Transformações: Matrizes do século XXI de René Armand Dreifuss

July 12, 2017 | Autor: Estrella Bohadana | Categoria: Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na Educação
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição

Publicada em Fevereiro de 2005

Editorial Combatendo as Causas dessa Inaceitável Infelicidade Das Razões de Ser da Revista GIS Roberto Bartholo

Apresentar uma revista é explicitar seu compromisso, seu pacto fundamental. E fazemos isso mediante a referência a um "velho" testemunho de D. Helder Câmara (1987:128-129): ".... Lembro-me de certa vez que me convidaram para a inauguração de uma grande empresa. Era um dia de intenso calor, mas os escritórios dos diretores tinham o conforto dos aparelhos de ar condicionado. Os garçons passavam travessas e mais travessas com garrafas de uísque. Uma, duas, muitas vezes. Eu tomava apenas refrigerantes - não por virtude excessiva, pois até gosto de um pouco de vinho, o que não me causa nenhum problema de ordem moral - e sim porque o álcool parece não gostar de mim... Em dado momento um dos convidados se aproxima e, grosseiramente, me diz: ´ora, ora Dom Hélder! Como é que vai sua demagogia? O senhor ainda tem coragem de dizer que vivemos cercados de fome e miséria aqui em Recife?´ Outras pessoas juntaram-se a nós encorajadas por aquela provocação e querendo prossegui-la. Eu respondi a todos em alto e bom som: ´vejam só! Eu estava tranqüilo no meu canto, mas vocês preferiram provocar-me... Pois eu lhes garanto que se sairmos todos nos belos carros que vocês têm, em poucos minutos eu os mergulharei num ambiente da mais terrível fome e miséria... Para surpresa minha aceitaram o desafio. Em não mais que dez minutos chegamos a uma sapucaia, um desses lugares onde os serviços públicos despejam e depois incineram, o lixo da cidade. Eu conhecia bem o local... Chamei um conhecido, que é funcionário da prefeitura e por ali trabalha. Ele tem, a propósito o apelido de Doutor Lixeira... Longa experiência lhe ensinou a ver, no meio daquele lixo todo o que ainda pode ser aproveitado como alimento. É ele quem estabelece a classificação: comida de primeira classe, que funcionários da prefeitura reservam para si mesmos; comida de segunda classe, boa ainda para as pessoas que nada têm do que viver e se alojam por ali, disputando o refugo com os urubus que ciscam como galinhas pretas; comida de terceira classe, que se coleta e guarda para vendê-la depois nas tendinhas de quarta ou quinta classe, onde qualquer coisa serve para encher a barriga dos que vivem encharcados de álcool... O Doutor Lixeira explicou tudo isso muito direitinho às dezenas de chefes de empresa que me haviam acompanhado até ali. Tive a impressão de que marcara profundamente o meu ponto, ensinando-lhes uma dura lição... Mas qual! No dia seguinte, um deles me chama ao telefone, e diz: ´Dom Hélder, que sujeito formidável aquele Doutor Lixeira! Ele tem muita iniciativa! Bem que poderíamos empregá-lo...´

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição

Publicada em Fevereiro de 2005

Nosso compromisso com a atualidade do testemunho de Dom Hélder pode encontrar abrigo na afirmativa de um dos mais importantes economistas contemporâneos, A. O. Hirschman (1996: 257): "... o progresso político e o econômico não estão ligados entre si de modo fácil, direto, funcional". Essas conexões são construídas situacionalmente. E nesse sentido os estudos de Amartya Sen (2000, 2001) são exemplares para apontar como a igualdade formal de oportunidades deve necessariamente ser referida a um contexto situacional concreto. A proposição fundamental da antropologia filosófica de Martin Buber (Bartholo, 2001) pode vir a nosso auxílio ao confrontarmos essa questão. Ela nos afirma que antes de ser um ente político ou econômico o ser humano é um ser relacional. As formas políticas e econômicas correspondem a padrões historicamente construídos de institucionalização. Percebida desde essa perspectiva, como bem aponta Hassan Zaoual (2003): "... a pobreza é irredutível a uma simples insuficiência de renda. Todo o contexto da pessoa deve ser tomado em consideração, em particular sua capacidade de ser livre de mudar, de agir sobre a situação, de participar da vida social etc. Os espaços da desigualdade são, então, múltiplos e interativos; utilidades, bens de primeira necessidade, renda, liberdade, entre outros. Todos esses espaços nem sempre estão adequadamente relacionados uns com os outros. Ao se dar privilégio a um deles, podese produzir efeitos contrários sobre os outros". Nos contextos situacionais concretos somos chamados a responder a apelos diversos. E a dimensão ética da resposta é a responsabilidade. Responsabilidade situada, isto é, concreta, pessoal e rigorosamente intransferível. Não apenas a retórica de uma responsabilização formal. E nesse ponto podemos retomar o compromisso de Dom Hélder (Câmara, 1987: 129): "... lutar por meios pacíficos, mas corajosos, contra as estruturas impiedosas que esmagam e fazem sofrer a humanidade. Pois não basta socorrer as vítimas. É necessário atacar vigorosamente, antes de mais nada, as causas dessa inaceitável infelicidade". Para a Revista GIS, falar de iniciativas de interesse social é afirmar esse empenho e compromisso.

Referências bibliográficas Bartholo Jr., Roberto S. (2001) Você e eu: Martin Buber, Presença, Palavra. Rio de Janeiro, Garamond. Câmara, Hélder (1987). O Evangelho com Dom Hélder. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. Hirschman, Albert O. (1996). Autosubversão. São Paulo, Companhia das Letras. Sen, Amartya (2000). Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo, Companhia das Letras. Sen, Amartya (2001). Desigualdade Reexaminada. Rio de Janeiro, Record. Zaoual, Hassan (2003). Globalização e Diversidade Cultural. São Paulo, Cortez.

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição

Publicada em Fevereiro de 2005

Expediente

Informações básicas A Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais é uma publicação científica gratuita, de periodicidade quadrimestral, do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ), cujo número piloto foi lançado em julho de 2003. Dedica-se a divulgar trabalhos voltados para a apresentação e análise de propostas e experiências ligadas à gestão de iniciativas sociais. Pretende manter uma atitude prospectiva, apontando possíveis tendências em temas ligados à gestão social. O formato da Revista foi formulado para ter como meio de divulgação a Internet, explorando as possibilidades do meio eletrônico para oferecer e trocar informações, em particular o recurso do hipertexto. Como seções fixas, a Revista inclui artigos, reportagens, entrevistas, apresentação de casos, resenhas críticas. O título abreviado da revista é Revista GIS, forma a ser utilizada em bibliografias, notas e referências. Copyright Os conceitos emitidos em artigos são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da redação. Permite-se a reprodução total ou parcial dos trabalhos, desde que seja indicada explicitamente a sua fonte. Financiador A Revista recebe apoio do SESI. CORPO EDITORIAL Editor responsável Roberto dos Santos Bartholo Jr. - Professor do Programa Engenharia de Produção COPPE/UFRJ e Coordenador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição

Publicada em Fevereiro de 2005

Comitê editorial Carlos Renato Mota - professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ Arminda Eugenia Marques Campos - pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ Conselho Editorial Geraldo de Souza Ferreira - DEGEO/UFOP, Ouro Preto, MG Marcel Bursztyn - CDS/UnB, Brasília, DF Maurício Cesar Delamaro - FEG/UNESP, Guaratinguetá, SP Michel Thiollent - COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ Paulo Márcio Melo - UERJ, Rio de Janeiro, RJ Susana Finquelievich – Fac. Ciências Sociais, Universidade de Buenos Aires, Argentina Equipe de redação Cristina Maria Barros de Medeiros Simone Saviolo Rocha Secretaria Maria Joselina de Barros Revisão José Henrique de Oliveira Concepção do projeto gráfico, diagramação e webdesign Ivan Bursztyn

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição

Publicada em Fevereiro de 2005

Apresentação

Responsabilidade Social Empresarial é o foco deste número da Revista GIS. A intenção foi dar aos leitores a oportunidade de observar esse tema a partir de uma ampla gama de pontos de vista. Tentamos incluir o maior número possível de partes interessadas na discussão desse tema. A Revista GIS dedica-se a divulgar trabalhos voltados para a apresentação e a análise de propostas e experiências ligadas à gestão social. Pretende manter uma atitude prospectiva, apontando possíveis tendências nesse tema. Como seções fixas, reúne artigos, reportagens, entrevistas, apresentação de casos e resenhas críticas. Procura utilizar ao máximo os recursos oferecidos pelo formato de periódico on-line, oferecendo sempre que possível links para fontes de informação complementar. O assunto do número 4, que sairá em outubro, será segurança alimentar e nutricional. As contribuições, na forma de artigos, estudos de caso ou resenhas críticas, serão analisadas pelo Comitê Editorial da Revista. A seção "Instruções aos autores" tem todas as informações necessárias para preparar os textos e submeter. Navegue pelas seções e seus textos e depois nos envie seus comentários e sugestões. Boa leitura!

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição

Publicada em Fevereiro de 2005

Sumário

Espaço SESI Contextualizando a Responsabilidade Social Empresarial no Sistema – Denise Erthal de Almeida .......................................................... 01 Reportagens Responsabilidade Social em Parceria: a Rede Nacional de Mobilização Social – COEP – Arminda Eugenia Marques Campos e Maria Carolina Santos .............. 04 Do ponto de vista da sociedade: a proposta da Red Puentes – Equipe Revista GIS ........... 06 Entrevistas Miguel Milano, responsável pela Diretoria Corporativa de Responsabilidade Social de O Boticário...................................... 08 Buscando a política num mundo de incertezas. Entrevista com Zygmunt Bauman ............ 12 Estudos de Caso Ouvir para Construir: a Comunicação Social como Agente de Viabilização de Ações Socialmente Responsáveis. As Práticas da Implementação de Empreendimentos de Gás e Energia pela etrobrás/Engenharia no Nordeste – Luciana de Oliveira Leite.................... 25 Resenha Crítica Transformações: Matrizes do século XXI de René Armand Dreifuss ................................. 32 Artigos Responsabilidade Social Empresarial em Indústrias do Arranjo Produtivo de Fogos de Artifício de Santo Antônio do Monte/MG – Marina Santos Ourivio ................................. 37 Trabalhadores: uma Importante Parte Interessada – Instituto Observatório Social............. 46 Padrões e Ferramentas de Gestão da Responsabilidade Social Corporativa e Cadeia de Fornecimento – Lourdes Nicoladelli Nocko................................. 56 Responsabilidade Social e Desenvolvimento local: a necessidade de uma pró-atividade empresarial – Marcos Antonio Gomes Pena Júnior e Dominique Françoise Válery .......... 75

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição

Publicada em Outubro de 2004

Espaço SESI Contextualizando a Responsabilidade Social Empresarial no Sistema Denise Erthal de Almeida*

Historicamente, desde sua criação, o SESI representa a consciência do segmento industrial do país para responsabilidades que vão além daquela de contribuir para o desenvolvimento econômico. Ao criar o SESI com o objetivo de promover o bem estar dos trabalhadores da indústria e de seus dependentes, o empresariado nacional reconhece que se faz necessária uma contribuição mais ampla para a solução de problemas complexos, que requerem uma visão de que a sobrevivência dos negócios está diretamente relacionada ao equilíbrio entre as questões social e ambiental, além da econômica. Gradativamente, novos valores são introduzidos na gestão empresarial nacional e o conceito de desenvolvimento econômico é suplantado pelo do desenvolvimento sustentável - que preconiza que a satisfação das necessidades atuais da sociedade deve acontecer, porém sem comprometer a possibilidade de atendimento das 1 necessidades das gerações futuras . Hoje, a empresa reconhece que, para assegurar sua perenidade no mercado, deve construir sua reputação assumindo responsabilidades, sendo ética e transparente, agregando valor à sua marca. Essas responsabilidades se expressam no termo responsabilidade social empresarial, definida como “a forma de gestão que conduz à relação ética e transparente da organização com todas as suas partes

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Comissão Brundtland, Nações Unidas, 1987.In Mapa estratégico da Indústria 2007-2015, pg 73

interessadas, visando o desenvolvimento sustentável”.2

Desde 1946, o SESI - com foco nos trabalhadores - estimula a relação com a parte interessada mais importante que a empresa deve manter: o público interno. Já havia, portanto, o entendimento de que gastos sociais transformam-se em investimentos sociais ao aprimorar o capital humano, elevando a produtividade e competitividade. Em 2000, na elaboração do Plano Estratégico, a responsabilidade social empresarial insere-se na missão da instituição. Além das ações voltadas para a promoção do bem-estar dos trabalhadores e dependentes, o SESI concebe e explicita que seus três vetores de negócio Educação, Saúde e Lazer, prestados de forma integrada, com o foco na empresa, culminam no 2

Norma Brasileira de Responsabilidade Social – NBR 16001 Pág. 1

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição

Publicada em Outubro de 2004

social

situação de vulnerabilidade social. Iniciado em 2004, já atingiu 40.000 crianças.

Para estimular as empresas à prática de uma gestão socialmente responsável, o SESI desdobra alternativas na oferta de técnicas e ferramentas específicas.

O Programa COZINHA BRASIL tem por objetivo ensinar gratuitamente à população formas nutritivas e econômicas de alimentação, de acordo com as regionalidades de cada Estado. Estima-se que com 27 caminhões (unidades móveis com equipamento básico necessário para a formação de multiplicadores junto à população), até o final do ano sejam atingidas 127 mil pessoas. O SESI pretende celebrar parcerias com empresários para a aquisição de mais unidades móveis que atenderão as comunidades com mais rapidez.

exercício da responsabilidade empresarial pelas indústrias.

A comunidade é também uma das partes interessadas e no Brasil, tradicionalmente, tem sido alvo das empresas para suas ações sociais. Esta prática sempre aconteceu independente do conceito de responsabilidade social empresarial, mas, à medida que o novo conceito é apreendido e praticado, as ações sociais desenvolvidas em comunidades, considerando as possibilidades de transformação social local, se revestem de grande importância. Para ampliar a gestão junto a esse público o SESI oferece como alternativas os Programas Nacionais, cujo maior propósito é a inclusão social. Dentre estes programas destacam-se a Ação Global, o Segundo Tempo e a Cozinha Brasil. A AÇÃO GLOBAL pode ser entendida como um mutirão de serviços integrados que tem como foco a promoção e o fortalecimento da cidadania. Durante um dia inteiro, o SESI, juntamente com a Rede Globo e com centenas de parceiros, somam esforços para oferecer serviços nas áreas de educação, saúde, lazer e cidadania para a população carente do Brasil. Pensando em intensificar essa mobilização realizada há mais de dez anos, SESI e Rede Globo reformularam o evento. A proposta é que a Ação Global desperte novos interesses e provoque parceiros e sociedade para uma discussão contínua sobre responsabilidade social. O objetivo é atingir cerca de dois milhões de pessoas a cada ano em todo o país.

Outra alternativa para estimular as empresas para uma gestão socialmente responsável é oferecida pelo SESI na forma de serviços de Consultoria em Responsabilidade Social. A consultoria utiliza tanto as ferramentas e instrumentos específicos existentes (aplicação do Balanço Social, voluntariado empresarial, formulação de Código de Ética da empresa, aplicação dos Indicadores Ethos, SA 8000, elaboração e implementação de Projetos Sociais diversos), quanto a prestação dos serviços que são oferecidos pelo SESI às empresas, de forma integrada. O SESI pretende ser, com isso, o braço social da empresa, o provedor de soluções para suas necessidades sociais internas e externas. Diante da imensa diversidade que ocorre no universo das indústrias, além das

O programa SEGUNDO TEMPO, realizado em parceria com o Ministério do Esporte, objetiva democratizar o acesso à prática esportiva por meio de atividades realizadas no contra-turno escolar. De caráter complementar, tem como público-alvo crianças e adolescentes, principalmente em Pág. 2

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição

possibilidades e limites para a prática da responsabilidade social, há diversas etapas ou estágios a serem percorridos no decorrer de um processo que não se encerra. Não há padrão ideal a ser alcançado, a não ser o da melhoria contínua. A idéia fundamental é de que a empresa persiga seu objetivo primeiro

Publicada em Outubro de 2004

e maior - o lucro - por meio de uma gestão socialmente responsável. -------------------* Responsabilidade Social Empresarial, SESI - Serviço Social da Indústria; Departamento Nacional e-mail: [email protected]

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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 3ª Edição

Publicada em Junho de 2005

Reportagem Responsabilidade Social em Parceria A Rede Nacional de Mobilização Social – COEP1 Arminda Eugenia Marques Campos Maria Carolina Santos

A expressão responsabilidade social empresarial ainda não era tão freqüente quando surgiu o Comitê das Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida (COEP). Era uma das iniciativas nascidas como resposta à convocação, com o slogan “Quem tem fome, tem pressa”, feita por Herbert de Souza, o Betinho, em 1993, para que a sociedade civil atuasse no combate à pobreza no Brasil. Aqueles que desejavam se integrar à Ação da Cidadania no Combate à Fome, à Miséria e pela Vida, se organizavam em comitês autônomos, com estratégias de atuação próprias. Ao surgir, o COEP reunia representantes de empresas estatais, fundações e autarquias, chamados a pensar formas de agir em conformidade com o caráter público de suas entidades. Articulando parcerias entre as associadas, utilizando seus recursos humanos e técnicos, para realizar ações dedicadas a melhorar a qualidade de vida da população brasileira. Ações que demonstrassem compromisso com a sociedade e estimulassem a solidariedade, focadas principalmente na solução de problemas estruturais. A organização do Comitê partiu da identificação de princípios que guiassem seu trabalho. Um princípio fundamental foi a estruturação de forma nãohierárquica, a fim de buscar flexibilidade e agilidade. O Comitê cresceu, até constituir hoje uma ampla rede nacional de mobilização social.

A mudança de nome, para Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida, reflete as transformações que sofreu: a ele se agregaram outras empresas, públicas e privadas, organizações da sociedade civil, organizações governamentais, resultando atualmente na participação de cerca de 850 associadas. Além da instância nacional, num processo de descentralização, foram criados os COEP estaduais, existentes em todas as unidades da federação, e alguns municipais. O COEP estendeu a possibilidade de atuação às pessoas físicas, criando assim a figura dos Mobilizadores COEP2, indivíduos que, por interesse próprio, e não por vínculo com alguma instituição, se agregam ao trabalho do Comitê em algum nível. A ampliação ocorrida em cerca de doze anos foi muito facilitada pelo desenvolvimento das tecnologias de informação ocorrido nesse período. Elas tiveram um papel importante para viabilizar o princípio da gestão descentralizada, para manter e fortalecer a rede COEP. A adesão de entidades a algum comitê da rede (nacional ou local) é sempre voluntária e não acarreta perda de autonomia, já que não se procura impor modelos. A instituição pode manter outras 1 www.coepbrasil.org.br 2 www.mobilizadorescoep.org.br Pág. 4

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 3ª Edição

ações sociais coerentes com sua própria lógica de funcionamento e sua estratégia, isoladamente ou com outras parcerias. Outro princípio importante, como destaca Amélia Medeiros, secretária-executiva adjunta, é o caráter apartidário das ações. Inicialmente a atuação do COEP era visível pela promoção de campanhas, como a do Natal pela Vida. Ampliou-se para mobilizar as organizações, seus funcionários e a população em geral para participar de campanhas e projetos e desenvolver suas próprias iniciativas, no âmbito das parcerias propiciadas pela participação no COEP ou outras. Seus objetivos incluem ainda capacitar pessoas, por meio de cursos, teleconferências, seminários e de suas publicações, e divulgar projetos sociais próprios ou de responsabilidade de outros, que possam ser repetidos em outros lugares, criando espaço para a troca de experiências. Outro objetivo interessante é o estímulo a que entidades associadas incorporem à cultura de sua organização as necessidades e potencialidades das comunidades de seu entorno. Alguns projetos dessa natureza vêm sendo desenvolvidos e divulgados em publicações próprias, como os 3 Informativos COEP e os Cadernos da Oficina Social4. A preocupação por realizar ações efetivas e sustentáveis levou o COEP Nacional a propor, a partir de 2003, que cada comitê estadual concentrasse esforços para implantar um projeto de desenvolvimento comunitário numa localidade escolhida pelas integrantes do comitê. Isso cria a oportunidade de integrar todos os participantes na realização de uma iniciativa planejada, executada e avaliada

Publicada em Junho de 2005

com as comunidades a que o projeto se dirige, nos moldes de um Projeto de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável. Ao final de 2004 projetos desse tipo já estavam em processo de implementação por 23 comitês estaduais. Observar essa trajetória permite perceber o esforço por estabelecer iniciativas que articulem competências, por criar parcerias que possam potencializar os efeitos das ações empreendidas. Esse é certamente o principal aspecto positivo e atrativo do COEP como um potencial instrumento de promoção da responsabilidade social: sua busca por atuar como aglutinador de esforços, por criar um espaço para que a associada trabalhe em parceria com outras instituições. Um obstáculo a que isso se realize em maior profundidade e amplitude é a dificuldade em vencer a cultura da competição, a perspectiva individualista de realizar iniciativas que gerem um fortalecimento em imagem ou de outro tipo apenas para sua organização. A possibilidade de conjugar competências permite ampliar o impacto das ações, diluir investimentos, minimizar custos. Isso pode fazer muita diferença, em especial para empresas de menor porte, que, isoladamente, não costumam ter fôlego ou recursos para desenvolver ações de responsabilidade social mais estruturadas.

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Disponíveis em http://www.coepbrasil.org.br/informativo.asp 4 Disponíveis em http://www.coepbrasil.org.br/oficinasocial/cadernos .asp Pág. 5

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 3ª Edição

Publicada em Junho de 2005

Reportagem Do ponto de vista da sociedade: a proposta da Red Puentes Equipe Revista GIS

É quase inevitável associar a expressão responsabilidade social empresarial a iniciativas formuladas pelas próprias empresas. Desde julho de 2002 existe no entanto uma proposta de apoiar a sociedade civil na América Latina para desempenhar um papel ativo nesse campo. Trata-se da Red Puentes1, criada com a missão de fomentar o desenvolvimento de uma cultura e de práticas de responsabilidade social por parte das empresas que atuam nos países latinoamericanos, partindo da perspectiva, das visões, direitos e necessidades da sociedade civil nesses países. A proposta é elaborar e divulgar concepções e metodologias de trabalho apropriadas às condições e necessidades políticas, sociais, econômicas e culturais da região. A Red Puentes é uma associação voluntária de 31 instituições, como sindicatos e organizações não governamentais, de 6 países: Brasil, Chile, Argentina, México, Uruguai e Holanda, que buscam atuar em rede para realizar a missão que se propuseram. No Brasil as participantes são IBASE, CERIS, IDEC e Observatório Social.2 Como salienta Ciro Torres, do IBASE, instituição responsável pela coordenação 1

www.balancosocial.org.br ou www.ceris.org.br/redpuentes.asp ou www.redpuentes.org 2 www.ibase.org.br , www.ceris.org.br , www.idec.org.br , www.observatoriosocial.org.br .

da rede no Brasil, essa iniciativa é um resultado direto do Fórum Social Mundial. Oficinas e um seminário realizados durante as edições de 2001 e 2002, em Porto Alegre, propiciaram a oportunidade para que representantes de algumas organizações discutissem como se estava encarando a responsabilidade social empresarial em seus países e pensassem em possíveis estratégias de trabalho conjunto. Um apoio financeiro da 3 NOVIB (OXFAM Holanda) permitiu que iniciassem um trabalho em rede para implementar um plano de trabalho no período 2003-2006. Desde a formação da rede, outras organizações a ela se associaram. A gestão de seu funcionamento procura ser descentralizada e participativa, possibilitada por encontros de trabalho e um fluxo de informações permanente. A rede como um todo tem sua atuação coordenada por um comitê formado pelos coordenadores de cada rede nacional. Fica a cargo de cada rede local decidir o que realizar em conjunto em seu país, sendo as atividades de cada organização definidas por sua própria missão e planejamento. A base para o trabalho é a idéia de que organizações como sindicatos, entidades ambientalistas, de defesa dos consumidores, de mulheres, de promoção dos direitos humanos, indígenas, comunitárias etc, podem ampliar sua 3

www.novib.nl Pág. 6

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 3ª Edição

atuação ao incorporar o conceito e instrumentos de responsabilidade social empresarial a sua reflexão e sua prática. Ganhariam mais condições para desempenhar um papel ativo no desenvolvimento de iniciativas nesse âmbito. Estariam também melhor “equipadas” para se fazer ouvir e exercer influência em casos de empresas que pratiquem corrupção e manipulação financeira e política, causem danos ao meio ambiente ou afetem negativamente as condições de vida de trabalhadores ou outros grupos. A idéia é que, tanto no caso de busca por ação conjunta quanto no de pressão, as organizações da sociedade civil tenham condições de contribuir para o desenvolvimento de um modo de gestão responsável das empresas. Uma dos principais fundamentos para o trabalho da Red Puentes é o documento Diretrizes da OCDE4 para Empresas Multinacionais, que contêm recomendações sobre uma conduta responsável para as empresas com origem ou operação nos países signatários ou aderentes. Esse documento constitui um marco comum de natureza normativa no grupo de países integrantes, com recomendações em termos de respeito aos direitos humanos, aos direitos dos trabalhadores, aos interesses dos consumidores e à proteção do meioambiente, e de luta contra a corrupção. Ele inclui ainda sugestões de procedimentos para acompanhar as ações de empresas por parte da sociedade civil e dos governos e para promover o seguimento das Diretrizes pelas empresas. Pode ainda ser um instrumento para fundamentar a articulação de sindicatos ou outras organizações no

Publicada em Junho de 2005

país de origem e num país em que determinada empresa opere, para reivindicações em prol de uma atuação responsável. A principal realização da Red Puentes até o momento é a própria mobilização de entidades de áreas de atuação diferentes, para a troca de informações e definição de formas de atuação conjunta. Foram organizados também oficinas e seminários de capacitação e discussão sobre responsabilidade social empresarial e sobre o uso das Diretrizes da OCDE como ferramenta para a relação entre organizações da sociedade civil e empresas. No caso do Brasil a mais importante meta programada, de acordo com Ciro Torres, é colocar em condições de funcionamento o Ponto de Contato Nacional. Como país aderente, o Brasil precisa manter um PCN, instância que pode concretizar as Diretrizes no país, por ser responsável por receber consultas, críticas e denúncias formais sobre práticas inadequadas de empresas, levando-as aos demais PCN’s e ao Comitê sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais da OCDE. O PCN brasileiro está formalmente constituído, mas com muito poucos recursos para desempenhar bem suas funções. Outro desafio seria consolidar a Plataforma Brasil de Responsabilidade Social Empresarial, como rede atuante de organizações da sociedade civil nessa área, agregando inclusive outras entidades que possam contribuir para a difusão da idéia e das ferramentas de trabalho selecionadas pela rede, a capacitação de organizações e movimentos sociais e a ação diretamente com as empresas.

