Transmissão de Conhecimentos no Ensino da Peformance Musical (capítulo de livro)

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Daniel L. Cerqueira, Cristiano B. de Oliveira

5 TrAnSmiSSão De conHecimenToS no enSino DA PerformAnce muSicAL Da ielàLe osàCe uei a C isia oàB agaàdeàOli ei a

resumo:àp ete de-seàfo e e àest at giasàpa aàu aàdis uss oà íi oele i aà deà o he i e tosà oà e si oà daà Pe fo a eà Musi al.à Modelosà eà teo iasà deà ap e dizage à s oà apli adosà esteà o te to,à i di a doà p o edi e tosà ade uadosà eà o t apo do-osà aà e e tuaisà ideiasàp ese tesà oàe si oàt adi io alàdeàMúsi a.àássu tosà o u e teà a o dadosà oà e si oà eà ap e dizage à daà Pe fo a eà Musi alà s oà t atados,à o oàp i aàdeàestudo,à o e t aç oàeà oi aç o.àPo ài ,à efo ça-seàoàdese ol i e toàdasàpes uisasà oàe si oàdaàPe fo a eà Musi al,à e à o oà aà i po t iaà dosà p ofesso esà aà disse i aç oà destasàideias. Palavras‑chave:à e si oà daà pe fo pedagogia.

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a eà usi al;à edu aç oà usi al;à

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5.1 contextualização

grande parte da transmissão de conhecimentos e habilidades no ensino da performance musical é realizada através da oralidade. esta práxis, estabelecida desde o surgimento das primeiras manifestações musicais, mantém-se até os dias de hoje, mesmo com a adequação do ensino musical ao modelo acadêmico, fato que ocorreu no inal do Século XVIII através dos Conservatórios. Tal prática, além de não ser vista como adequada ao contexto acadêmico – ambiente que preza a literatura documentada –, levou à carência de referências especíicas observada na atualidade (glAser; fonterrAdA, 2007, p.44-46), onde as poucas informações voltadas a quem deseja aprimorar sua forma de ensinar são costumeiramente encontradas em introduções e prefácios de tratados e métodos de instrumentos, canto, composição e regência. Ainda, tal característica certamente alimenta a ideia de “talento” – competência musical – como um dom inato, pois sociedade e meio acadêmico tendem a reconhecer como estudo apenas um indivíduo debruçado sobre livros. mesmo assim, a transmissão oral tem se mostrado o meio mais eiciente de ensino da Performance Musical, e através dela, o legado artístico da humanidade tem sido transmitido há séculos. sendo assim, surgem muitas perguntas: por que a transmissão oral de saberes é tão eiciente no ensino da Performance? Em que situações desta práxis a oralidade se faz mais adequada do que consultar a literatura? Quais os pontos positivos, negativos e as limitações da oralidade como estratégia de ensino e aprendizagem da performance? Que aspectos inluenciam a aprendizagem musical? Como o professor pode trabalhá-los? Gordon (In: USZLER et al, 2000, p.271) airma que

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processos internos, como pulsação, ouvido interno e sensibilidade artística, tendem a ser negligenciados na literatura, dada a diiculdade em descrever este tipo de atividade. tal fato é reforçado por fisher (2010, p.39-42) ao mencionar a transmissão de informações cinestésico-táteis no ensino da performance musical, pois estas ainda não podem ser registradas pela tecnologia atual. seguindo esta linha, kaplan complementa: em geral, e isso é importante frisar, é difícil aprender habilidades físicas através de livros. na execução pianística que, como vimos, deverá ser, inicialmente, um estudo de sensações por parte do indivíduo que aprende, seu aprendizado requer a orientação “ao vivo” de um instrutor que conheça profundamente aqueles pontos que irão orientar o aluno no seu trabalho, em especial no caso daqueles que devem superar hábitos antigos e deicientes de coordenação motora. (KAPLAN, 1987, p. 40).

uszler (in: uszler et al, 2000, p.256), ao tratar do ofício de professor na Performance Musical, airma que não é necessário conhecer teorias da aprendizagem para ser um bom professor, pois muitos deles desenvolvem práticas eicientes de forma empírica. Todavia, o forte caráter de transmissão oral presente no ensino da performance musical faz com que músicos-professores tenham como referência o modelo pedagógico vivenciado em sua formação (glAser; fonterrAdA, 2007, p.29), fazendo com que a adoção de estratégias didáticas adequadas ique à sorte daqueles que estudaram com bons professores, tomando-os como referência. diante de tais colocações, é evidente que ampliar o acesso a estratégias didáticas variadas contribuirá ao aprimoramento das práticas pedagógicas dos professores de Performance Musical, não icando limitados somente às experiências vivenciadas em sua formação. Além disso, tal conhecimento será de grande valia para os instrumentistas

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que pretendem lecionar e possuem restrita experiência ou formação pedagógica especializada no ensino da performance musical, uma vez que este saber especíico ainda não é contemplado em grande parte dos cursos voltados à formação de músicos no Brasil. todavia, este cenário tem se modiicado, pois na década de 2010, tem sido crescente o interesse pelo assunto no meio acadêmico, somando-se à criação dos primeiros cursos de especialização voltados especiicamente à Pedagogia da performance musical. Assim, o presente trabalho versará sobre a transmissão de conhecimentos no ensino da performance musical, alicerçado principalmente na literatura estrangeira, com amplo desenvolvimento nesta temática desde a década de 1980. espera-se, assim, que estes saberes sejam de grande valia aos professores de performance musical, permitindo a adoção imediata de novas formas de ensino. Sob o âmbito das instituições formais de ensino musical, as referências poderão servir para o estabelecimento curricular de disciplinas e um eixo temático sobre a pedagogia da performance musical, para benefício das novas gerações de músicos-professores do país.

. P o essa e to de i fo

aç es

A performance musical é uma atividade que requer uma série de demandas cognitivas, variando de acordo com a complexidade de cada contexto musical. pesquisas recentes têm investigado a performance musical sob os variados aspectos, entre elas sloboda (2000), Uszler et al (2000), Parncutt e McPherson (2002), Chafin et al (2002), Williamon (2004), Rink (2005), Altenmüller et al (2006), Cerqueira (2009b), Watson (2009), fisher (2010) e chang (2011). para tratar desta atividade humana tão complexa, tais pesquisas dialogam com as áreas de pedagogia, psicologia cognitiva, neurociência, fisiologia,

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medicina, Biologia, educação física, História e Antropologia, entre outras. um referencial importante para a compreensão das diversas formas de transmitir conhecimentos é a teoria do processamento de informações, surgida a partir da década de 1970. este modelo estabelece uma analogia entre o corpo humano e o processamento computacional e, por tratar acerca dos diversos tipos de informação sensorial, torna-se adequado adotá-lo na pedagogia da performance musical, uma vez que a prática musical requer diversas formas de estímulo sensorial, como a audição e o tato. uszler (in: uszler et al, 2000, p.235-237) indica brevemente o percurso das informações segundo as duas trajetórias paralelas do modelo abaixo (figura 5-i):

Figu a ‑I: Modelo pa a a Teo ia do P o essa e to de I fo

aç es.

no modelo acima, o estímulo (informação proveniente dos sentidos) é captado pelo sistema sensorial, sendo “iltrado” através da | 174

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atenção seletiva (concentração) e armazenado na memória curta – com duração de alguns segundos. caso a informação sensorial seja assimilada (possivelmente através de repetição), a mesma será transferida à memória longa – de duração indeinida – através de organização e codiicação17. cada vez que o cérebro acessa esta informação, ocorre o processo de busca, gerando uma resposta do sistema sensorial a partir do mecanismo de saída. para aplicarmos a presente teoria no ensino da performance Musical, outra questão se faz necessária: deinir os tipos de informação sensorial presentes neste contexto didático. fisher (2010, p.39-42), ao deinir “estilos de aprendizagem”, menciona três tipos de estímulo fundamentais ao ensino da performance musical: visual, auditivo e cinestésico ou tátil. sendo assim, na aprendizagem de canto e instrumentos musicais, o indivíduo deve direcionar sua atenção para aspectos visuais – a partitura e a posição do corpo, auditivos – a ainação e o controle desejado da sonoridade, e cinestésico-táteis – sensação corporal do contato com o instrumento e de utilizar o mínimo de esforço físico, entre outros. Aqui, torna-se evidente a complexidade em atender a diversos aspectos cognitivos, onde o iniciante deve desenvolver progressivamente sua capacidade de atenção. esta questão reforça os recentes resultados apontados em pesquisas de neurociência sobre a plasticidade do cérebro de músicos proissionais, pois trabalhar com diversos tipos de informação requer um desenvolvimento particular de determinadas áreas do cérebro.

17à“egu doà“p e ge à ,àp. - ,àoà e oàa aze aàu àesí uloà aà e iaà lo gaà at a sà deà suaà asso iaç oà o à i fo aç esà j à a aze adas.à ássi ,à aà epeiç oà e i a à–àa uelaào deàoài di íduoà oà o p ee deàoà o te toàouà oàest à o s ie teàdosàaspe tosà usi aisàeàse so iaisàe ol idosà–à àf gil,àpoisàaà asso iaç oàdestaà o aài fo aç oà o àsa e esàeàe pe i iasàa te io esà à est ita,àa aze a do-aàdeàfo aàsupe i ial.àQua toà aio àaàate ç oàpa aàele e tosà di e sosàdu a teàaà epeiç o,à aisàs lidaàse àaà e o izaç o.

