TRANSFORMAÇÕES NA ARQUITETURA DA CASA

August 28, 2017 | Autor: J. Couto | Categoria: Architecture
Share Embed


Descrição do Produto

TRANSFORMAÇÕES NA ARQUITETURA DA CASA CAMPO-GRANDENSE EM MATO GROSSO DO SUL, DÉCADAS DE 1950 A 1970 José Alberto Ventura Couto

Prof. JOSÉ ALBERTO VENTURA COUTO – Coordenador Profs. Colaboradores: GOGLIARDO VIEIRA MARAGNO, VANDA ALICE GARCIA ZANONI e ALVARO BANDUCCI JÚNIOR

RESUMO

A pesquisa tratou do processo de transformações da arquitetura da casa campo-grandense dos anos de 1950 até os de 1970 e utiliza o estudo de suas origens para entendê-lo, ao estabelecer os conceitos, advindos de uma extensa revisão bibliográfica, que abrangeu desde a conceituação do que é arquitetônico até a trajetória da concepção da casa que chega ao Brasil com pontos em comum com a América Latina e Caribe. A pesquisa identificou os principais elementos que caracterizaram a casa campo-grandense e que, em sua essência, se reafirmaram em novas versões, como fusão de modelos coloniais e modernistas, configurando nova tipologia. Pode-se citar a conversão da varanda em jogo de lajes planas e telhados nos quais o paradigma, modelo emblemático, seria a entrada do Cassino na Pampulha, obra de Niemeyer em 1940. Ainda apareceram, dentro do período pesquisado, algumas tipologias que demonstraram uma nova atitude como tentativa de conciliação de uma complexidade contemporânea com a manutenção de um caráter local, em uma síntese possível, porém pragmática e de concepção formal fora da tradição brasileira, o que levaria a distorções acumulativas. Também se encontraram adoções de modelos com conotação nostálgica, indicando a falta de clareza, distorções e de identificação por parte da população com a produção mais recente. Entretanto, uma análise mais aprofundada desse ultimo período ainda está por ser feita.

PALAVRAS-CHAVE: ARQUITETURA – CASA – TRANSFORMAÇÕES – MODERNISMO – CAMPO GRANDE /MS

1

INTRODUÇÃO O trabalho inicia-se realizando uma revisão dos conceitos que envolvem termos

fundamentais, porém ambíguos, como transformações e arquitetura. Transformações em arquitetura implicam necessariamente em analisar as variáveis interações entre questões formais, utilitárias (que determinam o uso a que se destina um edifício) e técnico-construtivas, oscilando a ênfase entre esses três pontos universais1 conforme a ideologia que estaria por trás das formas. No plano disciplinar, erudito da arquitetura, esses problemas formais têm, como pano de fundo, os conceitos que organizam verdadeiros sistemas formais e ideológicos que são abordados, a título de esclarecimento, resumidamente, no trabalho. Ainda sobre essas relações intrínsecas da arquitetura ou do como os três pontos fundamentais interagem na adoção das formas, tomou-se, analogamente à gramática e à linguagem, a questão da construção formal e a da significação, ou seja, da sintaxe e da semântica, como meios de analise e compreensão da arquitetura. Em termos de origem, as concepções estéticas advêm, historicamente, dos eixos mediterrânico e anglo-saxônico, baseadas, respectivamente, na utilização de formas estáticas, simétricas, regulares e nas geometrias dinâmicas, assimétricas, pitorescas, variadas. Lúcio Costa comenta sobre essas concepções formais (COSTA, 1995, p.110): “A propósito da arquitetura moderna, quando se constatou igualmente a fusão de dois conceitos de aparência contraditória: o conceito plástico-ideal e o conceito orgânico-funcional”. Esta é uma dialética permanente na história da arquitetura mundial variando conforme o lugar e os valores culturais. (Grifos do autor).

