Transformações e perspectivas para a área central do Rio de Janeiro: a ação do poder público municipal (2009)

June 2, 2017 | Autor: J. Monteiro | Categoria: Urban Studies, Rio de Janeiro, Urban Renewal I Downtown Areas
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XIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL 25 a 29 de maio de 2009 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS PARA A ÁREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO: A AÇÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL

João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro (IPPUR/UFRJ) - [email protected] Mestrando em Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ

Transformações e Perspectivas para a Área Central do Rio de Janeiro: a Ação do Poder Público Municipal O trabalho, em andamento, busca realizar uma leitura crítica sobre os projetos urbanos elaborados pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro para a sua área central a partir dos anos 1990. Analisa-se o discurso do novo paradigma do planejamento urbano orientado pela criação de políticas públicas baseadas no empreendedorismo e na criação dos espaços de memória da cidade, identificando o contexto de seu surgimento e os atores responsáveis pela sua difusão em escala planetária. Selecionamos alguns dos projetos realizados pelo poder público municipal que exemplificam a aplicação destes instrumentos no espaço urbano carioca, ressaltando a importância da área central da cidade como espaço privilegiado para a materialização destes projetos. Ao final, tratamos das implicações sociais deste novo modelo de planejamento urbano e suas repercussões para o futuro da cidade e de seus cidadãos.

Introdução O presente artigo busca realizar uma leitura crítica sobre os projetos elaborados pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro para a sua área central a partir dos anos 1990. Desde o século XIX o Rio de Janeiro serviu de inspiração para inúmeras propostas de intervenção urbanística que pretendiam adaptar a cidade às diferentes exigências colocadas em cada período. Estas reflexões sobre a constituição de um modelo ideal para a cidade foram expressas principalmente a partir da confecção de planos urbanos e pela criação de legislações voltadas para o uso e ocupação do solo. Em 1848, o relatório encomendado pelo poder público e confeccionado por Henrique de Beaurepaire Rohan inaugura esta tradição. Posteriormente, no início do século XX, a reforma urbana levada a cabo pelo prefeito Pereira Passos tornou-se emblemática para as futuras propostas de intervenção no espaço da cidade. No século XX podemos identificar outros projetos encomendados pelo poder público que buscavam constituir novas formas e conteúdos para o Rio de Janeiro. Entre eles destacam-se o Plano Agache, produzido pelo urbanista francês Alfred Agache entre os anos 1926 e 1930, o Plano Doxiadis, produzido pelo escritório do urbanista grego Constantino Doxiadis em 1965, e o PUB-Rio, desenvolvido a partir de 1977 pelos técnicos da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro. É interessante observarmos que a área central da cidade destaca-se como espaço de excelência para a maioria das propostas de intervenção elaboradas. Esta congruência de esforços está relacionada com o fato de que este núcleo central ter sido o espaço da cidade mais densamente ocupado, e por concentrar boa parte das atividades econômicas, políticas e culturais do Brasil em diferentes momentos de sua história. Desta forma, agrega-se neste território um conjunto de materialidades e simbolismos que o diferencia dos demais bairros da cidade, transformando-o em um espaço de intervenção privilegiado para as ações do poder público. No século XX, as transformações urbanas implementadas pelo prefeito Pereira Passos e, posteriormente, as obras de abertura da Avenida Presidente Vargas, sob o comando do Estado Novo, causaram grande impacto na dinâmica social da área central: observa-se um esvaziamento populacional impulsionado pela facilitação de ocupação de novos bairros nas zonas sul, norte e subúrbios da cidade. Neste cenário, que inclui a perda relativa de algumas de suas funções tradicionais, o centro do Rio de Janeiro deixa de ser um espaço privilegiado para intervenções do poder público e do capital, que passam a priorizar seus investimento em outros bairros da cidade, exceto quanto à construção de

edifícios comerciais de escritórios e quanto à criação de uma malha viária articuladora das zonas sul e norte da cidade. Este processo de abandono propiciou a ocupação de edificações deterioradas por populações de baixa renda e transformou a área central num espaço estigmatizado pela violência, insalubridade e deterioração. O final do século XX trouxe novidades quanto aos métodos e práticas de intervenção do poder público no espaço urbano. Assiste-se a um abandono da elaboração dos grandes planos que pretendiam abarcar todo o espaço da cidade através de propostas de zoneamento e legislação urbanística. Restringe-se também o ideário de grandes obras, que buscavam dar novas formas e conteúdos à cidade. São privilegiadas agora intervenções pontuais, muitas vezes temáticas, que proclamam-se estratégicas e dinâmicas, e pregam a descentralização e maior participação da comunidade. Esta tendência é acompanhada por uma valorização do passado das cidades, através de projetos que buscam a preservação e restauração de vestígios urbanos classificados como patrimônios históricos e culturais. A partir dos anos 1980, a área central da cidade volta a fazer parte do rol de espaços privilegiados para investimentos da prefeitura, inserindo-a de forma gradual neste novo paradigma de produção do espaço urbano. Neste período, observa-se o surgimento de incentivos para a recuperação de imóveis do conjunto arquitetônico denominado “corredor cultural”, criado em 1984 pela administração do então prefeito Marcello Alencar. Nos anos 1990, esta nova forma de “fazer cidade” ganha força e pode ser observada pelas propostas elaboradas pela prefeitura sob a administração César Maia em seus três mandatos (entre os anos de 1993 e 2008, excetuando os anos entre 1997 e 2001, quando foi sucedido pelo seu ex-aliado Luiz Paulo Conde). Inúmeros trabalhos acadêmicos apontam a ocorrência do fenômeno do chamado “retorno ao centro” em cidades de todo mundo, experiência muitas vezes denominada como gentrification, “requalificação” ou “revitalização” de áreas centrais. Em muitos destes casos, identifica-se uma convergência discursiva onde a reestruturação de áreas centrais degradadas promoveria o desenvolvimento econômico e social das cidades a partir da aplicação de um receituário de intervenções urbanas baseado na preservação do patrimônio histórico-cultural, no city-marketing, na competitividade urbana e na necessidade de atração de investimentos do terceiro setor da economia, tais como turismo e empresas de alta-tecnologia. A ocorrência destes processos estaria fazendo surgir novas relações entre o poder público, as populações “requalificadas” e o capital imobiliário, constituindo novas dinâmicas na área central das cidades e gerando

