TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA EM SISTEMA ABERTO DE EDUCAÇÃO NO USO DA TECNOLOGIA MÓVEL DENTRO DE SALA DE AULA

May 27, 2017 | Autor: Gisele Boucherville | Categoria: Nuevas tecnologías, Sistemas de Informação, Transposição Didática
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TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA EM SISTEMA ABERTO DE EDUCAÇÃO NO USO DA TECNOLOGIA MÓVEL DENTRO DE SALA DE AULA. Gisele Boucherville1 1Universidade

Federal de Roraima/Centro de Educação/[email protected]

Resumo – A sociedade está imersa num fluxo de intermináveis inovações tecnológicas que alteram a maneira de vivermos. A escola tem demonstrado dificuldade em aderir ou adaptar as tecnologias para recursos didáticos que poderiam ampliar as possibilidades de ensino e aprendizagem. Por isso, este artigo tem como temática o uso de tecnologias moveis no espaço educacional e a sua compreensão. Essa escolha deve se ao fato de que grande parte dos alunos e professores têm celulares, utilizando se deles no trato individual e diário. Importanos entender se a escola tem dialogado com a tecnologia e quais as possibilidades para que isso aconteça. A pesquisa bibliográfica, desenvolvida nesse artigo, evidencia o contexto educacional vivido, que se baseia no paradigma racionalista. Relata o surgimento de uma nova visão paradigmática educacional, que emerge a partir de diversas descobertas, alterando a maneira de como se ensina e aprende. Termos como “sistema aberto de educação”, “paradigma emergente da educação”, “transposição didática” e “cibercultura” se fazem presentes nesse artigo, na tentativa de ampliar a compreensão sobre as possibilidades de uma educação para o século 21. A conclusão que se chega tem a vertente do bom senso para que o novo seja tomado pela escola como possibilidade de se manter o elo entre educação e tecnologia. Palavras-chave: tecnologia móvel, didática, educação Abstract – The society is immersed in a flow of endless technological innovations that change the way we live. The school has demonstrated difficulty in joining or adapt technologies to educational resources that could enhance the teaching and learning possibilities. So this article is subject to understanding the use of mobile technologies in the educational space. This choice should be the fact that many of the students and teachers have mobile phones and use of them in individual and daily intercourse. We us understand how the school interacts with technology. The developed literature highlights the lived educational context that is based on rationalist paradigm and the emergence of a new educational paradigm vision that emerges from several discoveries changing the way of how we teach and learn. Terms such as "open system of education", "emerging paradigm of education," "didactic transposition" and "cyberspace" are present in this article in an attempt to broaden the understanding of the possibilities of education for the 21st century The conclusion it gets has shed the sense that the new is taken by the school as a possibility to maintain the link between education and technology. Keywords: mobile technology, teaching, education

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Introdução Inicialmente, gostaríamos de colocar alguns aspectos tomados como ponto de partida para o entendimento no qual nos propomos relativos ao artigo em questão, e justificá-los numa visão educacional, e também, em um aspecto geral do desenvolvimento de uma sociedade no qual estamos inseridos. A importância da compreensão desta questão reside no fato de estarmos envolvidos globalmente e socialmente com as tecnologias. Sendo a escola parte da estrutura social, onde o sujeito desenvolve suas competências para viver em sociedade, preocupa-nos entender nesse espaço de informação e formação as relações e correlações da educação com as tecnologias. As relações e correlações entre educação e tecnologias assumem uma especial importância, quando consideramos o papel da escola como instituição preparatória e formadora de indivíduos, que irão lidar com as funções desenvolvidas por eles e exigidas pela sociedade na atualidade e no fazer de suas experiências sociais e profissionais. A relação educação e tecnologia, em se tratando de esclarecer tecnologias, pois há uma amplidão nesse tema que adentrou os muros do espaço educacional, como quadro negro, giz, televisão, rádio, aparelho de som, DVD, computador, desktop, laptop, Datashow e celular nos exige tomar um ponto possível de trabalharmos em uma perspectiva tecnológica mais disseminada e não menos importante, sendo assim optamos a dissertar sobre o uso da tecnologia móvel no espaço escolar. A escolha deste artigo, quanto ao uso das tecnologias móveis na escola, requer um entendimento da conjuntura escolar e social desenvolvida e aplicada em nosso contexto atual. Após analisarmos essa conjuntura é importante a observação das didáticas que podem ser aplicadas ao uso da tecnologia móvel, por entendermos que uma grande parte dos alunos hoje têm celulares, e sendo o celular um objeto de trato individual e diário do aluno e do professor.