Cita-se o período da arquitetura clássica ao gótico, como exemplo da preponderância da sintaxe entre forma e técnica e, com pouca influência na forma, a função. Já no Renascimento, as 2

formas clássicas voltaram a ser preponderantes, mas a questão tecnológica dos edifícios passou para um segundo plano, apenas repetindo as concepções greco-romanas. O avanço, então, foi no desenho com a descoberta da perspectiva (MASCARO, 1990, p. 67). Vigorou, portanto, no Renascimento, o formalismo, o qual tornou preponderantes as questões semânticas. A sintaxe arquitetônica passou a privilegiar a questão forma e significado; técnica e função tornaram-se apenas subsidiárias. Uma aproximação à técnica, ainda que vinculada ao sistema neoclássico, foi o Barroco, séculos XVI e XVII, que pressupunha uma variedade e adaptação local, tendo importância absolutamente especial ao se caracterizar brasileiro, com os novos elementos da arquitetura que se repercutem posteriormente no modernismo brasileiro e, conseqüentemente, até mesmo em Campo Grande, MS. Já na vigência do neoclássico, o avanço deu-se no campo teórico vinculado ao racionalismo, pré-configurando a modernidade (MARTINEZ, 2000). Tal racionalidade evoluiu para aspectos técnico-formais com o surgimento das construções industriais, tendo como exemplares

emblemáticos, entre outros, o Hall das máquinas na Exposição Universal em Paris (1887-1889) (Figura 1), o Palácio de Cristal (1861) e a Torre Eiffel (1989). Uma síntese maior chamada movimento moderno, com os seus cinco pontos para a nova arquitetura (Figura 2), transformou aquela modernidade em um novo sistema formal que se disseminaria pelo mundo como novo emblema da arquitetura. A composição tornara-se o resultado racionalista da interação entre função, tecnologia e concepção formal, avançando e confirmando aspectos disciplinares da arquitetura.

2

A CASA TROPICAL - AMÉRICA LATINA E BRASIL Originalmente, na região tropical das Américas, as influências iniciais foram dos modelos

medievais portugueses e espanhóis com as casas em fita e as casas-pátio. Segundo Semper, seriam três os elementos fundamentais da cabana tropical: o coração que seria a sombra, a estrutura e a pele, análoga à vestimenta que envolveria o espaço em contraposição à concepção da cabana primitiva citada no tratado de Laugier que se resumia à estrutura e ao fogo (e o sol) do

megaron. Nos trópicos, portanto, o arquétipo da casa, a concepção mais primitiva e original, seria a cabana tropical com tramas semitransparentes, pele, que permitiriam a brisa e o espaço em sombra, coração, cuja ventilação zenital criou o novo componente tipológico da casa no Caribe, o saguão, e no Brasil, como pele, desenvolveu-se o alpendre, varanda, e mais tarde, sala avarandada. A sombra substituiria o fogo e o sol do megaron. O estereótipo do muro sólido perfurado por janelas desaparece com a presença das “peles” de diferentes densidades e texturas (figura 03). Enquanto o movimento moderno defendia a luminosidade opondo-se à obscuridade das habitações do século XIX, ao contrário, no trópico, a sombra seria protetora do calor e da luz ofuscante que domina o entorno.

3

O ALPENDRE - A VARANDA Portanto, o elemento do modelo essencial, a cabana tropical, no Brasil, seria a pele por

meio do alpendre e das tramas porosas e sombreantes. Origina-se da cabana rural bengali, indiana, e é base para o desenho do bungalow inglês, a casa de veraneio inglesa com suas

verandah, que protegem do sol e da chuva. No Brasil surge o alpendre com a finalidade de abrandar os efeitos do calor sobre as paredes, mas também incorpora funções sociais, como abrigar viajantes, receber as pessoas ou desempenhar alguns serviços. Nas cidades, entretanto, a varanda só se firma mais tarde, com a independência e a cultura do café, acompanhadas de uma crescente urbanização e fundindo-se à influência neoclássica. Esses elementos de composição arquitetônica são tipicamente brasileiros por sua disseminação no Brasil, e por terem sido reinventados aqui desde os primeiros momentos.

