TRANSRESENHA DO ROMANCISTA KRISHNAMURTI GÓES DOS ANJOS SOBRE O LIVRO “ANTIGO REGIME NO BRASIL, 1643-1713”

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Antigo Regime no Brasil: Soberania, Justiça, Defesa, Graça e Fisco (1643-1713). Um diálogo com a obra de Alexander M. Vianna

Por: Krishnamurti Góes dos Anjos (i)

O

livro Antigo Regime no Brasil: Soberania, Justiça, Defesa, Graça e Fisco (1643-

1713) de Alexander Martins Vianna - Editora Prismas – Curitiba, 2015, 278pg. – é obra destinada a entrar para o rol de obras seminais sobre o período que

convencionamos chamar de Antigo Regime. Justifico tal assertiva valendo-me de três aspectos: Primeiro, o ponto de partida do pensamento interpretativo do autor buscou despojar-se de certos conceitos e pré-conceitos estabelecidos pela própria historiografia. O professor Arno Wehling, que assina o prefácio do livro, esclarece bem essa questão: “Se todo o conhecimento histórico implica sempre em releituras, poucos temas se prestam a uma revisão tão fortemente relativizada como o Antigo Regime”, porque, continua o professor Wheling, “pré-conceituações iluministas, jusracionalistas, cientificistas, liberais e marxistas foram sendo sedimentadas ao longo de mais de dois séculos. Algumas foram fruto de pesquisa histórica, sociológica ou jurídica; outras foram resultado do engajamento ideológico durante e após a Revolução Francesa, mas todas, ou quase todas, foram moldadas por valorações que simplesmente julgavam o seu objeto. Essas atitudes geraram imprecisões conceituais sobre Antigo Regime 1

(como considerar um recorte que corresponde a algo entre o ano mil e a Revolução Francesa?)” . “Além de delimitar criteriosamente as correntes historiográficas (do passado recente) e seus temas de eleição, o autor relê, ou lê pela primeira vez, com novo olhar, fontes até a pouco tempo ignoradas e menosprezadas pelos historiadores. Fontes que pareciam simplesmente discursos formais descolados da realidade social, ou questões menores de prestígio e preeminência sem maior significado histórico”. Dai decorre o segundo aspecto de nossa assertiva inicial. Investigando o acervo impresso e manuscrito (cópias) do Conselho Ultramarino existentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, para os anos de 1643 à 1713, o autor tenta compreender como se manifestou a lógica institucional-social do Antigo Regime (a face brasileira) em ideias

e práticas políticas e

administrativas. Práticas firmemente ancoradas em “dispositivos estamentais- patrimoniais que não só propiciavam o estabelecimento de uma dinâmica própria de vínculos entre poderes locais e centrais, mas também traziam consigo contrapartidas e riscos específicos para a manutenção do pacto de submissão”.ii O Conselho Ultramarino foi um órgão da Administração criado em 1642 em Lisboa, e regulamentado pelo Regimento de 14 de julho de 1643. Por ser uma instância consultiva e deliberativa (compunha-se de um presidente de alta nobreza – conde ou acima disso -, dois conselheiros de capa e espada – nobres de espada – e um conselheiro letrado – nobre de ofício), que abrangia especificamente os assuntos extra reinóis (i.e., relacionados aos domínios americanos, africanos e asiáticos da Coroa Portuguesa pós Restauração. O Conselho Ultramarino

corporificava, por excelência, um poder intermediário central – e, portanto

congregava um discurso e ritual de poder específicos como extensão do corpo do rei. Ou por outra: O Conselho era na prática “o ouvido e a boca do rei”. Por meio dele, o poder soberano falava a uma parcela específica de seus súditos, e também ouvia as murmurações dessa parcela específica. Na documentação estudada e analisada por Alexander Vianna, os ritos recursais do Conselho Ultramarino constituem um “grande manancial para estudos interessados em focalizar as situações de convergência de comunicação entre poderes locais e centrais. Nesses ritos recursais, na forma de discurso indireto, os conteúdos de cartas, memórias, relações e contas dadas dos poderes locais, são citados durante cada sessão na forma de resumo que instrui a natureza da consulta, para que os desembargadores possam em suas rotinas, estabelecer ordem de prioridade e, por fim, interpor parecer justificado para o rei”.iii Importa salientar que o autor caracteriza o Estado no Antigo Regime, como um Estado de equilíbrio. Um meio termo entre Estado Capitalista e Estado Feudal, ou seja, uma relação de força entre “nobrezas e burguesias (i.e., súditos ou cidadãos abastados e letrados, mas juridicamente localizados no estamento ‘povo’) ao final da Idade Média, cujos interesses e 2

