TRANSGRESSÃO E MUDANÇANA EDUCAÇÃO: OS PROJETOS DE TRA- BALHO

June 5, 2017 | Autor: Dina Meira | Categoria: Educação de Jovens e Adultos
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TRANSGRESSÃO E MUDANÇANA EDUCAÇÃO: OS PROJETOS DE TRABALHO FERNANDO HERNANDEZ ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Este livro é um convite à transgressão (além, atravessar, mas também, desobedecer e infringir regras) das barreiras que impedem o indivíduo de pensar por si mesmo, de construir uma nova relação educativa baseada na colaboração em sala de aula, na escola e com a comunidade. O educador é, portanto, um transgressor do que existe pronto, acabado, constituído e passado. Por acompanhar a dinâmica da sociedade, inova em termos de atitudes e comportamentos, tendo à mudança de mentalidades, a par do questionamento sempre presente e base para a construção do conhecimento. Apresenta, primeiramente, seis situações de transgressão, ou intenção de mudança, com as quais lança as bases da linha de raciocínio que desenvolve no texto: Primeira: quanto ao domínio da psicologia instrucional que esteve, em sua história, vinculada a setores educacionais militares norte-americanos, cuja prática reduz a complexidade da instituição escolar a pacotes de conceitos, procedimentos, atitudes e valores. Segunda: quanto à visão da aprendizagem vinculada ao desenvolvimento e conhecida como construtivismo. Essa transgressão não é contra o construtivismo, mas sim contra a interpretação que reduz e simplifica alguns aspectos da aprendizagem. Terceira: em relação à visão do currículo escolar centrado nas disciplinas, entendidas como fragmentos empacotados em compartimentos fechados, oferecidos aos alunos sob formas de conhecimento que muito pouco ou nada tem a ver com suas vidas, necessidades e interesses. Quarta: em relação à Escola que transfere para o futuro a sua responsabilidade em formar os educandos, encarando ser a finalidade da infância chegar à idade adulta e desconsiderando-a como um período particular, específico e rico em experiência e descobertas fundamentais. Transgressão contra as Escolas que impedem que os alunos se construam como sujeitos em cada época de sua vida. Quinta: quanto à perda da autonomia no discurso dos docentes, à desvalorização de seus conhecimentos e à sua substituição por discursos psicológicos, antropológicos ou sociológicos que pouco responde ao que acontece no cotidiano da Escola. Sexta: em relação à incapacidade da Escola para repensar-se de maneira permanente, dialogar com as transformações que acontecem na sociedade, nos alunos e na própria educação.

Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho Hernandez a partir de seu contato com a realidade educacional brasileira, sublinhaum alerta singular: “tudo o que vai ser tratado aqui é um luxo e uma sofisticação se não for produzida uma mudança prévia na Esco1

www.tanalousa.com.br / Prof. Vinícius Reccanello de Almeida la. Refiro-me à mudança no reconhecimento social da importância do trabalho docente, às condições materiais das Escolas e ao salário dos professores”. Essas mudanças na educação pressupõem a restituição do significado da Escola como “lugar de aprender” e a valorização do professor como “educador e pesquisador do ensino”.

Convite à transgressão Hernandez descreve a importância e necessidade de transgredir a visão de educação escolar baseada nos conteúdos apresentados como objetos estáveis e universais, de modo que se atue com realidades socialmente construídas que são revividas no desenvolvimento dos projetos. Também, transgredir a visão de aprendizagem vinculada ao desenvolvimento conhecida como construtivismo, não por sua inadequação, mas pela simplificação e redução dos processos que se realizam na relação ensino-aprendizagem a uma sequência de habilidades cerebrais que possibilitam a aprendizagem e que até certo ponto, independem da ação da escola. Para Hernández, as noções conhecidas no âmbito do construtivismo não dão conta dos valores promovidos ou excluídos pela Escola e pelo professor, não tratam da relação de poder que a Escola veicula, nem do papel da afetividade na aprendizagem, e menos ainda do processo de formação da identidade do educando, do qual a realidade escolar participa. E ainda transgredir a divisão dos conteúdos do currículo escolar em disciplinas. Seu trabalho pretende superar as intenções didáticas das experiências multidisciplinares onde um mesmo tema é tratado por diferentes professores, para a defesa de uma filosofia transdisciplinar, que implicará numa mudança da organização da gestão do tempo e do espaço na Escola.

