Transtorno disfórico pré-menstrual revisão: conceito, história, epidemiologia e etiologia

July 6, 2017 | Autor: Gislene Valadares | Categoria: Clinical Sciences, Epidemiologic Studies
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Descrição do Produto

ISSN 0101-6083

VOLUME 33 • NÚMERO 3 • 2006 Fundadores A. C. Pacheco e Silva, Fernando de O. Bastos, J. Carvalhal Ribas, J. R. de Albuquerque Fortes Editores Editor Assistente Wagner Farid Gattaz Orestes Vicente Forlenza Valentim Gentil

Editores de Área Artigos Originais Geraldo Busatto Revisões da Literatura Francisco Lotufo Neto Relatos de Casos Frederico Navas Demétrio

Atualização Rápida Renério Fráguas Júnior Novos Caminhos em Pesquisa Márcio Antonini Bernik Estatística Hélio Elkis

Cartas e Pontos de Vista Carmita Helena Najjar Abdo Comentário de Livros Zacaria Borge Ali Ramadam Psiquiatria, História e Artes Paulo Clemente Sallet

Comissão Editorial Almir Ribeiro Tavares Jr. (UFMG - MG - BR)

Jair de Jesus Mari (UNIFESP - EPM/SP - BR)

Mônica Yassuda (UNICAMP - SP - BR)

Clarice Gorenstein (FMUSP - SP - BR)

Jerson Laks (FCM-UERJ - UFRJ - RJ - BR)

Osvaldo Pereira de Almeida (Universidade Western - Perth - Austrália)

Eduardo Iacoponi (Lambeth Early Onset Services Londres - Inglaterra)

João Quevedo (Univ. Extremo Sul Catarinenese - SC - BR)

Paulo Belmonte Abreu (UFRS - RS - BR)

Ester Nakamura Palacios (UFES - ES - BR)

Laura H. S. Guerra de Andrade (FMUSP - SP - BR)

Paulo Canineu (PUC - SP - BR)

Fábio Gomes de Matos e Souza (UFCE - CE - BR)

Ligia Ito (FMUSP - SP - BR)

Paulo Rossi Menezes (FMUSP - SP - BR)

Flávio Kapczinski (Hosp. de Clínicas de Porto Alegre - RS - BR)

Luis Augusto Rohde (Hosp. de Clínicas de Porto Alegre - RS - BR)

Paulo Mattos (UFRJ - RJ - BR)

Gunter Eckert (Univ. de Frankfurt - Frankfurt - Alemanha)

Marco Aurélio Romano Silva (UFMG - MG - BR)

Renato Teodoro Ramos (FMUSP - SP - BR)

Helena Maria Calil (UNIFESP-EPM/SP - BR)

Mauricio Silva de Lima (Univ. Federal de Pelotas - RS - BR)

Ricardo Nitrini (FMUSP - SP - BR)

Irismar Reis de Oliveira (Universidade Federal da Bahia - BA - BR)

Miguel Roberto Jorge (UNIFESP - EPM/SP - BR)

Ronaldo Ramos Laranjeira (UNIFESP - EPM/SP - BR)

Jair Constante Soares (Universidade do Texas - Texas - EUA)

Stephan Heckers (Harvard - Boston - USA)

Fontes de Indexação: • EMBASE - Excerpta Medica database • LILACS - Literatura Latino-americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde • PERIODICA - Índice de Revistas Latino-americanas em Ciências

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• SciELO - Scientific Eletronic Library Online • SIIC - Sociedad Iberamericana de Información Científica • Scopus - (www.scopus.com)

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Instruções para os autores

A missão da Revista de Psiquiatria Clinica é fornecer aos profissionais de saúde mental um programa de atualização e educação continuada nas áreas de interesse clínico. Serão também publicados trabalhos de pesquisa básica onde os resultados tenham potencial implicação para a prática clínica. Os manuscritos devem ser enviados para o endereço [email protected] como anexos formatados em Word para Windows, acompanhados de uma carta do autor responsável ao editor, solicitando publicação na Revista de Psiquiatria Clínica. Por questões de custos, manuscritos impressos enviados pelo correio não serão devolvidos aos autores. Ao ser recebido, o artigo será registrado e o recebimento será imediatamente confirmado por e-mail ao autor principal.

Aspectos gerais

Todos os artigos publicados são revisados no mínimo por dois pareceristas anônimos. A decisão sobre a aceitação do artigo para publicação ocorrerá geralmente dentro do prazo de até três meses a partir da data de seu recebimento. A submissão de um manuscrito implica: a) que o trabalho descrito não tenha sido publicado anteriormente em língua portuguesa (exceto na forma de um resumo ou como parte de uma palestra publicada); b) que não esteja sendo analisado para ser publicado em outro periódico de língua portuguesa; c) que sua publicação tenha sido aprovada por todos os co-autores, se houver algum, assim como pelas autoridades responsáveis na instituição onde o trabalho foi realizado; d) se e quando o manuscrito for aceito para publicação, os autores concordam com a transferência automática dos direitos autorais à Revista de Psiquiatria Clínica. O direito autoral corresponde aos direitos exclusivos e ilimitados de reproduzir e distribuir em qualquer forma de publicação (impressa, mídia eletrônica ou outra forma qualquer).

Formato

Os artigos devem ser digitados em espaço duplo, fonte Arial e tipo 12. Todas as páginas, inclusive a do título, devem ser numeradas. I. A primeira página deve conter: a) título do artigo; b) nome completo dos autores sem abreviação e respectivas titulações acadêmicas; c) o nome e o endereço da instituição onde o trabalho foi elaborado; e d) o endereço do autor para correspondência, incluindo e-mail. II. Cada trabalho deve incluir um resumo de não mais de 200 palavras em português e um abstract em inglês. O abstract deve ser seguido de título do trabalho e de keywords em inglês. Os conteúdos do resumo e do abstract devem ser idênticos. III. Palavras-chave. Seguindo o resumo, não mais de cinco palavras devem ser usadas. Elas devem representar o conteúdo e caracterizar a terminologia usada naquele campo de estudo em particular. Termos e frases do Index Medicus são recomendáveis. IV. Referências. A RPC adota as normas da ABNT. Todas as referências citadas no texto, mas somente essas, devem ser listadas no final do trabalho em ordem alfabética, pelo sobrenome do primeiro autor. Uma ordem cronológica deve ser usada para mais de um trabalho do mesmo autor ou grupo de autores. Títulos de periódicos devem ser abreviados de acordo com o Index Medicus. É de total responsabilidade dos autores verificar se as referências citadas no texto constam da lista de referências, com datas exatas e nomes de autores corretamente grafados. Para a lista de referências, os seguintes exemplos devem ser seguidos. Capítulo em livro: GATTAZ, W.F.; KOHLMEYER, K.; GASSER, T. - Computed Tomographic Scans in Schizophrenia, In: Häfner, H. & Gattaz, W.F. (eds.) Search for the Causes of Schizophrenia, vol. II. Springer Verlag, Berlin, Heidelberg, New York, pp. 242-256, 1990. Artigo em periódicos: GATTAZ, W.F.; LEVY, R.; CAIRNS, N.J.; MARAS, A. - Distúrbios do Metabolismo de Fosfolipídeos na Doença de Alzheimer. J Bras Psiquiatria 45: 345-349, 1996. No texto, as citações devem ser feitas pelo nome dos autores, seguidos do ano de publicação. Exemplos: a) Trabalhos com 1 autor: Cardoso (1994); b) Trabalhos com 2 autores: Cardoso e Malan (1994);

Instruções para os autores

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c) Trabalhos com 3 ou mais autores: Cardoso et al. (1994). Se houver mais de uma referência pelo mesmo autor ou grupo de autores no mesmo ano, então as letras “a, b, c” etc. devem ser acrescentadas ao ano no texto e na lista de referências. V. Tabelas. Devem ser submetidas em folhas separadas com as respectivas legendas. As tabelas devem ser numeradas consecutivamente, na ordem em que foram citadas no texto e encabeçadas por um título e legenda apropriados. VI. Figuras. O número e o tamanho das ilustrações devem ser os menores possíveis para esclarecimento do texto. Ilustrações coloridas serão aceitas; todavia, os autores deverão cobrir os gastos adicionais. Todas as figuras, tais como fotografias, gráficos ou diagramas, devem ser numeradas consecutivamente, na ordem em que forem citadas no texto e submetidas em folhas separadas. As legendas das figuras devem vir em folhas separadas e devem permitir uma compreensão clara da figura, sem a necessidade de referência ao texto. Cada figura deve ter um título curto, seguido de uma descrição concisa. Todas as abreviaturas e símbolos que aparecem nas figuras devem estar explicados nas legendas. Comentários como “para explicação (ou detalhes) vide texto” devem ser evitados. VII. Fotografias de pacientes. A Revista não encoraja a publicação de fotografias de pacientes. Quando isto for imprescindível para o entendimento do texto, a fotografia deverá ter uma tarja que não permita a identificação do paciente e, mesmo assim, deverá vir acompanhada de uma autorização por escrito do paciente e/ou de seus responsáveis legais. VIII. Separatas podem ser encomendadas quando o artigo for aceito para publicação.

Tipos de artigos

Artigos originais Os artigos originais devem apresentar os seguintes tópicos: resumo, palavras-chave, abstract (com título em inglês) e keywords, introdução, métodos, resultados e discussão. Devem conter até 5.000 palavras e não ultrapassar a soma de seis tabelas e figuras. Recomendam-se até 40 referências bibliográficas. Revisões da literatura As revisões devem apresentar: introdução, discussão, conclusão e outras subdivisões, a critério dos autores. Devem conter até 6.000 palavras e não ultrapassar a soma de seis tabelas e figuras. Devem apresentar um resumo com as principais conclusões da literatura sobre o tema. Recomendam-se até 80 referências bibliográficas. Casos clínicos O objetivo da seção “Casos clínicos” é abordar novas questões clínicas ou teóricas relevantes para o diagnóstico ou o manejo clínico de patologias psiquiátricas. Os artigos submetidos à publicação nessa seção deverão obedecer às normas gerais para todos os artigos da Revista de Psiquiatria Clínica. Dessa forma, o relato deve conter as seguintes seções: título, resumo (em português e inglês), introdução, descrição do caso clínico, discussão e referências. A introdução deverá especificar o problema apresentando uma breve revisão da literatura sobre os aspectos clínicos e terapêuticos ou o diagnóstico diferencial em relação ao caso apresentado. O relato do caso deverá ser sucinto, evitando-se dados redundantes ou não-relevantes para o esclarecimento do problema. Por exemplo, exames de laboratório de rotina sem alterações deverão ser resumidos em poucas palavras (“sem alterações laboratoriais e radiológicas relevantes”). A discussão deverá contrapor dados do caso apresentado (semelhanças e diferenças) com casos semelhantes da literatura. Recomendam-se até 15 referências bibliográficas.

Resolução no 1.595

do Conselho Federal de Medicina de 18/5/2000: é obrigatório que os autores de “artigos divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso em Medicina declarem os agentes financeiros que patrocinaram suas pesquisas”.

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Special Edition – Women’s Health – Part II - Guest Editors: Joel Rennó Jr. and César Eduardo Fernandes

Review Article Premenstrual dysphoric disorder review – concept, history, epidemiology and etiology ........................................................................................... 117 Gislene C. Valadares, Luciana Valadares Ferreira, Humberto Correa Filho, Marco Aurélio Romano-Silva The onco-psychiatry in breast cancer – considerations about the female matter ........................................................................................................ 124 Fábio Scaramboni Cantinelli, Renata Sciorilli Camacho, Oren Smaletz, Bárbara Karina Gonsales, Érika Braguittoni, Joel Rennó Jr. The impact of eating disorders as a comorbidity on psychoactive drug-dependent women seeking care ................................................................ 134 Silvia Brasiliano, Patricia B. Hochgraf Hyperandrogenic chronic anovulation and psychologic disturbances .......................................................................................................................... 145 José Arnaldo de Souza Ferreira, César Eduardo Fernandes, Lucia Helena de Azevedo, Sérgio Peixoto Androgen insufficiency syndrome - diagnostic and therapeutic criteria ....................................................................................................................... 152 César Eduardo Fernandes, Joel Rennó Jr., Eliana Aguiar Petri Nahas, Nilson Roberto de Melo, José Arnaldo de Souza Ferreira, Rogério Bonassi Machado, Sérgio Peixoto Diagnostic and therapeutic aspects of female sexual dysfunctions ................................................................................................................................ 162 Carmita Helena Najjar Abdo, Heloisa Junqueira Fleury Sexual side effects of psychotropic drugs ......................................................................................................................................................................... 168 Táki Athanássios Cordás, Marcionilo Laranjeiras

Schedule of Events ................................................................................................................................................................................................. 174

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Submission of Papers

Three hard copies of the manuscript should be mailed to Editors (Prof. Wagner F. Gattaz or Prof. Valentim Gentil) at the Department and Institute of Psychiatry, Rua Ovídio Pires de Campos s/n, 05403-010, Sao Paulo, SP, Brazil, fax +55 11 3083-6588. Alternatively, electronic submission is encouraged, in which case manuscripts should be sent by e-mail to: [email protected]. Please do not duplicate your submission by submitting online and as hard copy. Manuscripts should be submitted electronically to the e-mail address [email protected] in the format of attached files, including a submission letter. We prefer MS Word for Windows documents for both main text and letter. Manuscripts sent by regular mail will not be returned to authors. Upon receipt, the submitted manuscript will be registered and a confirmation message will be forwarded to the corresponding author. Papers should be written in Portuguese, Spanish or English. Authors are responsible for grammatical accuracy of their texts. Manuscripts should not exceed the length of eight off-print pages (or 24 double-space typed A4 pages, with approximately 33 lines per page, and 65 types per line), including a maximum number of 8 tables and/or figures. Authors submitting manuscripts in hard copy format are requested to include a computer disk containing the electronic version of paper. The submission of short communications of new or preliminary results derived from original research is encouraged, in which case papers are eligible to fast-track review and publishing. Short communications should not exceed one thousand words (four manuscript pages) and one table or figure, including a brief description of the study, its background, and related references. The submission of studies containing confirmatory data should be avoided. Clinical descriptions and case reports, whenever necessary to illustrate a study, should be presented as briefly as possible.

Review Process

Papers, except invited reviews, will be evaluated by at least two external experts. The choice of reviewers is made by the Editors exclusively. The authors will be notified as soon as possible whether a contribution is accepted for publication in the form that it was submitted, acceptable after a revision (which, in general, will be reviewed again), or rejected.

Structure of the manuscript

Original Articles I. Title page should include: a) a concise and clear title; b) names of the authors (first name, middle initials, and family name); c) name and address of the Institution where the study was conducted; d) affiliations of all authors; e) complete address of the corresponding author, including phone, fax, and e-mail. II. An abstract of no more than 200 words should be provided in single paragraph format. III. Up to five relevant keywords should follow the abstract. Please refer to the Index Medicus for the designation of key-words. IV. Footnotes should be consecutively numbered in the text. Footnotes respective to tables and figures should be indicated by bold letters. V. References cited in the text should be arranged in alphabetical order with authors’ names, article title, journal name, and publication details. Reference list should be double-spaced. Journal names should be written in full or abbreviated according to Index Medicus. Book chapters and journal papers should be cited as follows: Book chapter Gattaz, W.F.; Kohlmeyer, K. & Gasser, T. - Computed Tomographic Scans in Schizophrenia, In: Häfner, H. & Gattaz, W.F. (eds.) Search for the Causes of Schizophrenia, vol. II. Springer Verlag, Berlin, Heidelberg, New York, pp. 242-256, 1990.

Journal papers Gattaz, W.F.; Levy, R.; Cairns, N.J. & Maras, A. - Distúrbios do Metabolismo de Fosfolipídeos na Doença de Alzheimer J Bras Psiquiatria 45: 345-349, 1996. Citations in the text should appear in parentheses, with the name of the author(s) followed by the year of publication, e.g.: a) Publications with 1 author: Cardoso (1994), or: (Cardoso, 1994); b) Publications with 2 authors: Cardoso and Malan (1994), or: (Cardoso and Malan, 1994); c) Publications with 3 authors or more: Cardoso et al. (1994), or: Cardoso et al., 1994) . Two or more citations that refer to the same author or group of authors should be listed according to the chronological order of publication. In case the year of publication also coincides, then these citations should be identified with the letters “a, b, c” etc. both in the text and reference list. VI. Tables: Tables should be consecutively numbered with Arabic numbers in the text, and presented in separate pages after the Reference List. VII. Figures: Figures should restricted both in number and size to the strictly necessary in order to clarify the text contents. Figures should be consecutively numbered in the text, and presented after the list of Tables. Figures and layouts should fit to column width (85mm) or to page width (176mm). Maximum lenght is 235mm, including legend. Whenever possible several figures should be included in one page. Colour illustrations are accepted, but additional costs will be forwarded to authors. VIII. Legends: Each table and figure should include a legend with the necessary information for its thorough understanding. For that purpose, a short title followed by a concise explanation of the table or figure is encouraged. However, legends should not replicate contents in the text. Abbreviations and symbols that appear in tables or figures should be referred to, even though already cited in the text. IX. Patient photography: we do no encourage the publication of photographies of patients. Whenever indispensable for the comprehension of the article, written informed consent must be signed by the patient or respective caregiver, and patient details must be removed from the illustration. X. Reprints can be requested at reduced cost after the acceptance of the paper for publication (please ask for pricing and details). Theses and Dissertations Synopses should have a maximum length of four double-spaced pages including the following sections: a) Introduction: 1-2 statements with rationale of the study; b) Objectives: hypotheses to be tested and discussed; c) Methods: e.g., sample characteristics, inclusion and exclusion criteria, diagnostic and assessment instruments; d) Results; e) Conclusions; f) References: up to five relevant citations. Case Reports The purpose of this section is to discuss relevant clinical and theoretical aspects related to diagnosis and management of complex psychiatric syndromes. Submitted articles should follow general publication guidelines (i.e., submission details, format, citations, etc.), and should be structured with: Title, Abstract, Introduction, Case Report, Discussion, and Reference List. The introduction should provide a brief review of the literature and point out the main issues regarding the case that will be presented. The report itself should be brief and precise, and redundant or irrelevant information should be ruled out. Critical information elicited by the current case should be discussed in the light of available clinical and research knowledge on the subject.

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Revisão de Literatura

Transtorno disfórico pré-menstrual revisão – conceito, história, epidemiologia e etiologia Premenstrual dysphoric disorder review – concept, history, epidemiology and etiology

GISLENE C. VALADARES1 LUCIANA VALADARES FERREIRA2 HUMBERTO CORREA FILHO3 MARCO AURÉLIO ROMANO-SILVA4

Resumo Estudos epidemiológicos demonstram que até 80% das mulheres apresentam sintomas físicos e/ou psíquicos no período pré-menstrual e que cerca de 3% a 11% os apresentam de maneira severa, havendo prejuízos sociais, familiares ou profissionais, o que caracteriza o transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM). O TDPM apresenta sintomas que aparecem na semana que antecede a menstruação, cessando nos primeiros dias após o início desta. Diversas teorias têm sido propostas para justificar a sua etiologia. Fatores hormonais, psicológicos e ambientais parecem estar envolvidos; no entanto, ainda não há conclusões precisas que justifiquem essa patologia. Palavras-chave: Disforia pré-menstrual, etiologia, alterações hormonais, prejuízos sociais.

Abstract Epidemiologic studies show that till 80% of the women have physical and/or psychiatric symptoms in the premenstrual period, and in about 3% till 11% of them, this disease has serious consequences, causing familiar or professional damages; characterizing the premenstrual dysphoric disorder. The premenstrual dysphoric symptoms happen in the week before menstruation, stopping in the first days after menstruation beginning. A lot of theories have been proposed to justify its etiology. Hormonals, psychological and environmental factors seem to be involved, however there are no strict conclusions to justify this pathology Key-words: Premenstrual disphoric disorder, etiology, hormonals alterations, social damages. Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Psiquiatra do Serviço de Interconsulta do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), coordenadora do Programa de Saúde Mental da Mulher HC-UFMG, mestre em farmacologia e bioquímica molecular pela UFMG. 2 Acadêmica de medicina pela Faculdade de Medicina de Catanduva. 3 Doutor, professor adjunto do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG. 4 Doutor, professor adjunto do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Endereço para correspondência: Gislene C. Valadares. Rua do Ouro, 686 Serra - 30.220-000 Belo Horizonte MG. E-mail: [email protected]

Valadares, G.C.; Ferreira, L.V.; Correa Filho, H.; Romano-Silva, M.A.

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Introdução Milhões de mulheres em idade reprodutiva apresentam sintomas emocionais, cognitivos e físicos relacionados ao seu ciclo menstrual. Elas demonstram irritabilidade intensa, freqüentemente acompanhada de humor depressivo, assim como inúmeras queixas mentais e somáticas. Tais sintomas, segundo Bathia e Bhatia (2002) e Wikander et al. (2002), são recorrentes durante a fase lútea do ciclo menstrual e interferem de maneira significativa no seu funcionamento social, ocupacional e sexual. Essa constelação de sintomas tem recebido denominações como tensão pré-menstrual (TPM), síndrome pré-menstrual (SPM), transtorno disfórico da fase lútea tardia (TDFLT; DSM-III-R) ou transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) (DSM-IV). Enquetes epidemiológicas mostram que 75% a 80% das mulheres apresentam sintomas durante o período pré-menstrual. Aproximadamente 10% das mulheres entrevistadas declararam que seus sintomas são perturbadores, impondo a necessidade de auxílio profissional. Entre 2% e 8% das mulheres em idade reprodutiva padecem de sintomas severos o suficiente para desequilibrar suas vidas social, familiar e/ou profissional durante uma a duas semanas de cada mês. Portanto, esse sofrimento constitui um problema de saúde pública, com conseqüências importantes nas áreas pessoal, econômica e de eqüidade para as mulheres afetadas e para a sociedade. Depressão e desordens cognitivas são mais comuns em mulheres do que em homens. A compreensão da diferença nas doenças mentais entre gêneros, relativa à apresentação, à idade de início, à epidemiologia, à sintomatologia específica, à evolução, à resposta ao tratamento, assim como ao tipo de mecanismo envolvido (genético, neuroendócrino, psicossocial), evidencia que mulheres têm necessidades diferentes e sofrem de forma diferente, em especial na idade reprodutiva e com problemas relacionados à menstruação. O período perimenstrual parece ser propício a distúrbios psíquicos, com elevação das taxas de admissão hospitalar, atendimento em emergências, tentativas e consumação de auto-extermínio, crimes violentos, acidentes, prescrições de antidepressivos e uso abusivo de cigarros e outras drogas. Também é descrito aumento na freqüência de crises de pânico, de bulimia e agravamento de sintomas ansiosos, depressivos, obssessivocompulsivos, impulsos cleptomaníacos e para compras excessivas ou mesmo agravamento e aparecimento de sintomas psicóticos no período pré-menstrual. A questão estabelecida por esses achados é determinar em qual extensão o fenômeno é resultante das características hormonais da mulher adulta mais do que dos fatores ambientais, domésticos ou socioculturais. Influências genéticas mediadas fenotipicamente através de neurotransmissores e neurorreceptores paValadares, G.C.; Ferreira, L.V.; Correa Filho, H.; Romano-Silva, M.A.

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recem ser bastante significativas na etiologia do TDPM (Dickerson et al., 2003). Grande número de estudos tem sido dedicado à relação entre neurotransmissores e hormônios gonadais femininos na explicação do aparecimento e do padrão de sintomas da disforia pré-menstrual. A serotonina tem sido o alvo predileto dos estudos em função da semelhança dos sintomas do TDPM com os quadros depressivos. Entretanto, as evidencias apontam para mecanismos múltiplos envolvidos nesse transtorno, e diversos sintomas assemelham-se não apenas a quadros depressivos, mas também a quadros compulsivos e mesmo psicóticos. O envolvimento de outros neurotransmissores e seus receptores, como a dopamina, é objeto de pesquisas recentes, visto que sintomas como alterações do humor, déficit de atenção, incoordenação motora, desânimo, descontrole do peso corporal, do tamanho e do número de refeições são mediados pela sinalização dopaminérgica em modelo animal, correspondendo a queixas importantes das mulheres com TDPM (Vallone, 2002).

Conceito A SPM é a ocorrência repetitiva de um conjunto de alterações físicas, do humor, cognitivas e comportamentais com a presença de queixas de desconforto, irritabilidade, depressão ou fadiga, geralmente acompanhadas da sensação de intumescimento e dolorimento de seios, abdome, extremidades, além de cefaléia e compulsão por alimentos ricos em carboidratos, acrescidos ou não de distúrbios autonômicos, com início em torno de duas semanas antes da menstruação e alívio rápido após o início do fluxo menstrual. Em função do grande número de sintomas atribuídos à SPM (mais de 150 relacionados a vários órgãos e sistemas), não existe um consenso quanto a uma definição mais exata e, sim, a suposição de que ocorram diversos subtipos desse distúrbio, cada um com a sua gravidade e sustentados por um complexo conjunto de fatores biológicos, psicológicos e ambientais. Devido a essa grande diversidade de sintomas, alguns autores referem-se a ela como “síndromes ou alterações prémenstruais” (Steiner, 1997). Há também quem advogue ser a SPM parte do grupo de transtornos do humor com sintomatologia tipo depressiva leve ou atípica (Cheniaux Jr., 2001). Na realidade, a conceituação da SPM está muito mais sustentada na ciclicidade ou na periodicidade, vinculada temporalmente à menstruação, do que na sintomatologia per se. Os principais sintomas físicos da SPM são dolorimento e tumefação das mamas (mastalgia), cefaléia e alterações do humor, que acometem mais de 75% das mulheres durante três a dez dias anteriores à menstruação, e designa-se como transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) a um transtorno variante da síndrome pré-menstrual, mais severa ou extrema, com a oscilação Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 117-123, 2006

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119 do humor apresentada como fator mais perturbador e debilitante no complexo de sintomas descritos. O TDPM caracteriza-se por: 1) recorrência cíclica, durante a fase lútea, de sintomas de humor e comportamentais em primeira instância, e somáticos, sendo depressão, ansiedade, labilidade afetiva, tensão, irritabilidade, ira, distúrbios do sono e do apetite os mais freqüentes; 2) sintomas severos o suficiente para o comprometimento do funcionamento social, ocupacional e escolar; 3) sintomas relacionados diretamente às fases do ciclo menstrual e que podem durar, tipicamente, de cinco a catorze dias. Em geral, pioram com a aproximação da menstruação e usualmente cessam de forma imediata ou logo a seguir (um a dois dias) ao início de fluxo menstrual (Thys-Jacob, 1998; Parry, 1999). Tais observações são válidas em presença de um ciclo espontâneo, ovulatório, em ausência de intervenção farmacológica, hormonal e ingestão de drogas e álcool, os quais mascaram a progressão dos sintomas no curso do ciclo menstrual. O TDPM deve ser diferenciado da SPM, termo primariamente reservado para sintomas físicos moderados anteriormente descritos, acrescidos de leves variações, de humor. Torna-se importante diferenciar o TDPM também da amplificação de sintomas de outras doenças psiquiátricas ou clínicas concorrentes. Os critérios utilizados para pesquisar a presença do TDPM, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana (1994), são os seguintes: A. Os sintomas devem ocorrer durante a semana anterior à menstruação e remitirem poucos dias após o início desta. Cinco dos seguintes sintomas devem estar presentes e pelo menos um deles deve ser o de número 1, 2, 3, ou 4: 1. Humor deprimido, sentimentos de falta de esperança ou pensamentos autodepreciativos. 2. Ansiedade acentuada, tensão, sentimentos de estar com os “nervos à flor da pele”. 3. Significativa instabilidade afetiva. 4. Raiva ou irritabilidade persistente e conflitos interpessoais aumentados. 5. Interesse diminuído pelas atividades habituais. 6. Sentimento subjetivo de dificuldade em se concentrar. 7. Letargia, fadiga fácil ou acentuada falta de energia. 8. Alteração acentuada do apetite, excessos alimentares ou avidez por determinados alimentos. 9. Hipersonia ou insônia. 10. Sentimentos subjetivos de descontrole emocional. 11. Outros sintomas físicos, como sensibilidade ou inchaço das mamas, dor de cabeça, dor articular ou muscular, sensação de inchaço geral “e ganho de peso”. Valadares, G.C.; Ferreira, L.V.; Correa Filho, H.; Romano-Silva, M.A.

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B. C. D.

Os sintomas devem interferir ou trazer prejuízo no trabalho, na escola, nas atividades cotidianas ou nos relacionamentos. Os sintomas não devem ser apenas exacerbação de outras doenças. Os critérios A, B, e C devem ser confirmados por anotações prospectivas em diário durante pelo menos dois ciclos consecutivos. (American Psychiatric Association, 1995).