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Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Para saber mais: http://www.oecd.org/about/0,2337,fr_2649_201185 _1_1_1_1_1,00.html . Pág. 7

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 3ª Edição

Publicada em Junho de 2005

Entrevista Miguel Milano* Responsável pela Diretoria Corporativa de Responsabilidade Social de O Boticário

1. O que motivou O Boticário a criar a Diretoria Corporativa para Responsabilidade Social? Milano: A consistente trajetória da empresa em termos de responsabili-dade social e investimento social privado, mesmo quando tais termos ainda não eram usuais. As posturas pessoais de compromisso social e ambiental de Miguel G. Krigsner, presidente, e Artur Grynbaum, vice-presidente, contribuíram muito para isso. Mas foi uma boa análise da situação da empresa nesse campo, frente ao que já fazia e ao que queria fazer, bem como ao que está acontecendo no Brasil e no mundo nesse campo, que culminou com a decisão. E isso confirma mais uma vez uma característica de O Boticário que é a de andar na frente, de definir as tendências. Foi assim, por exemplo, com a idéia de franquia no Brasil e com a forma de fazer investimento social privado, criando a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza quinze anos atrás, e também com a política de investimento social privado, de 2001, pela qual a empresa destina 1% do seu faturamento líquido anual para ações ambientais (Fundação O Boticario) e socioculturais (Instituto O Boticário). 2. Considerando essa motivação, você poderia destacar, em sua experiência,

aquilo que possivelmente mais influenciou na escolha do seu nome para ocupar essa função? Milano: Essa é uma pergunta que, certamente, seria melhor respondida pelo presidente ou pelo vice-presidente da empresa, ambos acionistas. Entre outros motivos, me é difícil respondê-la porque qualquer adjetivo positivo usado numa auto-avaliação pode ser facilmente mal interpretado. Isto posto, ouso considerar que, acima de tudo, a motivação maior que os levou a me convidar para tal posição é a confiança que depositam em mim, profissional e pessoalmente, decorrente do convívio de 15 anos como executivo à frente da Fundação O Boticario. Como você sabe, tive mais de vinte anos de vida acadêmica (UFPR em particular), que troquei pela atuação no terceiro setor, em muitos aspectos mais estimulante, produtiva e realizadora. Essa condição sempre me possibilitou estar envolvido na discussão de tendências nos campos mais próximos à minha área de atuação científica, que, aos poucos, foi ficando mais filosófica. E, nas condições de diretor executivo da Fundação O Boticário e de conselheiro do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), acabei sendo um ativo participante do processo de construção do moderno investimento social Pág. 8

Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 3ª Edição

privado no Brasil. Mais recentemente, como representante da Fundação AVINA para as regiões Sul do Brasil e Pantanal, estive fortemente envolvido com expressivas lideranças sociais e ambientais do País e seus projetos de vida, além de ter participado de muitos processos relacionados ao fortalecimento da idéia mais pura de responsabilidade social. Essas, certamente, foram algumas das credenciais que motivaram o convite para o desafio de estabelecer essa diretoria no âmbito de toda a corporação. 3. Que expectativas existem para essa Diretoria, por parte da empresa? Milano: O Boticário tem uma longa história de respeito e valorização às pessoas e à natureza e responsabilidade social não é nenhuma novidade. Fazendo uma relação com o mundo natural, n’O Boticário, responsabilidade social não é uma semente ainda por germinar, mas sim uma planta bastante robusta, ainda que jovem, e que, por isso, precisa ser cuidadosamente conduzida. Assim, mais que expectativa com a criação dessa diretoria, a empresa objetiva sistematizar a inclusão dos conceitos e princípios da responsabilidade social na gestão da empresa como um todo, em todos os seus processos, incluindo o conjunto dos fornecedores e o sistema de franquias. E, além disso, transformar tais direcionadores em uma cultura tão forte quanto hoje já é o respeito pelas pessoas e pela natureza; por sinal, aspectos componentes da responsabilidade social. 4. O que vai se transformar, na atuação da empresa, no âmbito das ações de responsabilidade social empresarial? Milano: Não muita coisa! O que vamos fazer, como já dito, é sistematizar processos e educar para que

Publicada em Junho de 2005

responsabilidade social seja a forma de gestão em todos os processos, da governança à produção, passando por suprimentos, comunicação etc. Assim, o que estamos fazendo agora é dar musculatura a políticas e processos préexistentes que, após revisados, estão confirmados. Temos políticas vigentes de “responsabilidade social”, “gestão ambiental” e “investimento social privado” desde 2001 e agora estamos tanto aperfeiçoando algumas das ferramentas para a execução de tais políticas como estabelecendo outras. Entre tais ferramentas está, por exemplo, o “conselho de ética, responsabilidade social e sustentabilidade”, em implantação. Esse conselho envolve a alta direção da empresa e é seguido por comitês equivalentes de implantação, animação e supervisão de tais políticas por área da empresa. Também estamos fortalecendo o componente responsabilidade social nos processos de avaliação de fornecedores e de franquias, processos nos quais O Boticário já é considerado benchmarking. Neste particular, por entendermos que não basta educar e cobrar, sendo também necessário motivar para que avancemos rapidamente para um país melhor e mais justo, decidimos reconhecer os destaques entre os fornecedores e entre os franqueados, premiando os melhores índices (ou práticas) de responsabilidade social em cada um destes segmentos. 5. Algum grupo de stakeholders (público interno, consumidores, franqueados, fornecedores etc) vai receber atenção especial nessas ações? Em caso positivo, por que esse grupo? Existe uma interface entre essa escolha e a estratégia do negócio? Milano: Como já fazemos, vamos trabalhar com todos os públicos de Pág. 9

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interesse do nosso negócio. O Boticário é uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil e na América Latina, tem um SAC (serviço de atendimento ao consumidor) reconhecido e premiado como o melhor do País, e tem a Fundação O Boticario de Proteção à Natureza, que é benchmarking para investimento social privado. Queremos manter tudo isso, que é tão difícil quanto chegar lá, mas também queremos avançar em outras áreas. Destaco nossa preocupação e decisão de atuar mais pró-ativamente na valorização da diversidade para inclusão sócioeconômica, com destaque para os portadores de necessidades especiais e os negros, este último, o grupo social que, na minha opinião, requer mais atenção neste país para que possamos sonhar com um mínimo de justiça social. 6. Há, por parte da empresa, a percepção de benefícios em relação a alguns desses stakeholders, decorrentes das ações de responsabilidade social realizadas até o momento? Que tipos de benefícios seriam esses? Milano: É importante dizer que não é o retorno comercial que move a empresa no sentido da responsabilidade social, mas a postura e o senso de ética, de fato. Nosso presidente, Miguel Krigsner, foi extremamente feliz em dizer que “quanto melhor for a comunidade em que atuamos, tanto melhor será viver e trabalhar nela; uma simples verdade que serve tanto para pessoas como para instituições”. Ao fazer a gestão da empresa com ética e compromisso social e ambiental, além da busca por resultados financeiros (obrigatório e pré-requisito para a própria existência da empresa), estamos construindo cidadania e um mundo melhor para nós mesmos. E isso é o mais importante. Mas, obviamente, também

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queremos ser reconhecidos por isso, o que pode ser traduzido por imagem pública, lembrança e simpatia para com a marca, melhor ambiente interno de trabalho, entre outros aspectos. 7. O Boticário divulgou seu último Balanço Social em 2002. Há a intenção de continuar a utilizar esse instrumento de gestão de RSE? Em sua opinião, essa ferramenta, que adota a participação e a negociação entre os atores envolvidos como princípio básico, teria uma importância no que se refere ao exercício da cidadania empresarial? Milano: Sem dúvida, o balanço social é uma ferramenta importante para a gestão da RSE; nós vamos voltar a publicá-lo e já tomamos todas as providências para fazêlo novamente já a partir do próximo ano, com base nos resultados deste ano de 2005. Mas, visando favorecer ao público o acesso a informações sobre nossa conduta social e ambiental, deveremos ter também disponíveis no portal da empresa na Internet até mesmo os resultados dos anos anteriores, cujos balanços sociais não foram publicados. Porém, analisando tanto nossos próprios balanços anteriores como muitos dos balanços publicados e distribuídos por outras empresas, acreditamos ser necessária a simplificação tanto do processo quanto de sua apresentação e produção gráficas, o que de fato promoveremos. 8. Existe a perspectiva de a empresa utilizar algum outro instrumento de gestão e/ou acompanhamento das ações de RSE? Milano: Na minha opinião, o balanço social é mais um instrumento de divulgação pública dos resultados alcançados pela gestão da RSE que um Pág. 10

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instrumento de monitoramento da gestão. A utilização sistemática e continuada dos indicadores Ethos, por exemplo, constitui uma boa forma de monitoramento da gestão da RSE, podendo o mesmo vir a ser dito sobre o sistema de avaliação da RSE recentemente estabelecido pelo Instituto Akatu. Há empresas que utilizam e recomendam a metodologia do score card como modelo de gestão. E é perfeitamente possível estabelecer ainda sistemas híbridos ou especiais que melhor retratem a situação de cada organização. Pessoalmente, sou favorável à adoção destes últimos, desde que atendam plenamente aos princípios gerais que devem orientar a gestão da RSE, embora não necessariamente venha a ser esse o nosso caminho. Hoje, temos na empresa um bom cruzamento das informações relativas a estes diferentes sistemas e aos compromissos que assumimos neste âmbito, o que permite uma clara visualização da nossa situação em cada tema específico. A partir da análise cautelosa dessas informações tomaremos a decisão sobre como melhor monitorar nossos processos.

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9. Há algo mais que gostaria de acrescentar? Milano: Creio que já gastei suficiente espaço editorial e tempo do leitor para encerrar por aqui. Resta-me apenas agradecer a oportunidade que nos foi dada, corporativa e pessoal, e parabenizá-los por tão importantes iniciativas da COPPE/UFRJ. Refiro-me à Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais (GIS) e ao Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social. ----------------------------* Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciências Florestais. Diretor da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e Diretor Corporativo de Responsabilidade Social do Grupo O Boticario. Membro dos conselhos diretores do GIFE (São Paulo) e da Forest Trends (Washington DC, EUA) e Professor visitante regular da Colorado State University (EUA). Foi professor da UFPR, representante da Fundação AVINA, diretor do IBAMA e da Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná. Orientou cerca de duas dezenas de teses de mestrado e doutorado, publicou mais de setenta trabalhos técnico-científicos e foi conferencista em mais de uma centena de eventos nacionais e internacionais.

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Entrevista Buscando a política num mundo de incertezas Entrevista com Zygmunt Bauman* Daniel Leighton**

Introdução Zygmunt Bauman é por muitos considerado como uma das mais originais e profundas vozes do pensamento social contemporâneo. Seu trabalho entrelaça com destreza temas como ética, cultura e política com a intenção expressa de interpretar a sociedade de uma maneira que nos desafia e provoca a aspirar por algo melhor. As idéias de Bauman sobre consumismo e pobreza, incerteza e insegurança, descompromisso político e indiferença moral, devem nos levar a refletir da próxima vez que ouvirmos as costumeiras palavras mágicas do Novo Trabalhismo1 de “bom para a economia, bom para a justiça social”. Alternando-se entre o inspirador e o desconcertante, o pensamento de Bauman sempre fez polinizações cruzadas entre variadas perspectivas políticas e intelectuais, dos valores social-democratas de William Beveridge às teorias democráticas radicais de Cornelius Castoriadis e Hannah Arendt. Basta dizer que é notória a dificuldade de classificá-lo. Enquanto se tornava conhecido por sua influente e desmistificadora compreensão sociológica sobre a pós-modernidade, ele 1

Traduzimos como Novo Trabalhismo a denominação “New Labour” adotada como nome alternativo pelo Partido Trabalhista britânico (N. da T.).

voltou-se explicitamente para a política numa série de livros e ensaios publicados entre 1998 e 2001. Entre eles incluem-se Work, Consumerism and the New Poor (1998), Globalisation the Human Consequences (1998), In Search of Politics (1999) e Liquid Modernity (2000). Em seu trabalho recente, Bauman vem lutando corpo a corpo com o dilema político de nossos tempos pós-modernos, ou (como ele agora prefere classificá-los) “liquidamente modernos”. Bauman destacou de forma coerente o declínio das instituições políticas tradicionais e da política de classe, o crescimento da política neoliberal e da política de identidade, e a natureza fluida e fragmentária dos vínculos sociais e da identidade individual. Essas pressões contribuem tanto para a “individualização” quanto para um comunitarismo limitado, que Bauman percebe como erosivos de nossa capacidade de pensar em termos de interesses e destinos em comum. Ainda assim, ele se recusa a abandonar a noção de que a política pode ser (ou tornar-se) um veículo para traduzir problemas privados em interesses públicos e para a busca democraticamente suscitada por soluções coletivas. Como tal, ainda que seu trabalho aceite as premissas que incitaram

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Anthony Giddens2 a procurar uma renovação da social-democracia, ele se recusa a aceitar muitas das conclusões que compõem a política da Terceira Via. Em vez disso, continua a apresentar perguntas difíceis. Perguntas que com muita freqüência nos deixam desconfortáveis quanto às limitações que o Partido Trabalhista nos tem imposto em seu pensamento atual sobre as relações entre estado, mercados, responsabilidade individual e justiça social. É central para a análise de Bauman a noção de que as sociedades de hoje estão integradas em torno mais do consumo do que da produção. A liberdade ganha corpo a partir da liberdade de escolher como satisfazer desejos individuais e construir sua identidade por meio do mercado consumidor. Em conseqüência, Bauman argumenta que liberdade e destino individual tornaram-se crescentemente "privatizados". E que uma “vida crescentemente privatizada alimenta o desinteresse pela política”, sentido por todos, tenham ou não a possibilidade de gozar da liberdade como consumidor. E a política livre de restrições expande o alcance da privatização, gerando assim “indiferença moral” (Bauman 1994: 27)3. Ao mesmo tempo, vivemos cada vez mais sob condições de insegurança e incerteza engendradas global e sistematicamente, o 2

Sociólogo britânico, autor de The Third Way: The renewal of social democracy (1998), The Third Way and its Critics (2000), identificado como um dos responsáveis pela concepção de Terceira Via, base para a política proposta pelo político trabalhista inglês Tony Blair, na campanha para a eleição que o levaria a tornar-se primeiro-ministro. Ambos os livros citados têm tradução no Brasil. A Terceira Via consistiria numa proposta de atualizar a social-democracia, conciliando flexibilidade econômica com instrumentos de proteção social. (N. da T.) 3 As citações foram traduzidas diretamente do texto, não utilizando as versões dos livros publicados em português. Foram mantidas também as referências feitas no texto às versões originais dos livros.

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que contradiz a promessa de uma individualidade autoconfiante não só para os “excluídos”, mas para muitos dos "incluídos". Como o sociólogo Richard Sennet expressou recentemente, quando os políticos falam em responsabilidade individual e empreendedorismo, pressupõem “uma confiança que pessoas comuns freqüentemente não sentem” (New Statesman 17.12.01). Mesmo quando os políticos se referem de modo progressivo a comunidade e regeneração social, a meta ideal adota como modelo a liberdade de consumir e o “empoderamento individual”, que podem, na verdade, perpetuar a insegurança e a incerteza mais do que se atingir suas causas primárias. Ao promover e idealizar o modelo da liberdade de consumir e da responsabilidade individual, o governo repete a lógica de um consumismo que promove “soluções biográficas para aflições socialmente produzidas”. Logo, para Bauman, o “principal obstáculo que precisa ser examinado urgentemente diz respeito às crescentes dificuldades de traduzir problemas privados em questões públicas … em recoletivizar as utopias privatizadas da `política-vida´, de tal modo que possam de novo adotar a forma das visões da sociedade `boa´e `justa´” (Bauman 2000: 51). Ainda que possam parecer grandiosas e anacrônicas para alguns, essas preocupações fazem surgir várias perguntas desconfortáveis e provocativas sobre as limitações da visão política do Novo Trabalhismo. Em que extensão os governos nacionais podem abordar problemas sistêmicos e desigualdades estruturais do capitalismo global é uma questão controversa. E, no entanto, sentese com freqüência a ausência de um devido reconhecimento desses problemas sistêmicos e de uma tentativa séria de tratar deles, não só em termos de política Pág. 13

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governamental mas também em temos dos ideais a ela subjacentes. O relatório pré-orçamento de novembro4 do Ministro das Finanças tinha o título laudatório de Construindo uma GrãBretanha Mais Forte e Mais Justa num Mundo Incerto. O título parece reconhecer de imediato o problema da incerteza mencionada acima. No entanto, é possível afirmar que um governo que faz proselitismo do crescimento econômico, da flexibilidade no trabalho e da empresa como as respostas para os problemas da exclusão social e do bem-estar social, esteja preparado para lidar com a incerteza e a insegurança geradas pelas próprias respostas apresentadas de modo ostensivo? Pode a “economia política da incerteza” que resulta do downsizing e da reestruturação permanentes ser tratada por chamados à responsabilidade individual e à re-moralização da ética do trabalho? O princípio da segurança social de Beveridge, como um seguro coletivo universal contra a insegurança do emprego, é um anacronismo moralmente pernicioso numa sociedade de empresas ou um bloco para construir a cidadania empenhada, mais relevante que nunca? Se consumidores soberanos, indivíduos empreendedores e comunidades de língua inglesa tementes a Deus são os que movem o mundo, que lugar há para cidadania como busca política coletiva? A entrevista abaixo tenta destacar a provocação que o pensamento de Bauman cria para as ortodoxias vigentes no âmbito do Novo Trabalhismo, em relação a consumismo, políticas de bem-estar social, justiça social, cidadania e temas mais amplos, como apatia política e visão política. A entrevista foi feita por e-mail, em novembro de 2001, e somos extremamente gratos ao Professor Bauman 4

Trata-se de novembro de 2001 (N. da T.).

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por partilhar conosco seu discernimento (e acuidade). Dada a riqueza e a profundidade dos escritos de Bauman, uma rápida troca dessa natureza, por e-mail, não permite senão discernir superficialmente seu pensamento. Consumismo, bem-estar e ética do trabalho No livro Work, Consumerism and the New Poor você traça a passagem de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores. Por que, em sua opinião, essa passagem exige uma mudança na forma como vemos as dificuldades dos pobres na sociedade de hoje e o que essa passagem significa para uma política tradicional de bem estar social baseada na ética do trabalho? Bauman: O movimento da sociedade de produtores para a sociedade de consumidores deixou os pobres deste mundo sem uma “função útil”. Sempre que a economia encontra-se em estagnação, nossos líderes políticos apelam aos cidadãos não para trabalharem mais, mas para usarem seus cartões de crédito com mais freqüência, na expectativa de uma “recuperação conduzida pelo consumidor”. Quando se trata de revigorar a “economia” (medida pelo dinheiro trocando de mãos no Mercado), os pobres não têm condições de emprestar nem de tomar emprestado: não possuem nem cartões de crédito nem poupanças para esvaziar, e as coisas que eles comprariam em primeiro lugar, caso tivessem dinheiro, não seriam as mercadorias caras que as companhias precisam vender para recuperar a confiança dos acionistas. O arquiinimigo do capitalismo inicial, como observou Max Weber, era o “trabalhador tradicional” – aquele que não via sentido em trabalhar a semana inteira Pág. 14

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se o pagamento de hoje era suficiente para mantê-lo durante sete dias... “Trabalhadores tradicionais” não iriam se expor à desanimadora rotina do chão de fábrica se isso não fosse uma questão de vida ou morte. Ainda não haviam sido treinados a trabalhar por trabalhar, nem se resignado a um trabalho despido de todos os sentidos que possuía anteriormente, com exceção de meio para a mera sobrevivência corporal. O arquiinimigo do capitalismo de hoje é, para variar, o “consumidor tradicional” – aquele que compra coisas não porque estejam sendo oferecidas de modo intrusivo e vociferante, mas apenas porque precisa delas. Os pobres são esses “consumidores tradicionais” e nada vai mudar isso enquanto permanecerem pobres. Nos padrões do capitalismo contemporâneo, eles são um caso irremediavelmente perdido. Não há por que apelar a seus “desejos reprimidos” e tentar introduzir novos desejos. Não é de espantar que sejam vistos como uma carga desnecessária; o único serviço que poderiam prestar é desaparecer sem ruído, ao menos da vista. No mundo dos produtores, os pobres eram num dado momento produtores desempregados a serem chamados ao serviço ativo quando as coisas melhorassem. Mantê-los prontos para esse serviço era um investimento cuja razoabilidade não se podia negar. Bem antes que essa curiosa expressão fosse inventada, manter uma provisão coletivamente financiada para os (temporariamente) indolentes era uma questão “para além da esquerda e da direita”. No mundo de consumidores, os pobres que no momento estejam desempenhando seus deveres de consumidores aquém do desejável são, pura e simplesmente,

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“consumidores fracassados” e fracassados sem redenção (e vice versa: aqueles que não conseguem se comportar como consumidores criteriosos e adequados, devem se considerar, e ser vistos pelos outros, como pobres). Os negócios podem se tornar mais ativos no futuro, mas não é possível imaginar que os pobres vão ser então chamados ao serviço ativo do consumo. Investir em sua sobrevivência significa jogar dinheiro fora; pode ser justificado por impulsos caridosos ou para manter a paz e a calma – mas 'significado econômico' é quase certo que não tem. Tal investimento apenas prolongaria, com baixa expectativa de vir a se interromper, o deplorável procedimento de retirar dinheiro do comércio de mercadorias – o único lugar em que gastar dinheiro tem sentido econômico… Assim, em marcada oposição com a sociedade dos produtores, cortar a ajuda financiada coletivamente para os (permanentemente) indolentes é uma questão para “além da esquerda e da direita”. A presença dos pobres é, a partir de então, amplamente percebida como um encargo, perdido e sem salvação. Uma ferida nos olhos dos consumidores, pois são perseguidos para fora das ruas. Uma ferida nos olhos dos políticos, pois são expulsos das por demais visíveis estatísticas sobre gastos com bemestar para as menos visíveis estatísticas dos subsídios a empresas. Ao fim e ao cabo, não é contra a pobreza que são empreendidas guerras, mas contra o 'problema dos pobres'. Os pobres são prejudicados – mas é a sociedade como um todo que é prejudicada, como conseqüência. O Estado de Bem Estar promovia e sustentava o princípio da responsabilidade coletiva pelo bem-estar individual, de seguro coletivo contra a adversidade individual. Doações para os pobres, ou pagar a companhias privadas para que ajudem no esforço de Pág. 15

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deixar os pobres invisíveis, esgota e desacredita esse princípio. Os pobres podem ser deserdados e sentir-se ressentidos e excluídos – mas todo o resto de nós perde o sentimento de comunidade nesse processo. Dado o seu entendimento do gênero novo de dificuldades dos pobres como consumidores fracassados, como interpreta a persistência da ética do trabalho na “guerra contra a pobreza” do Novo Trabalhismo? Chama mais a atenção, a esse respeito, a política trabalhista Welfare to Work5 e a extensão do programa New Deal6 aos trabalhadores. O manifesto de 2001 afirma: “Com o trabalhismo, o estado de bem estar ajuda as pessoas a terem trabalho, faz com que o trabalho compense, dá apoio a elas no trabalho e requer como contrapartida o cumprimento de responsabilidades. Nossa ambição é o pleno emprego em cada região – bom para a economia, bom para a justiça social”. Isso é apresentado como um círculo virtuoso, pelo qual o programa New Deal conduz a “empregos de verdade, uma conta mais baixa de benefícios e maior volume de receitas em impostos”. Desembrulhando esse “círculo 5

A expressão Welfare to work refere-se a políticas públicas, implantadas nos Estados Unidos e no Reino Unido, no âmbito do esforço para reformar seus sistemas de bem-estar social e seguridade social. Embora sejam diferentes em cada país, essas políticas têm como eixo proporcionar trabalho para recipientes (ou candidatos a recipientes) de benefícios sociais. Os programas abrangem ações de capacitação dos desempregados, estímulo para que busquem trabalho, incentivos às empresas que oferecem vagas. A expressão tem sido usada ainda para fazer referência a outras políticas desse gênero, implantadas em diferentes países. 6 Conjunto de iniciativas para capacitação de pessoas desempregadas, subsídios para empresas que ofereçam empregos a participantes do programa, programa de voluntariado para candidatos a benefícios sociais que queiram trabalhar.