A Globalização como conceito chave A globalização (fundamentos filosóficos da proposta de Fernando Hernández de reformulação da organização da escola) pode ser pensada em três eixos: 1. Como forma de sabedoria: neste sentido, globalizar significa aprender a estabelecer relações, ou seja, exercitar a capacidade humana de realizar processos de explorar a busca de conexões e interpretações do real. 2.Como noção epistemológica: aqui a globalização corresponde a problematização da divisão do conhecimento em diferentes disciplinas, a partir do reconhecimento da multidimensionalidade dos fenômenos e a intenção de resgatar a compreensão da realidade em sua totalidade. 3. Como concepção de currículo: pressupõe a orientação do ensino de modo a relacionar o “conteúdo” escolar com situações da vida cotidiana dos alunos e professores tendo por objetivo estabelecer conexões que desenvolvam uma visão de mundo capaz de operar os fenômenos em sua complexidade e não só em sua singularidade.

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www.tanalousa.com.br / Prof. Vinícius Reccanello de Almeida Porque mudar? As mudanças implicadas da proposta de organização do currículo por projetos de trabalho visam atender a superação de tensões e conflitos na relação Escola e Sociedade, ou ensino e educando, evidenciadas e denunciadas em todo o planeta. Assim encaminha-nos à conclusão de que a função social da Escola, quer dizer, as condições sociais que definiram a sua fundação e organização estão completamente alteradas. Não cabe mais à escola a exclusividade na função de divulgação do conhecimento científico.Contrário à apreensão do conhecimento de uma maneira fragmentária, a organização do conhecimento num currículo integrado teria por finalidade o ensino e o exercício da interpretação por meio de aprendizagem através de pesquisas. Para traçar um paralelo entre o ensino disciplinar e o transdisciplinar, Hernández apresenta-nos o seguinte quadro: Centrado nas matérias Conceitos disciplinares Objetivos e metas curriculares Conhecimento estandardizado Unidades centradas nas disciplinas Lições Estudo individual Livros-texto Centrado na Escola O conhecimento tem sentido por si mesmo

Problemas transdisciplinares Temas ou problemas Perguntas e pesquisas Conhecimento construído Unidades centradas em temas Projetos Estado em grupo de Projetos Fontes diversas Centrado no mundo real O conhecimento em função da pesquisa

A transdiciplinaridade vinculada à proposta de currículo por projetos de trabalho implica numa mudança nos limites de tempo, na gestão dos espaços e na disponibilidade de continuar aprendendo por parte dos docentes. O autor não defende que os projetos de trabalho solucionem todas as tensões apontadas no sistema de ensino, mas Hernández registra que os “projetos” podem desenvolver capacitações que respondem às necessidades do mundo do trabalho e da vida nas sociedades modernas. Assim constata que “os projetos” podem: a) favorecer a construção da subjetividade negando assim que a função da escola seja apenas ensinar conteúdos; b) aproximar os conteúdos à vida prática dos alunos; c) aprender a dialogar com vários fatores de um fenômeno. Estas condições de aprendizado desenvolvem capacidades que são demandas atuais das relações na sociedade e no trabalho, tais como: 1) autonomia: iniciativa de pesquisa; 2) criatividade: utilização original de recursos para a compreensão e construção; 3) capacidade analítica: diagnóstico de situações; 4) capacidade de síntese: experiência em lidar com a integração de diferentes disciplinas; 3

www.tanalousa.com.br / Prof. Vinícius Reccanello de Almeida 5) poder de decisão: pela possibilidade de exercício de escolhas.