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com relação à concentração (ou atenção), trata-se do mecanismo de seleção das informações a serem processadas, após sua recepção pelo sistema sensorial. Além de deinir a seleção dos estímulos a serem memorizados, permite o acompanhamento e a realização de tarefas através de operações mentais internas. direcionar a concentração aos aspectos que se deseja trabalhar – atenção seletiva – é crucial para a realização de uma atividade. entretanto, a performance musical envolve um luxo consideravelmente denso de informações, sendo em muitos casos superior à capacidade humana de atenção. schmidt e Wrisberg (2008, p.44), analisando a importância da concentração no esporte, reforçam que o processamento de informações pelo cérebro é limitado, sendo fundamental desenvolver a capacidade de atenção à tarefa realizada. em estudo recente, charron e koechlin (2010) comprovaram que o cérebro é capaz de realizar apenas duas tarefas simultaneamente, sendo que, nestas situações, uma das tarefas envolve maior demanda de atenção, limitando a capacidade de atenção à atividade “secundária” (scHmidt; WrisBerg, 2008, p.45). A figura 5-ii abaixo ilustra esta característica:

figura 5 ii: capacidade de atenção do cérebro humano.

diante desta limitação no processamento de informações, schmidt e Wrisberg (2008, p.46-48) sugerem utilizar como estratégia o

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“processamento automático” – conceito similar à automatização proposta por kaplan (1987, p.47) e cerqueira (2009b, p.113) – que, no esporte, é obtido através da extensa prática de repetição. dessa forma, no momento de uma performance motora, a atividade automatizada pode se tornar secundária durante a realização da atividade, permitindo manter outra tarefa primária. levando esta ideia à performance Musical, reforça-se o papel fundamental da memória, conforme airmam gordon (1995, p.77-86), ginsborg (in: WilliAmon, 2000, p.123141), Chafin et al (2002) e Aiello e Williamon (In: PARCUTT; McPHERson, 2002, p.167-182), sendo que, neste último, os autores enfatizam a importância das informações visuais, auditivas e cinestésicas no processo de memorização18. sendo assim, a estratégia utilizada na performance musical para automatização dos diversos tipos de informações são as ferramentas de estudo: repetição, variação, estudo por seções da peça, estudo da peça inteira e análise de recursos isiológicos, entre outros (cerQueirA, 2009b, p.114-118). cada ferramenta reduz a quantidade de informações a serem processadas, permitindo ao cérebro armazená-las de forma mais eicaz. A solidez da memorização, por sua vez, é determinada pela capacidade de associação das novas informações adquiridas com a bagagem musical pré-existente do indivíduo. Alguns exemplos deste fato são notáveis ao se estudar obras de um estilo musical ou compositor onde já se tem familiaridade, sendo o processo de memorização mais rápido.

18àÉài pe ai oà o p ee de à ueàaà e iaà àu àp o essoàú i o.àOsà iposàdeà eia àp opostosàpo à iosàauto esàdaàMúsi aàseà efe e àaosàiposàdeài fo aç oà KáPlán,à ,àp. ;à oàs oà e iasà ueàfu io a àisolada e te.àEsíulosà isuais,àaudii asàeà i est si o-t teisàs oàa aze adosàasso iada e te.àOsà í iosà oto esàilust a àestaà a a te ísi a:àu àpia istaà ueà ostu aàto aàa o desà o à uitaàte s oàfa àoà es oà o i e toàaoàle à o osàa o des,àpoisàaài fo aç oà i est si o-t ilàest àa aze adaàe àasso iaç oà à isualà if as àeàaudii aà so o idadeàdesejada .

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Daniel L. Cerqueira, Cristiano B. de Oliveira . . àápli aç oàp i a

como estratégia de ensino diante do aporte teórico mencionado anteriormente, reforça-se a importância do professor fazer com que o aluno relacione todos os tipos de informações trabalhados na Performance Musical. Um aspecto isiológico – como um dedilhado, digitação ou golpe de arco – não pode ser visto como um elemento isolado de um contexto musical; ele é deinido justamente em função de questões musicais e interpretativas presentes no trecho em estudo, cabendo ao professor demonstrar a relação entre tais elementos. da mesma forma, conhecer estruturas musicais (como o baixo de Alberti), forma, análise, estilos e História da música, e aplicar esse conhecimento na prática de estudo, pode favorecer uma memorização sólida, pois todos estes saberes serão armazenados de forma associada na memória longa. As pesquisas de Aiello e Williamon (in: pArncutt; McPHERSON, 2002, p.167) e Chafin et al (2002, p.71) conirmam esta ideia. Nota-se, então, a importância de oferecer um ensino musical completo na performance musical. focar o estudo somente em aspectos motores – como “destreza” e “agilidade” (cerQueirA, 2011, p.7) – e na leitura “reprodutiva” do texto musical – em oposição à leitura interpretativa, onde se entende a performance musical como uma releitura dos elementos musicais indicados – constitui uma abordagem supericial e ineiciente, sendo esta uma das grandes problemáticas históricas do ensino musical, herdadas dos pressupostos pedagógicos dos conservatórios do século xix. um exemplo de aplicação da estratégia acima mencionada é descrito por uszler (in: uszler et al, 2000, p.225-226). Ao ensinar execução de escalas, é comum o professor deinir um dedilhado e solicitar que o aluno faça a leitura e memorize por repetição. neste processo, o aluno não é instigado a criar seu dedilhado ou entender as razões pela qual o professor deiniu este dedilhado. Sendo assim, sugere-se

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que o professor explique detalhadamente o processo de escolha da digitação. por exemplo: a cada oitava, é necessário repetir os movimentos para que possa haver continuidade na execução da escala. Assim, é necessário deinir o mesmo dedo para as notas de mesmo nome, em oitavas diferentes. outra questão diz respeito ao deslocamento de mão, caso não haja dedos suicientes para tocar todas as notas da escala. No Piano, é necessário deinir passagens de polegar, enquanto nos instrumentos de corda, troca-se a posição ou muda-se a corda. Ao abordar o ensino de escalas de forma contextualizada, o professor permite que o aluno entenda todo o processo, podendo aplicá-lo no estudo de escalas em outras tonalidades19 e em situações reais no repertório. É fundamental reforçar que esta estratégia incentiva o aluno a tomar suas próprias decisões, atenuando o problema de sua dependência para com o professor. com relação a iniciantes, o aporte teórico mencionado evidencia outra questão. como a aprendizagem deve acompanhar o desenvolvimento da capacidade cerebral de concentração e controle motor, é necessário tempo para trabalhar habilidades como, por exemplo, tocar e se ouvir, pois esta exige automatização dos movimentos, memorização das estruturas musicais e atenção seletiva à sonoridade. todavia, fora visto que não é possível trabalhar simultaneamente todas as informações e habilidades. logo, o professor deve fornecer uma tarefa/instrução/informação de cada vez, guiando o aluno na escolha das ferramentas adequadas para o estudo20 – explicando a fun-

19àuszle à i :àu“)lE‘,à ,àp. à e io aàoàestudoàdeàes alasàaàpa i àdaàaudiç oà–à deàou ido .àásso iadaà àpes uisaàdaàdigitaç o,àt ata-seàdeàu aàest at giaà i te essa te,àpoisàa e ta àes alasàe àout asàto alidadesàde o st aà ueàoàalu oà o p ee deuàaudii a e teàsuasà elaç esài te ala es. 20àásàfe a e tasàdeàestudoà isa à à eduç oàdaà ua idadeàdeài fo aç esàpa aà fa ilita àaà e o izaç o.àE à o ju toà o àaà epeiç o,àpe ite àaàauto aizaç oà eài te alizaç oàdeàu aàha ilidadeàouàta efa.

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ção e o objetivo de cada uma – e subsequente assimilação21 de cada habilidade. Este cuidado é necessário, pois instruções simultâneas ou muitas informações podem sobrecarregar o aluno. trata-se, portanto, de uma fase importante do aprendizado, onde tempo e paciência são fundamentais em prol de um desenvolvimento musical completo que permita consolidar hábitos saudáveis de estudo. uma situação prática baseada na questão anterior ocorre durante a leitura de uma peça por um iniciante. por haver pouca familiaridade com os elementos musicais trabalhados – fato reforçado por gordon ao airmar que a leitura musical deve ser ensinada após a familiarização do estudante com um repertório relativamente suiciente de padrões musicais22 (2000, p.4-5) – recomenda-se que o iniciante ouça peças de um mesmo estilo ou compositor, observando as estruturas musicais e a interpretação realizada pelo músico. esse tipo de escuta é conhecido por audição crítica (fisHer, 2010, p.124). Após esta etapa, inicia-se o processo de leitura, com o reconhecimento das seções musicais como forma de guiar o estudo e conhecer a peça. em seguida, são deinidas as digitações, dedilhados ou outros tipos de questões isiológicas, e assim por diante. Cada uma destas etapas deve ser realizada com tempo e atenção, cabendo ao professor administrar o conteúdo de acordo com os resultados demonstrados pelo aluno. 21àÉà p o elà ueà oà te oà a adu e i e to ,à o u e teà e p egadoà oà e si oà daà Pe fo a eà Musi al,à seà ela io eà o à estaà ideia:à aoà ad ui i à u aà o aà i fo aç oàouàta efa,àoàalu oài àestud -laàat àseuàa aze a e toà aà e ia.à áàauto aizaç oà esulta teàdesteàp o essoà–à ueàt azà atu alidadeà à ealizaç oà destaà o aàta efaà–à àjusta e teàoà a adu e i e to . 22àT adi io al e te,àoàe si oàdaàPe fo a eàMusi alà aseia-seà aàleitu aàdoàte toà usi alàdesdeàosàp i ei osà o tatosà o àoài st u e to.àáàteo iaàdeàGo do à efo çaà ueà à e ess ioàha e àu aàe pe i iaàe pí i aàa te io à àleitu aàpa aà ueàestaà o sistaà oà e o he i e toàdeàpad esà usi aisàp e ia e teà i e iados.àlogo,à aàa o dage àt adi io al,àh àu àg a deà is oàdeà ueàaàleitu aà o sistaà aà ep oduç o à deà i st uç esà eà oà aà i te p etaç oà dosà ele e tosà usi aisà des itos.