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virtuoso”, como se pode entender a função política da ética do trabalho numa sociedade em que os negócios e a economia não mais requerem emprego em massa em tempo integral? Bauman: Os analistas concordam que o programa “welfare to workfare” surgiu nos EUA, motivado principalmente por razões atuariais. Não conduziu a uma elevação do padrão de vida dos pobres, nem tampouco interrompeu a ampliação e o aprofundamento da pobreza. Apenas retirou da rubrica de assistência social os custos de compensar ou mitigar os efeitos sociais do mercado de trabalho “desregulamentado” – custos com segurodesemprego, em primeiro lugar – e os transferiu para outra: subsídios às empresas e redução de impostos, dificultando assim a tarefa de avaliar e medir a verdadeira extensão do desemprego e, portanto, a magnitude do mau funcionamento da economia desregulamentada. Tal transferência de fundos e de responsabilidades resultou numa redução ainda maior dos padrões de vida dos pobres e, além disso, no desmantelamento, para efeitos práticos, da rede de segurança; a certeza da assistência social desapareceu, substituída pelos caprichos do fluido e notoriamente instável mercado. Não há método melhor (e mais cruel) de tornar o trabalho 'flexível' – isto é, submisso aos caprichos dos aspirantes a empregadores – do que (para usar a expressão de Pierre Bourdieu) precariedade existencial gerada e continuamente aprofundada pela recusa de uma garantia quanto à garantia de um mínimo para sobreviver – aquela idéia original, e a mais elevada realização, do estado de bem-estar fundado nos princípios de Beveridge. A realização de trabalho, proposta para substituir os benefícios sociais removidos, mostrou-se ser não apenas mal Pág. 16

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remunerada, mas precária ao extremo: de curto prazo, facilmente interrompida, sem nenhuma estabilidade baseada em obrigações contratuais nem a perspectiva de desenvolvimento de habilidades ou de progresso na carreira. Esse caráter frágil do emprego deixou os empregados desamparados para resistir às condições dos empregadores, não importa o quão agressivas elas possam ser; virtualmente eliminou os métodos já testados de autodefesa dos trabalhadores e desencorajou todas as formas de ação coletiva, e assim atomizou ainda mais o que havia restado da solidariedade uma vez existente entre as fileiras de trabalhadores, afetando não apenas os antigos beneficiários da assistência social, mas a força de trabalho estabelecida. Como resultado, o desnível entre as rendas de ricos e pobres ganhou proporções formidáveis. Richard Rorty, um observador agudo e consciencioso das tendências na vida americana, prevê que “75% dos americanos verão seus padrões de vida em permanente diminuição”. Cada vez mais famílias – incluindo aquelas previamente consideradas como incondicionalmente de classe média – são reduzidas a uma “existência humilhante, em nível de mera subsistência”, e são “constantemente atormentadas pelo receio de cortes de salários e downsizing”. Setenta e dois por cento dos americanos consideram agora que “demissões e perda de postos de trabalho vão continuar indefinidamente neste país”. Há outra transferência de recursos oculta pela política de “welfare to workfare”: da previdência social para gastos em organismos de manutenção da ordem e da lei e de punição, indicando a tendência geral de criminalização da pobreza. Em Nova Iorque, por exemplo, no período de cinco anos encerrado em 1999, o orçamento da polícia cresceu 40%, e a força policial, em 12.000 pessoas, enquanto o orçamento de assistência social

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decresceu 30% e o número de funcionários na assistência social, em 8.000. Na Califórnia, o orçamento para penitenciárias cresceu entre 1975 e 1999 de 200 milhões de dólares para 4,3 bilhões de dólares, enquanto as quantias dedicadas à assistência social caíram 41%. Na visão de Loïc Wacquant, há uma íntima correlação (e provavelmente uma ligação causal) entre o número de pessoas cumprindo sentenças de prisão, grau de desregulamentação do mercado de trabalho e a extensão das diferenças de renda. Diante de tudo isso, chamamentos à ética do trabalho parecem ser, na maior parte dos casos, instrumentais, quando acompanhadas do corte do seguro coletivo contra o infortúnio individual – a pedra angular do estado de bem-estar. O novo mercado de trabalho desregulamentado promove tudo, menos a dedicação e a perícia que a ética do trabalho – transformando trabalho em vocação – pretendia cultivar. Cidadania Tanto no livro Work, Consumerism and the New Poor quanto no In Search of Politics você propôs a idéia “irresponsável” de uma renda básica universal como possível meio de mitigar a insegurança do mercado de trabalho de hoje. Ao apresentar os diversos argumentos morais, sociais e econômicos para desvincular o direito a uma renda da capacidade de ganhar renda, chega a apresentar um argumento especificamente político em defesa da renda básica. Por que adota esse curso político e qual o vínculo disso com sua compreensão mais ampla de cidadania? Receio que tenhamos nos afastado (ou sido afastados) para tão longe da habilidade de entender o que significa assegurar, por mútuo consentimento e esforço partilhado, uma vida digna e segura para todos – que uma “renda Pág. 17

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básica” poderia ser um passo de gigante à frente. Consideramos a idéia difícil de compreender, já que por anos ouvimos dizerem a nossa volta que benefícios sociais deveriam ser “dirigidos àqueles que mais delas necessitam”. Essa frase não é senão uma forma “politicamente corrigida” (mais exatamente: envernizada) de dizer que abandonamos as sublimes ambições de nossos pais e voltamos à idéia de caridade, aquela idéia prenhe de humilhação contra a qual os defensores do estado de bem estar social se rebelaram? Bauman: Que os pobres precisam ser ajudados não exige argumentação. Tampouco o dever moral de mitigar seu sofrimento. Mas a idéia de estado de bemestar, ainda que muitos de nós tenhamos agora esquecido, dizia respeito a mais, muito mais do que isso. Dizia respeito a todos merecerem o cuidado da comunidade, não apenas quando passassem por tempos difíceis, mas por serem cidadãos do estado, que pertencia a todos os seus cidadãos de modo equânime. Os críticos do estado de bem estar social enfatizavam que a assistência social estigmatizava os que a recebiam; mas fomos nós que a tornamos estigmatizante – ao criar intermináveis cadeias de “provas de meios de subsistência” cada vez mais rígidos, transformando sub-repticiamente direitos em doações, atribuindo ao “público elegível” uma suspeita, sancionada pelas autoridades, de indolência, má vontade, malandragem e fraude, e culpando por seu infortúnio os que dele sofrem. Como no livro “Erewhon”, de Samuel Butler, o infortúnio tornou-se um crime, e o crime mais grave de todos. A “assistência focalizada” divide e cria antagonismos: coloca as “pessoas que dão” contra as que “tomam”. Uma “renda básica” é, ao contrário, uma idéia voltada para eliminar as divisões entre os que dão e os que recebem e de dissolver a

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própria distinção entre dar e receber na vocação do cidadão. Essa idéia pretende fazer de todos nós “partícipes” da comunidade do estado nacional. Pretende unir, não dividir, e, acima de tudo, transformar questões públicas em questões genuinamente compartilhadas, do interesse de todos, que exigem a atenção de todos e demandam a contribuição de todos. Pode-se dizer que ela pode dar ao status de cidadão ativo a materialidade tangível de que no momento carece e, ao mesmo tempo, abrir o caminho para restaurar o vínculo entre preocupações privadas e questões públicas, brutalmente rompido nos anos da moda neo-liberal. Talvez possa até nos ajudar a relembrar a verdade conhecida já por Aristóteles, de que não pode haver uma “vida boa” a não ser numa boa sociedade. É isso que quero dizer ao insistir que “renda básica” não é apenas uma forma de resolver conhecidos problemas de bem estar social; é uma forma de restaurar uma verdadeira cidadania, vigorosa, engajada; uma forma de fazer reconhecer que o país é uma propriedade compartilhada por todos os seus cidadãos, pela qual todos os cidadãos têm responsabilidade; é também um estímulo a agir em conformidade com esse reconhecimento. Esse seu argumento leva ao tema da relação entre a política pública/visão política do governo e a concepção da cidadania que ele parece buscar e promover. Gostaria de fazer referência a algumas citações para que me ajudem a lhe perguntar como vê essa relação articulada pelo Novo Trabalhismo: "Quero que cada jovem possa ouvir falar sobre negócios e empresas na escola; que cada professor seja capaz de transmitir as virtudes e o potencial do mundo dos negócios e dos empreendimentos; e quero que cada Pág. 18

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comunidade considere os empresários como exemplos" - Gordon Brown7, janeiro de 2001. Em Outubro de 2001 o Departamento de Indústria e Comércio lançou o programa Consumidor Confiante, que ajudará “adultos vulneráveis a se tornarem consumidores confiantes”. O CD interativo, para ser usado com tutores, tem como objetivos: dar aos jovens e adultos as habilidades, conhecimento e confiança de que necessitam para ser consumidores criteriosos; ajudar a combater a exclusão social; e buscar qualificar jovens e adultos e torná-los capazes de desempenhar um papel ativo e gratificante na sociedade. Dada sua afirmação de que “quanto mais hábil o consumidor, menos capaz o cidadão”, como interpreta a exaltação que os trabalhistas fazem do mundo empresarial, das empresas e do consumismo como virtudes essenciais dessa visão política? É correto ver nisso uma tentativa de promover a cidadania por meio das virtudes empresariais e do consumo, ou simplesmente não há nenhuma concepção de cidadania em jogo? Bauman: As citações falam por si mesmas; deixam pouco espaço para a imaginação e pouco espaço, se é que deixam algum espaço, para disputas interpretativas. Consideremos primeiro as idéias de Gordon Brown. Elas mostram os empresários como o exemplo da vida “boa” (decente? digna?); elas confundem (de propósito, mais do que por omissão) “boa associação” com “vida boa” assim compreendida; assinam um cheque em branco para qualquer coisa que os empresários (conhecidos por sua 7

Ministro das Finanças.

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disposição instável e seus modismos) possam considerar hoje ou amanhã como correto e adequado; entregam, antes que a batalha tenha começado, sua prerrogativa (e o que há não muito tempo seria o dever) de líderes políticos de formular e submeter ao julgamento dos cidadãos o modelo de boa sociedade e da correta ordem de valores – eles capitulam aos operadores do mercado; e propõem que os professores sirvam ao mercado, que é conhecido exatamente por sua falta de interesse por todas as iniciativas e propósitos que “não façam sentido do ponto de vista econômico” (quer dizer, a menos que haja a necessidade de combater tais iniciativas – mas Gordon Brown assegura que o governo teria o devido cuidado de eliminar previamente tal necessidade). Vamos considerar agora o programa “Consumidor Confiante”. O documento que você cita não é senão a continuação da infame série de Cartas do Cidadão8 criadas por John Major, com o uso de vocabulário levemente “corrigido politicamente” (veja a referência claramente fora do lugar a “lutar contra a exclusão social”). Reduz o cidadão a um consumidor: o direito do cidadão de ter-lhe oferecidos mercadorias e serviço pós-vendas de boa qualidade, o dever do cidadão de propiciar uma “saída induzida pelo consumo das depressões econômicas” ainda por vir. E propaga e perpetua a danosa ilusão (à sociedade e a cada um de seus membros) de que a confiança do consumidor (há uma mentira aqui: não pode haver confiança sem recursos que permitam a ação confiante) é a cura para problemas experimentados de forma individual e compartilhada. Ainda que, se me lembro bem, John Major nunca 8

A Carta dos Cidadãos criada no governo do primeiro-ministro John Major, do Partido Conservador, tinha a intenção de promover uma mudança na administração pública, enunciando princípios para seu funcionamento e estabelecendo padrões de qualidade a serem observados na prestação de serviços. Pág. 19

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tenha tido a audácia de proclamar o consumidor como o ponto final e o propósito do “tornar-se adulto”, ou de que o consumismo é uma cura para a vulnerabilidade. Suas Cartas se inspiravam na crença (uma crença correta) de que ser abandonado aos caprichos do mercado é uma fórmula infalível a favor – e não contra – da vulnerabilidade. A verdade é que as habilidades do consumidor, na verdade, crescem na mesma proporção em que a inaptidão do cidadão e, em última instância, a impotência do cidadão. A “habilidade do consumidor” consiste em buscar soluções biográficas para problemas produzidos socialmente; para usar uma metáfora – consiste em combater a ameaça nuclear adquirindo um abrigo nuclear doméstico, ou combater a poluição da água encontrando uma marca confiável de água mineral. As habilidades de consumidor certamente não incluem a arte de traduzir problemas privados em questões públicas, e interesses públicos em direitos e deveres individuais – a arte que constitui o cidadão e mantém íntegra a polity como a congregação de cidadãos. Suspeito que essa cidadania plenamente desenvolvida não seja a principal prioridade (talvez nem a última) para um governo ocupado em abdicar de suas responsabilidades tradicionais, “terceirizando” suas obrigações sociais e privatizando as condições da vida humana para além do alcance do controle democrático e político. Aquilo que os documentos citados fazem é esvaziar a idéia de cidadania de sua substância política e vender a concha vazia que sobra depois desse golpe de mão. Apatia política? Em reação ao mais baixo comparecimento às urnas na Grã-

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Bretanha desde 1918, o Comitê de Administração Pública da Câmara dos Comuns convocou a instalação de uma “Comissão pela Democracia” para lidar com o que chamou de crise disseminada pelo “desengajamento cívico”. No entanto, o período 1997-2001 foi de crescimento da ação direta e do protesto em todo o espectro social e político, tendo ocorrido desde o movimento “anti-globalização” aos protestos contra o aumento do preço da gasolina e contra a pedofilia. Em primeiro lugar: o “desengajamento cívico” é filho legítimo de um governo que reduz os cidadãos a consumidores? Em segundo lugar: de que forma o desaparecimento de um espaço público do tipo que você discute no livro “In Search of Politic”s – e a busca por esse espaço público – se conjuga com a expansão de movimentos de protesto? O paradoxo entre um “desengajamento cívico” com relação ao governo e o crescimento de movimentos de protesto na sociedade civil torna problemático o uso corriqueiro do termo “apatia política”? Bauman: Já se tornou uma visão bem comum na ciência política de que há dois caminhos para que uma atitude seja percebida no cenário político (como no mercado consumidor): voz (fazer ruído) e abandono (sair do processo). Desde que essa distinção foi feita pela primeira vez, as duas estratégias têm sido vistas como alternativas: ou uma ou a outra. Ocorre que agora a voz – ser escutado e ouvido – tem que ser acompanhada de um abandono. E nada soa mais alto quanto a debandada de eleitores desencantados… Esperaram que multidões de eleitores abandonassem as eleições para que uma “Comissão pela Democracia” fosse estabelecida … enquanto as vozes contrárias que se fizeram ouvir dentro dos corredores do poder foram (e continuam a Pág. 20

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ser) facilmente silenciadas. É para isso que serve a disciplina partidária. É muito mais difícil abafar as vozes que se desviam das imposições dessa disciplina; as vozes que não esperam uma resposta dos poderes em vigência. Não é um fenômeno peculiar britânico uma queda acentuada na participação nos processos políticos estabelecidos. Está acontecendo em toda a Europa. Com a memória humana se reduzindo gradualmente em nossa sociedade da informação a cada ano, o ciclo se repete com espantosa regularidade: o descontentamento com um governo que esteja durando mais do que sua engenhosidade e que tenha ficado sem idéias induz a grande maioria dos eleitores a buscar solução em uma alternativa ainda não experimentada: as eleições que conduzem a uma mudança do partido no poder têm comparecimento em massa. E depois fica claro que o partido político no comando mudou, mas as políticas não mudaram, e as razões fundamentais para desejar a mudança não foram atendidas. Ocorre então uma reeleição, mas estabelecida por um número de votantes bem mais reduzido. Percebe-se que um mandato não é suficiente para transformar o desencanto em desejo de mudança. É preciso mais tempo para esquecer a última decepção e investir as órfãs esperanças em algum dos concorrentes. O ciclo esconde uma tendência bem mais consistente: a progressiva desvinculação dos problemas dos eleitores das instituições eleitas. Há órgãos políticos estabelecidos buscando apoio e os problemas da nação buscando remédio – e eles se encontram em ocasiões cada vez menos freqüentes. Os governos, tendo cedido a maior parte de seus recursos a forças sem controle e não-eleitas, têm menos e menos a oferecer. Acima de tudo, podem fazer bem pouco para deter o que

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mais assombra os eleitores: a incerteza quanto ao futuro e a insegurança quanto ao presente. E, tendo cedido a maior parte de sua função ortodoxa para as mesmas forças de mercado, não-eleitas e sem controle político, não precisam da “mobilização política”, e, portanto, não precisam de diálogo político, basta promover alguns “grupos focais”. As raízes da incerteza e da insegurança residem, de qualquer jeito, bem além do alcance dos governos nacionais. São globais, e localizadas no “espaço dos fluxos” (expressão de Manuel Castells) – fluxos que os governos, confinados no “espaço dos lugares”, não tem meios para deter ou mesmo frear. Reclamar dos modismos e caprichos das forças globais aos governos nacionais seria como fazer a dança da chuva num campo árido. Junto com a perda de interesse pelo diálogo político demonstrada pelos governos, testemunhamos ainda a perda de interesse pelos governos manifestada pelos governados. O que mais se poderia esperar de humanos abençoados/amaldiçoados com o dom da razão? Não há, e dificilmente poderia haver, soluções locais para problemas globais. Problemas incubados no nível global precisam ser tratados na esfera global. A política foi totalmente removida do “espaço de fluxos” global, onde poderia ser efetiva. A política ficou capturada no “espaço de lugares”, onde está fadada a permanecer sem efeito. Não temos “sociedade civil global”, nem “código legal global”, nem “judiciário global”, nem “ética global”, e, o que é mais decisivo, não temos “democracia global” (cuidado para não confundir barganhas entre estados com política global!) E, para ser franco, não temos à vista nenhuma ponte levando da “balcanização” política da Terra dos dias de hoje para qualquer forma de Pág. 21

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política que corresponda à atual globalidade da economia. As flutuantes coalizões ad hoc, curtas, entre alguns poucos estados, ligados provisoriamente, apenas durante sucessivas crises, contribuem mais para reforçar do que para mitigar a fragmentação política. Bem, os estados modernos não emergiram de conferências entre comunidades regionais, ou como federações de paróquias e vilas. Nasceram e cresceram em lutas encarniçadas com “particularismos locais”, e às custas de expropriar os poderes locais de uma boa parte de sua autoridade pré-moderna. Será que a mesma operação não terá que se repetir, dois séculos depois – mas dessa vez em escala global? Suspeito que os movimentos e as organizações nãogovernamentais, ignorando deliberadamente fronteiras entre estados e prestando pouca atenção às instituições do estado, poderiam ser vistas como manifestações dessa premonição, e como tentativas experimentais, de tentativa-e-erro de atuar nesse sentido. Há um crescente e genuíno “desengajamento cívico” em relação à “política como a conhecemos” – do tipo de política que se desenvolveu durante a história moderna para ajustar-se e servir à integração política em “estados-nação”. Mas seria um erro identificar as tendências atuais como uma retirada da política como tal. Interesses, esperanças e postulados políticos, desligados das instituições políticas existentes, encontram-se hoje em busca de novos portos onde ancorar. Terão em algum momento que se defrontar com o fato de que os portos buscados ainda não foram construídos e de que, antes de jogarem a âncora, eles precisam ser construídos. A agora apropriada às necessidades do planeta globalizado seria um sítio que traduzisse problemas individuais e locais em questões globais …

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Até chegarmos ao ponto em que podemos pensar a respeito de encontrar e construir agências coletivas globais para traduzir apreensões privadas em preocupações públicas, precisamos reenquadrar os atuais parâmetros do debate sobre Globalização e Socialdemocracia? Ou, perguntando de outra maneira, os problemas gerados pela economia política da incerteza podem ser tratados adequadamente no âmbito do discurso da Terceira Via – o qual tem sido apresentado como a forma mais viável de social-democracia na era global? Se não é assim, quais seriam os pontos de orientação em termos de princípios éticos e políticos que poderiam nos ajudar a aperfeiçoar o debate para dar lidar com o ciclo de insegurança/incerteza/desengajamento? Bauman: Confesso que tenho uma dificuldade bem elementar em entender o sentido de “Terceira Via”. Lembro-me de uma piada na Polônia comunista num tempo em que os governantes do país tentavam desesperadamente tornar a enferma economia um pouco menos ineficiente. “Há um par de trilhos em que os trens vão numa direção e outro par paralelo em que vão no sentido oposto. O trilho direito do primeiro par e o trilho esquerdo do segundo compõem um outro par de trilhos – que está sendo desperdiçado. Que tal se o pusermos em uso para ser aproveitado por trens indo para uma terceira direção?!” Mas, falando seriamente: presumo que os defensores da “terceira via” têm em mente usar os instrumentos capitalistas (comportamento motivado por uma mistura entre necessidade econômica gerada pela incerteza quanto à sobrevivência e desejo de lucro) para promover propósitos socialistas (eqüidade quanto à dignidade humana obtida por uma segurança quanto à sobrevivência Pág. 22

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individual garantida de modo coletivo). Se um tal feito pode ser realizado é uma questão controversa. Tenho minhas dúvidas, e a mais crucial delas vem da consciência de que quando reduzimos o conteúdo da caixa de ferramentas apenas aos instrumentos capitalistas, o que se está promovendo é uma visão de mundo e uma política de vida que torna os agentes desinteressados quanto a benefícios e responsabilidade coletivos, incapazes de cuidar dos primeiros e de assumir a segunda. As metas criam uma distinção entre instrumentos adequados e inadequados; e os instrumentos determinam o alcance das obras que podem ser realizadas. Isso é o que suspeito. Além disso, presumo que a “terceira via” é, para a antiga esquerda socialista (nunca se ouve essa expressão usada à direita do espectro político), a forma “politicamente correta” de expressar consentimento em relação ao avanço da desenfreada globalização. Podese ouvir com clareza o axioma NHA (“Não Há Alternativa”) por trás de cada frase do evangelho da “terceira via”. NHA em nosso tempo significa “não podemos ir contra as regras não escritas mas decretadas sem piedade pelas finanças globais e o comércio mundial. Temos que jogar segundo o livro de regras dos poderes globais – menos impostos, menos gastos públicos, exceto os subsídios para as empresas privadas, coloque tanto quanto possível a riqueza nacional fora do alcance do controle político dos cidadãos, mantenha o dissenso acuado e amordace os sindicatos, e, por outro lado, torne nossa terra ainda mais hospitaleira, convidativa e sedutora para o capital nômade – ou ele irá armar suas tendas nas terras de nosso vizinhos… Bem, admito que isso parece uma estratégia coesa do ponto de vista lógico - mas, por que chamá-la de “terceira via”?!

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Admito também que as pessoas que preparam o caminho para a desenfreada globalização (empunhem ou não a bandeira da “terceira via”) têm uma certa razão. As pressões de um capitalismo já globalizado são titânicas (o planeta está para se tornar um playground gigante e sem divisões para as forças de mercado, sem abrigo) e (em curto prazo, ao menos) os cidadãos dos países que se recusam a jogar terão que pagar o preço da desobediência. Dado que estamos todos, queiramos ou não, na condição de jogadores, prêmios e peões nesse jogo global, somos todos dependentes uns dos outros, e dessa interdependência global não há escapatória. Karl Marx acusava de utopianismo os primeiros socialistas que desejavam declarar o projeto capitalista nulo e inválido e voltar para a acolhedora/amigável corporação ou paróquia, a fim de iniciar a partir daí a reforma socialista. Acredito que a mesma acusação pode ser feita contra aqueles entre nós que desejam anular nossa nova interdependência global e querem que as tribos de Israel voltem para as tendas dos estados-nação… O capitalismo fugiu dos estábulos dos estados-nação para o espaço global, e, para capturá-lo novamente, domá-lo e treiná-lo para obedecer a regras legais e éticas, temos que segui-lo nesse espaço. Marx também explicou por que é imperativo para a sobrevivência humana mudar a forma capitalista de conduzir os assuntos humanos: ela falha em todos os testes de eficiência e moralidade. Desperdiça recursos naturais e humanos e é cega para o sofrimento que causa. Nada mudou desde que Marx deu esse veredicto – ainda que tanto o desperdício quanto o sofrimento tenham adquirido proporções globais. Por fim, Marx também sugeriu as razões pelas quais conduzir os assuntos humanos da forma capitalista era tanto Pág. 23

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antieconômico quanto antiético. Era, dizia ele, porque nossos instrumentos de ação eram, por sua capacidade e suas conseqüências, sociais, enquanto sua gestão era privada. Podemos hoje dizer que a capacidade de desperdício e a imoralidade da nova desordem capitalista por todo o mundo resultam do fato de que nossos instrumentos de ação são, por sua capacidade e conseqüências, globais, mas são gerenciados localmente. O socialismo dos séculos XIX e XX era uma contracultura do capitalismo entrincheirado em sua fortaleza do estado nacional. Era uma contracultura, já que, ainda que tendo aprovado a melhora das condições humanas prometida pelo capitalismo, criticava a forma utilizada pelo capitalismo para implementar essa meta. Eu diria hoje que o socialismo contemporâneo só pode ser uma contracultura do capitalismo que vaga livremente, sem controle ético e político, pela terra de ninguém, ou de terra fronteira, global. E diria que, nos dias de hoje, o caminho que o socialismo pode seguir só pode ser conduzir a democracia e a política ao nível global em que o capital busca e desfruta sua liberdade em relação a idéias humanas como decência e justiça. Em nosso lar planetário que partilhamos, nem a decência nem a justiça podem estar seguras estando confinadas às fronteiras de um ou de alguns estados.

Referências BAUMAN, Z. (1998), Freedom, Milton Keynes: Open University Press. BAUMAN, Z. (1994), Alone Again ethics after certainty, London: Demos.

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BAUMAN, Z. (1998), Work, Consumerism and the New Poor, Milton Keynes: Open University Press. BAUMAN, Z. (1998) Globalization - The Human Consequences, Cambridge: Polity Press. BAUMAN, Z. (1999), In Search of Politics, Cambridge: Polity Press. BAUMAN, Z. (2000), Liquid Modernity, Cambridge: Polity Press. TESTER, K. & BAUMAN, Z. (2001) Conversations with Zygmunt Bauman, Cambridge: Polity Press. ----------------------------* Publicada originalmente em Renewal: a journal of Labour politics, vol. 10, n. 1, inverno 2002 (www.renewal.org.uk). Permissão de reprodução obtida por correio eletrônico, de Neal Lawson (editor executivo), em 24/03/2005. Tradução de Arminda Eugênia Marques Campos. Zygmunt Bauman é professor emérito das Universidades de Varsóvia (Polônia) e de Leeds (Reino Unido). A página do Prof. Bauman na Universidade de Leeds, , com informações básicas a seu respeito, encontra-se em http://www.leeds.ac.uk/sociology/people/bauman.htm. Acreditamos que o pensamento de Zygmunt Bauman pode ser uma referência teórica importante para considerar o tema da responsabilidade social empresarial. Por isso incluímos neste número esta entrevista: para provocar nos leitores o desejo de se aprofundarem em seu pensamento e de o trazerem para essa discussão. Os seguintes livros de sua autoria foram publicados no Brasil: Ética Pós-Moderna (Paulus Editora, 1997), Modernidade e Holocausto (Jorge Zahar, 1998), O Mal-Estar da Pós-Modernidade (Jorge Zahar, 1998), Globalização: as Conseqüências Humanas (Jorge Zahar, 1999), Modernidade e Ambivalência (Jorge Zahar, 1999), Modernidade Líquida (Jorge Zahar, 2001), Em Busca da Política (Jorge Zahar, 2000), Comunidade: a Busca por Segurança no Mundo Atual (Jorge Zahar, 2003), Amor Líquido: sobre a Fragilidade dos Laços Humanos (Jorge Zahar, 2004). ** Daniel Leighton é cientista político, graduado pela Universidade de Leeds.