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Temos como preocupação uma discussão considerando, obviamente, estudos já desenvolvidos que venham colaborar com o entendimento do objeto proposto. Porquanto, defendemos que o conhecimento até então colocado já está numa direção que nos permite algumas reflexões em torno da temática. Assim, pretendemos com esse artigo ampliar a discussão, que se faz necessária na atualidade, visto que, a tecnologia móvel está incorporada ao dia a dia de grande parte dos jovens, mas não consegue permeabilidade na escola. Segundo as últimas pesquisas da UNESCO (2014) 3,2 bilhões de pessoas são assinantes de telefonia celular em todo mundo. Sendo que 2 em cada 5 pessoas nos países em desenvolvimento tem telefone celular e até 2017 a metade da população terá uma assinatura ativa de telefonia celular. (GSMA, 2012). Por isso, falaremos a seguir de nosso contexto educacional e sua disponibilidade ao uso da tecnologia móvel. 1 Contexto Educacional Tomamos como ponto de partida estudos desenvolvidos por Maria Cândida Moraes em que a autora explicita a respeito do paradigma educacional emergente (2010). Em consonância com a autora acreditamos na teia de interações e relações existentes entre os fenômenos educacionais e as teorias cientificas desenvolvida ao longo das épocas e que marcaram o modo de ver o mundo, de ensinar e de aprender. As correntes do pensamento da cultura ocidental dentre elas o Renascimento, o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Revolução Cientifica, que influenciaram a era moderna a partir do século XVI, marcaram a visão de um mundo racional, logico e fragmentado que negavam a possibilidade da surpresa e da incerteza. Essa visão defendida por Francis Bacon deu origem a um método de investigação cientifico descrito com precisão matemática. Apesar de Bacon ter desenvolvido a teoria da experimentação foi Hume (1711-1776), quem transformou o empirismo, vindo da teoria da experimentação, em cosmovisão. Seguindo esse raciocínio Descartes (1596-1650), formulou seu método analítico que propunha a decomposição do pensamento, separando a mente do corpo

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e deixando para sempre sua impressão marcada na cultura ocidental moderna quando afirmou “Cogitum ergo sum”, penso logo existo. Isaac Newton (1642-1727), fortalecendo o pensamento descarteano, com a concepção mecanicista da natureza, fazia crer que o universo era um grande sistema mecânico, que funcionava sempre da mesma forma seguindo leis matematicamente imutáveis. Para Boaventura dos Santos (1988), a racionalidade cientifica da era moderna passa a ser um paradigma à medida que se expande para todas as áreas de conhecimento interferindo do estudo da natureza ao estudo da sociedade. Embora, hoje, questionemos o paradigma racionalista moderno sabemos que o mesmo provocou e permitiu o rápido desenvolvimento cientifico-tecnológico no qual estamos inseridos e usufruímos, mas em termos da educação, quando examinados o sistema

educacional

a

luz

desse

paradigma,

percebemos

que



uma

supervalorização de algumas disciplinas em detrimento de outras, a exacerbação da especialização reduzindo o todo ao entendimento das partes, deixando de compreender o holo (todo) e o homo (raça humana) reduzindo, fragmentando e desvinculando valores, sentimentos e visão alienando e homogeneizando o homem. Essa tendência pedagógica tecnicista de perceber a educação traduzida pela filosofia positivista de Augusto Comte e pela psicologia behaviorista busca a racionalização e a produtividade submissa deixando de lado o papel provocador da educação, para que a ordem seja mantida e controlada. Apesar da escola ter e se utilizar das tecnologias, que tem quebrado diversas fronteiras como tempo e espaço, utiliza as de forma mecanicista envolvendo a repetição e memorização do aluno, mantendo o ainda sob custodia, estreitando o universo de pesquisa e informação. O racionalismo, como diz Nietsche (1978), chega ao seu limite. A partir do século XIX a visão mecanicista decorrente do paradigma cartesianonewtoniano começa a perder sua força decorrente a descobertas que rompem com a ideia de mundo-maquina. Esse momento é assim descrito por Nietzsche (1978, p. 18):