funções sociais tornaram-se mais complexos, interdependentes, sobrepostos e concorrentes à medida que foram adquirindo relevâncias econômicas e/ou estratégicas equivalentes (mesmo ocupando posições estamentais desiguais, embora não mais fixas) por conta da expansão comercial e de sua maior exigência de conectibilidade territorial, o que fez com que os seus interesses entrassem em disputa pela consolidação de poderes soberanos arbitrais com funções, dispositivos e prerrogativas estáveis de regulação, mediação ou coordenação da constelação dos privilégios corporatistas dos súditos preeminentes, nobres e não nobres, que perceberam a necessidade do uso estratégico da moldura jurídico-contratual do Estado para assegurar as suas prerrogativas sociais e interesses materiais. O que definia o ‘ponto de equilíbrio’ nesse modelo de formação de Estado era o fato de não haver uma solução conciliatória permanente ou conflito decisivo nas disputas entre nobrezas e burguesias por sua segurança político-jurídico”.iv Analisando este modelo jurisdicionalista de ação política como ele se afigurou no Estado português e consequentemente no Brasil é que o autor percebe sua “configuração estatal de vínculos sociais, jurídicos e políticos que segue uma dinâmica tradicional casuística jurisdicionalista”v. – aquela que delibera como um centro soberano de julgamento, acomodação, anulação ou reconfiguração das relações de reciprocidade hierárquica que conectam os corpos de privilégios que formam o Estado -, e que é formada por dispositivos de poder e legitimidade social, que são corporatistas, patrimonialistas e estamentais”.vi Para tanto, a seguir a lógica interpretativa do autor, “o poder soberano é, simultaneamente, servo da lei e senhor da justiça e da graça. Como servo da lei, o poder soberano protege, cumpre e dá sentido e movimento (i.e.,anima) às leis e costumes dos corpora deliberando conforme pessoa de direito, assunto, instância e circunstância”.vii Todavia, nem sempre foi possível à Coroa os ‘julgamentos imparciais’ as acomodações, as reconfigurações das relações de reciprocidade hierárquica que conectavam os corpos de privilégios, conforme veremos a seguir. Antes, porém, vamos à uma consideração de caráter temporal para melhor compreendermos a questão específica que é justamente o terceiro e último aspecto de nossa assertiva inicial. Como evoluiu para além de 1713 (data limite do recorte do livro de Alexander), a estrutura administrativa e sua lógica institucional-social no Antigo Regime da Coroa portuguesa no Brasil. O corte cronológico do texto abarca o período que vai de 1643 à 1713, quando então o eixo econômico e estratégico do comércio ultramarino da Coroa definitivamente se deslocou do Oriente para o Atlântico Sul, aumentando a sua dependência das rendas produzidas no Brasil. Avançando um pouco mais no tempo, o professor Vianna explica: “Na virada para o século XVIII, o Conselho Ultramarino já era um tribunal poderoso e respeitado por todos que dele 3

dependiam, recebendo redízimos de quase todos os contratos de arremate de impostos que recaíam sobre: as alfândegas e passagens de rios; a venda do charque de baleia e seus óleos; os subsídios dos vinhos, aguardentes, azeite, sal e couros; a venda dos escravos, especiarias e tabacos etc. Entre seus vários atributos e prerrogativas, ”o Conselho Ultramarino tornou-se uma importância recursal para as matérias do fisco régio nas conquistas. Por isso mesmo, os seus ritos recursais sobre matérias fiscais acabam sendo um grande manancial para estudos sobre concepções e práticas administrativas relacionadas à prerrogativa régia de temperar casuisticamente os efeitos distributivos e comutativos do fisco sobre as diferentes categorias e privilégios de súditos nas conquistas. Nos processos do Conselho Ultramarino, o poder soberano é solicitado como instância arbitral que deve equilibrar os efeitos patrimoniais das demandas do communis oeconomia locais e extra locais e, assim, evitar motivos para desuniões entre moradores, oficiais régios e demais corporações de privilégios existentes nas localidades”.viii A SITUAÇÃO DE PORTUGAL EM FINS DO SÉCULO XVIII O final do século XVIII nos apresenta um Portugal em franca decadência e em meio ao conflito entre a França e a Inglaterra que acirra-se. O reino português estava acuado entre a tradicional aliança com os ingleses, a imprevisível atitude do poderoso vizinho espanhol e, mais imprevisível ainda, o desenrolar da política exterior francesa que almejava a anexação de toda a Península Ibérica. No plano interno, uma situação também delicada. A rainha Dona Maria I perdera o marido, o rei D. Pedro III, e o filho, o príncipe herdeiro D. José. Desde 1792, a insanidade da soberana já era aparente, mas o novo herdeiro, D. João resistia a aceitar o cargo de príncipe regente. Essa virtual acefalia era paliada apenas por disposições interinamente emitidas pelo príncipe, e decisões do Desembargo do Paço, da Mesa de Consciência, do Conselho Ultramarino e de outros órgãos da alta administração – todas tomadas em nome da rainha louca. Resumo da ópera. Portugal cada vez mais dependente das rendas provenientes do ultramar, sobretudo do Brasil. É em meio a um cenários desses que vamos encontrar na documentação do Projeto Resgate Barão do Rio Branco1, alguns documentos referentes à uma polêmica que se estabeleceu em torno do Contrato dos Dízimos da Capitania da Bahia. Tais documentos são a mais cabal confirmação das conclusões a que chega o professor Alexander Martins e não só corroboram

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O Projeto Resgate Barão do Rio Branco foi criado institucionalmente em 1995, por meio de protocolo assinado entre as autoridades portuguesas e brasileiras no âmbito da Comissão Bilateral Luso-Brasileira de Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental. Tem como objetivo principal disponibilizar em microfilmes e digitalizados em CDs os documentos históricos relativos à história do Brasil, existentes em arquivos de outros países, sobretudo Portugal e outros países europeus com os quais tivemos uma história colonial imbricada.

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como provam que a lógica institucional-social do Antigo Regime com seus dispositivos estamentais-patrimoniais perdurou até fins do século XVIII. Senão vejamos um documento que a princípio não tem relação direta com o Contrato dos Dízimos da Capitania da Bahia, mas traz uma radiografia das relações financeiras entre a Coroa Portuguesa e os potentados locais:

Senhora, Os homens de Negócio da Praça da Bahia, e que cultivam o ramo do comércio da costa d´África, e resgate de escravos abaixo assinados; representam a V. Majestade com a maior humildade, respeito, submissão, a decadência deste comércio e da agricultura em geral desta capitania, com gravíssimos prejuízos dos seus vassalos e da Real fazenda de Vossa Majestade pelas ordens que obtiveram os atuais contratadores gerais do tabaco, e o negociante Bento José Pachecoix para haverem cinco mil rolos de tabaco refugados; os primeiros dois mil rolos e o outro três mil, esses a ser remetidos para Lisboa por suas contas e risco, sem atenção as antecedentes ordens de Vossa Majestade, nem ao bem geral deste Estado.