Pedagogia de projetos: transgredindo a linearidade Na década de 60, Paulo Freire é destaque na educação brasileira com a introdução do debate político e da realidade sociocultural no processo escolar com a educação libertadora e os chamados temas geradores. Suas ideias são divulgadas através de seus livros como, por exemplo, Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Autonomia, entre outros. Com a intenção de confirmar se os alunos estavam de fato aprendendo, surge em 1920 a Pedagogia de projetos (trabalhava num modelo fordista, que preparava as crianças apenas para o trabalho em uma fábrica, sem incorporar aspectos da realidade cotidiana dentro da escola) e, em 1980, o Projeto de trabalho (tentam uma aproximação da escola com o aluno e se vinculam muito à pesquisa sobre algo emergente). A proposta de Hernandez é reorganizar o currículo por projetos, realizados por alunos e professores explica o autor que a diferença fundamental é o contexto histórico. Hernandez afirma que os projetos de trabalho contribuem para a formação dos discentes auxiliando na aprendizagem, pois eles passam a participar do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, ressalta: “os Projetos de Trabalho contribuem para uma ressignificação dos espaços de aprendizagem de tal forma que eles se voltem para a formação de sujeitos ativos, reflexivos, atuantes e participantes”.

A proposta dos projetos de Trabalho Projeto de trabalho não é uma fórmula e sim uma concepção de educação. O que temos de questionar é por que se ensina as disciplinas. A proposta dos Projetos de trabalho está ligada à perspectiva do conhecimento globalizado em que a articulação dos conhecimentos escolares não é feita de forma rígida em função de uma homogeneização dos alunos, pois ela relaciona os diferentes saberes ao invés de acumulá-los. Os Projetos devem estar vinculados à teoria e à prática para alcançar objetivos, tais como:  abordar o significado de globalização, no tocante às relações entre as fontes de informação e as metodologias, compreendê-lo e utilizá-lo de modo a ser levado adiante pelo aluno;  introduzir um modo novo de fazer do professor;  diversificar a organização dos conhecimentos escolares, considerando o trabalho em sala de aula, o problema estabelecido pelo tema a ser resolvido, a relação ensino-aprendizagem, a implicação do grupo de classe quanto às atividades em sala de aula, a variedade de possibilidades e interesses dos alunos;  O aluno apreende melhor quando a informação e os conhecimentos se tornam significativos na sala de aula. Para o autor, as experiências educativas são singulares, mas não únicas. O aluno por sua vez, passa a ser o

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www.tanalousa.com.br / Prof. Vinícius Reccanello de Almeida sujeito do processo deixando de ser um receptor passivo. As diferentes fases e atividades que compõem um projeto orientam o estudante a desenvolver a consciência sobre o próprio processo de aprendizagem.

Os Projetos de trabalho e centros de interesse Decroly, conhecido pelos seus estudos sobre a psicologia infantil, principalmente sobre o desenvolvimento da criança e a preservação da sua liberdade criou a estratégia Centro de Interesse, no qual tem por base psicológica considerar a vida mental do indivíduo como unidade; portanto, os temas ou conteúdos a serem estudados devem ser apresentados no seu todo e não repartidos em disciplinas ou áreas do conhecimento, que dá a ideia de concepção de globalização do ensino ou ensino globalizado. Também subsidia a noção de ensino multidisciplinar, sem, contudo, haver compartimentalização de disciplinas. Os temas dos chamados Centros de Interesse surgiram, imprescindivelmente, das necessidades vitais da criança, de alimentação (alimentar-se, respirar, etc.); de luta contra as intempéries (frio, calor, vento, umidade, etc.); de agir, trabalhar solidariamente, descansar, divertirse, desenvolver-se; de defesa contra perigos e inimigos vários (falta de limpeza, falta de higiene, moléstias, acidentes, etc.). Modernamente, após novos estudos por diferentes teóricos da educação, na tentativa deencontrar formas mais eficazes de realizar a tarefa educativa, esta estratégia sofreu uma revisão à luz de novos conhecimentos e novas teorias; visando à maior adequação aos princípios e às técnicas da didática atual. A concepção didática do Centro de interesse é apoiada pelo princípio da aprendizagem por descoberta. Essa é interessante quando parte do interesse dos alunos; aprendem da experiência, do que descobrem por si mesmo. É apoiada pelo “princípio da Escola Ativa, que se refere ao exercício da educação como prática democrática, que outorga assembleias de classe a decisão sobre o que se deve aprender”.1