significativas repercussões no espaço urbano como um todo. Baseando-se em leituras que demonstram estas experiências em diversas cidades e partindo de uma análise do material institucional publicado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, este trabalho pretende realizar uma leitura crítica dos processos em curso, dando ênfase para análises dos projetos e planos elaborados para a área central da cidade a partir dos anos 1990, e que exemplificariam algumas das modificações ocorridas neste espaço. Observamos que as propostas estudadas são orientadas pelos pressupostos discursivos de duas tendências mundiais de reestruturação do espaço urbano: de um lado, propostas de caráter preservacionista e de cunho cultural, objetivando acionar espaços da história e da memória da cidade através da instalação de museus, centros culturais e espaços de entretenimento e, do outro lado, intervenções do tipo tabula rasa, apregoando a substituição das edificações e infra-estruturas existentes por outras, de forma a viabilizar o processo de inserção da cidade do Rio de Janeiro no cenário internacional, criando um ambiente propício para sua elevação à “cidade global”. O artigo divide-se em três partes. No capítulo inicial, será realizada uma análise discursiva deste novo paradigma do planejamento urbano orientado pela criação de políticas públicas baseadas no empreendedorismo e na criação dos espaços de memória da cidade, identificando o contexto de seu surgimento e os atores responsáveis pela sua difusão em escala planetária. Em seguida, selecionaremos alguns dos projetos realizados pelo poder público municipal que exemplificam a aplicação destes instrumentos no espaço urbano carioca, ressaltando a importância da área central da cidade como espaço privilegiado para a materialização destes projetos. Ao final do artigo, trataremos das implicações sociais deste novo modelo de planejamento urbano e suas repercussões no futuro da cidade e de seus cidadãos.

A ascensão de um novo modelo de planejamento urbano No último quartel do século XX, assistimos a uma transformação das políticas públicas implementadas pelas administrações urbanas de algumas grandes cidades do mundo capitalista. Novas leituras sobre a dinâmica urbana foram acompanhadas pela criação de novas práticas de ação sobre o espaço urbano, vindo a complementar, ou substituir, o modelo de planejamento de filiação modernista vigente até então. Utilizando-se do discurso do planejamento racional e apoiando-se na figura do Estado, o planejamento urbano modernista acreditou poder evitar as disfunções do mercado, como o desemprego, e assegurar o desenvolvimento econômico e social. A utopia igualitária

modernista pretendia-se capaz de assegurar os meios necessários para a criação de novas formas de associação coletiva, de hábitos pessoais e de vida cotidiana (HOLSTON, 1993). Neste sentido, o urbanismo e a arquitetura apresentaram-se como heróis, salvadores de uma sociedade em degeneração. No final do século XX várias transformações políticas, econômicas e culturais declararam a ruína deste modelo de pensamento e ação sobre as cidades. Considerado ineficaz, burocrático e anti-democrático, o planejamento urbano modernista é desmontado, e com ele boa parte de seu aparato técnico e burocrático. Harvey (1996) identifica inúmeras causas geradoras destas mudanças, entre elas a crise econômica nas sociedades capitalistas na década de 1970, a desindustrialização, o desemprego, a austeridade fiscal, combinados com uma onda de neoconservadorismo e um apelo forte à racionalidade de mercado e de privatização. Assinala também a maior ênfase no poder local vide o enfraquecimento do Estado-Nação no controle de fluxos monetários internacionais. Após um breve período de silêncio, onde o planejamento urbano parece ter desaparecido da pauta de discussões acadêmicas e políticas, nos anos 1980 assiste-se a um reflorescimento da temática, através da insurgência de um novo paradigma que se diz capaz de dar condições às administrações locais de enfrentar os desafios da avassaladora crise social e econômica. Neste sentido, creditam às cidades o papel de promoção do desenvolvimento social e econômico de seus cidadãos, visto que o esfacelamento do Estado-Nação gera o declínio de muitas de suas atribuições, inclusive as políticas de bem-estar social. No Brasil, a crítica ao planejamento autoritário do regime militar fez com que a temática fosse deixada de lado no período de redemocratização política do país. Somente no final dos anos 1990 assiste-se a uma retomada das discussões no âmbito do planejamento urbano, culminando na obrigatoriedade da formulação de planos diretores municipais e, neste início do século XXI, na criação do Ministério das Cidades. Segundo Compans (2005) este novo padrão de comportamento dos governos locais, denominado empreendedorismo urbano, está baseado na promoção do “desenvolvimento econômico” (tanto na modernização de infra-estrutura quanto na supressão de enclaves burocráticos ou legais à valorização de capitais privados), na participação crescente do setor privado na gestão de serviços e equipamentos públicos, na busca de construção de um consenso social em torno das prioridades de investimentos e na introdução de uma racionalidade empresarial na administração de negócios públicos.