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Consiste Senhora, a felicidade destas colônias no aumento da sua agricultura, da qual a medida da quantidade de braços que nela se ocupam, foi sempre o seu resultado. Os braços dos escravos, pela falta de outros, são os que cultivam os imensos terrenos do Brasil; sem eles não haveria alguns dos artigos ou gêneros tão importantes, como o açúcar, tabaco, algodões, couros que se transportam para a mãe pátria e que aumentam e enriquecem o comércio nacional, e as rendas do erário de Vossa Majestade. Quaisquer objeções ao comércio da escravatura são ataques á população, ao comércio e às rendas de V. Majestade. É um deles a remessa para Lisboa dos sobreditos 5 mil rolos grandes de tabaco refugado, em um ano, em que a quantidade de tabaco aprovado excedeu em muito o que se gasta no Reino e Ilhas adjacentes. Destes 5 mil rolos grandes, se fazem vinte e cinco mil da grandeza e peso dos que se costumam navegar para a Costa da Mina, e de que resultam 2.500 escravos, cujos braços perde a agricultura da capitania. Perde a navegação desta praça, porquanto deixam de navegar seis embarcações das que andam no giro daquele comércio pela falta de tabaco refugado, único gênero da sua carga. Perde o comércio os fretes de 2.500 pequenos rolos a razão de 1$200 por cada um, e os fretes de 2.500 cativos a razão de 10$000 por cabeça. Perdem as Reais Rendas de V. Majestade nos direitos de 80$ (?) para a que paga todo tabaco que se transporta para a Costa da Mina; 2º os direitos de 2.500 escravos, que pagam na Alfândega a razão de 7$500 cada um. 3º os direitos de 9$r. por cabeça dos que destes escravos houvessem de ir para as minas; 4º, sendo empregados todos na agricultura, resulta de cada escravo pelo seu trabalho, segundo cálculos políticos, e econômicos, não menos de 16$r. a Real Fazenda de V. Majestade anualmente. Desacredita-se o gênero na Europa; porquanto devemos supor que os Contratadores atuais do tabaco não farão publicar para o uso do Reino o tabaco refugado, e de ruim qualidade, e por consequência se ele se navegar, ou remeter para países estrangeiros, e de necessidade (?) o seu descrédito: descrédito que pode causar um golpe mortal na agricultura do tabaco no Brasil. Se, porém ele se navegar, se deve vender em pequenos rolos como se faz na costa da Mina , a que em Portugal chamam Mangotes, aos navios estrangeiros que abordam a Lisboa e seguem viagem para a mesma Costa da Mina, onde com o mesmo nosso gênero, e que não só aí levamos, nos fazem o maior mal tanto na concorrência como no preço dos escravos que se aumentam às vezes a ponto que arruínam muitas das nossas negociaçõesx. Sendo isto também uma gravíssima perda à nossa agricultura em geral, já pela falta dos escravos comprados com o nosso gênero, e levados às colônias estrangeiras, ou pela carestia deles. As sábias e sempre providenciais leis de Vossa majestade tem prevenido todos esses gravíssimos prejuízos tanto dos vassalos, como das rendas da Coroa de V. Maj. Debaixo da sua sagrada proteção, e da sua execução é que os Negociantes da Bahia, sempre fiéis e leais vassalos de V. Maj.xi Tem feito os seus cálculos e especulações de comércio, não presumindo, que elas se alterassem o ano passado pelos atuais contratadores do tabaco, a cujo 6

beneficiamento já foram 3.000 rolos refugados apesar de uma safra de mais de 14. 000 aprovados que foram para Lisboa, não obstante as representações que toda esta praça fez ao governador desta capitania, representações que não só então não puderam evitar aquela remessa, como nem ainda este ano a nova praça que os mesmos contratadores obtiveram, e ainda a particulares, para a remessa dos referidos 5.000 rolos sem dúvida ocultando a V. Maj. os prejuízos expendidos; e sem mais lembrança do que os seus interesses particulares com dano dos vassalos e das Rendas de V. Maj. Na perplexidade Senhora em que atualmente se acham os suplicantes sem saberem o que devem fazer das embarcações que andam no giro da navegação da Costa da Mina, que deixaram de navegar o ano passado, e este ano pela falta de tabaco refugado, recorrem à alta proteção de V. Maj. De quem têm a honra de serem fiéis vassalos para que queira de sua vez pôr remédio não só dos males passados, como dos que presentemente se fazem contra a liberdade de se transportarem para Lisboa os tabacos refugados, único gênero de que se compões as carregações das embarcações que andam para a Costa da Mina a resgate dos escravos tão precisos, como necessários para a continuação e aumento da agricultura do Brasil, e sem o qual tabaco de modo algum ela pode florescer, de que se seguem imensos prejuízos da Real Fazenda de Vossa Majestade. Da soberana compreensão de V. Majestade, das suas luzes, e da sua magnânima beneficência, esperam os povos desta capitania que V. Maj. Mandando por em vigor, a execução das suas leis, e sábias providências que tem ordenado a respeito do gênero do tabaco, eles não sejam vexados e prejudicados pelos que sem outros mais que (?) seus particulares interesses não respeitam os danos do Estado. ERM