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5.3 correntes da Psicologia

As situações de ensino descritas anteriormente podem ser caracterizadas de acordo com as duas grandes correntes da psicologia educacional. A primeira delas é o Behaviorismo ou comportamentalismo, onde a situação de aprendizagem é guiada pela resposta do indivíduo aos estímulos (informações apresentadas). nesta concepção, só se avalia o comportamento observável – externo. dentre os principais pesquisadores desta corrente, destacam-se i. pavlov, J. B. Watson, e. Thorndike, B. F. Skinner e R. M. Gagné. Seus experimentos consistiam geralmente no condicionamento de animais como, por exemplo, no caso de um cachorro que salivava ao perceber o som um sino (uszler in: uszler et al, 2000, p.227). de maneira análoga, a leitura musical “reprodutiva” consiste em um tipo de condicionamento, pois implica na decodiicação e reprodução da partitura no instrumento sem a compreensão de estruturas e da forma musical como um todo. A segunda corrente é a cognição ou gestalt, onde a aprendizagem se concentra na apreensão das informações pelo indivíduo, baseando-se então em processos internos. Aqui, o professor é visto como um facilitador da aprendizagem, pois ele não pode garanti-la. Autores importantes desta corrente são M. Wertheimer, K. Koffka, W. Köhler, k. lewin e J. Bruner. uma concepção importante é considerar que o aprendizado eiciente é aquele onde o indivíduo possui uma visão ampla do objeto de estudo, ao invés de acumular saberes fragmentados e desconexos. inclusive, esta visão de “todo” remete ao modo associativo com que o cérebro armazena as informações, característica comprovada pela área de neurociência (sprenger, 1999, p.46-47). Assim como uma biblioteca possui seções divididas por temas ou assuntos, o cérebro agrupa as informações registradas através de associação. uma informação registrada de forma isolada, sem compreendê-la – a

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famosa “decoreba”, acaba sendo mais frágil justamente porque é mais difícil para o cérebro acessá-la devido à falta de referências. com relação a estas duas correntes, quaisquer estratégias de ensino se enquadram em seus princípios, mesmo que o professor não tenha plena consciência de sua adoção23. o primeiro exemplo do estudo de escalas – onde o aluno deve “decorar” o dedilhado da escala – reforça somente a informação cinestésico-tátil24, uma vez que o entendimento de construção das escalas, seu reconhecimento auditivo e o processo de deinição dos dedilhados não foram trabalhados. Tratase, então, de uma estratégia didática behaviorista, cujo objetivo é condicionar o aluno à realização de uma tarefa. É comum o professor de instrumento utilizar esta abordagem, provavelmente porque estudou dessa forma. este simples exemplo é típico de uma corrente de ensino musical que tem sido denominada “modelo tradicional” (glAser; fonterrAdA, 2007, p.29), “ensino tecnicista” (fucci AmAto, 2006, p.77), “reprodução” ou ato “mecânico25” por pesquisadores da área de educação musical. por outro lado, a adoção exclusiva de abordagens didáticas da cognição torna o sistema educacional muito livre e difícil de ser padronizado, uma vez que está baseado diretamente da apreensão do 23à“ituaç oàse elha teà à e io adaàpo àuszle à i :àu“)lE‘àetàal,à ,àp. . 24àu àp o le aàdestaàa o dage à àdei a àaà e iaàf gil,àa pa adaàso e teàpo à i fo aç esà i est si o-t teis.àCoupe i ,àe à ,àj àale ta aàaà e essidadeàdeà o p ee de àest utu asà usi aisàpa aàaà e ia:à Éà e o e dadoà ueàosàjo e sà i st u e istasàseja àle adosàaà o he e àosài te alos,à odos,à ad iasàpe feitasàeài pe feitas,àa o desàeàsuposiç es.àEstesàfo a àu aàesp ieàdeà e iaà lo alà ueàt aze à aio àsegu a ça,àse doà e u sosàaàse e àuilizadosàe à asoàdeà falhas. à COuPE‘in,à ,àp. . 25àn oà se à feitaà a uià u aà ele oà ap ofu dadaà a e aà destaà te i ologia,à esoàse doà o e ie te,àpoisàu àe uí o oàf e ue teà àasso ia àesteà odeloàdeà e si oà àMúsi aà t adi io al à e udita àouàaosàCo se at ios,à ua doà aà e dadeàaàat i uiç oàde eàse àfeitaàaoàsiste aàedu a io alàeà oàaàesilosà usi aisàouà i situiç es.

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saber pelo aluno e o tempo necessário para tal. neste contexto, recomenda-se deinir metas e estabelecer cronogramas, organizando mais objetivamente o processo de aprendizagem. sob este “dilema”, conforme airma Uszler (In: USZLER, 2000, p.230), a solução é utilizar uma abordagem mista, envolvendo características importantes do Behaviorismo – controle e disciplina – e da cognição – aprendizagem contextualizada e autonomia – de forma equilibrada.

. Est at gias did i as

fundamentados na psicologia da educação, uszler (in: uszler et al, 2000, p.232-252) e fisher (2010, p.39-50) propõem exemplos de estratégias didáticas típicas desta área no ensino da performance musical, ilustrando-as com exemplos práticos. outros autores apontam questões que inluenciam diretamente a aprendizagem, devendo ser objeto de atenção do professor na condução das aulas. A seguir, serão apresentadas algumas destas concepções.

. . àP o le aizaç oà Heu ísi a

o objetivo desta estratégia é levar o aluno a diagnosticar um problema, e em seguida, guiá-lo até que o mesmo encontre uma resposta possível. para tal, o professor não deve apresentar a solução do problema, limitando-se a conduzir o discurso para que o aluno chegue à sua própria conclusão. esta estratégia oferece autonomia ao aluno, porém, o professor deve adotá-la quando o aluno já dispuser de uma bagagem satisfatória para tal. o termo “heurística” provém da palavra “eureka”, proferida pelo ilósofo grego Arquimedes que, ao ter a missão de comprovar se uma coroa de ouro era realmente

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composta por este elemento, encontrara-se em uma situação típica de problematização. um exemplo prático aplicado ao piano: um aluno está tocando uma peça com melodia e acordes bem deinidos, porém, está agregando as harmonias – “embolando” o pedal. o professor pode iniciar o discurso perguntando se o aluno percebe algo errado, se as harmonias estão icando claras. Caso não haja esta percepção, é solicitada uma nova execução do trecho, atento à sonoridade. Ao detectar o problema, o aluno é questionado sobre como está sendo realizada a troca de pedal, e, a partir das possibilidades constatadas– se o pedal é trocado, no tempo certo, levantado suicientemente ou se há interferência da acústica do ambiente, por exemplo –, o aluno chega à sua própria solução. uszler (in: uszler et al, 2000, p.249) apresenta um quadro demonstrativo com as etapas desta estratégia (tabela 5-A): Est gioàdaà ap e dizage

Papelàdoàp ofesso

Papelàdoàalu o

Descoberta

áp ese taàoàp o le a,à asoàoà alu oà oàte haàdete tado

Co p ee deà ueàh àu à p o le a

Posicionamento

Guiaàoàalu oàpa aàdete ç oàdeà ualà àoàp o le a

Pe e eà ualà àoàp o le a

Planejamento

Ofe e eàajudaàse àap ese ta à u aàsoluç oàdei ii a

Pes uisaàsoluç esàpa aàoà p o le a

Te taivas

“uge eàfo asàdeàe pe i e ta à E pe i e taàasàpossí eisà aàsoluç oàe o t ada soluç es

Decisão

Ofe e eàá o pa ha e to

Es olheàu aàsoluç o

-

Testaàoàfu io a e toàdestaà soluç o

Co i

aç o

Ta ela ‑á: Est gios da ap e dizage da p o le aizaç o.

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Transmissão de Conhecimentos no Ensino da Performance Musical . . àáp e dizage àpo àdes o e ta

esta estratégia didática consiste no aprendizado de uma nova informação de forma prática, relacionando-a com o conhecimento (ou experiência) anterior do aluno. Fisher airma que este princípio está alicerçado na ilosoia construtivista: “só se aprende fazendo” (2010, p.44-45). Ainda, uszler (in: uszler et al, 2000, p.244-245) reforça que a aplicação prática imediata de um novo conceito conirma sua assimilação, fato reforçado pela memorização, onde o cérebro irá associá-lo aos demais tipos de informações sensoriais. Assim, esta abordagem permite trabalhar pensamento analítico com aplicação prática imediata. Um exemplo desta estratégia didática ocorre em Oicinas de Performance Musical (SILVA, 2008) onde, em caráter coletivo, alunos do mesmo instrumento apresentam seu repertório, discutem conceitos, técnica e sonoridade, analisando suas interpretações e experimentando novas ideias musicais na prática instrumental. neste contexto, há um forte elemento motivacional devido à participação ativa dos alunos e a sensação de “descobrir novos conceitos, caracterizando uma atividade em grupo” (fisHer, 2010, p.44). no ensino individual, mesmo prevalecendo uma abordagem dogmática – onde o papel do professor é oferecer conceitos e do aluno limitar-se a apreendê-los – é possível utilizar a prática como forma de reforçar uma nova ideia. Vejamos a seguinte situação: o aluno apresenta um trecho da peça que está em andamento muito lento, fazendo com que a interpretação ique “arrastada” ou “monótona”. Caso o aluno não seja ainda capaz de detectar este problema – ou seja: não é possível ainda aplicar a problematização –, o professor pode apontar a questão, sugerindo que o aluno repita o trecho, direcionando sua atenção. em seguida, o professor propõe adiantar o andamento, observando a luência do trecho. O aluno prossegue experimentando esta ideia, e caso esta proposta ainda não tenha sido assimilada de

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forma orgânica à peça como um todo, ica como tarefa do estudo individual “para casa”.