O discurso baseado no reconhecimento de uma crise urbana, no enfraquecimento do Estado-Nação e nas possibilidades de ganho com o fenômeno da globalização dá legitimidade aos poderes locais quanto à implementação de novos instrumentos que supõem alcançar o desenvolvimento local e garantir o bem-estar dos seus cidadãos. Entre as possibilidades de novos instrumentos colocados à disposição do poder local podemos destacar a confecção de planos estratégicos, o city-marketing, a construção de infra-estrutura relacionada às necessidades do chamado “terceiro setor avançado” e a construção de espaços de memória urbana através da seleção dos chamados “patrimônios histórico-culturais”.

Os novos instrumentos de planejamento urbano Partindo de uma crítica ao modelo modernista de planejamento urbano, estes novos instrumentos de intervenção apresentam-se como mais adaptados às necessidades do terceiro milênio, dando forma ao discurso único produzido a respeito das estratégias de desenvolvimento local. Entre as principais construções argumentativas intrínsecas a estes instrumentos, observase aquela que afirma a necessidade de alinhamento dos poderes locais à ideologia capitalista neoliberal, tida como vitoriosa frente ao colapso do socialismo na Europa Oriental. Neste contexto, torna-se relevante o papel dos capitais privados na promoção do desenvolvimento da cidade, transformando-os em parceiros das comunidades locais na busca do bem-estar geral. Ao poder público atribui-se o papel de acompanhamento do desenvolvimento urbano, criando as condições que permitam a intervenção dos atores privados onde eles ainda o desejassem e de atuar onde a lógica privada não pudesse resolver sozinha um problema de organização da infra-estrutura. Dessa forma, as coletividades locais constituem um mercado de peso para toda espécie de empresa, como grupos industriais e de serviços, capazes de gerir toda sorte de empreendimentos em construção civil e serviços (ASCHER, 1994). A exemplo da ideologia neoliberal, não abre-se mão de uma clara e decisiva intervenção estatal, desde que voltado para os interesses do mercado (VAINER, 2002). Neste contexto, admite-se a utilização de determinados recursos, capazes de reverter o quadro de crise colocado à administração municipal e ao espaço urbano, tais como: a) as parcerias público-privado, que resolveriam algumas mazelas da administração pública, entre elas a escassez de recursos para financiamento de infra-estrutura urbana e para os novos investimentos considerados estratégicos para o desenvolvimento econômico local, a baixa capacidade de legitimação

e coesão social das instituições representativas tradicionais e a ineficiência das organizações burocráticas na prestação de serviços públicos (COMPANS, 1998); b) a criação de empregos e investimentos em setores como turismo, cultura e empresas de alta tecnologia, visto que a tradicional indústria fordista estaria perdendo cada vez mais relevância devido ao processo de reestruturação produtiva; c) a necessidade de especialização financeira e de serviços avançados nas cidades, do papel determinante das telecomunicações para centralização das funções de comando e controle sobre uma rede de fluxos econômicos em escala planetária (COMPANS, 1999); d) a necessidade de flexibilização da legislação de uso e ocupação do solo; e) a existência de centros educacionais adequados à formação de força de trabalho altamente qualificada e instituições de pesquisa aplicada; f) a construção de um moderna infra-estrutura de transportes e comunicações, promoção de eventos culturais, esportivos e de negócios; g) a promoção da eficiência na administração pública e qualidade de vida dos cidadãos; e h) a produção de imagens associadas a padrões de consumo como um elemento diferencial na competição das cidades pela atração das empresas, do qual resultarão estratégias de marketing e de embelezamento urbanos (COMPANS, 1999). Dessa forma, estariam as cidades aptas a concorrer no disputado mercado de “cidades globais”. A disseminação do paradigma das “cidades globais” surge como um projeto necessário à superação dos problemas urbanos, tornando a função de comando e de produção de serviços altamente especializados um objetivo comum a ser perseguido por todas as localidades que pretendem inserir-se nos fluxos econômicos globais. Proporciona-se assim uma visão promissora sobre o futuro das cidades na era da globalização, sugerindo uma autodeterminação competitiva, na medida que atribui-se a fatores endógenos o desenvolvimento por elas alcançado, desde que saibam interpretar as dinâmicas econômicas dominantes e as possibilidades de nichos de mercado que possam ser exploradas (COMPANS, 1999). O objetivo não é mais de prever o crescimento das cidades, de programar a construção de habitações populares ou de reservar espaços para a construção de equipamentos; agora o poder público tem como objetivo mobilizar as elites locais a fim de conceber uma posição estratégica da cidade face a um ambiente instável e concorrencial, de identificar as vocações, as vantagens comparativas, e o que a cidade pode oferecer de valor no mercado mundial (PINSON, 2007). Todas ou boa parte destas iniciativas encontram-se contempladas nos projetos denominados “planos estratégicos” de cidades, criados para ocupar o trono deixado vazio pela derrocada do tradicional padrão tecnocrático-centralizado-autoritário (VAINER,