Mas voltemos para compreender melhor o funcionamento dos ‘Contratos’. O texto de Antigo Regime no Brasil, nos esclarece: “Em princípio, o erário régio nada mais é do que a configuração fiscal-financista da communis oeconomia, ou seja, a gestão dos bens comuns do corpo político na forma de arrecadação e uso de impostos para os fins do bonum comune, cuja organização ocorre por meio dos enlaces cooperativos de interesse entre as demandas locais e translocais de usos dos serviços e recursos decorrentes dos contratos régios de arrematantes de impostos. Portanto era de interesse da Coroa Portuguesa envolver os seus súditos preeminentes locais e forâneos nas redes de controle sobre a circulação de bens por meio de concessões de contratos de arremates de impostos e, dependendo da época e do lugar, dos contratos sobre estancos”.xii

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“Seguindo uma dinâmica casuística-jurisdicionalista-estamental, os contratos de estancos

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arremates de impostos são evidências fiscais-fazendárias do quanto a Coroa Portuguesa buscava criar vínculos patrimonialistas de comprometimento e reciprocidade entre os súditos preeminentes do corpo político, de modo que pudessem cooperar interessadamente na criação ou consolidação de enquadramentos jurisdicionais-fazendários nas conquistas que fossem efetivamente útil ao erário régio”.xiv Segue outro exemplo:

ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO 19 de Maio de 1799 Carta Régia da rainha [D.Maria I] ao governador e capitão geral da capitania da Bahia D.Fernando José de Portugal sobre o imposto da décima nas casas marítimas AHU Baia cx. 214, doc. 23 AHU_ACL_CU_005, Cx. 213, D. 15017 “Dom Fernando Jose de Portugal, Governador e Capitão General da Capitania da Bahia, do Meu Conselho: Eu a rainha vos envio muito saudar. Sendo bem constantes as graves despesas que a guerra atual tem necessitado, e os bem entendidos ainda que dispendiosos esforços, com que no meio destas gerais calamidades, tenho procurado segurar aos meus povos tranquilidade e prosperidade de que gozam os proprietários agricultores e negociantes de todos os meus domínios, o que são evidentes consequências dos cuidados maternais, enérgicos, e ativos com que tenho zelado a conservação dos seus direitos religiosos e civis, e tendo resoluto não me afastar jamais daqueles saudáveis princípios de toda a boa e iluminada Administração, que fazem recair igual, indistintamente todos os pesos e gravames, que o Serviço Real, e Publico exige sobre todas as classes da sociedade, e vindo além disso favorecido mui particularmente os meus vassalos residentes nos meus domínios ultramarinos com a abolição que vou Mandar executar de Contratos sobre o sal e Pescarias das Baleias, que tanto desejo ampliar, e sendo indispensável que de uma parte se repare a falta que semelhantes concessões fazem a minha Real Fazenda gravada com tão necessárias, e urgentes despesas, e da outra se aumentem as mesmas Rendas Publicas, para se fixarem inalteráveis consignações, para o religioso, e exato pagamento dos juros reais dos novos Empréstimos , que mandei abrir em diversas Capitanias do Brasil, e que já tem aplicado aos Armamentos, que tanto tem protegido o comércio, e de que os meus domínios ultramarinos tem colhido o melhor fruto, e para o pagamento anual das despesas militares, e marítimas, que exigem a segurança dessa Capitania, hei por bem ordenar em que

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convocando logo a Mesa da Inspeção e as Câmaras da Capitania, lhe façais conhecer estas mesmas necessárias urgências da Monarquia, e lhe ordeneis no meu real nome o seguinte: Que atendendo ao novo favor que lhes proponho conceder-lhes, suprimindo os contratos do sal, e pescaria da Baleia, e lhe proponho estabelecer o Imposto da Décima nas casas da Cidades Marítimas, e a extinção do Tributo do Papel selado, que já se pôs nos , meus domínios do continente da Europa, segundo vereis da copia do Alvará projetado, que vos mando remeter juntamente com esta Carta Regia sobre cuja futura execução me informareis, fazendo subir á minha real presença as observações que julgardes conveniente para a sua perfeita e inteira observância. Que para segurar o exato pagamento dos Juros do novo empréstimo que mandei abrir nessa Capitania, e que ficava servindo de hipoteca ao mesmo pagamento, assim como ao do exato anual pagamento do fardamento da tropa, e despesas da Marinha e fortificações vos autorizo para que avaliando com toda a segurança a total despesa que com tais objetos hajais de fazer, procureis de acordo com as mesmas Câmaras, e Mesa da Inspeção lançar por esse valor sobre os seguintes artigos de maneira porém que sejam igualmente distribuídos, e não venham a oprimir algum ramo de Agricultura, ou de Comércio em particular, sendo o primeiro o de uma Captação anual sobre todos os escravos de luxo das cidades e que não servem à Agricultura, o que também pode ser considerado como um meio político de refrear um tão nocivo luxo, a de promover a Agricultura: o Segundo de fixardes um preço para a Licença que hão de tirar anualmente os que quiserem fabricar, e vender tabaco, ou águas ardentes, e vinhos, o qual preço será fixado em razão da extensão da fabrica para que se pedir licença, e que devera anualmente dar conta do consumo que teve, para que a fim se regule, o que hão de pagar. Terceiro uma.....” Segue uma profusão de impostos a serem reajustados.

Este documento no mesmo teor do anterior.