Lemos (1989, p.28) lembra que os raros alpendres europeus não são feitos em residências, mas em construções religiosas, quase sempre populares, e derivam certamente das antigas galilés, ligadas às basílicas romanas e transformadas em templos cristãos. Alpendre é o nome de uma construção anexa à casa; varanda é um refrescante local de lazer, de estar, na casa tropical. Um alpendre pode vir a ser uma varanda, mas nem toda varanda é alpendrada. (LEMOS, 1989).

Em seu desdobramento, o termo varanda passou a designar a sala de jantar em meados do século XIX, em São Paulo. Isso se explica porque no período colonial, nas casas urbanas, a cozinha e o local das refeições eram situados em um alpendre profundo dando para o quintal. Com o tempo, ela ganhou fechamentos, às vezes envidraçados, que a transformou em sala, a qual, a partir disso passou a se chamar de varanda e assim qualquer lugar em que a família comesse ou ficasse em volta de uma mesa também passou a se chamar de varanda. A varanda torna-se um dos mais autênticos recursos arquitetônicos brasileiros. O último componente da cabana tropical é o sistema construtivo do balloon frame no Caribe, que consiste de estrutura independente de madeira e fechamentos também de madeira, e segundo outros autores brasileiros, no colonial brasileiro, são as estruturas independentes em madeira com seus fechamentos em pau-a-pique e taipa de sebe (figura 05). A parede perde seu caráter maciço, convertida em membrana sobre uma trama estrutural tridimensional. Iniciava-se o caminho que levaria à atual desmaterialização e virtualidade da arquitetura contemporânea sem renunciar, entretanto, às raízes históricas locais. Há um sincretismo que se expressa não só na mistura das diferentes influências “cultas”, mas também em uma atitude sem prejuízos perante as inovações técnicas e a assimilação dos componentes da tradição popular (SEGRE, 1999, p. 49). No Brasil, costumes como o cozinhar fora da casa, bem como ter suas refeições nesse lugar, são frutos da assimilação portuguesa dos costumes indígenas. As estruturas de madeira com vedações das paredes de pau-a-pique também.

4

A CASA MODERNA BRASILEIRA A configuração da “cabana moderna” possui estreitos vínculos com a arquitetura colonial,

influenciando o movimento neocolonial dos anos de 1920 e 1930 e, em seguida, reinterpretado por Lucio Costa para o modernismo brasileiro, dos anos de 1930, que se caracterizou pelo uso de componentes tipológicos representativos da identidade ambiental local, como o uso de materiais naturais, o vínculo com a natureza, as galerias perimetrais, os telhados em cerâmicas, os pátios interiores, os sistemas de tramas e filtros, de madeira ou cerâmica (SEGRE, 1999, p. 50). A esse tempo já se podia observar a qualidade de proposições que se referenciavam às questões dos lugares em que se implantariam e ao espírito moderno da época. O exemplo está em

algumas propostas do próprio Le Corbusier no Chile e na Índia, e nos arquitetos Alvar Aalto, com referências profundas à cultura finlandesa, e Frank Loyd Wright, com o simbolismo da natureza americana. Lúcio Costa também se aproximou, analogamente, à interpretação circunstancial e contextualizada como na fase colonial e no barroco brasileiro, quando se fundiu o saber português com os condicionantes e habilidades locais. Ainda compartilhou e incorporou a atitude dos artistas do modernismo brasileiro com o movimento antropofágico segundo o qual se deveria “comer” a cultura universal e reinterpretá-la para se sintetizar com a realidade brasileira. Ainda pode-se dizer que antecipou o conceito de tecnologia adequada (relativizada para as condições locais) em sintonia com a cultura arquitetônica acumulada da qual abstraiu os elementos arquitetônicos e seu repertório de soluções para os problemas locais que refletiram a relação com o clima e a cultura. A essa nova síntese passou-se a chamar modernidade brasileira, influenciando as novas gerações de arquitetos e engenheiros que viriam a aplicar tais conceitos nos edifícios por todo o Brasil pelos trinta anos seguintes. Deve-se citar ainda uma posterior abordagem ligeiramente diferenciada, a assim chamada, escola paulista de arquitetura. Uma variante que não se opõe à escola carioca, apenas introduz elementos novos elementos de influência dita bandeirante e, ao mesmo tempo conectada a, então, nova e última abordagem corbusieriana: o brutalismo. Foram estas as principais influências que apareceram disseminadas pelo País na promeira metade do século XX e que se tornaram a base da casa que se encontra construída em Campo Grande, MS até os anos 1980.