2002). Os planos estratégicos são uma variação do gerenciamento estratégico empresarial, baseado na identificação de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças de uma empresa em relação ao seu ambiente de ação, estabelecendo uma estratégia diante dessas questões segundo metas e objetivos definidos (OLIVEIRA, 1999). Argumenta-se que, pelo fato das cidades estarem submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas, é necessária a elaboração deste tipo de documento. Identifica-se assim a convergência entre governantes, burocratas e urbanistas em torno de uma espécie de teorema-padrão, no qual as cidades só se tornarão protagonistas privilegiadas se forem devidamente dotadas de um plano estratégico, capaz de gerar respostas competitivas e imediatas aos desafios da globalização, e isto a cada oportunidade de renovação urbana que porventura se apresente na forma de uma possível vantagem comparativa a ser criada (ARANTES, 2002). Num contexto em que a “crise urbana” é tomada como um sentimento geral dos cidadãos, os planos estratégicos surgiriam como elemento integrador da sociedade local, promovendo um “patriotismo da cidade” (VAINER, 2002). Desta maneira, os conflitos entre os diversos atores e entre as classes sociais seriam minimizáveis ou contornáveis, pelo menos no que diz respeito à construção de “interesses comuns” (OLIVEIRA, 1999). Esta busca pela integração social em meio à crise urbana também pode ser encontrada como argumento nos projetos de preservação da memória da cidade através da delimitação de espaços da memória e requalificação/revitalização de edifícios considerados patrimônios históricos e culturais. Numa tentativa de recompor os vínculos orgânicos que o deserto modernista fizera, estas políticas preservacionistas dizem estar recuperando valores esquecidos, consolidando tradições e reconquistando identidades locais, num esforço de salvação da cidade, da urbanidade, da vida pública perdida, em lugares escolhidos a dedo por sua deterioração ou por seu significado para a população local, servindo de ponto de irradiação que viesse a requalificar o entorno (ARANTES, 1998). O importante, segundo o discurso que as sustenta, é que motivem dinâmicas transformadoras, que sejam alavancas para o desenvolvimento. O papel outorgado às renovações urbanas associado à chamada oferta cultural (museus, centros culturais, espaços de entretenimento) tem construído as principais imagens de representação da internacionalidade das urbes, vitrines dos lugares que se pretendem mundializados. Isso leva muitos governantes a se moverem pela pedra de toque da monumentalidade espetacular (SANCHEZ, 2004), onde a cultura torna-se um elemento fundamental, tanto na promoção do desenvolvimento das cidades, funcionando como uma isca para a

captura de capitais, quanto na construção de uma imagem de cidade para os seus cidadãos. Assiste-se assim a multiplicação de museus, parques e complexos arquitetônicos que assegurem a quem de direito que se está entrando numa world class city (ARANTES, 2002.). Todas estas mudanças no paradigma de organização/produção do espaço urbano têm como conseqüência uma modificação na escala do planejamento da cidade. Ao invés de buscar ordenar o crescimento urbano, interessa agora circunscrever projetos a áreas específicas, como as áreas centrais ou as antigas zonas industriais e portuárias, nas quais se pudesse garantir uma rentabilidade atraente ao investimento privado, promovendo assim o desenvolvimento da localidade. Esta nova lógica baseada na atratividade do capital privado gera uma crescente seletividade e fragmentação espacial da intervenção pública na cidade, levando ao abandono gradativo do planejamento normativo, com planos diretores e leis de zoneamento, e à sua substituição por acordos negociados com investidores “projeto a projeto” (COMPANS, 2004). Ocorre então um fracionamento de formas concretas de urbanização e de reestruturação urbana, que passam a corresponder às lógicas operantes dos atores privados. Assim, as cidades são feitas a golpes de projetos, de pedaços, o seja, de operações com contornos definidos, substituindo-se em parte as lógicas do zoneamento e de setorização do período precedente (ASCHER, 1994).

Área central do Rio de Janeiro: espaço privilegiado para a aplicação dos novos instrumentos Ao supor a falta de alternativas frente à nova realidade econômica, à crise urbana gerada pelo desemprego, violência e incivilidade, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro a partir da década de 1990 torna-se um importante ator na aplicação destes novos instrumentos de planejamento urbano. À promessa de transformação das cidades a partir deste receituário de dinamização econômica, seguiu-se a formulação de novas diretrizes lançadas por decretos do poder executivo municipal, seja através da promulgação de novas leis de uso e ocupação do solo, seja a partir da realização de projetos de intervenção físicas no espaço. Entre estes novos instrumentos acionados pelo poder local podemos destacar a confecção do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, o fomento ao city-marketing, a construção de infra-estrutura relacionada às necessidades do chamado “terceiro setor avançado” e a construção de espaços de memória urbana através da seleção dos chamados “patrimônios histórico-culturais”. Analisando os documentos oficiais publicados pela