A utilização dos critérios do DSM-IV, em associação ao preenchimento de diários prospectivos por pelo menos dois ciclos menstruais consecutivos, é atualmente reconhecido como o modo prático de confirmação diagnóstica (American Psychiatric Association, 1987; Freemam et al., 2000). O diagnóstico diferencial do TDPM baseia-se na exclusão de doenças clínicas ou psiquiátricas com as quais possa ser confundido. O pilar dessa diferença é a presença de um período assintomático de duração relativa entre os dias 2 e 14 do ciclo menstrual (Figura 1). Na lista de outras desordens, os diagnósticos psiquiátricos são os mais comuns, especialmente, a depressão e a ansiedade. Três síndromes de causas pouco conhecidas têm sintomas similares, mas não restritos à fase lútea: edema cíclico, síndrome da fadiga crônica e fibromialgia. Finalmente, desordens clínicas gerais que podem apresentar padrão de agravamento na fase lútea incluem: cefaléia migratória, epilepsia, síndrome do colo irritável e hipotireoidismo, que também necessitam ser descartadas. Doenças sem padrão na fase lútea, como anemia, endometriose, doença fibrocística da mama e lúpus eritematoso sistêmico, devem ser lembradas na avaliação e no raciocínio diagnósticos (Tabela 1).

TPM • Prevalência: 75% a 80% • Grande número de sintomas • Diversos subtipos • Diagnóstico por ginecologista

TDPM • Prevalência: 3% a 8% • Sintomas de humor são os mais prevalentes e mais correlacionados com déficits no funcionamento social, profissional, familiar • Sintomas de ansiedade, irritabilidade e labilidade do humor • Diagnóstico por psiquiatra

Figura 1. Diferenças entre TPM e TDPM. Notar as diferenças na prevalência, no número e nos tipos de sintomas, além do profissional médico que geralmente faz o diagnóstico, distinguindo TPM de TDPM. A prevalência menor e com predomínio de sintomas do humor caracteriza o TDPM. Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 117-123, 2006

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120 Tabela 1. Avaliação do transtorno disfórico pré-menstrual. Mostra os pilares de avaliação para o diagnóstico e a base de planejamento do tratamento do TDPM, especificando as avaliações psiquiátrica, clínica e laboratorial, a história familiar e de uso de medicamentos, bem como os hábitos nutricionais das pacientes. Tipo de avaliação

Componentes

Psiquiátrica

História dos sintomas, duração, curso, fatores precipitantes e de risco, tratamentos prévios. História psiquiátrica pregressa, especialmente de desordens do humor. História de abuso de álcool ou substâncias.

Clínica

História clínica, doenças endócrinas e ginecológicas (tireóide, endometriose, doença fibrocística da mama) e outras com padrão pré-menstrual.

Laboratorial

Avaliação hematológica e bioquímica, incluindo glicemia, cálcio, magnésio, testes de função tireoidiana etc.

História familiar

História de sintomas pré-menstruais, estratégias de tratamento, e resultados em mulheres da família. História psiquiátrica familiar.

Uso de medicamentos

Avaliação de medicamentos que possam produzir efeitos adversos psiquiátricos (antihipertensivos, antiulcerosos, corticóides, analgésicos, sedativos, broncodilatadores, descongestionantes, vasodilatadores, antialérgicos etc.).

Avaliação nutricional

Avaliar o uso de cafeína, sal, álcool; excluir deficiências nutricionais (vitaminas B6, cálcio, magnésio, triptofano etc.).

Adaptado de Burt VK et al. Premenstrual disphoric disorder in Women’s Mental Health. Washington DC: American Psychiatric Press, 1997.

Histórico Apesar do questionamento sobre ser a SPM resultante da vida moderna cada vez mais estressante para as mulheres, Semonides (2600 a.C.), em seu Essay on Women, e Hipócrates (600 a.C.), no tratado A doença das virgens, já descreviam as alterações de comportamento, as idéias de morte, as alucinações e os delírios resultantes da retenção do fluxo menstrual, também relatados por Platão, Aristóteles e Plínio. A descrição de doenças e transtornos que incidem no período menstrual foram também encontradas nos papiros de Ebers e Kahun (2000 a.C.). Trotula de Salermo (século XI) e Von Feuchtersleben (século XIX) igualmente descreveram o sofrimento das mulheres jovens no período que antecede a chegada da menstruação (Mato, 2002). Donoso e Marinovic (2000) citam algumas referências relacionadas à menstruação e à psicopatologia, evidenciando sintomas como obsessão, estados confusionais, ninfomania, depressão etc. entre 1759 e 1840. Os autores acrescentam uma das primeiras descrições da SPM, datada de 1842, como caso de “insanidade” pré-menstrual (grifo do autor). Segundo os mesmos cientistas, pesquisadores franceses, a partir desta data, começaram a descrever o período menstrual como um intervalo de tempo em que ocorria clara alteração de tipo afetivo (depressão e mania), assim como a existência de relação dessas alterações com a ocorrência da psicose puerperal. Em 1837, Pritchard, citado por Donoso e Marinovic (2000), descreveu um quadro caracterizado por mau Valadares, G.C.; Ferreira, L.V.; Correa Filho, H.; Romano-Silva, M.A.

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humor, propensão a brigas e melancolia no período pré-menstrual. Também autores alemães estudaram o tema, e, em 1902, o texto Psychosis Menstrualis, de Krafft-Ebing, classifica os casos segundo a sua associação temporal com o ciclo menstrual. Posteriormente, em 1914, Jolly, também citado por esses autores, realiza uma extensa revisão de casos e propõe uma classificação segundo a etapa do ciclo de vida da mulher em que aparece o transtorno. Grupos britânicos, em especial o da Universidade de Birmingham, Grã-Bretanha (principalmente o grupo do professor Ian Brockington), de japoneses e de escandinavos também investigam o tema, propondo critérios diagnósticos atualmente reconhecidos e uma classificação da apresentação das doenças relacionadas ao ciclo reprodutivo feminino (Donoso e Marinovic, 2000). Atribui-se, entretanto, a Robert T. Frank, em 1931, a primeira descrição científica da tensão pré-menstrual relacionada a acúmulo de hormônios sexuais no organismo. Frank classificou a TPM em três grupos diferentes de acordo com o tipo de sintomas: • Sintomas leves (fadiga) no período pré-menstrual; • Doenças sistêmicas que variavam conforme o ciclo menstrual (asma e epilepsia); • Minoria com tensão pré-menstrual (TPM) e sintomas emocionais graves (suicídio, “tensão nervosa”), com alívio à chegada da menstruação. Nesta classificação, ele refere-se a um grupo de mulheres que se queixam de uma tensão indescritível dez a sete dias antes da menstruação, cujos sintomas poRev. Psiq. Clín. 33 (3); 117-123, 2006

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121 dem persistir até a chegada do fluxo menstrual. Segundo Frank (1931), as pacientes ressentem-se em função de fadiga e irritabilidade, como se não coubessem em si, e apresentam desejo de aliviar a sua tensão por meio de ações consideradas tolas ou doentias. O sofrimento pessoal dessas mulheres é intenso, sendo manifestado em atitudes imprudentes, afoitas e, muitas vezes, repreensíveis. A consciência dessas alterações não se restringe à mulher, mas ao seu marido e familiares, que as consideram inabordáveis em suas atitudes e reações. Elas obtêm alívio completo das suas queixas físicas e mentais logo após a descida do fluxo. Dalton e Green, na década de 1950, revisaram a nomenclatura da TPM e consideraram tal termo insuficiente, sendo a tensão apenas um dentre os sintomas apresentados nesse transtorno, propondo a adoção do termo “síndrome pré-menstrual”. Também padecendo de sintomas pré-menstruais, Dalton relacionou a SPM principalmente à diminuição de progesterona durante a última quarta parte do ciclo menstrual (Green e Dalton, 1953). A partir do reconhecimento da SPM como doença, surgiu uma série de questões éticas e legais relacionadas à responsabilidade penal e à discriminação das mulheres portadoras desse sofrimento. A SPM foi utilizada como atenuante para crimes violentos e acidentes, esteve envolvida em 50% das admissões de mulheres em urgências psiquiátricas e 70% das hospitalizações de mulheres deprimidas. Por outro lado, apesar do reconhecimento da SPM como doença, esta continua vista socialmente como motivo de chiste e depreciação feminina, com muitas das mulheres portadoras de sintomas severos queixando-se, com frustração e mágoa, da falta de sensibilidade dos profissionais de saúde em avaliar a doença, bem como da falta de opções terapêuticas (Thys-Jacob, 1998; Parry, 1999). Para a psiquiatria, a doença é considerada recente. Em 1983, o Instituto Nacional de Saúde Mental Americano (NIMH) promoveu um workshop em que se aprovou consensualmente sobre a necessidade de se documentar em diário 30% ou mais de mudança na severidade dos sintomas, comparando-se as fases folicular e lútea do ciclo menstrual, bem como a necessidade de se observar uma fase livre de sintomas em meados da fase folicular para diferenciar as síndromes pré-menstruais da exacerbação de outras condições também crônicas. A entidade clínica síndrome de tensão pré-menstrual surgiu na 9a Classificação Internacional de Doenças (CID-9), restrita ao capítulo destinado às doenças ginecológicas, e, em 1986, em um rascunho da CID-10, aparece codificada em F53, incluída no capítulo XIV de doenças do sistema geniturinário como “N94.3 Síndrome Pré-Menstrual”. Em 1987, definiram-se características operacionais com propósitos de diagnóstico e pesquisa para o que denominaram transtorno disfórico da fase lútea tardia (TDFLT) na edição revisada do III Manual de Diagnósti-

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co e Estatística (DSM-III-R), no qual a entidade aparece inclusa em “categorias propostas necessitando estudos adicionais”, devido à grande polêmica entre grupos feministas que se embatiam, considerando, de um lado, o avanço via reconhecimento de sofrimentos gêneros específicos e, por outra parte, o receio da classificação desse transtorno como doença servir para a discriminação feminina na sociedade, no trabalho e até nos seguros de saúde (American Psychiatric Association, 1987). Em 1994, houve revisão e nova denominação pela Associação Psiquiátrica Americana, acrescida de critérios diagnósticos operacionais para o transtorno, que passou a ser nomeado transtorno disfórico prémenstrual (TDPM), considerado o padrão-ouro para pesquisa e adotado pelo Food and Drug Administration Neuropharmacology Advisory Comittee para regular as pesquisas e os tratamentos propostos (Apolinário, 2003; Endcott, 2000). O TDPM foi mantido em apêndice pela pressão dos mesmos grupos políticos e aparece citado entre os “transtornos depressivos não especificados em outra parte” do capítulo de transtornos do humor, sendo os critérios diagnósticos apresentados no apêndice do DSM-IV. Apesar de aderirem aos métodos americanos de diagnóstico, diversos estudiosos têm criticado a arbitrariedade em quantificar em cinco ou mais sintomas cardinais o diagnóstico e advogam que a ocorrência de um ou mais sintomas principais, como irritabilidade e/ou humor depressivo, possa ser suficiente, desde que haja confirmação prospectiva por diários durante dois meses consecutivos e observação de prejuízo significativo na área social, profissional ou relacional. Essa variante não-ortodoxa do TDPM foi nomeada como disforia pré-menstrual (DPM) e já é utilizada em publicações e teses na Europa e no Canadá.

Epidemiologia A SPM pode ser observada em diversas culturas, variando apenas a freqüência de determinados sintomas. Um total de 75% a 95% de mulheres em idade reprodutiva com o ciclo menstrual regular apresentam algum tipo de sintoma pré-menstrual de intensidade leve, sem necessidade de intervenção médica ou psiquiátrica. Segundo Bernstein (1993), sua prevalência é estimada entre 10% e 20% a partir de estudos populacionais feitos entre mulheres de 18 a 45 anos de idade que procuram algum tipo de tratamento para seus sintomas. Já em Chenieux Jr. et al. (1994), Dickerson et al. (2003) e Endicott (2000) aproximadamente 3% a 11% de mulheres relatam que seus sintomas são graves a ponto de provocarem prejuízo importante ou mesmo incapacidade em suas atividades cotidianas. O TDPM tem sido descrito desde a menarca até a menopausa. Muitas mulheres relatam aumento da severidade e da duração dos sintomas com a proximidade da menopausa (Halbreich et al., 2003). O início dos sinto-

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122 mas está descrito na metade da segunda década de vida, sendo que a demanda por tratamento geralmente ocorre na metade dos 30 anos. O impacto causado pelo TDPM talvez explique o apogeu de sintomas nessa faixa etária, visto que uma mulher que inicia com sintomas aos 26 anos de idade, vai sofrer mais de 200 ciclos sintomáticos, ou seja, de 1.400 a 2.800 dias com prejuízo funcional e relacional (Steiner, 1997). O estresse crônico progressivo ao longo da vida reprodutiva vai sendo acumulado a cada ciclo sintomático, com tais mulheres apresentando de 7 a 14 dias sintomáticos/mês, o equivalente a 1.680 dias sintomáticos/década (Halbreich, 2003). É impor tante relatar que as mulheres com TDPM se referem a um comprometimento na fase lútea semelhante ao observado em portadoras de episódio depressivo maior no que se refere a atividades familiares, sociais e ocupacionais (Apolinário, 2003). Mais de 300 sintomas pré-menstruais foram relatados pelas pacientes com SPM, sendo os mais estudados: irritabilidade, tensão, depressão, inchaço, mastalgia e dores de cabeça. Obser va-se uma considerável diversidade de resultados nas pesquisas epidemiológicas relativas à prevalência da SPM, apontando para o questionamento de diversos pesquisadores de uma subavaliação de uma grande proporção de mulheres sintomáticas na população geral apresentando estresse, prejuízo e impacto em suas vidas – semelhante a outras doenças psiquiátricas –, necessitando, portanto de diagnóstico e tratamento adequados. É relatado ainda que 12,6% de mulheres preenchem totalmente os critérios para TDPM por um ciclo menstrual e no seguinte têm menos sintomas; porém, os que permanecem apresentam grande severidade (Chawla et al., 2002). Wittchen et al. (2002) encontraram também alta prevalência (35,3%) de mulheres com quatro ou mais sintomas, que se aproximam, mas não alcançam, os quesitos do DSM-IV de cinco ou mais sintomas cardinais. Eles encontraram prevalência de 18,6% de subdiagnosticadas, que, apesar de não se enquadrarem nos critérios americanos, apresentaram risco bastante elevado para tentativas de suicídio (Chau e Chang, 1998, 1999; Cleckner-Smith et al., 1998; Freeman et al., 1996; Rivera-Tovar e Frank, 1990; Shye e Jaffe, 1991; Wittchen et al., 2002).

Etiologia Muitas teorias têm sido propostas, porém, sem conclusão definitiva, para que um único fator explique a rica sintomatologia e patofisiologia do TDPM. Assim como em outros transtornos do humor femininos, o papel dos hormônios sexuais tem importância central; entretanto, os estudos não confirmaram nenhuma correlação entre TDPM e excesso de estrógeno, déficit de progesterona, abstinência de estrógeno ou mudanças nas taxas de estrógeno/progesterona. Estudos de tratamento sugerem que progesterona e

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progestágenos podem, na verdade, mais agravar do que melhorar os sintomas (Steiner, 1997). O consenso atual sugere que a função ovariana normal – e não algum desequilíbrio hormonal – seja o desencadeador dos eventos bioquímicos relacionados ao TDPM no sistema nervoso central e em outros tecidos, encorajando investigações a respeito da neuromodulação central pelos hormônios gonadais sobre os neurotransmissores e os sistemas circadianos que influenciam o humor, o comportamento e a cognição. A interação entre esses sistemas é multifatorial e complexa, sendo improvável que um fator etiológico simples e único explique os sintomas do TDPM. A ligação entre as funções dos hormônios ovarianos e os neurotransmissores aponta para o que parece ser uma cadeia de eventos que pode ser afetada pela alteração ou manipulação de vários links, tanto em nível central quanto periférico. Estudos prévios mostram níveis séricos de andrógenos elevados em mulheres com irritabilidade e disforia pré-menstrual, estando o turn over de serotonina central associado a impulsividade e concentrações elevadas de testosterona em agressores do sexo masculino (Frackiewcz e Shiovitz, 2001). O modelo de possível ruptura na atividade dos receptores de neurotransmissão, devida à mudança aguda nos níveis dos esteróides gonadais, exerce particular atração em função do início agudo dos sintomas da TDPM, sugerindo uma etiologia diferente das doenças afetivas que ocorrem de maneira mais gradual. A resposta dos sintomas a tratamento utilizado somente na fase lútea ancora essa idéia de mudanças agudas com possibilidade de reversão também aguda. Um possível aumento agudo no tônus serotoninérgico, ou um desvio parcial na capacidade de ligação dos opióides endógenos, pode ser resultante da queda rápida dos esteróides gonadais, típica da fase lútea. Diversas evidências apontam a serotonina como um importante fator na etiopatogênese do TDPM. Estudos têm demonstrado baixa significativa de serotonina total, em comparação com controles nos últimos dez dias do ciclo e a exacerbação de sintomas quando ocorre depleção de triptofano (Young et al, 1998). Captação alterada de serotonina plaquetária e diminuição no número de sítios de ligação de imipramina em plaquetas de mulheres com alterações pré-menstruais severas desde o início da fase lútea, bem como alterações em vários testes de estímulos têm sido descritas. Também a elevação da temperatura corporal durante o ciclo menstrual, o adiantamento de fase no sistema de produção de melatonina e a anormalidades no sistema norepinefrinérgico são relatados na literatura, mas, em geral, as mulheres com TDPM não manifestam alterações consistentes de disfunção no eixo hipotálamo-pituitárioadrenal nem na tireóide (Praschak-Rieder et al., 2001). Pouco se sabe sobre a influência de outros neurotransmissores – como a dopamina – na origem dos sintomas pré-menstruais, um desafio aos pesquisadores.

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123 Causas ambientais podem também estar relacionadas à TPM. Entre elas, ressalta-se o papel da dieta. Alguns alimentos parecem ter importante implicação no desenvolvimento dos sintomas, como chocolate, cafeína, sucos de frutas e álcool. As deficiências de vitamina B6 e de magnésio são consideradas. Porém, até o momento,

o papel desses nutrientes na causa ou no tratamento não foi confirmado (Halbreich, 2003). Os fatores sociais parecem exercer influência maior no agravamento de sintomas, não havendo estudos consistentes correlacionando-os etiologicamente ao TDPM.

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Revisão de Literatura

A oncopsiquiatria no câncer de mama – considerações a respeito de questões do feminino The onco-psychiatry in breast cancer – considerations about the female matter

FÁBIO SCARAMBONI CANTINELLI¹ RENATA SCIORILLI CAMACHO¹ OREN SMALETZ2 BÁRBARA KARINA GONSALES3 ÉRIKA BRAGUITTONI3 JOEL RENNÓ JR.4

Resumo Os autores revisaram amplamente a literatura em relação aos fatores psiquiátricos envolvendo o câncer de mama. Dentro da linha de raciocínio mestra dos tratamentos cirúrgico e oncológico dessas pacientes, ressalta-se seu impacto sobre a saúde mental. Aspectos como possibilidades cirúrgicas, imagem corporal e impacto sobre auto-estima e sexualidade, tratamentos sistêmicos e conseqüências físicas, tais como fadiga, náuseas e vômitos, foram discutidos. As diferenças entre os grupos etários submetidos ao tratamento também foram relevadas, separando-se suas questões. Tópicos sobre a qualidade de vida sempre foram ressaltados. Questões sobre intervenções farmacológicas e psicoterapêuticas foram igualmente levantadas, incluindo medicina alternativa. Palavras-chave: Câncer de mama, psiquiatria, qualidade de vida, tratamento, revisão.

Abstract The authors performed a broad literature review about psychiatric factors in breast cancer. Inside the master reasoning of the surgical and oncological treatments, an emphasis was made on heir impact over the mental health. Aspects like surgical possibilities and body image and its impact over the self-estime and sexuality and systemic treatments and their physical consequences, like fatigue, nausea and vomiting were discussed. The differences between the aged groups treated also were considered, separating their issues. Topics about Quality of Life was always considered. Questions about pharmacological and psychotherapeutical approach were considered too, including alternative medicine. Key-words: Breast cancer, psychiatry, quality of life, treatment, review.

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Médico psiquiatra. Colaborador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher (Pró-Mulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP). 2 Médico oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo. 3 Psicóloga clínica. Colaboradora do Pró-Mulher do IPq-HC-FMUSP. 4 Médico psiquiatra. Coordenador do Pró-Mulher do IPq-HC-FMUSP. Endereço para correspondência: Rua Bastos Pereira, 58, Vila Nova Conceição – 04507-010 – São Paulo, SP. Fone: (11) 3885-3036. E-mail: [email protected]

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Introdução A oncopsiquiatria é uma área de interesse especial dentro da psiquiatria que vem, ao longo dos últimos anos, ganhando força e acumulando conhecimentos científicos. Visando ao enfoque sobre as demandas psíquicas do paciente com câncer, promove, de maneira geral, o fortalecimento do indivíduo na guerra contra a doença. Assim, a oncopsiquiatria busca entender cada indivíduo dentro do contexto de mudanças que o câncer acarreta. Sabendo que o câncer não é uma doença única, mas um conjunto grande de patologias diversas, cada tipo de câncer pode trazer demandas específicas aos indivíduos. Dessa maneira, as neoplasias mamárias têm sua demanda sobre as mulheres. A mama é a metonímia do feminino, e, dentro de uma espiral de complexidade, o seu acometimento expõe as pacientes a uma série de questões: o seu posicionamento como mulher, atraente e feminina, ou a mãe que amamenta. Portanto, entender a oncopsiquiatria das neoplasias mamárias é uma maneira de entender o universo feminino. O National Cancer Policy Board dos Estados Unidos (2004) cita algumas dessas questões: medo da recorrência, sintomas físicos como fadiga, problemas de sono ou dor, alterações da imagem corporal, disfunção sexual, ansiedades relacionadas ao tratamento, pensamentos intrusivos a respeito da doença-ansiedade persistente, relações maritais, sentimentos de vulnerabilidade e elaborações existenciais, incluída a questão da morte. O objeto desta revisão é levantar algumas dessas questões relacionadas ao cuidado-tratamento dessas mulheres.

Epidemiologia do câncer de mama Primeiro câncer em incidência entre as mulheres em termos mundiais – que apresentam chance em torno de 12,5% de desenvolvê-lo ao longo da vida – e segundo quanto à mortalidade, perdendo apenas para o câncer de pulmão, no Brasil, representa a primeira causa de morte por câncer entre as mulheres, segundo Mendonça et al. (2004). Segundo a Estimativa INCA para 2005 (INCA, 2004), o número de casos novos de câncer de mama esperados para o Brasil em 2005 foi de 49.470, com o risco estimado de 53 casos a cada 100 mil mulheres. Com base nas informações disponíveis dos Registros Hospitalares do Instituto Nacional do Câncer (INCA), no período 2000/2001, 50% dos tumores de mama foram diagnosticados nos estádios III e IV.

Possíveis relações de quadros psiquiátricos com câncer de mama Os estudos epidemiológicos também apontam o câncer de mama como uma patologia de incidência aumentada

em mulheres em idade de ciclo reprodutivo, o que indica o envolvimento dos hormônios reprodutivos femininos na etiologia. Dumitrescu e Cotarla (2005), em ampla revisão dos fatores de risco relacionados ao câncer de mama, apontam a raridade desse diagnóstico antes dos 25 anos de idade. Este é um fator de risco, pois a incidência aumenta com ele. De maneira geral, o câncer de mama é resultado da interação bastante complexa de uma gama enorme de fatores. Ainda, essa é também a faixa de maior incidência de transtornos psiquiátricos, em especial, os quadros depressivos. Embora os fatores de risco não coincidam, o diagnóstico de câncer geralmente representa uma sobrecarga emocional e, portanto, diagnóstico de eixo IV do DSM-IV, podendo desencadear reações de ajustamento ou mesmo ser o gatilho de quadros afetivos (principalmente a depressão), ansiedade ou até mesmo psicoses. Os transtornos psiquiátricos também representam uma interação complexa de fatores, entre eles, a estrutura de personalidade e a capacidade de enfrentamento de problemas. De maneira inversa, um quadro psiquiátrico, isto é, o alcoolismo, é um fator de risco bem confirmado para câncer de mama, segundo os mesmos autores. Esse risco é dose-dependente em consumos acima de 60 g por dia, e para cada 10 g de incremento de dose por dia, o risco pode aumentar em 9%. Entre os mecanismos possíveis, o álcool teria ação indireta por meio de seu primeiro metabólito, o acetaldeído, bem conhecido carcinogênico e mutagênico; o aumento dos níveis de estrogênios em mulheres alcoólatras pré-menopausadas também é citado. Mais ainda, o álcool pode levar à deterioração no sistema imune e depleção de certos nutrientes que estariam na linha de frente do combate à carcinogênese. Wrensch et al. (2003) fizeram um estudo epidemiológico dos fatores de risco associados ao câncer de mama em Marin County, Estados Unidos, e encontraram maior incidência de câncer de mama associado ao maior consumo de álcool. A relação de outras comorbidades psiquiátricas como fator para câncer ainda é especulativa, mas a cronificação de determinados quadros deterioraria a função imune e a vigilância em relação a células cancerosas. Kiecolt-Glaser et al. (2002) revisaram a modulação psicológica do sistema imune e relataram que síndromes depressivas aumentam os níveis de citocinas pró-inflamatórias – em especial a interleucina (IL)-6, o que responderia pelos altos níveis de comorbidades clínicas associadas a esses quadros. Também ocorre a diminuição da atividade NK e de contagens de células T. Em quadros do espectro ansioso, também estabelece-se a relação. No transtorno de ansiedade generalizada (TAG), ocorre diminuição da expressão linfocítica do receptor para IL-2. Em pacientes com transtorno do estresse pós-traumático (PTSD, em inglês), ocorre diminuição da atividade lítica das células NK. Outro aspecto

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126 interessante do estudo cita que determinados estilos de personalidade, tais como negação, repressão, evitação e dificuldades em externar emoções ou conteúdos internos, cursam com função imune menos ativa.

Tratamentos do câncer de mama Tratamento do tumor primário CIRURGIA A cirurgia para o câncer de mama requer a excisão de qualquer tumor invasivo com margens negativas. O tumor deve ser excisado “em bloco”, com alguns centímetros de tecido normal. No final do século XIX, William Halsted desenvolveu a técnica de mastectomia radical que revolucionou a mastologia. Por volta dos anos 1870, somente 4% das mulheres sobreviviam três anos após uma cirurgia de câncer de mama. Com a técnica de Halsted, na qual a mama inteira era retirada, além de músculos da parede torácica e dos linfonodos axilares (Halsted, 1898), o número de mulheres que sobreviviam três anos sem metástases passou para 46,5%. A técnica de Halsted predominou por mais de meio século e passou por algumas modificações, mas somente nos últimos 20 anos houve um outro grande impacto: para várias mulheres com tumores iniciais, a mastectomia pôde ser evitada, e uma cirurgia conservadora, como a lumpectomia, seguida por radioterapia e tratamento sistêmico, com resultados de sobrevida similares, segundo Veronesi et al (1981; 2002). Hoje, a minoria das mulheres é submetida à mastectomia. As indicações são para aquelas com dois ou mais focos de tumores primários em áreas diferentes da mama, microcalcificações com aspecto maligno e difuso, radioterapia prévia para a mama (impossibilita mais radioterapia após a cirurgia conservadora), margens positivas persistentes após três ou mais tentativas de remoção do tumor primário, doença do colágeno ativa (como escleroderma e lúpus eritematoso sistêmico) e tumor grande em uma mama pequena. Uma das complicações da cirurgia é o desenvolvimento de linfedema no membro superior após a dissecção de linfonodos axilares. Além de a paciente sentir-se mutilada pela cirurgia, o linfedema causa alterações importantes não só físicas como funcionais. Recomenda-se que, após a dissecção de linfonodos axilares, não sejam feitos movimentos bruscos com o membro superior, se evitem infecções nesse membro, não se permita a colocação de agulhas etc. Recentemente, a técnica do linfonodo sentinela possibilitou a diminuição do número de pacientes com essa complicação. RADIOTERAPIA Indicada como tratamento complementar para pacientes submetidas a tratamento cirúrgico conservador da mama, para diminuir a recidiva ipsilateral. Existe também uma indicação formal desse tratamento como

adjuvante para as pacientes com tumores de mama que se submeteram à mastectomia e que têm alta chance de recidiva locorregional, principalmente naquelas pacientes com alguns linfonodos axilares acometidos, segundo Overgaard et al. (1997).