5

A POPULARIZAÇÃO DO MODERNISMO BRASILEIRO Um fenômeno cultural importante para a análise do que ocorreu na arquitetura,

principalmente da casa, em todo o País, foi a identificação de setores da classe média da sociedade com a arquitetura modernista brasileira, como síntese da idéia de crença no futuro e de desenvolvimento social. A nova arquitetura não representou, no Brasil, um rompimento com a tradição construtiva mais autêntica e legítima dos séculos XVIII e XIX. Ao recuperar tal tradição para o neocolonial e depois para o modernismo, ficou estabelecida a continuidade, com novas interpretações, entre passado e futuro. A respeito de um possível regionalismo, citado por alguns autores, Alan Colquhoun, dos mais notáveis ensaístas atuais da arquitetura, observa que tais valores apelam à aplicação universal e que não dependem de peculiaridades regionalistas e, ainda, que muitos projetos contemporâneos e interessantes utilizaram materiais, tipologias e morfologias locais, sem tentar expressar a essência de determinadas regiões, mas sim usaram características locais como motifs em um processo compositivo, para produzir idéias arquitetônicas originais, únicas e relevantes em relação ao contexto, à realidade (COLQUHOUN, 1989).

Sob o ponto de vista desta pesquisa interessa a absorção desses conceitos como forma de reconhecer que o modernismo brasileiro se nutre, simultaneamente dos dogmas modernistas e da fonte do conhecimento construtivo local, modifica-o e torna-se o paradigma para toda a produção arquitetônica dos anos de 1940 até os de 1970. A casa, tema peculiar da arquitetura, tem características próprias. Procurou-se, assim, determinar os critérios conceituais e o tipo de abordagem para a análise que seria feita nos exemplares da arquitetura da casa campo-grandense.

6

MATERIAIS E MÉTODOS A pesquisa se propôs a estudar as transformações nas formas da casa e, para tanto, olhou-

se para o passado em busca de suas origens e para as relações que estas têm com a própria arquitetura em seus aspectos disciplinares, entendendo que pertencem a um todo e que são manifestações de uma arte e cultura no contexto da história das civilizações. Em particular se trata também da história da formação cultural do Brasil e, por conseguinte, de Campo Grande, MS. O necessário corte histórico possibilitou o controle do objeto de pesquisa, no caso, o período logo após a segunda grande Guerra até a década de 1980, período significativo de mudanças intensas em todos os setores da vida e de intensa atividade econômica. Para se contemplar o aspecto disciplinar (teórico), foi fundamental a adoção do referencial crítico e, por isso, muitas vezes, tornou a compreensão de algo tão rotineiro para a maioria das pessoas como admirar as casas da cidade e gostar ou não delas, em algo surpreendentemente rico em atributos e complexo em sua descrição. Casas que, muitas vezes já em avançado estado de deterioração ou com muitas interferências, não permitem a identificação tanto de seus aspectos intrínsecos arquitetônicos como históricos. Aí está, portanto, a matriz epistemológica da pesquisa, da necessidade de se criar erudição a partir da arquitetura da casa local, fundamentada na adoção anônima e evocativa de tipos préexistentes da curta história campo-grandense. Do desafio de realizar uma reflexão crítica tendo como referência a hipótese das influências dos modelos arquitetônicos nas transformações da casa, adotada na pesquisa. Alguns aspectos reforçaram essa abordagem. Um deles, universal, é a inter-relação dos fatos arquitetônicos, um fenômeno intenso especialmente na arquitetura, no qual praticamente toda edificação utiliza modelos esquemáticos históricos, chamados de tipos, reinterpretados ou adotados como modelo, no todo ou em seus elementos. Outro aspecto é que tal inserção de modelos passa pelo crivo de seu resultado qualitativo, ou seja, pode-se distinguir, de acordo com os critérios revisados, o que pode ser considerado arquitetônico e o que se tornou uma distorção ou uma adesão acriteriosa de formas. Portanto, partiu-se dessa base teórica para a explicação da arquitetura da casa campo-grandense nas décadas de 1950 a 1970. A metodologia abrangeu, também, a identificação dos aspectos evolutivos da arquitetura da casa na América Latina, as influências históricas da arquitetura brasileira, até se chegar a