Prefeitura da cidade, podemos identificar que estes instrumentos apresentam-se muitas vezes de forma complementar e de maneira indiferenciada uns dos outros. Neste contexto, a área central da cidade é eleita como espaço privilegiado das ações do novo paradigma. Apesar de uma estrutura urbana policêntrica e polinucleada, o centro carioca permanece como centralidade, sendo objeto de diversas ações do poder público. Argumenta-se que sua função integradora e simbólica em relação ao restante da cidade garanta a legitimidade para a aplicação das propostas de intervenção. Soma-se a isso uma série de estudos que comprovam a necessidade de ocupar os vazios no tecido urbano consolidado e provido de infra-estrutura, criando novas funções e estimulando as existentes, buscando reverter assim a expansão exacerbada das metrópoles (SILVEIRA, 2004). No Rio de Janeiro, assistimos a adoção destes novos instrumentos de planejamento urbano principalmente a partir da década de 1990 com a vitória de César Maia e seu sucessor e ex-aliado Luiz Paulo Conde nas eleições para a prefeitura da cidade. Eleito através de uma estratégia discursiva baseada na “crise urbana”, César Maia proclamava como prioridade de seu governo a busca da eficácia administrativa e o restabelecimento da “ordem”, um discurso alinhado aos anseios da classe média afrontada pelo crescimento da violência, da favelização e de sua própria pauperização. Utilizando-se da aparentemente bem-sucedida reestruturação econômica e urbana da cidade de Barcelona, ele não medirá esforços para adaptar a experiência catalã durante os seus mandatos como prefeito do Rio de Janeiro. Já na década de 1970 podemos identificar algumas iniciativas do poder público que demonstram uma modificação na percepção sobre a produção do espaço na área central da cidade.

As posturas municipais de preservação do Centro iniciam-se em 1978,

regulando o gabarito das construções, impedindo a reunificação de lotes e desmontes que desconfigurassem o perfil natural da encosta, na região do Morro do Pinto, Providência, Conceição e Santa Teresa. Em 1979 são promulgados decretos para proteção da Cinelândia, Rua da Carioca, Rua República do Paraguai e Rua Sete de Setembro (MOREIRA, 2004). Posteriormente, nos anos 1980, a criação do Corredor Cultural na Lapa fortalece esta tendência, servindo de modelo para os projetos que se seguiram. Cria-se assim uma série de medidas que limitavam a expansão do modelo rodoviarista, vigente desde a metade do século XX. De maneira geral, a partir dos anos 1990 assistiu-se uma proliferação de intervenções em diversos campos denominados culturais, dentre os quais a preservação do chamado

patrimônio cultural urbano constitui uma das principais vertentes, apresentando-se como ferramentas

para

dinamização

de

centralidades

urbanas

através

de

uma

institucionalização da temática preservacionista. No Rio de Janeiro, algumas das ações públicas destinadas a este fim mesclavam-se a iniciativas privadas que, desde a década de 1980 promoviam sucessivas tentativas de implementação de projetos urbano-culturais. Dessa maneira, em alguns casos como ocorrido na “revitalização” da Rua do Lavradio, o Estado se apropriou das reivindicações de determinados segmentos sociais e passou a exercer a função de promotor desse instrumento de preservação da memória da cidade. Outras intervenções como a criação de cinco Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) afetam de maneira significativa a configuração espacial de alguns trechos da área central, prometendo reverter o processo de degradação/deterioração através de restrições às transformações físicas das edificações nelas contidas (SILVEIRA, 2004).1 Entre as mais recentes intervenções de caráter histórico-cultural, destaca-se o acionamento da Praça Tiradentes e seu entorno como espaço de memória da cidade.2 Apesar de uma modificação da postura do poder público sobre o espaço construído da cidade, implicando uma substituição da política de tabula rasa de caráter rodoviarista por outra de cunho preservacionista, os projetos urbano-culturais implementados na cidade do Rio de Janeiro mantém o caráter excludente e classista do período anterior. As ações, que geralmente restringem-se à restauração física das áreas, contemplam apenas no discurso a manutenção das populações locais afetadas. Não se verifica um olhar mais abaixo, dirigido aos moradores, caminhantes, pedestres etc. Estas populações, que constroem relações sócio-espaciais nos interstícios dos espaços deixados pelos grupos sociais hegemônicos, inserindo usos e funções urbanas variados (comércio popular, comércio ambulante, prostituição etc) acabam tendo seus estilos de vida aniquilados pela implementação de tais projetos (SILVEIRA, 2007). Nas propostas de intervenção desenvolvidas para a Praça Tiradentes3 e Morro da Conceição,4 ambas constituindo parte da periferia imediata do Central Business District carioca, identifica-se claramente a modificação da dinâmica social pré-existente aos projetos. Na Lapa, a criação de um ambiente voltado para o entretenimento/animação cultural tem gerado repercussões tanto no estoque de moradias da área quanto a sobrevivência de pequenos negócios, pouco competitivos no novo contexto de antiquários e de casas noturnas destinadas às classes médias e altas (SILVEIRA, 2004). Na Rua do Lavradio, um antigo projeto que previa o aumento da instalação de pontos finais de linhas de ônibus e instalação de um espaço para o comércio ambulante foi revisto a partir de