. . àT a s iss oàdeà o eitosàeàha ilidades

Ao abordar esta estratégia, uszler (in: uszler et al, 2000, p.239248) propõe tratar de forma diferenciada o ensino de habilidades motoras e de conceitos. para transmitir informações motoras, uszler sugere que o professor utilize informações visuais e auditivas para complementar o discurso verbal para melhor compreensão dos aspectos envolvidos na realização do trecho musical em questão. com relação à transmissão de conceitos, Uszler airma que, mesmo em se tratando de informações teóricas, é necessário colocá-las em prática através da experimentação. sendo assim, é preferível tratar de tais estratégias como associadas a um mesmo processo. um exemplo prático pode ser observado no ensino de uma habilidade motora – como a realização de um arpejo – e do conceito de métrica ternária simples. em ambos os casos, é necessário trabalhar informações auditivas (o som do arpejo e a percepção da métrica), cinestésico-táteis (a realização motora do arpejo e a sensação corporal internalizada da métrica – eurritmia) e visuais (o reconhecimento da notação que remete a estes elementos). Nesse sentido, Uszler (In: USZLER et al, 2000, p.244) airma que a experiência/realização deve anteceder a conceituação teórica, para assim a aprendizagem ocorrer de forma associada e contextualizada. gordon reforça dizendo que o reconhecimento visual de estruturas musicais – leitura – deve ocorrer após a familiarização com os padrões musicais envolvidos (2000, p.4-5). sem esta experiência, o aluno não terá subsídios para realizar as “transformações metafóricas” descritas por Swanwick (2003, p.22-36) onde reside a essência do signiicado musical, ou seja: da música como discurso e linguagem. Ainda, a im-

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portância de conceber as dimensões da Performance Musical de forma interrelacionada e indissociável – consciência (conceitos, experiência musical), movimento (cinestesia, eurritmia) e memória (associação e armazenamento dos demais elementos) – é mencionada por cerqueira (2009b) como fundamental para o estabelecimento de uma aprendizagem musical completa e eiciente. A acessibilidade da tecnologia tem sido uma importante ferramenta no auxílio da transmissão de habilidades e conhecimentos musicais. tal fato pode ser observado nos referenciais didáticos produzidos nas últimas décadas – tanto em métodos de ensino da performance musical quanto em livros de teoria musical, percepção, harmonia e contraponto – que vêm acompanhados de registros sonoros (itas cassete ou compact discs (CD), entre outros) e audiovisuais (itas de videocassete ou digital versatile disc (DVD), por exemplo). Apesar de este material ser caracterizado como “complementar” em alguns casos, ele é na verdade essencial, pois provê informações auditivas e visuais que constituem parte fundamental da transmissão de saberes musicais. Ao observar um registro audiovisual de um músico, é possível apreender parte das informações cinestésico-táteis utilizadas para realização de uma determinada habilidade. no caso dos registros sonoros, adquirem-se referências de interpretação musical e possibilidades sonoras particulares dos instrumentos. Além disso, é possível ao aluno gravar sua própria interpretação, permitindo avaliar a própria interpretação musical e desenvolver sua autocrítica, componente importante da aprendizagem musical (kAplAn, 1987, p.40). como recursos tecnológicos mais atuais, pesquisas tem focado no ensino da performance musical por videoconferência. uma experiência aplicada ao ensino de violão à distância é descrita por Braga e Ribeiro (2008) que utilizaram a videoconferência para transmitir informações audiovisuais, sob uma abordagem de ensino em grupo – com participação ativa dos alunos – para iniciantes. Ainda, foram utiliza-

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dos um tutorial – referencial em meio digital que assume o papel de livro didático, com textos, partituras, áudios, imagens e vídeos – e uma lista de discussão, onde questões aparentes nas aulas eram debatidas. fisher (2010, p.33-37) descreve a possibilidade de trabalhar o ensino em grupo de piano a partir de instrumentos digitais conectados em série via midi, com o professor trabalhando em um instrumento central que permite enviar instruções aos demais alunos através do fone de ouvido. Ainda, é possível utilizar programas voltados à autoaprendizagem musical (fisHer, 2010, p.162-168), como o gnu solfege (voltado à percepção e teoria musical), Band-in-a-box (cria acompanhamentos automáticos através da interface midi), musescore (notação musical tradicional) ou Home concert xtreme (programa inteligente que combina instrução teórica, prática e performance). Há também programas que simulam metrônomos e ainadores de instrumento.

. . àMet fo asà aàli guage à e al

A linguagem verbal é um meio fundamental de transmissão do conhecimento, e na performance musical em particular, há características especíicas quanto ao vocabulário utilizado, complementando os demais tipos de informações. tanto no discurso de um professor quanto em instruções descritas nos métodos de ensino, é possível analisar os fundamentos pedagógicos que alicerçam a relação de ensino e aprendizagem. no tratado il transilvano de girolamo diruta (1593), voltado ao ensino de cravo e órgão, nota-se uma abordagem didática abrangente – vista na atualidade como transdisciplinar – que trata de composição, harmonia e percepção musical, paralelamente a questões de performance dos instrumentos de teclado. o texto é redigido como se fosse uma conversa entre o autor e um ictício príncipe da Transilvânia, ambientando uma relação entre mestre e aprendiz. Neste

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período, não havia ensino formal de música, tendo este surgido somente no inal do Século XVIII através dos Conservatórios, adaptando o ensino musical de então ao modelo de Academia vigente, fato que levou à fragmentação do saber em disciplinas. neste mesmo contexto, o ensino musical passara a se basear na igura do solista virtuoso como modelo ideal de formação, baseando-se na concepção isiológica da técnica. como exemplo, observa-se tal pressuposto em principes elémentaires de la technique pianistique de J. Blancard (1938) que, segundo a autora, relete as ideias didáticas do pianista Alfred Cortot. o método possui ilustrações sobre como realizar as séries de exercícios, cujo objetivo é obter “igualdade, independência e mobilidade dos dedos” (BlAncArd, 1938, p.8). os termos empregados neste método demonstram a adoção de um vocabulário técnico de música já consolidado, sendo este outro relexo da formalização do ensino musical. todavia, mesmo havendo este vocabulário, a linguagem verbal não se restringira somente a termos técnicos, fato reforçado em diversos relatos de alunos sobre suas experiências pedagógicas com grandes instrumentistas, a citar fay (1993). com relação às estratégias verbais utilizadas por professores em seus discursos, há várias pesquisas acerca do uso das linguagens técnica (objetiva) e igurada. Zorzal (2010, p.47-56) oferece um aporte detalhado acerca de trabalhos sob este enfoque, destacando a presença das iguras de linguagem no ensino musical, enfatizando a metáfora. Esta é objeto de estudo de Swanwick (2003, p.22-28) de Mór (2004) e souza et al (2009), sendo que neste último os autores tratam sobre sua aplicação no ensino de canto. reitera-se, ainda, que a própria terminologia de expressão adotada em partituras remete à linguagem igurada: termos como dolce, con brio, appassionato, mesto, con fuoco e expressivo buscam descrever tipos de sonoridade que, mesmo possuindo certo grau de subjetividade, são objetivamente realizadas

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pelo músico, perpassando um trabalho de análise musical e pesquisa de sonoridade como forma de personiicar tais expressões. É possível airmar que a metáfora está fortemente associada ao conceito de intuição, tal como proposto por cerqueira (2009b, p.120121). neste modelo, a intuição consiste em um campo delimitado de possíveis decisões, sem usufruir de meios lógico-analíticos. A imagem atribuída à sonoridade dolce, por exemplo, é diferente para cada músico – e até mesmo entre diferentes interpretações realizadas pelo mesmo músico. não obstante, existe uma unidade que a diferencia de outras expressões como mesto ou apassionato, por exemplo, demonstrando haver um campo de possibilidades que caracterizam a sonoridade dolce. A metáfora, por sua vez, remete a uma questão musical em particular, permitindo que cada músico consolide sua própria concepção dentro dos limites que deinem a unidade do conceito trabalhado. um exemplo disso é o professor que se refere a um trecho musical com a indicação appassionato a partir de termos como “intenso”, “forte”, “expressivo” e “cantabile”. na realização da passagem, haverá elementos musicais em comum na performance de todos os alunos, porém, aparecerão certos detalhes de sonoridade que evidenciam as diferenças na interpretação de cada um, dialogando com sua bagagem musical e experiências pessoais (cerQueirA, 2009b, p.121). logo, a metáfora se apresenta como uma estratégia fundamental para o ensino de música, pois permite equilibrar objetividade – tratando de um conceito ou imagem sonora a ser compreendida – e subjetividade – levando cada aluno a pesquisar sua identidade em meio ao conceito apresentado, dialogando com suas experiências e possibilidades musicais. Por im, cabe ao professor usufruir das potencialidades oferecidas por termos técnicos e igurados, tendo em vista a aprendizagem das dimensões técnica e artística da música. utilizar somente termos técnicos pode implicar em uma aprendizagem que não estimule o sen-

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so artístico e musical, enquanto o uso exclusivo da linguagem igurada não permite consolidar um ensino eiciente, bem orientado e que ofereça autonomia ao aluno. Assim, sob uma ideia metafórica, o professor pode sugerir ao aluno várias formas objetivas de representá-la. Ainda, pode haver a opção pela aprendizagem por descoberta, onde o aluno será incumbido de pesquisar objetivamente uma sonoridade particular que remete à imagem metafórica em questão.