Campo Grande, MS. A adoção de conceitos válidos evidenciou de maneira transparente um referencial crítico que privilegiou uma visão baseada em valores intrínsecos da arquitetura, particularmente do aspecto compositivo, em detrimento de outras leituras possíveis da Arquitetura. Ainda assim, privilegiou-se a contextualização da abordagem que extrai e reconhece os elementos da arquitetura da casa campo-grandense. Critérios gerais adotados: 1 - Abordagem da arquitetura residencial isolada, a tradicional casa; 2 - Identificação das influências históricas na casa campo-grandense; 3 - Corte histórico: período das décadas de 1950 a 1970 em Campo Grande,MS; 4 - Identificação de características arquitetônicas; 5 – Escolha de casas dentro das regiões-bairros reconhecidas como setores de crescimento da cidade no período de abrangência da pesquisa; 6 – Existência de atributos arquitetônicos - o conceito foi desenvolvido na fundamentação teórica da pesquisa, ou seja, manifestar intenções plásticas percebidas por meio das relações entre seus diversos elementos e abranger o tripé vitruviano: utilitas, firmitas e venustas (isto é, atualmente: utilidade, tecnologia e contexto. E ao verificar esses atributos, ver se criam um objeto com intenção plástica, que contenha algum tipo de composição identificável); 7 Identificação e caracterização de tipos arquitetônicos; elementos que se repetem, indicando padrões aceitos e reconhecidos; 8 - Utilização de ficha para cadastramento das casas selecionadas.

7 7.1

RESULTADOS E DISCUSSÕES A CASA CAMPO-GRANDENSE DA DÉCADA DE 1950 AOS ANOS DE 1970 A arquitetura modernista brasileira se expandiu do eixo Rio-São Paulo para todo o País,

inclusive para cidades do Centro-Oeste brasileiro, como Campo Grande. A cidade tornou-se um campo fértil para as novidades, estimuladas por sua pouca tradição cultural e construtiva. As primeiras obras de nítida influência do repertório modernista brasileiro acontecem, portanto, um pouco tardiamente, mas sem prejuízo, já que ainda contemporâneo e em pleno vigor do movimento, na década de 1950 e de maneira contundente e emblemática com a construção de uma obra de Oscar Niemeyer, o Colégio Maria Constança de Barros Machado em 1953. Em seguida iniciava-se o fenômeno que se procurou demonstrar aqui, com diversas casas que fundiram o costume construtivo assimilado do momento anterior (as primeiras décadas do século XX, quando se disseminou o ecletismo e o art decô) com os cânones modernistas brasileiros representados por Lúcio Costa e Niemeyer no Rio e Artigas e Rino Levi em São Paulo. A primeira casa nitidamente modernista foi a Koei Yamaki (1957) (figura 06) na Rua Barão do Rio Branco, 1.455 projetada por Israel Correa. E no ano seguinte, as casas de Plínio Martins (figura 07) na Rua 7 de Setembro, 245 e 255, projetadas pelo Engenheiro Hélio Baís Martins (1958). Usam os elementos fundamentais do modernismo como os pilotis, o painel contínuo de esquadrias, a estrutura independente e a planta-livre. O tipo “caixa fechada” parece proceder de uma concepção vinculada à escola paulista no movimento que ficou conhecido como brutalismo.