1999. As linhas de ônibus existentes foram retiradas e a construção de pequenas praças não previu a inclusão de espaços para os ambulantes que tradicionalmente ocupavam a área. Revestido por um discurso que deveria pressupor a inclusão social, o processo de implantação dessas intervenções expressa as dificuldades de concretizar-se uma ação pública democrática. Mais uma vez na história das intervenções urbanas na cidade do Rio de Janeiro, as idéias de higienização constituem o imperativo evidenciado. Permanece a idéia de criar áreas privilegiadas e de limpá-las de presenças indesejáveis ou impedir o seu uso por quem não tem qualidade suficiente para consumi-las (SILVEIRA, 2007). Outra iniciativa que ganha destaque no discurso do poder público municipal é o incentivo ao uso habitacional no centro da cidade através de programas como o “Morar no Centro”, o “Novas Alternativas” e o projeto “Cruz Vermelha e Adjacências”. Tais iniciativas são orientadas pela necessidade de reversão do esvaziamento da área central, visto que os quase oitenta anos de afastamento de uso residencial e das populações de menor renda geraram conseqüências negativas para a dinâmica da região (como a sub-utilização da infra-estrutura local). Entretanto, os investimentos destinados a este fim são ínfimos, resultando na construção de alguns poucos conjuntos habitacionais e na restauração de alguns cortiços. Ao observamos que os investimentos da administração municipal no centro ocorrem mais nos espaços comerciais (na periferia imediata aos eixos das Avenidas Presidente Vargas e Rio Branco) do que nos espaços de uso residencial (como os bairros de Fátima, Catumbi, Gamboa e Santo Cristo) podemos identificar as verdadeiras intenções do poder público para a área central, desvelando o bem intencionado discurso de promoção do uso habitacional na região. É também nos anos 1990 que a cidade do Rio de Janeiro passou a buscar a adequação de seu espaço urbano às novas necessidades do capital internacional globalizado, mediante a construção de uma infra-estrutura capaz de atender aos pré-requisitos básicos para instalação de empresas de alta tecnologia e do setor financeiro. Neste contexto, surge a proposta de criação do Teleporto carioca, um instrumento tido como inexorável na busca pela reconquista econômica da cidade possibilitando sua inserção no contexto das cidades globalizadas. O projeto foi elaborado a partir de um acordo entre a Prefeitura, a Embratel e o Fundo de Pensão da Vale do Rio Doce e teria como objetivo equipar a cidade com escritórios de padrão elevado, compatíveis com as necessidades dos setores avançados da economia (FRIDMAN e SIQUEIRA, 2003). Argumentava-se que um dos motivos determinantes para a fuga de empresas em direção a outros centros urbanos estava relacionada à precariedade dos edifícios comerciais existentes na cidade. Além de

inadequados, não possuindo a infra-estrutura exigida para a instalação de tais empresas, estes edifícios localizavam-se em áreas onde o ambiente urbano estava tomado pela poluição sonora e engarrafamentos, criando obstáculos aos novos investimentos. Sua implementação no bairro Cidade Nova, tradicionalmente considerado uma extensão do Central Business District carioca, gerou a extinção de um espaço estigmatizado pela existência de casas de prostituição que ocupavam a área desde o final do século XIX. Em meados do século XX a região foi muito afetada pelo programa rodoviarista e sofreu profundas transformações nos ano 1970 com a implantação do metropolitano carioca, gerando grandes espaços “degradados” e “vazios urbanos” (FRIDMAN e SIQUEIRA, 2003).

As

obras,

arcadas

com

recursos

próprios

da

Prefeitura,

envolveram

desapropriações de terrenos, demolições de antigas construções, transferência dos habitantes para outras localidades após indenizações, além de obras de infra-estrutura e urbanização. Criou-se, assim, uma área equipada com infra-estrutura e serviços urbanos destinados a suprir as demandas futuras do Teleporto. Elaborado alguns anos após o início das obras do Teleporto, o Plano Estratégico do Rio de Janeiro incorporou o empreendimento, considerando a obra fundamental para tornar a cidade uma porta de entrada de negócios para o Brasil e para a América do Sul. Desde a sua inauguração em 1994, o Teleporto carioca expressa a insustentabilidade de um projeto urbano baseado na perspectiva de inserção do Rio de Janeiro no hall das ditas “cidades globais”. O suposto boom da Cidade Nova jamais aconteceu e dos 29 edifícios estimados para a área, apenas dois foram efetivamente construídos.5 A total ausência de interessados em investir no Teleporto, o fechamento da Bolsa de Valores do Rio e o processo de transferência de muitas empresas do setor financeiro para a capital paulista demonstram a fraqueza de um projeto que previa transformar a cidade num importante “nó” estratégico da economia globalizada. Além disso, observa-se nos últimos anos que a instalação de edifícios de alto padrão (também denominados padrão “triple A”) está ocorrendo no antigo centro de negócios da cidade, seja através da construção de novos edifícios, seja a partir de operações denominadas retrofit.6 A aposta no desenvolvimento de serviços avançados na cidade e o pressuposto equivocado de que a oferta de infraestrutura em telecomunicações era suficiente para atrair empresas para uma região periférica à área central foram determinantes para o fracasso (COMPANS, 2004). A análise deste fato torna-se uma base relevante para a reflexão sobre as possibilidades reais dos projetos de grande proporções a serem implementados nas demais áreas da cidade, como aqueles existentes para a zona portuária.