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Enquanto a desgraça cochila no seio da cultura teórica, começa pouco a pouco amedrontar o homem moderno e ele intranquilo, procura no tesouro de suas experiências, meios para afastar o perigo, sem ele mesmo acreditar muito nesses meios; enquanto, pois, ele começa a pressentir suas próprias consequências, naturezas superiores, dotadas para o universo, souberam com inacreditável lucidez, utilizar o arsenal da própria ciência para demonstrar os limites e a condicionalidade do conhecer em geral e com isso negar decisivamente a pretensão da ciência á validez universal e a fins universais: demonstração esta que, em que pela primeira vez foi reconhecida como ilusória aquela representação que, levada pela mão da causalidade, tem a pretensão de sondar a essência mais intima das coisas.

Lamarck em seus estudos e depois Darwin lançam a teoria da evolução, descrevendo o universo como um sistema de evolução e mudanças imprevisíveis. A Origem das espécies, escrita em 1859 trouxe para a ciência um novo pensamento e cria um novo paradigma. Associado a essa teoria evolucionista, de acordo com Heisenberg (1987) Planck introduz o conceito de quantum e lança a teoria quântica dos corpos e a mecânica quântica levantando uma série de questões que confrontaram com aspectos filosóficos da física clássica, com o método das ciências naturais exatas e com a natureza da matéria que pareciam estar até então resolvidos. Verificou se que a natureza epistemológica também tinha sido abalada, pois era possível observar a natureza e a experiência sensorial sem a participação do observador. Em 1905, Einstein revoluciona o pensamento moderno com sua teoria da relatividade demonstrando, como diz Santos (1988, p54), que a simultaneidade dos acontecimentos distantes não pode ser verificada, pode somente ser definida. Ela é, portanto, arbitraria. Isso fez com que os conceitos de tempo e espaço newtonianos e tudo o mais que sustentava o paradigma racionalista moderno fossem por terra. Muitos estudos, a partir dessa descoberta, foram desenvolvidos nas três primeiras décadas deste século, cientistas de todo o mundo se juntaram para entender o momento pelo qual a ciência e o mundo do conhecimento estavam passando. Foi nos experimentos de Rutherford em que bombardeou os átomos com as partículas alfa, ficou demonstrado que os átomos em vez de sólidos e indestrutíveis, possuíam um espaço no qual se moviam partículas extremamente pequenas. Com 5

isso a teoria quântica reconhece que tudo pode ser tanto partícula quanto campo ondulatório. Como partícula ocupa lugar no espaço e tem massa, como onda não pode ser localizada e não tem massa. A nova noção onda-partícula e suas conexões passou a ressignificar a compreensão dos fenômenos da natureza que não podiam ser mais demonstrados como fatores isolados. Também, nos trabalhos de Heisenberg descobriu-se que os comportamentos das partículas atômicas são imprevisíveis e que isso não é decorrente de erro de medição, mas de um princípio que ele chamou de Princípio da Incerteza. Outro aspecto que colaborou com a crise do paradigma racionalista foi o avanço da biologia e da química nos últimos 30 anos. Prigogine, prêmio Nobel de química em 1977 sobre as estruturas dissipativas e os sistemas abertos que funcionam por flutuação de energia que em determinados momentos desencadeiam espontaneamente reações. Essas reações dissipam energia num processo de irreversibilidade segundo uma lógica de auto-organização numa situação de nãoequilíbrio, podendo surgir o caos, dando origem a trajetórias divergentes num comportamento caótico. “A transição para a instabilidade estaria, portanto, associada ao colapso da função onda”. (Prigogine, 1996, p.42) Com base nas novas teorias da Física Quântica, da Relatividade, da Incerteza e do Caos, novos entendimentos estão sendo verificados em todas as áreas de conhecimento. O afrouxamento do paradigma racionalista e o surgimento de uma nova visão paradigmática que de certa forma observa que as afirmações são sempre limitadas e aproximadas, pois lida com uma rede de relações e teorias transitórias e que não há verdade absoluta, muda a maneira e os procedimentos da Educação. Isso faz com que como diz Maria Cândida Moraes,

buscamos um novo paradigma para a educação, uma nova maneira de pensar a questão educacional, tendo como referência uma visão de totalidade, uma nova ordem global para a própria mente humana.(...) buscamos um paradigma educacional capaz de nos levar a uma questão central, epistemológica, sistêmica e, portanto, mais ampla, que envolve o processo de conhecimento, sua organização e seu funcionamento de uma nova visão de mundo, capaz de colaborar para um novo reposicionamento do homem e da mulher neste mundo.(...) tanto a teoria da relatividade quanto a teoria quântica implicam em olhar para o mundo como um todo indiviso, (...)