Essas primeiras casas, pertencentes a expoentes empresariais e que educaram seus filhos no eixo Rio -São Paulo, incorporaram, de maneira mais precisa, as idéias do movimento moderno brasileiro em arquitetura, naquela época, de influência paulista. Tais exemplares foram representativos da transformação em curso nos modelos construtivos, mas se caracterizam por uma atitude mais pragmática na utilização dos postulados da modernidade, em uma assimilação válida, mas com caráter diferenciado por sua objetividade e adaptação às características locais, de cultura, clima e costumes construtivos. Outros exemplares são as casas Magno Coelho e Laucídio Coelho (1959), ambas as residências do engenheiro Hélio Baís Martins (Arruda, 1999). Mais tarde, a Casa Roberto Nachif (1973) do arquiteto Siegbert Zanettini, já a flexibilização do modernismo dos anos de 1970, em uma versão ou interpretação do modernismo de Lúcio Costa ou da chamada escola carioca. A Casa Antonio Barbosa de Souza (1974) do arquiteto Vilanova Artigas, usa os elementos fundamentais do modernismo como os pilotis, o painel contínuo de esquadrias, a estrutura independente e a planta-livre. Um dos fundadores do brutalismo paulista, contrariamente a seus discípulos, emprega mais leveza às estruturas aparentes. Já a casa do arquiteto Arnaldino da Silva (1976) é emblemática na compatibilização das formas modernistas com a utilização das, então em voga, telhas de fibrocimento. A casa do arquiteto Rubens Gil de Camilo (1980), sendo seu projeto de 1979 (Figura 8) usa o potencial formal do telhado como elemento de composição. Apresenta o tipo muito utilizado do jogo de volumes, incorporando a varanda, com jeito de alpendre. Fusão dos dois sentidos aparentemente antagônicos do modernismo e da arquitetura tradicional colonial, reinterpretada a exemplo de Lúcio Costa em diversas obras. A relação entre telhado característico e volumes abstratos, elementares, aludem à nova sintaxe. Novamente (figura 09), a presença do plano horizontal, definindo a composição e sempre remetendo aos beirais e balanços da tradição brasileira, apresenta o tipo muito utilizado da caixa com os balanços, fusão do volume elementar modernista com os beirais e balanços da tradição local, que é uma reinterpretação atualizada da arquitetura colonial a exemplo da escola carioca. Os elementos da estrutura e o perfil da telha, de origem construtiva, tornam-se elementos da composição em uma nova sintaxe, sempre um desafio difícil, mas referente ao desafio da produção em série e modulação-padronização (figura 10). Outra versão de planos horizontais é a caixa com as lajes projetadas e as vedações recuadas (figura 11), e as casas tradicionais que incorporam as transformações como atualizações com a mesma inspiração formal (figura 12), também, emblematicamente, nesta casa operária da época da instalação da Rede Ferroviária Federal (figura 13) que incorpora elementos decôs dos anos de 1930, e a laje plana com sutis apoios tubulares formando um conjunto harmonioso, expressão da compatibilidade compositiva das diversas expressões arquitetônicas que convivem em Campo Grande, MS.

Ainda podem ser observados: exemplar da simplificação da referência colonial (figura 14), os planos com auxílio das telhas de amianto (figura 15), a referência do modernismo anos de 1940 (figuras 16, 17 e 18).