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Quanto aos contratos régios cumpre acrescentar ainda, que o “próprio sistema de arrematação de impostos pelas elites locais seria um exemplo marcante de fator vinculante patrimonial entre elites locais e fisco régio, distinguindo-se das rendas senhoriais em termos de papel institucional-social na vida local, mas não em termos de lógica formativa de vínculo social baseado em relações de dom e contra-dom, pois estas ainda caracterizavam, nos séculos XVII e XVIII, o ethos senhorial que formava as relações de serviços entre súditos”.xv O novo imposto dos Dízimos, pelos valores envolvidos, criou uma polarização de forças nas elites locais, cujo documento abaixo nos deixa entrever as forças envolvidas e as pressões feitas.

Observação: Nesta pasta consta somente o Ofício. As cartas a que o ofício se refere não se sabe onde foram parar. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, Remeto a V. Ex.ª por ordem de sua alteza real, a cópia da carta do governador da Bahia, e a de Jose Venâncio, em que se expõe largamente a lesão enorme, e enormíssima que resultaria à Fazenda Real, de se dar o Contrato dos Dízimos da Bahia a António José Ferreira, e sócios, que só crescerão cento e oitenta contos de Réis, sobre o valor do sexenio passado, enquanto os negociantes da Bahia oferecem quatro contos de réis, e que por administração tanto o governador, como José Venâncio seguram que a Fazenda Real ganhará muito mais. Este fato no momento em que sua alteza real, manda lançar novos impostos na Bahia, é muito atendível, pois que V. Ex.ª não ignora que os povos farão justas queixas de que se progridem as rendas do Estado nas mãos de rendeiros enquanto por outro lado, se sente a necessidade de aumentar as mesmas. Nenhum dano exceto o de não ganharem indevidamente sentem os Contratadores a quem se tira este Contrato, para o administrar a Fazenda Real, e a reputação do erário é muito interessada em que se adote o partido de declarar nulo o Contrato, visto haver no aumento lesão enormíssima, e que em todos os dízimos por conta da Fazenda Real, ou de os arrematar em pequenas porções, podendo também os mesmos administradores ser interessados, o que vem a 10

ser uma espécie de contrato. Com o zelo que me anima pelo Real Serviço, exponho a V. Ex.ª este fato, e teria poupado a V. Ex.ª o desgosto que ele lhe dará, se V. Ex.ª me houvesse comunicado a resolução de arrematar aqui este contrato, quando ela se adotou, porque então lhe houvera representado o mesmo que agora lhe digo, ou ao menos teria pedido a V. Ex.ª que não desse este Contrato sem primeiro o mandar por a lanços na Bahia. Deus guarde a V. Ex.ª, Palácio de Queluz, em 8 de agosto de 1799. Ilm.º e Exmº Snr. Marquês Mordomo-mor De V. Ex.ª Maior amigo e fiel cativo, D. Rodrigo de Souza Coutinho. Ao que tudo indica o contrato foi mesmo dado (ou prometido) ao grupo de António José Ferreira, e sócios. Outro grupo rival comandado por Manoel Joaquim Alves Ribeiro, e seus sócios, negociantes da Praça da Bahia se sentiu preterido na escolha para administrar o Contrato dos Dízimos e fizeram um desesperado jogo de apelação aos “ouvidos régios”. Tomaram uma atitude no mínimo escandalosa para os padrões da época, e que deve ter se configurado num desafio à capacidade de o poder soberano régio tutelar as alianças locais e ser árbitro dos jogos de prerrogativas e privilégios que formavam o corpo político da Coroa Portuguesa, e que terminou por envolver o temível intendente geral da Polícia da Corte e Reino, Diogo de Pina Manique.

“Illmo. Exmo. Sr. Em execução do aviso, que V. Exª. me dirigiu na data de treze do presente para chamar a minha presença António Manoel Polycarpo, Administrador da loja da distribuição da gazeta e António Joaquim Coelho, que veio do Rio de Janeiro, para lhes perguntar que razão tiveram para mandar imprimir na gazeta de sábado dez do corrente a oferta que Manoel Joaquim Alves Ribeiro, e seus sócios, negociantes da Praça da Bahia fizeram de um milhão de Cruzados mais

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sobre o lanço dado em Lisboa por António José Ferreira e sócios; assim o cumpri, como o mostram os termos de declaração, que passo às mãos de V.Exª. Thomé Ribeiro de Faria, negociante da dita praça, declara que tivera ordem do seu correspondente José Luiz Pereira, negociante da mesma Praça por uma carta que neste ato mostrou, para mandar imprimir, e anunciar na gazeta, que Manoel Joaquim Alves Ribeiro, e seus sócios da Bahia, ofereciam mais um milhão de Cruzados sobre o lanço que dera António Jose Ferreira no contrato dos dízimos Reais da Bahia, e na mesma carta lhe enviou em um papel separado o anúncio, que se havia de imprimir, participando-lhe mais, que sobre este mesmo assunto, dava conta ao Príncipe Regente Nosso Senhor, o General e a Junta da Fazenda daquela Capitania: declara mais o dito Thomé Ribeiro de Faria que encontrando-se com António Joaquim Coelho, o convocou para ir com ele, como foi, a loja da gazeta a fim de mandar imprimir aquele anúncio, sendo isto o que tinha somente para declarar, e assim o ratificou o dito António Joaquim Coelho. Ficam portanto executadas as reais ordens do Príncipe Regente Nosso Senhor, que a este respeito me foram por V.Exª. dirigidas. Lisboa 16 de Agosto de 1799 Illmo. Exmo. Sr. Dom Rodrigo de Souza Coutinho Intendente Geral de Polícia da Corte e Reino Diogo Inácio de Pina Manique” Mas é outro documento que nos pode dar a medida de como os interesses eram manejados, como se faziam os Lobbys das elites locais: Trata-se da carta de Francisco Dias Coelho a José Alves Branco, datada de 21 de julho de 1800, sobre a arrematação do contrato dos dízimos na Capitania da Bahia.