Tratamento sistêmico O tratamento sistêmico para o câncer de mama inicial é realizado para diminuir a chance da maior ameaça do tumor de mama: a recidiva a distância, ou seja, metástases. Assim como a cirurgia e a radioterapia encarregam-se do controle da doença locorregional, o tratamento sistêmico é utilizado para atacar eventuais células microscópicas responsáveis pelas metástases nas pacientes recidivantes. O tratamento sistêmico, que pode melhorar a chance de cura por volta de 30%, é dividido em três componentes: hormonoterapia, quimioterapia e imunoterapia. HORMONOTERAPIA É um dos tratamentos sistêmicos adjuvantes mais eficazes no tumor de mama, mas é eficaz somente nas pacientes que têm tumores que expressam os receptores hormonais de estrógeno e/ou progesterona (Early Breast Trialists’ Collaborative Group, 1998a). O benefício é a redução absoluta da mortalidade em mais de 10%. Os principais efeitos colaterais são os relacionados com a menopausa. O tamoxifeno é um modulador seletivo do receptor de estrógeno e pode causar ondas de calor, tromboembolismo, tumores de endométrio, mas, ao mesmo tempo, possui certa proteção contra a osteoporose e a arteriosclerose. Mais recentemente, uma nova classe de hormônios foi desenvolvida – os inibidores de aromatase –, que diminuem a produção de estrógeno pela conversão periférica da testosterona. Remédios dessa classe (como anastrosole, letrosole e examestano) têm perfil um pouco diferente do tamoxifeno: não poupam as pacientes da osteoporose e tampouco da arteriosclerose. A secura vaginal é um importante efeito colateral da hormonoterapia em geral, o que prejudica a atividade sexual. A ooforectomia ou o uso de análogos de gonadotrofinas pode ser indicado em pacientes pré-menopausadas com tumores receptores hormonais positivos, levando à menopausa precoce. QUIMIOTERAPIA O impacto na redução da recidiva e no ganho de sobrevida existe, mas de maneira mais modesta que na hormonoterapia. É mais indicada para pacientes com alta chance de recidiva, seja pelo tamanho do tumor ou pelo número de linfonodos acometidos, e, principalmente, nas pacientes com receptores hormonais negativos (Early Breast Trialists’ Collaborative Group, 1998b). Nem todos os esquemas de poliquimioterapia causam náuseas ou vômitos e alopecia. Os esquemas com antracíclicos (doxorrubicina ou epirrubicina) são aqueles com maior potencial de emese, além de alopecia; os

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127 taxanos – drogas recentemente utilizadas na adjuvância – também causam alopecia. IMUNOTERAPIA Cerca de 20% a 25% dos tumores de mama hiperexpressam uma proteína transmebrana, o Her2-neu, ou fator de crescimento epitelial. Essa proteína mostrou ser um fator prognóstico para pacientes com câncer de mama tratadas com quimioterapia. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se um anticorpo anti-Her2-neu – a herceptina ou trastuzumabe –, que, além de mostrar o seu benefício em pacientes com tumores metastáticos que hiperexpressem essa proteína, também pode reduzir a recidiva de pacientes tratadas com esse anticorpo por um ano após a cirurgia (Romond et al., 2005; Piccart-Gebhart et al., 2005).

O diagnóstico de transtornos mentais em mulheres com câncer de mama Avaliar a paciente diagnosticada e submetida a tratamento por câncer de mama é questão importante e, muitas vezes, tarefa a cargo do oncologista, do cirurgião, da enfermeira ou dos demais membros da equipe multidisciplinar, já que raramente o psiquiatra ou o psicólogo entram em cena no início da abordagem. Uma questão que pode preocupar essa equipe multidisciplinar é a dificuldade em reconhecerem quadros psiquiátricos. Em geral, percebe-se a ocorrência de determinadas alterações psicopatológicas relacionadas à ansiedade e à depressão, mas raramente um diagnóstico amplo ou formal é feito. Payne et al. (1999) apontaram essa dificuldade dos oncologistas em fazer tal reconhecimento. Assim, realizaram um estudo avaliando a utilidade de três instrumentos de auto-avaliação na identificação dessas síndromes psiquiátricas: HADS (Escala Hospitalar para Depressão e Ansiedade, em inglês), BSI (Inventário Curto de Sintomas, em inglês) e VAS (Escala Visual e Análoga, em inglês). Os autores apontam maior utilidade da HADS. A incidência dos quadros mentais pode variar conforme a fase do tratamento. Burguess et al. (2005) fizeram um estudo observacional de coorte enfocando a ocorrência de depressão e ansiedade em mulheres em fase inicial de câncer de mama. A prevalência no primeiro ano da doença é cerca de duas vezes a da população feminina geral. Com a remissão do quadro, os níveis igualam-se aos da população geral, mas na recorrência do câncer, pode haver um suave aumento nesses níveis. Os fatores de risco para depressão e ansiedade parecem estar mais relacionados à paciente do que à doença ou ao tratamento. Esses fatores são aqueles associados à depressão e à ansiedade na população geral, isto é, idade jovem, problemas psicológicos prévios e dificuldades no suporte social. A quimioterapia adjuvante pode aumentar o risco para depressão e ansiedade durante, mas não após, o tratamento. Esse risco não parece ser afetado por fatores clínicos como prognóstico, tipo de cirurgia ou radioterapia adjuvante.

Em um estudo cruzado seccional e multinstitucional, Kadan-Lottick et al. (2005) buscaram estabelecer a prevalência de diagnósticos psiquiátricos em pacientes com doença avançada (metastática) em serviços oncológicos (também enfocando outros tumores). De maneira geral, encontraram 12% de pacientes com critério para algum distúrbio psiquiátrico; 28% já haviam acessado algum serviço de saúde mental; 17% mantinham conversas com algum profissional de saúde mental e 90% desejavam receber tratamento para questões emocionais. Kornblith e Ligibel (2003) abordaram o funcionamento psicossocial e sexual em sobreviventes de câncer de mama. Enfocando o ajustamento psicossocial, relevando as questões que vão do desconforto psicológico aos diagnósticos psiquiátricos mais formais, levantaram tópicos como dúvidas a respeito da cirurgia, medo da recorrência, depressão relacionada a ter tido o câncer de mama, sentir-se desconfortável em suas próprias roupas, sentir-se sexualmente não atraente, náuseas e vômitos, inchaço nos membros superiores (pós-linfadenectomia axilar), desfiguração, medo da morte, medo de abandono por familiares e amigos. Nos quadros de ansiedade diagnosticados, a PTSD ocupa a faixa de 4% a 24%, quando a prevalência geral varia de 0,5% a 1,3% ou de 15% a 16% quando associada a traumas. Assim, pacientes que se mantêm hiperalertas, vigilantes ou em guarda, evocando freqüentemente lembranças ou visões do hospital, certos cheiros, até mesmo comidas, vivenciadas dentro de um contexto hospitalar devem ser relevados. Em relação ao medo da recorrência, existem dados significativos de que mulheres submetidas a tratamentos mais agressivos (cirurgia + quimioterapia neo ou adjuvante) têm menos medo da recorrência em relação àquelas com tratamentos mais conservadores. Okamura et al. (2005) examinaram a prevalência e os fatores associados com distúrbios psiquiátricos e o impacto sobre a qualidade de vida em pacientes com primeira recorrência de câncer de mama. A taxa de prevalência de quadros psiquiátricos foi em torno de 22%, comparáveis às taxas de 14% a 38% para transtornos psiquiátricos em fase precoce do tratamento encontradas na literatura, e menores que as taxas para transtornos psiquiátricos em câncer recorrente (geralmente, em torno dos 42%). Os diagnósticos encontrados foram de episódio depressivo (2%), PTSD (2%), outros transtornos de ansiedade (18%). Fatores significativos encontrados foram antecedentes de transtorno depressivo, principalmente quem manifestou quadro na fase inicial do tratamento, o que pressupõe que essas pacientes devam ter seguimento psiquiátrico ao longo de todo o tratamento, em especial quando associado à falta de esperança e à ajuda. Além disso, o intervalo menor que 24 meses entre o ataque da doença e a recorrência do câncer pressupõe risco maior, embora os autores ressalvem o tamanho de sua amostra para essa conclusão.

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128 Um fator interessantemente apontado é o regime quimioterápico CAF (ciclofosfamida, doxorrubicina e 5fluorouracil), tido como indutor de maiores dificuldades para se manter o trabalho e a vida social. A perda da qualidade de vida (QV) esteve associada a baixos índices nos quesitos “funcionamento emocional”, “imagem corporal” e “perspectiva de futuro” e alto índice na escala de sintomas, como perda de apetite, diarréia, fadiga e náusea e vômitos.

Tratamento cirúrgico e impacto sobre a saúde mental Schover (1994) levantou a questão dos tratamentos conservadores serem mais protetores, do ponto de vista psicológico, para a mulher com câncer de mama. Uma decisão favorável para essa modalidade de tratamento – a lumpectomia – pode ter repercussão imediata na saúde mental da mulher pela questão da “imagem corporal”, um termo que, segundo Engel et al. (2004), é falho em descrever a complexidade da experiência psicossocial em perder uma mama. Esses autores conduziram um estudo comparando a QV entre o tratamento conservador e a mastectomia total. O tratamento conservador está claramente associado com melhor QV; na mastectomia total, as mulheres sentiam-se menos atraentes, não gostavam de sua aparência geral, não se sentiam inteiras, estavam infelizes com a cicatriz, tinham limitações no trabalho, no lazer e em outras atividades do dia-a-dia, ficavam inseguras e chegavam a evitar o contato com outras pacientes. Mesmo em mulheres com mais de 70 anos de idade, havia a perda na QV por não se sentirem mais “inteiras” e propensas às suas atividades habituais. Outra decisão que pode ter impacto psicossocial é aquela pela mastectomia bilateral preventiva (MBP) ou não. Hatcher et al. (2001) discutiram esse procedimento do ponto de vista do impacto sobre a saúde mental (sem considerar méritos clínicos oncológicos). Avaliaram que o procedimento determinava a diminuição de níveis de ansiedade e depressão no pós-seguimento e não oferecia impacto sobre a imagem corporal ou o funcionamento sexual. As mulheres que geralmente optam por esse procedimento têm uma percepção alta e com freqüência não acurada do risco de desenvolverem câncer na mama contralateral. Em verdade, na decisão ou não desse procedimento deve pesar uma série de outros fatores. A partir desses fatos, seria fácil concluir que a reconstrução ou plástica mamária tem impacto positivo sobre a saúde mental e a QV, e que quanto mais precocemente for realizada, maior será tal impacto. Esse é um fato que goza de razoável consenso entre equipes multidisciplinares envolvidas no tratamento de câncer de mama. No entanto, é notável no levantamento bibliográfico para este artigo a relativa falta de estudos clínicos abordando o tema.

Quimioterapia – fadiga, náuseas e vômitos A preocupação com o bem-estar das pacientes em tratamento de câncer de mama é constante ao longo de todo ele. Um sintoma que pode interferir de forma significativa nessa questão é a fadiga. Nieboer et al. (2005) estudaram essa questão relacionada à quimioterapia, comparando altas dosagens com as padrões, levandose em consideração os parâmetros que poderiam nela influir: níveis de hemoglobina, dores musculares ou de articulações, estado mental e menopausal. A fadiga foi encontrada em 20% da população estudada, sem diferenças significativas relacionadas às dosagens. O fator preditor forte para fadiga era o empobrecimento do estado mental. Ballatori e Roila (2003) revisaram o impacto negativo que náuseas e vômitos pós-quimioterapia têm sobre a QV dos pacientes, podendo causar fissuras esofágicas, má nutrição, distúrbios hidroeletrolíticos e até mesmo a recusa dos pacientes em prosseguirem nos ciclos quimioterápicos. Esse impacto é sentido principalmente nos quesitos físico ou corporal das mais variadas escalas de QV utilizadas. A queda de índices de QV podem ser fatores relacionados ao empobrecimento da saúde mental. Esquemas quimioterápicos com menor probabilidade de náuseas ou vômitos e o asseguramento de esquemas seguros e eficientes de antieméticos têm impacto nessa questão. Salienta-se que, atualmente, devido a novas medicações antieméticas, a taxa de náuseas e vômitos seja de menos de 10%.

Aspectos psiquiátricos na hormonoterapia A questão dos hormônios reprodutivos femininos como desencadeadores ou adjuvantes em síndromes psiquiátricas femininas tem sido cada vez mais estabelecida. Assim, os quadros específicos da mulher, como depressão puerperal, disforia pré-menstrual ou depressão na menopausa, possuem forte correlação com o balanço estrogênicos/progestagênicos. Dessa maneira, o uso de tamoxifeno ou outros antiestrógenos usados em mulheres receptores de estrógeno ou progesterona-positivos traz o risco teórico de desenvolvimento de quadros depressivos. A utilização de tamoxifeno pode acarretar sintomas de menopausa, como fogachos ou amenorréia, ou mesmo induzir à menopausa precoce. Duffy et al. (1999) chamam a atenção para outros sintomas, tais como disforia e insônia. Apesar desse relato, de maneira geral, não se tem apontado na literatura o risco de depressão decorrente do uso de antiestrógenos, principalmente o tamoxifeno (Kunkel e Chen, 2003). Outro aspecto interessante é o uso ou não da terapia de reposição hormonal (TH) em mulheres menopausadas que sofrem os desconfortos desse período (como secura vaginal, fogachos, atrofia urogenital) e que apresentam antecedentes ou diagnóstico prévio de

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129 câncer de mama. Davis et al. (2005), em uma excelente revisão da terapia hormonal pós-menopausal, apontam que o uso em longo prazo de terapia oral com estrogênicos-progestagênicos parece estar associado a pequeno, porém estatisticamente significativo, aumento no risco de câncer de mama invasivo. Em um interessante guia de orientação, Pritchard et al. (2002) condenam o uso da TH e apontam alternativas a essas mulheres, como a indicação do antidepressivo venlafaxina para fogachos.

Impacto funcional do câncer de mama segundo a idade Em 1997, foi iniciado o CAMS, sigla em inglês para Estudo do Câncer e Menopausa, a fim de avaliar a QV em sobreviventes de câncer de mama, e desde então seus resultados têm sido publicados. Em um desses artigos, Ganz et al. (2003a) avaliaram que a QV de mulheres mais jovens pode ser considerada boa, embora inferior quando comparadas a mulheres na mesma faixa etária sem diagnóstico de câncer. Os prejuízos avaliados apareciam mais fortemente relacionados aos sintomas de menopausa precoce induzida pelo tratamento, com conseqüente repercussão de piora no estado emocional, ou seja, lidar com a saúde reprodutiva da mulher é de suma importância. Outro fator importante no empobrecimento da QV é o sentimento de vulnerabilidade após o câncer. De fato, as mulheres mais jovens são um foco especial de atenção. Avis et al. (2005) também descreveram a QV em mulheres mais jovens, no período do 4o ao 42o mês após o diagnóstico e seus fatores associados ao prejuízo da QV. O estudo confirmou a literatura que tem afirmado que essas mulheres reportam grande morbidade psicológica após o diagnóstico, e que sintomas físicos, principalmente aqueles associados à menopausa, tais como fogachos, dificuldades de controle vesical ou secura vaginal, são fatores muito significativos na perda da QV. Em relação ao tempo, uma diminuição da QV logo após o diagnóstico pode sugerir reação de ajustamento ou mesmo depressão. O estudo conclui pela maior dificuldade de adaptação desse grupo etário e sugere foco especial de acompanhamento e orientação a ser exercido o mais precocemente possível. Ganz et al. (2003b) também avaliaram a QV de mulheres mais idosas. O artigo é um estudo com 852 mulheres sobre a QV no ajustamento psicológico da mulher após 15 meses de diagnóstico, com a efetivação de 829 mulheres. Os resultados demonstraram que as pacientes que tiveram suporte psicológico conseguiram suportar melhor o tratamento com quimioterapia e radioterapia do que as pacientes que não receberam o mesmo suporte. Ao final de 15 meses, as pacientes que receberam tal suporte psicológico haviam obtido melhor resultado do ponto de vista mental, já que apresentaram menos escores de tristeza e prejuízo em sua vida social. As pacientes que não receberam tal orientação já no

final do terceiro mês começavam a apresentar distúrbios psicológicos e elevada taxa de não tolerância em relação ao tratamento com radioterapia e quimioterapia. O estudo conclui que mulheres que recebem suporte mental na época do tratamento da quimioterapia e radioterapia conseguem chegar ao final do 15o mês de atendimento apresentando menos prejuízos na sua vida pessoal e social. Kroenke et al. (2004) também exploraram o impacto de mudanças físicas e psicossociais segundo a idade do diagnóstico. Encontraram que mulheres jovens (menos de 40 anos) com câncer de mama invasivo experimentavam perdas maiores na questão física, dores corporais, função social e saúde mental, quando comparadas com mulheres de meia-idade (41 a 64 anos) ou idosas (acima de 65 anos). De fato, houve declínios em taxas de QV em mulheres jovens duas vezes mais que nos outros grupos. Com exceção da função física, que parece ter efeito cumulativo com a idade, a mulher jovem é uma população distinta que difere em sua resposta ao diagnóstico de câncer de mama. As perdas na esfera psicossocial se referem ao medo da morte, à impossibilidade de retornarem ao trabalho, às questões relacionadas ao trabalho e ao desenvolvimento de prole. Os pesquisadores consideraram que mulheres idosas são menos propensas a receberem quimioterapia que as jovens, menos prováveis a terem nódulo positivo e mais propensas a receberem hormonoterapia (tamoxifeno). De fato, uma questão muito significativa relacionada às mulheres jovens é a imagem corporal associada a questões da sexualidade. Fobair et al., em um estudo ainda em publicação (2005), examinaram essa questão. Metade da população de 546 mulheres estudadas experimentou dois ou mais problemas relacionados com a imagem corporal em algum tempo do seguimento, e 17% experimentaram pelo menos um problema todo o tempo. Entre as mulheres sexualmente ativas, maiores problemas de imagem corporal estiveram associados à mastectomia e possível reconstrução, à perda de cabelos decorrentes da quimioterapia, às alterações de peso, à perda de saúde mental, à baixa auto-estima e às dificuldades do parceiro em compreender os seus sentimentos. Apesar de as mulheres jovens estarem mais propensas a sofrer impacto psicológico, as mulheres idosas também apresentam desafios específicos, segundo Kua (2005): diminuição em auto-relatar alterações psicopatológicas (por exemplo, sintomas depressivos), comorbidades, polifarmácia, mudanças farmacocinéticas e farmacodinâmicas, alterações cognitivas, diminuição do suporte social, do aporte financeiro e, possivelmente, do conhecimento envolvendo as opções de tratamento para o câncer. Tais dificuldades trazem conseqüências negativas para a detecção, o tratamento, a reabilitação e a prevenção do câncer. Existe também maior necessidade de equipe de enfermagem. Há poucos estudos relatando a prevalência de depressão ou ansiedade específica a

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130 essa faixa, mas, como se esperaria, a prevalência de quadros mentais orgânicos é maior.

Nível socioeconômico Apesar de já serem conhecidas as incidências aumentadas de depressão em mulheres com câncer, poucos estudos têm sido direcionados para as minorias étnicas, principalmente estudando as populações de baixa renda. Ell et al. (2005) estudaram a prevalência de depressão entre mulheres norte-americanas com baixo nível econômico-cultural e com diagnóstico de câncer ginecológico ou de mama e encontraram uma prevalência maior em relação a outros grupos populacionais, com correlações de dor, ansiedade e perda de QV no quesito saúde. Preocupações econômicas são uma particularidade desse grupo, principalmente em relação à qualidade do tratamento recebido, e podem ser um fator relacionado à depressão. Os autores sugerem que as particularidades desse grupo possam definir ações específicas. Embora não haja nenhum estudo específico da realidade brasileira, os achados desse estudo podem ser extrapolados à realidade de grande parte da população brasileira.

A questão da sexualidade e a vida marital Como já dito anteriormente, diagnóstico e tratamento do câncer de mama podem afetar significativamente a vida sexual da mulher ou do casal. Anllo (2000) fez uma importante revisão desse tema, ressaltando tópicos como o ajustamento marital, que, embora mantenha similaridades com casais controles, tende a apresentar maiores dificuldades entre casais com menos de 50 anos de idade. Essas dificuldades também tendem a ser piores ou mais freqüentes em casais que já apresentavam dificuldades sexuais prévias ao diagnóstico. Em relação aos aspectos cirúrgicos, a lumpectomia, embora melhor em relação à imagem corporal, parece não impactar a vida sexual; no entanto, a diminuição da função ovariana é um fator muito significativo no ajustamento da função sexual, que pode ocorrer pela quimioterapia, pela ooferectomia (principalmente em mulheres com câncer metastático) ou mulheres menopausadas que descontinuam a TH após o diagnóstico de câncer de mama. O tamoxifeno, como já relatado anteriormente, pode levar à atrofia vaginal e à diminuição do desejo. Há ainda fatores não-hormonais apontados, como fadiga e náusea, e elaborações psicológicas como infertilidade, medo da morte, ruína financeira e responsabilidades familiares, que podem resultar em mudanças na questão do desejo e do orgasmo. Após o diagnóstico, a mulher pode passar a viver em função do tratamento, com muitas interferências na vida sexual, com a sensação que a vida lhe está sendo roubada. Reações de ajustamento ou mesmo depressão e ansiedade têm forte impacto sobre a sexualidade. A

questão também pode ser muito significativa no contexto de casais que ainda não tiveram prole e ainda estão em idade reprodutiva. O medo de abandono também é um fator significativo, a partir do pensamento de que essas mulheres podem estar privando seus parceiros de atividade sexual. A autora enfatiza que mesmo mulheres mais velhas podem sentir o impacto sobre a sua sexualidade.

Intervenções medicamentosas em oncopsiquiatria A decisão de aplicar psicofármacos nessas pacientes deve ser examinada cuidadosamente. Por um lado, deve-se ponderar que os quadros psiquiátricos, como ressaltado anteriormente, têm uma série de conseqüências negativas na evolução do câncer, com evidente piora na QV, pelos altos índices de morbidade associados, e podendo muitas vezes levar ao abandono do tratamento; por outro lado, a questão das interações medicamentosas, em particular os quimioterápicos. A literatura tem relatado ensaios com freqüência, ponderando a aplicabilidade e os resultados dos mais diversos grupos de fármacos, em particular os antidepressivos. Descrever cada um foge aos objetivos desta revisão. Assim, colocaremos algumas linhas gerais que devem ser consideradas na escolha de uma determinada medicação. • Considerar a possibilidade de interação farmacocinética e farmacodinâmica, principalmente em relação aos quimioterápicos. Bons manuais de interações podem ser muito úteis no caso; • Optar pela monoterapia e começar com doses baixas, com aumentos graduais e ponderados, quando o paciente estiver sendo submetido a esquemas quimioterápicos. Isso deve ser considerado mesmo em situações mais graves, como no risco de suicídio; • Considerar a possibilidade de disfunções cognitivas; portanto, utilizar medicações sedativas ou com esse perfil somente em caso de necessidade formal e preferindo dosagens mais baixas, pelo risco de delirium, particularmente em pacientes mais idosas ou com metástases; • Em caso de neurolépticos, lembrar que essas pacientes estão mais sujeitas à fadiga muscular; portanto, preferir os que têm menos efeitos colaterais parkinsonianos, salvo se for essa a indicação (contenção motora). É importante lembrar que tratamentos casados, ou seja, medicação mais psicoterapia, podem trazer resultados mais eficientes e até mesmo minimizar as dosagens dos fármacos.

Intervenções psicossociais em oncopsiquiatria As possibilidades de intervenções psicoterapêuticas em oncopsiquiatria são muito amplas e variadas. Kunkel e

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131 Chen (2003) aventaram esse grande leque de possibilidades: individual ou em grupo, familiar, marital, cognitivocomportamental ou de base analítica, breve ou de longa duração, com enfoques específicos ou tema aberto, suporte ou paliativa, entre outras tantas variações. Bloch e Kissane (2000) abordaram duas possibilidades de intervenção: a intervenção em familiares de pacientes terminais, pressupondo um comportamento mal-adaptativo desses membros, e a intervenção em mulheres em fase inicial de diagnóstico e tratamento, que poderiam se beneficiar com o fortalecimento em relação à experiência emocional de sua doença e demandas do tratamento. Em relação a essa abordagem, eles definiram um grupo, com duração limitada, dentro do modelo cognitivo-existencialista e estabeleceram seis metas: melhorar o sentimento de tristeza profunda relacionada às múltiplas perdas, melhorar os padrões de comportamento mal-adaptativos, incrementar as habilidades de enfrentamento e solução de problemas, prover um sentido de domínio e engajamento com a vida, promover um ambiente de suporte favorável e facilitar o entendimento das futuras prioridades. Fawzy et al. (1995) revisaram as quatro possibilidades de intervenção mais utilizadas no cuidado do câncer: educacional, treinamento comportamental, psicoterapia individual e intervenções de grupo, e concluíram que todas elas podem trazer algum tipo de vantagem aos pacientes, sendo que as formas estruturadas de intervenção (como educacional em saúde, manejo do estresse, treinamento comportamental, incluindo técnicas de enfrentamento de problemas e grupos de suporte psicossocial) oferecem os maiores benefícios potenciais aos pacientes recém-diagnosticados ou nas fases iniciais de tratamento, além de terem as vantagens de serem menos estigmatizantes, mais facilmente aceitas pela equipe e pelos pacientes, e estarem integradas ao cuidado multidisciplinar dos pacientes com câncer. Ressaltam que os cuidados psiquiátricos devem estar integrados no contexto de toda uma equipe e jamais ser independente do restante do tratamento. Poucos estudos têm sido efetivados a respeito da efetividade das mais diversas abordagens em mulheres com câncer de mama metastático. Edwards et al. (2005) fizeram uma ampla revisão do tema com importantes achados: a taxa de participação de intervenções psicoterapêuticas nessas mulheres pode ser considerada baixa quando se leva em consideração a rotina clínica. Não havia nenhum estudo provendo psicoterapia individual, educacional ou mesmo cognitivo-comportamental, e dentro das abordagens oferecidas, os dados de eficácia são controversos, tendendo à conclusão de que seriam ineficientes. No entanto, abordagens a esse grupo de mulheres continuarão a ser oferecidas, ressaltando-se o rigor metodológico no direcionamento de futuras pesquisas.

Medicina alternativa e tratamentos para o câncer O uso de métodos médicos não-convencionais tem crescido em interesse e aplicabilidade, não somente na oncologia ou psiquiatria, como na medicina em geral. Dessa forma, a acupuntura e a medicina tradicional chinesa, assim como a medicina ayurvédica, têm sido empregadas, e os estudos a respeito de sua funcionalidade têm crescido, ou seja, o uso com critério científico. Em pacientes com câncer, é bom lembrar, o desespero e a frustração dos pacientes podem levar à busca de qualquer método que prometa cura ou conforto, muitas vezes sem qualquer rigor científico. Shannahoff-Khalsa (2005) aponta o uso de técnicas de meditação e ioga-kundalini aplicados à oncopsiquiatria direcionados ao tratamento de ansiedade, fadiga, estimulação do sistema imune para o tratamento de tumores sólidos, expansão e integração da mente, desenvolvimento de uma mente comparativa, compreensiva e intuitiva e regeneração do sistema nervoso central. O uso dessas técnicas pode ser muito significativo, inclusive, em termos de cuidados paliativos.

Conclusões A oncopsiquiatria já pode ser considerada uma subespecialidade dentro da psiquiatria, e o seu interesse e estudo têm crescido de maneira exponencial. Mais do que isso, o oncopsiquiatra tem tido participações cada vez mais significativas dentro das equipes multidisciplinares envolvidas na espiral de complexidade que é um tratamento de um tumor. O câncer de mama é um capítulo muito especial dentro desse contexto pelo que traz à margem de discussão a essência do feminino e as suas questões. Muitas dessas foram levantadas neste texto, específicas ou não ao câncer de mama, relacionadas ao diagnóstico e/ou ao tratamento. Tal levantamento é muito importante no sentido da compreensão do momento vivido por essas mulheres e para fornecer luz às equipes terapêuticas com elas envolvidas. O objetivo desta revisão foi fazer um apanhado conciso, porém relevante, de algumas dessas questões. Entendemos que muitos dos tópicos levantados neste artigo são por si só temas de revisões, e, por mais amplo que tenha pretendido ser este artigo, outras questões também igualmente importantes podem ter sido excluídas. Dessa forma, relevamos o seguinte em relação a tudo o que foi levantado: manter vigilância quanto aos aspectos psíquicos de mulheres acometidas com câncer de mama e à sua QV, em especial à imagem corporal, saúde e desconfortos físicos, trabalho e vida sexual. Esperamos que este artigo acrescente àqueles que estudam o tema, abra interesse em outros e possa servir como foco de possíveis discussões sobre o assunto.

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Revisão de Literatura

A influência da comorbidade com transtornos alimentares na apresentação de mulheres dependentes de substâncias psicoativas The impact of eating disorders as a comorbidity on psychoactive drug-dependent women seeking care

SILVIA BRASILIANO1 PATRICIA B. HOCHGRAF2

Resumo A associação entre transtornos alimentares e dependência de substâncias é freqüente na prática clínica. Apesar de já existirem dados sugestivos de que essa associação possa sinalizar maior severidade nos distúrbios psiquiátricos e clínicos das pacientes, poucas pesquisas avaliaram sua influência no tratamento. Oitenta mulheres dependentes de álcool e drogas que procuraram tratamento em um programa exclusivo para mulheres foram avaliadas por meio da Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV (SCID), do ASI, e de um questionário padronizado para a coleta de dados sociodemográficos e relativos ao uso de substâncias psicoativas. As 27 (33,75%) pacientes que tinham transtornos alimentares presentes (grupo com TA) foram comparadas com as 53 (66,25%) que não tinham essa comorbidade (grupo sem TA). Os resultados mostraram que o grupo com TA teve problemas com drogas de maneira mais precoce, era significativamente mais jovem e tinha maior severidade no uso destas que o grupo sem TA. As diferenças encontradas, bem como a alta prevalência dos transtornos alimentares não formais, enfatizam a importância de uma avaliação detalhada dos transtornos alimentares em pacientes dependentes de substâncias psicoativas que buscam tratamento. A fim de planejar abordagens terapêuticas efetivas, essas diferenças e, principalmente, a influência da comorbidade entre transtornos alimentares e dependência de substâncias psicoativas no tratamento da dependência química precisam ser investigadas no futuro. Palavras-chave: Mulheres, dependência de substâncias psicoativas, transtornos alimentares, comorbidade.