8

PRINCIPAIS ACHADOS E CONCLUSÕES Conforme se demonstrou na apresentação e análise das casas pesquisadas, a arquitetura

da casa campo-grandense dos anos de 1950 até os de 1980, se caracterizou inicialmente, pela identificação com a arquitetura dos grandes centros, principalmente do eixo Rio -São Paulo, absorvendo suas características de modernidade. O tipo mais difundido nas décadas de 1950 a 1960 tem no jogo de planos horizontais sua mais difundida estratégia compositiva. Nele pode-se identificar uma compatibilidade com o elemento da tradição construtiva brasileira nitidamente relacionada com o clima, o alpendre, variando como varanda. Feita, emblematicamente, no Brasil, na entrada do Cassino da Pampulha (1940) por Oscar Niemeyer, com sua magnífica laje horizontal sinuosa, apoiada em finíssimos tubos como que displicentemente colocados, transmitindo leveza e beleza. A

associação

evocativa

da

varanda

com

o

jogo

de

planos

horizontais

funde,

simultaneamente, as raízes da tradição, o anseio legitimo por modernidade e os elementos arquitetônicos modernistas. Esse anseio seria uma das características do brasileiro e do campograndense, principalmente, por ser de origens variadas e com pouca história; um povo ansioso por se afirmar como sociedade, identificada com as coisas do porvir. Esse tipo de composição tem, também, precedente no modernismo mundial, em obras de arquitetos como Gerrit Rietveld, casa Shröder (1923) e Frank Lloyd Wright, casa Robie (1910) que exploram o jogo de planos, o qual legitima a releitura do alpendre. Verificaram-se também variações dessas duas categorias tipológicas que confirmam, enriquecem e revitalizam o modelo. Finalmente, identificaram-se aquelas casas que imitam modelos históricos clássicos ou pitorescos - exóticos, ligados a uma visão nostálgica ou romântica da casa, geralmente trazendo problemas, distorções, em relação ao contexto em que se insere, seja em termos de adequação ao clima ou de sua convivência com o entorno e a paisagem, urbana ou natural, física e cultural. Portanto, a arquitetura da casa campo-grandense do período pesquisado é formada diretamente pelo acúmulo de uma tradição construtiva que se transforma de maneira sincrética nos anos de 1950 até os de 1970 e a partir de uma fusão de modelos do passado com outros da arquitetura modernista brasileira, sendo, até aquele momento, modelos compatíveis. Na década seguinte, com o surgimento da crítica ao modernismo e uma atitude mais pragmática, falta de modelos, em relação à adoção de formas, fez surgir, em grande parte inconscientemente, uma nova tentativa caracterizada por uma certa volta ao modelo compositivo colonial no qual predominavam o telhado e as geometrias puras, abstratas, propícias à organização de programas

cada vez mais complexos, com aumento do número de cômodos, bem como sua redução de dimensões, que se reflete na composição caracterizada, então, pelo telhado histórico, mas pragmático, resultando formas complexas, mais próximas de algo pitoresco e por se distanciar da tradição brasileira, pode-se dizer, exótico.

8.1

LIMITAÇÕES Constatou-se certa limitação da pesquisa por causa, principalmente, da complexidade das

influências a partir dos anos de 1980, quando o corpo teórico-ideológico, que regula as relações da realidade prática com as intenções formais, não se expressa com clareza, e também não há, ainda, o necessário distanciamento no tempo que apenas se esboça. A continuidade da pesquisa deverá ampliar e melhor classificar os exemplares para se tentar novamente proceder a uma análise mais precisa. Houve limitações práticas em relação ao projeto original quando ficou nítido que não se poderia compatibilizar facilmente uma análise quantitativa baseada em fotografias buscando a identificação de tipologias e a análise detalhada de cada obra para obtenção de dados sobre o uso dos espaços. Sobre esse aspecto teceram-se considerações que ajudaram a contextualizar as análises sobre as formas arquitetônicas baseadas em estudos já existentes e, portanto, dentro do contexto da pesquisa bibliográfica.

