poderão ser avançadas como explicativas de tal situação. Concomitantemente a tais dinâmicas, desenrolou-se um importante processo de recomposição da população sem actividade económica – aumento da importância relativa dos reformados, decréscimo das domésticas e o aumento da população escolar, embora no passado recente por razões demográficas tenha havido uma redução. Em termos de mercado de trabalho, entrecruzam-se, reforçando-se mutuamente, o acréscimo da população activa e a importante crescente feminização da mão-de-obra. A maior participação das mulheres no mundo laboral das empresas e das organizações públicas é, sem dúvida, um dos traços de recomposição social que marcam a região nas últimas décadas. A par disto transforma-se profundamente a repartição sectorial do emprego com o decréscimo do volume da população empregada na agricultura, a redução dos empregados na indústria nos últimos anos (que ainda se apresenta como um dos elementos caracterizadores do padrão de especialização produtiva da região), expressando o movimento da desindustrialização com especial relevância ao nível dos sectores industriais mais tradicionais, e mantendo uma importante capacidade exportadora, e a intensificação da terciarização, fortemente empregadora de mulheres. O emprego industrial e de serviços está fortemente concentrado na zona mais litoral da região, sendo patente nos territórios mais do interior uma rarificação desse tipo emprego, assumindo aí um papel importante o assalariamento gerado pelos organismos regionais e locais do Estado. Subsiste a proeminência de um tecido empresarial e produtivo marcado por debilidades acentuadas em termos de produtividade, de capacidade de inovação, em termos de produtos e de processos de organização, de uma acentuada mono-especialização (têxteis e vestuário), com baixos salários e com a mobilização de segmentos da mão-de-obra com fracos níveis de qualificação académica e profissional. Todavia, e por força do incremento da escolarização da população da região, vimos assistindo a mudanças positivas desta situação com uma mais ampla incorporação de população empregada, nas organizações, públicas e privadas, mais qualificada e dominando um corpus de conhecimentos científicos e técnicos cruciais para o aprofundamento da modernização do tecido económico e social. Nos últimos anos, a coesão social da região, já de si marcada por relevantes assimetriais, em termos de rendimentos das famílias e da acessibilidade a determinados bens e serviços, por exemplo, encontra-se abalada pela expansão do desemprego e principalmente do DLD. Os trabalhadores menos qualificados, em termos académicos e profissionais, e mais idosos, as mulheres, e os jovens são presentemente vulneráveis à quebra do emprego, vivenciando obstáculos para a sua (re)inserção na condição de empregado, num contexto marcado por uma ainda não sustentada recuperação económica.

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Porto, Março de 2007 Carlos Manuel Gonçalves

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