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do reconhecimento da interconexão existente entre os objetos e os fenômenos da natureza,(...) numa totalidade intacta em movimento fluente, (...) reconhecendo, portanto, a multidimensionalidade do mundo fenomenal. (MORAES, 2010, p. 73,74,75)

A busca de um novo referencial para educação e de novos ambientes de aprendizagem, que pudessem, de certa forma, incorporar avanços científicos e a participação do sujeito holístico na construção do conhecimento, em que os atores da educação professor e aluno, o mundo ao redor e as tecnologias se envolvessem sem fragmentações em sistema aberto tem sido foco de preocupação de vários cientistas. Assim, evidenciamos Pappert (1986) que compreende o aprendiz como um ser contextualizado; Levy (1999) que percebe a comunicação tem que ter uma nova linguagem que emerge da relação convergente entre a sociedade, a cultura e as tecnologias; Perrenoud (2002) que avalia os desafios e as competências para o ensinar no século XXI, Charlot (2005)a relação com o saber, formação de professores e a globalização de um ponto de vista reformulado e reproblematizado; e Coll (2010) que cuida de olhar os processos psicológicos envolvidos na aprendizagem virtual. Para dar corpo a esse novo pensamento educacional, falaremos um pouco mais detalhado dos autores acima citados que contribuem para uma visão educacional de sistema aberto.

1.2 Educação em sistema aberto A referência desse termo “Sistema aberto de educação” vem de esclarecimentos da autora de “O paradigma educacional emergente”, que em seu livro explica, Para Moraes (2010, p. 99)

Um sistema aberto significa que tudo está em movimento, é algo que não tem fim, em que início e fim não são predeterminados. Cada final significa um novo começo, um recomeço, e cada início pressupõe a existência de um final anterior, o que faz com que o crescimento ocorra em espiral. Um sistema aberto exige um movimento continuo e cada ação completa é insumo para um novo começo.

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Tomamos esse termo como base para evidenciar uma ruptura com o sistema de educação tradicional, acreditamos que na vanguarda do pensamento emergente para a educação tenhamos que superar modelos e pensamentos que, de certa forma, ancoram a educação. Visto que, as preocupações na esfera educacional atingiram seu ápice quando o sistema educativo moderno encontrou barreiras intransponíveis examinadas pelo espectro positivista. O colapso e as barreiras se intensificaram quando a tecnologia tomou conta das novas gerações que entraram no ambiente escolar com seus celulares, laptops, iphones e ipads. As últimas pesquisas sobre o uso de celulares no Brasil informam que a maioria da população tem celular e faz uso do mesmo. Basta caminhar alguns minutos pelas vias públicas para verificar o resultado desta pesquisa, os transeuntes, na sua maioria, caminham e falam ao telefone celular, nos restaurantes, nos aeroportos, no trabalho (quando permitido), nas escolas (quando permitido) observamos as pessoas se comunicando através do celular. Por ter um custo acessível à todas as classes sociais seu uso se democratizou estando presente em todos os lugares. Essa mobilidade ganha forca quando o celular se liga as redes de internet e aos acessos wifi

criando

possibilidade de

pesquisa e

de

conhecimento

interconectando o mundo, ligando pessoas, quebrando as barreiras do tempo e do espaço, criando uma nova cultura. A Cibercultura é definida por Levy (1999) como um movimento que oferece novas formas de comunicação. Essa comunicação tem uma nova linguagem que emerge da relação entre a sociedade, a cultura e as tecnologias, que surgiram com a convergência das telecomunicações e da informática a partir da década de 70. Essa relação sociotécnica, explica Castells (2002), “não determina a sociedade: incorpora-a. Mas a sociedade também não determina a inovação tecnológica: utilizaa”. Sendo assim, podemos perceber que as tecnologias em si não trazem nenhum tipo de consequência, sendo que são instrumentos utilizados pelo homem, e não entidades autônomas que podem exercer algum tipo de influência sobre a sociedade e a cultura. 8