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Estudo de Caso Ouvir para Construir: a Comunicação Social como Agente de Viabilização de Ações Socialmente Responsáveis. As Práticas da Implementação de Empreendimentos de Gás e Energia pela Petrobras/Engenharia no Nordeste Luciana de Oliveira Leite *

Introdução A Gerência Executiva de Engenharia da Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A., desenvolve e acompanha projetos e soluções de engenharia para as diversas áreas de negócio da Companhia. Por meio de sua gerência de Implementação de Empreendimentos para Transporte Dutoviário, Gás e Energia (IETEG), a Engenharia da Petrobras vêm implementando projetos de gás natural (GN) no país que vão ao encontro do desafio estabelecido pelo Ministério de Minas e Energia (MME) de elevar, até 2010, a participação do gás natural na matriz energética brasileira dos atuais 7,5% para 15%. Por meio das unidades de implementação de empreendimentos (UIE) da IETEG, a Engenharia da Petrobras atua de acordo com as mais conceituadas normas de qualidade, segurança, meio ambiente e saúde (QSMS) nas obras de dutos, cumprindo a missão da Companhia. Dentre as unidades de implementação de empreendimentos da Petrobras/ Engenharia/IETEG, a IENE é aquela responsável pela criação da infra-estrutura necessária para ampliação da capacidade de transporte e disponibilização do gás natural no Nordeste. O desafio da IENE até 2007 é implementar o Projeto de Ampliação da Malha Nordeste de Gasodutos, que pressupõe a construção de cerca de 1.500 kilômetros de gasodutos, 19

Pontos de Entrega (city-gates) e três estações de compressão. A Petrobras/Engenharia/IETEG/IENE atua desde o acompanhamento do projeto, passando pelo licenciamento ambiental.e liberação de terras junto aos proprietários até, finalmente, a fase de construção e montagem. Uma vez implantado, o projeto de ampliação da Malha Nordeste permitirá o transporte de até 15 milhões de metros cúbicos/dia de GN nos próximos dois anos. A implementação de um projeto deste porte gera inevitavelmente impacto social nas comunidades do entorno em função das pré-noções formadas, expectativas geradas e temores pressentidos que culminam em inquietação social antes mesmo da implantação do empreendimento. Diante deste fato, a Comunicação Social têm se tornado matéria presente nos Estudos de Impacto Ambiental requeridos pelos órgãos licenciadores e a elaboração de um Plano de Comunicação Social, uma constante nas condicionantes de Licenciamento de Instalação (LI). Ciente dos impactos causados pela natureza do seu negócio, a Petrobras, empresa que prima pela atuação de forma segura e rentável com responsabilidade social e ambiental nas atividades da indústria de óleo, gás e energia, antecipa-se a qualquer tipo de exigência legal e busca conhecer melhor os cenários sócioambientais das regiões direta e indiretamente influenciadas por seus Pág. 25

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projetos e atividades garantindo a legitimidade do direito à informação e participação das comunidades utilizando Programas de Comunicação Social. Assim, o cerne dos trabalhos de Comunicação Social da Petrobras é o fortalecimento da imagem da PETROBRAS como empresa socialmente responsável, envolvida com todos os aspectos de segurança, meio ambiente e saúde (SMS), buscando reforçar o sentimento de confiança junto à comunidade do entorno dos seus empreendimentos. Adiante passaremos a discorrer sobre o Programa de Comunicação Social implantado pela Petrobras/Engenharia/ IETEG/IENE de dezembro de 2002 a novembro de 2003, nas comunidades de Vila São José, Sítio São José e Canapum, no município de Aracati – Ceará, situadas no entorno da obra de construção e montagem do gasoduto denominado Ramal Aracati, de 6,5 km e quatro polegadas de diâmetro. O referido empreendimento interligou a Estação de entrega de gás (City-Gate) às margens do gasoduto GASFOR I, Gasoduto Guamaré (RN) - Pecém (CE), com a Estação Redutora de Pressão próxima, permitindo o fornecimento de gás natural para a CEGAS - Companhia de Gás do Ceará e o conseqüente fornecimento às indústrias cerâmicas e postos de combustíveis do município de Aracati. A Comunicação Social na unidade de implementação de empreendimentos da Engenharia no Nordeste Para obtenção do licenciamento do gasoduto Ramal Aracati junto ao Órgão Ambiental competente, a gerência de Licenciamento Ambiental, Qualidade, Segurança, Meio Ambiente e Saúde (LAQSMS) da IENE contratou em 2002 a elaboração dos estudos ambientais requeridos pelo órgão licenciador por

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empresa especializada1 e independente, bem como um estudo de campo sócioambiental, históricocultural nas comunidades dentro da área de influência do projeto, denominado de Précomunicação social2. Este trabalho de pré-comunicação social foi planejando em 3 níveis de pesquisa e coleta de dados: • •



O primeiro nível consistiu na pesquisa de dados estatísticos sobre o município; O segundo, na visita à sede do município para apresentação do projeto ao administrador público e coleta de informações por meio de entrevistas às Secretarias Municipais. O terceiro, na observação local e aplicação de pesquisa mista, por amostragem, nas comunidades situadas na Área de Influência Direta (AID)3 do empreendimento a ser construído.

Assim, tendo em vista o traçado georeferenciado do gasoduto Ramal Aracati em projeto e o indicativo dos estudos de impacto ambiental realizados, a equipe de Comunicação Social ligada à gerência do LAQSMS da Unidade de Implementação de Empreendimentos para 1

AMPLA engenharia, Assessoria, Meio Ambiente e Planejamento Ltda – Fortaleza/CE. 2 A pré-comunicação social consiste em um diagnóstico realizado pelas unidades de implementação de empreendimentos do setor de Engenharia da Petrobras que permite conhecer melhor os cenários sócio-ambientais que, direta ou indiretamente, sofrem influência das atividades de implementação de empreendimentos, permitindo uma ação proativa junto a estas questões. Corresponde à primeira etapa do trabalho de Comunicação Social. 3 A Área de Influência Direta (AID) do empreendimento é a área diretamente impactada pelas atividades de construção, montagem e operacionalização do empreendimento. Foi considerada na época como sendo de 150 metros para cada lado da faixa de servidão do gasoduto, com base nos estudos de análise de risco. Atualmente a IENE considera a AID como sendo de 400 metros para cada lado do gasoduto. Pág. 26

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o Nordeste (IENE) reconheceu as comunidades de Vila São José Sítio São José e Canapum, distantes aproximadamente 150km de Fortaleza e onde residiam cerca de 200 famílias, como sendo o território para aplicação da terceira etapa da pesquisa de pré-comunicação social. O diagnóstico da pré- comunicação social permitiu à equipe de comunicação da Unidade de Implementação de Empreendimentos do Nordeste (IENE) elaborar estratégias de comunicação e metodologias adequadas ao tipo de empreendimento, região e ao nível sócioeconômico e cultural daquelas comunidades, que fossem capazes de minimizar e suprimir possíveis conflitos pela construção de relacionamentos, baseados no respeito e confiança mútuos e na interação entre as partes. Desta forma, a pré-comunicação social subsidiou não somente a elaboração de um Plano de Comunicação Social dirigido às comunidades afetadas pela construção e montagem do Ramal Aracati, como também a formatação de um Programa de Comunicação Social da IENE denominado “Petrobras Construindo com a Comunidade”. Assim, o Programa de Comunicação Social da IENE foi criado com o objetivo de promover esclarecimentos gerais sobre o empreendimento, sobre noções de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) e sobre os benefícios sócio-econômicos e ecológicos da utilização do gás natural às comunidades do entorno (comunidades lindeiras) utilizando veículos e métodos de comunicação compatíveis com a realidade local e capazes de permitir a construção de uma relação de co-responsabilidade e participação. O escopo do Programa “Petrobras Construindo com a Comunidade” considerou, além de ações de comunicação dirigida ao público externo (partes interessadas), ações para o público interno

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(força de trabalho). Assim, desde a fase que antecede a obra até a sua conclusão, foram estabelecidos canais de comunicação para transmitir e receber informações, dar tratamento a queixas e reclamações e responder precisamente às dúvidas e preocupações identificadas nas comunidades, bem como a preparação da força de trabalho para uma convivência pacífica, harmoniosa e segura com os habitantes locais e o meio ambiente. O marco inicial do Programa “Petrobras Construindo com a Comunidade” ocorreu em dezembro de 2002, nas obras de construção e montagem do gasoduto Ramal Aracati. A partir deste empreendimento, a IENE passou a estabelecer uma forma de relacionar-se que propicia a consolidação dos vínculos e das relações de confiança entre a empresa e as comunidades lindeiras, semelhante àquela que vinha sendo adotada por outras unidades de implementação de empreendimentos da Petrobras/ Engenharia/IETEG. Novas práticas foram incorporadas à forma de comunicar-se nas quais o diálogo, a troca de informações e opiniões, o respeito a tradições e costumes locais e, principalmente, a confiança e o respeito às diferenças foram considerados. O Programa de Comunicação Social da Engenharia/IETEG/IENE contou com o apoio de vários órgãos da Petrobras no Nordeste, como a TRANSPETRO4, a Unidade de Negócios da Petrobras no Rio Grande do Norte - CE (UN-RN/CE), Comunicação Institucional e outras áreas da Engenharia5 e baseou-se em três aspectos apurados pela pré-comunicação: a grande expectativa da comunidade quanto à geração de emprego, o receio quanto ao risco de explosões e acidentes e a preocupação com os possíveis impactos 4

TRANSPETRO – Petrobras transporte S/A é uma empresa subsidiária da PETROBRAS - Petróleo Brasileiro S/A. 5 Destaca-se o apoio da Engenharia/IETEG/ETEG/ EAMB, Engenharia de Avaliação Ambiental. Pág. 27

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gerados pela obra ao meio ambiente e ao cotidiano das pessoas. As primeiras ações de comunicação dirigidas ao público externo ocorreram quarenta e cinco dias antes do início das obras. Em três eventos, as comunidades foram informadas, por técnicos da Petrobras/Engenharia/IETEG/IENE, sobre o processo construtivo do gasoduto, suas etapas e duração, sobre a interdição de trechos e organização da passagem de carros e pedestres. O encontro contou com a participação do grupo de teatro Zu Araripe que, de forma lúdica e divertida, abordou a curiosidade e ansiedade da comunidade por informações do empreendimento.

Nestes três eventos foram esclarecidos muitos questionamentos, a exemplo da necessidade de pessoal especializado para o trabalho e o exíguo tempo para treinamento da mão de obra local, contrapondo-se à expectativa de geração de empregos diretos. Dúvidas comuns sobre Segurança e Meio Ambiente e Saúde (SMS) foram sanadas quando foram apresentados os processos de monitoramento via satélite, inspeção e manutenção do gasoduto, as características do gás natural e a sistemática de recomposição da vegetação da faixa de servidão do gasoduto.

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Ao tempo em que as preocupações da comunidade foram sendo dirimidas de forma ética e transparente, construiu-se uma relação de confiança entre a Comunidade e a Petrobras. A atmosfera de cooperação, reciprocidade e adesão instaurada garantiu o sucesso dos encontros que se sucederam. Muitas reuniões foram realizadas visando tranqüilizar a comunidade sobre o processo construtivo, buscando minimizar os impactos na vida desses moradores. O objetivo destas ações dirigidas ao público externo era o de transmitir conceitos de SMS e informações sobre o andamento da obra em linguagem lúdica e interativa, que permitisse a participação da comunidade por suas manifestações culturais e potencialidades locais, como por exemplo, da participação do Teatro de bonecos e de mamulengos e do Teatro de Rua do Grupo Frente Jovem.

Considerando a relevância dessas questões, muitas ações do Plano de Comunicação Social foram estruturadas em função de datas comemorativas, como por exemplo o Dia do Meio Ambiente que foi comemorado com palestras, projeção de vídeos, plantio de mudas frutíferas em terrenos das escolas e apresentações de coreografias e músicas criadas pelos jovens da região como o RAP da Ecologia, dos alunos da Escola Pompeu Costa Lima Filho6. No dia do SMS, as palestras 6

A Escola de Ensino Fundamental Pompeu Costa Lima Filho, situada na Vila São José – Aracati/ CE, Pág. 28

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educativas contaram com a participação do Programa de Criança da Petrobrás, patrocinado pela Unidade de Negócios da Petrobras no Rio Grande do Norte-CE (UN-RN/CE) e de animadores do SESI de Mossoró, além de um técnico da Secretaria de Saúde local que falou sobre os hábitos alimentares da população. Nas escolas dessas comunidades também foram desenvolvidas atividades, com a distribuição da Revista em quadrinhos do Genê7, que de forma divertida transmitiu às crianças informações sobre a origem desse combustível, suas vantagens e aplicabilidade no dia-a-dia e a Sessão Pipoca que proporcionou o contato dos alunos com o universo do cinema e promoveu debates sobre os assuntos abordados nos filmes. Para as ações de saúde previstas no Plano de Comunicação Social, a Petrobras/ Engenharia/IETEG/IENE contou com o apoio técnico do Poder Público Local, por meio da Secretaria Municipal de Saúde de Aracati e da Secretaria de Ação Social do Governo do Estado do Ceará nas palestras serviu como principal espaço para realização dos trabalhos de Comunicação Social. Nela ocorreram diversas apresentações em um palco montado e doado pela Petrobras. 7 O personagem Genê é a mascote do gás natural desenvolvido pela empresa Comunicar Consultoria Ltda que cede o direito de uso à Petrobras para ser utilizado caso a caso, em matérias de apoio como revistas, cadernos, folhetaria, esquetes teatrais, dentre outros.

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sobre noções básicas de saúde da mulher em Canapum, e sobre cuidados de higiene em Sítio São José, respectivamente. O Programa de Comunicação Social da Petrobras também promoveu um dia de educação para o trânsito face aos desvios provocados pela obra. A ação contou com a participação de estudantes da Escola Pompeu Costa Lima Filho e policiais da guarda municipal de Aracati na distribuição de panfletos que orientavam sobre o atendimento às placas de sinalização. Ciente do intenso tráfego de carroças no local, a equipe de Comunicação Social promoveu um encontro entre os técnicos da Petrobras e os carroceiros da comunidade de Morrinhos no qual ficou acordado acesso alternativo conveniente para ambas partes. Para garantir uma simetria nas relações, o Plano de Comunicação Social também previu ações dirigidas ao público interno,ou seja, os empregados próprios da Petrobras e das empresas contratadas de construção e montagem de dutos. As ações enfatizaram os cuidados que os trabalhadores devem ter com a Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) e na maneira de relacionar-se com os moradores. Para o reforço contínuo da disseminação da informação foram realizadas palestras, auditorias comportamentais e distribuídas a cartilha de noções de SMS e o Código de Conduta e relacionamento com a comunidade. Pág. 29

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Consolidada a relação de confiança entre a Petrobras e as comunidades lindeiras do gasoduto Ramal Aracati, por meio do Programa Petrobras Construindo com a Comunidade a Petrobras/Engenharia/ IETEG/IENE ensaiou seus primeiros passos rumo a incorporação de práticas de responsabilidade social corporativa nas obras de construção e montagem de seus empreendimentos. Foram desenvolvidas ações de geração de emprego e renda e investimentos sociais privados correspondentes a benfeitorias nas instalações da Escola Estadual Pompeu Costa Lima Filho e na quadra de esportes. Por Aracati estar situada em uma região de grande potencial turístico8, onde já se observa uma significativa atividade de extrativismo vegetal com aproveitamento da cera e do pó da carnaúba, o artesanato foi considerado a alternativa mais dinâmica de inclusão social e geração de trabalho e renda. Assim, durante quinze dias, a Petrobras promoveu às comunidades de Canapum, Vila São José e Sítio São José oficinas de transformação da palha de carnaúba e de reaproveitamento de papel. A oficina de papel foi ministrada pelos professores da região, sra. Irene Lima e sr. Antônio Alves, e capacitou 32 pessoas como multiplicadores de produção de peças ornamentais em papel reciclado. Já a oficina de carnaúba treinou mulheres da comunidade na confecção de bolsas, 8

Aracati localiza-se a 12km de Canoa Quebrada, balneário turístico nacional e internacionalmente conhecido por suas praias e oásis em meio a dunas, falésias e vistas panorâmicas.

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cestas e chapéus. Essa oficina foi ministrada pela instrutora Maria das Dores Bezerra e teve como principal objetivo fomentar o associativismo e a revitalização da cooperativa de mulheres de Aracati, bem como potencializar outras fontes alternativas de subsistência para a comunidade. O projeto da Cooperativa de Mulheres foi apresentado à Central de Artesanato do Ceará (Ceart) vislumbrando a possibilidade futura de escoamento da produção e construção de uma rede de cooperação. O Plano de comunicação social do Programa Petrobras Construindo com a Comunidade encerrou em novembro de 2003, quando da conclusão da construção e montagem do gasoduto. Em um evento de encerramento, a Petrobras agradeceu a comunidade pela receptividade e recebeu carta do grupo gestor da Escola Pompeu Costa Lima e Filho em agradecimento ao tratamento dispensado e às benfeitorias realizadas. O evento contou com uma apresentação da orquestra de violinos Casa de Talento, programa social da Unidade de Negócios da Petrobras em Natal/RN e exposição dos trabalhos realizados nas oficinas de artesanato de papel reciclado e palha de carnaúba. A pesquisa encomendada ao Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas do Ceará (Ipespe), para avaliar o trabalho de Comunicação Social realizado em Aracati apontou um índice de aprovação média de 69% pelas comunidades. O programa de Comunicação Social desenvolvido em Aracati foi considerado um sucesso e o primeiro passo rumo à prática da Responsabilidade Social Pág. 30

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Corporativa pela IETEG/IENE.

Petrobras/Engenharia/

------------------------* Administradora de Empresas pela UNIFACS, com especialização em gestão de serviços pela

Publicada em Junho de 2005 UFBA e em Gestão de Iniciativas Sociais pela UFRJ/COOPE/LTDS. Ingressou na Petrobras em maio de 2004 e atualmente exerce a coordenação da Comunicação Social e Responsabilidade Social da Engenharia/IETEG/IENE..

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Resenha Crítica Tranformações: Matrizes do Século XXI René Armand Dreifuss Editora Vozes, Petrópolis, 2004, 680pp por Estrella Bohadana*

Um inquieto pensador diante das teias invisíveis do poder

configurar num dos suportes da gestão planetarizada.

René Armand Dreifuss, um dos mais brilhantes cientistas políticos da atualidade, falecido em maio de 2003, ainda agracia o leitor brasileiro com sua obra póstuma Transformações: matrizes do século XXI. Com quase 700 páginas, o autor do clássico 1964: a conquista do Estado, publicado pela Editora Vozes em 1980, deixa um fascinante legado que afirma um pensamento ousado e inquieto.

O aprofundamento dessa formulação ganha realce alguns anos mais tarde em A internacional capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional (1918-1986), publicado pela Editora Espaço e Tempo em 1987. Nesse trabalho, o autor cunha a expressão “elite orgânica” para se referir à estratégia do empresariado de se agrupar, a fim de funcionar como central de informações, como laboratório de idéias e como foco para os grandes conglomerados empresariais. Com sólidas argumentações, Dreifuss demonstra que a etapa da internacionalização, ao contrário da colonial e da imperialista financeira, foi sustentada pelo arrojo de idéias e ações de atores empresariais, que desempenharam tanto papéis de agentes centrais da produção quanto papéis políticos, com suas contrapartidas mutuamente implicadas (sindicatos e partidos), tendo o Estado funcionado como variável de ajuste da atuação empresarial determinante do processo.

Transformações: matrizes do século XXI é o ápice do intenso trabalho de um pesquisador cuidadoso e incansável que, em vários livros e mais de uma centena de artigos, publicados em diversos idiomas, revela sua constante e explícita disposição de analisar e denunciar os diferentes liames que tramam as teias do poder. Já em 1964: a conquista do Estado, Dreifuss alertava para os possíveis desdobramentos, nos âmbitos sociocultural e político-econômico, da articulação empresarial que então se organizava em torno do golpe militar. Sua análise visualizava na estratégia utilizada pelo empresariado uma articulação que ultrapassava a busca de uma aliança transitória e conjuntural de eficácia econômica para se constituir no embrião de um novo processo, que mais tarde iria se

É no livro A época das perplexidades, publicado em 1996 pela Editora Vozes, hoje na 4a edição, que Dreifuss discute as mudanças radicais delineadas desde a década de 80 no âmbito da economia, cuja profundidade e alcance são visualizados a partir da “introdução-em-desenvolvimento, no sistema produtivo e de serviços dos Pág. 32

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países adiantados, de um sistema capacitador complexo”. Dito nas palavras do próprio autor, trata-se de “um sistema capacitador teleinfocomputrônico satelital configurado pelo entrelaçamento e pela mutante convergência-em-uso, em diversas funções, dos recursos tecnológicos continuamente renovados”. Esse sistema se expressa por meio do que Dreifuss chamou de “tecnobergs”. O termo “tecnobergs” começa a ser empregado pelo autor entre os anos de 1987 e 1988 para designar a noção de montanhas tecnológicas, fazendo um paralelo entre diferentes riquezas acumuladas, como as “montanhas de queijos, minerais e carnes, e os lagos de vinho, petróleo e leite”. Lentamente, o termo consolida-se e volta-se para se referir a um conceito que designa as “montanhas tecnológicas configuradas na topografia socioeconômica” que, em analogia com os “icebergs, possuem uma massa maior sob a superfície, isto é, em seu embasamento cultural-civilizatório”. De maneira engenhosa, Dreifuss demonstra como os tecnobergs são a alavanca de três fenômenos multifacetados, simultâneos, diferenciados e que se reforçam mutuamente: mundialização, globalização e planetarização. Como define o autor: “A mundialização lida com mentalidades, hábitos e padrões; com estilos de comportamento, usos e costumes, e com modos de vida, criando denominadores comuns nas preferências de consumo das mais variadas índoles...” Mundialização é, então, o fenômeno pelo qual ocorre a generalização de produtos, instrumentos e informações, em que costumes, estilos e modos de vida são atingidos, a despeito das diferenças culturais, étnicas, sociais e religiosas, ocorrendo uma inigualável homogeneização. Quanto ao processo de globalização, embora referido aos fenômenos de caráter econômico, engloba também os desdobramentos desses fenômenos ao

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recaírem sobre a cultura e a política. Na globalização econômica, o mundo é percebido em toda a sua extensão como o locus da produção e da comercialização, favorecidas pelos recursos do capacitador teleinfocomputrônico, através dos quais se tornam possíveis as comunicações e as operações globais. Assim, a globalização, seja ela financeira, produtiva ou de mercado, é “facilitada por meio dos avanços na tecnologia das comunicações físicas e na difusão do uso de tecnologias da informação que marcam a ascendência do capacitador teleinfocomputrônico”. Indissociável dos processos de mundialização e globalização, a planetarização é definida por Dreifuss como o conjunto de mutações ocorridas nas dimensões político-institucionais, político-estratégicas e nas novas formas de organização e expressão societária. Nessas mudanças, a planetarização se volta principalmente para os vínculos ocorridos no “novo tecido político” – como os existentes entre as organizações transnacionais e as instituições supranacionais –, nas relações intersocietais e nas mudanças de “significado de autoridade societária”. A planetarização reforça os processos e as tendências de transnacionalização, além de ampliar as capacidades regulatórias e de gestão. Com sua perspicácia de pesquisador e pensador, a partir de 1999 Dreifuss inicia um novo quebra-cabeça, embrenhando-se nas diferentes articulações que constituem um sistema de produção global. Surge, assim, depois de três anos de ampla e minuciosa pesquisa, permanentemente atualizada durante a redação dos originais, Transformações: matrizes do século XXI1 , no qual são retomados e aprofundados os 1

No fim de 2002, os originais de Transformações: matrizes do século XXI encontravam-se praticamente prontos para a edição definitiva. Infelizmente, o autor faleceu antes de fazer a última revisão do texto para entregar à editora Vozes. Esse trabalho foi assumido por mim e pelo editor, tradutor e escritor Carlos Irineu da Costa. Pág. 33

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conceitos de “capacitador teleinfocomputrônico satelital” e “tecnobergs”.

capacitador teleinfocomputrônico delineia também outro paradigma cognitivo.

No que tange ao “capacitador teleinfocomputrônico satelital”, esse aprofundamento conceitual se dá quando o autor demonstra que, como potência, o capacitador retroalimenta as mais diversas descobertas científicas, além de se constituir em potente suporte viabilizador de um novo modo de produção e de novas organizações sociais da produção, ambos sinergeticamente transnacionalizados e realizando-se de maneira global.

Aprofundado o conceito de complexo capacitador, Dreifuss demarca um novo estágio para designar os tecnobergs, que passam a determinar os processos de modificações substanciais nos horizontes e no sentido de vida, reformulando as relações entre Estados, delineando uma nova “heterotopia econômica transnacional” e uma nova ordem internacional e transfronteiriça do conhecimento, ambas acopladas a uma “heterarquia político-estratégica”.

Constata, assim, o autor que estamos diante de uma nova forma de existência que supera distâncias, propiciando inovações na mobilidade e na agregação social, facilitando a vinculação sistemática, constante, ampla e profunda dos “muito distantes” (em termos de personalidade, cultura e geografia), mediante a despersonalização do ato rotineiro de comunicação em rede – ou da redução do indivíduo a uma imagem e a uma voz –, possibilitados pelos sistemas de comunicação digitalizada. Esses sistemas, por sua vez, ao provocar seqüências de interação pontual, serial e circunstancial, tornam-se manifestações que se processam tanto dentro de perímetros nacionais, estando espacialmente localizadas, quanto em espaços transfronteiriços, como eventos desterritorializados. Dessa maneira, tais sistemas desempenham papéis essenciais como insumo e como produto final, sendo ao mesmo tempo instrumento de produção e de serviço e operador em tempo real. Tendo como traço marcante sua difusão mundial em curtíssimo intervalo de tempo, são tecnologias aplicadas em todas as atividades do planeta, vinculadas completamente ao existir humano e afetando todas as funções societárias. Assim, ao colocar a comunicação no comando do cotidiano, o complexo

No mundo dos tecnobergs, afirma Dreifuss, esboçam-se os elementos constituintes de um novo modo de organização social da produção globalizada, os quais demandam uma profunda reorganização empresarial, com conseqüências no comércio entre as nações. Além disso, contribuem para o “desemprego estrutural”, em seu formato atual, e para o lazer ampliado para grupos seletos. Estimulam novas dimensões da pesquisa e da utilização da ciência e da tecnologia, direcionando o processo de produção de conhecimento, de desenvolvimento de saberes e destrezas, bem como de sua aplicação, fortalecendo, como “gnoseonomia, os entornos da oikonomia”. No cerne dos tecnobergs, as corporações, até então localizadas em função de uma racionalidade bipolar (doméstico– multidoméstico, local–multinacional) de instalação das indústrias e dos serviços, passam a ser globalizadas, principalmente no âmbito dos mercados nacionais, regulados a partir de estados nacionais e autoridades locais, e articulados por meio das trocas comerciais entre nações. Aprofundados os conceitos de “complexo capacitador teleinfocomputrônico satelital” e “tecnobergs”, Dreifuss rediscute os fenômenos de mundialização, globalização e planetarização, agora a partir do amplo acoplamento do processo de concentração Pág. 34

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de controle de propriedade dos meios de produção e comercialização, que se dá em cada segmento dos produtos de consumo de massa. Esse processo de concentração é visto em Transformações: matrizes do século XXI por meio das fusões, alianças e aquisições, em movimentos transnacionais (intra, inter e multissetoriais) e apoiado na interação potencializadora dos variados conhecimentos. Quanto à mundialização, Dreifuss apresenta a maneira pela qual esse processo, ao se complexificar a partir da concentração e do controle, é conduzido a um outro estágio, que se dará por meio da teia de corporações-em-rede que, resultante da convergência dos meios de produção, de comercialização e de interação dos vários conhecimentos, faz nascer uma forma de tecido sinergético, interligando ainda mais os processos de mundialização e de globalização. Já a globalização, que se expressa na entronização de um “novo modo de produzir, gerir e consumir”, passa a exigir que se considere o “mercado” não somente na sua nova configuração espacial (de dispersão territorial) e em suas novas abstrações conceituais, de novos patamares “reterritorializados” de atuação, mas também na nova realidade em que há uma dupla “desterritorialização” dos espaços. Nessa nova dinâmica, o processo globalizante se constitui e se configura a partir de ações e sentidos de atuação diversos: assegurando a produção transnacional, concentrando a propriedade e o controle dos agentes, oligopolizando os meios de pesquisa e a produção por meio de fusões e incorporações, por alianças e joint ventures, por aquisições e absorções, entre outros. A viabilização e a estruturação da produção transnacional são realizadas e centradas no que será definido como “corporações estratégicas”, cujo funcionamento, controle e possibilidade de atuação globalizada são fundados pelo complexo teleinfocomputrônico satelital.