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Psicóloga. Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenadora administrativa do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud) do Instituto de Psiquiatra do Hospital das Clínicas da FMUSP (IPq-HC-FMUSP). 2 Médica psiquiatra. Doutora em Psiquiatria pela FMUSP. Coordenadora médica do Promud do IPq-HC-FMUSP. Endereço para correspondência: Silvia Brasiliano. Rua João Moura, 647 – cj. 191 – 05412-911 – São Paulo/SP. Fone/Fax: (11) 3082-1876. E-mails: [email protected] e [email protected]

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Abstract The co-occurrence of eating disorders and substance use disorders is frequent in clinical settings. Although there are some data suggesting that this co-occurrence may signal greater psychiatric disturbances and greater medical risks, few studies have evaluated its impact on treatment course. Eighty drug dependent women who had sought treatment in a substance use gender-responsive program were assessed with the Structured Clinical Interview for DSM-IV Disorders, The Addiction Severity Index and a standardized questionnaire for demographics and psychoactive substance use variables. The 27 (33.75%) patients who had current eating disorders (ED group) were compared to the 53 (66.25%) patients who did not have such comor-

Introdução Nas últimas duas décadas, inúmeras pesquisas comparativas entre os gêneros têm demonstrado que homens e mulheres dependentes de substâncias psicoativas apresentam características e necessidades de tratamento próprias e diferenciadas (Stein e Cyr, 1997; Walter et al., 2003). Foi nesta linha que, em 2000, McMahon e Luthar afirmaram que seria fundamental mudar o foco das pesquisas. Para esses autores, os estudos deveriam dirigir-se mais para o conhecimento das diferenças entre as mulheres do que para a comparação de suas características com as dos homens. Mulheres dependentes de substâncias psicoativas provavelmente não constituem um grupo homogêneo, e sugere-se que perfis específicos podem estar relacionados a respostas diferentes ao tratamento (Brady e Randall, 1999; Hochgraf e Andrade, 2004). No sentido de delimitar subgrupos, a pesquisa da comorbidade entre dependência de substâncias psicoativas e outros transtornos psiquiátricos tem sido considerada uma ferramenta particularmente útil, pois permite caracterizar fontes de heterogeneidade intragrupos (Jackson et al., 2000; Brasiliano, 2005). Além disso, a comorbidade influencia a apresentação, a permanência e a evolução dos pacientes dependentes em tratamento (Center for Substance Abuse Treatment [CSAT], 2005). No entanto, enquanto alguns estudos observaram que a associação com a maioria dos transtornos psiquiátricos prediz pior evolução (Brown et al., 2002; Green et al., 2002), outros apontaram até uma relação inversa (Compton et al., 2003). Algumas pesquisas indicaram, ainda, que ela não tem influência na resposta ao tratamento (Brasiliano, 2005). Desde que Russell (1979), em sua primeira descrição de bulimia nervosa, observou que as pacientes com transtornos alimentares tendiam a abusar de álcool e drogas, sistemáticos estudos de pesquisa têm demonstrado que a associação entre transtornos alimentares Brasiliano, S.; Hochgraf, P.B.

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bidity (WED group). Results showed that the ED group had drug related problems earlier in life, was significantly younger and had higher drug related severity than the WED group. The differences observed between the groups and the higher prevalence of eating disorders not otherwise specified underscore the importance of a through evaluation of eating disorders in patients with substance use disorders seeking treatment. In order to plan effective therapeutic approaches these differences and moreover the comorbidity between eating disorders and substance use disorders in the course of substance abuse treatment need to be further investigated. Key-words: Women, substance use disorders, eating disorders, comorbidity.

e transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas é comum tanto em mulheres dependentes de álcool e/ou drogas como em mulheres com transtornos alimentares (Grilo et al., 1995a; 1995b; Sinha et al., 1996; Grilo et al., 2002; Center on Addiction and Substance Abuse [CASA], 2003). Contudo, ainda que freqüente na prática clínica, essa associação é geralmente pouco estudada, subdiagnosticada e subtratada (Sinha e O’Malley, 2000; American Psychiatric Association [APA], 2005; CSAT, 2005). Com exceção de um único estudo (Specker et al., 2000), os poucos dados existentes sugerem que quando transtornos alimentares e dependência de substâncias psicoativas apresentam-se em conjunto, há maior severidade nos distúrbios psiquiátricos e clínicos das pacientes. Em relação às alcoolistas, pesquisas indicaram que a presença dessa associação determina um perfil com características sociodemográficas, sintomas e evolução clínica diferente e, provavelmente, mais grave (Lacey e Moureli, 1986; Suzuki et al., 1993). Quanto às dependentes de drogas, Cochrane et al. (1998) verificaram que o uso de substâncias psicoativas pode estar relacionado ao controle do apetite e do peso. Sob esta perspectiva e tendo em vista que a comorbidade entre esses dois transtornos atinge taxas de cerca de 40% (Holderness et al., 1994) – 31% em um estudo brasileiro (Brasiliano e Hochgraf, 2006) –, o presente estudo foi desenhado com o intuito de explorar as particularidades deste subgrupo de mulheres, aprofundando os dados já existentes e buscando parâmetros brasileiros para o problema. A proposta foi comparar dois grupos de pacientes dependentes de substâncias psicoativas, com e sem transtorno alimentar, que procuraram tratamento em um programa especializado para dependência química feminina, e descrever sua apresentação inicial. A meta é que, em longo prazo, a determinação das especificidades possa contribuir para aumentar a eficácia das abordagens de tratamento propostas. Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 134-144, 2006

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Métodos O presente estudo foi realizado no Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud), no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPQ-HC-FMUSP). O Promud é um programa responsivo às necessidades de gênero (United Nations Office on Drug and Crime [UNODC], 2004) que foi criado, em novembro de 1996, como resultado de pesquisas, tanto brasileiras quanto internacionais, que indicavam que mulheres dependentes de substâncias psicoativas obtinham melhores resultados em programas de tratamento exclusivos para elas e que atendessem especificamente às suas particularidades. Na triagem para esse estudo foram considerados os seguintes critérios de inclusão: 1. Diagnóstico de dependência de substâncias psicoativas, segundo o DSM-IV (APA, 1995). 2. Idade igual ou superior a 18 anos. 3. Ter residência fixa na Grande São Paulo. 4. Concordar em participar do estudo. Foram excluídas as pacientes que apresentavam complicações clínicas ou psiquiátricas graves pelo uso do álcool ou outra droga (por exemplo, delirium tremens, hepatite alcoólica, quadros psicóticos) ou tinham diagnóstico de oligofrenia ou demência (APA, 1995). A amostra foi selecionada consecutivamente e composta pelas mulheres que procuraram o Promud de outubro de 1999 a março de 2003. Nesse período, foram triadas pelo Promud 113 pacientes, das quais 93 consentiram em participar do estudo e compareceram à primeira consulta. Deste grupo, 13 pacientes foram excluídas: três tinham complicações psiquiátricas graves, quatro não se mantiveram abstinentes por mais de 15 dias durante os dois primeiros meses de tratamento e seis não completaram as avaliações. Assim, a amostra final foi constituída de 80 pacientes. Todas as pacientes foram avaliadas pelo Protocolo Comum, que é um questionário desenvolvido pelo Sistema de Informações sobre Dependentes de Drogas em Tratamento (SIDET) como forma de padronizar a coleta de dados sociodemográficos, relativos ao uso de substâncias psicoativas e sobre o comportamento sexual (Castel et al., 2001). Utilizou-se também a Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV (SCID) (Tavares, 1996) e o Addiction Severity Index (ASI) na versão em português, proposta por Formigoni e Castel (2000). Todos os instrumentos foram aplicados após o período de, no mínimo, 15 dias de abstinência, conforme declaração da própria paciente (Midanik, 1982; Babor et al., 1990; Compton et al., 2003). Esse período foi escolhido baseado nos inúmeros estudos que demonstraram que, após 15 dias de cessação do uso de álcool e/ou outras drogas, é alta a confiabilidade do SCID para o diagnóstico de Brasiliano, S.; Hochgraf, P.B.

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comorbidade em dependentes de substâncias psicoativas (Bryant et al., 1992; Compton et al., 2003). As avaliações foram realizadas na triagem, na primeira consulta ou em qualquer semana, desde que a paciente estivesse abstinente por 15 dias. As pacientes que, no prazo de até dois meses da data da primeira consulta, não atingiram esse tempo de abstinência foram excluídas do presente estudo. A análise estatística foi realizada por meio do Teste Exato de Fisher para dados categorizados e do Teste t-Student para dados contínuos. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados Das pacientes da amostra, 33,75% (n = 27) tinham transtornos alimentares presentes. Destas, a maioria (40,8%) (n = 11) foi diagnosticada como transtorno da compulsão alimentar periódica, 29,6% (n = 8) tinham bulimia nervosa, 22,2% (n = 6) tinham transtornos alimentares sem outra especificação e 7,4% (n = 2), anorexia nervosa. Para efetuar a comparação, as 80 pacientes foram divididas em dois grupos: com transtornos alimentares (TA) (n = 27) e sem transtornos alimentares (STA) (n = 53). Como pode ser observado na tabela 1, apesar de cerca de 70% das pacientes sem transtorno alimentar serem dependentes de álcool, em comparação aos aproximados 52% das com transtorno alimentar, a diferença entre os dois grupos não foi estatisticamente significativa (prob. = 0,571; p = 0,1428). Entre as pacientes que usavam drogas, a substância mais utilizada foi a cocaína (62,1%), seguida pela maconha (51,7%). Embora não tenham sido verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p > 0,05), depois dessas drogas no grupo STA, as pacientes usavam benzodiazepínicos, heroína e anfetamina (18,8%, 18,8% e 12,5%, respectivamente). Já no grupo TA, a terceira droga mais usada foi a anfetamina, seguida por sedativos e benzodiazepínicos (15,4% e 7,8%, respectivamente). Não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos na idade de início de consumo, seja de álcool, seja de drogas (F = 1,18; p = 0,323) (Tabela 1). Quanto à idade de início de problemas, o grupo STA que consumia álcool apresentou problemas significativamente mais tarde que o grupo TA que consumia drogas: o primeiro levou cerca de 14 anos para ter problemas relacionados ao álcool, enquanto o grupo TA teve problemas com as drogas em aproximadamente cinco anos (F = 3,34; p = 0,024) (Tabela 1). As características demográficas podem ser observadas na tabela 2. O grupo STA que consumia álcool era significativamente mais velho que o grupo que consumia drogas: STA (47,06 x 37,06 anos) e TA (47,06 x 32,08) (F = 7,113; p = 0,0001). Esse último grupo tinha a menor idade ao chegar ao tratamento. Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 134-144, 2006

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137 Tabela 1. Comparação entre substâncias utilizadas e dados relacionados à idade (idades de início de uso e de início de problemas com álcool e/ou drogas) de 80 pacientes dependentes de substâncias psicoativas com e sem transtornos alimentares. Características

STA (n = 53)

TA (n = 27)

Estatística

p

Substâncias utilizadas

(n e %)

(n e %)

Álcool

37 (69,8%)

14 (51,9%)

16 (30,2%)

13 (48,1%)

Prob = 0,0571

n.s.2

Cocaína

11 (68,8%)

7 (53,8%)

Prob = 0,2166

n.s.2

Maconha

10 (62,5%)

5 (38,5%)

Prob = 0,1329

n.s.2

Anfetamina

2 (12,5%)

4 (30,8%)

Prob = 0,1806

n.s.2

Benzodiazepínico

3 (18,8%)

1 (7,8%)

Prob = 0,3065

n.s.2

Heroína

3 (18,8%)

0 (0%)

-----3

-----3

Sedativo

1 (6,3%)

2 (15,4%)

-----3

-----3

Outras4

8 (50%)

3 (23,1%)

Prob = 0,1064

n.s.2

Álcool

22,89 ± 9,96

18,57 ± 6,48

Drogas

24,19 ± 7,84

21,92 ± 7,48

F = 1,18

n.s.2

Álcool

37,03 ± 14,32

28,43 ± 9,07

Drogas

30,08 ± 7,46

27,15 ± 10,64

F = 3,34

0,024

Drogas

1

Idade de início (média/DP)

Idade de início do problema (média/DP)

A soma do tipo de droga é maior do que 100%, já que algumas pacientes usavam mais de um tipo de droga; 2 n.s.: não significativo; 3 -----: o teste estatístico não pôde ser realizado porque o número era muito pequeno; 4 Outros: LSD, hipnóticos, dolantina, metadona, anticolinérgicos, lança-perfume, ecstasy e cola. 1

Para as outras características, não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas. A maioria da amostra era composta por mulheres heterossexuais (prob. = 0,0776; p = 0,5276). Sessenta e cinco por cento não tinham companheiros (prob. = 0,1892; p = 0,8097), embora cerca de 73% tivessem filhos (prob. = 0,1238; p = 0,4206). Perto de 72% das pacientes de ambos os grupos tinham segundo grau ou superior completo (prob. = 0,030; p = 1,000) e um pouco mais de 50% delas estava empregada (prob. = 0,013; p = 0,6464). Essa taxa foi um pouco maior para o grupo TA (55,6% x 49,1%, respectivamente), mas o grupo STA tinha um índice maior de donas de casa (13,3% x 3,9%). Mais da metade das pacientes nunca tinha feito um tratamento anterior (prob. = 0,1738; p = 0,8138), ainda que 55% delas já houvessem tentado suicídio (prob. = 0,1728; p = 0,8128). Em relação ao abuso sexual infantil, como o teste de comparação entre os dois grupos teve p = 0,0835, é importante considerar, ao menos qualitativamente, que as pacientes do grupo TA relataram mais experiência de abuso que as do grupo STA. Enquanto no primeiro grupo 37% das pacientes relataram ter sido abusadas sexualmente na infância – metade dos atos tendo sido Brasiliano, S.; Hochgraf, P.B.

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cometidos por familiares –, somente 20,8% do grupo STA contou ter tido essa experiência e, mesmo assim, só duas pacientes (3,8%) relataram que tal ato foi praticado por familiares (Tabela 2). Conforme pode ser observado na tabela 3, as comorbidades mais prevalentes nesta amostra foram os transtornos ansiosos e a depressão maior. Os primeiros estiveram presentes em 54% do grupo STA e em 63% do grupo TA, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa (prob. = 0,1492; p = 0,6330). Diferença semelhante, embora em sentido oposto, também foi verificada para depressão maior apresentada por 64,2% do grupo STA e 55,6% do grupo TA (prob. = 0,1446; p = 0,4766). Entre os transtornos ansiosos, observou-se que o mais presente foi a fobia específica, apresentada por cerca de 30% das pacientes dos dois grupos (prob. = 0,1914; p = 0,8026). Para os demais transtornos ansiosos, também foram verificadas pequenas diferenças entre ambos os grupos, mas nenhuma delas alcançou significância estatística (os > 0,05) (Tabela 3). Entre os transtornos do humor, somente o transtorno bipolar apresentou diferença estatisticamente significativa, já que não esteve presente em nenhuma paciente do grupo STA, mas ocorreu em 11,1% (n = 3) Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 134-144, 2006

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138 Tabela 2. Comparação dos dados demográficos e de abuso sexual de 80 pacientes dependentes de substâncias psicoativas com e sem transtorno alimentar. Características

STA (n = 53)

TA (n = 27)

Estatística

p

Idade (anos; média e DP) Álcool

46,03 ± 11,65

39,71 ± 8,96

Drogas

37,06 ± 7,51

32,08 ± 9,91

48 (90,6%)

23 (85,2%)

Homossexual

1 (1,9%)

2 (7,4%)

Bissexual

4 (7,5%)

2 (7,4%)

Não

33 (63,5%)

18 (66,7%)

Filhos (n e %)

41 (77,4%)

18 (66,7%)

1 (1,9%)

0 (0%)

Fundamental

14 (26,4%)

7 (25,9%)

Médio

20 (37,7%)

11 (40,7%)

18 (34%)

9 (33,3%)

Com emprego

26 (49,1%)

15 (55,6%)

Dona de casa

7 (13,3%)

1 (3,9%)

Aposentada

2 (3,8%)

1 (3,7%)

Sem emprego

18 (34%)

10 (37%)

27 (50,9%)

F = 7,13

0,0003

Prob. = 0,0776

n.s.1

Prob. = 0,1892

n.s.1

Prob. = 0,1238

n.s.1

Prob. = 0,030

n.s.1

Prob. = 0,013

n.s.1

15 (55,6%)

Prob. = 0,1738

n.s.1

30 (56,6%)

14 (51,9%)

Prob . = 0,1728

n.s.1

Sim, por familiares

2 (3,8%)

5 (18,5%)

Sim, por outros

9 (17%)

5 (18,5%)

Prob. = 0,0076

n.s.1

Opção sexual (n e %) Heterossexual

Com companheiro (n e %)

Escolaridade (n e %) Analfabeta

Superior Situação ocupacional (n e %)

Tratamento prévio (n e %) Não Tentativa de suicídio (n e %) Sim Abuso sexual infantil (n e %)

1

n.s.: não-significativo.

das pacientes do grupo TA (prob. = 0,0356; p = 0,0356). Contudo, é preciso ter cautela ao interpretar esse dado, pois como a amostra era pequena, esse resultado deve ser visto apenas de maneira descritiva e considerado somente como indício de uma diferença a ser confirmada. Para distimia, não foi possível realizar a análise estatística, já que somente duas pacientes, uma de cada grupo, tinham esse transtorno (Tabela 3). Os transtornos psicóticos praticamente não foram observados na amostra, e a comparação entre os dois grupos não revelou diferenças (prob. = 0,3058; p = 0,6001) (Tabela 3). Brasiliano, S.; Hochgraf, P.B.

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Os transtornos do impulso investigados foram: cleptomania, jogo patológico, piromania e tricotilomania. Para os dois últimos, não foi possível realizar a análise estatística, já que a piromania foi diagnosticada em apenas uma paciente do grupo TA, e a tricotilomania, em duas pacientes, uma em cada grupo. Tanto a cleptomania quanto o jogo patológico foram um tanto mais prevalentes no grupo TA (18,% e 11,5%, respectivamente), comparativamente ao grupo STA (11,5% e 5,8%, respectivamente), mas essas diferenças não foram estatisticamente significativas (prob. = 0,0398, p = 0,4966; prob. = 0,0482, p = 0,3944, respectivamente) (Tabela 3). Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 134-144, 2006

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139 Tabela 3. Comparação da comorbidade psiquiátrica de 80 pacientes dependentes de substâncias psicoativas, com e sem transtorno alimentar. Transtornos psiquiátricos (n e %)

STA (n = 53)

TA (n = 27)

Estatística

p

Transtornos ansiosos1 Transtornos ansiosos (total)

29 (54,7%)

17 (63%)

Prob = 0,1492

n.s.2

Fobia específica

16 (30,2%)

9 (33,3%)

Prob = 0,1914

n.s.2

Fobia social

8 (15,1%)

2 (7,4%)

Prob = 0,1889

n.s.2,3

Transtorno do pânico

7 (13,2%)

7 (25,9%)

Prob = 0,0908

n.s.2,4

TOC

5 (9,4%)

4 (14,8%)

Prob = 0,2172

n.s.2,5

PTSD

3 (5,7%)

0 (0%)

Prob = 0,2851

n.s.2,6

Ansiedade generalizada

2 (3,8%)

1 (3,7%)

Prob = 0,4528

n.s.2,7

34 (64,2%)

16 (59,3%)

Prob = 0,1446

n.s.2

0 (0%)

3 (11,1%)

Prob = 0,0356

0,0356

2 (3,8%)

2 (7,4%)

Prob = 0,3058

n.s.2

6 (11,5%)

5 (18,5%)

Prob = 0,0398

n.s.2

3 (5,8%)

3 (11,5%)

Prob = 0,0482

n.s.2

Transtornos afetivos Depressão maior Transtorno bipolar Transtornos psicóticos Transtornos de controle e impulso Cleptomania8 Jogo patológico9

A soma dos transtornos ansiosos (fobia específica, fobia social, transtorno do pânico, TOC, PTSD e transtorno de ansiedade generalizada) é maior que 29, já que alguns pacientes tinham mais de um transtorno desse grupo; 2 n.s.: não-significativo; 3 p = 0,4815; 4 p = 0,2141; 5 p = 0,4771; 6 p = 0,5472; 7 p = 1,000; 8 Uma paciente não tinha esse dado; 9 Duas pacientes não tinham esse dado. 1

O grau de severidade da dependência foi avaliado a partir dos escores compostos da ASI na chegada das pacientes ao tratamento. Comparando-se os dois grupos, não foram verificadas diferenças nas seguintes escalas: saúde física (T = -0,57; p = 0,3957), emprego e sustento (T = 1,30; p = 0,3046), uso de álcool (T = 0,06; p = 0,3597), situação familiar e social (T = -0,97; p = 0,9067) e saúde mental (T = 0,21; p = 0,6764). Para a escala de situação legal, não foi possível verificar a presença de diferenças. Praticamente 90% dos dados eram iguais a zero, já que tratavam de questões que não se aplicam à situação de vida da maioria das pacientes no Brasil. Foi obser vada diferença entre os dois grupos apenas na escala de uso de drogas, em que se verificou que o grupo TA tinha significativamente mais problemas com drogas que o grupo STA (T = -3.30; p = 0,0015) (Tabela 4).

Discussão A prevalência de 33,75% de transtornos alimentares em pacientes com diagnóstico de transtornos relacionados ao uso de substâncias é concordante com a encontrada em estudos anteriores (Holderness et al., 1994; Grilo et Brasiliano, S.; Hochgraf, P.B.

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al., 1995b). O mesmo ocorreu para as taxas de bulimia nervosa e anorexia nervosa (Holderness et al., 1994). Contudo, é digno de nota que 63% (n = 17) das pacientes tinham transtornos alimentares não formais (transtorno da compulsão alimentar periódica ou transtornos alimentares sem outra especificação). Esse achado é pouco verificado em outros estudos. Por um lado, deve-se considerar que apenas algumas pesquisas exploraram a associação entre transtornos alimentares e transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas em pacientes dependentes (Dansky et al., 2000). Este fato já havia sido notado por Holderness et al. (1994), que se surpreenderam ao encontrar em sua revisão de 51 estudos, somente cinco em que os indivíduos investigados eram primariamente dependentes químicos. A maioria (75%) não só foi realizada com amostras de mulheres com transtornos alimentares, como, principalmente, grande parte deles com mulheres diagnosticadas com bulimia nervosa. Isso significa que mesmo as pesquisas com pacientes com transtornos alimentares tenderam a excluir os diagnósticos informais (Grilo et al., 2002). Por outro lado, esse achado fornece subsídios para a hipótese levantada por muitos autores que propõem que as patologias alimentares subclínicas e parciais são muito mais prevalentes que os transtornos Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 134-144, 2006

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140 Tabela 4. Escores compostos da ASI de 80 pacientes dependentes de substâncias psicoativas, com e sem transtorno alimentar, na chegada ao tratamento.

1

Escores compostos ASI (média e DP)

STA (n = 53)

TA (n = 27)

Estatística

p

Saúde física

0,320 ± 0,352

0,369 ± 0,365

T = -0,57

n.s.1

Emprego e sustento

0,685 ± 0,265

0,596 ± 0,332

T = 1,30

n.s.1

Uso de álcool

0,317 ± 0,268

0,313 ± 0,280

T = 0,06

n.s.1

Uso de drogas

0,040 ± 0,068

0,098 ± 0,086

T = -3,30

0,0015

Situação legal

0,042 ± 0,128

0,028 ± 0,106

-----2

-----2

Situação familiar e social

0,120 ± 0,106

0,142 ± 0,091

T = -0,93

n.s.1

Saúde mental

0,467 ± 0,415

0,452 ± 0,225

T = 0,21

n.s.1

n.s.: não-significativo; 2 -----: não foi possível realizar a análise estatística.

alimentares formais em pacientes dependentes de álcool e drogas (CSAT, 2005). No que se refere à taxa de 22,2% de transtornos alimentares não especificados, é similar à encontrada no estudo de Specker et al. (2000). Já para a taxa de 40,8% de pacientes com diagnóstico de transtorno da compulsão alimentar periódica, a primeira hipótese a ser formulada diz respeito ao próprio diagnóstico desse transtorno. Embora, cada vez mais usado tanto em pesquisas quanto na prática clínica, o transtorno da compulsão alimentar periódica não é ainda uma categoria diagnóstica oficialmente reconhecida. Apenas um conjunto de critérios diagnósticos provisórios, bem como a sua descrição, foi incluído no Apêndice B do DSM-IV, como um dos critérios ou eixos oferecidos para estudos adicionais (APA, 1995; 2005). Deve-se considerar também que quase inexistem estudos sobre o transtorno da compulsão alimentar periódica em pacientes com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Uma das poucas pesquisas sobre essa associação foi a realizada por Jonas et al. (1987), que, estudando 259 pacientes dependentes de cocaína, observaram que das 177 que não preencheram critérios do DSM-III para transtorno alimentar, 54 (31%) tinham história passada de comer compulsivo, e 31 delas relataram episódios de compulsão alimentar ao menos uma vez por semana. Em um estudo mais recente, Sinha et al. (1996) verificaram que as mulheres alcoolistas tinham mais freqüentemente transtornos alimentares sem outra especificação que transtornos alimentares formais. Esses autores apontaram também que mesmo quando essas pacientes não exibiam sintomas comportamentais de patologia alimentar, elas tinham maior probabilidade de apresentar atitudes patológicas com relação à alimentação, ao peso e à forma do corpo. Embora esses estudos não tenham investigado o transtorno da compulsão alimentar periódica como categoria diagnóstica, é importante considerar que a alta freqüência de atitudes disfuncionais em relação ao

Brasiliano, S.; Hochgraf, P.B.