A cibercultura se caracteriza pelo uso das tecnologias digitais, que hoje se inserem em todos os sistemas, não apenas na utilização dos computadores. Ela está presente no uso dos celulares, cartões magnéticos, códigos de barras, Iphones, smartphones, tablets, jogos eletrônicos, processos automatizados como o uso do sistema bancários, do sistema de imposto de renda, do sistema de votação e muitos outros que estão incorporados no nosso dia a dia. Apropriamos da cibercultura para viver de forma colaborativa e integrada, propiciando a cooperação entre os seres e ambientes, permitindo uma nova configuração de sociedade, em que a informação tem rapidez e eficiência. Segundo Vieira (2005), “as fronteiras erigidas pela localização geográfica são ultrapassadas e, com elas, as limitações impostas pelo tempo. ”. Com as barreiras e fronteiras ultrapassadas surge a necessidade de pensarmos a educação de outra maneira, rever conceitos e elaborar pensamentos que possam nos adequar a nova situação. Pappert (1986), ajuda nessa reflexão ao criar a ideia, dentro do ambiente logo, de micromundos, ressalta a reconstrução do conhecimento pelo aprendiz acompanhado de uma intervenção educativa que crie condições de introduzir elementos construtivos que tenham sentido para o indivíduo, em que as disciplinas possam ser integradas sem fragmentações, permitindo uma aprendizagem sem currículo ou de um currículo em ação, permitindo uma construção de conhecimentos colaborativos em rede. Os conhecimentos construídos a partir de uma rede de colaboração implicam na existência de um sistema aberto de educação, em que tudo está em constante movimento O sistema aberto de educação, a aprendizagem sem currículo e a cibercultura evidenciam a relação com o saber (Chevallard, 1989; Charlot, 2005), que segundo os autores não se trata de um simples aumento no vocabulário, mas de reformular os termos primitivos como aprender e saber. Vale frisar, especialmente, que o conceito de relação com o saber não abre um novo setor a ser explorado, não inaugura uma nova especialidade no campo da 9

didática, a qual pudesse responder a uma literatura especializada. Ele permite reformular e reproblematizar inúmeras questões já trabalhadas (ou no caso de algumas, não trabalhadas, por serem vistas até então como transparentes) e suscita, além disso, questões até agora inéditas, uma vez que não eram formuláveis na conceptualização antiga. (CHEVALLARD, 1989 apud CHARLOT, 2005). Para estes autores a problemática e o conjunto de questões do saber remetem a uma concepção de sujeito, que deverá ser o horizonte de qualquer pesquisa relacionada ao saber, visto que o sujeito interpreta o mundo, dá sentido ao mundo, aos outros e a si mesmo. Esse ser antropológico aprende, pois ninguém pode fazê-lo em seu lugar, mas é mediado pelo outro e está em constante atividade. Seguindo esse raciocino Bernard Charlot esclarece que, A relação com o saber é a relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender. A relação com o saber é o conjunto das relações que o sujeito estabelece com um objeto, um conteúdo de pensamento, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc., relacionados de alguma forma ao aprender e ao saber – consequentemente, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com a atividade no mundo e sobre o mundo, relação com os outros e consigo mesmo, como mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação. (CHARLOT, 2000) Segundo Charlot (2010), a relação com o saber dentro da escola está interligada com a relação do saber fora da escola. A representação social do saber na escola e do saber fora da escola passam por estágios, desenvolvimentos e rupturas que possa construir competências cognitivas, mas para que o sujeito se mobilize em uma situação de aprendizagem é preciso que ela corresponda a algum desejo, produzindo prazer. Para que a aprendizagem tenha sentido para o aluno, é preciso que ele tenha “desejo de saber e o desejo de aprender”. Entendemos com isso que a escola deva ter sintonia com a vida, para que o processo de aprendizagem flua de maneira natural. E o mundo no qual vivemos incluem as tecnologias, o fenômeno da internet e seu impacto na vida das pessoas. 10