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Complexo que permite uma nova dimensão de comunicação e articulação, de concatenação e centralização, de comando e realização. Através dos tecnobergs, “redes de macrocorporações” consolidamse em “megaconglomerações”. As “redes de redes” (redes corporativas em rede) realçam a nova dimensão “intrassetorial” e “multissetorial”. De maneira clara, Dreifuss nos mostra como as corporações estratégicas interagem por meio de matrizes e o que elas passarão a definir como suas core competences, num processo concentracionista que desmonta a lógica anteriormente prevalente de grandes conglomerados de capital com investimentos diversificados, estipulando agora uma nova relação entre ciência e tecnologia como eixo de refocalização das cadeias produtivas. Ao mesmo tempo, o autor nos revela como se dá a “transição-em-rede” dessas redes para um “tecido de pesquisa e produção transnacional”, muito mais complexo em seu desenho produtivo e de comercialização, sustentado por conhecimentos e agindo como concentrador de capacidades. Para Dreifuss, a nova realidade configura uma sucessão infindável de compras, vendas, desmantelamentos e integrações complementares. Como desdobramento, forma-se, também, uma “heterotopia tecnoprodutiva multinacional”, transitória em tempo e em referências, configurando rapidamente uma equivalência “gnoseogeonômica”, ambas determinadas pelo entrelaçamento de “focos indutores de ciência e tecnologia”, com a correspondente concentração de conhecimento e disponibilidade para realizações de ponta, através de pólos motores tecnoprodutivos e de “plataformas terceirizantes e quarteirizantes” de produção e comercialização. A integração global de operações empresariais e atividades tecnoprodutivas, Pág. 35

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afirma o autor, compreende não só a luta por mercados e sua partilha, mas o desenvolvimento de estratégias corporativas de participação nos mercados, buscando formas de compartilhá-los. A lógica da infonomia ou da gnoseonomia dos tecnobergs e da formação de “sociedades de informação” é a da primazia das core competences e da determinação de padrões a partir delas, com base na dinâmica de integração de meio, mensagem e conteúdo. Partindo de cada segmento, procura-se expertise nos outros, assim como complementação. De maneira brilhante, encontramos em Transformações: matrizes do século XXI o caminho trilhado pelas corporações estratégicas do complexo capacitador de conteúdo rumo à fusão ou absorção de corporações que possam viabilizar suas opções de comando e indução científicotecnológica (ou seja, que lhes permitam dominar os vários segmentos de conhecimento que o compõem) e de predominância tecnonômica no espaço multimidiático e multifuncional do emergente “sistema teleinfocomputrônico satelital” de produção e de serviços. As empresas procuram controlar o formato, os meios e o conteúdo. Os vários movimentos de mundialização, globalização e planetarização, assim como as tendências à configuração de “hierarquias” de conhecimento mutáveis,

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“heterotopias-em-recomposição” de pésquisa e produção, “poliarquias supranacionais” em gestação e “heterarquias” político-estratégicas convergentes implicam uma multiforme e complexa emergência e constituição de uma nova realidade. Realidade que, em paradoxal construção, já apresenta um aumento significativo da população mundial que se encontra excluída dos benefícios decorrentes de tamanha concentração de conhecimento dos tecnobergs e da concentração econômica inigualável hoje determinada pelas corporações. Realidade que, caracterizada por discrepâncias socioculturais e econômicas, clama por ser repensada e reestruturada, a fim de devolver à humanidade a crença de que é possível fazer do planeta um habitat em que prevaleça a dignidade humana. E, em memória a René Armand Dreifuss, que acreditou na capacidade de o homem transformar a realidade, nada como lembrar a frase com a qual encerra o seu Transformações: matrizes do século XXI: “E o jogo continua...” ----------------------------* Doutora em História dos Sistemas de Pensamento (ECO-UFRJ). Professora do Mestrado em Educação e Cultura Contemporânea da Universidade Estácio de Sá. Autora de vários livros. Era esposa de René Dreifuss.

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Artigo Responsabilidade Social Empresarial em Indústrias do Arranjo Produtivo de Fogos de Artifício de Santo Antônio do Monte/MG Marina Santos Ourivio*

RESUMO Em uma sociedade global em que a responsabilidade social já é uma preocupação bastante ampla e divulgada, as organizações estão adotando como estratégia empresarial práticas responsivas, mesmo que ainda como imposição do mercado cada vez mais competitivo. As indústrias do arranjo produtivo de fogos de artifício de Santo Antônio do Monte/MG não estão longe dessa realidade. Constatou-se que as indústrias, pertencendo a um setor em que o processo produtivo envolve grande periculosidade para a mão-de-obra e é constantemente observado pela mídia, além dos órgãos fiscalizadores, estão vendo como necessidade, não ainda como consciência empresarial, a adoção de atitudes socialmente responsáveis. Palavras-chave: responsabilidade social empresarial, stakeholders, público interno e gestão participativa.

arranjos

produtivos

locais,

ABSTRACT In a global society where social responsibility has become a general concern, organizations are adopting responsive actions as business strategies, although that reflects an imposition from the market. The fireworks industries of Santo Antônio do Monte and region are not different. It is clear that, as their production involves high danger for the workers and is constantly observed by media and governmental institutions, these industries acknowledge the need of adopting social responsible behavior, although that does not correspond yet to a real awareness. Key-words: corporate social responsibility, clusters, stakeholders, intern public and participative management.

Introdução A discussão acerca do tema responsabilidade social empresarial vem crescendo ao longo das últimas décadas. A preocupação com a preservação do meio ambiente, a evolução tecnológica, a luta por direitos humanos mais igualitários e a própria desigualdade social crescente, vem

contribuindo para o desenvolvimento do tema, ocupando maior espaço na mídia, nos estudos do meio acadêmico e nas decisões empresariais. Dessa forma, o objetivo deste estudo é fazer uma reflexão sobre como as indústrias de fogos de artifício do arranjo produtivo de Santo Antônio do Monte em Pág. 37

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Minas Gerais, maior produtor do Brasil, colaboram para o desenvolvimento e bemestar de seus colaboradores, uma vez que a indústria é intensiva em capital humano e associada a um modo de trabalho que envolve alta periculosidade. A indústria de fogos de artifício vem passando por grandes transformações nos últimos 10 anos, adotando um processo produtivo mecanizado, padronizado e mais preocupado com a segurança e saúde do trabalhador. Fato é que, nos últimos cinco anos, o setor tem sofrido pressões fiscalizadoras por parte do Ministério Público do Trabalho, Fundação Estadual do Meio Ambiente e do Ministério do Defesa – Comando do Exército, a fim de melhorar as condições de trabalho, reduzir riscos ambientais e regularizar a produção destas empresas, que trabalham com um grande volume de produtos controlados. Este trabalho é composto pelo referencial teórico, uma breve caracterização de arranjo produtivo local e da indústria de fogos de artifício, a metodologia de pesquisa, a apresentação dos dados da pesquisa e as considerações finais, além desta introdução. Responsabilidade Social Empresarial A responsabilidade social empresarial pode ser entendida em dois momentos: na sociedade industrial, caracterizada pelo liberalismo econômico, que compreende o início do século XX aos anos 50 e na pósindustrial que se estende da década de 50, até os dias de hoje. Em uma época de liberalismo, em que a interferência do Estado na economia era considerada prejudicial, e que devia se limitar à consecução da ordem interna, da defesa externa e promoção de bens públicos, propiciou a emergência de uma sociedade empresarial sem a mínima preocupação com coletividade e garantia do bem-estar

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do indivíduo. O liberalismo econômico de Adam Smith não demonstrava qualquer preocupação com a responsabilidade social empresarial. A acumulação de riqueza estava diretamente relacionada ao trabalho, o mercado se auto-regulava e a figura humana era vista como produtor ou consumidor, sendo responsáveis por si mesmos. No início do século XX, a responsabilidade social limitava-se ao filantropismo empresarial. A função das empresas compreendia a maximização de lucros, a geração de emprego e renda e a arrecadação de impostos. A principal contribuição social destas consistia em maximizar lucros em atendimento aos anseios dos acionistas, apoiado por uma administração científica que buscava a máxima eficiência da produção. A preocupação em relação à prestação de serviços sociais seria exclusividade do Estado. (TENÓRIO, 2004)

No entanto, a alteração no modo de produção, decorrente da industrialização e evolução tecnológica, especialização das tarefas e aumento da produtividade, alterou as relações de trabalho, piorou as condições de vida e acentuou a degradação ambiental. Problemas trabalhistas ocasionados pelas jornadas de trabalho exploratórias, baixos salários, mecanização da mão-de-obra e a ausência de legislação trabalhista e previdenciária despertaram para o cumprimento das obrigações sociais até então não compreendidas pelas organizações. A base conceitual da responsabilidade social empresarial está associada aos valores adquiridos pela sociedade pósindustrial. Aumento da qualidade de vida, valorização do ser humano, respeito ao meio ambiente, organização empresarial de múltiplos objetivos, valorização das ações Pág. 38

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sociais tanto das empresas quanto dos indivíduos eram preocupações crescentes àquela época. Sob esta nova ótica há o consentimento de que as empresas impactam na vida dos indivíduos, na sociedade e no meio ambiente, já que são sistemas abertos que interagem com o ambiente complexo externo e interno. Os primeiros estudos teóricos sobre responsabilidade social empresarial surgem em 1950 a partir dos pressupostos da sociedade pós-industrial. Contudo, é a partir dos anos 1970 que os trabalhos sobre o tema ganham relevância. Preston e Post propõem o termo “responsabilidade pública”, pois entendem que é função da gestão das organizações, já que interferem com suas atividades na vida social. Segundo os autores, é muito difícil separar o limite entre o público e o privado no campo de atuação empresarial. O conceito de Carroll amplia o anterior e propõe o modelo de pirâmide de responsabilidade social. Identifica as relações interdependentes entre companhias e sociedade, composta pelas dimensões econômica, legal, ética e filantrópica. A “responsividade social” surge em seguida com a idéia de que as empresas devem responder às demandas sociais, adaptando seu comportamento às necessidades sociais. E, posteriormente, há o desenvolvimento da “Teoria do Stakeholder”, englobando o conceito teórico de responsabilidade social empresarial, em que as companhias interagem com vários agentes influindo no meio ambiente e recebendo influência deste. Atualmente, a literatura a respeito da responsabilidade social corporativa abrange três distinções para este conceito. Responsabilidade como o cumprimento das obrigações legais e o comprometimento com o desenvolvimento

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econômico (abordagem industrial). Como envolvimento da empresa em atividades comunitárias (cidadania empresarial) e por fim, como uma série de compromissos da empresa com a sua cadeia produtiva: clientes, funcionários, fornecedores, comunidades, meio ambiente e sociedade. Esta última é a abordagem mais atual do conceito, utilizada pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social, e já existe certo consenso em relação à sua utilização. Segundo o Instituto Ethos, o conceito de responsabilidade social pode ser entendido como uma “cultura de gestão que procura aplicar princípios e valores a todas as atividades e relações da empresa, (...) abrindo novas perspectivas para a construção de um mundo economicamente mais próspero e socialmente mais justo”. A construção desse modelo, no qual as atividades econômicas contribuem para a solução de problemas sociais e ambientais tais como: concentração de renda, exclusão social, falta de segurança alimentar, violência, degradação das reservas naturais, esgotamento dos recursos hídricos, entre outros, requer uma nova dinâmica relacional entre Estado, Sociedade e Mercado. Tarefa em que é imprescindível a intervenção do Estado, dada a sua envergadura e amplitude do impacto na sociedade. Entretanto, não é menos imprescindível a participação do setor empresarial nesse processo, por sua capacidade de mobilização, por seu poder econômico e político, por sua responsabilidade diante desses problemas e pelo potencial em desenvolver ações passíveis de replicação por outros atores sociais. (INSTITUTO ETHOS) Arranjo Produtivo Local “Nos últimos anos a economia mundial vem observando grandes modificações tanto em sua estrutura produtiva como em Pág. 39

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seus padrões de concorrência e de localização”. (CROCCO et. alii., 2001, p. 09) Tal fato pode ser explicado, em grande parte, pelo movimento de intensificação tecnológica que vem ocorrendo na fabricação dos produtos e no interior dos processos produtivos, baseados na inserção de inovações tecnológicas oriundas do desenvolvimento do complexo microeletrônico e das tecnologias de informação. Além disso, a globalização exige maior coesão e cooperação local e regional como estratégias de sobrevivência das empresas: compartilhar idéias e objetivos como forma de superar os riscos e desafios da internacionalização econômica. Logo, a atual competição mundial implica em procedimentos mais complexos e sofisticados pelas empresas e em uma estratégia compartilhada para a sua sobrevivência, por exemplo, a organização em arranjos produtivos locais (APL’s). Os arranjos produtivos locais podem ser definidos como concentrações geográficas de firmas especializadas de um mesmo setor ou de um mesmo complexo industrial. Estes podem abranger uma rede de indústrias altamente concentradas, em sua maioria, de pequenas e médias firmas, com tecnologias de produção flexíveis, sendo possivelmente capazes de responder rapidamente às mudanças nas condições de mercado. A produção local tende a ocorrer de forma verticalmente desintegrada, fomentando as relações entre as empresas, devido à necessidade de contato direto, troca de informações, fluxo de materiais e de pessoas. O arranjo produtivo pode beneficiar-se do aumento da capacidade de negociação coletiva na compra de insumos e de componentes para reduzir custos. Pode proporcionar a emergência de centros de prestação de serviços, de treinamento da mão-de-obra e de consórcios para compra

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e venda de bens e serviços, dentre outros. A cooperação facilita o desenvolvimento de novos modelos e processos, bem como a criação e barateamento de campanhas de marketing e distribuição dos produtos, nos mercados interno e externo. No entanto, a colaboração entre as empresas não implica na inexistência de competição. A competição é benéfica e não funciona como barreira para os produtores se unirem a favor de objetivos comuns, como superação de gargalos de infra-estrutura, oferta de insumos e acesso a mercados. A combinação de competição e colaboração leva a melhorias constantes. (CROCCO et. alii., 2001) Santo Antônio do Monte e a Indústria de Fogos de Artifício A arte da pirotecnia, a mais antiga tradição da cidade, consta nos registros históricos da cidade desde as primeiras décadas de do século XIX, quando foi iniciada por bisnetos de portugueses. Até cinqüenta anos atrás, a fabricação dos fogos era totalmente artesanal e informal. Consistia em formulações e métodos empíricos passados de pai para filho, de geração a geração. Em 1945 surgiu a primeira indústria legalmente organizada. A grande evolução do setor em Santo Antônio do Monte ocorreu a partir de 1963, quando a maior empresa de fogos de artifício do Brasil na época instalou-se na cidade, transferindo-se de Jacareí, em São Paulo. Em 1972, ocorreu outro fato importante na evolução do setor: a fusão de vinte empresas, constituindo a maior empresa local. Nos últimos 10 anos, a produção de fogos de artifício vem passando por um processo de profissionalização e de grande desenvolvimento. Além do mais, ocorreu nos últimos anos uma expressiva reestruturação do setor, inclusive com a Pág. 40

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chegada de sócios de outras regiões e estrangeiros. De acordo com o Anuário Estatístico de Minas Gerais 2000-2001, da Fundação João Pinheiro, a população de Santo Antônio do Monte era composta, em 2000, por 23.473 habitantes, sendo que 19.042 residiam na área urbana e 4.431 na zona rural. Destes, 11.906 estavam trabalhando sendo 10% na agricultura, extração vegetal e pesca; 20% no comércio de mercadorias; 29% no setor de serviços; e 41% na indústria. Observa-se o peso desta última na economia local. O PIB municipal de 2000, ainda de acordo com a Fundação João Pinheiro, era de R$ 87.000.000,00, com PIB per capita de R$ 3.700,00 (sendo a média em Minas Gerais de R$ 5.500). O setor industrial era responsável por cerca de 30% do PIB e a arrecadação municipal, em 2002, atingiu R$ 3.900.000,00, sendo R$ 1.900.000,00 originários do ICMS. A principal atividade do município é, essencialmente, relacionada à indústria de fogos de artifício, considerado o segundo maior produtor mundial nesse ramo, somente atrás da China. Segundo o Exército, responsável pelas normas técnicas e fiscalização do setor, há 65 empresas registradas em Santo Antônio do Monte e região. De acordo com a pesquisa da FIEMG (2003), o setor gera 10 mil empregos diretos e indiretos, sendo que, desse total, cerca de seis mil trabalhadores estavam diretamente empregados na cadeia produtiva no segundo semestre de 2003, ano de baixo volume de vendas. O processo produtivo desta indústria é relativamente simples quando comparado com outras manufaturas. Os equipamentos são despojados de microeletrônica e relativamente baratos, a produção depende, e muito, do trabalho manual e dos insumos. Como conseqüência, são baixos os investimentos para se iniciar uma

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produção empresarial e as barreiras à entrada e saída de firmas do setor são reduzidas. O processo produtivo é bastante verticalizado, com algumas exceções na etapa da cartonagem, fabricação de pólvora de impulsão e espoletas, sendo que algumas empresas terceirizam estas atividades. Segundo o diagnóstico realizado pela FIEMG (2003), o principal enfoque da produção é realizá-la com o máximo de segurança, tanto para os trabalhadores quanto para os consumidores. O segundo é fazê-la com eficiência, baixo custo e inovação de produtos. A terceira preocupação diz respeito à comercialização. Metodologia de Pesquisa A fim de se fazer um levantamento dos dados primários acerca da preocupação sobre o tema responsabilidade social empresarial nas indústrias de fogos de artifício foram entrevistados cinco empresários do ramo, nos dias 4 e 5 de maio de 2005. O instrumento de pesquisa, adaptado do Instituto Ethos, abordou questões gerais sobre os temas sociedade, meio-ambiente, fornecedores, comunidade, concorrentes, clientes/consumidores, com mais profundidade para o público interno. Também foram solicitadas informações sobre o perfil da empresa. O questionário contou, basicamente, com perguntas fechadas, mas opiniões e impressões dos empresários também foram captadas. O instrumento de pesquisa é apresentado no Anexo. A pesquisa de campo abrangeu uma micro empresa (até 19 funcionários), três pequenas (de 20 a 99 funcionários) e uma média (de 100 a 499 funcionários), de acordo com a classificação por porte do Sebrae Nacional. Todas as empresas são filiadas ao SINDIEMG – Sindicato das Pág. 41

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Indústrias de Explosivos do Estado de Minas Gerais, localizado no município. Apesar de ser uma amostra pequena, dentro do universo de 65 empresas, é representativa em setor que se compõe de 38,3% de micro, 43,4% pequenas e 18,3% médias empresas, segundo diagnóstico do setor realizado pela FIEMG em 2003. Além dessa fonte, foram levantados dados secundários do setor a partir do próprio diagnóstico, no SINDIEMG, em documentos do Consórcio de Exportação e no posto de fiscalização do Exército estabelecido no local. Serão apresentados os resultados da pesquisa sob os aspectos gerais, para em seguida aprofundar nas relações das empresas com o público interno. Apresentação dos dados da pesquisa Em relação ao perfil das indústrias entrevistadas, todas empresas são nacionais de capital fechado. Segundo entrevistados, não há empresas estrangeiras e de capital aberto em Santo Antônio do Monte. Duas são empresas familiares e estão passando pelo processo de sucessão de pai para filho, enquanto as outras três, apesar de não apresentarem este processo, possuem figuras familiares no quadro de funcionários, algo muito comum nas indústrias. No que diz respeito à adoção e abrangência de princípios e valores éticos, os valores das organizações entrevistadas estão documentados e disseminados e incorporados às atitudes/comportamento das pessoas. Não há em nenhuma das empresas entrevistadas um código de ética formalmente constituído que prevê a participação dos funcionários, parceiros ou sociedade. Em um setor em que o feedback do cliente e consumidor é muito importante, as

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empresas praticam ações socialmente responsáveis mais aperfeiçoadas. Sendo assim, todas sempre atualizam seu material de comunicação destinado ao público, para tornar mais transparente e mais seguro o uso de seus produtos. Também possuem programa especial com foco na segurança do usuário e contam com um canal de comunicação para receber sugestões ou reclamações dos seus produtos ou serviços, procurando sempre atender às demandas. Ainda assim, todas as indústrias pesquisadas tiveram, nos últimos três anos, algum produto que foi objeto de reclamação por parte de clientes, fornecedores ou concorrentes. Quanto às políticas de relacionamento com os concorrentes, as empresas vêm amadurecendo nos últimos anos, mudando de um posicionamento exclusivamente competidor predatório para uma concorrência mais leal. Todas as empresas pesquisadas disseram que discutem, por meio da associação de classe, sua postura perante fornecedores, clientes e os próprios concorrentes. Inclusive, as reuniões do arranjo produtivo têm sido um importante fórum para debate dessas questões. Neste ambiente são discutidas estratégias de marketing conjuntas, programas de capacitação da mão-de-obra, melhoria de processos produtivos, entre outras ações cooperadas que visam o desenvolvimento do pólo de fogos de artifício. Por outro lado, a percepção da importância desta atividade industrial como parte da vida da comunidade parece ainda não estar muito desenvolvida. As estratégias e problemas do setor são tratados, pela maioria, apenas no ambiente da liderança da organização e apenas procuram tomar medidas reparadoras em resposta a possíveis manifestações e reclamações da comunidade. Os dados indicam que sua atuação restringe-se a ações sociais ou

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pequenos investimentos esporádicos para melhoria da infra-estrutura da comunidade. No que se refere aos fornecedores, as relações são também bem incipientes. Consideram apenas fatores como qualidade, preço e prazo como seus critérios de seleção. Apenas uma empresa levantou a preocupação com o cumprimento da legislação e critérios específicos de responsabilidade social (proibição do trabalho infantil, condições de trabalho e respeito ao meio ambiente) como exigências à sua avaliação de fornecedores. Ao que parece, existem tensões na relação empresas e fornecedores pelo fato de que alguns destes últimos detêm poder oligopolista e até mesmo o monopólio de alguns insumos e matériasprimas. Não obstante, as soluções destes problemas vêm sendo solucionadas a partir da criação da central de compras, com apoio da FIEMG e do SEBRAE/MG. A questão ambiental é um fator crítico de sucesso para as indústrias de fogos de artifício de Santo Antônio do Monte e região. Atualmente, se não cumprirem a legislação ambiental vigente, estão fatalmente sujeitas a grandes multas e até ao encerramento da atividade. Em conseqüência, todas as entrevistadas cumprem os requisitos exigidos por leis e já extrapolam estes limites, atentando para o meio ambiente como fator de diferencial competitivo. Uma das pequenas empresas pesquisadas desenvolve programa interno de melhoramento ambiental e a média empresa já caminha para a criação de uma área responsável pelo meio ambiente, visionando a redução de custos com medidas reparadoras e formação de competência interna. O setor de fogos de artifício, como dito anteriormente, é intensivo em capital humano. Todo processo produtivo, com exceção da cartonagem, que é mecanizada,

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depende essencialmente da mão-de-obra. Apesar da segurança e saúde do trabalhador constituírem um ponto essencial no modo de produzir das empresas, o que de fato deve ser obrigatório, não se observou em algumas empresas uma gestão participativa, no que tange não apenas à padronização de processos, mas também à formulação de estratégias das empresas. Muitas vezes os problemas das empresas podem ser solucionados internamente, com adoção de métodos sem grande sofisticação e com pouco investimento. Falta uma postura visionária dos empresários, característica geral em empresas de pequeno porte do país, não só do setor, de perceber que, criando uma gestão participativa, podem gerar grandes benefícios para a empresa. Criar canais de comunicação verticalmente integrados agiliza a identificação e a solução de problemas que às vezes podem parecer complicados. Com exceção de uma empresa, todas responderam que existem mecanismos formais para ouvir e avaliar preocupações, sugestões e críticas dos empregados com o objetivo de agregar novos aprendizados e conhecimentos. Resultado que mostra a incipiência da gestão participativa que, além de ouvir e aplicar as sugestões dos empregados, para a melhoria dos processos internos, deve promover a participação de seus representantes em comitês de gestão ou nas decisões estratégicas. A responsabilidade social empresarial em seu conceito amplo também abrange o bem-estar do colaborador e sua família. Nenhuma das empresas pesquisadas oferece plano de saúde familiar, auxílio para educação dos filhos, creche no local de trabalho ou programa de previdência complementar a todos os funcionários, independente do nível hierárquico. Uma empresa manifestou quanto à oferta de seguro de vida em caso de acidentes. Pág. 43

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Há um consentimento entre os empresários no que tange à capacitação dos trabalhadores. Todas as empresas afirmaram valorizar as competências, estimulando os empregados por meio da remuneração e do investimento em seu desenvolvimento profissional. Fato bastante contraditório, ao analisar-se a rotatividade da mão-de-obra entre as empresas do setor. A retenção de mão-deobra é bastante benéfica para as empresas, pois permite a acumulação de conhecimentos, habilidades e experiências que se esvaem com a saída do trabalhador. Segundo dados do diagnóstico da FIEMG (2003), 7,56% dos empregados são analfabetos, 52,33% não possuem o fundamental completo, apenas 14% concluíram o ensino médio e 1,79% estão cursando ou possuem curso superior. Nenhuma das empresas entrevistadas mantém programa de erradicação do analfabetismo (absoluto e/ou funcional), educação básica ou ensino supletivo para seus funcionários. Quando promovem programas de capacitação, são treinamentos pontuais, focados apenas no desenvolvimento das tarefas específicas que executam, com exceção de duas empresas que já mostram preocupação com o aperfeiçoamento contínuo de todo seu pessoal. Com restrição do programa de exercícios físicos no horário de trabalho que todas as empresas desenvolvem, nenhuma empresa oferece programa especial para contratação de pessoas com deficiência, política preferencial para indivíduos acima de 45 anos ou desempregado há mais de 2 anos, programas de prevenção e tratamento para dependência de drogas e álcool ou programas específicos para a saúde da mulher. Todos estes trabalhos contribuem para o bem-estar do trabalhador e para a valorização da diversidade, que se estendem para toda comunidade.