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Esclarece abertamente a questão, mas antes, voltemos com o professor

Alexander Martins: Tal atitude do grupo de Manoel Joaquim Alves Ribeiro, e seus sócios da Bahia, “aos olhos do poder configurava uma exorbitância de súditos preeminentes locais que assim criavam riscos ao pacto de submissão, esvaziando a confiança no poder soberano régio como defensor de justiça, graça e equidade. Por isso mesmo, não era um assunto banal para o Conselho Ultramarino quando chegavam notícias de qualquer ação de súditos preeminentes locais que colocavam em risco a rede de reciprocidade e a relação de obediência e de confiança com a justiça régia”.xvii Na pasta onde consta a carta de Pina Manique vai também a seguinte declaração assinada pelo ‘lobista’ com fumaças de jornalista. Para usar uma expressão da época. DECLARAÇÃO

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Aos dezesseis dias do mês de Agosto de mil setecentos e noventa e nove anos, em Lisboa e casas de aposento do Desembargador do Paço e Intendente Geral da Policia da Corte e Reino, Diogo Inácio de Pina Manique ali mandou vir a sua presença António Manoel Policarpo Administrador da loja a distribuição da Gazeta, ao qual ordenou que declarasse quem era António Joaquim Coelho, que veio do Rio de Janeiro, e aonde reside, o qual mandou imprimir na Gazeta do dia sábado, dez de Agosto [///] que Manoel Joaquim Alves Ribeiro e seus sócios negociantes da Praça da Bahia fizeram de um milhão de Cruzados a mais, sobre o lanço dado em Lisboa por António José Ferreira e sócios: O que sendo ouvido pelo dito António Manoel Policarpo disse que o dito António Joaquim Coelho é Procurador de vários negociantes da Praça do Rio de Janeiro, Bahia, e Brasil e que existe na Ribeira nova na casa de pasto Inglesa, o qual na companhia de um negociante chamado Thomé morador a São Paulo no segundo andar da propriedade em cuja loja se vendem [///] para que lhe dera a incumbência de mandar pôr o dito anuncio na Gazeta o que sendo ouvido pelo dito Magistrado, estranhou este severamente da parte de Sua Alteza Real ao dito António Manoel Policarpo aquele procedimento tão ousado e temerário na qual se acha comprometida a soberania de sua alteza real e a autoridade de seus Ministros de Estado, devendo daqui em diante abster-se de anúncios dessa natureza, o que sendo ouvido pelo dito António Joaquim Policarpo, assim o prometeu. (grifo meu). Eis a carta: “Amigo do Coração Sr. José Alves Branco Bahia 21 de Julho de 1800 Como Vossa Mercê aí teve trabalho a respeito da arrematação do contrato dos Dízimos desta, e por me fazer mercê nos dava parte das diversas evoluções que a esse fim se tomavam, é justo que eu dê parte a Vossa Mercê do que se passa a respeito delas. Vieram enfim para a Junta da Fazenda os administrar, e na verdade assim devia ser, para que a Junta soubesse em qualquer tempo o que tendia, e não estar sempre cega, e continuando a vender nabos em saco2. E para Vossa Mercê conhecer e quanto utiliza a Coroa nesta forma de cobrança, calcule pelo caminho de miunças3, que andava no tempo dos [///] Ferreiras S.A por três contos de Reis, pelo tempo de três anos, agora se arrematou somente pelo tempo de um ano, por quatro contos, e tantos! E pelo que se obtivera nos ramos de miunças, que se tem arrematado, não faltarão nenhuns doze contos de reis, para tirar o preço de arrematação anterior. Ora é certo, que das 2

“vender nabos em saco” A expressão indica que se engana, Equivale a influenciar alguém a acreditar em algo que não corresponde à realidade. Julgar que se compra nabos bons dentro do saco e, afinal, eles não prestam. 3 Miunças ou miúça, Pequena porção ou fragmento; miuçalha.