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peso e à forma do corpo é consistente com as poucas investigações realizadas com indivíduos com esse transtorno (Reichborn-Kjennerud et al., 2004). Por outro lado, embora várias questões ainda permaneçam em aberto, estudos de comorbidade psiquiátrica em indivíduos com transtorno da compulsão alimentar periódica sugerem que os problemas com substâncias psicoativas podem ser mais prevalentes nesses pacientes. Bulik et al. (2002), em uma investigação com uma amostra populacional de 2.163 mulheres gêmeas, relataram que nas obesas não-bulímicas, a compulsão alimentar esteve associada com risco significativamente aumentado de dependência de álcool na vida (17% em obesas com compulsão alimentar x 5,6% em obesas sem essa compulsão). Reichborn-Kjennerud et al. (2004), conduzindo outra extensa pesquisa com 8.045 gêmeas, observaram que problemas com álcool estavam presentes em 27,7% das mulheres com compulsão alimentar, comparativamente a 20,1% das sem essa compulsão. Mesmo quando a taxa foi ajustada pelo índice de massa corporal, para avaliar o impacto do transtorno da compulsão alimentar periódica independentemente da obesidade, a significância foi de 0,05. A ausência de diferenças significativas entre os grupos TA e STA no tipo de droga utilizada é similar à encontrada por Specker et al. (2000). De forma semelhante, também o álcool foi a droga mais prevalente em ambos os estudos (cerca de 70% das pacientes). Contudo, houve diferenças importantes com relação à cocaína, à anfetamina, aos benzodiazepínicos e à heroína: as taxas de uso de cocaína foram maiores e as de heroína, menores que as encontradas em outras pesquisas (Wiseman et al., 1999; Specker et al., 2000). O mesmo ocorreu com as taxas obtidas para dependência de anfetaminas (14,8%) e benzodiazepínicos (3,7%). Se o resultado a respeito da heroína não surpreende – já que é compatível com os dados epidemiológicos brasileiros, que apontam a quase inexistência do consumo dessa substância em nosso país (Carlini et al., 2002) –,

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141 chama a atenção o baixo número de pacientes com dependência de anfetamina e de benzodiazepínicos que procuraram tratamento no Promud. Nappo et al. (2002) relacionaram a ampla aceitação da anfetamina como anorexígeno à cultura da magreza e à pressão social exercida sobre as mulheres, para que se adaptem à imagem corporal perfeita, a única aceita culturalmente. Tendo em vista que as questões relativas ao corpo são fundamentais para as mulheres com transtornos alimentares (APA, 1995), e que no Brasil o uso de anfetamina como agente redutor de peso é muito disseminado – chegando a ser até três vezes maior que em outros países (Nappo, 1996) –, seria esperado que elas consumissem mais anfetaminas e que, portanto, procurassem mais tratamento. Neste sentido, é lícito imaginar que o tamanho da amostra tenha influenciado o resultado, já que pode ter diminuído o poder estatístico das comparações. Assim, embora o grupo TA tenha apresentado um uso duas vezes maior que o grupo STA, essa diferença não foi significativa. Outra hipótese que poderia ser levantada para explicar o resultado desse estudo seria a pequena busca de tratamento por mulheres que usam anfetamina. Uma das razões para essa pequena busca poderia ser a confiança que muitas pacientes têm nesse medicamento, já que costuma ser prescrito pelo médico e, com freqüência, elaborado “individualmente” nas chamadas fórmulas (Nappo et al., 2002). Outro motivo poderia ser o desconhecimento da população sobre o potencial de abuso da anfetamina. Nappo et al. (1998) apontaram que provavelmente muitos médicos não alertam seus pacientes sobre os efeitos adversos dessa substância. Esses dados, aliados ao fato de que a anfetamina é comprada de maneira legal, permitem supor que para grande parte da população ela não é encarada como uma droga e que, portanto, os casos de dependência não sejam encaminhados para programas para álcool e drogas, mas, sim, por exemplo, para serviços que atendem a transtornos alimentares. Uma última explicação estaria relacionada à constatação de que mulheres que consomem anfetaminas têm maior probabilidade de apresentar anorexia nervosa (Holdcraft e Iacono, 2004). Como são poucas as pacientes na amostra com esse tipo de transtorno alimentar, as diferenças entre os grupos não seriam, então, significativas. Questões semelhantes parecem ocorrer com os benzodiazepínicos. Embora duas vezes mais prevalentes em mulheres que em homens, esses medicamentos são adquiridos legalmente, receitados por médicos, muitas vezes com poucas precauções, e raramente associados pelos pacientes à possibilidade de desenvolvimento de dependência (Bernik, 2001; Noto et al., 2002). Quanto à idade, o grupo TA apresentou problemas com o uso de substâncias psicoativas mais precocemente que o grupo STA. Esse resultado é similar ao encontrado em estudos prévios e poderia ser explicado pelo maior

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comprometimento das pacientes dependentes com associação com transtornos alimentares, em comparação àquelas que apresentam cada um dos transtornos isoladamente (Suzuki et al., 1993; Specker et al., 2000). Quanto aos dados demográficos, foram observadas diferenças significativas somente na idade de chegada ao tratamento. Essas diferenças estão correlacionadas tanto com a substância utilizada quanto com a presença de associação com transtornos alimentares. O achado de que o grupo TA de dependentes de droga tinha idade significativamente menor que o grupo STA de alcoolistas é consistente com os resultados de vários trabalhos anteriores (Specker et al., 2000). Por um lado, esse resultado parece apoiar a hipótese, já levantada, de que haveria um acúmulo de problemas nessas pacientes, que precipitaria a procura mais precoce de tratamento. Por outro lado, alguns autores têm sugerido que os efeitos inibidores do apetite dos estimulantes (em especial com a cocaína, a substância de escolha mais prevalente neste estudo) poderiam levar mulheres com transtornos alimentares motivadas pela perda de peso a dificuldades com essas substâncias mais precocemente (Cochrane et al., 1998). Parece estar correlacionado também ao tipo de substância utilizada o resultado de que as pacientes alcoolistas STA eram significativamente mais velhas que as pacientes dependentes de drogas STA. Trabalhos anteriores com mulheres em tratamento mostraram achados similares (Zilberman et al., 2001; Tucci, 2003). Em um estudo recente, Holdcraft e Iacono (2004), avaliando o curso da dependência de maconha, anfetamina, cocaína e alucinógenos em homens e mulheres, verificaram que nas mulheres o curso da dependência dessas substâncias era mais rápido que nos homens. Assim, observando-se que no presente estudo o tempo total de consumo, desde a idade de início até a chegada ao tratamento, foi de aproximadamente 23 anos para o álcool e de cerca de 12 anos para drogas, uma explicação possível seria que as mulheres desenvolveriam mais rapidamente dependência à cocaína e à maconha que ao álcool (Zilberman, 1998). A hipótese de um maior comprometimento no grupo TA relacionado também à dependência de drogas parece ser confirmada ainda pela medida da ASI do grau de severidade na entrada do tratamento, em que a única escala que apresentou diferenças foi a de uso de drogas: o grupo TA tinha escores significativamente mais altos que o grupo STA (0,098 ± 0,086 x 0,040 ± 0,068, respectivamente). Tomados em conjunto, esses dados são consistentes com alguns trabalhos prévios que observaram que as mulheres dependentes com transtornos alimentares têm um quadro clínico mais grave que as sem esses transtornos (APA, 2005; CSAT, 2005). De forma semelhante aos achados de investigações prévias, não foram verificadas diferenças entre o grupo TA e o grupo STA nas outras variáveis demográficas estudadas (Grilo et al., 1995a; 1995b). Contudo, é interessante

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142 considerar a alta taxa de homossexualidade encontrada nesta amostra quando comparada às estimativas para a população geral (cerca de 11% de homossexuais e bissexuais em relação a aproximadamente 2% a 4%, respectivamente) (Burgard et al., 2005), o que poderia reforçar hipóteses já levantadas para programas específicos para mulheres. Essas hipóteses postularam que, nos tratamentos exclusivos, a menor estigmatização, o objetivo de atender às necessidades específicas das pacientes e a freqüente presença de outras abordagens, como, por exemplo, as de saúde mental, atrairiam e reteriam mulheres mais graves e com mais dificuldades, tais como as vítimas de abuso e as homossexuais (Swift et al., 1996; UNODC, 2004). Tal como no estudo de Specker et al. (2000), não houve diferenças significativas entre os grupos STA e TA em relação à história de tratamentos prévios. Mais da metade da amostra (55%), sem diferença entre os dois grupos, já havia tentado suicídio antes do tratamento do Promud. Esse dado é consistente com o obtido por Silveira e Jorge (2004), com uma população semelhante, e está de acordo com a literatura sobre a grande vulnerabilidade das mulheres dependentes para o comportamento suicida (Wilcox et al., 2004). Para o grupo TA, embora não haja consenso, há maior tendência para associar o risco de suicídio às várias manifestações da impulsividade, que seriam características do subgrupo de pacientes com associação entre transtorno alimentar e abuso de substâncias (Stein et al., 2004). A taxa de abuso sexual da amostra foi de 26,3%. Embora seja digno de nota que as pacientes do grupo TA relataram mais experiências de abuso sexual que as do grupo STA (30,7% e 20,8%, respectivamente), essa diferença não alcançou significância estatística. Essa similaridade entre os dois grupos é consoante com as recentes conclusões de extensos estudos, que apontaram o abuso sexual infantil como um fator de risco não específico associado à maior probabilidade de desenvolvimento posterior de transtornos psiquiátricos de forma geral (Kendler et al., 2000). No que se refere ao grupo TA, o aumento do índice poderia ser entendido como conseqüente à associação com os transtornos relacionados ao uso de substâncias, embora este seja um achado a ser explorado em pesquisas futuras. O dado mais relevante em relação à comorbidade foi a presença de um indício de diferença para transtorno bipolar, que seria significativamente maior no grupo TA (11,1% = 3 pacientes) que no grupo STA (nenhuma paciente). Embora não seja possível fazer afirmações com uma amostra tão pequena e sejam necessárias investigações mais específicas, existem dados que permitem sugerir que a associação entre transtorno bipolar, transtornos relacionados ao uso de substâncias e transtornos alimentares esteja relacionada à impulsividade. Swann et al. (2004), estudando em laboratório a impulsividade em sujeitos com e sem transtorno bipolar associado ou não ao abuso de substâncias, verificaram que, quando considerada como traço, a impulsividade aumentava de forma

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cumulativa quando os dois transtornos se apresentavam de forma conjunta. Essas suposições sobre a impulsividade baseiam-se na proposição muito disseminada na literatura de que ela seria o traço comum subjacente à associação entre transtornos alimentares e transtornos relacionados ao uso de substâncias. Em 1986, Lacey e Moureli sugeriram que as alcoolistas com bulimia nervosa pertenciam a um subgrupo com problemas multiimpulsivos, que teria como característica central a falta de controle. Desde essa época, vários autores têm explorado essa possibilidade, que até o momento não foi rejeitada pela pesquisa disponível. Em um trabalho muito recente, Duncan et al. (2005) apontaram que existem dois subgrupos de mulheres com bulimia nervosa: um caracterizado somente por depressão e outro, menor, que teria, além de altas taxas de transtornos depressivos, dependência de álcool e drogas. Esse último subgrupo seria um subtipo impulsivo de bulímicas. Ainda que sujeito a outras pesquisas, um dado que poderia reforçar essa hipótese seria a presença relativamente maior de pacientes com cleptomania e com jogo patológico no grupo TA (18,5% e 11,5%, respectivamente). De qualquer forma, tal como ocorre com o transtorno bipolar, a presença de transtornos do controle do impulso alerta para a necessidade de avaliação psiquiátrica cuidadosa das pacientes dependentes em tratamento, a fim de que abordagens específicas possam ser utilizadas. Outro achado interessante foi que, em ambos os grupos, o transtorno ansioso mais prevalente era a fobia específica. Apesar de que se deva considerar que, entre os transtornos psiquiátricos, ele é o que menos severamente afeta as habilidades funcionais, sua importância reside no fato de que alguns estudos sugerem que as fobias têm um impacto positivo na resposta ao tratamento para substâncias psicoativas, especialmente em mulheres (Compton et al., 2003). A ausência de diferenças entre grupos TA e STA para os transtornos ansiosos, do humor e psicóticos é consistente com estudos anteriores (Grilo et al., 1995a). O mesmo ocorre com as altas taxas para transtornos ansiosos e depressivos, que são semelhantes às verificadas na literatura para mulheres dependentes de álcool e drogas (Tucci, 2003). O presente estudo é o resultado preliminar de uma investigação mais extensa sobre a evolução no tratamento de mulheres dependentes de substâncias psicoativas, com e sem transtornos alimentares. Assim, embora o seu pequeno espectro recomende que os resultados sejam observados com cautela e não permita generalizações mais amplas, seus achados já enfatizam a importância de uma avaliação detalhada dos transtornos alimentares em pacientes dependentes de substâncias psicoativas que buscam tratamento. Somente com instrumentos acurados é possível verificar a presença de diagnósticos, que, apesar de ainda se encontrarem em fase de investigação, certamente influenciam a abordagem terapêutica

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143 e, provavelmente, têm impacto sobre a evolução das pacientes. Neste sentido, sua maior contribuição é ressaltar que estratégias de tratamento diferenciadas devem ser elaboradas para abordar uma população, que não constitui um subgrupo com características homogêneas.

Agradecimento Este estudo foi financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processos números 99/08054-3 e 03/04994-9.

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Revisão de Literatura

Síndrome da anovulação crônica hiperandrogênica e transtornos psíquicos Hyperandrogenic chronic anovulation and psychologic disturbances

JOSÉ ARNALDO S. FERREIRA1 CÉSAR EDUARDO FERNANDES2 LUCIA HELENA DE AZEVEDO1 SÉRGIO PEIXOTO3

Resumo Os autores fazem uma revisão da síndrome dos ovários policísticos (SOP) com relação aos seus aspectos etiopatogênicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos, dando ênfase aos transtornos de ordem psíquica que freqüentemente acompanham esse distúrbiio. Tecem considerações sobre a importância não só de um efetivo tratamento médico, mas também de uma abordagem e um apoio psicológico, no sentido de melhorar ainda mais o bem-estar e a qualidade de vida dessas mulheres. Palavras-chave: Anovulação crônica hiperandrogênica, síndrome dos ovários policísticos, transtornos psíquicos.

Abstract The authors have reviewed the main aspects of the polycystic ovary syndrome (PCOS) with respect to its etiopathogenic, clinical, diagnostic and therapeutic features, highlighting the psychological distresses that frequently arise in the syndrome. They also make considerations on the importance of an effective clinical treatment as well as on the approaches and psychological support, aiming to improve women’s well-being and quality of life. Key-words: Hyperandrogenic chronic anovulation, polycystic ovary syndrome, psychologic distress

Introdução O interesse pela síndrome da anovulação crônica hiperandrogênica, também conhecida como síndrome dos ovários policísticos (SOP), tem sido crescente, princi-

palmente após a constatação de que envolve muito mais do que o sistema reprodutivo. Essa síndrome, também denominada de Stein e Leventhal em virtude da publicação desses autores na década de 1930 (Stein e Leventhal, 1935), é atualmente

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Professor Assistente da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC. 2 Professor livre-docente e chefe da Clínica Ginecológica da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC. 3 Professor Titular da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC. Endereço para correspondência: Rua Cincinato Braga, 102 – 01333-010 – São Paulo/SP. Fone/Fax: (11) 3288-3800. E-mail: [email protected]

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146 reconhecida como uma síndrome metabólica que inclui a hiperinsulinemia, a hiperlipidemia, o diabetes melito e, possivelmente, a doença cardiovascular (DCV), além das alterações já conhecidas, como hiperandrogenismo (clínico e/ou laboratorial), problemas cosméticos (hirsutismo, acne), anovulação (infertilidade), obesidade, aspecto policístico dos ovários e risco aumentado para adenocarcinoma de endométrio (Lobo e Carmina, 2000; Norman, 2002a). Manifestações clínicas como o hirsutismo, as alterações menstruais, a infertilidade e a obesidade afetam a auto-estima, trazendo como conseqüência insegurança, levando a importantes alterações psíquicas, como a ansiedade e a depressão. Iremos tecer não somente considerações gerais a respeito da SOP, como também serão abordados os transtornos de ordem psíquica que acompanham essa síndrome, por se constituírem a razão maior desta publicação.

Etiologia e prevalência Até hoje não se conhece um único fator que possa ser responsabilizado pela orígem da SOP. Admite-se uma origem genética, provavelmente multigênica, modulada por fatores ambientais (Roldan et al., 2004; Ehrmann, 2005). Alguns pesquisadores sugerem que o problema seja de origem funcional ovariana (alterações genéticas na atividade de enzimas que participam da síntese de androgênios); outros se referem a alterações na função adrenal ou hipotalâmica. Nos dias atuais, uma explicação mais amplamente aceita é que a origem seja metabólica, em conseqüência da resistência à ação da insulina. Pelo fato de o quadro clínico ser muito heterogêneo, cada vez mais os estudiosos acreditam que a SOP não seja causada por um único distúrbio, mas, sim, pelo espectro de várias desordens. Uma série de publicações tem sugerido prevalência de 5% a 10% das mulheres em idade reprodutiva, segundo os critérios diagnósticos do National Institute of Health (NIH) (Knochenhauer et al., 1998).

Aspectos clínicos Abordaremos neste tópico não só as manifestações clínicas que caracterizam a SOP, mas também os transtornos psíquicos que freqüentemente acompanham essa endocrinopatia.

Manifestações clínicas características da SOP RELACIONADAS À OLIGOVULAÇÃO/ANOVULAÇÃO As conseqüências são a infertilidade e as alterações menstruais. A infertilidade pode estar presente em 70% das mulheres afetadas, e entre aquelas inférteis, a SOP pode ser responsabilizada por 30% dos casos. As alterações menstruais podem ocorrer na freqüência de 70% das mulheres afetadas. As menstruações geralmente ocorrem com intervalos maiores do que 31 dias (espaFerreira, J.A.S.; Fernandes, C.E.; Azevedo, L.H., Peixoto, S.

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niomenorréia/amenorréia), havendo estímulo isolado do estradiol sobre o endométrio sem oposição da progesterona, podendo surgir as hiperplasias endometriais. Quando ocorre a privação hormonal estrogênica, as menstruações são mais duradouras e de maior intensidade (hipermenorragias). A estimulação estrogênica isolada poderá levar a hiperplasias complexas atípicas, com aumento do risco para adenocarcinoma endometrial (Richardson, 2003). RELACIONADAS AO HIPERANDROGENISMO Existe um amplo espectro de manifestações, que variam de acne, oleosidade e hirsutismo até alterações andróides do hábito corporal, como a diminuição do diâmetro do quadril, sendo influenciadas principalmente pela etnia. Mulheres asiáticas com SOP são raramente hirsutas, mas o achado é freqüente em mulheres negras (Carmina et al., 1992). Sinais de virilização são incomuns e, quando presentes, denotam outras causas de hiperandrogenismo, como a hiperplasia adrenal ou os tumores funcionantes dos ovários ou adrenais (Azziz, 1994a). RELACIONADAS AOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS Em virtude da hiperplasia do compartimento tecaestromal, do acúmulo de folículos císticos na cortical dos ovários e do espessamento da cápsula ovariana, os ovários apresentam-se aumentados em volume, podendo ser palpados ao toque bimanual. Esses aspectos são confirmados pela ultra-sonografia ovariana, quando se apresentam com volume maior que 10 mL e com 12 ou mais folículos císticos em cada um e medindo de 2 a 9 mm de diâmetro (Balen et al., 2003). RELACIONADAS À OBESIDADE Cerca de 65% das mulheres com SOP têm o índice de massa corporal (IMC) acima de 27. A distribuição de gordura é freqüentemente abdominal (visceral) e associada a anormalidades metabólicas (hipertensão, dislipidemia, resistência insulínica e intolerância à glicose). Como conseqüência, a circunferência abdominal está aumentada nesses casos (> 88 cm), assim como a relação cintura–quadril (> 0,85), parâmetros estes que estão associados a maior risco de DCV. A obesidade também pode facilitar anormalidades metabólicas, como resistência à insulina, o que pode ser observado pela redução desta e regularização dos ciclos menstruais após a perda de peso (Kiddy et al., 1992). RELACIONADAS À ACANTOSE (ACANTHOSIS NIGRICANS) São manchas na pele de cor marrom-escura, aveludadas, salientes, em áreas de flexão do corpo, como nas axilas, na face lateral do pescoço, na ínguino-crural e também na vulva, estando fortemente associadas com a resistência insulínica e resultantes do estímulo desse hormônio na camada basal da epiderme. Quando encontradas com manifestações clínicas de hiperandrogenismo, como o hirsutismo, configuram a síndrome denominada HAIR-AN (Hyperandrogenism-Insulin Resistance-Acanthosis Nigricans), ocorrendo em 2% a 5% das mulheres Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 145-151, 2006

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147 hirsutas. A maioria das mulheres com SOP (50% a 70%) são insulino-resistentes, mas esta é muito mais severa em mulheres com a síndrome HAIR-AN (Dunaif et al., 1989; Azziz, 1994b). RELACIONADAS À SINDROME METABÓLICA Também referida como síndrome da resistência à insulina ou síndrome X, caracteriza-se por um conjunto de sinais clínicos associados à resistência insulínica. Os critérios diagnósticos são obesidade abdominal (circunferência abdominal ≥ 88 cm), aumento da pressão arterial (≥ 130 mmHg x ≥ 85 mmHg), aumento dos triglicérides (≥ 150 mg/dL), diminuição do HDL-colesterol (< 50 mg/dL), alteração da glicemia de jejum (≥ 110-126 mg/dL) e/ou alteração do teste de tolerância oral à glicose de duas horas (140-199 mg/dL). Quando houver pelo menos três desses cinco critérios diagnósticos, a paciente será portadora da síndrome metabólica (Expert Panel on Detection, Evaluation and Tratment of High Blood Cholesterol in Adults, 2001). A sua prevalência em mulheres com SOP está na faixa de 43% a 46% e a resistência à insulina tem um papel importante na fisiopatologia desta (Apridonidge et al., 2005). Em virtude de as alterações metabólicas presentes serem fatores de risco para diabetes melito e DCV, as mulheres com SOP têm risco aumentado, em longo prazo, para essas doenças (Dokras et al., 2005).

Transtornos psíquicos da SOP Muito difícil se torna diferenciar se os transtornos psíquicos das mulheres com SOP são conseqüentes a uma ação primária dos esteróides sexuais cronicamente aumentados (androgênios), atuando em nível cerebral e alterando a neurotransmissão, ou se ocorrem por um processo reacional às manifestações sintomáticas da doença, como hirsutismo, irregularidades menstruais, infertilidade e obesidade, havendo provavelmente a influência dos dois mecanismos. Em relação aos efeitos primários cerebrais dos esteróides sexuais, pesquisadores têm admitido que os hormônios alteram a forma e/ou o número dos receptores de neurotransmissores, alterando a sensibilidade a condições endógenas e exógenas e provocando distúrbios na esfera do humor (Steiner, 1987). Níveis aumentados de androgênios têm sido relacionados a distúrbios de humor, tendo-se como exemplo as concentrações elevadas de Tl, que têm sido observadas em mulheres com TPM e depressão (Eriksson et al., 1992; Baischer et al., 1995). Sabe-se que os androgênios têm ações diferentes, durante o desenvolvimento, sobre o cérebro e o comportamento, resultando em efeitos organizacionais e ativacionais que dependem da época da exposição aos androgênios. A exposição pré-natal ou pós-natal precoce, dependente da ação androgênica isolada e não da sua aromatização a estrogênios, afeta a organização estrutural do cérebro e altera de forma permanente a sua Ferreira, J.A.S.; Fernandes, C.E.; Azevedo, L.H., Peixoto, S.

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morfologia e, conseqüentemente, as respostas comportamentais. Por outro lado, durante a puberdade os efeitos ativacionais da exposição androgênica (capacidade que homens e mulheres têm de responder às influências dos esteróides sexuais ao longo de sua vida, em função da exposição pré-natal ou pós-natal precoce) não mais alteram permanentemente a estrutura cerebral, embora possam produzir efeitos fisiológicos prolongados que irão influenciar o comportamento. Pelo fato de os distúrbios afetivos serem mais prevalentes durante a vida reprodutiva da mulher do que em outras fases, tem sido preconizado que os desvios dos níveis de hormônios gonadais possam contribuir para as manifestações de estados disfuncionais do humor por meio de efeitos ativacionais no cérebro (Parry, 1989; Murray, 1991). Neste sentido, a SOP constitui um modelo clínico único para se investigar os efeitos ativacionais de níveis cronicamente elevados de androgênios sobre o humor. Iniciando-se na puberdade, essa síndrome fornece a oportunidade de estudar esses efeitos na mulher adulta e, portanto, separados dos efeitos organizacionais cerebrais. Em um estudo recente e interessante, Weiner et al. (2004) compararam estados de humor negativo de mulheres com SOP com aqueles de mulheres normais e examinaram a relação existente entre humor negativo e androgênios. Após controlarem o IMC, uma vez que o sobrepeso e a obesidade são comuns nessa síndrome e poderiam influenciar o estado de humor, os autores analisaram a depressão, a raiva, a ansiedade e a agressividade entre os grupos, e os escores individuais foram comparados aos valores hormonais. Os resultados indicaram que o grupo de mulheres com SOP tinha mais depressão (aguda e de longa permanência), mesmo quando se considerou a variância relacionada à sintomatologia física (hirsutismo, acne, alterações menstruais e infertilidade). O mesmo ocorreu com os outros estados de humor (hostilidade, ansiedade aguda e de longa duração). Foi observada uma relação curvilínea entre a Tl e afeto negativo através dos grupos, e os escores mais elevados da escala de humor negativo estavam associados a níveis de Tl além do limite superior da normalidade (10-26 pg/mL), enquanto níveis menores de humor negativo correspondiam tanto a valores normais (< 10 pg/mL) como extremamente altos (> 26 pg/ml). A explicação foi a de que ocorreriam ajustes no número de receptores ou nos níveis de outros neurotransmissores (Buchanan et al., 1992). A metodologia utilizada neste estudo, com o controle para vários sintomas físicos (hirsutismo e acne, alterações menstruais, infertilidade) ou demográficos (idade, etnia), permitiu supor que a diferença no humor negativo, em diferentes níveis de Tl, não era devida às alterações sintomáticas da SOP, pois, se assim fosse, não se esperaria que a depressão variasse com intensidades clinicamente semelhantes de sintomas físicos (hirsutismo, por exemplo). Este tipo de estudo permite Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 145-151, 2006

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148 separar o “efeito hormonal” do “impacto sintomático da SOP” sobre os transtornos psíquicos e os resultados são consistentes com um modelo de influência ativacional da testosterona sobre o comportamento feminino adulto. A segunda possibilidade seria a de que os transtornos psíquicos da SOP são conseqüentes aos vários aspectos sintomáticos da síndrome, os quais causariam quantidade significativa de carga emocional a influenciar a identidade feminina e o comportamento das mulheres afetadas. Pelo fato de a SOP freqüentemente se manifestar numa faixa etária na qual encontrar um parceiro, ter atividade sexual e casar são muito importantes, suas implicações sintomáticas causariam profundos distúrbios emocionais, sendo os sintomas mais perturbadores comumente relatados o hirsutismo, as irregularidades menstruais e a infertilidade, os quais levariam as mulheres a expressarem menos feminilidade e sentimentos diferentes (Eggers e Kinchegast, 2001; Kitzinger e Willmott, 2002). Além do mais, os riscos em longo prazo da SOP (diabetes e DCV) poderiam também exercer um impacto negativo sobre o bem-estar psicossocial, estando a síndrome associada a sentimentos de frustração e ansiedade (Sills et al., 2001). Neste sentido, Sonino et al. (1993), por meio de avaliação psicométrica, já haviam relatado mais ansiedade, sintomas psicóticos e temores sociais em mulheres hirsutas, quando comparadas às controles. Sills et al. (2001) também haviam observado emoções negativas de frustração, ansiedade e tristeza em mulheres com SOP. Uma análise mais recente em meninas com SOP mostrou aumento, de três a quatro vezes, da preocupação a respeito da capacidade de engrávidar (Trent et al., 2003). Estudo realizado por Eisenbruch et al. (2003) revelou o impacto sintomático da SOP sobre o bemestar psicossocial e emocional. Os autores avaliaram os distúrbios psíquicos por meio da versão alemã da Symptom Cheklist Revised (SCL-90-R), a qual quantifica as alterações psicológicas em vários domínios, como somatização, obsessivo-compulsivo, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, agressividade, fobia paranóide e psicoticismo (Schimitz et al., 2000). Os resultados revelaram que mulheres com SOP tinham significativamente mais alterações obsessivo-compulsivas, sensibilidade interpessoal, depressão, agressividade e psicoticismo quando comparadas às controles. Interessante a ser ressaltado foi o fato de que quando se controlou a obesidade, levando-se em consideração o IMC, não houve diferenças entre os dois grupos. Os autores concluíram que as alterações sintomáticas da SOP parecem ter um efeito considerável em relação ao aparecimento das alterações psíquicas, comprometendo a qualidade de vida e merecendo mais atenção na prática médica e em pesquisa clínica.

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Aspectos diagnósticos e terapêuticos O diagnóstico da SOP é eminentemente clínico. Vários fatores contribuem para as dificuldades diagnósticas, não só pelo fato de os sintomas e sinais serem heterogêneos e variarem ao longo do tempo, mas também pela falta de uma definição precisa e uniforme. Os critérios atuais para o seu diagnóstico foram estabelecidos numa reunião de consenso em Rotterdã, na Holanda, em 2003, patrocinada pela European Society of Human Reproduction and Embriology (ESHRE) e pela American Society for Reproductive Medicine (ASRM), em que ficou estabelecido que devem estar presentes pelo menos duas das três seguintes condições: espaniomenorréia ou amenorréia (conseqüentes à oligo ou anovulação); hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial; ovários policísticos definidos pela ultra-sonografia (Revised 2003 Consensus, 2004). Além desses critérios, devem ser excluídas outras condições médicas que possam causar anovulação crônica e excesso de androgênios, tais como a hiperplasia adrenal congênita, a hiperprolactinemia, os distúrbios da tireóide, a síndrome de Cushing e os tumores secretores de androgênios (Azziz e Zacur, 1989; Derksen et al., 1994). Quando o hiperandrogenismo não puder ser detectado clinicamente, pode-se lançar mão das dosagens laboratoriais de androgênios, mas, do ponto de vista prático, a preferência é pela determinação do índice de testosterona livre (ITl) aplicando-se a fórmula: ITl = Ttx100/SHBG (Richardson, 2003). Em virtude de a resistência insulínica e de a síndrome metabólica terem prevalência alta em mulheres com SOP (50% a 70% e 43% a 46%, respectivamente) e 30% delas apresentarem tolerância à glicose piorada, a verificação da resistência insulínica deve fazer parte da avaliação diagnóstica, principalmente em mulheres obesas, assim como também a análise do perfil lipídico, no sentido de poderem ser tomadas medidas preventivas gerais e medicamentosas para diminuir o risco de diabetes tipo II e da DCV que essas mulheres apresentam. Para o diagnóstico da resistência à insulina, o meio mais prático e menos dispendioso é a verificação da relação glicemia (G) e da insulinemia (I) de jejum, a qual confirma a presença de resistência insulínica quando for menor que 4,5, tendo valores preditivos positivo e negativo em mulheres obesas de 87% e 97%, respectivamente (Legro et al., 1998). A avaliação do perfil lipídico pode ser feita por meio das dosagens do colesterol total e frações (LDL-c e HDL-c) e dos triglicérides. Outras avaliações laboratoriais, como a de LH e FSH, para determinação do aumento da relação LH–FSH e a dosagem de outros androgênios não têm interesse prático para o diagnóstico da SOP.