Da mesma maneira que o bairro Cidade Nova, a zona portuária da cidade é apresentada pela administração municipal como uma extensão natural do atual centro de negócios do Rio de Janeiro. As propostas de substituição do uso portuário surgem em meados da década de 1980, quando um projeto lançado pela Associação Comercial do Rio de Janeiro previa a construção de um teleporto na área. Criticado por um forte movimento da população residente nos bairros portuários da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, o projeto foi deixado de lado. Este movimento de bairro, característico do período de redemocratização da sociedade brasileira, levou em seguida à criação de uma legislação específica para área e ações que preservavam o uso residencial e o patrimônio arquitetônico e cultural dos bairros portuários, o denominado Projeto SAGAS. Recentemente, a proposta de intervenção na área foi revivida com o projeto de construção de uma filial carioca do Museu Guggenheim no Píer Mauá. Funcionando como um edifício ícone, o museu colocaria o Rio de Janeiro em evidência na rede internacional de cidades-sede de museus de alto padrão, incrementando a oferta de atrativos turísticos e possibilitando um alto retorno financeiro para a municipalidade. O projeto da Prefeitura previa também a construção de edifícios de escritórios e residenciais para as classes médias, viabilizando a expansão imobiliária na zona portuária. Apesar de todo o investimento e mobilização de esforços da Prefeitura em defesa de seu “plano de recuperação e revitalização da região portuária”, a paisagem local pouco se alterou desde então. A complexidade das negociações para implementação de um projeto na área envolve questões fundiárias, visto que a propriedade dos terrenos da zona portuária está distribuída entre uma multiplicidade de órgãos públicos e atores particulares. Os interesses distintos sobre o futuro da área torna a execução do projeto uma equação política de difícil resolução, independentemente da grandiosidade do projeto e do volume de recursos necessários à sua implementação (COMPANS, 2004). Destacase também a repercussão negativa na mídia sobre o projeto que, além de um altíssimo valor de execução, ainda exigiria um pagamento anual de royalties à Fundação Solomon Guggenheim.7 Soma-se a isso a mobilização de artistas locais, do IAB e do CREA contra a execução do projeto, realizando abaixo-assinados que acabaram repercutindo numa liminar, solicitada pela ALERJ ao poder judiciário, suspendendo os primeiros pagamentos do contrato firmado entre a fundação e a Prefeitura. Muitas das propostas de intervenção analisadas neste trabalho estão contempladas no documento que encerra a aplicação do novo paradigma de planejamento urbano adotado pela municipalidade: o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro. Criado a partir de

um convênio firmado em 1993 entre a Prefeitura da cidade, a Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e a Federação de Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) e contando com consultoria da empresa catalã Tubsa (Tecnologies Urbanas Barcelona S.A), o plano estratégico da cidade não se difere ideologicamente dos demais planos estratégicos elaborados por diversas municipalidades em todo o mundo. Contém os mesmos métodos, propostas e estratégias, incluindo também o mesmo discurso que assegura o sucesso da cidade mediante a aplicação de todos os compromissos pactuados. Observando os argumentos e propostas contidos no plano estratégico do Rio de Janeiro e seu processo de construção, podemos destacar uma série de críticas quanto às reais intenções de sua elaboração. Um dos pontos que merecem destaque na crítica à formulação do projeto está relacionado à condução das reuniões para sua formulação, que deram-se de forma absolutamente autoritária e fechada à participação de segmentos considerados de escassa relevância estratégica, garantindo assim um consenso quanto as questões analisadas e quanto as propostas aprovadas. Um processo que contou com o apoio e financiamento do poder público municipal, solidário à burguesia local ameaçada pela recente aprovação de um plano diretor limitador de suas taxas de lucro. Tratou-se portanto de uma farsa, cujo objetivo foi o de legitimar orientações e projetos caros aos grupos dominantes da cidade (VAINER, 2002). Dessa maneira, o plano estratégico do Rio de Janeiro foi, antes de tudo, um acordo político entre o governo municipal e alguns segmentos empresariais com o objetivo de modernizar as condições locais de acumulação capitalista (COMPANS, 2005). Constata-se assim a continuidade dos estreitos laços entre as administrações municipais e os setores empresariais locais, confirmada a partir de uma análise das decisões tomadas pelo poder executivo municipal: foram elas condizentes quanto às necessidades dos investimentos privados em empreendimentos imobiliários e no financiamento de equipamentos

públicos

e

obras

de

infra-estrutura,

mediante

a supressão

de

constrangimentos legais e burocráticos que porventura se constituíssem como limitadores à ação destes grupos hegemônicos. O período democrático trouxe a possibilidade de uma maior influência dos movimentos sociais na definição das políticas urbanas, pressionando o Estado quanto à gestão democrática das cidades e quanto à universalização do acesso à terra urbana e aos equipamentos e serviços coletivos. Entretanto, o novo cenário político favorável aos defensores da reforma urbana foi contido pelos interesses empresariais e das elites políticas conservadoras, que capturaram para si os destinos do planejamento da cidade.

Apresentados os fatos, podemos afirmar que o desenvolvimento de intervenções urbanas baseadas no modelo de empreendedorismo urbano trouxe graves conseqüências para a prática democrática na cidade do Rio de Janeiro, aprimorando as táticas de acumulação capitalista destes grupos.