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Considerações finais Há diversas formas de se justificar a responsabilidade social empresarial, seja através de pressões externas, como meio de obtenção de algum benefício, ou mesmo por questões de princípios. As pressões externas estão ligadas ao cumprimento das legislações ambientais, movimento de consumidores, atuação de sindicatos e globalização. Pela forma instrumental, como mecanismo de aquisição de vantagens. Sendo que o benefício não precisa ser necessariamente econômico, as vantagens podem se traduzir no aumento da preferência do consumidor, no fortalecimento da imagem da empresa ou, por exemplo, na redução ou isenção de carga tributária. E por princípios, em que a responsabilidade social faz parte da cultura da gestão empresarial. Suas práticas e políticas norteiam a organização em todos os momentos, nas crises e em épocas de expansão econômica. As práticas de políticas socialmente responsáveis pelas indústrias de fogos de artifício pesquisadas, e também de maneira geral, estão fortemente ligadas às pressões externas que vêm sofrendo pelo Ministério do Trabalho, FEAM e demais órgãos fiscalizadores. As empresas cumprem com suas obrigações legais, muitas já ultrapassam esses limites, mas ainda não é perceptível a responsabilidade social como uma cultura enraizada no ambiente da organização. Além disto, as ações sociais, quando realizadas, são de caráter assistencialista e predominantemente temporárias, realizadas por meio de doações de recursos ou materiais à comunidade ou instituições sociais. Em um segmento industrial em que o consumidor e os trabalhadores são fatores críticos de sucesso, tais empresas devem investir mais em ações voltadas para esses dois públicos, especialmente no que diz Pág. 44

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respeito à capacitação contínua e valorização do ser humano. Fatores que aos poucos estão sendo percebidos pela comunidade empresarial. Por fim, a responsabilidade social empresarial será a forma mais prática e concreta das empresas participarem da construção de um país democrático, justo e sustentável. (INSTITUTO ETHOS) Referências Bibliográficas ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE MINAS GERAIS 2000-2001. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2000. V. 9. CONSÓRCIO DE EXPORTAÇÃO DE FOGOS BRASIL/SANTO ANTÔNIO DO MONTE. Brazilian Fireworks Ltda. Santo Antônio do Monte, Minas Gerais, 2003. CROCCO, M.; SANTOS, F.; SIMÕES, R.; HORÁCIO, F. Pesquisa industrialização descentralizada: sistemas industriais locais; o arranjo produtivo moveleiro de Ubá. Belo Horizonte: UFMG / CEDEPLAR, 2001. INSTITUTO ETHOS RESPONSABILIDADE

DE SOCIAL

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Disponível em: http://www.ethos.org.br/ Acesso em 23/03/2005. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Cresce Minas: Um Projeto Brasileiro. Belo Horizonte: FIEMG, 2000. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Diagnóstico das Indústrias de Fogos de Artifício de Santo Antônio do Monte e Região. Belo Horizonte: FIEMG, 2003. OURIVIO, Marina. A Indústria Moveleira: O Exemplo do Arranjo Produtivo de Ubá. 2003. Monografia (Bacharel em Ciências Econômicas) – Universidade Federal de Minas Gerais TENÓRIO, Fernando G. Responsabilidade Social Empresarial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. ---------------------------* Mestranda em Administração de Empresas pela PUC Minas, economista pela UFMG, exerce a função atualmente na Federação das Indústrias de Minas Gerais, na coordenação de ações para o desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais no Estado, entre eles o de fogos de artifício de Santo Antônio do Monte. E-mail: [email protected]

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Artigo Trabalhadores: uma Importante Parte Interessada* Instituto Observatório Social**

RESUMO O foco deste artigo é oferecer informações sobre a relação atual entre responsabilidade social empresarial e os trabalhadores como um importante componente das partes interessadas. Serão ressaltadas as ações do movimento sindical internacional e os desafios presentes para o avanço e formulação de propostas do sindicalismo brasileiro frente a essa recente atitude das empresas. Palavras-chaves: RSE – direitos dos trabalhadores – sindicalismo.

ABSTRACT This article aims at providing information regarding the existing link between Company Social Responsibility and workers as an important element for the interested parts involved. It highlights the international union movement actions as well as the present challenges for moving forward and to formulate proposals for the Brazilian unions facing these companies recent practice. Key-words: CSR – workers´ rights – labor unions

As iniciativas de responsabilidade social empresarial surgidas recentemente têm como ponto central as empresas e suas relações com a sociedade, a qual, na linguagem deste universo, são os stakeholders, ou seja, as partes interessadas. De modo geral, “partes interessadas” refere-se ao conjunto dos grupos relacionados ao negócio da empresa: acionistas, clientes, funcionários, fornecedores, comunidades onde as empresas estão instaladas e governos. A localidade onde a empresa está instalada, o setor ao qual pertence e o porte de empresa determinam se serão agregadas outras

partes interessadas. Cada parte interessada suscita um elenco de compromissos a serem observados pelas empresas que desejem ser publicamente reconhecidas como socialmente responsáveis. Embora os trabalhadores da empresa pertençam ao conjunto das partes interessadas, dificilmente os seus sindicatos são envolvidos ou reconhecidos nos processos de implantação dos conceitos e práticas de responsabilidade social empresarial.

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Envolver o conceito e prática da RSE no procedimento de negociação, que já é parte das relações trabalhores/sindicato e empresa, pressupõe uma nova postura de ambas as partes para que saibam relacionar o velho e o novo. As referências estabelecidas Há quem diga que “se fossem cumpridas as leis e princípios já estabelecidos, as normas, certificações e outras iniciativas seriam desnecessárias”. Na verdade, no que se refere aos trabalhadores a afirmação é bastante procedente. As principais referências em relação aos trabalhadores que norteiam o conceito de RSE são aquelas definidas pela Organização das Nações Unidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu seguimento, a Declaração Tripartite sobre Empresas Multinacionais da OIT e as Diretrizes para Empresas Multinacionais da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Todas elas estabelecidas há mais de duas décadas. Além das citadas, a Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL), guiada pela necessidade de regulamentar as atividades das empresas multinacionais, estabelece, em 1997, o Código Básico de Práticas Trabalhistas, visando a promover a primazia das normas trabalhistas internacionais e a inclusão dos direitos sindicais nos códigos de conduta das empresas. Tomando como ponto de partida o Código Básico da CIOSL, as Federações Sindicais Internacionais – instância da CIOSL, têm como objetivo estabelecer um Acordo Marco Global negociado entre representantes dos trabalhadores e da empresa em nível mundial.

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Os aspectos sócio-trabalhistas também foram abordados nos acordos e políticas no âmbito dos processos de integração regionais. Tais documentos apontam a preocupação em regulamentar as atividades empresariais e em transformar os ganhos econômicos das integrações em ganhos sociais reais, e estão contidos na Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, no Acordo para a Cooperação Laboral na América do Norte (ACLAN) e na Comunicação da Comissão da União Européia a respeito da responsabilidade social das empresas. Ao analisar o crescente número de padrões, acordos, recomendações, iniciativas, códigos unilaterais e multilaterais relacionados à RSE, é possível notar que essas experiências tomam por base um reduzido número de referências. Tratam-se dos documentos da ONU, OIT e OCDE e que são de crucial importância para os trabalhadores e o movimento sindical: eles definem o mínimo aceitável quando se trata de legitimidade nas operações das empresas e da sua responsabilidade social empresarial. Este mínimo esperado, e já tão regulamentado, pode ser assim elencado: liberdade sindical, negociação coletiva, saúde e segurança, não discriminação de gênero e raça, não promoção de trabalho forçado e infantil, salário decente, geração de emprego, desenvolvimento profissional, acesso à informação entre outros. O movimento sindical e as diferentes perspectivas da RSE Embora o movimento sindical em nível mundial mantenha um olhar crítico em relação ao debate sobre RSE, existem diferenças na intensidade com a qual as centrais, confederações e sindicatos abraçam o tema. Esta diferença se nota, por exemplo, entre as entidades sindicais nos países industrializados e as dos Pág. 47

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chamados países em desenvolvimento, como o Brasil. Nos países industrializados, as leis garantem mais direitos, a fiscalização é intensiva, a justiça é menos parcial, há mais recursos e é onde a maioria das multinacionais tem sua matriz. Já a situação no Brasil é muito menos favorável a um ambiente construtivo de negociação permanente que incorpore os interesse dos trabalhadores na agenda de responsabilidade social empresarial. Esta diferença explica porque em países como Alemanha, Holanda ou Suécia há maior tradição de contato freqüente entre empresa e sindicato, acesso a informações, participação no local de trabalho e comissões de empresas. Existe, portanto, negociação permanente dos sindicatos como representantes das empresas e as decisões são tomadas com base em uma relação de maior confiança mútua. No Brasil, os sindicatos enfrentam uma situação muito mais adversa. Em geral, não há acesso às informações, não existe o direito a participação no local de trabalho, os gerentes locais já não tomam as decisões principais. Sobretudo, a batalha é, em primeira instância, para garantir os direitos fundamentais no trabalho, num clima de pouco contato e desconfiança mútua. A partir desta perspectiva, os sindicatos nos países industrializados tendem de maneira cautelosa a abraçar a RSE, quando o tema enfoca ações que vão além do legalmente mínimo. Já os sindicatos nos chamados países em desenvolvimento centram seus esforços em garantir em primeira instância o cumprimento das normas internacionais como o mínimo legalmente aceitável.

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Com a abertura das fronteiras e a crescente instalação de empresas multinacionais no Brasil, a cooperação entre os sindicatos dos dois hemisférios tende a crescer, assim como a importância de suas estruturas sindicais internacionais, por exemplo, os Sindicatos Globais, a CIOSL e a ORIT (Organização Regional Interamericana dos Trabalhadores). Afinal, quando se trata de multinacionais, os sindicatos de diferentes países estão negociando com os mesmos proprietários. Outro ponto em comum entre esses sindicatos é que ambos desconfiam do uso instrumental da RSE propagado pelas empresas. Com o apoio da CIOSL e dos Sindicatos Globais, as entidades procuram forçar as empresas multinacionais a não apenas transferir para países como o Brasil os sistemas de gestão, como o de Qualidade Total, Kanban etc. Buscam sobretudo relações de trabalho mais favoráveis para o trabalhador, que foram conquistadas nos países de origem. O discurso e a prática: o pronunciamento público das empresas Nos últimos anos vem crescendo a necessidade das empresas de produzir documentos para divulgar os parâmetros éticos que orientam a gestão dos seus negócios e as ações que consideram ser de responsabilidade social. São pronunciamentos, códigos de conduta, certificados, prêmios, balanços sociais, relatórios sociais e tantos outros documentos, sob os mais diferentes formatos e com os mais diferentes conteúdos. Todos com a intenção de informar seus principais interlocutores e demonstrar o comprometimento da empresa em relação à RSE. No entanto, essa diversidade de informações confirma a existência de diferentes conceitos sobre RSE. A adesão à Pág. 48

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RSE depende da disposição da empresa em assumir voluntariamente um comportamento socialmente responsável. O Observatório Social fez um exercício em selecionar algumas multinacionais de grande porte presentes no Brasil e buscar em seus pronunciamentos públicos informações sobre como elas tratam a responsabilidade social. Para isso, foi elaborado um roteiro com os assuntos de interesse dos trabalhadores e seus representantes. Algumas das empresas foram escolhidas por se tratarem de corporações que são acompanhadas pelas pesquisas do Observatório Social; outras, por serem grupos importantes nos setores em que atuam no Brasil. As empresas pesquisadas foram: Royal Ahold, Bayer, Bosch, DaimlerChrysler, Norske Skog, Royal Philips Eletronics, Santander, Sara Lee, Telefônica, ThyssenKrupp e Unilever. O conteúdo deste capítulo na íntegra pode ser acessado em http://www.observatoriosocial.org.br/porta l/content/view/7/36/.

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negócios. Isso tem levado as empresas a comprometer-se publicamente com a adoção de determinados padrões de comportamento em relação a temas sociais e ambientais, o que aponta para uma mudança de cultura empresarial. Este comprometimento abre um espaço para a participação, o engajamento e o diálogo com diferentes partes interessadas. As empresas passam a verificar que o seu campo de negócios não se restringe apenas ao processo de produção e de comercialização, mas que envolve outros atores e segmentos da sociedade, direta ou indiretamente atingidos por suas atividades.

Análise dos discursos

O quadro comparativo ajuda a visualizar também os diferentes graus de comprometimento apresentado pelas empresas. Dentre as onze empresas consultadas, estão aquelas com um “alto perfil”, ou seja, apresentaram sensibilidade ao tema, construíram códigos de conduta voluntários, assinaram códigos de conduta de múltiplas partes interessadas, assinaram acordos globais com sindicatos internacionais e comprometeram-se com quase todos os temas observados.

Os resumos dos pronunciamentos realizados pelas empresas expressam, em termos gerais, algumas peculiaridades que foram sistematizadas em um quadro comparativo (acessível no site indicado acima). Verifica-se que todas as empresas assumem-se como socialmente responsáveis nos setores que atuam. Há uma forte tendência de as empresas expressarem sua responsabilidade social por meio de investimentos e desenvolvimento de ações sociais e voluntárias. No entanto, mais e mais seus códigos de conduta passam a conter temas relativos à interação com as partes interessadas e a compromissos relacionados ao processo de gestão dos

Entretanto, o quadro apresenta também aquelas que podem ser consideradas de “baixo perfil”, pelo fato de terem assumido poucos compromissos em seus pronunciamentos. Isso, porém, não indica que, por exemplo, as empresas Bosch ou ThyssenKrupp, as que menos informações apresentaram em relação à RSE, não sejam empresas socialmente responsáveis. É importante lembrar que os setores aos quais as empresas pertencem, os tipos de produtos manufaturados e o tipo de clientes podem determinar para as empresas a necessidade de produzir para o grande público o maior número possível de informações sobre o seu comportamento empresarial. Pág. 49

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As empresas têm necessidade de transmitir publicamente uma imagem positiva. Talvez essa tenha sido a razão pela qual seus pronunciamentos sugerem que relacionar-se com elas como trabalhador ou como consumidor, ou, mesmo, ter uma delas como vizinha é garantia de boas relações e, principalmente, de “satisfação” e “prazer”, entre outros adjetivos mencionados nos diversos documentos. Neste sentido, os pronunciamentos, além de cumprir a função de informar, promovem a imagem institucional das empresas – funções estas que muitas vezes se confundem. Funcionários e sindicatos A leitura dos pronunciamentos possibilita perceber que todas as empresas apresentam os funcionários – juntamente com os clientes e acionistas – como figuras centrais para o bom funcionamento dos negócios. Além de informações sobre as políticas de pessoal, quase todos os documentos apresentam relatos sobre os “excelentes”, “agradáveis”, “estimulantes” e “excitantes” ambientes de trabalho oferecidos aos seus “associados” ou “colaboradores” (adjetivos bastante utilizados pelas empresas para se referir aos seus funcionários). Se, por um lado, grande parte das empresas exalta a importância dos trabalhadores para os negócios, por outro, existem pouquíssimas referências a seus representantes. Além das empresas DaimlerChysler, Norske Skog e Telefônica, que se encontram num estágio avançado na relação com os sindicatos, pois assinaram acordos globais com sindicatos internacionais, somente a Unilever e a Bosch fazem menção ao relacionamento da empresa com os representantes dos trabalhadores. Entretanto, quando a referência é feita,

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geralmente aparece de maneira superficial, como no caso da Bosch, que em seu relatório anual de 2001 declara: “Bosch é feita de pessoas. Essencialmente, o sucesso da companhia é baseado no conhecimento, compromisso e performance dos nossos empregados, aos quais somos profundamente agradecidos. Queremos também expressar nossa apreciação pelos representantes dos trabalhadores pela sua disponsição em cooperar conosco de uma maneira construtiva”. (Bosch) A ausência de referências aos representantes dos trabalhadores reflete a clássica posição de antagonismo entre empresas e sindicatos. Ao mesmo tempo, não fica claro se as empresas possuem uma postura anti-sindical ou se estas não reconhecem a importância dos sindicatos como representantes legítimos dos interesses dos trabalhadores e que, portanto, não podem exercer uma função construtiva em relação aos projetos desenhados pelas empresas. Apesar desta “indiferença” entre empresas e representantes dos trabalhadores, algumas experiências internacionais apontam para a possibilidade da construção de um diálogo em termos globais entre sindicatos e empresas multinacionais. Propositalmente foram escolhidas duas empresas que assinaram acordos globais com os sindicatos internacionais: a espanhola Telefônica e a norueguesa Norsk Skog. Esses exemplos ajudam a demonstrar que, quando os representantes dos trabalhadores participam da construção de um acordo global, os temas de interesse dos trabalhadores são melhor explicitados e vinculados a definições negociadas em fóruns internacionais.

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Mesmo sabendo que, de uma forma ou de outra, todas as empresas comprometem-se a atuar de maneira social e ambientalmente responsável, é possível verificar graus diferenciados de compromissos com os temas de interesse dos trabalhadores. Para exemplificar, podem ser apontadas claras diferenças em relação aos compromissos assumidos por empresas que assinaram acordos globais com os sindicatos internacionais e as que construíram, sem a colaboração dos representantes dos trabalhadores, os seus códigos de conduta voluntários. Referências internacionais Em relação às Convenções da OIT e às diretrizes da OCDE, os pronunciamentos das empresas que assinaram acordos coletivos são mais específicos: “UNI e Telefônica afirmam seu apoio aos direitos fundamentais no local de trabalho. A este respeito, comprometem-se a observar as convenções da OIT sobre liberdade sindical e direitos sindicais e o direito destes a representar e negociar em nome dos trabalhadores assim como observar as normas mínimas relativas à remuneração e condições de trabalho”. (Telefônica) “Ambas as partes concordaram que respeitarão os direitos humanos fundamentais e o direito dos sindicatos, ambos na comunidade e no local de trabalho. As partes também desejam promover esses direitos na cadeia produtiva e com os clientes (...) cada unidade da empresa é responsável por garantir que as seguintes leis e convenções da OIT não sejam desrespeitadas: a) Liberdade de associação e negociação coletiva (Convenção 135 e Recomendação 143); b) Discriminação (Convenções

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da OIT 100 e 111); c) Saúde e segurança; d) Trabalho forçado (Convenções 29 e 105); e) Trabalho infantil (Convenções da OIT 138 e 182); f) Salários; g) Condições de trabalho”. (Norske Skog) As empresas que produziram seus próprios códigos de conduta, embora tenham avançado no sentido de assumir compromissos sociais na gestão de seus negócios e começado a elaborar definições que mencionam os acordos internacionais, geralmente apresentam informações não especificadas em relação aos seus compromissos com os trabalhadores: “A Ahold reconhece a declaração dos direitos humanos da ONU como uma norma básica a ser cumprida por todos os partícipes da comunidade global. Apoiamos os princípios estabelecidos nas diretrizes da OCDE sobre empresas multinacionais, inclusive as convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho. Estes princípios estão refletidos nos Princípios Empresariais da Ahold e no Código de Conduta Profissional”. (Ahold) “Apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos proclamados em âmbito internacional”. (Santander) Salários Outro elemento importante para demonstrar a diversidade entre os pronunciamentos das empresas é a discussão sobre salário decente que, por se tratar de um tema sensível, pouco apareceu nos documentos consultados. As empresas que fizeram menção a este ponto, além de apresentarem declarações superficiais, não se prenderam a definições internacionais:

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“Nos esforçamos por oferecer aos nossos associados uma remuneração j usta, que seja alinhada ao setor e às circunstâncias do mercado local. As estruturas salariais são baseadas em sistemas objetivos”. (Ahold) As empresas que assinaram acordos globais com sindicatos internacionais foram um pouco mais específicas em relação à questão do salário decente. Entretanto, somente no acordo assinado pela companhia Telefônica foi feita referência às convenções da OIT: “Salários e benefícios pagos por uma semana de trabalho devem pelo menos ser suficientes para cobrir as necessidades do(a) trabalhador(a) e de us afamília. Deduções não devem ser feitas do salário como uma medida disciplinar. Todos os empregados devem receber claras informações por ecrito sobre escalas de salários e deduções do pagamento antes de serem empregados. Informações relativas a pagamentos e deduções devem ser fornecidas aos empregados no período do pagamento, e estes não devem ser modificados a não ser por consentimento por escrito do trabalhador ou por acordo coletico”. (Norske Skog) “Os trabalhadores receberão salários, ao menos, iguais aos estabelecidos na legislações ou acordos nacionais pelo trabalho do setor de que se trate. Nenhum trabalhador receberá um salário inferior ao mínimo legal que será suficiente para suas necessidades e de suas famílias (Convenções 94, 95 e 131 da OIT). A empresa fornecerá a todos os trabalhadores informação clara sobre as condições salariais” (Telefônica).

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Cadeia Produtiva Um aspecto que pode ser tomado como referência para confrontar os diferentes posicionamentos das empresas diz respeito à extensão dos compromissos assumidos pelas companhias em relação às cadeias produtivas. Algumas empresas tomam para si determinadas responsabilidades e compreendem que podem exercer a função de pressionar os seus fornecedores e prestadores de serviços a observar aspectos sócio-trabalhistas e ambientais. Um exemplo interessante da pressão que podem sofrer os fornecedores é a declaração feita pela Bosch de que uma de suas unidades produtivas nas Alemanha sofreu uma auditoria social por uma empresa inglesa de vendas por catálogo, que desejava saber se seus produtos eram frabicados respeitando padrões éticos, ambientais e legais. Outro exemplo é a declaração da empresa americana Sara Lee, em relação aos compromissos que devem ser adotados por seus fornecedores: “O objetivo da Sara Lee é utilizar seu poder de compra para influenciar aquelas corporações que oferecem produtos e serviços para: adotar altos padrões de comportamento ético; cumprir todas as leis aplicáveis e regulações; tratar seus empregados justamente e com dignidade e respeito, assim como promover seu bem-estar e melhorar sua qualidade de vida; e ser cidadãos socialmente responsáveis nos países e nas comunidades nas quais operam”. (Sara Lee). Implementação da RSE Apesar de as empresas assumirem inúmeros compromissos com os seus funcionários e de algumas estenderem esses compromissos a sua cadeia produtiva, poucas mencionam como os Pág. 52

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compromissos serão ou não implementados em seu processo de gestão. Tampouco aparecem informações sobre como o cumprimento efetivo será monitorado pela empresa ou com a colaboração das diferentes partes envolvidas. Somente a Norske Skog, a Telefônica e a DaimlerChrysler apresentam em seus acordos globais, assinados com os sindicatos internacionais, informações um pouco mais específicas sobre como estes serão implementados e monitorados: “Para capacitar os representantes locais a exercer um papel completo no processo de monitoramento, será dado a eles tempo adequado para treinamento e envolvimento no processo de monitoramento. A companhia garantirá que os representantes locais sejam providos com informações, acesso aos trabalhadores, e direito de inspeção necessário para monitorar efetivamente a obediência a este acordo”. (Norske Skog) “Ambas as partes estarão encarregadas da administração e aplicação do presente acordo. Para esse fim manterão um diálogo permanente e se reunirão regularmente. Qualquer diferença na interpretação ou aplicação do mesmo se examinará em comum, com o fim de fazer as oportunas recomendações às partes que estão em conflito. Para isso, será criado um grupo composto por três membros em representação da Telefônica e três da UNI (UGT/Comissão de trabalhadores – UNI), que analisará o caso e apresentará suas conclusões ao presidente da Telefônica e ao Secretário Geral da UNI”. (Telefônica)

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“Estes princípios estão vinculados à DaimlerChrysler em todo o mundo. Para todos os empregos, incluídos os executivos, os princípios serão incluídos no Código de Ética e depois implementados. (...) Os dirigentes de cada unidade de negócio são responsáveis por assegurar a conformidade com estes princípios; eles tomarão as medidas apropriadas com respeito a sua implementação. Também irão nomear contatos com os quais parceiros de negócios, clientes e empregados, possam se dirigir em caso de dificuldade. Quaisquer reclamações levadas à atenção da direção, neste sentido, não devem resultar em conseqüências desfavoráveis aos reclamantes. (DaimlerChrysler) Universalidade Os representantes dos trabalhadores de empresas multinacionais no Brasil têm sua participação no monitoramento seriamente comprometida, quando se constata que as empresas não fornecem em português seus códigos de conduta e peças de material institucional referentes à responsabilidade social. A maioria dos pronunciamentos localizada estava disponível apenas no idioma do país de origem das empresas e/ou em inglês. O acesso a essas informações é de suma importância para subsidiar as atividades dos representantes dos trabalhadores e dos diferentes atores da sociedade civil, principalmente num país como o Brasil que – diferentemente dos países de origem das multinacionais, onde os direitos regulamentados dos trabalhadores são geralmente mais respeitados – possui sérios problemas em relação a questões sociais e ao respeito à legislação vigente.