. . à‘ele osàdaàli guage à e alà aàautoesi aàdoàalu o

Ao versar sobre a transmissão de conceitos, uszler aborda uma questão cotidiana no discurso dos professores que, por hábito, não costumam observar o teor das palavras utilizadas: “a compreensão dos alunos são comumente resultado da linguagem utilizada e das diretrizes oferecidas” (uszler in: uszler et al, 2000, p.244). trata-se, portanto, de detalhes que podem fazer diferença na forma como os alunos – especialmente iniciantes – recebem as informações, podendo inclusive alterar seu comportamento ao longo do tempo. imagine uma situação onde um professor irá instruir sobre a postura adequada ao piano. suponhamos que este diga: “sente-se de forma ereta. Você não pode icar confortável ou livre se estiver com os ombros caídos pra frente.” observe agora o teor autoritário e proibitivo dos termos empregados. esta é uma das críticas mais frequentes acerca do ensino da performance musical – particularmente do piano, que é conhecido por estar associado a este tipo de estratégia pedagógica (uszler in: uszler et al, 2000, p.256). como forma de solução a esta problemática, sugere-se que o professor reformule seu discurso como, por exemplo: “imagine que sua cabeça está sendo segura por um io amarrado no teto. Agora, observe o teclado do Piano e sinta seu corpo livre. Você sente que possui ampla visão e mobilidade no ins-

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trumento?” logo, torna-se fundamental observar o teor das palavras empregadas, tendo em vista seu poder de inluenciar questões psicológicas. em longo prazo, a adoção de um vocabulário que expressa rigor e autoritarismo pode causar consequências mais graves, pois leva o aluno a possuir baixa autoestima e, em decorrência desta última, torna-o dependente e com diiculdades de se apresentar em situações diversas de pressão psicológica. kaplan, ao tratar sobre técnica pianística (1987, p.31), reforça seu caráter psicológico, pois os movimentos corporais são originados a partir de ordens cerebrais transmitidas pelo sistema nervoso. sendo assim, a natureza da Performance Musical é psicológica, e não isiológica/muscular, conforme a concepção de técnica na educação musical do século xix. Assim, tendo em mente a natureza psicológica da habilidade motora, reforça-se que a adoção costumeira de uma linguagem autoritária e proibitiva por parte do professor pode até “travar” o aluno, caso se sinta reprimido no cotidiano de aprendizagem. da mesma forma, cultivar pensamentos negativos ou adotar uma autocrítica severa são fatores que afetam diretamente a autoestima, havendo impactos negativos sobre sua prática musical. como o ensino de música consiste em adquirir e usufruir de habilidades psicomotoras, manter o equilíbrio emocional é muito importante para o desempenho do músico. gordon aborda esta questão: Coniança nos afazeres do dia-a-dia pode ser obtida somente se aprendermos a balancear crítica e coniança na obtenção dos resultados pretendidos. Sem a crítica, os afazeres diicilmente mudarão, tendendo a se tornar uma rotina e trazendo a sensação de que não está havendo resultados. por outro lado, se criticarmos severamente nossos afazeres, nunca daremos chance de demonstrar nossa produtividade. uma vez tendo a tarefa deinida, temos que realizá-la com vitalidade e determinação na expectativa de que nossa atividade realmente irá dar certo.

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A manutenção do delicado balanço entre estes dois pólos é um requisito necessário para o progresso (gordon, 1995, p.65).

dessa forma, o professor deve sempre estar atento a seu discurso, ciente do seu impacto na autoconiança do aluno e, subsequentemente, no controle motor do mesmo, adaptando o teor de acordo com as necessidades que se apresentarem no contexto da aprendizagem. estudos sobre os efeitos da motivação e autoestima na performance motora – que fazem parte da área de psicologia do esporte – podem ser aplicados ao ensino da performance musical, dada a grande semelhança entre o uso do corpo tanto na música quanto no esporte. Ao analisar o impacto da autoconiança e da “ansiedade cognitiva” – similar à Ansiedade na performance musical – de forma interdependente (entendendo-as como elementos distintos que interferem em um mesmo processo) na performance motora do esporte, Woodman e Hardy (2003, p.452) concluem que a autoconiança apresenta maior fator de impacto na realização de uma atividade do que a ansiedade cognitiva. transpondo esta ideia para a música, reforça-se a importância de manter equilibrada a autoconiança do aluno, reconhecendo sua inluência em momentos de apresentação pública. na pedagogia do esporte, uma das técnicas cognitivas frequentemente utilizadas é a autofala (“self-talk”), onde o atleta cultiva pensamentos positivos antes ou durante a realização de uma atividade motora (dAnA et al, 2012, p.493), sendo a aplicação desta estratégia na música reforçada por Wilson e roland (in: pArncutt; mcpHerson, 2002, p.55-56) como “autofala positiva”. mesmo sendo uma estratégia individual, o professor pode se inspirar nela em seu discurso verbal durante as aulas, demonstrando ao aluno alguns aspectos positivos de sua performance como forma de motivação, não icando restrito apenas às questões a serem trabalhadas (CERQUEIrA, 2011, p.36-37).

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Gordon (1995, p.64-68) airma que, na Música, a autoconiança se baseia no equilíbrio entre autocrítica e “fé” – no sentido de acreditar na própria capacidade de sucesso. sendo assim, o professor deve diagnosticar o senso de autoconiança do aluno, modiicando seu discurso verbal de acordo com cada situação. se um aluno tem demonstrado estar com a autoconiança baixa, o professor deve reforçar as conquistas e aspectos positivos do mesmo; no caso contrário – onde o aluno acaba supervalorizando suas próprias competências e se torna incapaz de buscar melhorias –, cabe então ao professor enfatizar os pontos a serem aprimorados. Assim, acredita-se que a autoconiança seja o elemento principal das questões psicológicas da aprendizagem musical, dada a íntima relação entre cognição e controle motor. como o ensino de música é uma atividade essencialmente prática, o aluno ica exposto constantemente, pois seu controle motor é afetado diretamente em virtude do nível de pressão psicológica do ambiente. . . àá siedadeà aàPe fo

a eàMusi al

trata-se de uma questão conhecida dos músicos, podendo ocorrer em atividades de performance motora em momentos de pressão psicológica. schmidt e Wrisberg (2008, p.56), ao tratar sobre atletas em situações de competição, concluem que há considerável redução de seu desempenho motor nestas circunstâncias. Wilson e Roland (In: pArncutt; mcpHerson, 2002, p.47-61), ao tratarem da Ansiedade na performance musical, abordam-na como uma espécie de fobia social cuja origem é psicológica, enquanto kesselring (in: AltenmÜller et al, 2006, p.308-318) reforçam que tal problema não se restringe ao controle motor, pois o corpo apresenta condições semelhantes a situações de medo e luta por sobrevivência – tratando-se então uma

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questão isiológica. Ambos trabalhos apontam que a percepção do momento sofre forte inluência da personalidade do músico (autocrítica e autoconiança) e de elementos motivacionais (perfeccionismo e tempo de preparação). Ao apresentar estratégias para atenuar a Ansiedade na performance, Wilson e roland (in: pArncutt; mcpHerson, 2002, p.55-58) classiicam-nas em dois grupos: Cognitivas – baseadas em preparação psicológica para o momento de pressão – e comportamentalistas (“Behavioral”) – ligadas a questões isiológicas como relaxamento e estabelecimento de rotinas anteriores à apresentação pública, entre outras. seguem abaixo breves descrições de algumas destas estratégias:  entender a Ansiedade na performance como um aspecto positivo: a performance musical é uma atividade essencialmente humana e, mesmo havendo “erros” – situações onde o luxo musical não ocorre conforme planejado –, o contato com o público e a coragem de subir ao palco são valores importantes do meio musical, devendo ser encarados como um desaio (CARDASSI, 2000, p.255);  “Autofala positiva”: cultivar pensamentos positivos antes e durante a apresentação, mantendo expectativas realistas e direcionando a atenção para o discurso musical durante o momento de ansiedade, sempre evitando pensamentos negativos;  “ensaio mental”: neste contexto, david e roland se referem a imaginar toda a performance, como ela deve ocorrer no palco. cerqueira (2011, p.17-18) sugere ensaiar anteriormente no local da apresentação, para assim se familiarizar com a futura situação de performance;

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 Hierarquia de ansiedade: exposição gradativa a situações de maior pressão psicológica, iniciando-se com apresentações para grupos pequenos de amigos ou familiares e, posteriormente, para públicos maiores e hipoteticamente mais exigentes. cerqueira (2011, p.17-18) reforça que o repertório também precisa ser estudado em público;  relaxamento: consiste em praticar treinamentos como relaxamento muscular progressivo, meditação e técnicas de respiração. santiago (2008) sugere utilizar a técnica Alexander, não somente sob ins de Ansiedade na Performance, mas também para aprimoramento do controle motor como um todo, inluenciando na técnica instrumental e na consciência corporal do músico;  estilo de vida saudável: praticar exercícios físicos regularmente, alimentar-se de maneira adequada e dormir bem são hábitos que certamente atenuam a Ansiedade na performance, pois o corpo se encontrará melhor preparado e com mais energias para enfrentar a situação;  gravar o repertório: cerqueira (2011, p.18) sugere a gravação, pois ela simula certa pressão psicológica pela “perfeição” – que, naturalmente, não existe na música, mas somente em nosso senso de autocrítica;  rotinas antes da performance: baseia-se em estabelecer hábitos a serem seguidos antes de quaisquer situações de apresentação pública, fazendo uso da “autofala positiva”, estratégias de relaxamento, evitar esforços físicos e mentais no dia da apresentação e alimentar-se de forma saudável. Alguns músicos costumam fazer um aquecimento antes da performance, porém, cerqueira (2011, p.18) sugere utilizar peças

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que não constam no repertório a ser apresentado para evitar falsas sensações de erro. Assim, cabe ao professor instruir o aluno para este momento tão importante da atividade musical, levando-o a experimentar e deinir quais estratégias são as mais familiares. Quanto mais inexperiente é o aluno, maior precisa ser a motivação para a performance musical, independentemente de sua idade. . . àFai aàet ia

um aspecto que tem sido motivo de atenção em diversos trabalhos voltados ao ensino da performance musical diz respeito à idade dos alunos. Deinir estratégias apropriadas para cada faixa etária envolve não apenas a adaptação da linguagem verbal, mas também a forma de conduzir as atividades didáticas e os tipos de conteúdo – repertório – que se mostram mais adequados. na educação em geral, a teoria dos estágios de desenvolvimento cognitivo do psicologista Jean piaget tem sido comumente utilizada como aporte para a deinição de estratégias didáticas para faixas etárias determinadas. uszler (in: uszler et al, 2000, p. 233-234) menciona o modelo da teoria em questão, sugerindo que o professor saiba quais as possibilidades e limitações das capacidades cognitivas do ser humano em cada faixa etária. Abaixo, segue uma breve explicação do modelo:  período sensório-motor (do nascimento até 2 anos): a criança constrói “esquemas mentais” – padrões de comportamento e pensamento organizado – através de contato físico direto e manipulação de objetos. como exemplo, temos o ato de jogar uma bola (comportamento) e de reconhecer diferentes tipos de bola (pensamento). 197 |

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 período pré-operatório (de 2 a 7 anos): há uma ampliação na quantidade de esquemas mentais para apreensão da linguagem. todavia, a criança ainda não é capaz de criar esquemas conceituais mais amplos, não permitindo compreender situações da realidade que estão fora de sua percepção.  período das operações concretas (7 a 11 anos): a criança passa a ser capaz de compreender a realidade sob outros pontos de vista e realizar processos mentais internos. A limitação que se apresenta neste estágio é a incapacidade em conceber um processo sem sua realização concreta. um exemplo é a criança não prever que o ato de encher um balde fará com que a água transborde futuramente.  período das operações formais (acima de 11 anos): a capacidade de raciocinar de forma abstrata se encontra plenamente desenvolvida. A criança se torna capaz de entender e questionar regras e sistemas, delineando sua própria personalidade através da atividade mental. diante deste modelo, o professor pode desenvolver atividades musicais de acordo com as possibilidades momentâneas de seus alunos. A seguir, temos uma apresentação linear do modelo da “teoria Espiral” de transformações metafóricas de Swanwick (2003, p.32-34), voltado ao ensino musical (tabela 5-B): Est gio

Ca a te ísi a

materiais

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expressão

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forma

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Valor

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Tabela 5‑B: modelo da “Teoria espiral” de Swanwick (2003).