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ditas miunças (no conceito dos ignorantes) se não faz caso. Agora julgue Vossa Mercê o que não virá a produzir o forte, que é açúcar, e tabaco, principalmente com a Santa cobrança nos Trapiches, e isto ainda que os preços dos ditos gêneros sejam muito diminutos! A vista do que o nosso General (Santo General, que a sorte permitiu que o possuíssem tão pouco tempo!) a Junta, e os que oferecerão o milhão em lugar dos 180 contos, ficam airosos. Eu meu amigo de Coração, tenho nisto o maior prazer, e ainda mais do que se me tocasse á minha parte dez milhões; pois que vai o rendimento do contrato inteiramente para Sua Alteza Real a quem pertence. Oh! se Deus permitisse que todos os mais Contratos, tanto do Reino, como dos Domínios viessem a ser administrados por conta da Real Coroa, que felicidade não seria para o Estado! E isto tivesse acontecido desde o principio não haveriam tantas soberbas Anselmas, e não se nos usurparia o lucro que se nos oferecia no ano de 1795 no Tabaco, que a sua prepotência daqueles sanguessugas do Estado nos embargou, e pagou como quis. E, além disso, não seria necessário a Sua Majestade onerar os seus Vassalos em lhes pedir dinheiros de empréstimos a juros, para as grandes despesas que faz a bem de todo o seu povo; por quanto o rendimento dos Contratos daria para tudo, e até o mesmo Real Erário poderia emprestar dinheiro a juros. Quando o Lisboa apresentou ordem para tomar posse da apressada arrematação que ai solicitou Ferreiras, disse = deram mais 180 contos levaram-no salgado! Ora veja que modos nestes amigos, querem dar papinha aos mais. E o que se faz mais escandaloso é, receberem de Sua Majestade um benefício tão grande, e ainda querem que o mesmo Senhor lhe fique devendo obséquios. O tal Lisboa, quando as miunças andavam na Praça, ardia de ver os grandes lanços que davam, e por isso fez alguns papeis ridículos em procurar subornar, ou desanimar os lançadores; porém o grande e inconspurscável Escrivão da junta Francisco Gomes de Sousa, que o soube, parece que lhe disse alguma coisa, de sorte, que ele não continuou. Ora toda essa diligência era a fim de que o Contrato rendesse pouco, para que S.A.R [Sua Alteza Real] o tornasse a mandar entregar aos grandes Ferreiras. E isto é o que claramente diziam os Moreiras, e os da sua parte, mas agora já os vejo de viola no saco. É como os amigos do tabaco (que tudo é a mesma corja, porquanto uns figuram em uns contratos e outros em outros) querem dar o seu ópio. Acaso da parte dos ditos contratadores é que está o rendimento? Certamente que não; pois eles nada influem para isso, e sim S. Majestade em dar o valor ao gênero. Os lavradores do Recôncavo da Bahia, em plantar e beneficiar. Os negociantes da Bahia em os animar com os seus suprimentos, sem o que os mais deles não podem [ilegível]. E o povo do Reino a consumir. Eis aqui onde está tudo, e não naqueles fantasmas.

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Quando aqui tivemos aquele Requerimento houveram grandes questões cá por fora, e cada hum decidia como entendia, e concluíam muitos em dizer que tal oferecimento era de quem tinha muito dinheiro. Quando isto se me dizia, respondia eu com sorrisos, que não era por ter muito, mas por desejos de o ter, aplicando-lhes os exemplos, e adagio = Casa Real e o mar faz medrar4 = E além disso, que nos contentávamos com menos lucros do que se contentam aqueles figurões; e finalmente, que éramos bons e fieis vassalos, que nos gloriávamos muito em trabalhar de graça, contanto que houvesse rendimento para a Real Coroa, e que se arrancasse o Contrato daquelas garras. Ora pois amigo, V. Mercê vê quatro farroupilhas5 da Bahia (assim nos apelidaram muitos) o animo que tiveram. Diga-me V. Mercê, que fazem tantos negociantes poderosos dessa Corte? Por quê não afoitam a outras semelhantes em todos os contratos? Pois sempre hão de estar os Contratos na mãos daquelas Figuras? Isso até é descrédito da Nação, e dirão os Estrangeiros, que no Reino de Portugal não há mais negociantes que aqueles. Também crimino aos do Rio de Janeiro, onde há Negociantes com melhores estabelecimentos, do que não há nenhum na Bahia. Agora me lembra, que Manoel de Sousa Freires não quis tomar, certamente, conta dos nossos papéis em razão de receio que tinha, que os do Rio de Janeiro lhe fizessem o mesmo, a respeito do Contrato que arrematou da mesma Capitania. Querendo criminar também os de Pernambuco, os desculpo; porque ali cuidam mais em fumaças de fidalguia. Enfim meu amigo do Coração, espero que Vossa Mercê coopere para que eu tenha o gosto de ler na Gazeta, a respeito do Contrato do Tabaco, e outros dessa Corte, e Domínios, outro semelhante rasgo, qual todos vimos a respeito dos Dízimos da Bahia; e se o não fazem, direi que são uns poucos de papelões os negociantes de Lisboa. Vamos á nossa questão do tabaco. Sei quanto Vossa Mercê se tem esforçado a fim de obter de Sua Alteza Real que nos mande restituir o que aqueles malditos contratadores nos devem; e espero que não afrouxe, por que eles o devem, e Sua Alteza Real é Pio. Na resposta que eles deram ao nosso Requerimento, disseram que o lucro de 123 [por cento ?] era exorbitante Ora se Sua Alteza Real mandasse que todo o tabaco que foi o ano passado, eles o pagassem com dito lucro, não sei a que lhe saberia; e se V.Majestade os requeressem valendo-se da dita resposta, e o mesmo Senhor os mandasse responder, estou certo, que não haviam de atinar muito com a resposta. Faça-se a diligencia, Deus lhe ponha a virtude, e guarde a V. Mercê muitos anos. De V.Me. Amigo do Coração ≈ Francisco Dias Coelho ≈” 4

Casa real e o mar faz medrar. Este antigo adágio popular indicava as carreiras que os homens que não herdavam fortunas poderiam seguir para prosperar. A aventura ao mar ou a burocracia. Há uma variante do adagio que também incluia a igreja. 5 Farroupilha. No sentido de maltrapilho, Pessoa miserável, ou desprezível; farroupa.