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Considerações finais Devido ao tradicional desrespeito à legislação trabalhista por parte das empresas, o movimento sindical brasileiro associa a responsabilidade social empresarial ainda ao marketing e à filantropia, razão pela qual tende a dar pouca atenção ao debate em torno do conceito. Esta situação contrasta com a Europa, onde a luta sindical faz parte do debate sobre responsabilidade social. O tipo de responsabilidade social empresarial que está emergindo parece oferecer ao movimento sindical brasileiro algumas janelas de oportunidades para inserir no debate suas reivindicações tradicionais, como liberdade sindical, organização no local de trabalho, negociação coletiva e acesso à informação. Uma eventual participação dos sindicatos brasileiros pode ser conquistada. Dessa forma, seria possível avançar na adequação da prática empresarial, apoiar o desenvolvimento de instrumentos de monitoramento e avaliação e, finalmente, influenciar a política das empresas. Este sem dúvida será um caminho longo e difícil. Vai requerer estratégias articuladas com políticas públicas que estabeleçam vínculos promocionais às empresas mais socialmente responsáveis. Alguns elementos de uma possível estratégia sindical foram elaborados e formam um conjunto que começa com a familiarização do debate pelos sindicatos. A acumulação de informações detalhadas da realidade local e sua consolidação, em nível nacional, qualificam a participação nos espaços de diálogo e negociação. Com alianças locais, nacionais e internacionais, dentro de uma perspectiva mundial, esta estratégia parece possibilitar avanços na realização de algumas das reivindicações mais tradicionais do Brasil.

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Caso o movimento sindical brasileiro opte por percorrer este caminho, isto afetará não apenas o debate e a prática das empresas, mas também poderá modificar o próprio conceito de responsabilidade social empresarial. Quanto maior for o envolvimento sindical, maior será a capacidade de reduzir a dominância da responsabilidade social empresarial centrada na filantropia. Da mesma forma, maior será a capacidade de influenciar o debate sobre a responsabilidade social como uma prática social e de gestão das empresas, em que a empresa age como entidade que promove os direitos fundamentais no trabalho e o respeito ao meio ambiente. Diante da tremenda diversidade entre os sindicatos brasileiros e as empresas com as quais eles lidam, cabe aos sindicatos elaborar suas próprias visões e estratégias de atuação frente à temática da responsabilidade social empresarial na realidade brasileira. Referências bibliográficas Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL). Una Guia Sindical sobre la Mundialización. Bélgica (Bruxelas), 2001. Disponível em: http://www.icftu.org/pubs/globalisation OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Public Policy and Voluntary Iniciatives: What Roles Have Governments Played? Working Papers on Iternational Investiment 2001/4. Brussels, 2001. Disponível em http://www.oecd.org/dataoecd/45/30/1922 814.pdf ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais Pág. 54

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no trabalho e seu seguimento. Genebra, 1998.

http://www1.umn.edu/humanrts/links/draft guidelines-ad2.html

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração Tripartite de princípios sobre empresa multinacionais e política social. Brasília, 2002. 46p.

UNITED NATIONS. Universal Declaration of Human Rights. Disponível em: http://www.un.org/Overview/rights.html

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Organização Internacional do Trabalho Brasil. Disponível em: www.oitbrasil.org.br

_____________________ * Esse texto foi extraído da publicação dirigida ao

UNITED NATIONS. About the United Nations: introduction to the structure and work of the UN. Disponível em: http://www.un.org/aboutun/index.html UNITED NATIONS. Draft Universal Human Rights Guidelines for Companies, Addendum 2, UN Doc. E/CN.4/Sub.2/2001/WG.2/WP.1/Add.2 (2001). Disponível em:

movimento sindical “responsabilidade social empresarial – perspectivas para a atuação sindical” elaborado pelo Instituto Observatório Social e pode ser acessado na íntegra em www.observatoriosocial.org.br ** O Instituto Observatório Social é uma organização que analisa e pesquisa o comportamento de empresas multinacionais, nacionais e estatais em relação aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Esses direitos estão assegurados, principalmente, nas convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que tratam da liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação de gênero e raça, meio ambiente, saúde e segurança ocupacional. E-mail: [email protected]

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Artigo Padrões e Ferramentas de Gestão da Responsabilidade Social Corporativa e Cadeia de Fornecimento Lourdes Nicoladelli Nocko *

RESUMO Este artigo é um apanhado sobre padrões e ferramentas de gestão responsabilidade social corporativa, que possam ser implementadas pelas empresas e compartilhadas com toda a cadeia de fornecedores como: os códigos de conduta corporativos e setoriais, o Global Compact, as normas SA8000, AA1000 e NBR 16001, a GRI, o Projeto SIGMA os balanços sociais, os selos e um pacto. Primeiramente é apresentada uma visão sintética da ferramenta ou padrão e, em seguida, as recomendações dos organismos alinhados com a difusão de conceitos de RS relacionadas aos fornecedores. A partir de uma análise comparativa sobre as propostas são apresentadas algumas considerações e conclusões que podem representar simultaneamente possibilidades ou dificuldades, de acordo com a realidade de cada empresa, expectativas ou compromissos.

ABSTRACT This essay is a survey on patterns and instruments of corporate social responsibility management that can be implemented and shared with the whole supply chain such as: corporate and sectorial ethics or conduct codes, Global Compact, the SA8000, AA1000 and NBR 16001 standards, the GRI, the SIGMA Project, social statements, labeling and a national covenant. The essay presents a summarized vision of the instruments or patterns and, subsequently, the recommendations of the organisms aligned with the diffusion of concepts of social responsibility in relation to the suppliers. Parting from a comparative analysis on the proposals, the essay emphasizes the potentialities or difficulties concerning the reality of each company, its expectations or commitments.

Responsabilidade Social Corporativa na Cadeia de Fornecimento Na abordagem da responsabilidade social corporativa uma das perguntas mais comuns refere-se à competência sobre o social. Os limites e responsabilidades dos diversos atores sociais são objeto de polêmicas discussões. Não se trata de uma simples divisão de tarefas, mas da visão

sobre o impacto da sua presença na realidade. Trata-se de reconhecer a participação e responsabilidade de cada um nesse contexto amplo e complexo dos dias atuais para tornar digna a vida em sociedade, envolvendo o conjunto dos seus membros. E mais, de repensar sobre qual deve ser a instância normativa para as ações humanas e como traduzir os

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princípios, normas e valores que nos inspiram em ação competente. Para alcançar o envolvimento e a participação de todos os setores na busca da responsabilidade social, dentro de uma visão de efetividade que prevê ótimos globais, é indispensável explorar a forma de compartilhar essa proposta na relação entre empresas e fornecedores. Assim como identificar as recomendações dos organismos alinhados com a difusão de conceitos de responsabilidade social sobre padrões, ferramentas ou práticas que possam ser implementados pela empresa e compartilhados com toda a cadeia de fornecimento. Cabe lembrar que a empresa é um interessado e o fornecedor é outro. O êxito dessa dinâmica pressupõe todos os setores empenhados em caminhar num mesmo sentido e direção, para que os vetores do desenvolvimento social sustentável se somem positivamente. Ser socialmente responsável é conscientizar-se de que sua organização se insere na cadeia de produção e consumo, em que a oportunidade de conhecer, participar, desenvolver-se e cooperar pode vir antes do controle e da exclusão. Padrões de Gestão da Responsabilidade Social Corporativa Se é certo que a falta de responsabilidade social pode prejudicar a reputação e, portanto, o desempenho empresarial, também é certo que sua prática pode ajudálos. O benefício pode ser alcançado com o reconhecimento pela sociedade de que a empresa faz parte de uma rede de negócios com base em valores éticos e que desenvolve ações concretas de melhoria, de respeito ou de proteção em relação aos trabalhadores, à comunidade e ao meio ambiente. Assim como coube às media, às ONG e aos sindicatos a denúncia das

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condições adversas, cabe às empresas por meio de atitudes proativas a construção de uma nova relação com a sociedade e a divulgar suas ações positivas. Essas ações e sua divulgação podem ocorrer utilizando-se as mais diversas ferramentas, padrões ou normas que orientam, verificam ou atestam a postura responsável da empresa. A importância do uso desses padrões, normas ou ferramentas está na possibilidade de otimizar resultados através de processos competentes de gestão. Está também na comparabilidade da empresa com seus pares ou contra padrões estabelecidos e aceitáveis que acabam por atuar como agentes de emulação de um processo de desenvolvimento sustentável. Nesse artigo são analisados alguns desses padrões ou ferramentas, como: os códigos de conduta corporativos e setoriais, o Global Compact, as normas SA8000, AA1000 e NBR 16001, a GRI, o Projeto SIGMA, os balanços sociais, alguns selos e um pacto. Primeiramente é apresentada uma visão sintética da ferramenta ou padrão e, em seguida, a proposta relacionada aos fornecedores. Códigos de ética ou de conduta corporativos Nos dias atuais, a utilização corporativa de códigos de ética voluntários tem sido freqüente. Eles cobrem os valores da empresa que o adotou e podem ser considerados uma promessa, envolvendo desde responsabilidade pelo meio ambiente até preocupações com a comunidade, direitos trabalhista e direitos humanos. A definição das normas a serem atendidas e de sistemas de monitoramento e verificação é indispensável para traduzir as boas intenções em prática sistemática, e demonstrar que o código está atendendo aos seus objetivos (BVQI:2002, p.1). Pág. 57

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Códigos de ética e a cadeia de fornecedores Esses códigos, muitas vezes denominados Diretrizes ou Políticas para Aquisição ou, ainda, Manuais de Orientação aos Fornecedores, são importantes para assegurar que as normas estabelecidas estão sendo observadas na cadeia produtiva e se constituem em mecanismos para avaliar as condições de trabalho em seus fornecedores e subfornecedores. Embora uma empresa possa definir a extensão do seu código de ética, é importante que os mesmos envolvam os fornecedores, em todos os níveis. A grande dificuldade está em cobrir os trabalhadores em domicílio e aqueles que trabalham na informalidade ou ilegalidade, pela dificuldade em fazer a rastreabilidade destes e de suas condições de trabalho. É comum o engajamento dos mesmos em base temporária, sem registro formal de emprego, para dar resposta a uma demanda de mercado. A definição dos limites de aplicação dos códigos pode se referir também a áreas geográficas – países com culturas diversas – ou a determinadas partes de uma empresa, como a produção e o varejo ou mesmo linha de produtos. Os códigos de ética podem também ser setoriais, ou seja, desenvolvidos para grupos específicos de empresas, como, por exemplo, as indústrias do vestuário, as redes de supermercados e outros. Alguns deles foram desenvolvidos com a participação direta de algumas ONG e grupos trabalhistas como códigos modelos, para acelerar a pressão pela melhoria do conteúdo e da aplicação dos mesmos. Tais códigos setoriais apresentam, como vantagem sobre os empresariais, o fato de unificarem os requisitos e formas de monitoramento, visto que muitas empresas adquirem seus produtos de fornecedores ou

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subfornecedores comuns, que estariam sujeitos a uma diversidade de códigos. A própria escolha pelos consumidores ficaria facilitada, uma vez que eles têm poucas oportunidades de acesso à informação exata. (BVQI, 2002). Um elemento importante para avaliar a implementação de um código de ética entre os fornecedores é sua monitoração. Esse monitoramento pode ser feito por equipes da própria empresa compradora ou por auditores independentes e envolve, além da análise dos registros e dados, entrevistas com os trabalhadores, sindicatos, com organizações não governamentais e a comunidade em geral. Uma auditoria de código de ética, comumente, é solicitada pela compradora com base em seu código ou no do setor e os resultados são reportados a ela. Esse processo é diferente daquele em que as empresas decidem adotar um padrão preparado por um órgão independente, como, por exemplo, a norma SA8000, que já tem seu próprio arranjo de verificação estabelecido em procedimentos (BVQI, 2002). Global Compact (Pacto Global) – ONU O Global Compact foi proposto pelo Secretário Geral da ONU, Kofi Annan durante o Fórum Econômico Mundial em 1999, quando desafiou os líderes empresariais do mundo a contribuir para a construção de pilares sociais e ambientais que ajudassem a estruturar a nova economia global. A ferramenta é uma plataforma baseada em 10 princípios e valores universais, aceitos pela maioria dos governos ao redor do mundo, como Declaração dos Direitos Humanos, as convenções fundamentais da OIT, as conclusões da Rio92 e a Convenção da ONU contra a Corrupção. Foi formulada para promover o aprendizado institucional através do compartilhamento de experiências. Utiliza o poder da Pág. 58

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transparência e do diálogo para identificar e disseminar boas práticas empresariais, abrangendo direitos humanos, trabalho, meio ambiente e atividades anticorrupção. O Global Compact não é um código de conduta nem um instrumento auditável. Sua proposta não implica em custos diretos e é compatível com outras iniciativas. Ao aderir aos dez princípios, a empresa se compromete claramente a trabalhar no sentido de incorporá-los e disseminá-los, promovendo as boas práticas nele referidas. Trata-se de um compromisso de cooperação internacional feito por meio de uma das agências da ONU, que encoraja o intercâmbio de informações sobre iniciativas desenvolvidas na promoção dos princípios e auxilia na elaboração de um banco de dados sobre as experiências praticadas e sua eficácia. Global Compact fornecimento

e

a

cadeia

de

Ao analisar a proposta do Global Compact observa-se que as referências sobre a cadeia produtiva ou de fornecimento aparecem por meio de orientação mais ampla. Ela sugere que a empresa se envolva com a comunidade, as ONG, universidades e toda a gama de instituições que possam se engajar na melhoria das condições globais de vida. No entanto, procura alertar sobre a incidência dessas questões na cadeia de produção e de fornecimento, para evitar que a empresa se envolva ou indiretamente apóie a irresponsabilidade social e ambiental, em particular, sendo cúmplice de abusos quanto a direitos humanos, trabalho forçado e compulsório, trabalho infantil, uso de fontes que empregam tecnologia com impacto ambiental e corrupção. SA8000 (SAI – Social Accountability International)

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A SA8000 é uma norma auditável e universal para tratar dos direitos dos trabalhadores inseridos no cenário do mundo globalizado. É o primeiro padrão global de certificação da responsabilidade social de empresas. Foi desenvolvida em 1997 pela CEPAA (Agência de Credenciamento do Conselho sobre Prioridades Econômicas), atualmente a SAI (Social Acountability International). Ela tem como missão melhorar as condições de trabalho de forma global, contribuindo para um ambiente mais estável no mundo dos negócios, referenciada nas convenções fundamentais da OIT, na Declaração dos Direitos Humanos e na Convenção sobre os Direitos das Crianças. A norma SA8000, como as demais normas auditáveis da qualidade e gestão ambiental, tem seu foco sobre os sistemas de gestão para garantia dos requisitos de desempenho, considerando indispensável o comprometimento da alta direção da empresa, a conformidade com as regras, códigos e leis locais, a participação dos empregados em todos os níveis, a visão de prevenção e melhoria contínua e a busca de fornecedores éticos. Os nove requisitos de responsabilidade social contemplados pela norma estão relacionados ao trabalho infantil, trabalho forçado, saúde e segurança, liberdade de associação e negociação coletiva, discriminação, ação disciplinar, horário de trabalho, remuneração e sistemas de gestão. Nos procedimentos de monitoramento e auditoria a participação das diversas partes interessadas é indispensável, pois possibilita a sinalização e orientação sobre possíveis problemas não evidenciados na empresa, além de encorajar as organizações locais a observar a conformidade da empresa com relação aos direitos dos trabalhadores. Essas auditórias de certificação, como a SA8000, são Pág. 59

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solicitadas sempre pela empresa a ser auditada e seus resultados são reportados a esta, em forma de certificado, que poderá ser exibido e reconhecido, em qualquer negociação, como prova suficiente de sua conformidade com os requisitos da norma. SA8000 e a cadeia de fornecedores Conforme visto anteriormente, a SA8000 foca as condições de trabalho em todo o processo produtivo, com o objetivo de evitar a exploração do trabalhador nos demais estágios da cadeia de fornecedores, como resultado da terceirização e da fragmentação nos processos globalizados. A norma determina que a empresa deve estabelecer e manter procedimentos para avaliar e selecionar fornecedores, subcontratados e subfornecedores, com base em sua capacidade de atender os requisitos da norma, incluindo comprometimento formal com esse atendimento, com a participação nas atividades de monitoração da empresa e com os procedimentos e recursos para reparação em caso de não conformidade, de acordo com a natureza e severidade destes. A norma determina ainda que, quando a empresa receber serviços de fornecedores classificados como trabalhadores em domicílio, deve tomar medidas para assegurar que para tais trabalhadores seja proporcionado um nível similar de proteção ao dos funcionários empregados diretamente, no que se refere aos requisitos da norma. AA1000 (Accountability 1000 - ISEA Institute of Social and Ethical Accountability) A AA1000 foi desenvolvida pelo ISEA (Institute of Social and Ethical Accountability) para melhorar a responsabilidade social e o desempenho

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geral das organizações, pelo aumento da qualidade na responsabilidade social e ética, auditoria e relato (AA1000, 1999). Seu foco é o diálogo com as partes interessadas, para o estabelecimento de um processo de melhoria contínua no gerenciamento ético e socialmente responsável. A AA1000 não parte de uma moral geral ou de princípios universais. Ou seja, ela especifica os processos que uma organização deve seguir e não os níveis de desempenho que a organização deve atingir. Não se trata de um processo de certificação e, sim, de um padrão. Parte daquilo que a empresa e seus stakeholders consideram legítimo. Assim, é justamente o processo de sistematização do envolvimento de stakeholders que legitima a empresa como sendo socialmente responsável. A norma possui ferramentas que facilitam que a empresa identifique quais stakeholders ela deve priorizar no processo de diálogo. A AA1000 compreende princípios e processos. Seus princípios identificam as características de um processo de qualidade e são governados pelo princípio da responsabilidade social: “Responsabilizar-se por alguma coisa é explicar ou justificar os atos, omissões, riscos e dependências pelos quais se é responsável em relação a pessoas com um legítimo interesse. Para desincumbir-se de sua responsabilidade social, uma organização se responsabilizará por seus atos, omissões, riscos e dependências. Contudo, além deste requisito de responsabilização transparente, a responsabilidade social também vincula uma obrigação maior de sensibilidade para resposta e conformidade.” (AA1000, 2000).

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Em 2002 o ISEA estabeleceu uma fase de consulta às partes interessadas para revisão, lançando os módulos da nova versão do AA 1000, e a AA 1000s (Séries). Os módulos que compõem as séries são: Medição e comunicação da qualidade do engajamento dos interessados; Integração de processos de Acountability com processos de gestão e medição existentes; Garantia da qualidade e gestão externa; Governança e gerenciamento de risco e, Gestão de acountability para pequenas organizações. AA1000 e a cadeia de fornecedores As necessidades de informação e expectativas das partes interessadas se refletem numa variedade de temas, entre eles, as questões relativas à cadeia de fornecimento. No entanto, não definem previamente os indicadores de desempenho social e ético ou metas para as organizações. As aspirações das partes interessadas em suas interações com a organização não podem ser antecipadas antes do processo de responsabilidade social, auditoria e relato. Um dos objetivos essenciais do processo é descobrir e responder às aspirações através do comprometimento com as partes interessadas. ABNT NBR 16001:2004 Responsabilidade Social – Sistema da gestão – Requisitos A norma 16001 foi criada pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, fórum nacional de normalização, com a participação de diversos segmentos representativos da sociedade, e entrou em vigor a partir de 30/12/2004. É uma norma voluntária, auditável, que estabelece requisitos mínimos para um sistema de gestão da responsabilidade social e tem uma estrutura compatível com as normas de gestão da qualidade e meio ambiente -

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NBR ISO 9001:2000 e NBR ISO 14001:1996. Com isso fica facilitada a implantação de um sistema de gestão integrado dentro das organizações. Para elaboração da norma foram consultadas normas sobre sistemas de gestão e normalização da ABNT/ISO, guias da AA1000, da SA8000, da GRI, do Balanço Social do ETHOS e do IBASE e Pacto Global. O tema da norma também está relacionado a outros documentos, como as Metas do Milênio, a Declaração dos Direitos Humanos, as Diretrizes da OCDE elaborados sob os auspícios da ONU, e o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC. A criação da norma foi o primeiro passo para o estabelecimento de um certificado voluntário, cuja formalização deverá estar concluída até agosto de 2005. A partir daí as certificadoras poderão credenciar-se e as organizações poderão buscar a sua certificação para garantir aos clientes e fornecedores a sua conformidade. Essa iniciativa possibilitou ao Brasil coordenar, junto com a Suécia, a elaboração de um padrão internacional para implementação de um sistema de gestão e certificação sobre responsabilidade social, a ISO 26000 que começou a ser discutida com representantes do mundo inteiro no início de 2005. A ABNT NBR 16001 utiliza o conceito de responsabilidade social como uma das dimensões do desenvolvimento sustentável e se fundamenta na metodologia do PDCA (planejar, fazer, verificar e atuar), dando ênfase à participação das partes interessadas no processo. Conforme consta no texto de introdução da norma, ela se aplica a todos os tipos e portes de organizações, diferentes condições geográficas, culturais e sociais brasileiras. A abordagem se fundamenta numa espiral crescente de melhoria Pág. 61

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contínua baseada na definição de uma Política de Responsabilidade Social da organização a partir da consulta às partes interessadas, que assegure sua adequação à natureza, escala e impactos da organização, assim como seu comprometimento com a ética e o desenvolvimento sustentável, a prevenção de impactos adversos, a legislação e demais requisitos por ela subscritos. A organização deve assegurar também o planejamento dessa política e os recursos para sua implementação e operação, a documentação, o monitoramento, a comunicação e o acesso à mesma por todas as pessoas que trabalham para e na organização. A norma estabelece que os objetivos e metas devem ser compatíveis com a política da responsabilidade social e devem contemplar, mas não se limitar, às boas práticas de governança; combate à ilegalidade e corrupção, direitos da criança, do adolescente e do trabalhador; promoção da diversidade e de padrões sustentáveis de desenvolvimento; compromisso com o desenvolvimento profissional, a saúde e a segurança; proteção ao meio ambiente e aos direitos das gerações futuras e, ações sociais de interesse público. A ABNT NBR 16001 e a cadeia de fornecimento A NBR 16001 considera a consulta às partes interessadas um requisito indispensável ao exercício da responsabilidade social de uma organização. Ela define que a organização deve identificar as partes interessadas e suas percepções, bem como os aspectos da responsabilidade social que possam ser controlados e sobre os quais presume-se que tenha influência, a fim de determinar aqueles que tenham, ou possam ter, impacto significativo, positivo ou negativo.

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Ao abordar os objetivos, metas e programas, a norma estabelece que os mesmos devem contemplar fornecedores, prestadores de serviço, entre outros, na promoção de padrões sustentáveis de desenvolvimento, produção, distribuição e consumo. Além das questões expressas no corpo da norma sobre a responsabilidade social na cadeia de fornecimento, vale lembrar que as ferramentas que possibilitam auditoria e certificação são instrumentos adequados e poderosos para evidenciar a conformidade das empresas com determinados requisitos, e que são usadas como garantia ou formas de pressão em todas as direções da cadeia produtiva. GRI – Global Reporting Initiative A Global Reporting Iniciative (GRI) é uma organização não governamental internacional, com sede em Boston, EUA, cuja missão é desenvolver e disseminar globalmente guias aplicáveis para o desenvolvimento de relatórios de sustentabilidade, utilizados voluntariamente por organizações empresariais que relatam as dimensões econômicas, ambientais e sociais de suas atividades, produtos e serviços. Está disponível no site do ETHOS, partir de 2004, em português, a revisão 2002 do guia Diretrizes para Elaboração de Relatórios de Sustentabilidade. Considerando a dificuldade de comparar dados de diferentes empresas, pela diversidade de práticas de relato dos aspectos econômicos, sociais e ambientais, a GRI tem investido no desenvolvimento de relatórios que reduzam essa confusão, tanto para as empresas que elaboram quanto para as que utilizam. Dessa forma, tem buscado harmonizar tanto quanto possível as regras, de acordo com princípios de relato bem estabelecidos, Pág. 62

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amplamente aceitos e aplicados com consistência para promover transparência e credibilidade. Fornece um sistema de relato num formato de fácil entendimento, que possibilita a comparabilidade entre empresas. O modelo não prevê certificação nem monitoramento ou verificação. Tampouco trata da implementação de coleta de dados e informações, reconhecendo as mais diversas práticas adotadas pelas organizações. A característica marcante da GRI tem sido a construção destes guias, utilizando exaustivamente o diálogo com as partes interessadas. O documento Diretrizes para Elaboração de Relatórios de Sustentabilidade da GRI - 2002, se divide em 4 partes. A primeira parte (A) trata do uso do guia. Na segunda (B) são apresentados os 11 princípios que devem ser observados na construção do relatório e que estão organizados em 4 grupos: estrutura do relatório: princípios da transparência, inclusividade e auditabilidade. conteúdo do relato: princípios de integridade, relevância e contexto de sustentabilidade confiabilidade e qualidade do relato: princípios da acuracidade, neutralidade e comparabilidade acesso e disponibilidade dos relatos: princípios sobre a clareza e regularidade dos relatos. A terceira parte (C) do guia envolve o conteúdo a ser apresentado, como: visão e estratégia, perfil organizacional, estrutura de governança, sistemas de gestão e indicadores de desempenho com base nos três elementos da sustentabilidade – econômicos, ambientais e sociais. E, por fim, a quarta parte (D) contém um glossário de termos e seis textos de esclarecimentos em anexo.

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A abordagem da GRI prevê que, além da comunicação externa, as empresas possam se beneficiar com os relatórios de sustentabilidade como ferramentas de gerenciamento, comparando-se com outras organizações, avaliando a consistência de suas políticas e dando estrutura lógica para aplicar os conceitos de sustentabilidade em suas operações. Um dos pontos consistentes do modelo é ser um sistema efetivo de diálogo com as partes interessadas – internas e externas – para avaliação do compromisso com as metas organizacionais e provisão de informações confiáveis e relevantes. GRI na cadeia de fornecedores A proposta do relatório remete, continuamente, à importância de considerar os princípios anteriormente referidos, a integração das informações e o impacto das operações da empresa sobre a realidade. Os indicadores sugeridos que se referem diretamente aos fornecedores estão contidos nas categorias de indicadores econômicos e ambientais. Na categoria social eles aparecem no detalhamento dos demais indicadores: Indicadores de desempenho econômico: • •



O custo de todos os bens, materiais e serviços adquiridos. O percentual de contratos que foram pagos mediante termos acordados, excluindo penalidades acordadas. Os termos podem incluir condições e formas de pagamento ou outros ajustes. Esse indicador refere-se ao percentual de contratos que foram pagos conforme termos acordados, independentes dos detalhes dos termos. Classificação de fornecedor pela organização ou país. Lista de todos os fornecedores dos quais adquiriu no período relatado, que representam 10% ou mais do total de compras no Pág. 63

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período. Identificar também todos os países onde o total comprado representa 5% ou mais do PIB. Indicadores de desempenho ambiental: •

Desempenho dos indicadores relativos aos componentes ambientais dos programas e procedimentos do sistema de gestão, citados na parte C do relato, ou seja, políticas e sistemas para oscilação de impactos, incluindo: o Gestão da cadeia de fornecimento – como se conecta com as fontes externas e verifica o seu desempenho social e ambiental; o Desenvolvimento de produtos e serviços; o Esforços para a melhoria no design de produtos para minimizar impactos negativos associados com a produção, uso e descarte.