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Apesar de haver os mesmos quatro estágios da teoria de piaget, Swanwick não airma haver relações entre os estágios da Teoria Espiral e faixas etárias especíicas. Tratando especiicamente do ensino da Performance Musical, podemos sugerir exemplos de atividades aplicáveis a cada estágio de desenvolvimento cognitivo, porém, é necessário reforçar que o instrumento musical assume um papel diferente da prática tradicional, tornando-se uma ferramenta musicalizadora. no estágio sensório-motor, é possível trabalhar a associação entre alturas – através do conceito de agudo e grave – e timbres dos instrumentos musicais, utilizando apreciação/percepção musical e ditado de sons. sugere-se, então, utilizar técnicas estendidas, oferecendo ampla gama de possibilidades sonoras e contato espontâneo com o mesmo. Ainda, assistir a vídeos onde a trilha sonora ocupa um papel importante – como em desenhos animados ilustrados musicalmente – contribui para estimular a percepção musical. em relação ao estágio pré-operatório, a música pode ser trabalhada de forma análoga à linguagem verbal – “música como discurso” (SWANWICK, 2003, p.57) – icando o aluno restrito aos elementos musicais presentes em seu cotidiano. trata-se de uma excelente fase para trabalhar com apreciação de repertório, sendo possível enfatizar em obras escritas para o instrumento estudado. sugere-se trabalhar com composição de peças curtas, utilizando improvisação livre ou controlada – aquela onde os elementos musicais são pré-estabelecidos como no instrumental orff, não sendo possível “errar”. Ainda, recomenda-se trabalhar com notação musical alternativa (audiopartituras) e contemplar o estilo da Música Contemporânea, onde a “partitura” das peças consiste em ilustrações metafóricas das mesmas. dessa forma, o aluno se familiariza com a real funcionalidade da partitura: representar uma ideia musical. Ainda, reforça-se que a leitura musical tradicional ainda não é recomendada, pois o aluno certamente ainda não

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foi apresentado à escrita. como o ensino da performance musical é fortemente baseado na leitura, é importante reforçar que este estágio de desenvolvimento requer outros tipos de metodologia didática. Todavia, o método Suzuki trabalha com performance a partir de aulas individuais aos quatro anos de idade, envolvendo os pais como forma de apoio à instrução musical. no período das operações concretas, já se torna possível trabalhar leitura musical tradicional, caso os elementos da linguagem verbal escrita estejam sendo paralelamente vistos no ensino regular. por exemplo: é mais adequado aprender as iguras rítmicas com seus valores se os numerais e suas proporções já tiverem sido apresentadas na disciplina matemática. neste estágio, o aluno é capaz de aprender e tocar peças, mas somente poderá interpretá-las se houver familiaridade com o repertório estudado, pois ainda não é possível trabalhar com a imaginação. logo, ao apresentar uma peça de um compositor do século xix, por exemplo, o professor pode levar o aluno a ouvir outras peças do período (contemplando várias formações instrumentais), mostrar fotos e contar histórias da época. A partir de então, é possível direcionar o estudo ao trabalho de aquisição da técnica instrumental tradicional – as estendidas já podem ter sido trabalhadas – cujo único modo é através da repetição (kAplAn, 1987, p.76-77). A técnica, além de ser uma ferramenta essencial à prática musical, consiste em um “acordo” entre o corpo do instrumento e do instrumentista, sendo fundamental desenvolver habilidades motoras especíicas. O ensino, então, passa a ser menos “lúdico” e mais organizado, tornando a disciplina uma ferramenta fundamental neste processo. Ainda com relação a como o professor deve tratar do conteúdo com determinada faixa etária, mas com base no ensino de piano, uszler (in: uszler et al, 2000, p.3-78) descreve três tipos de alunos sob a classiicação de “iniciante” (não serão tratadas as demais classiicações aqui), oferecendo sugestões de como atuar em cada caso:

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 Aluno da pré-escola (entre 4 e 6 anos): recomenda-se realizar atividades com base em Jacques dalcroze, carl orff e zoltán kodály, que envolvem metodologias de ensino utilizando o corpo, movimentação, improvisação e apreciação musical. com relação ao ensino instrumental, recomenda-se utilizar o método Suzuki, que pode ser utilizado com crianças de 4 anos e envolve participação dos pais, aproximando-se da metodologia tradicional de ensino da performance. nesta fase, as crianças gostam de imitar, favorecendo a internalização de habilidades musicais e técnica instrumental. o contato com a tecnologia – em especial computadores e videogames – faz com que a criança desenvolva habilidades manuais semelhantes às da prática instrumental. um tipo de atividade adequada é trabalhar com imaginação, fazendo analogias musicais com sons de animais, da natureza, quadros, cenários, etc. A diiculdade se encontra no baixo tempo de concentração da criança, fato que exige muita perspicácia do professor ao conduzir atividades, preferencialmente através de brincadeiras e não sob disciplina. todavia, uszler (in: uszler et al, 2000, p.43) reforça que, por ainda não ser adequado trabalhar a aprendizagem musical mais próxima da tradicional, muitos professores de instrumento optam por não aceitar alunos nessa faixa etária.  Aluno elementar (entre 7 e 8 anos): são algumas características da criança neste momento: divisão de sua coniança entre o professor e os pais; aceitação de um ambiente social fora de sua casa; capacidade de ler, escrever e lidar com números de forma relativamente independente; maturação do sistema nervoso suiciente para trabalhar a coordenação motora ina. dessa forma, já é possível adotar métodos, sendo que em di-

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versos instrumentos, já existe bastante material votado a essa faixa etária, especialmente métodos com desenhos coloridos, atividades infantis e breves instruções sobre técnica. todavia o ensino de habilidades – contar e internalizar o tempo, ler e utilizar movimentos adequados – deve ser de plena responsabilidade do professor, tornando o repertório um material de apoio. o mais importante nesta etapa, segundo uszler (in: uszler et al, 2000, p.4) é considerar que o repertório ouvido e tocado será importante e valorizado pela criança. logo, sugere-se diversiicar os estilos musicais trabalhados, abordando tanto a música de concerto quanto música popular e folclórica. Ainda, recomenda-se ensinar teoria musical em função do repertório, contextualizando o treinamento rítmico e a leitura. sugerem-se atividades como utilizar palavras para aprender ritmos e desenhar as iguras rítmicas com suas respectivas proporções visuais, por exemplo.  Alunos jovens e adultos (a partir de 9 anos): uszler (in: uszler et al, 2000, p.55) considera aqui o seguinte público-alvo: alunos um pouco mais velhos (9 a 10 anos), adolescentes, jovens (18 a 24 anos), adultos (a partir de 25 anos) e idosos. com relação aos mais jovens, reforça-se que a adoção de métodos infantis já não é a mais adequada, recomendando-se utilizar métodos direcionados ao “adulto iniciante” – mesmo para crianças a partir de 9 anos. A diferença elementar deste público diz respeito a seu objetivo no estudo de um instrumento, pois muitos deles desejam tocar por lazer ou desenvolver habilidades especíicas como tocar um determinado estilo musical. Assim, é fundamental que o professor saiba dos objetivos do aluno desde o início, para que não sejam criadas falsas expectativas em ambos os lados e subsequente desmotivação. os adultos,

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por sua vez, possuem o sistema cognitivo plenamente desenvolvido, sendo capazes de se concentrar, ter independência no estudo, contextualizar a aprendizagem musical e apontar dúvidas e problemas mais diretamente. todavia, uszler (in: uszler et al, 2000, p.58-59) menciona algumas desvantagens, como tendência a enfatizar os conceitos e não a habilidade a ser trabalhada, menor atenção ao sistema sensorial, tendência a verbalizar e prever um acontecimento ao invés de experimentá-lo e relativa resistência a novas ideias e situações. naturalmente, o professor deverá estar preparado para lidar com tais características, adaptando seu discurso verbal ou – especialmente – enfatizando a importância da atividade prática, direcionando a atenção a sensações corporais.