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149 Não devemos nos esquecer de uma avaliação psicológica das mulheres com essa síndrome, a qual irá auxiliar posteriormente numa adequada orientação terapêutica. Não existe uma orientação terapêutica única que resolva todos os problemas relacionados à SOP. Do ponto de vista prático, podemos dividi-la em terapêutica geral ou não-medicamentosa e terapêutica medicamentosa. A terapêutica não-medicamentosa baseia-se em medidas relacionadas a mudanças do estilo de vida, ou seja, orientação dietética (que resultará em perda de peso), exercícios físicos e psicoterapia de apoio. A perda de peso, resultante da dieta, de pelo menos 5% do peso corporal, reduz a resistência insulínica e, com isso, pode promover a restauração da ovulação, a diminuição do hiperandrogenismo, a redução do risco de diabetes tipo II e de DCV. Os exercícios físicos, mesmo não resultando em grande perda de peso, reduzem efetivamente a resistência insulínica e são muito efetivos, de pouco custo e acessíveis para a maioria das mulheres. Auxiliam na queima lenta e regular de gordura, reduzindo o peso, o risco de DCV e melhorando a auto-estima (Pasquali et al., 1989; Clark et al., 1995; Norman et al., 2002b). O apoio psicológico, tanto individual como em grupo, é muito importante às mulheres com SOP pelo fato de elas terem auto-estima rebaixada e imagem corporal alterada, tornando-as inseguras, ansiosas e depressivas. O trabalho em grupo proporciona troca de informações e ajuda mútua entre as participantes. Quando a psicoterapia de apoio não for suficiente, as pacientes devem ser encaminhadas ao profissional da área competente. A terapêutica medicamentosa objetiva suprimir a produção androgênica excessiva orientada por LH e facilitada pela insulinorresistência e corrigir as suas conseqüências, restaurar a função ovulatória quando a mulher quiser fertilidade, regular os ciclos menstruais e dar proteção endometrial e reduzir os riscos, em longo prazo, do diabetes melito tipo II e da DCV. A supressão da produção androgênica excessiva baseia-se na supressão de LH, sendo realizada com mais freqüência com os contraceptivos hormonais orais combinados (CHOCs). Além de diminuir a produção androgênica, os CHOCs regulam o ciclo menstrual e oferecem proteção endometrial, prevenindo as hiperplasias e o adenocarcinoma do endométrio. Se houver resistência à insulina, podem-se associar aos CHOs os estimulantes da ação insulínica, com a finalidade de reforçar o efeito destes (Velazquez et al., 1994). O hirsutismo é a principal conseqüência do hiperandrogenismo, e para o seu tratamento podem-se utilizar, além do bloqueio hormonal com CHOC, substâncias bloqueadoras da ação androgênica periférica

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(antiandrogênios) e tratamento local ou cosmético. Entre os antiandrogênios, um dos mais utilizados é a espironolactona, que inibe a síntese e compete com os receptores da T (McMullen e Van Herle, 1993). Outras substâncias que também podem ser utilizadas com essa finalidade são: o acetato de ciproterona (administrado de forma isolada), em esquema seqüencial invertido ou associado ao etinilestradiol como CHOC; a flutamida e a finasterida (inibidor da 5-alfa-redutase), todos com bons resultados. O tratamento local ou cosmético pode ser realizado com os descolorantes do pêlo ou com a depilação transitória por raspagem ou cera quente (Ajossa et al., 2004). Para a restauração da fertilidade, lançamos mão do citrato de clomifênio (Lobo et al., 1982). Quando houver falha, poderemos administrar as gonadotrofinas em vários esquemas, devendo-se tomar cuidado com o hiperestímulo ovariano, o qual é mais freqüente nesses casos (Wang e Genzell, 1980). No caso de haver resistência à insulina, os estimulantes da sensibilidade à insulina também podem ser utilizados, como a metformina, o roseglitazone e o pioglitazone (Lord et al., 2003). A regularização dos ciclos menstruais e a proteção endometrial, quando esta for a preocupação principal, poderão ser efetuadas com o uso de progestagênios do 16o ao 24o dias do ciclo ou com um CHOC, quando a mulher desejar a anticoncepção. A redução dos riscos em longo prazo do diabetes melito tipo II e da DCV pode ser efetuada com medidas de ordem geral, relacionadas a uma dieta adequada e aos exercícios físicos. Além do mais, para diminuir o risco de diabetes melito, estão indicados os agentes sensibilizadores da ação da insulina e, para a redução do risco de DCV, deve-se procurar manter o perfil lipídico dentro da faixa da normalidade, podendo-se utilizar, se for necessário, os redutores do colesterol, sendo as estatinas os de primeira escolha.

Conclusão As mulheres com SOP apresentam pronunciados problemas psicológicos e psicossociais provavelmente causados não só pelas alterações hormonais, atuando na neurotransmissão cerebral, mas também pelos seus sintomas próprios, como o hirsutismo, as alterações menstruais e a infertilidade, levando a reações comportamentais. Embora um efetivo tratamento médico, objetivando melhorar os sintomas da síndrome, possa contribuir para restaurar a feminilidade, a prevenção de doenças crônicas e redução das alterações psíquicas, uma cuidadosa avaliação e um apoio psicológico, tanto individual como em grupo, são muito importantes no sentido de melhora da satisfação e da qualidade de vida dessas mulheres.

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Revisão de Literatura

Síndrome de insuficiência androgênica – critérios diagnósticos e terapêuticos Androgen insufficiency syndrome – diagnostic and therapeutic criteria

CÉSAR EDUARDO FERNANDES1 Resumo 2 JOEL RENNÓ JR. A síndrome da insuficiência androgênica na mulher (SIA) desperta, mesmo nos dias atuais, ELIANA AGUIAR PETRI NAHAS3 muitas discussões e encerra muitas controvérsias. Sabe-se, no entanto, que os níveis plasmáticos de testosterona declinam progressivamente ao longo do período reprodutivo. NILSON ROBERTO DE MELO4 5 Conceitua-se a SIA como o conjunto de sintomas clínicos, a presença de biodisponibilidade JOSÉ ARNALDO DE SOUZA FERREIRA diminuída de testosterona e os níveis normais de estrogênios. Entre os principais sintomas, citam-se o comprometimento do bem-estar, o humor disfórico, a fadiga sem causa aparenROGÉRIO BONASSI MACHADO6 te, o comprometimento do desejo sexual, o emagrecimento e a instabilidade vasomotora 7 SÉRGIO PEIXOTO em mulheres pós-menopáusicas sob terapêutica estrogênica. Esses sintomas, no entanto, são potencialmente atribuíveis a diferentes etiologias e dificultam o correto diagnóstico na maioria dos casos, ainda que ele seja lembrado com freqüência em pacientes que se submetem à ooforectomia bilateral. O diagnóstico da SIA parece ser essencialmente clínico, não havendo a necessidade das dosagens laboratoriais para a sua comprovação. Não se deve indicar a terapêutica androgênica (TA) em pacientes que não estejam adequadamente estrogenizadas. Considera-se a testosterona o hormônio ideal para a TA. As pacientes com sintomas sugestivos de SIA, excluídas outras causas identificáveis, especialmente se pós-menopáusicas, são candidatas à TA. Não existem dados de segurança sobre a TA em usuárias em longo prazo. A via transdérmica – através de adesivos, cremes e gel – parece ser preferível à oral. Palavras-chave: Deficiência androgênica, terapêutica androgênica, disfunção sexual feminina.

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Professor livre-docente e chefe da Clínica Ginecológica da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC 2 Doutor em medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); coordenador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher (Projeto Pró-Mulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 3 Professora Doutora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, São Paulo. 4 Professor Livre Docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5 Professor Assistente Doutor da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC. 6 Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí. 7 Professor Titular da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do ABC; Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: César Eduardo Fernandes. Rua Pedro Vitor Massote, 18 – 04396-420 São Paulo/SP. E-mail: [email protected]

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Abstract The women’s androgen insufficiency syndrome (AIS) arises, even nowadays, many debates and clears a lot of controversies. It is known, however, that the plasmatic levels of testosterone gradually decline through the reproductive period. AIS is appraised as a set of clinical symptoms, bioavailability presence diminished of testosterone and normal levels of estrogen. Among the main symptoms that remind the diagnosis are the well-being impairment, dysphoric mood, the fatigue without apparent cause, the sexual desire impairment, the loss of weight and the vasomotor instability in postmenopausal women receiving estrogen. These, however, are potentially attributable to the different etiologies and make it difficult to give the correct diagnosis in

Os hormônios sexuais, em especial os estrogênios e os androgênios, têm efeitos bem conhecidos na modulação estrutural e funcional de muitos tecidos genitais, incluindo o útero, a vagina, as glândulas periuretrais, o vestíbulo vaginal, o clitóris, os grandes e os pequenos lábios. O termo “androgênio” refere-se aos esteróides com 19 átomos de carbono. São precursores obrigatórios para a síntese dos estrogênios e estão associados à masculinidade e às características sexuais masculinas. Nas mulheres, exercem uma função essencial sobre a sexualidade, influenciando o desejo, o humor, a energia e o bem-estar. (Breuer, 1980; Davis e Burger, 1996). Além dos efeitos genitais e sobre a sexualidade, os androgênios e os estrogênios atuam também no sistema nervoso central, no córtex e em estruturas hipotalâmicas e límbicas. Influenciam a liberação dos neurotransmissores e modulam importantes funções, como as relacionadas à sensibilidade, à percepção e ao prazer (Ciocca et al., 1995; Bancroft, 1989). Vê-se, portanto, que os estrogênios e os androgênios estão integrados e participam do arcabouço e da função de estruturas periféricas e centrais envolvidas na saúde, no comportamento e no bem-estar das mulheres. A despeito das ações atribuídas aos androgênios, o conceito da síndrome da insuficiência androgênica na mulher (SIA) desperta, mesmo nos dias atuais, muitas discussões e encerra muitas controvérsias, ainda que, curiosamente, em concentrações molares, os androgênios predominem no plasma, em comparação aos estrogênios. Os androgênios são, portanto, os esteróides sexuais mais abundantes na circulação sangüínea, tanto em homens quanto em mulheres.

Biosíntese dos androgênios nas mulheres Os principais androgênios produzidos pelas mulheres incluem a testosterona (T), a adrostenediona (∆4A), a deidroepiandrosterona (DHEA), o sulfato de deidro-

the majority of the cases, even though it is reminded, often, in patients who submit to bilateral oophorectomy. The diagnosis of the SIA seems to be essentially clinical, not having the needs of laboratorial dosages for its proof. It shouldn’t indicate the androgenic therapy (AT) in patients without concomitant estrogen therapy. Testosterone is considered the ideal hormone for AT. Patients with suggestive SIA symptoms, excluded other identifiable causes, especially the post-menopauses ones, are candidates to AT. There are no safety data about AT in long stated period users. The transdermal patches, creams and gel seems to be preferable to the oral formulations. Key-words: Androgen deficiency, androgen therapy, female sexual dysfunction.

epiandrosterona (S-DHEA) e a deidrotestosterona (DHT). A testosterona tem sido referida habitualmente como a principal representante da androgenicidade plasmática em mulheres. Circula no sangue, em grande parte ligada a proteínas carreadoras, principalmente à SHBG (sex hormone–binding globulin). A fração não ligada às proteínas transportadoras representa a denominada fração livre da testosterona, que se constitui na sua porção biologicamente ativa. Durante os anos de vida reprodutiva, os androgênios são produzidos pelo córtex da glândula adrenal, mais especificamente pela chamada zona reticular, e pelos ovários, em plena função nesta etapa da vida (Figura 1). As mulheres saudáveis, com função ovariana normal, produzem nesta época da vida aproximadamente 300 mcg/dia de testosterona, o que equivale a cerca de 5% da produção diária masculina (Buster et al., 1999). Aproximadamente 25% dos androgênios plasmáticos circulantes são sintetizados diretamente pelos

ACTH

Hipófise anterior

Cortisol

– + Glândula adrenal

90% 50%

10%

DHEA Androstenediona

50%

+ Ovários

50% (conversão)

25%

Testosterona

25%

100% (conversão)

DHT ACTH: hormônio adrenocorticotópico; DHEA: deidroepiandrosterona; S-DHEA: sulfato de deidroepiandrosterona; DHT: deidrotestosterona; LH: hormônio luteinizante (Buster et al., 1999).

Figura 1. Produção de androgênios pela glândula adrenal, pelos ovários e os percentuais de conversão periférica dos hormônios em mulheres durante os anos reprodutivos.

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S-DHEA

~100%

LH

Estradiol

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Os androgênios na pós-menopausa Os níveis plasmáticos de testosterona declinam ao longo do período reprodutivo. Estudos avaliando as concentrações plasmáticas de testosterona total em mulheres com função menstrual normal demonstram que ocorre uma queda significativa com a idade. Os níveis observados em mulheres aos 40 anos de idade representam aproximadamente a metade daqueles vistos aos 21 anos (Zumoff et al., 1995) (Figura 2). De outra parte, ocorrem alterações morfológicas e na função esteróidica ovariana com o advento da menopausa. O ovário pós-menopáusico, em decorrência de sua exaustão folicular, é menor que seu equivalente na menacme (Nicosia, 1986; Wehba et al., 1996). Essa diminuição volumétrica – de aproximadamente 30% – é mais evidente no córtex ovariano, como conseqüência da acentuada diminuição de folículos em crescimento e maturação. A esclerose arteriolar obliterativa e a fibrose cortical são outros fenômenos que contribuem para a diminuição do ovário pós-menopáusico (Lang e Aponte, 1967). Com a ausência de atividade folicular e a redução drástica da produção de estradiol, a estrona passa a ser o estrogênio plasmático predominante no período de pós-menopausa. Os níveis de estradiol declinam agudamente nos primeiros 12 meses de amenorréia, ainda que, em ritmo menor, continuem a baixar ao longo dos anos subseqüentes. A principal fonte de estradiol nesta etapa da vida é a aromatização periférica de androgênios (Judd et al., 1974; Vermeulen, 1976). Os ovários constituem a principal fonte de testosterona em mulheres após uma menopausa natural. Os níveis reduzidos observados nessa etapa da vida são atribuídos mais a um declínio etário do que propriamente à redução de produção ovariana. A ooforectomia realizada no período pós-menopáusico é acompanhada de redução aproximada de 50% dos níveis plasmáticos de testosterona. Igualmente, nessas circunstâncias, observa-se

75 Média total de testosterona plasmática/24 horas (mg/dL)

ovários e, igualmente, outros 25%, de forma direta pelas adrenais. O restante é produzido por meio da chamada conversão periférica (Labrie et al., 2000). De outra parte, a síntese de estrogênios a partir dos androgênios é feita nos ovários pela inter-relação existente entre as células da camada tecal e as células da granulosa. Os androgênios sintetizados na teça, por meio de difusão, chegam às células da granulosa e, através do sistema enzimático da aromatase, são convertidos em estrogênios. O hormônio adrecorticotrófico (ACTH) é responsável pelo estímulo da função esteroídica do córtex adrenal como um todo e, por conseguinte, estimula a secreção androgênica pela zona reticular adrenal. Entretanto, ao que tudo indica, não os androgênios, mas, sim, apenas o cortisol, através de retroalimentação negativa, é responsável pela regulação da secreção hipotalâmica e hipofisária, respectivamente, do hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e do ACTH. Por outro lado, a síntese de estrogênios a partir dos androgênios nos ovários é regulada pelo hormônio luteinizante (LH) e pelo hormônio folículo-estimulante (FSH). Este atua predominantemente nas células da granulosa, enquanto o LH atua em múltiplos sítios, incluindo a teca, o estroma, as células da granulosa e as células luteínicas. Nas células da granulosa, o LH regula a biosíntese da androstenediona e da testosterona. As células da granulosa, por seu turno, expressam receptores para FSH, enquanto o aumento dessa gonadotrofina incrementa os seus próprios receptores. Ademais, o FSH modula a atividade da aromatase nas células da granulosa, contribuindo para aumentar a conversão de androgênios em estrogênios. Um efeito sinérgico é observado entre FSH e produção de estradiol. Na medida em que se observam níveis crescentes de estradiol, percebe-se uma potencialização da atividade do FSH e da capacidade de aromatização nas células da granulosa. De outra parte, a conversão de esteróides precursores, originários da adrenal ou dos ovários, em androgênios ativos nos tecidos periféricos é de capital importância. Por esse mecanismo, o S-DHEA e a ∆4A podem ser convertidos perifericamente em testosterona e nos tecidos-alvo em DHT. Outra alternativa a ser lembrada é a conversão periférica desses precursores androgênicos, em especial da androstenediona e da testosterona, respectivamente, em estrona e estradiol. Em outras palavras, a depender das necessidades teciduais específicas e da expressão tecidual das enzimas envolvidas, a testosterona pode ser convertida localmente em DHT através da enzima 5-alfa-redutase ou em estradiol por meio da aromatase, enquanto a ∆4A pode, por sua vez, ser aromatizada em estrona ou convertida a estradiol pela enzima 17-alfa-hidroxiesteróide desidrogenase (Luu-The et al., 2001). A conversão periférica pode ocorrer em vários sítios extragonadais, incluindo o tecido adiposo, a pele, a unidade pilossebácea, os ossos, os músculos, o cérebro e o aparelho cardiovascular, entre outros.

r = -0,54 P < 0,003

50

25

0 0

20

25

35

40

45

50

Idade (anos)

Figura 2. Variação dos níveis plasmáticos médios de testosterona total/24 horas, medidos em ng/dL ao longo da vida em mulheres saudáveis com ciclos menstruais normais (Zumoff et al., 1995).

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155 declínio significativo das concentrações plasmáticas de ∆4A (Judd et al., 1974; Vermeulen, 1976) (Figura 3). Do mesmo modo, em mulheres pós-menopáusicas, quando comparados os níveis de testosterona e de androstenediona em veia ovariana e periférica, observa-se um gradiente profundo, demonstrando a produção ovariana desses androgênios (Judd et al., 1974). Na realidade, a diferença entre as concentrações de testosterona em veia ovariana e periférica é mais alta na pós-menopausa que entre mulheres na menacme. O gradiente de concentração para androstenediona existe também na pós-menopausa, porém, ao contrário do que se observa com a testosterona, não é maior que o observado em mulheres na menacme. A produção da androstenediona pela glândula adrenal mostra declínio com a progressão da idade. A DHEA continua a ser produzida pelos ovários pós-menopáusicos, porém em quantidades diminuídas.

A deficiência androgênica em mulheres Não existe um consenso sobre a definição clínica da SIA em mulheres e tampouco se conhece a sua prevalência. Para complicar ainda mais, a maioria dos ensaios laboratoriais para a dosagem das concentrações plasmáticas de testosterona em mulheres não atende adequadamente a aferição de seus níveis, mormente quando se encontram abaixo da faixa de normalidade ou em seus limites inferiores. Uma conferência internacional de especialistas denominada Consenso de Princeton, realizada com o propósito de revisar a literatura pertinente e avaliar as evidências favoráveis e contrárias à insuficiência androgênica feminina, enunciou o seguinte conceito de SIA: “A Androstenediona

400

2000

300

1500 pg/mL

pg/mL

Testosterona

200

500

0

0 Menacme

Basal

• Diminuição da sensação de bem-estar • Humor disfórico • Fadiga persistente sem causa conhecida • Alteração da função sexual, incluindo a diminuição da libido, da receptividade sexual e do prazer

• Perda da massa óssea e comprometimento da força muscular • Alterações na cognição e na memória • Afinamento ou rarefação dos pêlos pubianos Menacme

Pósmenopausa

Quadro 1. Principais sintomas da deficiência androgênica em mulheres

• Persistência de sintomas vasomotores ou de diminuição da lubrificação vaginal em mulheres pós-menopáusicas sob terapêutica estrogênica apropriada

1000

100

síndrome da insuficiência androgênica na mulher constitui-se num conjunto de sintomas clínicos na presença de biodisponibilidade diminuída de testosterona e níveis normais de estrogênios” (Bachmann et al., 2002). Por sua vez, os sintomas atribuíveis à insuficiência androgênica no que se refere o conceito do consenso de Princeton, listados no quadro 1, são freqüentemente atribuídos a outras causas (psicológicas ou ambientais etc.), contribuindo para que muitas mulheres não se apercebam que seus problemas possam ter uma causa biológica identificável, em especial uma possível deficiência de androgênios. Em muitos casos, esses sintomas são escamoteados ou mesmo não referidos. Ademais, esses sintomas, potencialmente atribuíveis a diferentes etiologias, dificultam por parte dos clínicos o correto diagnóstico e permitem a tentativa com outros tratamentos antes de se considerar a possibilidade da SIA e o tratamento com androgênios. Em contrapartida, o diagnóstico é lembrado com freqüência em pacientes que se submetem à ooforectomia bilateral. As mulheres com menopausa natural na idade oportuna e as mais jovens com falência ovariana prematura apresentam, freqüentemente, os sintomas da deficiência androgênica. As principais causas de diminuição dos níveis plasmáticos de testosterona podem ser observadas no quadro 2.

Pósmenopausa

Após ooforectomia

Figura 3. Comportamento dos níveis plasmáticos de testosterona e androstenediona em mulheres na menacme e na pós-menopausa submetidas a ooforectomia bilateral. Observar que os ovários produzem aproximadamente metade da testosterona na mulher, e que a testosterona diminui de forma dramática após a ooforectomia. Os níveis de androstenediona também diminuem, porém de maneira mais discreta, em especial no período pós-menopáusico (Judd et al., 1974).

Quadro 2. Causas de redução dos níveis plasmáticos de testosterona em mulheres • Normal com o avanço da idade • Condições que alteram a produção de testosterona: − Ooforectomia; − Insuficiência ovariana; − Insuficiência adrenal; − Hipopituitarismo; − Doenças crônicas. • Tratamento com fármacos: − Corticosteróides; − Terapia estrogênica.

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156 A administração de estrogênios exógenos, a exemplo dos contraceptivos hormonais orais e da terapêutica de reposição hormonal, aumenta a síntese hepática da SHBG reduzindo, dessa forma, a testosterona livre. Outrossim, os estrogênios podem suprimir a produção hipofisária de LH e contribuir, por este caminho, para a redução da biossíntese androgênica ovárica (Mathur et al., 1985). Igualmente, a administração de corticosteróides pode reduzir a produção androgênica da glândula adrenal por suprimir a produção hipofisária do ACTH (Abraham, 1974). A despeito de se reconhecerem as causas da deficiência androgênica, a abordagem diagnóstica da SIA tem motivado grandes discussões e causado grandes embaraços nos últimos anos. A comprovação da deficiência androgênica no plasma oferece dificuldades, razão pela qual alguns autores aceitam, uma vez afastada outras causas responsáveis pelo cortejo sintomático, o diagnóstico da SIA com base exclusiva no quadro clínico, sem a necessária verificação plasmática da deficiência testosterônica. Existe, de outra parte, resistência a essa estratégia diagnóstica, visto que o diagnóstico da SIA pode ser questionado caso os níveis de testosterona se encontrem dentro da faixa de normalidade para as mulheres. As dosagens de androstenediona e do S-DHEA não contribuem para o diagnóstico. A avaliação plasmática da deficiência de testosterona encontra sua maior dificuldade nos ensaios laboratoriais disponíveis comercialmente para a sua dosagem. Estes têm-se mostrado deficientes em vários aspectos, particularmente com respeito a sua baixa sensibilidade e confiabilidade quanto às dosagens dos níveis mais baixos de testosterona. Admite-se em mulheres durante a menacme que uma baixa disponibilidade de testosterona pode ser indicada tanto por uma relação testosterona–SHBG diminuída quanto pela testosterona livre plasmática abaixo do terço inferior da normalidade aceito para mulheres em seus anos de vida reprodutiva. Espera-se, no entanto, pelo desenvolvimento de ensaios laboratoriais mais sensíveis e confiáveis que, uma vez disponíveis comercialmente, mostrem-se mais apropriados ao diagnóstico da SIA em mulheres. Com base nas dificuldades para a dosagem de níveis diminuídos de testosterona em mulheres, a Sociedade Norte-Americana de Menopausa manifestou-se contrária à sua dosagem. Recomenda que esses testes laboratoriais não sejam usados para o diagnóstico e para o acompanhamento terapêutico em pacientes com a SIA, lembrando, inclusive, que a metiltestosterona não é medida pelos ensaios comerciais habituais (Nams Position Statement, 2005). Na tentativa de racionalizar a abordagem diagnóstica em casos suspeitos de SIA, alguns algoritmos têm sido propostos para facilitar essa tarefa. Entre estes, o proposto pelo consenso de Princeton, que apresentamos

com algumas modificações, parece bastante apropriado (Figura 4) (Bachmann et al., 2002). Este consenso, baseado em uma reunião de especialistas, considera que o primeiro passo deva ser a investigação sobre a presença de possíveis sinais e sintomas que possam sugerir o quadro de insuficiência androgênica. Na presença de um quadro sugestivo, deve ser averiguado se a paciente está adequadamente estrogenizada. Em caso positivo e afastando outras possibilidades diagnósticas, deve-se considerar a terapêutica androgênica. O grupo que elaborou esse documento não conseguiu chegar a um consenso sobre a obrigatoriedade das dosagens laboratoriais para a confirmação diagnóstica da deficiência androgênica. Houve controvérsia a respeito, havendo partidários de se dar início à prova terapêutica com testosterona em pacientes que preenchessem todos os requisitos considerados nesse algoritmo, sem a necessidade de dosagens hormonais.

Androgênios e sexualidade feminina No presente momento, a deficiência androgênica tem sido considerada um dos componentes etiopatogênicos significativos entre todos os demais que interferem com a sexualidade feminina. Não se pode desconsiderar, no entanto, a complexidade que envolve a função sexual da mulher e os diferentes fatores interferentes, a exemplo das influências socioculturais, da importância das relações interpessoais, das condições biológicas e psicológicas envolvidas. Entretanto, essa constatação não é recente. Há muitos anos reconhece-se o papel dos esteróides sexuais, em particular dos estrogênios e dos androgênios, na A paciente tem sinais e sintomas de insuficiência de testosterona? Sim Rever terapia estrogênica

Não

Sim A paciente tem outras causas para os sintomas?

Sim

Tratar causas

Não Avaliação laboratorial? Não há consenso

Reposição de testosterona (empírico)

Figura 4. Roteiro semiótico para o diagnóstico da síndrome da insuficiência androgênica feminina, segundo o consenso de Princeton (Bachmann et al., 2002). Observar que não existe consenso quanto às dosagens laboratoriais para a comprovação da deficiência androgênica.

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A paciente está estrogenicamente bem?

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157 modulação da função sexual das mulheres. Existem receptores para os hormônios sexuais em praticamente todos os tecidos do organismo feminino, com larga expressão nos tecidos genitais e no cérebro, sugerindo, dessa forma, que exista influência dos hormônios sobre o comportamento e a sexualidade, tanto em nível central (desejo e excitação) quanto em nível periférico (produção de muco e lubrificação). Os hormônios sexuais exercem um papel fundamental na estruturação e na função dos tecidos genitais, influenciando a resposta de excitação nesses tecidos, contribuindo para um adequado fluxo sangüíneo local, para a produção de muco e lubrificação e para a sensação da excitação. Os estrogênios têm sido classicamente reconhecidos como participantes nessa resposta genital. Esses hormônios exercem funções relevantes na preservação da sensibilidade e da receptividade, permitindo uma penetração vaginal confortável sem dispareunia. Níveis plasmáticos muito baixos de estradiol (< 50 pg/mL) estão freqüentemente associados com a queixa de secura vaginal, de queimação e de dispareunia (Park et al., 2001; Min et al., 2003). É importante que se reconheça, de outra parte, que mulheres no período pósmenopáusico e que são sexualmente ativas apresentam menos atrofia vaginal, quando comparadas a mulheres nessa etapa de vida e que não têm atividade sexual. Por outro lado, é necessário relatar que recentes experimentos em animais, usando modelos voltados para o estudo da função vaginal, têm colecionado evidências de que também os androgênios, e não apenas os estrogênios, podem facilitar a resposta de excitação, contribuindo para o relaxamento da musculatura lisa da vagina e para a produção de muco (Kennedy, 1974; Kennedy e Armstrong, 1976). A par dos efeitos genitais, os androgênios, por meio de seus efeitos neuroestruturais no hipotálamo e no sistema límbico, em especial influenciando a liberação de alguns neurotransmissores, estão envolvidos com reações do tipo percepção e prazer. À luz das evidências disponíveis, parece haver uma co-participação de estrogênios e androgênios na estruturação da resposta sexual feminina, envolvendo os seus efeitos conjuntos nos genitais e no cérebro.

O tratamento com estrogênios e androgênios O tratamento com androgênios, nomeadamente com a testosterona, tem a sua indicação sempre que se considera o diagnóstico da SIA, tendo-se em conta as suas dificuldades já anteriormente ressaltadas. Ainda que o tratamento da dispareunia secundária à secura vaginal em mulheres pós-menopáusicas deva ser feito com estrogênios que restauram o epitélio, o pH e a suplência sangüínea vaginal, não existe uma correspondente melhora no desejo e na atividade sexual. Em muitas pacientes, essas disfunções sexuais permanecem irresponsivas sob terapêutica estrogênica (TE). Em

outras palavras, a TE isolada tem-se mostrado ineficaz quando o problema se refere ao comprometimento da libido (Utian, 1972; Coope et al. 1975; Sarrel, 2000). Pelas razões expostas, existe atualmente declarado interesse na terapêutica androgênica (TA) quando se diagnostica uma disfunção sexual feminina, sobretudo quando presente a diminuição da libido. Entretanto, a maioria dos estudos tem sido conduzida em mulheres na pós-menopausa, existindo dúvidas a respeito da eficácia dessa terapia em mulheres no período da menacme. Deve-se considerar que os níveis de testosterona declinam com a idade (Zumoff et al., 1995), podendo atingir níveis bastante baixos no período da perimenopausa, o que, em tese, justificaria a TA nessas circunstâncias. Como regra geral, a TA não deve ser oferecida para mulheres na pós-menopausa sem o emprego concomitante da TE. Esta, isoladamente, pode propiciar uma série de benefícios, como o alívio dos sintomas menopáusicos, a melhora da secura vaginal e um realce da sexualidade feminina. Tais efeitos podem minimizar ou mesmo tornar desnecessário o emprego da TA. Todavia, merece ser citado que a própria TE aumenta as concentrações plasmáticas de SHBG, contribuindo para a redução da testosterona livre. Esse efeito é muito mais intenso quando a administração de estrogênios se faz por via oral, sendo atenuado quando se empregam as vias não orais (Nachtigall et al., 2000). Dessa forma, praticamente inexistem estudos no período da pós-menopausa com o emprego da TA isolada, desacompanhada de TE ou de terapêutica estroprogestativa (TEP). Entretanto, vários ensaios clínicos controlados realizados em mulheres na pós-menopausa, associados à TE ou à TEP, acumulam evidências do benefício da testosterona sobre o desejo, a responsividade e a freqüência da atividade sexual (Shifren et al., 2000; Floter et al., 2002; Lobo et al., 2003; Braunstein et al., 2005; Buster et al., 2005). Em contrapartida, quase não existem estudos bem controlados acerca dos efeitos da TA em mulheres na menacme. Contudo, um estudo aleatorizado, duplo-cego, controlado por placebo e cruzado, estudou os efeitos do emprego da testosterona na forma de gel transdérmico em mulheres durante o seu período de vida reprodutiva e com queixa de diminuição da libido. Concluiu, após 12 semanas de observação, haver uma significativa melhora da função sexual e do humor nas usuárias de testosterona (Goldstat et al., 2003). Embora esse efeito possa, em princípio, interessar a um grande contingente de mulheres em seu período de vida reprodutivo, parece relevante considerar que, ao se indicar a TA nessa etapa da vida, as pacientes devam ser alertadas dos seus potenciais riscos para o feto e para a obrigatoriedade do uso de métodos contraceptivos. É imperioso também lembrar que, em mulheres pós-menopáusicas sob terapêutica estrogênica, a adição de androgênios não garante a proteção endometrial, havendo a necessidade do emprego concomitante dos progestagênios.