Conclusão Numa cidade onde os interesses de determinados setores empresariais decidem o rumo das políticas urbanas a serem implementadas pelo poder público municipal, não é difícil concluirmos que os segmentos populares são os mais prejudicados. A aplicação destes novos instrumentos de planejamento baseados no empreendedorismo urbano e os milhões de dólares investidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro em seu programa

de

“desenvolvimento”

traduzem

uma

reafirmação

de

tendências

segregacionistas, desenhados por e para as elites, afetando a dinâmica social de amplos trechos da área central da cidade, onde os espaços públicos remodelados estariam reproduzindo morfologicamente relações de hierarquia, medo, estranhamento e simulação, características que em momentos anteriores eram atribuídas somente ao universo dos espaços privados. A necessidade de produzir uma nova imagem da cidade, selecionando fragmentos urbanos considerados relevantes para tal objetivo, coloca em foco determinados espaços às custas do sombreamento de todo o restante. O resto simplesmente não existe, seja pela necessidade de ocultar as desigualdades sociais, pressuposto fundamental para o aumento da competitividade urbana, seja para legitimar a priorização dos investimentos públicos em pontos “estratégicos”. A cidade real, material, foi comprimida e reduzida a somente um par de bairros atrativos ao mercado e aos turistas, transformados em uma síntese do que seria todo o espaço urbano. Assim, no processo de reconquista do Centro pelos grupos hegemônicos, a produção do espaço baseada na atratividade da cidade a qualquer custo não questiona a possibilidade de estar ocorrendo a supressão de grupos sociais mais desprotegidos, colocados a margem dos espaços revitalizados/reurbanizados/regenerados. Da mesma forma, ao tentar reativarmos os chamados espaços de memória, acabamos paradoxalmente destruindo-os, transformando-os em cenários de uma teatralização da vida cotidiana, tornando a história da cidade em algo purificado, desligado dos conflitos, livre da feiúra e da tensão.

As discussões em torno de um projeto para as áreas centrais é fundamental, especialmente no caso do Rio de Janeiro, onde o Centro, dotado de serviços e equipamentos públicos, está esvaziado demograficamente, contrastando com a baixa densidade de infra-estrutura dos bairros do subúrbio e da periferia metropolitana. Trata-se agora de realizarmos uma avaliação crítica dos projetos colocados pelo poder público que transcenda o “sucesso” da recuperação física ou do aumento do número de freqüentadores em determinadas áreas requalificadas, argumentando que nem todo investimento deva ser considerado um bom investimento. O desafio é criarmos condições para a valorização dos atores sociais que estão nas ruas, elaborando novas leituras sobre o desenvolvimento e descobrindo novas formas igualitárias e fraternas de “estar junto” (RIBEIRO, 2006).

Notas 1. As cinco Apacs que incidem sobre a área central são: o projeto Corredor Cultural, considerado por muitos como a primeira Apac proposta para a cidade; a Apac dos bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte do Centro (projeto SAGAS); a referente à Praça Cruz Vermelha e Adjacências; a Apac que engloba um trecho da rua Teófilo Otoni; e a do Entorno do Ministério da Fazenda. 2. Projeto financiado pelo “Programa Monumenta” do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), através de convênios com o Ministério da Cultura e o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 3. A Praça Tiradentes foi um espaço relevante no contexto cultural, político e social no Rio de Janeiro do século XIX. A partir da metade do século XX foi abandonado pelo poder público, transformada em lugar de passagem e ponto final de dez linhas de ônibus. 4. No Morro da Conceição, espaço remanescente do período colonial, um convênio de consultoria com o governo francês promoveu ações da Prefeitura que levaram à recuperação de espaços públicos, caminhos e escadarias. O projeto tinha como objetivo atrair turistas para visitação dos marcos históricos localizados no morro, mas depois de concluído não mostrou-se bem-sucedido. Assiste-se nos últimos tempos a transformação das antigas residências em ateliês de artistas plásticos. 5. Estão sendo construídos três novos edifícios na área: a nova sede da Sul América Seguros, um edifício que abrigará a BR Distribuidora e outro localizado na Avenida Presidente Vargas denominado “Edifício Século XXI”. Recentemente foi inaugurado o

Centro de Convenções da Cidade Nova, de 21.809 m2, integrado ao Centro Administrativo São Sebastião (sede da Prefeitura). 6. Entre os edifícios de alto padrão construídos nos últimos anos, destacam-se a “Torre Almirante”, integralmente ocupada por escritórios da Petrobrás, localizada na Avenida Almirante Barroso (substituindo o Edifício Andorinhas, destruídos por um incêndio nos anos 1980) e as torres gêmeas “Ventura Corporate Towers”, em fase de construção, localizadas na Avenida República do Chile (construídas em terrenos da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que também abrigarão escritórios da Petrobrás). Recentemente foi anunciado o retrofit do antigo edifício da seguradora Sul América, localizado na Rua da Quitanda (o imóvel foi adquirido pela incorporadora norteamericana Tishman Speyer). Outros retrofits identificados são o Edifício Amarelinho (na Cinelândia), o Edifício Standard (antigo edifício da Esso Oil Co. localizado na Avenida Presidente Wilson e que hoje abriga a universidade Ibmec) e o Edifício Nilomex (na Esplanada do Castelo). 7. Seriam gastos US$ 190 milhões para a construção do prédio, US$ 120 milhões em adiantamentos para financiar o déficit previsto para os primeiros dez anos, US$ 45 milhões a título de royalties, seguros e projetos e outros US$ 9 milhões anuais para exposições.

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