. . àEs olhaàdoà epe t io

Quando se trata sobre a adequação do conteúdo trabalhado à faixa etária, observa-se uma preocupação histórica com o repertório e tipos de método mais adequados a cada idade. com relação ao ensino da performance musical em geral, é fundamental ao professor ter conhecimento de repertório didático no seu instrumento, sabendo analisar este material para adotá-lo nas situações adequadas. com base nos tipos de método existentes para instrumentos de teclado (cerQueirA, 2011, p.5-11), é possível caracterizar os tipos de material didático disponíveis, uma vez que os métodos de instrumentos e canto em geral seguem os mesmos preceitos de elaboração. dessa forma, o professor pode tanto optar por materiais que se complementem quanto aplicar um método de forma atenta a seus aspectos negativos, analisando aqueles disponíveis a seu instrumento em particular. Abaixo, apresentam-se tais características:

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 prática de repertório: considerado o alicerce do ensino da performance musical, a aprendizagem consiste na execução de obras características do repertório de um instrumento em particular. Assim, aspectos de teoria, análise e técnica são abordados em função das necessidades momentâneas, contextualizando a aplicação destas ferramentas. todavia, o repertório não possui instruções mais aprofundadas sobre a prática instrumental, baseando todo o ensino na transmissão oral de conhecimentos e habilidades. dessa forma, o professor pode adotar materiais didáticos que ofereçam mais informações, permitindo que o aluno não dependa exclusivamente das aulas para o aprendizado. Ainda, recomenda-se diversiicar os estilos musicais trabalhados, pois cada estilo oferece situações técnico-musicais particulares, permitindo ampliar a quantidade de habilidades e técnicas a serem adquiridas;  Abordagem transdisciplinar: métodos e tratados que ensinam não somente a performance musical, mas contemplam teoria, composição e improvisação, oferecendo uma aprendizagem musical mais ampla que permite desenvolver várias habilidades simultaneamente. exemplos são tratados dos séculos XVI e XVII, e alguns métodos da segunda metade do século xx;  Abordagem técnica: possuem clara ênfase no treinamento da técnica instrumental como um elemento à parte, sendo estudada fora de um repertório ou contexto musical. este tipo de método surgiu a partir do século xix, no mesmo período de surgimento dos Conservatórios. Neste contexto, a igura do virtuose – músico dotado de grande destreza motora – foi adotada como peril ideal de músico, levando à elaboração

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de material didático partindo do pressuposto que a técnica consiste em destreza motora e força muscular. este tipo de método ainda é bastante utilizado, porém, ao adotá-los, os professores devem enfatizar os aspectos musicais destes estudos e exercícios;  relatos de experiência: são baseados em experiências empíricas de renomados instrumentistas e cantores, tratando sobre questões didáticas de estudo e aspectos mais amplos de performance e interpretação musical. este material surgiu a partir do século xix, e recomenda-se utilizá-lo em estágios mais avançados da prática musical, pois requer uma bagagem mais aprofundada;  Abordagem cientíica: com o ingresso da área de Música no meio acadêmico principalmente a partir do século xx, a tendência do pensamento lógico-racional deste ambiente inluenciou a prática musical, levando à elaboração de material com base em pesquisas cientíicas. Estas referências permitem aumentar o rendimento do estudo e acelerar o processo de aprendizagem, todavia, o enfoque exclusivamente racional tende a minimizar a importância de desenvolver o artista. Assim, tais métodos devem ser vistos como uma ferramenta para o ensino da música, tendo em vista sua limitação no desenvolvimento da imaginação e do senso artístico;  Abordagem mista: consiste em métodos que equilibram a aprendizagem musical baseada em premissas cientíicas com o desenvolvimento artístico do músico a partir de experiências práticas. em geral, se assemelham a métodos de abordagem transdisciplinar do Século XVI e XVII, porém, possuem recursos instrucionais mais soisticados como imagens para 205 |

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ilustrar questões técnicas, cds e vídeos. dessa forma, a tecnologia permite trabalhar informações visuais e auditivas de forma mais ampla. logo, cabe ao professor escolher o material adequado em função das características dos alunos – faixa etária, preferências musicais, estilo de aprendizagem – e do ambiente de ensino. tradicionalmente, o ensino individual é considerado o contexto mais adequado de ensino da performance musical, tendo sua origem na relação entre mestre e aprendiz que existia antes do ensino formal de música (HArnoncourt, 1988, p.29). contudo, há metodologias alternativas sendo desenvolvidas na atualidade, diante da necessidade de ampliar o acesso à música e aplicar recursos tecnológicos. Ainda, o ensino coletivo de instrumentos musicais tem se mostrado uma poderosa ferramenta de aprendizagem, especialmente na iniciação musical.

. . àCo te tosàdeàe si o

existem dois grandes modos de instrução musical: ensino individual e coletivo. não há registros sobre qual deles surgiu primeiro, mas é provável que ambos coexistam desde os indícios mais antigos de prática musical, que datam de aproximadamente 40.000 anos (cHAilley, 1970, p.4). Até o Século XVIII, o tipo de ensino mais praticado era o individual, onde o professor ensinava ao aluno toda a bagagem musical de forma conjunta, fato que se relete em tratados sobre o ensino de instrumentos musicais da época. este modo de instrução era semelhante à relação entre mestre e aprendiz do Artesanato, baseado em acompanhamento próximo para a transmissão de conhecimentos e habilidades.

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Com a criação dos Conservatórios no inal do Século XVIII, surgiu o ensino formal de música, que segue os padrões acadêmicos de currículo e divisão dos saberes em disciplinas. com relação à prática instrumental, esta herdara o contexto de ensino individual, porém, houve signiicativas mudanças no que diz respeito à metodologia didática. com as disciplinas divididas, a aula individual passara a enfatizar aspectos técnicos da prática instrumental, pois análise musical (Harmonia e contraponto), História da música e percepção musical se tornaram objetos de estudo em separado, utilizando aulas coletivas para tal. somente no século xx houve uma reformulação da proposta pedagógica dos conservatórios, reconhecendo o fato de que para tocar um instrumento, é necessário possuir amplo conhecimento musical para que haja de fato uma interpretação do repertório, não se restringindo somente à técnica. Ainda, a partir da segunda metade do século xx, os conservatórios assumiram a formação de variadas competências proissionais na Música como técnicos de estúdio, musicólogos e produtores de eventos, entre outros, não icando limitados somente à formação de instrumentistas para a música de concerto (rittermAn in: sAdie, 2010). A principal característica do ensino individual, à parte o fato de ser possível transmitir uma quantidade maior de informações, é a proximidade da relação entre professor e aluno. tal aspecto levou uszler (in: uszler et al, 2000, p.251-254) a remeter à ideia medieval dos “quatro humores”, que ilustram tipos diferentes de personalidade. Assim, o professor – possuindo conhecimento sobre a personalidade de seu aluno – pode adaptar seu discurso verbal de forma a obter os efeitos desejados, ou evitar problemas de comunicação com o aluno. Abaixo, seguem-se os quatro tipos de personalidade descritos por uszler (tabela 5-c), diante de uma situação onde o professor oferece pelo menos duas ideias de tipos de ataque ao instrumento (no caso, três formas de tocar staccatto ao piano):

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ilust aç o Oàalu oàtestaà apida e teà iasàideiasà passadasàpeloàp ofesso à oài st u e to,à se àe pe i e t -lasà aisàp ofu da e te.à logo,àeleàes olheàu aàideiaàeàdizà ueài à to a àdessaàfo a. Oàalu oàpe gu taàaoàp ofesso à o oà ealiza à adaàsugest oàaoài st u e to,à se p eàespe a doàseuàa alàeàe pli aç o.à áp sàe pe i e ta àtodasàasàideias,à pe gu taàso eàoàte poà e ess ioàpa aà ap e d -las. Oàalu oà o eçaàaàtesta àasàideias,à o se a doàoà esultadoàso o oàdeà adaà u aàdelas.àE àseguida,àte taà adaàideiaà o àout osàele e tosàj àap ee didos,à a plia doàasàe pe i e taç es. Oàalu oàte taà adaàsugest o,àasso ia doasàaàe oç esàeà ita doàpessoasàp i asà ueàgosta ia àdestaàso o idade.àPe gu taà aoàp ofesso àseàaàfo aàa te io àdeàto a à esta aàe ada.

Ta ela ‑C: est gios de ap e dizage da p o le aizaç o.

Assim, esta abordagem se apresenta como mais uma ferramenta útil no ensino individual, permitindo que o professor conheça diferentes formas de transmitir a mesma informação, aplicando a mais apropriada para determinado aluno. com relação ao ensino coletivo, existem diversas metodologias didáticas, onde cada aplicação deve ser planejada de acordo com o objetivo da aprendizagem e sua função no contexto educacional. no Brasil, em particular, observa-se peculiar interesse por este contexto, fato reletido nas diversas pesquisas que tratam sobre ensino coletivo nos últimos anos (CERQUEIRA; ÁVILA, 2011, p.2). Mesmo sob uma ampla diversidade de abordagens pedagógicas, é possível enfatizar ca-

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racterísticas em comum do ensino coletivo, segundo tourinho (2008, p.1-4) e fisher (2010, p.51-53):  Aprendizagem colaborativa: todos aprendem com todos;  concepção da atividade voltada ao grupo, e não a um indivíduo de forma isolada;  desenvolvimento da autonomia musical e do poder de decisão;  menor custo: é possível ensinar mais pessoas utilizando menor espaço de tempo.

Podemos classiicar os tipos de metodologia para ensino coletivo da seguinte forma:  iniciação musical: consiste em apresentar os conceitos básicos de música de forma prática, a partir de um instrumento musical especíico ou família de instrumentos (sopros, cordas, madeiras, etc.). em geral, apresentam-se os primeiros conceitos necessários à leitura de partituras com o devido desenvolvimento da eurritmia – internalização do pulso. A seguir, o professor apresenta um repertório a ser tocado pelo grupo, com base na leitura musical. nesse contexto, os próprios alunos aprendem com seus colegas, multiplicando a transmissão de informações. e sob o objetivo de tocar a peça, todos os alunos passam a ter papel fundamental, pois a realização da atividade depende diretamente do sucesso de todos. nesta metodologia, é comum haver divisão das turmas segundo diferentes níveis de instrução.  elaboração de arranjos: consiste principalmente no arranjo de uma peça que se deseja executar em grupo, trazida pelo professor ou escolhida no momento. em princípio, esta metodologia oferece os mesmos benefícios do ensino coletivo