Como diz Castells (2001), a internet não é apenas uma ferramenta de comunicação e de busca, processamento e de transmissão é além disso um novo complexo global para o aprendizado e para a ação educativa. Unesco (2005) apresenta uma perspectiva fundamental para as sociedades do século XXI reconhecendo que a ajuda mutua e a gestão de novos modelos de desenvolvimento cooperativo está centrada no aproveitamento coletivo do conhecimento. Com o mundo interconectado surgem as comunidades virtuais sociais e de aprendizagem, os indivíduos se tornam membros dessas comunidades e se agrupam por interesses, por semelhança e por desejo. Para Coll e Monereo (2010, p. 271), nem toda comunidade é uma comunidade de pratica ou uma comunidade de aprendizagem. Comunidade já tem em si um conjunto de conceitos que caracterizam uma semelhança comum entre os membros, seja ela geográfica, religiosa, idade, status e papeis. A comunidade de pratica “distingue-se como lugar de compromisso com a ação. (...) O compromisso traduz na preeminência dada à aprendizagem. ” Para este autor a comunidade de prática, quando associada a projetos educacionais, permite aproximar a vida cotidiana e escolar em três dimensões – interna da escola ou sala de aula, que permite criar experiências comuns de aprendizagem; relação escola ambiente - permitindo vincular experiência extra escola; relação com as necessidades de aprendizagem – fora dos períodos escolares. Para que as comunidades de pratica ou de aprendizagem se desenvolvam no bojo das práticas escolares alguns fatores necessitam ser favoráveis, como por exemplo o uso permitido das tecnologias móveis dentro de sala de aula, a participação e o envolvimento de alunos e professor e o objeto de aprendizagem. Para isso novos valores, políticas de uso e referenciais deverão participar do contexto educacional. A UNESCO (2014), lança Diretrizes de políticas para a aprendizagem móvel, que foram redigidas por Mark West e Steven Voslco, bem como especialistas de todo mundo, membros do comitê de assessoria que contribuíram para a produção dessas diretrizes, que tem a seguinte direção: 11

O presente conjunto de diretrizes da UNESCO visa auxiliar os formadores de políticas a entender melhor o que é aprendizagem móvel e como seus benefícios, tão particulares, podem ser usados como alavanca para fazer avançar o progresso em direção à Educação para Todos.

Essas diretrizes definem aprendizagem móvel como sendo o uso de tecnologias moveis, isoladamente ou em combinação com outras tecnologias de informação e comunicação a fim de permitir a aprendizagem a qualquer hora em qualquer lugar. Também define tecnologias moveis como onipresente e muito ampla, reconhecendo simplesmente que são digitais, facilmente portáteis, de propriedade e controle de um indivíduo e não de uma instituição, com capacidade de acesso à internet e aspectos multimídia, e que podem facilitar um grande número de tarefas, principalmente aquelas relacionadas a comunicação. UNESCO (2014) reconhece os benefícios da aprendizagem móvel e elucida que,

Embora a tecnologia móvel não seja e nunca venha ser uma panaceia educacional, ela é uma ferramenta poderosa e frequentemente esquecida entre outras ferramentas – que pode dar apoio a educação de formas impossíveis anteriormente.

Quando se fala em tecnologia móvel e seu uso em sala de aula percebemos uma nova configuração de Educação. Como será a posição do professor? Se difere da tradicional? Terá o professor que aprender novas metodologias e didáticas para utilizar se do celular em sala de aula? O papel do professor será o mesmo? E sua função? Perde status o professor? Ele poderá ser substituído pela tecnologia? 1.3 Transposição didática para sistema aberto A instituição escolar e os agentes educacionais, também o professor, cumprem o papel primordial de transmissão da cultura e do saber estabelecido. Mas, não podemos negar que entre o saber estabelecido e o saber ensinado na sala de aula, existem diferenças que passam a ser significativas. Uma possibilidade para 12

compreender este processo é entender o conceito de transposição didática utilizado inicialmente por Chevalard e Joshua (1982) na didática francesa. O termo saber (savoir) utilizado por Chevalard indica que o objeto está sujeito a transformações. Sendo assim a análise que se faz do processo de transformação do saber evidencia a transposição didática neste processo que reconhece três estatutos para o saber: (a) o saber sábio (savoir savant) produto do processo de construção do homem, desenvolvido por cientistas, aceito pela comunidade intelectual que deve ser apresentado