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Como empregar os androgênios Sempre que pensamos em indicar a TA, nos deparamos com a inexistência em nosso país de preparações destinadas para uso em mulheres. De resto, em praticamente todo o mundo, essa dificuldade repete-se em maior ou menor grau, o que nos remete à conclusão a respeito da paucidade de opções para TA em mulheres. Obviamente, essa dificuldade espelha as questões de segurança, ainda não muito claras, em particular para as usuárias de longo prazo, fazendo com que os órgãos regulatórios tenham dificuldade para aprovar as distintas modalidades de TA para as mulheres. A testosterona administrada por via oral sofre absorção intestinal e passa por metabolização e inativação no fígado antes de atingir os órgãos-alvo. A capacidade hepática para metabolizar a testosterona depende da idade e da função hepática em si. Por esta via, a forma micronizada, em geral, não é bem absorvida e resulta em níveis sangüíneos insuficientes para manifestar efeito terapêutico. As formas alquiladas – a metiltestosterona e a fluoximesterona – também podem ser administradas por via oral. Destas, a metiltestosterona, em doses que variam de 1,25 a 2,5 mg/dia, é a que acumula a maior experiência. Uma outra forma de administração oral é o undecanoato de testosterona. Em alguns países, tem indicação aprovada para libido diminuída em homens com deficiência androgênica. Empiricamente, tem recebido a mesma indicação para mulheres, na dose de 40 mg/dia, ainda que as suas doses eficazes e seguras não sejam bem conhecidas. Apregoa-se que o seu efeito hepático possa ser menor que o da metiltestosterona, visto que,

após a absorção intestinal, sofre um desvio do sistema porta e se dirige ao ducto toráxico. Esse caminho para chegar ao sangue através da veia subclávia se dá pelo fato de possuir uma cadeia alifática e ser transportada na linfa junto com os lipídios (Coert et al., 1975). Entretanto, as formulações orais de androgênios, via de regra, sofrem primeira passagem e metabolização hepática, podendo, por esta razão, produzir efeitos colaterais, particularmente no metabolismo lipídico e lipoprotéico. Entre estes, a redução dos níveis plasmáticos de HDL-c é freqüentemente referida (Hickok et al., 1993). A administração parenteral de testosterona pode ser feita por meio de diferentes vias. Entretanto, a mais estudada tem sido a transdérmica, uma vez que a pele absorve bem a testosterona. Em que pese a falta de estudos clínicos conclusivos, a administração através de adesivos ou de formulações em gel transdérmico, nas doses diárias de 150 a 300 mcg, tem mostrado bons resultados sobre a sexualidade feminina, incluindo a melhora do desejo, da freqüência, da satisfação e da atividade sexual em mulheres na pós-menopausa (Braunstein et al, 2005) (Figura 5). Essas mesmas formulações, na forma de gel ou creme, têm sido propostas para serem aplicadas a par dos locais em que habitualmente é preconizada (face interna dos braços, das coxas e do abdome inferior), também na região genital (clitóris, pequenos lábios). Esse tipo de emprego, conhecida como aplicação com a ponta do dedo cheio, parece aumentar a sensibilidade local, embora em muitos casos se faça acompanhar de irritação tecidual. Um outro veículo preconizado para a aplicação genital tópica é o óleo à base de petrolato com testosterona a 2%.

Ajuste da média da variação de acordo com os valores basais

30

*

25

Placebo 150 µg/d 300 µg/d 450 µg/d

20

* p < 0,05

* 15

10

5

0

Desejo

Excitação

Orgasmo

Satisfação

Interesse

Responsividade Auto-imagem sexual

Figura 5. Eficácia dos adesivos de testosterona no perfil da sexualidade feminina em pacientes ooforectomizadas com disfunção sexual hipoativa (Braunstein et al., 2005).

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159 Ainda que a administração de testosterona por via oral promova alterações no metabolismo lipídico e lipoprotéico, não se podem extrapolar esses efeitos para a via transdérmica. Ademais, as alterações que porventura se façam sobre a função endotelial parecem ter um peso maior na etiopatogenia do processo aterogênico que a própria alteração lipídica e lipoprotéica. Um estudo interessante, em delineamento duplocego, controlado por placebo e aleatorizado investigou os efeitos de implantes de testosterona em mulheres na pós-menopausa que já estavam estabilizadas quanto à terapêutica estrogênica. Conseguiram demonstrar que, enquanto no grupo ativo os níveis plasmáticos de testosterona aumentaram em comparação ao grupo placebo, não houve diferenças significativas nessa comparação quanto à pressão arterial, freqüência cardíaca, níveis circulantes de estradiol, de SHBG, de colesterol total e de triglicérides plasmáticos. O que pareceu relevante foi o comportamento da reatividade vascular, medido pelo diâmetro da artéria braquial em repouso. Após seis semanas, nas usuárias de testosterona, observou-se uma melhora da vasodilatação arterial tanto dependente quanto não-dependente da função endotelial. Tais resultados, ainda que preliminares, acenam para um risco menor do que se imaginava, ou, quem sabe, contrariamente, até para um benefício cardiovascular da testosterona por via parenteral em mulheres na pós-menopausa apropriadamente estrogenizadas (Worboys et al., 2001). Acreditamos ser de grande interesse, quando se trata de revisar a TA, transcrever as principais conclusões de um relatório a respeito, editado pela Sociedade Norte-Americana de Menopausa (NAMS), neste último ano. A NAMS promoveu uma reunião com clínicos e pesquisadores de reconhecido saber no campo da terapêutica com testosterona, com o objetivo de compilar e revisar as evidências disponíveis na literatura médica para o enunciado de um relatório com recomendações para dar suporte à TA em mulheres no período pós-menopáusico (Nams Position Statement, 2005). As principais recomendações deste relatório são as seguintes: • Pacientes na pós-menopausa com sintomas de insuficiência androgênica, excluída outras causas, são candidatas a TA; • Não se deve recomendar a TA desacompanhada de terapêutica estrogênica; • Não devem ser usados testes laboratoriais para o diagnóstico da SIA (a metiltestosterona não é medida pelos ensaios comerciais habituais); • Avaliação inicial de lipídios e de função hepática; • A TA deve ser administrada em baixas doses e por curto período de tempo; • A via transdérmica (adesivos, cremes e gel) parece ser preferível à via oral; • Os implantes e as formulações intramusculares apresentam o risco de dosagem excessiva; • Os produtos deveriam ser adaptados às necessidades individuais de cada paciente;

• •

• •

Não existem dados de segurança sobre a TA em usuárias de longo prazo; Os resultados devem ser monitorados com base na melhora da sexualidade, do bem-estar e no aparecimento de eventos adversos, que, uma vez presentes, orientam para uma redução de doses ou a descontinuação da TA; Devem-se respeitar inicialmente as contra-indicações associadas à terapêutica estrogênica; A TA não deve ser indicada em pacientes com câncer de mama ou endométrio, doença cardiovascular e doença hepática.

Efeitos colaterais e riscos da terapêutica androgênica As contra-indicações à TA incluem a gravidez e a lactação, as neoplasias androgênio-dependentes, a alopecia androgênica, os casos de acne ou hirsutismo graves e, naturalmente, os casos nos quais o aumento da libido pode trazer conseqüências indesejáveis. Uma das preocupações que se têm com a TA é prover uma quantidade de hormônios que propicie concentrações plasmáticas normais ou próximas ao limite superior da faixa de normalidade. Nessas concentrações, as manifestações androgênicas masculinizantes são pouco prováveis. Estas compreendem o crescimento piloso e o hirsutismo, a acne, a calvície temporal e o aprofundamento da voz. Quando ultrapassada a faixa de normalidade, os efeitos deixam de ser fisiológicos e ocorrem manifestações, reconhecidas como farmacológicas, a exemplo da hipertrofia do clitóris. Igualmente, nessas circunstâncias, podem ser observadas manifestações indesejáveis decorrentes da retenção hídrica. As manifestações desfavoráveis sobre o perfil lipídico e lipoprotéico parecem restritos à via oral, praticamente não ocorrendo com a via parenteral de administração de testosterona. Em pacientes com exacerbação preocupante da sexualidade, com pensamentos e fantasias em excesso, deve-se considerar a redução das doses empregadas ou mesmo a interrupção do tratamento. A possível relação da TA com o câncer de mama tem sido lembrada com freqüência, ainda que não esteja demonstrada de maneira clara. Contrariamente, algumas evidências de estudos experimentais em primatas têm sugerido a possibilidade de uma plausível proteção (Zhou et al., 2000). Na mesma direção está o fato de que os receptores androgênios são encontrados em cerca de 50% dos tumores de mama, estando associados à sobrevida maior em pacientes operadas de câncer de mama e com uma resposta mais favorável à hormonoterapia em pacientes com doença avançada (Bryan et al., 1984; Recchione et al., 1995). Aguardam-se estudos conclusivos a respeito.

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Revisão de Literatura

Aspectos diagnósticos e terapêuticos das disfunções sexuais femininas Diagnostic and therapeutic aspects of female sexual dysfunctions

CARMITA HELENA NAJJAR ABDO1 HELOISA JUNQUEIRA FLEUR Y2

Resumo Este artigo apresenta o desenvolvimento do conceito de normal e patológico em sexualidade, com base nos estudos populacionais de Kinsey, bem como a evolução do conceito de ciclo de resposta sexual, desde Masters e Johnson até Basson. Trata das classificações das disfunções sexuais, as quais têm como base o ciclo de resposta sexual. Os aspectos diagnósticos das disfunções sexuais femininas ressaltam a primazia da observação clínica minuciosa, enfatizando que o diagnóstico deve considerar o tempo de evolução do quadro, as condições do(a) parceiro(a) e as características do estímulo sexual (quanto ao foco, à duração e à intensidade). Além disso, a distinção entre disfunção primária ou secundária, generalizada ou situacional, bem como idade e experiência sexual da mulher, são parâmetros diagnósticos. Os aspectos terapêuticos referem a importância de uma equipe multidisciplinar, capaz de oferecer à mulher acompanhamento psicoterápico e medicamentoso (com antidepressivos, ansiolíticos, hormônios, entre outros), além de suporte psicoeducacional. Ressalta-se a necessidade de se avaliar caso a caso para a instituição de terapêutica individualizada. Embora os quadros de disfunções sexuais da mulher já sejam bem conhecidos, os recursos disponíveis para esse tratamento ainda são restritos. Novas pesquisas deverão contribuir para mudar essa realidade e fazer frente aos progressos terapêuticos relativos às disfunções sexuais masculinas. Palavras-chave: Sexualidade, disfunções sexuais, mulher, diagnóstico, tratamento.

Abstract This article discusses the development of the concepts of normal and pathological in sexuality from the perspective of the population studies by Kinsey, as well as the development of the concept of sexual response cycle, from Masters and Johnson to Basson. The article deals with the classification of sexual dysfunctions, based on the sexual response cycle.

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Psiquiatra, professora livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Fundadora e Coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da (IPq-HC-FMUSP). 2 Psicóloga, pós-graduanda em ciências pela FMUSP. Supervisora em psicoterapia do ProSex do IPqHC-FMUSP. Endereço para correspondência: Carmita Helena Najjar Abdo. Rua Gil Eanes, 492 – 04601-041 – São Paulo/SP. E-mail: [email protected]

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163 Aspects of the diagnosis of female sexual dysfunctions reveal the importance of a detailed clinical observation, emphasizing that the diagnosis should take into account the length of the evolution period, the circumstances of the partner, and features of sexual stimulation (regarding focus, duration and intensity). Moreover, the distinction between primary or secondary and generalized or occasional dysfunction, as well as the age of the female patient and her sexual experience are parameters for a diagnosis. Therapeutic aspects indicate the importance of a multidisciplinary team, capable of offering psychotherapeutic and medicine-oriented treatment (antidepressants, anxiolytics and hormones, among

others), as well as psycho-educational support. The authors stress the importance of a case by case evaluation in order to make a therapeutic decision. Although female sexual dysfunctions are already well known, the available therapeutic resources are limited. New research shall contribute to change this reality, so that the treatment of female sexual dysfunctions keeps up with the advances in the treatment of male sexual dysfunctions.

Introdução

o que conduz ao orgasmo. O novo esquema de respostas sexuais masculina e feminina, então reformulado, compunha-se de três fases: desejo, excitação e orgasmo (Kaplan, 1977).

Antes de Kinsey (Kinsey et al., 1948), “normalidade” quanto à atividade sexual era a conduta heterossexual, com excitação exclusiva dos órgãos sexuais primários. Os estudos populacionais desse pesquisador revelaram outra realidade: as mais diferentes práticas sexuais ocorriam entre os americanos e envolviam, de forma ampla e irrestrita, os corpos de ambos os parceiros, concentrando-se nos genitais somente para a finalização do ato. Uma vez reconhecida a multiplicidade dessas manifestações sexuais, critérios foram pouco a pouco sendo estabelecidos, de modo a definir o que seria patológico e o que não, dando origem às primeiras classificações dos transtornos da sexualidade. De outra parte, Masters e Johnson (1984), um casal de terapeutas americanos, desenvolveram, na década de 1960, um modelo de ciclo de resposta sexual constituído por quatro fases (excitação, platô, orgasmo e resolução) e comum aos dois gêneros (feminino e masculino). Esse modelo preconizava que o estímulo sexual interno (provocado por pensamentos e fantasias), bem como o externo (desencadeado por tato, olfato, audição, gustação e visão), promoveria a excitação, identificada pela ereção (no homem) e pela vasocongestão da vagina e da vulva (na mulher). A continuidade do estímulo aumentaria o nível de tensão sexual, conduzindo a pessoa à fase de platô, à qual se seguiria, caso o estímulo perdurasse, o orgasmo, no homem e na mulher. O orgasmo masculino seria acompanhado de ejaculação. Na seqüência, haveria para ambos um período refratário (resolução) – mais definido no homem que na mulher –, quando o organismo retornaria às condições físicas e emocionais usuais, posto que, durante as fases anteriores, a respiração, os batimentos cardíacos, a pressão arterial, a circulação periférica, a sudorese, a piloereção, entre outras manifestações do organismo, tenderiam a se pronunciar (Abdo, 2005). Na década de 1970, Kaplan formulou que, antecedendo à fase de excitação, há o desejo e não se justifica o platô, em vista de ser a excitação crescente Abdo, C.H.N.; Fleury, H.J.

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Key-words: Sexuality, sexual dysfunction, female, diagnostic, treatment.

Classificação das disfunções sexuais A partir da associação entre os modelos de Masters e Johnson (1984) e de Kaplan (1977), estabeleceram-se critérios diagnósticos para os transtornos da sexualidade, os quais constam do Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (2002), que definiu a resposta sexual saudável como um conjunto de quatro etapas sucessivas: desejo, excitação, orgasmo e resolução. As disfunções sexuais, em contrapartida, caracterizam-se por falta, excesso, desconforto e/ou dor na expressão e no desenvolvimento desse ciclo, o que afeta uma ou mais das fases deste. Quanto mais precocemente incidir o comprometimento desse ciclo, mais prejuízo acarretará à resposta sexual e mais complexos serão o quadro clínico e respectivos prognóstico e tratamento (Abdo, 2004b). A disfunção sexual, portanto, implica alguma alteração, em uma ou mais das fases do ciclo de resposta sexual, ou dor associada ao ato, o que se manifesta de forma persistente ou recorrente. A Associação Psiquiátrica Americana (2002) assim classifica as disfunções sexuais: • Transtornos do desejo sexual – 302.71. Transtorno do desejo sexual hipoativo: deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual. – 302.79. Transtorno de aversão sexual: aversão e esquiva ativa do contato sexual genital com um parceiro sexual. •

Transtornos da excitação sexual – 302.72. Transtorno da excitação sexual feminina: incapacidade persistente ou recorrente de adquirir ou manter uma resposta de excitação sexual adequada de lubrificação-turgescência até a consumação da atividade sexual. Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 162-167, 2006

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164 – 302.72. Transtorno erétil masculino: incapacidade persistente ou recorrente de obter ou manter ereção adequada até a conclusão da atividade sexual. •







Transtornos do orgasmo – 302.73. Transtorno do orgasmo feminino: atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo, após uma fase normal de excitação sexual. – 302.74. Transtorno do orgasmo masculino: atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo, após uma fase normal de excitação sexual. – 302.75. Ejaculação precoce: início persistente ou recorrente de orgasmo e ejaculação com estimulação mínima antes, durante ou logo após a penetração e antes que o indivíduo o deseje. Transtornos sexuais dolorosos – 302.76. Dispareunia (feminina e masculina): dor genital associada com intercurso sexual. Embora a dor seja experimentada com maior freqüência durante o coito, também pode ocorrer antes ou após o intercurso. – 306.51. Vaginismo: contração involuntária, recorrente ou persistente, dos músculos do períneo adjacentes ao terço inferior da vagina, quando é tentada a penetração vaginal com pênis, dedo, tampão ou espéculo. Disfunção sexual devida a uma condição médica geral: presença de disfunção sexual clinicamente significativa, considerada exclusivamente decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral. Disfunção sexual induzida por substância: disfunção sexual clinicamente significativa que tem como resultado um acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal, plenamente explicada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (droga de abuso, medicamento ou exposição à toxina). – 302.70. Disfunção sexual sem outra especificação: disfunções sexuais que não satisfazem os critérios para qualquer disfunção sexual específica.

Outra classificação foi proposta pela Organização Mundial da Saúde (1993) para as disfunções sexuais de base psiquiátrica. Dos capítulos “Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e fatores físicos” (F50-F59) e “Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos” (F60-F69), da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), constam (OMS, 1993): F52. Disfunção sexual não causada por transtorno ou doença orgânica F52.0. Ausência ou perda do desejo sexual • Frigidez Transtorno hipoativo do desejo sexual F52.1. Aversão sexual e ausência de prazer sexual • Anedonia (sexual) Abdo, C.H.N.; Fleury, H.J.

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• • • •





F52.2. Falha de resposta genital (disfunção de ereção, no homem) F52.3. Disfunção orgásmica Anorgasmia psicogênica Inibição do orgasmo (na mulher, no homem) F52.4. Ejaculação precoce F52.5. Vaginismo não orgânico Vaginismo psicogênico F52.6. Dispareunia não orgânica Dispareunia psicogênica F52.7. Apetite sexual excessivo Ninfomania Satiríase F52.8. Outras disfunções sexuais não devidas a transtorno ou à doença orgânica Dismenorréia psicogênica F52.9. Disfunção sexual não devida a transtorno ou à doença orgânica, não especificada

Os transtornos de preferência e os transtornos de identidade compõem, com as disfunções sexuais, toda a classificação dos transtornos da sexualidade. Não serão aqui apresentados por fugirem da pauta deste artigo.

Aspectos diagnósticos das disfunções sexuais femininas À medida que o conhecimento da sexualidade humana avança, melhor se identificam as diferenças entre as características especificamente femininas e as masculinas da resposta aos estímulos sexuais. Essas diferenças são atribuídas a fatores de ordem biopsicossocial, em especial: hormônios sexuais (estrógenos versus andrógenos), educação sexual (repressora versus permissiva), ambiente (controlador versus estimulante) (Abdo, 2005). Em decorrência desse contexto, a mulher tende à sensualidade e à sedução, enquanto o homem busca a conquista e a posse no exercício da sexualidade. Esse quadro é dinâmico e pode se modificar conforme se associam os fatores envolvidos, próprios da vida de cada indivíduo. Tais fatores são também os responsáveis pelo desenvolvimento e pela manutenção das disfunções sexuais, sejam elas masculinas ou femininas. Também se associam e se superpõem num mesmo caso de disfunção. Ou seja, um quadro disfuncional pode eclodir por causa orgânica, mas será agravado, em boa par te das vezes, por repercussão emocional. Caso a origem seja psíquica, as doenças próprias da idade acentuarão os sintomas da dificuldade sexual, respondendo por sua cronificação. Especialmente no caso das disfunções sexuais femininas, a tentativa de estabelecimento dos fatores etiológicos resulta na evidência da sua multiplicidade. Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 162-167, 2006

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O diagnóstico das disfunções sexuais femininas é eminentemente clínico

2.

A queixa da paciente, aliada à presença de alguns elementos de anamnese, é fundamental. Deve-se considerar que um mínimo de seis meses de sintomatologia é critério indispensável para a caracterização da disfunção. Além disso, devem-se investigar as condições do(a) parceiro(a), para se afastar possíveis equívocos de interpretação ante o quadro referido pela paciente. Assim, um homem com ejaculação precoce pode conduzir sua parceira a se considerar anorgásmica, quando, de fato, a precocidade dele a impede de concluir o ciclo de resposta sexual com êxito. Estimulação inadequada em foco, intensidade ou duração exclui o diagnóstico de disfunção de excitação ou orgasmo (APA, 2002). Outra relevante consideração para diagnóstico, tratamento e prognóstico é a distinção entre disfunção primária (ao longo da vida) e secundária (adquirida), bem como entre disfunção generalizada (presente com qualquer parceria) e situacional (presente em determinadas circunstâncias e/ou parcerias). Devem-se considerar, ainda, a idade da mulher e a sua experiência sexual. Mulheres jovens e/ou principiantes costumam apresentar dificuldade para relaxamento/lubrificação, o que é bastante compreensível e não significa disfunção, enquanto não houver experiência sexual suficiente. Por outro lado, as pesquisas e a observação clínica trouxeram à tona a constatação de que o modelo de ciclo de resposta sexual atualmente adotado não responde ao que, de fato, ocorre à significativa parcela das mulheres. Há aquelas que não têm desejo espontâneo ou que, ao tê-lo, nem sempre dão seqüência ao ato sexual; algumas iniciam a atividade para acompanhar seus parceiros, não motivadas por estímulos próprios (Leiblum, 2000). A identificação de sensações genitais prazerosas acaba por desencadear nelas o interesse por sexo, confirmando que a excitação pode se antepor ao desejo. Uma nova proposta para o ciclo feminino de resposta sexual foi apresentada por Basson (2001), enfatizando o valor da intimidade como motivação feminina para o sexo. Desta feita, entende-se que muitas mulheres iniciam o ato sexual sem suficiente entusiasmo e interesse: na verdade, desejam aproximação física e carinho, antes que a sensação erótica as envolva. Com base neste argumento, Basson et al. (2004) propõem um modelo circular para o ciclo de resposta sexual da mulher, em que a ausência de desejo sexual espontâneo (no início do ciclo) não significa disfunção sexual, o que exclui muitas mulheres da categoria de disfuncionais. Esse modelo pode ser didaticamente dividido em cinco fases: 1. Início da atividade sexual, por motivo não necessariamente sexual, com ou sem consciência do desejo.

3.

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4. 5.

Excitação subjetiva com respectiva resposta física, desencadeadas pela receptividade ao estímulo erótico, em contexto adequado. Sensação de excitação subjetiva, desencadeando a consciência do desejo. Aumento gradativo da excitação e do desejo, atingindo ou não alívio orgástico. Satisfação física e emocional, resultando em receptividade para futuros atos.

Saliente-se ainda que não há diagnóstico de disfunção sexual caso esta seja mais bem explicada por outro transtorno (exemplo: se a redução do desejo sexual ocorrer apenas no contexto de um episódio depressivo). Por outro lado, se a dificuldade sexual anteceder o quadro psiquiátrico ou for um foco de atenção independente, faz-se o diagnóstico adicional de disfunção sexual. Uma dificuldade sexual (por exemplo, transtorno da excitação sexual) pode gerar outra (como transtorno do desejo sexual hipoativo), devendo, neste caso, ser diagnosticados especificamente todos os transtornos envolvidos. A coexistência de disfunção sexual e transtorno de personalidade resulta em dois diagnósticos distintos, da mesma forma que a coexistência da disfunção sexual com alguma outra condição médica geral (APA, 2002). Dada a multiplicidade de fatores envolvidos, recomenda-se avaliação psicossocial, de preferência por equipe multidisciplinar, principalmente naqueles casos em que a disfunção ocorre desde o início da vida sexual ou sofre influência de condições psicológicas e relacionais, tais como: condições de vida estressantes, mudanças na parceria, conflitos no vínculo conjugal e disfunção sexual do parceiro.

Aspectos terapêuticos das disfunções sexuais femininas A simples orientação dirimindo mitos e tabus, bem como legitimando o prazer sexual, pode resolver uma parcela das dificuldades sexuais, em especial de mulheres mais jovens e daquelas que ainda não tiveram repercussão da sintomatologia disfuncional na vida como um todo e/ou sobre o desempenho sexual do parceiro. O médico, nesses casos, desempenha papel fundamental, orientando, esclarecendo e prevenindo a cronificação dos sintomas. Por outro lado, depressão (prevalente no sexo feminino), comorbidades e tratamento antidepressivo são três fatores que conduzem e agravam a disfunção sexual, especialmente o desejo hipoativo. Diante dessa situação, boa parte das pacientes com depressão abandona o tratamento antidepressivo, diminuindo suas chances de recuperação e cronificando o curso da doença e da disfunção sexual que a acompanha (Abdo, 2004a). Cabe ao médico avaliar o perfil da paciente, para prescrever a medicação antidepressiva que mais se Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 162-167, 2006

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166 adapte a cada caso e que mais oportunidade ofereça para a adesão ao tratamento. Para alívio dos sintomas climatéricos e pós-menopáusicos, têm sido utilizados estrógenos em larga escala. Possuindo efeito sobre o trofismo vaginal, aliviam os quadros de dispareunia, secundários à atrofia do epitélio da vagina, visto que restauram esse epitélio, bem como o pH e o fluxo sangüíneo vaginais (Fernandes, 2005). O seu efeito sobre o desejo é, pois, indireto. Entretanto, quando a falta de desejo não é secundária à dor ou ao desconforto durante o ato, o desinteresse sexual persiste, apesar da terapêutica estrogênica. A testosterona responde pela manutenção de interesse e motivação sexuais (Dennerstein et al., 1997; Leiblum et al., 1983; Davis, 2000). Pode restaurar o desejo e a excitação, bem como favorecer as fantasias sexuais das mulheres que não respondem ao estrógeno isolado (Sherwin e Gelfand, 1987). Pode-se ponderar a indicação do tratamento androgênico para mulheres na pós-menopausa, sob terapêutica estrogênica, nas quais persistam os sintomas de falta de desejo, desde que não haja outro problema médico ou psicológico que explique o quadro. Davis et al. (2006) utilizaram 400 µL de gel de testosterona a 5% (dose total de 2 mg), por 16 semanas, em mulheres com nível de testosterona abaixo de 1,2 nmol/L. Por outro lado, a North American Menopause Society recomenda que, embora algumas evidências de estudos controlados e randomizados indiquem que a testosterona tenha efeitos positivos sobre o desejo, a excitação e o orgasmo, os dados são ainda insuficientes para apoiar a recomendação de seu uso (Shifren et al., 2005). Os efeitos colaterais parecem ser pouco intensos e reversíveis, se identificados precocemente. São eles: acne, hirsutismos facial e corporal e aumento de peso. Doses fisiológicas não costumam provocar agressividade nem alteração da tonalidade da voz (para mais grave), alterações nos lipídios, lipoproteínas e função hepática, o que ocorre com doses mais altas (Sherwin e Gelfand, 1987). Níveis adequados de estrógenos plasmáticos são pré-requisito para diagnóstico de insuficiência androgênica e respectivo tratamento. Essa insuficiência identifica-se por persistência dos sintomas climatéricos, fadiga, insônia, desânimo, além de desinteresse sexual (NAMS, 2005). Mulheres com comprometimento psicológico devem ser indicadas para intervenção psicoterapêutica, em especial aquelas com história de abuso e violência

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sexual. Comprometimento da auto-imagem e do vínculo conjugal, fantasias impeditivas de manifestação mais livre da própria sexualidade e ansiedade excessiva constituem outras indicações de atendimento psicoterapêutico. Uma condição que vem sendo associada a casos de inibição do desejo incide em mulheres desvitalizadas, tanto em relação à sua função sexual como à busca do prazer na vida, condição muitas vezes relacionada à dificuldade em lidar com sentimentos de raiva e hostilidade em relação ao parceiro. Essas pacientes também requerem acompanhamento psicoterápico. A psicoterapia de grupo tematizada e de tempo limitado (Abdo, 2000), por sua característica vivencial e pela abordagem biopsicossocial, tem sido a modalidade de escolha para muitos desses casos. O acolhimento e a continência grupal favorecem o desenvolvimento da capacidade de interagir com os parceiros. As participantes relatam melhora significativa em seus relacionamentos afetivos, incluindo o diálogo e o intercurso sexual. Esse método, além da ação psicoeducativa, utiliza técnicas que facilitam a desinibição e a expressão, desenvolvendo habilidades comunicacionais e de auto-observação, ampliando as possibilidades de lidar com a função sexual (Fleury e Abdo, 2005).