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descritos anteriormente, porém, permite diversiicar os tipos de prática musical, utilizando procedimentos típicos da música de concerto (leitura, transposição, etc.) quanto da música popular (“tirar de ouvido”, improvisar, etc.). É possível fazer uma breve contextualização sobre a história da peça e de seu compositor (cerQueirA, 2009a, p.134). A quantidade de alunos não é um fator de interferência na atividade, pois o arranjo é elaborado de acordo com os recursos disponíveis. Ainda, não é necessário dividir as turmas por diferentes níveis técnicos, pois, além de os mais experientes transmitirem informações aos iniciantes, o arranjo permite deinir partes musicais de acordo com o nível técnico de cada um. A leitura pode ser utilizada tanto através da notação musical tradicional quanto de audiopartituras, e, mesmo que os alunos “tirem de ouvido” a peça, eles entendem que ler é importante para orientar e deinir o arranjo. Reitera-se que trabalhar forma musical é uma constante nesta metodologia, sendo possível adicionar seções da peça para “rodas de improvisação” – onde cada participante tem a chance de improvisar por um dado momento – de diversas formas, sendo através da repetição das harmonias, de uma harmonia pedal, de um motivo rítmico ou até mesmo do silêncio. É possível ainda trabalhar técnicas estendidas como forma de analogia a instrumentos de percussão ou sonoridades de um ambiente, por exemplo. dessa forma, o professor assume um papel de regente, tratando de questões idiomáticas do instrumento em momentos apropriados.  Oicina de Performance: trata-se da prática de repertório do instrumento em questão, sendo possível trabalhar a Ansiedade na performance e discutir aspectos de técnica e interpre-

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tação musical, sendo uma metodologia didática excelente no ensino proissional de Música (SILVA, 2008). Neste contexto, o ensino coletivo funciona como um complemento às aulas individuais, tendo em vista a necessidade de haver uma bagagem musical considerável. Além disso, permite a troca de informações entre alunos que tocam um mesmo instrumento, que podem expor suas ideias mediante a apresentação de um colega.  masterclasses: consiste na prática do repertório de um instrumento em público por um aluno para, em seguida, o professor – geralmente um instrumentista renomado – oferecer ideias de técnica, interpretação musical e considerações sobre a peça e seu compositor. A abordagem didática se assemelha à aula individual, onde o professor fornece informações e o aluno a apreende, com o diferencial de haver vários alunos se apresentando, permitindo trabalhar a Ansiedade na performance musical. esta atividade didática surgiu no século xix e fora muito utilizada por franz liszt, o pianista mais importante deste período (BomBerger in: pArAkilAs, 2001, p.131). Atualmente, a masterclass é frequente em festivais de música (zorzAl, 2010, p.3), pois permite a transmissão de conhecimentos e habilidades em caráter oral para uma maior quantidade de pessoas. entretanto, algumas características deste modelo didático devem ser enfatizadas. É necessário apresentar um repertório em estágios avançados de preparação, pois a masterclass foca aspectos mais aprofundados da prática musical (zorzAl, 2010, p.6). Ainda, devido ao caráter pontual da masterclass, o professor ica limitado ao diagnóstico da execução momentânea, diicultando uma análise em longo prazo do desenvolvimento do aluno. por úl-

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timo, reforça-se o caráter político que envolve a masterclass, pois o trabalho do aluno é considerado responsabilidade de seu mestre. Ao presenciar execuções “mecânicas” – sem imaginação e ênfase em aspectos de interpretação musical – liszt atribuía esta questão aos professores de conservatórios, que, em sua época enfatizavam o estudo da técnica, chegando a fazer caricaturas de professores reconhecidos destas instituições, como Ignaz Moscheles e Clara Wieck (BOMBERGER In: pArAkilAs, 2001, p.131-132). Assim, trata-se de uma crítica direcionada ao professor, e não ao aluno, demonstrando uma questão política que se envolve nesse contexto de ensino.  grupos instrumentais diversos: até então, foram tratadas metodologias de ensino voltadas a um instrumento ou família de instrumentos, fato que permite abordar questões técnicas e idiomáticas da performance musical. Assim, ao tratar do ensino coletivo com instrumentos de diversos naipes e famílias, há duas formas de abordagem: a “Música de Câmara” ou “prática de conjunto”, que consiste na prática de repertório onde o professor irá tratar exclusivamente de aspectos musicais e interpretativos; e grandes grupos instrumentais como bandas sinfônicas e orquestras, que consistem basicamente na leitura e execução de repertório a partir de ensaios, sob a assistência de um regente. os diversos contextos de ensino musical são ferramentas enriquecedoras para a formação do aluno, devendo o professor usufruir daquelas que permitam trabalhar uma gama maior de habilidades e situações de ensino e aprendizagem. Quanto mais diversos os tipos de abordagem adotados, mais rica será a bagagem de experiências musicais do aluno, oferecendo-lhe oportunidades para seguir o caminho proissional de seu interesse.

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Ampliando o enfoque didático, é fundamental remeter à concepção de educação dos pesquisadores da psicologia, que consideram a aprendizagem um elemento do dia-a-dia que vai muito além do ambiente de ensino formal (uszler in: uszler et al, 2000, p.234). diante desta ideia, assume-se que o cotidiano musical do aluno fora das aulas é uma fonte crucial de experiências musicais, sendo inclusive um poderoso elemento que motivou o aluno ao estudo da música. todavia, uma problemática aqui emergente é o distanciamento entre as atividades de aprendizagem musical e a realidade cultural do aluno, bem como o controle limitado que o professor possui sobre esta questão. A convivência do aluno em ambientes onde estilos musicais são associados a grupos sociais com roupas, gírias e comportamentos próprios – objeto dos estudos culturais na área de Antropologia (gusmÃo, 2008, p.51) – além da inluência das mídias empresariais e digitais, evidenciam a realidade cultural da atualidade, na qual o professor não pode alterar ou intervir. sendo assim, cabe a ele elaborar estratégias para que o aluno encontre funcionalidade em sua prática musical. nesse sentido, é possível analisar algumas situações de sucesso, sendo a experiência mais reconhecida o método Suzuki. Dentre as principais ideias defendidas por Shinichi Suzuki, idealizador do método em questão, destacam-se o talento como resultado de dedicação e crescimento como ser humano – “uma pessoa é produto de seu ambiente” (suzuki, 1998, p.3) – e a concepção do ensino musical como a “língua-materna”, onde a criança pode aprender a tocar um instrumento da mesma forma que aprende a falar (suzuki, 1998, p.19-21). como estratégia para estabelecer um ambiente cultural motivador fora da sala de aula, o método Suzuki requer a presença dos pais nas aulas, para assim acompanhar o desenvolvimento musical do aluno. em casa, os pais apreciam os estilos musicais praticados

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pela criança e levam-na a apresentações. dessa forma, reconhece-se a igura dos pais e da família na formação do indivíduo, criando um ambiente onde a prática musical dentro e fora de sala de aula adquire funcionalidade cultural. Ainda, Suzuki demonstra utilizar o estágio pré-operatório de desenvolvimento cognitivo como forma de apreensão da “língua-materna” (suzuki, 1998, p.8-9), pois a tendência à repetição neste período pode ser aproveitada para aquisição de habilidades motoras (KAPLAN, 1987, p.76-77). Assim, Suzuki reforça que “as habilidades das crianças são desenvolvidas em casa” (suzuki, 1998, p. 10). Outras estratégias de motivação presentes no método Suzuki é a prática musical em conjunto com o professor, que toca acompanhamentos juntamente com o aluno. Há diversos métodos de piano que possuem peças com acompanhamento, sendo uma estratégia relativamente difundida. Ainda, Suzuki utiliza gravações de acompanhamentos para que o aluno possa praticar em casa – cujo termo em inglês é “play along” – sendo um recurso tecnológico aproveitado para ins tecnológicos (suzuki, 1998, p.11). Mais uma característica do método Suzuki é utilizar o ensino coletivo em estágios iniciais da aprendizagem musical, tendo em mente seu poder motivador. As aulas contam com participação de três a quatro alunos em média (suzuki, 1998, p.11-12), onde os alunos observam a prática do colega e as instruções do professor, em modelo semelhante à masterclass. Ainda, Suzuki reforça que as lições não podem ser longas, considerando a limitação do tempo de concentração das crianças neste estágio (citar). Assim, mesmo diante das diversas estratégias do método Suzuki voltadas à motivação, reforça-se a preocupação em consolidar um ambiente cultural motivador, onde o aluno não encontrará um distanciamento entre sua prática musical e o ambiente cultural. entretanto, em casos onde não é possível contar com a participação da família na

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aprendizagem musical – sendo esta a maioria das situações – sugerese desenvolver outras estratégias de motivação. Abaixo, seguem algumas sugestões mencionadas por cerqueira (2011, p.40):  realização de apresentações com todos os alunos regularmente – a cada três meses, por exemplo – convidando pais, familiares e amigos, como evento social seguido de coquetel ou lanche, por exemplo;  incentivar a participação em apresentações musicais onde o aluno possa presenciar músicos que compartilham de sua mesma prática musical;  motivar a interação entre os colegas, seja tocando juntos ou participando de eventos de forma conjunta.

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o presente capítulo procurou oferecer um panorama geral elementar das diversas variantes que inluenciam na transmissão de conhecimentos por parte do professor da área de performance musical. A partir deste aporte, recomenda-se aos interessados que passem a analisar como se dá o tratamento dos aspectos aqui mencionados em sua prática pedagógica, tendo em vista o aprimoramento de suas atividades. É provável que grande parte dos problemas encontrados no ensino de instrumentos e canto provém da adoção inconsciente de estratégias pedagógicas vivenciadas em sua formação, dado o ainda supericial tratamento da Pedagogia da Performance Musical em cursos para formação de músicos práticos no Brasil (glAser; fonterrAdA, 2007, p.29). Ainda, reitera-se que a disciplina é uma ferramenta fundamental para o estudo da Música, porém, não justiica a atuação autoritária dos professores, mesmo sendo esta abordagem o ideal pedagógi-

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co preterido por muitos na área de performance musical (uszler in: uszler, 2000, p.256). A longa tradição musical por muitas vezes é um empecilho para a adoção de novos ideais, sendo este um verdadeiro conlito que o professor de Instrumentos e Canto encontra em seu cotidiano pedagógico. Assim, espera-se que o presente trabalho possa fornecer diretrizes iniciais para que o ensino da Performance Musical possa inalmente caminhar em diálogo com a sociedade, resolvendo problemas como evasão de cursos e críticas direcionadas à prática da música de concerto. os benefícios serão de todos.

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