NOTAS 1

Estes três pontos correspondem ao chamado trinômio vitruviano: venustas, utilitas e firmitas.

Vitrúvio, o primeiro a escrever um tratado sobre arquitetura, já esclarecia sobre a necessidade dessas abordagens para a análise da arquitetura. 2

A distinção entre técnica e tecnologia é bem definida por Milton Vargas (VARGAS, 1979, p.333): a

tecnologia envolve uma teoria, se insere na ciência, enquanto a técnica é um conhecimento prático. 3

MASCARÓ,

Lúcia R. de. Inovação Tecnológica e Produção Arquitetônica. Tese apresentada à

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1990. p. 67

REFERÊNCIAS COLQUHOUN, Alan. Modernity and the classical tradition. Cambridge: MIT press, 1989. COSTA, Lúcio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979. _______. Alvenaria Burguesa – Breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café. 2 ed. São Paulo: Livraria Nobel, 1989. _______. Casa paulista. São Paulo: Edusp, 1999. _______.História da Casa Brasileira. São Paulo: Contexto, 1989. MOORE, Charles. La Casa: Forma Y Disenõ, Barcelona: Gustavo Gili, 1975. MARTINEZ, Alfonso Corona. Ensaio sobre o Projeto. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2000. MASCARÓ, Lúcia R. de. Inovação Tecnológica e Produção Arquitetônica. Tese (Doutorado em Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1990. SEGRE, Roberto. Habitat Latino Americano - Fogo e sombra, opulência e precariedade. Cadernos de Arquitetura Ritter dos Reis, Porto Alegre, 1, abr. 1999.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS ARRUDA, Ângelo M. V. de. Arquitetura em Campo Grande. Campo Grande, MS: UNIDERP, 1999. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva,1981. COMAS, Carlos Eduardo Dias. Identidade Nacional, Caracterização Arquitetônica. In: SEMINARIO DE LA ARQUITECTURA LATINO AMERICA, 4., 1988, México. Anales... México: Tlax Cala, 1988. CORBUSIER. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1977. CORONA, Eduardo. Oscar Niemeyer: uma lição de arquitetura. São Paulo: FUPAM, 2001. CORONA MARTÍNEZ, Alfonso, Anotações sobre a Teoria da Arquitetura nos séculos XVIII e XIX: o Problema dos Elementos de Arquitetura. Porto Alegre: Buenos Aires, 1986. DAMATTA. Roberto. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro : Guanabara, 1987.

DE FUSCO, Renato. História de la Arquitectura Contemporanea. 2. ed. Madri: Celeste Ediciones, 1994. EBNER, Iris de Almeida Resende. A cidade e seus vazios: investigação e proposta para os vazios de Campo Grande. Campo Grande – MS : Ed. UFMS, 1999. FRAMPTON, Kenneth. Towards a Critical Regionalism: six points for an Architecture of

Resistance, in The Anti-Aestthetic. Essays on Post-Modern Culture, org. H. Foster, 1983. Hacia un Regionalismo Crítico: Sis Puntos una Arquitectura de Resistência. In:

La

posmodernidad, Barcelona: Kairós, 1985. NOVAES, Sylvia Caiuby (Org.). Habitações Indígenas. São Paulo : Nobel : EDUSP, 1983. MATURINO, Luz. Lucio Costa no Sul: o Museu das Missões. Cadernos de Arquitetura Ritter dos Reis. Porto Alegre: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ritter dos Reis, 2000. SAN SEBASTIAN, Alvaro. Creatividad y Enseñanza. Buenos Aires: FADU, 1990. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil: 1900 – 1990. São Paulo: Edusp, 1998. TRAMONTANO, Marcelo. Habitação moderna – a construção de um conceito. São Paulo: EESC – USP, 1993. VERÍSSIMO, Francisco S. BITTAR, William S. M. 500 anos da Casa no Brasil – As Transformações da Arquitetura e da Utilização do Espaço de Moradia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.