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Departamento de Indústria e Comércio da Inglaterra. Sua proposta é ajudar as organizações a entender como podem contribuir para o desenvolvimento sustentável e oferecer uma estrutura para levar a uma ação efetiva. Os princípios do Projeto SIGMA consistem em dois elementos fundamentais: •

Indicadores sociais: • •



Sobre práticas trabalhistas e trabalho decente – saúde e segurança: Índice de acidentes, dias perdidos, absenteísmo e acidentes fatais, incluindo os subcontratados; Sobre direitos humanos – estratégia e gestão: Evidência que o impacto sobre os direitos humanos é considerado na seleção de fornecedores e contratos; Descrição de políticas para avaliação do desempenho sobre direitos humanos dentro da cadeia de fornecedores e contratos, incluindo monitoramento de sistemas e resultados.

Projeto SIGMA O Projeto SIGMA (SIGMA Project Sustainability Integrated Guidelines for Management) foi lançado em 1999 pela BSI - British Standards Institution, pelo Forum for the Future e pela AccountAbility, com o apoio do

O gerenciamento holístico de cinco diferentes tipos de capital – ambiental, social, humano, patrimonial e financeiro - que refletem toda a extensão do impacto das organizações e a sua riqueza no seu sentido mais amplo, assim como em todo o ciclo da vida dos produtos ou serviços, inclusive pela coleta da cadeia de suprimentos, durante a criação dos produtos ou serviços, distribuição, uso e até o fim da vida útil. Algumas organizações podem, diferentemente de outras, dar ênfase a um tipo de capital em que seus impactos são maiores. O exercício da prestação de contas (accountability) com transparência, sensibilidade de resposta às partes interessadas e em conformidade com as normas e a legislação pertinente, considerando que a organização é parte de um grande sistema social, econômico e ambiental. O projeto estabelece os caminhos para a melhoria de accountability: identificar as partes interessadas, assim como as prioridades e indicadores chaves para engajá-los; monitorar, comunicar, relatar e obter feedback sobre o desempenho sustentável; utilizar sistemas de governança para inspirar confiança; exercer a acountability ao longo da cadeia de suprimento; elaborar e seguir um código de conduta ético; ser consistente em palavras e ações nos seus posicionamentos e ser transparente e acessível.

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O Projeto SIGMA elaborou um Guia (The SIGMA Guidelines) composto por três documentos principais: um Guia de Princípios (SIGMA Guiding Principles), que ajuda as organizações a entender o que é sustentabilidade e como contribuir para isso; uma Estrutura de Gerenciamento (SIGMA Management Framework), apresentada em fases e sub-fases, para integrar a questão da sustentabilidade no centro dos processos e decisões, e um guia de ferramentas (SIGMA Toolkit), com um conjunto de padrões ou ferramentas para as empresas utilizarem conforme apropriado. Algumas dessas ferramentas foram desenvolvidas especificamente para o Projeto SIGMA, outras tem outras origens. Além dos documentos principais o projeto apresenta resultados de pesquisa e desenvolvimento (R&D streams) e experiências práticas (Practical Experience).



Projeto SIGMA e a cadeia de fornecimento



A proposta do projeto com relação à cadeia de fornecimento é tema transversal tanto na abordagem dos cinco tipos diferentes de capital quanto na abordagem da prestação de contas. O engajamento das partes interessadas – entre eles os fornecedores – está presente em todas as fases da estrutura de gerenciamento (liderança e visão, planejamento, entrega, monitoramento, revisão e relato) como forma de adequar, validar e alcançar melhores resultados. Para cada uma dessas fases, são apresentadas sub-fases como: questãochave, alinhamento com os princípios, onde, quem, o que – atividades-chave, como/recursos e, por fim, resultados. Ao tratar da cadeia de suprimentos, ao longo do documento na sub-fase “o que”, encontramos as seguintes propostas: •

Exercer accountability ao longo da cadeia de suprimentos organizacional.

















Assegurar a origem ética dos materiais e um tratamento justo dos fornecedores, consumidores e cidadãos. Estabelecer parcerias dentro da cadeia de suprimentos e carteira de clientes para uso mais eficiente dos recursos ou desenvolvimento dos produtos e serviços. Manter um relacionamento honrado/digno com fornecedores e consumidores/cidadãos. Exercer influência externa apropriada sobre fornecedores, empresas do setor ou outros para o progresso do desenvolvimento sustentável, influenciando comportamentos acerca dos princípios fundamentais. Identificar e favorecer o diálogo com parceiros sobre planos, impactos e sugestões. Engajar parceiros externos através de relato, garantias e feedback. Comunicar aos parceiros externos a visão, os princípios e a missão organizacional, assim como mecanismos de feedback. Analisar documentos de dados e condições da cadeia de suprimentos como: estratégia atual, gerenciamento, avaliação e perfil. Estabelecer acordos com a cadeia de suprimentos, inclusive sobre parcerias, treinamentos, metas e indicadores de desempenho, formas de avaliação, administração do conhecimento e abordagens prioritárias, assim como sobre gerenciamento de riscos, assuntos críticos e uso de exigências contratuais para comunicar impactos sobre a sustentabilidade inseridos nessa cadeia. Realizar o gerenciamento do desenvolvimento, avaliação e relacionamentos da cadeia de suprimentos.

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Entre as fontes sugeridas na coluna “como” estão os documentos SIGMA Sustainable Supply Network Management R&D Report, o SIGMA Supply Chain Management R&D Report e o SIGMA Stakeholder Engagement Tool. São sugeridas ainda as ferramentas: Project Acorn Resources, BS8555, GRI e AA1000 entre outros. Outros dois documentos interessantes sobre a cadeia de fornecimento são os relatórios de pesquisa e desenvolvimento do projeto SIGMA (R&D Streams) sobre Estratégia e Avaliação da Cadeia de Suprimentos (Supply Chain Strategy and Evaluation – First Report and Case Studies). Esses relatórios apresentam resultados de pesquisas feitas entre diversos segmentos do setor produtivo e do governo e um estudo de seis casos sobre como as organizações estão compreendendo e implementando o gerenciamento sustentável da cadeia de fornecimento. Os resultados dessas pesquisas apontam que, de uma maneira geral, existe pouca clareza ou muitas diferenças conceituais sobre sustentabilidade e cadeia de fornecedores - onde começa e onde acaba. Existe também uma boa aceitação por parte das indústrias sobre o trabalho com as questões ambientais – principalmente associadas a riscos – e menor aceitação das medidas que envolvem os aspectos sociais e éticos do desenvolvimento sustentável, com poucas experiências de gerenciamento dessas questões na cadeia de suprimentos. A exceção pode ser observada entre as empresas comprometidas com códigos de ética, legislações mais duras ou normas certificadoras. Isso está mudando, mas ainda parece ser preocupação de ONG comunitárias e campanhas de direitos humanos.

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Outras duas questões levantadas foram o poder de influência de algumas empresas sobre essa cadeia, como é o caso das transnacionais, das indústrias automotivas e químicas e a complexidade para adequar as ferramentas de gerenciamento dos impactos na cadeia de fornecimento. Entre as demais pesquisas realizadas pela R&D Streams está a que trata da sustentabilidade social (Social Sustainability). Ela busca entender os elementos centrais do capital social e identificar estratégias e ferramentas que apóiam o gerenciamento, desenvolvimento e monitoramento desses elementos. A pesquisa foca transversalmente a questão da cadeia de suprimento e aponta o desempenho das organizações nessa direção como uma de suas fragilidades. Balanço Social - IBASE e ETHOS Como forma estratégica de dar publicidade às ações sociais realizadas pelas empresas surgem os balanços sociais. Entre os mais conhecidos no Brasil estão o do Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais (IBASE) e o do Instituto ETHOS. O IBASE insiste na importância de um modelo de balanço social único, simples e objetivo que permita a comparação da função social entre diferentes empresas ou ao longo dos anos em uma mesma empresa. Esse modelo foi construído no próprio instituto, em parceria com diversos representantes de empresas públicas e privadas, com predominância de dados expressos em valores financeiros ou de forma quantitativa. Ao esclarecer o que é o Balanço Social, o IBASE (2005) afirma que a empresa mostra o que faz por seus colaboradores, dependentes e comunidade, dando transparência às atividades que buscam melhorar a qualidade de vida de todos. Sua Pág. 66

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função principal é tornar pública a responsabilidade social empresarial, melhorando os vínculos entre as empresas, a sociedade e o meio ambiente.

indicadores de desempenho econômico, social e ambiental, o modelo de balanço social do IBASE e iniciativas de interesse da sociedade, como os projetos sociais.

De acordo com as instruções de preenchimento, o Balanço Social do IBASE, deve:

Apoiado na proposta da GRI, o Instituto ETHOS recomenda que, para os relatórios sociais revelarem a consistência e credibilidade de que gozam os relatórios financeiros, é necessário observar na sua preparação os seguintes princípios e critérios qualitativos: relevância, veracidade, clareza, comparabilidade, regularidade e verificabilidade.







apresentar os projetos e as ações sociais e ambientais efetivamente realizados pela empresa; resultar de um amplo processo participativo que envolva a comunidade interna e externa e ser apresentado como complemento em outros tipos de demonstrações financeiras e socioambientais; publicado isoladamente em jornais e revistas; amplamente divulgado entre funcionários, clientes, fornecedores e a sociedade.

Pode ser acompanhado de outros itens e de informações qualitativas que a empresa julgue necessários. O Balanço Social proposto pelo Instituto ETHOS de Empresas e Responsabilidade Social trabalha com informações consistentes e relevantes que podem contribuir para o sistema de gestão da empresa, na medida em que possibilitam o diagnóstico, o acompanhamento da evolução de seus indicadores, a comparação e o diálogo entre empresas do mesmo setor. Ao publicar o balanço social a empresa se abre ao diálogo com os diferentes públicos envolvidos no negócio da empresa: colaboradores internos, fornecedores, consumidores/clientes, comunidade, meio ambiente, governo e sociedade. O modelo de Balanço Social do Instituto ETHOS propõe a apresentação da empresa – estrutura, histórico, princípios e valores, diálogo com partes interessadas – os

Balanço social e a cadeia de fornecedores A proposta de balanço social do IBASE, no que se refere aos fornecedores, avalia a extensão da influência da organização sobre seus fornecedores, perguntando se na seleção dos mesmos não são desconsiderados, sugeridos ou exigidos os mesmos padrões éticos e de responsabilidade social e ambiental adotados pela empresa. No modelo de Balanço Social do ETHOS, a relação com seus fornecedores está assim conceituada: “A empresa que tem compromisso com a responsabilidade social envolve-se com seus fornecedores e parceiros, cumprindo os contratos estabelecidos e trabalhando pelo aprimoramento de suas relações de parceria. Cabe à empresa transmitir os valores de seu código de conduta a todos os participantes de sua cadeia de fornecedores, tomando-o como orientador em casos de conflitos de interesse. A empresa deve conscientizar-se de seu papel no fortalecimento da cadeia de fornecedores, atuando no desenvolvimento dos elos mais fracos e na valorização da livre concorrência”. Pág. 67

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Os indicadores relativos às relações da empresa com fornecedores estão apresentados a seguir: Desempenho Econômico – Investimentos Valores envolvidos na terceirização de processos e serviços; Investimentos visando melhoria de desempenho da cadeia produtiva (fornecedores, distribuidores etc.); Desempenho da empresa no cumprimento de contratos com fornecedores. Desempenho Social – Fornecedores Descrição dos tipos de fornecedores como: grandes, pequenas e médias empresas; grupos comunitários locais, cooperativas, associações de bairro, projetos de geração de renda e outros; Principais aspectos das políticas de seleção, contratação, avaliação e desenvolvimento de fornecedores, com cláusulas de responsabilidade social, como erradicação do trabalho infantil. •

Outros Indicadores Sugeridos: Programas de monitoramento e verificação do cumprimento dos critérios sócio-ambientais acordados com os fornecedores; programas de desenvolvimento junto a fornecedores locais comunitários; participação em programas e políticas para o cumprimento de valores de responsabilidade social em toda a cadeia produtiva.



Prestadores de serviço e trabalhadores terceirizados: Programas de integração de trabalhadores terceirizados junto aos funcionários, incluindo os mesmo benefícios básicos oferecidos e programas de treinamento e desenvolvimento profissional;

Porcentagem de trabalhadores terceirizados em relação ao total da força de trabalho. •

Consumidores/Clientes: Iniciativas junto a fornecedores, distribuidores e assistência técnica, visando a criar uma cultura de respeito e valorização dos consumidores;

Desempenho Ambiental – Fornecedores Processos de gerenciamento que contemplem o conceito de ciclo de vida do produto, voltados para a gestão ambiental em toda a cadeia produtiva. ETHOS (2002) Selo de produtos Os selos têm como propósito uma identificação imediata das empresas que aderem aos princípios e práticas das organizações que os promovem, funcionando também como emuladores para a adesão de maior número de participantes. As empresas que recebem o selo têm o direito de usá-lo em seus documentos, papelaria, produtos, embalagens, sites e outros. Várias organizações ao redor do mundo emitem selos, como a HCS (Humane Cosmetic Standard), que foca na redução do número de animais utilizados em testes cosméticos, e a FLO (Fair Trade Labeling Organization), que se orienta para processos de gerenciamento e aspectos do comércio justo. No Brasil as mais conhecidas são o IBASE e a ABRINQ, apreciadas em seguida. O Selo Balanço Social do IBASE/Betinho é conferido anualmente a todas as empresas que publicam o balanço social no modelo sugerido pelo IBASE, dentro da metodologia do balanço e dos critérios Pág. 68

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propostos. Entre os critérios de 2004 para recebimento do Selo constam que: •





O Balanço Social deve ser publicado, na íntegra, em jornal e/ou revista de grande circulação regional e/ou nacional, e na página da empresa na internet, quando existir. Todos os funcionários deverão receber o balanço de forma individualizada e nominal em material, publicação ou evento destinado exclusivamente ao tema da responsabilidade social ou balanço social. Também deverão receber uma mensagem da direção apresentando o documento e sua relevância para a empresa e a sociedade. Deverá constar obrigatoriamente das informações publicadas e distribuídas aos funcionários que a empresa não utiliza mão-de-obra infantil ou trabalho escravo e não tem envolvimento com prostituição ou exploração sexual de criança ou adolescente.

Segundo o IBASE, poderá ser negado ou suspenso o direito ao uso do selo de qualquer empresa envolvida na violação de direitos humanos, sociais e ambientais relacionados com a Declaração da OIT Sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho; a Declaração dos Direitos Humanos; a Convenção para Eliminar a Discriminação contra as Mulheres; a Convenção sobre os Direitos da Infância e da Adolescência; a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; bem como toda a legislação brasileira relativa a estes direitos e deveres já estabelecidos. As empresas recebem o Selo em meio eletrônico e tem seus nomes, balanços sociais e páginas na internet divulgados no site mantido pelo Instituto. 1 1

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O Selo Empresa Amiga da Criança - um dos programas da Fundação Abrinq - tem o objetivo de engajar empresas para uma atuação social em favor da criança e do adolescente, em especial, na prevenção e erradicação do trabalho infantil, estimulando que o façam também por meio de suas cadeias produtivas. A atuação do Programa Empresa Amiga da Criança ocorre pela concessão de selo, celebração de pactos e influência nas políticas públicas. O selo Empresa Amiga da Criança é concedido às empresas pelo comprometimento firmado com a Fundação Abrinq, conforme segue: “1. Dizer não ao trabalho infantil, não empregando menores de 16 anos, exceto na condição de aprendizes e só a partir dos 14 anos. 2. Respeitar o jovem trabalhador, não empregando menores de 18 anos em atividades noturnas, perigosas ou insalubres. 3. Alertar seus fornecedores, por meio de cláusula contratual ou outros instrumentos, que uma denúncia comprovada de trabalho infantil pode causar rompimento da relação comercial. 4. Fornecer creche ou auxílio-creche para os filhos de funcionários. 5. Solicitar aos funcionários que comprovem a matrícula de seus filhos na escola. 6. Incentivar e auxiliar as funcionárias gestantes a realizar o pré-natal e orienta todas as funcionárias sobre a importância dessa medida. 7. Estimular a amamentação, dando condições para que as funcionárias possam amamentar seus filhos até os 6 meses de idade. 8. Orientar seus funcionários a fazer o registro de nascimento dos seus filhos. 9. Fazer investimento social na criança ou adolescente compatível com o porte

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da empresa, conforme estabelecido pela Fundação Abrinq. 10. Contribuir para Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente, com o equivalente a 1% do imposto de renda devido, conforme estimativa de lucro tributável da empresa no exercício.” ABRINQ (2002) Selo de produto e a cadeia de fornecedores O critério relevante para o fornecimento do Selo IBASE/Betinho é a publicação do balanço no modelo sugerido pelo instituto. Os critérios de concessão definem que a empresa não deve se envolver com utilização de mão-de-obra infantil ou trabalho escravo e com prostituição ou exploração sexual de criança ou adolescente. Na concessão do selo Empresa Amiga da Criança, a Abrinq reconhece o comprometimento das empresas com a infância brasileira, estimulando que atuem em suas cadeias produtivas para combater a utilização da mão-de-obra infantil. No termo de compromisso assinado com as empresas interessadas no programa, fica estabelecido como obrigação não estabelecer relações comerciais com fornecedores de produtos e serviços que estejam em desacordo com a legislação sobre o trabalho infantil, por meio de um dos seguintes instrumentos: •



inclusão de cláusula expressa de nãoutilização de mão-de-obra infantil ou de trabalho irregular de adolescentes em contratos de fornecimento da empresa; ou informação e conscientização de fornecedores de que as relações comerciais poderão ser interrompidas em caso de utilização irregular de trabalho infanto-juvenil, obrigando-se a relatar as ações de conscientização

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desenvolvidas a cada renovação anual da concessão de uso do selo. Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo foi assinado no dia 19 de maio de 2005, na Procuradoria Geral da República, por entidades governamentais, não governamentais e, de imediato, por mais de 60 empresas nacionais e multinacionais de áreas diversas, como os setores de supermercados, combustíveis, alimentos, têxtil, açúcar e álcool, siderúrgico e financeiro. O pacto se integra ao esforço nacional de erradicação do trabalho escravo que vem sendo desenvolvido pelo Brasil pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT. É resultado de uma parceria entre a OIT e o Instituto ETHOS e se baseou em um estudo da OIT e da organização não-governamental Repórter Brasil, que mapeou a cadeia de produção e fornecimento que usava o trabalho escravo a partir das "listas sujas" do Ministério do Trabalho e Emprego. O estudo mostra empresas que, em algum ponto da sua cadeia produtiva, utilizam ou se servem de produtos de empresas que utilizam trabalho escravo. O trabalho escravo ou forçado se constitui numa grave violação à Declaração Universal dos Direitos Humanos e às Convenções da OIT e Declarações de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho. O pacto tem como objetivo inviabilizar a exploração de mão de obra escrava impondo restrições comerciais e financeiras por parte das empresas que aderirem ao mesmo. As empresas deverão eliminar de sua lista de fornecedores e de Pág. 70

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sua cadeia de produção as empresas que usam mão de obra escrava. Já os bancos se comprometem a não fornecer recursos para essas empresas. Os participantes também vão estimular a regularização das relações trabalhistas nas cadeias produtivas, dar apoio a ações de informação aos trabalhadores mais vulneráveis ao aliciamento e promover treinamento e aperfeiçoamento profissional de trabalhadores libertados. Pactuaram também apoiar as ações de combate à sonegação e à pirataria e monitorar as iniciativas adotadas e avaliar a aplicação das medidas em um ano. O modelo do pacto está no site do Instituto ETHOS. Análise Comparativa dos Padrões e Ferramentas Ao analisar as propostas de gestão da responsabilidade social na cadeia de fornecimento, observa-se, como é desejado, a reprodução dos princípios e objetivos gerais de cada padrão ou ferramenta anteriormente apresentados, tal como suas facilidades e dificuldades, dentro de uma visão sistêmica de processos. Assim, o que se pode afirmar é que a profundidade do envolvimento da empresa com seus fornecedores está diretamente relacionada ao estágio em que a empresa se encontra, aos recursos e à estrutura disponível para implementação do processo, às necessidades das partes interessadas e ao impacto dos processos sobre a realidade.

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globalização, constata-se que os processos se multiplicam e se afastam muito do ambiente da empresa, dificultando o acesso e o controle sobre eles. Mesmo que a proposta contemple só a identificação e a divulgação dos princípios, o acesso direto ao subcontratado, muitas das vezes, é difícil. Assim, a percepção sobre qual padrão ou ferramenta é mais adequado fica subordinada à realidade da empresa e sua posição na cadeia produtiva. Algumas empresas, pela natureza e volume dos seus negócios, detêm enorme poder de barganha e encontram-se em condições de impor regras por ocasião de suas aquisições e contratos, como é o caso das montadoras, franqueadoras, indústrias químicas e grandes redes de supermercados. Diante dessas questões, são apresentados a seguir alguns aspectos que representam, simultaneamente, possibilidades e dificuldades a serem, previamente, consideradas: • • •



• Nas considerações referentes ao exercício da responsabilidade social na cadeia de fornecimento, aparecem, com freqüência, relatos de ser a implementação desse processo a que representa maior dificuldade para a empresa. Isso porque a responsabilidade social voltada aos trabalhadores, normalmente ficava circunscrita ao espaço da empresa. Com a terceirização e a fragmentação inerentes à

• •

monitoramento de resultados e auditorias na cadeia de fornecimento; conhecimento e acesso a toda a cadeia produtiva ou rastreabilidade; influência ascendente ou descendente/poder de barganha nas negociações; controle sobre os processos de terceiros mediante projeto, inspeção e auditorias; custos e estrutura para a implementação; impacto do desempenho do fornecedor e valor que agrega na cadeia produtiva; cultura de responsabilidade social no ambiente da cadeia produtiva.

Conclusões e recomendações A instrumentalização da sociedade para a ação tem que começar pelo domínio do Pág. 71

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conhecimento e pelo exercício da democracia não só representativa, mas, principalmente, participativa. Ela diz respeito a todos os seus segmentos: ao governo, às instituições, às empresas e, principalmente, a todos os cidadãos, dentro ou fora dessas corporações. A gestão da mudança e da transformação, para ser efetiva, deve estar circunstanciada no conhecimento da realidade, na geração de novos conhecimentos, no resgate de valores essenciais e no entendimento de que vale a pena, não porque dá retorno, mas porque torna possível a vida em sociedade. Nesse sentido, a relevância do segmento da responsabilidade social corporativa que diz respeito à cadeia de fornecedores é, em primeiro lugar, possibilitar que empresas com experiências bem sucedidas compartilhem com as demais, num processo de sensibilização e ampliação do círculo de compromisso, através desse canal já existente na empresa. Em segundo lugar, evitar que a busca de vantagens competitivas apóie a exploração dos trabalhadores, através de processos pouco transparentes de terceirização, ou das reservas de patrimônios ambientais. De modo geral, os padrões e ferramentas possibilitam às empresas: •





serem reconhecidas socialmente responsáveis, definindo e divulgando sua identidade; ampliarem esse compromisso para as suas áreas de influência por meio da sensibilização e mobilização para o comprometimento e a melhoria do desempenho e, em estágios nos quais o comprometimento se formaliza, exercerem o controle sobre os compromissos acordados, como garantia de sua concretização, através

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do monitoramento e auditoria dos processos. Em sua maioria, os padrões ou ferramentas valorizam a comparabilidade entre empresas e de cada empresa ao longo dos anos, como importante agente de emulação da responsabilidade social. No entanto a diversidade de ferramentas, se, de um lado, representa a liberdade legítima de escolha daquela com a qual a empresa mais se identifica ou que responde às expectativas das partes interessadas, de outro lado, impossibilita a comparabilidade do desempenho daquelas que adotam padrões diferenciados. Outro fator importante a considerar é a valorização tanto da legislação local quanto dos instrumentos universais existentes, como as declaração ou convenções internacionais sobre direitos humanos, direitos da criança e do adolescente, do trabalho e do meio ambiente. Guardadas as peculiaridades regionais, aposta-se na universalização dos direitos. É válida a proposta de adoção de um modelo básico comum, para que os indicadores de melhoria no desenvolvimento sustentável possam ser avaliados num contexto mais amplo que o da empresa ou o círculo de associados a um instituto. O esforço de implantar balanços sociais por meio de medidas legais tem como propósito atender a essa expectativa. No entanto, é pertinente que os mesmos possibilitem agregar informações sobre o desempenho peculiar de cada empresa, servindo como instrumentos de diagnóstico e gestão da responsabilidade social corporativa e respondam às expectativas de empresas e públicos de diferentes portes e natureza. Se a pergunta sobre qual modelo adotar é simples, a sua resposta não é. Ao analisar Pág. 72

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cada modelo pode-se observar também que, quanto mais completa a proposta da ferramenta para gestão da responsabilidade social, mais complexos – e caros – se tornam a coleta de dados, a implementação da proposta e o seu relato. Essa dificuldade pode ser entendida sob dois aspectos: •



a real dificuldade de avaliar o impacto das ações da empresa sobre o desenvolvimento social, ambiental e econômico em uma sociedade, quanto maior for o alcance das suas ações ou a abrangência do contexto avaliado. a falta de preparo ou tradição para monitoramento dos indicadores sociais no âmbito das empresas e, de uma forma geral, com relação aos programas sociais. As metodologias para avaliação de qualidade de vida são complexas e pouco conhecidas ou aceitas.

Sem dúvida, a insistência em incluir os mais diferentes públicos nesta tarefa encontra significado na necessidade premente de participação e cooperação para viabilizar processos sustentáveis de desenvolvimento social. E o importante é que essa parceria não seja apenas protocolar ou uma relação de uso e dependência, mas se constitua em uma ferramenta de capacitação e de gestão com vistas ao interesse público. A identificação de interesses comuns, o compartilhamento de responsabilidades, a negociação pelo diálogo para a resolução de interesses conflitantes, vem viabilizando a construção de processos inclusivos, indispensáveis ao desenvolvimento sustentável. Referências bibliográficas ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR16001:2004 Responsabilidade social – Sistema da gestão – Requisitos. Rio de Janeiro, 2004. 11 p.

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