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Após a leitura de um documento como este, concordamos com mais dois pontos de vista do Alexander Vianna. “Portanto, diferentemente do que supõe a tese historiográfica do absolutismo fiscal, o fortalecimento do fisco régio e a figuração do rei como publica persona (ou como encarnação de bem comum e de communis oeconomia) nas monarquias europeias do século XVII [e mesmo século XVIII acrescento eu] , não resultaram de uma ação unilateral do poder central, pois este dependia da participação patrimonial interessada das elites locais (nobres e não nobres) em se colocar como intermediárias entre as demandas locais e extralocais de serviços vinculados às matérias fiscais do Estado. Considerando tais relações de interdependência de interesses locais e extralocais, não podemos perder de vista que, ao escolher assentar conjunturalmente o erário de um Estado num modo ou foco específico de impostos, um governante está definindo também a natureza das alianças que vão conectar à sua política as elites locais que compõem o pacto de submissão que forma o corpo político”.xviii E outro aspecto: “Nos processos do Conselho Ultramarino, observamos a figuração desse jogo cotidiano de repactuação do corpo político por meio da ação de súditos preeminentes das localidades que recorrem por diferentes razões e interesses ao poder arbitral do magistrado soberano da monarquia. (lembrar que Francisco Dias Coelho conclui sua carta com “Vamos á nossa questão do tabaco. Sei quanto Vossa Mercê se tem esforçado a fim de obter de Sua Alteza Real que nos mande restituir o que aqueles malditos contratadores nos devem; e espero que não afrouxe, por que eles o devem, e Sua Alteza Real é Pio”). Desse modo, ratificam a soberania no momento em que concorrem pela pessoa régia como instância de recurso ou apelação, e quando representam o soberano – em seus ritos discursivos de súplica – como a encarnação da justiça equitativa e da prudência casuística. Não por acaso, alguns súditos preeminentes estrategicamente exigem que aqueles que atuam localmente a autoridade régia norteiem as suas ações pelas mesmas virtudes. No reconhecimento desse poder arbitral está a chave para se entender a unidade política dos Estados no Antigo Regime, que se erguem através de uma sociedade dividida e conectada por meios de privilégios corporatistas estamentaisxix. Assim se manteve o equilíbrio do pacto de submissão colonial por séculos. E tome-lhe imposto!

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A cera altura neste documento podemos ler: “...e desejando também consagrar na [///] aquele saudável principio, que tão sabiamente adoptaram e seguiram os meus augustos avós os senhores reis meus predecessores, de considerar unidas por um nexo indissolúvel todas as partes separadas da Minha vasta Monarquia: Sou Servido ordenar-vos, que deveis declarar na Junta da Fazenda, que essa Capitania deve anualmente contribuir para as despesas gerais da Monarquia, e fazer entrar no Meu Erário Régio 88 contos de reis, o que certamente lhe não será difícil no presente estado da [///] Fazenda, e com o aumento da prosperidade Publica da mesma capitania, que justamente se deve esperar; pois que sobejarão Fundos, para fazer as despesas da Capitania e as do novo Empréstimo, ainda que se preenchesse, e para se fazerem anualmente os convenientes melhoramentos, logo que se faça regularmente e com exação a boa arrecadação da Fazenda Real; etc. e etc.

O livro Antigo Regime no Brasil, de Alexander Martins Vianna, analisa com base em documentação do Conselho Ultramarino, as concepções sobre o ideal e a prática de governar implantadas na colônia, analisando cinco pilares de sustentação da Coroa Portuguesa: Soberania, Justiça, Defesa, Graça e Fisco. É obra de vistosos méritos. A exposição ágil e sintética, a argumentação lógica e bem encadeada, a agudeza crítica e o amplo espectro analítico, configuram uma fértil erudição em tudo e por tudo admiráveis.

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Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor e pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros contos e Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas literárias no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho –Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.

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VIANNA, Alexander Martins. Antigo Regime no Brasil: Soberania, Justiça, Defesa, Graça e Fisco (16431713) Curitiba, Editora Prismas 2015. Pg 31/32 iii ibidem Pag. 209 iv ibidem Pag. 49 v ibidem Pag. 53 vi Op. cit., loc.cit. vii ibidem. Pag. 56 viii ibidem Pag. 164 ix Quem argumenta – este documento apresenta a assinatura de 22 negociantes de grosso trato – quer convencer valendo-se de uma retórica de humildade e submissão, e, ao pretender isso, reconhece o poder arbitral ao qual se dirige e, ao mesmo tempo, tenta instrumentalizá-lo para seus propósitos particulares. VIANNA ibidem. pag.127/128. x “Nas muitas vezes em que [ as vozes das elites locais] se encenam na documentação do Conselho Ultramarino, podemos perceber o envolvimento interessado das várias linhagens de poderes locais nas políticas de aliança da Coroa, não só participando de seus efeitos, mas também causando e viabilizando

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tais jogos em domínios reinóis e extra-reinóis da Coroa, ou em suas fronteiras tensamente negociáveis com outros ‘estados’ e/ou potentados locais sob outras soberanias. ibidem Pag. 33 xi “Nos processos do Conselho Ultramarino, o poder soberano é solicitado como instância arbitral que deve equilibrar os efeitos patrimoniais das demandas do communis oeconomia locais e extra locais e, assim, evitar motivos para desuniões entre moradores, oficiais régios e demais corporações de privilégios existentes nas localidades”. ibidem Pag. 164 xii ibidem pag.103 xiii estanco[Dev. de estancar.] Substantivo masculino. 1.Monopólio comercial instituído pelo Estado xiv VIANNA. Op. cit. pag.105 xv ibidem pag.158 xvi ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, 21de Julho de 1800 - Carta de Francisco Dias Coelho a José Alves Branco sobre á arrematação do contrato dos dízimos na Capitania da Bahia - AHU Baia cx. 218 doc. 8 - AHU_ACL_CU_005, Cx. 217 D. 15239. xvii VIANNA. Op. cit. pag.129/130 xviii Ibidem, pag.160 xix ibidem pag.145.

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