como

objeto

limpo

de

detalhes

em

linguagem

impessoal,

descontextualizado e despersonificado; (b) saber a ensinar (savoir à enseigner) produto organizado e decomposto em grau de dificuldade, que degrada o saber sábio. Faz-se por meio dos livros-textos e manuais de ensino, que são conteúdos prontos, acabados, ordenados e linearizado. Este saber se baseia no saber sábio, mas é totalmente diferente. Ele é tomado pelo professor como objeto de trabalho, que através de uma nova transposição didática transforma-o em saber ensinado; e (c) saber ensinado (savoir enseigné) produto extremamente instável, sofre influência de todo ambiente escolar (alunos, pais, agentes educacionais e meio social) que pressiona o professor interferindo em suas atitudes desde o preparo de sua aula até o ato de lecionar. Esses saberes são influenciadores e coexistentes, é através da transposição didática que o saber sábio é transformado em saber a ensinar, e o saber a ensinar em saber ensinado. Nesta transposição didática as pressões ocorrem no próprio ambiente escolar, e se tornam mais fortes ou mais atenuadas devido à proximidade das fontes de pressão, mas estas por sua vez, introduzem outros elementos que servirão de referências para esta transposição. A distância entre o saber sábio e o saber ensinado pode ser minimizado ou maximizada por algum elemento? Seria a tecnologia móvel um elemento que reduz ou amplia a distância entre o saber sábio e o saber ensinado?

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Para Lévy (2003), a inteligência é constituída de forma coletiva pois se encontra distribuída entre os indivíduos de um mesmo grupo de uma sociedade, por isso é dinâmica e democrática pois não se encontra restringida a grupos privilegiados. A mediação da informação e do conhecimento se faz eficaz através das tecnologias da informação e comunicação, onde ocorrem a distribuição e a divulgação dos saberes. Entendemos por ciberespaço, um ambiente no qual não é apenas composto por tecnologias e instrumentos de infraestrutura, mas também é jazido pelos indivíduos que possuem todos os tipos de saberes. (LÉVY, 2000). A mobilidade encontrada no ciberespaço faz com que os indivíduos, que dividem esse espaço, mantenham-se interligados independentemente da localização geográfica em que se encontra no momento de sua inserção nesse ambiente, isso permite uma flexibilidade jamais vista em outras épocas, possibilitando que o saber esteja a um toque dos dedos. O ciberespaço desconstrói a noção de territorialidade do saber, permitido que a inteligência coletiva flua em direção a todos os que dela precisam, dependem e querem. Quanto à mobilização efetiva das competências, Lévy (2003) mostra que é identificando as competências dos sujeitos e compreendendo-as em suas multiplicidades, que acontecerá o seu reconhecimento e a troca que dinamizará a interconexão do conhecimento. Mas o projeto da inteligência coletiva, cunhado por Lévy, não está ligado somente à cognição, mas é um projeto global que pressupõe ações práticas que se destinem à mobilização das competências dos indivíduos, e que busquem, de fato, a base e o objetivo da inteligência coletiva, que é o reconhecimento e o enriquecimento mútuo daqueles que se envolvem nessa proposta. (LÉVY, 2003). As publicações de Lévy reflexões essas acerca da inteligência coletiva, foram apresentadas em um momento cujo mundo desvinculava-se de uma duradoura divisão ideológica, entre socialistas ou capitalistas. Rompida essa segregação, a partir

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de 1989, com o final da guerra fria, os indivíduos se viram com dificuldades para construir ou reconstruir suas identidades, por essa questão Lévy (2003) ressaltava a importância de existirem outras possibilidades de inserção dos indivíduos em comunidades que não sejam caracterizadas por ideologias políticas, étnicas, nacionais ou religiosas. O caminho apontado por Lévy (2003) é a construção do laço social baseado no saber. Esse saber deveria ser o mote do encontro dos indivíduos, tirando foco anterior que incidia na política, na religião, na etnia e na nacionalidade, passando a criar identidades relacionadas e conectadas ao saber coextensivo à vida, sendo assim relacionado aos conceitos savoir-vivre ou vivre-savoir, que quer dizer saber viver e viver saber. (LÉVY,2003, p. 32, 33). Lévy (2003), elege como Espaço do saber o espaço virtual da inteligência coletiva que visa a tornar o saber a base principal para a infraestrutura das relações humanas baseadas na valorização do sujeito e de suas habilidades. Esse Espaço do saber encontra-se em construção, pois, ainda não se efetiva em sua plenitude, como proposto por Lévy (2003), requer mudanças nas esferas política, social e, principalmente educacional. A ruptura de um modelo positivista de ensino para a transposição didática só poderá acontecer num sistema aberto de educação. Resta-nos perguntar se estaremos preparados para lidar com esse caminho novo. Todo caminho novo causa estarrecimento, impacto e uma dose de coragem. Estamos vivendo um momento na educação parecido com a atitude de guerra (Hobbes, 1988, p. 77), em que as ações se mostram em constante irritabilidade, impondo ao agressor uma guarda de suas fronteiras. Os indivíduos, alunos, pais, professores e escolas marcham sem saber como lidar com esse momento. A tecnologia vira vilão causadora de todo mal, causadora de toda falta de limite que pais, professores e escola tanto tentam impor ao aluno. Observamos estarrecidos quando percebemos que alguns estados brasileiros estão radicalizando e constituindo legislações para manter o controle dos alunos no uso do celular em sala de aula. 15