Organização de Projetos O que é um Projeto de trabalho? Hernández inicia o mapeamento desta resposta apontando o que “os projetos” têm em comum com outras estratégias de ensino, como o trabalho com os centros de interesse ou os estudos de meio, seriam os seguintes pontos:  vão além dos limites escolares;  implicam a realização de atividades práticas;  os temas selecionados são apropriados aos interesses e ao estado de desenvolvimento dos alunos;  são realizadas experiências de primeira mão como visitas, presença de convidados na sala de aula;  deve ser feito algum tipo de pesquisa; 1

Mais informações em: http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo7/didatica/unidade2/propostas_de_trabalho_integrado/centros_de_inter esse.pdf

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www.tanalousa.com.br / Prof. Vinícius Reccanello de Almeida  necessita-se trabalhar com estratégias de busca, ordenação e estudo de diferentes fontes de informação;  implicam atividades individuais, grupais e de classe em relação às diferentes habilidades e conceitos que são aprendidos. Diante destas identidades, muitos educadores pensam estar trabalhando com “projetos”, ou que este seria um outro nome para o que estejam aplicando em suas aulas, no entanto há um diferencial que corresponde exatamente a uma determinada sequência de passos que conferem a qualidade de um trabalho por projetos. Isto é, em primeiro lugar, é necessário que se tenha um problema para iniciar uma pesquisa. Pode ser sobre uma inquietação ou sobre uma posição a respeito do mundo. A partir daí, é importante trabalhar as maneiras de olhar o mundo que são diversas. Mas não interessa só localizá-las e sim entender o significado delas. O resultado é que se constrói uma situação de aprendizagem em que os próprios estudantes começam a participar do processo de criação, pois buscam resposta às suas dúvidas. Isso é o projeto de trabalho. 1) parte-se de um tema ou de um problema negociado com a turma; 2) inicia-se um processo de pesquisa; 3) buscam-se e selecionam-se fontes de informação; 4) estabelecem-se critérios de ordenação e de interpretação das fontes; 5) recolhem-se novas dúvidas e perguntas; 6) estabelecem-se relações com outros problemas; 7) representa-se o processo de elaboração do conhecimento que foi conseguido; 8) recapitula-se (avalia-se) o que aprendeu; 9) conecta-se com um novo tema ou problema. Hernández acredita que participando de um projeto de trabalho, os estudantes vivenciam um processo de pesquisa que tem sentido para eles, porque podem participar ativamente do processo de produção do conhecimento que vai além do currículo básico e que nunca a reduz. Outro ponto significativo apontado é a mudança no papel do professor que se desvencilha da função de centralizador do conhecimento e das diretrizes do aprendizado para a função de facilitador, que responde pela problematização do conhecimento, indicando pistas de pesquisa e não respostas sistemáticas. Ao final do livro o autor apresenta o relato de diferentes projetos de trabalho, aplicados às primeiras turmas da educação infantil até as séries finais do ensino médio, que esclarecem ainda mais a prática desta proposta pedagógica tão singular e atraente, mas ainda assustadora para muitos educadores.

A avaliação com respeito à inovação dos Projetos de trabalho A avaliação no Projeto de trabalho tem o objetivo de ser um processo em que se acompanha e explica e, por isso, não visa medir os processos de ensino e aprendizagem que se desenvolvem no marco da sala de aula, pois ela faz com que haja uma ligação entre intenções iniciais do Projeto e a aprendizagem do aluno e não deve 6

www.tanalousa.com.br / Prof. Vinícius Reccanello de Almeida ter significado somente para os alunos, mas também é o contraste das intenções do docente com a aprendizagem do discente. Isso se torna claro no Projeto de trabalho.

Referências: HERNANDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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