Foi publicada, no final de junho no final de junho, a Lei nº 18.118/2014 que proíbe a utilização de qualquer equipamento eletrônico dentro de salas de aula de todo o Paraná. Segundo o texto original do Projeto de Lei nº 440/2013, de autoria do deputado Gilberto Ribeiro (PSB), os jovens do ensino fundamental e médio não possuem ainda capacidade para controlar o uso destes aparelhos, o que causa desvio de atenção no horário de aula, além do acesso a conteúdo inapropriados. Gilberto Ribeiro afirma que o projeto é fruto de conversas com pais e professores. (CAOPCAE, 2014)

Percebemos o impacto gerado pela atitude de guerra na ação de alunos e professores que se enfrentam fisicamente para defender seus territórios, assim como nesta noticia,

Foi notícia, recentemente, o caso de violência praticada por um aluno contra uma professora, uma vez que a mesma o repreendeu pelo uso de aparelho celular, durante a aula. A professora foi agredida com chutes e agressões na cabeça, por semelhante conduta profissional. (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011)

A sociedade necessita de uma dose de coragem para dar um novo passo com relação a futura escola. Aos professores resta o desenvolvimento de seu papel como vetores de conhecimento, atuando como agentes de soluções locais para os problemas enfrentados pelo novo momento em que tecnologia e Educação desfazem suas fronteiras. Confirmando que “O grupo de profissionais da escola pode criar, reinventar a instituição, os objetivos e as metas mais compatíveis com os interesses dela e da comunidade “ (LIBÂNEO, 2005, p. 360.) Será somente no exercício do bom senso que as perguntas trazidas por esse artigo serão esclarecidas.

Conclusão A intensão desse artigo foi, a partir de um estudo bibliográfico, organizar no tempo e no espaço as condições que nos trouxeram nos dias atuais a situação da Educação.

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Foi, também, de apresentar didáticas e mecanismos educacionais que possam colaborar para que possamos olhar o momento social, cientifico e educacional por um outro ângulo. A conclusão, que temos diante dessas duas investidas, em que olhamos o contexto atual de educação e as propostas, de certa forma “novas” de diversos autores que colaboraram na exposição desse artigo, se dá no, sempre, bom senso, que todos nos, sociedade, educação e ciência devemos ter uns para com os outros. A escola é uma instituição fechada, que apesar de ser apontada como formadora, precisa se perguntar: Formadora de quem? Formadora para que? E, como formar esses indivíduos? Não me parece sensato fechar os olhos aos avanços tecnológicos que se fazem presentes no dia a dia dos alunos, por mêdo ou insegurança da não habilidade com esses recursos ou por não ter o controle “full time” de todo o comportamento do aluno em sala de aula. Apenas mostramos aos alunos, com essas atitudes de fechamento, que não somos capazes de acompanhar os desenvolvimentos naturais da vida. Se não somos capazes de acompanhar esses desenvolvimentos naturais da vida, como iremos ajudá-los a se formarem para uma vida profissional, pessoal e acadêmica? Aprender a aprender se torna urgente para os professores, deixar seus lugares de poder do “conhecimento” para dar um passo em direção ao outro, o aluno, demonstrando empatia e preparo, será na verdade a grande prova de saber de todos nós.

Referências BOUCHERVILLE, G.C.. Dissertação “Educação que Brota do chão” PPGE-UFJF, 2008. http://www.ufjf.br/ppge/files/2010/07/Disserta%C3%A7%C3%A3ogisele.pdf CASTELLS, M. A sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra. 2002, v.1 CAOPCAE – Ministério Público do ParanáPRhttp://www.crianca.mppr.mp.br/modules/noticias/article.php?storyid=862 (acesso março 2015) 17

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