Conclusão Apesar de já bastante conhecidas, as disfunções sexuais femininas deixam de ser diagnosticadas, muitas vezes, por inibição da paciente (que não apresenta a queixa) ou do médico (que se constrange de investigar). O diagnóstico desses quadros é de suma relevância, uma vez que interferem na qualidade de vida, além de estarem geralmente associados a questões de saúde geral. Analisar a função sexual da mulher auxilia, ainda, na identificação da causa de muitos conflitos psíquicos e relacionais e/ou quadros psiquiátricos. O tratamento das disfunções sexuais femininas é tanto mais difícil quanto mais precoces a instalação do quadro e a fase do ciclo de resposta sexual atingida. Comparativamente com os recursos já existentes para as disfunções sexuais do homem, as mulheres disfuncionais contam com menor número deles e menos critérios terapêuticos estabelecidos para fazer frente à saúde sexual de seus parceiros. A investigação clínica de rotina traz à tona a relevância da questão e a necessidade de mais pesquisas.

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Revisão de Literatura

Efeitos colaterais dos psicofármacos na esfera sexual Sexual side effects of psychotropic drugs

TÁKI ATHANÁSSIOS CORDÁS1 MARCIONILO LARANJEIRAS2

Resumo Disfunções sexuais são altamente prevalentes em mulheres e relacionadas, entre outros fatores, a estados afetivos, aspectos socioculturais, situações interpessoais e psicofármacos. As disfunções sexuais induzidas por psicofármacos são brevemente revistas. Palavras-chave: Disfunção sexual, feminino, psicofármarcos.

Abstract Sexual dysfunctions are highly prevalent in women and are affected by, among other factors, affective states, sociocultural aspects, interpersonal situations and psychotropic medications. The sexual dysfunction induced by psychotropic medications was briefly reviewed. Key-words: Sexual dysfunction, fernale, psychopharmacology

Introdução A sociedade ocidental tem-se tornado progressivamente mais liberal em relação às questões ligadas à sexualidade humana. Cada vez de maneira mais precoce, homens e mulheres apresentam questões ligadas à sua vida sexual. Da mesma forma, a expectativa de vida da população tem aumentado nas últimas décadas, na maioria dos países, e a preocupação das pessoas tem-se voltado para a sua qualidade de vida, e, entre seus indicadores, a atividade sexual satisfatória tem sido um dos mais citados (Mendlowicz e Stein, 2000).

Promover a saudável vida sexual contra todos os preconceitos culturais e religiosos vigentes passou a ser um tema constante na área da saúde, levando em todo o mundo à necessidade de aumento dos temas ligados à sexualidade no currículo médico (Wagner, 2005). Estudos realizados em diferentes países apontam para o fato de que as disfunções sexuais (DS) são bastante prevalentes na população geral. Pelo menos um terço dos homens e das mulheres de uma comunidade apresenta queixas sexuais de gravidade suficiente para necessitar de cuidados clínicos (Laumann et al., 1994; 1999).

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006

1 Coordenador geral do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Membro do Departamento de Psiquiatria da FMUSP. 2 Mestre em psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Endereço para correspondência: Táki Athanássios Cordas. Rua Capote Valente, 432, cj 35 – 05409-001 São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

Cordás, T.A.; Laranjeiras, M.

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169 Diferentes fatores interferem negativamente na atividade sexual humana, como transtornos psiquiátricos (incluindo tabagismo), doenças médicas gerais (particularmente diabetes, deslipidemias, hipertensão, doenças cardiovasculares) e neurológicas, medicações, conflitos interpessoais, crenças culturais e combinações desses diferentes fatores (Zorzon et al., 1999; Kennedy et al., 2000; Bergmark et al., 1999; Enzlin et al., 2002). No entanto, quando se trata da relação com transtornos psiquiátricos, a avaliação da vida sexual era, até há pouco tempo, freqüentemente negligenciada. Um dos principais aspectos dessa relação com a expansão dos tratamentos farmacológicos é a interferência dos psicofármacos na esfera sexual e reprodutiva, incluindo o ciclo menstrual, a gravidez e a amamentação. Com o maior conhecimento das principais síndromes psiquiátricas e em função da difusão pela imprensa leiga de dados sobre psicofarmácos, pacientes questionam sobre efeitos colaterais dessas drogas, opinam sobre suas preferências e revelam seus temores, particularmente sobre gravidez, amamentação, ganho de peso e disfunções sexuais durante o uso dessas medicações (Brixen-Rassmussen et al., 1982; Wisner et al., 1993).

Dificuldades dignósticas Apesar do aumento do conhecimento sobre o assunto e do menor pudor em lidar com o tema por parte de pacientes e médicos, as definições sobre disfunções sexuais na mulher ainda são muito baseadas nas conceituações de Masters, Johnson e Kaplan (Laan et al., 2003). A clássica seqüência da experiência sexual feminina, descrita por esses autores como desejo, excitação (lubrificação), platô, orgasmo e resolução, não é suficiente para suportar as múltiplas variações normais (Basson et al., 2004). As prevalências de disfunções sexuais femininas variam imensamente e dependem da informação a ser colhida de maneira espontânea, mediante anamnese estruturada de questionários. Outra dificuldade freqüente refere-se à terminologia muitas vezes utilizada de maneira dúbia ou conflitante em trabalhos diversos. O assunto é ainda controverso e tem gerado iniciativas como as do Comitê Internacional, organizado pela American Foundation of Urological Disease, na busca de melhores definições dos termos utilizados nas disfunções sexuais femininas. O Comitê, formado por 13 membros de 7 países diferentes, tem-se reunido freqüentemente e interagido por meio eletrônico, tendo apresentado seus primeiros resultados em Paris, em julho de 2003 (Basson et al., 2004). A incidência da disfunção na mulher está diretamente relacionada à idade e afeta entre 30% e 50% das americanas. Dada a elevada freqüência, é difícil estabelecer a relação entre uso de psicofármacos e disfunção sexual feminina, diferenciando por vezes se o achado deve-se Cordás, T.A.; Laranjeiras, M.

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a um efeito medicamentoso indesejável, à patologia psiquiátrica de base ou, ainda, a dificuldades sexuais prévias e conjugais da paciente (Jensvold, 1995). Em geral, os estudos clínicos não incluem mulheres menopausadas ou com idade acima de 60 anos, porém, os estudos epidemiológicos existentes apontam que as mesmas doenças e condições que levam à disfunção erétil do homem (incluindo idade, hipertensão, tabaco, hipercolesterolemia e depressão) conduzem à disfunção sexual feminina (Montgomery et al., 2002).

Psicofármacos e disfunção sexual Os antipsicóticos têm sido freqüentemente relacionados aos efeitos sexuais adversos, e cerca de 39% dos pacientes em uso dessas drogas referem queixa de interferência na esfera sexual. Em comparação com outros efeitos colaterais, como fadiga, ganho de peso e tremor, o efeito sobre a função sexual é considerado o mais problemático e importante razão de não-aderência ao tratamento (National Schizophrenia Foundation). O transtorno do desejo hipoativo (TDH) é a queixa mais freqüente em ambos os sexos, sendo de difícil diagnóstico diferencial com os efeitos próprios do quadro psicótico. Um dos mecanismos propostos é o bloqueio dos receptores dopaminérgicos D2, com conseqüente elevação dos níveis de prolactina, sendo a mulher mais sensível ao uso mesmo de pequenas doses dessas drogas (Knegtering et al., 2003). Outros mecanismos sugeridos podem ser vistos na tabela 1. A introdução dos antipsicóticos atípicos nas últimas décadas foi um importante passo terapêutico na melhoria sintomatológica e da qualidade de vida dos pacientes esquizofrênicos. A diminuição dos efeitos colaterais, bem como a melhora expressiva dos sintomas depressivos e negativos, parece exercer efeitos favoráveis sobre o relacionamento interpessoal, o interesse e a atividade sexuais (Covington et al., 2000). Enquanto a risperidona é o antipsicótico atípico mais correlacionado com hiperprolactinemia, as demais drogas do grupo (como a olanzapina, a clozapina, a quetipina, a ziprasidona e o aripiprazol) têm sido menos associadas aos eventos sexuais adversos (Bazire, 2000). O lítio e outros estabilizadores do humor desempenham importantes ações sobre as neurotransmissões noradrenérgica, serotoninérgica e acetilcolinérgica, bem como sobre o sistema de segundo mensageiro. Em função dessas ações complexas, os mecanismos de ação dessas drogas sobre a função sexual são pouco conhecidos, sugerindo-se uma ação sobre a função serotoninérgica e uma ação levando ao decréscimo da secreção da testosterona (Meston e Gorzalka, 1992). Os principais mecanismos postulados pelos quais os psicotrópicos causam DS são: ação inespecífica no sistema nervoso central (SNC), • como sedação, levando ao desinteresse sexual; Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 168-173, 2006

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170 Tabela 1. Possíveis mecanismos de ação dos antipsocóticos na função sexual. Libido

Ereção/lubrificação vaginal

Bloqueio colinérgico

Ejaculação

?

Inibição?

Inibição

Priapismo?

Possível inibição

Bloqueio dopaminérgico

Inibição

Bloqueio histaminérgico

Inibição

Bloqueio noradrenérgico Bloqueio serotoninérgico (5HT2)

Orgasmo

?

Aumento da prolactina

Inibição

Redução da testosterona

Inibição?

? Inibição

? Inibição

Fonte: Knegtering et al., 2003.







ação específica em neurotransmissores do SNC, ocasionando diminuição do desejo, dificuldades na excitação e orgasmo (como o efeito na diminuição da dopamina que medeia a excitação sexual no hipotálamo); efeitos periféricos, ocasionando dificuldade no orgasmo (como o efeito antiadrenérgico sobre o tônus dos vasos genitais, levando à diminuição da ereção peniana); efeitos hormonais, como o aumento na secreção de prolactina secundário ao bloqueio dopaminérgico. Naturalmente, algumas medicações podem apresentar múltiplos efeitos e suas manifestações ser contraditórias em alguns casos.

A tabela 2 apresenta os principais efeitos colaterais induzidos pelos psicofármacos em mulheres (Jensvold et al., 2000).

Antidepressivos e disfunção sexual Entre os psicofármacos, em função de seu uso mais difundido, os antidepressivos são as drogas mais relacionadas com DS feminina. Os antidepressivos têm sido reportados como causadores de DS em 30% a 70% das pacientes, sendo a redução da libido e a anorgasmia ou dificuldade de atingir o orgasmo as queixas mais freqüentes (Ferguson, 2001). Outros efeitos adversos têm sido reportados mais raramente, como priapismo do clitóris (nefazodona e fluvoxamina), aumento na libido (fluvoxamina, bupropiona e trazodona) e orgasmos espontâneos (clomipramina e fluoxetina). Vários estudos utilizando diferentes metodologias, principalmente com pacientes depressivos e ansiosos, têm apontado para o fato de que as drogas que apresentam mecanismo de ação serotoninérgica possuem maior potencial para causar disfunções sexuais. Os antidepressivos tricíclicos (ADT), os inibidores de monoaminoxidase (IMAO) e, principalmente, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) têm sido os mais implicados em interferências no deCordás, T.A.; Laranjeiras, M.

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Tabela 2. Principais efeitos sexuais dos psicofármacos. Mulheres Desejo Hipossexualidade – Persistente ou recorrente deficiência (ou ausência) de fantasias/pensamentos sexuais e/ou receptividade à atividade sexual que causa(m) desconforto ao indivíduo. Pode ser determinada por fatores psicológicos ou secundária a alterações hormonais ou intervenções clínicas/cirúrgicas. Qualquer alteração do painel hormonal feminino causada por menopausa fisiológica, cirúrgica ou induzida por medicamentos ou distúrbios endócrinos pode levar à inibição do desejo sexual. Hipersexualidade Aversão sexual – Esquiva completa de intercursos sexuais ou relacionamentos íntimos. O transtorno é freqüentemente um problema psicológico causado por razões várias, como abuso físico ou sexual, ou trauma na infância. Redução da lubrificação vaginal Orgasmo Anorgasmia ou redução da intensidade Orgasmo espontâneo Orgasmo doloroso Dispareunia Vaginismo Alterações menstruais (dismenorréia, amenorréia, metrorragia) Hipertrofia clitoriana Priapismo clitoriano Infertilidade Aumento do volume das mamas Galactorréia Fonte: Taylor et al. (2005).

sejo sexual e no orgasmo ou na anorgasmia (Quadros 1, 2 e 3). A nefazodona e a bupropiona têm sido menos responsabilizadas por interferências no ciclo sexual. A Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 168-173, 2006

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171 Quadro 1. Estudos abertos. Autores/ano

n

Zajecka et al. (1997)

42

Boyarsky et al. (1999)

25

Kennedy et al. (2000)

107

Montejo et al. (2001)

1.022

Desenho

Diagnóstico

Disfunções sexuais (%)

Prospectivo, aberto de 8 semanas

Depressão com e sem transtorno obsessivo-compulsivo

Prospectivo, aberto de 12 semanas

Depressão

Prospectivo, aberto de 14 semanas

Prospectivo, aberto, multicêntrico

ISRS – homens: 60%; mulheres: 57% Homens: 41% Impotência (52%), DOM (48%). Mulheres: 47% DOF Monoclobemida: 18% a 50% Venlafaxina: 24% a 64% ISRS: 44% a 75%

Depressão

Depressão, distimia, transtorno do pânico, transtorno obsessivocompulsivo e outros

Fluoxetina: 57,7% Sertralina: 62,9% Fluvoxamina: 62,3% Paroxetina:70,7% Citalopram: 72,7% Venlafaxina: 67,3% Mirtazapina: 24,4% Nefazodona: 8% Amineptina: 6,9% Moclobemida: 3,9%

DOM: Dificuldades de orgasmo masculino; DOF: dificuldades de orgasmo feminino.

Quadro 2. Estudos controlados sem placebo. Autores/ano Segraves et al. (2000)

n

Desenho

Diagnóstico

Disfunções sexuais (%)

248

Duplo-cego de 16 semanas

Depressão maior

Sertralina – homens: 63%; mulheres: 41% Bupropiona – homens: 15%; mulheres: 7%

72

Duplo-cego, randomizado de 8 semanas

Depressão maior com DS induzida por sertralina

Sertralina: 76% Nefazodona: 26%

Duplo-cego de 6 meses

Depressão maior sem DS

Sertralina – homens: 45%; mulheres: 23,8% Citalopram – homens: 48,9%; mulheres: 31%

Ferguson (2001) Ekselius et al. (2001)

Quadro 3. Estudos controlados sem placebo. Autores/ano

n

Desenho

Diagnóstico

Disfunções sexuais (%)

Depressão

DOM – fenelzina: 30%, imipramina: 21%, placebo: 0% DOF – fenelzina: 36%, imipramina: 30%, placebo: 0%

Harrison et al. (1986)

160

Duplo-cego, controlado com placebo de 6 semanas

Croft et al. (1999)

360

Duplo-cego, controlado com placebo de 8 semanas

Depressão

Bupropiona: 19% Sertralina: 40%

Michelson et al. (2001)

501

Fase aguda: estudo aberto Fase de manutenção: duplo-cego, controlado com placebo de 25 semanas

Depressão

Fluoxetina Piora em 27,4% das mulheres e em 13,4% dos homens

DOM: Dificuldades de orgasmo masculino; DOF: dificuldades de orgasmo feminino.

venlafaxina, a mirtazapina e a milnaciprano, drogas de ação dual (serotoninérgica e noradrenérgica), ocupam Cordás, T.A.; Laranjeiras, M.

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aparentemente uma posição intermediária (Kristensen, 2002; Gitlin, 1994; Cordás e Laranjeiras, 2004). Rev. Psiq. Clín. 33 (3); 168-173, 2006

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Estratégias para o manuseio de disfunções sexuais ligadas ao uso de antidepressivos As evidências de eficácia das diferentes estratégias de tratamento das disfunções sexuais ligadas ao uso de antidepressivos são ainda muito limitadas. A revisão sistemática de Taylor et al. (2005) apenas conseguiu evidenciar o efeito favorável do sildenafil em homens com disfunção erétil durante o uso de psicofármacos. Os diferentes tratamentos analisados em mulheres estão listados na tabela 3. A maior parte dos trabalhos não evidenciou benefícios na associação dessas drogas aos antidepressivos, com exceção do uso da bupropiona. Desde os relatos de De Batista et al. (2001) e Masand et al. (2001), o uso da bupropiona em adição ao tratamento antidepressivo com ISRS tem sido descrito. Apesar do entusiasmo inicial, os resultados ainda são conflitivos. Em artigo de revisão, Kristensen (2002) discutiu as possibilidades de tratamento das disfunções sexuais induzidas por antidepressivos, tais como: modificações nos hábitos sexuais (como maior tempo prévio nas carícias preliminares), redução das dosagens dos antidepressivos quando possível, troca por outras medicações (com o risco de perda do efeito terapêutico) e uso de “antídotos”, como bupropiona e ioimbina. A troca por drogas mais recentes, como o escitalopram, aparentemente com menores riscos de disfunção sexual,

Tabela 3. Tratamentos associados aos antidepressivos para o tratamento da disfunção sexual em mulheres. Nefazodona Bupropiona Buspirona Granisetrom (antiemético de ação serotoninérgica) Amantadina Olanzapina Mirtazapina Ioimbina Gingko biloba Efedrina Fonte: Taylor et al. (2005)

é sugerida por alguns autores (Ashton et al., 2005). Não há estudos controlados com práticas psicoterápicas e intervenções não farmacológicas. Apesar da existência de poucos estudos controlados sobre o tema, os efeitos colaterais na esfera sexual devem merecer maior atenção, na medida em que constituem um dos principais fatores de abandono do tratamento e, conseqüentemente, de recaída.

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Eventos Esta seção da revista está aberta para divulgar eventos nacionais e internacionais. O material poderá ser enviado à Assistente Editorial Sandra Lúcia B. Picchiotti. Instituto de Psiquiatria, Rua Ovídio Pires de Campos, 785 – 05403-010 – São Paulo – SP ou por e-mail: [email protected]

WPA Internacional Congress Data: 12 a 16 de julho de 2006 Local: Istambul, Turquia Informações: www.wpa2006istambul.org 16o Congresso Internacional de Psicoterapia de Grupo Data: 17 a 22 de julho de 2006 Local: Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), São Paulo-SP Informações: Eventus Fone: (11) 3361-3056 Fax: (11) 3361-3089 E-mail: [email protected] II Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental VII Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental Data: 7 a 10 de setembro de 2006 Local: Belém-PA Informações: Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Telefax: (11) 3661-6519 E-mail: [email protected] 6th Internacional Congress of Neuropsychiatry Data: 10 a 14 de setembro de 2006 Local: Sydney Convention and Exhibition Centre Sydney, Austrália Informações: www.inacongress2006.com III Simpósio Internacional sobre Depressão e Transtorno Bipolar Data: 22 e 23 de setembro de 2006 Local: Hotel Nacional, Brasília-DF Informações: www.apbr.com.br Tel.: (61) 443-1623 E-mail: [email protected] XXIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria Data: 25 a 28 de outubro de 2006 Local: Curitiba-PR Informações: Associação Brasileira de Psiquiatria Telefax: (21) 2199-7500 / 2221-4409 E-mail: [email protected] Home page: www.abpbrasil.org.br XIV World Congress of the Internacional Society of Psychiatric Genetics (ISPG) Data: 28 de outubro a 1o de novembro de 2006 Local: Cagliari, Itália Informações: www.wcpg2006.it 1st European Congress of International Neuropsychiatric Association (INA) 2nd Mediterranean Congress Data: 7 a 10 de dezembro de 2006 Local: Atenas, Grécia Informações: www.ina-wfsbp-dualcongress.gr E-mail: [email protected] 2nd Internacional Congress of Biological Psychiatry Data: 17 a 21 de abril de 2007 Local: Santiago, Chile Informações: www.wfsbp-santiago2007.com

Eventos

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Geodon® (cloridrato de ziprasidona) é um novo antipsicótico para o tratamento da esquizofrenia. A ziprasidona é um antagonista dos receptores de serotonina 5HT2A e de dopamina D2. Sugere-se que sua eficácia antipsicótica seja mediada por esse mecanismo de ação. Indicações: para o tratamento da esquizofrenia, transtornos esquizoafetivo e esquizofreniforme, estados de agitação psicótica e mania bipolar aguda, para a manutenção da melhora clínica e prevenção de recidivas, durante a continuação da terapia. Foi demonstrada a eficácia da ziprasidona no tratamento dos sintomas positivos e negativos da esquizofrenia em pacientes hospitalizados com exacerbação aguda da doença (vide bula completa do produto). Contra-indicações: conhecida hipersensibilidade à ziprasidona ou a qualquer componente da fórmula. É contra-indicado a pacientes com conhecido prolongamento do intervalo QT, incluindo síndrome do QT longo, a pacientes com infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca descompensada ou arritmias cardíacas que necessitem de tratamento com fármacos antiarrítmicos das classes I e III. Advertências e precauções: Intervalo QT: a ziprasidona causa um prolongamento no intervalo QT de grau leve a moderado. Na base de dados dos estudos clínicos realizados no período pré-comercialização, a incidência de prolongamento do intervalo QTc para um valor acima de 500 ms foi de 0,06% em pacientes tratados com ziprasidona e 0,23% em pacientes recebendo placebo. Alguns fármacos, incluindo antiarrítmicos de classe I e III que prolongam o intervalo QT para um valor maior que 500 ms, foram associados com a ocorrência rara de taquicardia ventricular (torsade de pointes). Bradicardia, distúrbios eletrolíticos ou uso concomitante com outros fármacos que prolongam o intervalo QT, podem aumentar o risco de ocorrência desta arritmia. Portanto, a ziprasidona deve ser usada com precaução em pacientes com estes fatores de risco. Se sintomas cardíacos sugestivos de arritmias forem observados ou relatados durante o tratamento, deve ser feita uma avaliação cardiológica apropriada. Se o intervalo QTc encontrado for maior que 500 ms, é recomendado que o tratamento seja interrompido. Síndrome Neuroléptica Maligna: não houve casos relatados de SNM em estudos clínicos realizados no período pré-comercialização em pacientes que receberam ziprasidona; entretanto, a SNM foi relatada em associação com outros fármacos antipsicóticos. Se um paciente desenvolver sinais e sintomas indicativos de SNM, ou se apresentar com febre alta inexplicada sem manifestações clínicas adicionais de SNM, todos os fármacos antipsicóticos, incluindo o Geodon®, devem ser descontinuados. Discinesia Tardia: como ocorre com outros antipsicóticos, existe um potencial da ziprasidona causar discinesia tardia e outras síndromes extrapiramidais tardias após tratamento prolongado. Convulsões: como ocorre com outros antipsicóticos, recomenda-se cautela no tratamento de pacientes com histórico de convulsões. Fármacos ativos no SNC/Álcool: considerando os efeitos primários da ziprasidona no SNC, deve-se ter cautela quando esta for administrada em associação a outros fármacos de ação central, incluindo álcool e fármacos que agem nos sistemas dopaminérgicos e serotoninérgicos. Gravidez e lactação: como a experiência clínica ainda é limitada, a administração de ziprasidona não é recomendada durante a gravidez, a menos que o benefício esperado para a mãe supere o risco potencial ao feto. O uso em lactantes não é recomendado. Geodon® pode causar sonolência, portanto os pacientes devem ser advertidos adequadamente se forem dirigir ou operar outras máquinas. Reações adversas: Geodon® é geralmente bem tolerado. Em estudos clínicos de curto prazo, os eventos adversos associados à utilização de Geodon® (ocorrendo com uma freqüência ≥ 3% e excedendo a freqüência do placebo em ≥ 2%) foram: astenia, síndrome extrapiramidal, náusea, sonolência e transtorno respiratório (incluindo sintomas de coriza) (vide bula completa do produto). Posologia: via oral. Adultos: no tratamento agudo, 40 mg duas vezes ao dia, administrada com alimentos, até um máximo de 80 mg duas vezes ao dia. No tratamento de manutenção, deve ser administrada aos pacientes a dose mínima eficaz, em muitos casos, a dose de 20 mg duas vezes ao dia pode ser suficiente. Crianças: a segurança e eficácia em indivíduos menores de 18 anos não foram estabelecidas. Idosos ou pacientes com insuficiência renal: não é necessário ajuste de dose. Insuficiência hepática: doses menores de Geodon® devem ser consideradas em pacientes com insuficiência hepática de grau leve a moderado. Superdosagem: a experiência é limitada. Na maior superdosagem relatada, um paciente apresentou sedação, fala indistinta e hipertensão transitória (200/95 mmHg) após ingestão confirmada de 3240 mg de ziprasidona. O intervalo QTc máximo observado foi de 478 ms, 6 horas após a ingestão. Se houver suspeita de superdosagem, deve ser considerada a possibilidade de envolvimento de múltiplos fármacos. Não há antídoto específico para ziprasidona. A possibilidade de obnubilação, convulsões ou reação distônica da cabeça e do pescoço após superdosagem pode levar ao risco de aspiração por vômito induzido. A monitorização cardiovascular deve começar imediatamente e incluir monitorização eletrocardiográfica contínua para detectar possíveis arritmias. Devido ao fato da ziprasidona estar altamente ligada às proteínas, é improvável que a hemodiálise seja benéfica no tratamento de superdosagem. Apresentações: cápsulas de 40 mg em embalagens com 14, 30 e 50 unidades e cápsulas de 80 mg em embalagem com 30 unidades. USO ADULTO. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA – SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO DA RECEITA. Para maiores informações, consulte a bula completa do produto (geo04). Documentação científica e informações adicionais estão à disposição da classe médica mediante solicitação. Laboratórios Pfizer Ltda., Rua Alexandre Dumas, 1860 – Chácara Santo Antônio, São Paulo - SP. CEP 04717-904. Tel: 0800-167575 - Internet: www.pfizer.com.br Geodon® Reg. MS - 1.0216.0066

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Geodon® IM (mesilato de ziprasidona) é um novo antipsicótico para o tratamento da esquizofrenia. A ziprasidona é um antagonista dos receptores de serotonina 5HT2A e de dopamina D2. Sugere-se que sua eficácia antipsicótica seja mediada por esse mecanismo de ação. Indicação: no controle rápido da agitação em pacientes psicóticos. Contra-indicações: conhecida hipersensibilidade à ziprasidona ou a qualquer componente da fórmula; a pacientes com conhecido prolongamento do intervalo QT, incluindo síndrome congênita do QT longo, infarto do miocárdio recente, insuficiência cardíaca descompensada ou arritmias cardíacas que necessitam de tratamento com fármacos antiarrítmicos classes IA e III. Advertências e precauções: Síndrome neuroléptica maligna (SNM): foi relatada em associação a fármacos antipsicóticos, incluindo a ziprasidona. Se o paciente desenvolve sinais e sintomas indicativos de SNM ou se apresenta febre alta inexplicada sem manifestações clínicas adicionais de SNM, todos os fármacos antipsicóticos, incluindo Geodon® IM, devem ser descontinuados. Discinesia tardia: assim como ocorre com outros antipsicóticos, existe um potencial da ziprasidona causar discinesia tardia e outras síndromes extrapiramidais tardias após tratamento prolongado. Pressão arterial: tontura, taquicardia, hipertensão e hipotensão postural podem ocorrer após administração de Geodon® IM. Intervalo QT: a ziprasidona causa um prolongamento no intervalo QT de grau leve a moderado. Bradicardia, desequilíbrio eletrolítico ou uso concomitante com outros fármacos que prolongam o intervalo QT podem aumentar o risco de ocorrência de torsades de pointes. Portanto a ziprasidona deve ser utilizada com cautela em pacientes com estes fatores de risco. Se forem observados ou relatados sintomas cardíacos sugestivos de arritmias durante o tratamento deve-se fazer uma avaliação cardiológica apropriada. Convulsões: assim como ocorre com outros antipsicóticos, recomenda-se cautela no tratamento de pacientes com histórico de convulsões. Fármacos ativos no SNC/ álcool: considerando-se os efeitos primários da ziprasidona no SNC, deve-se ter cautela quando esta for administrada em associação a outros agentes de ação central, incluindo álcool e fármacos que agem nos sistemas dopaminérgico e serotoninérgico. Aumento da Mortalidade em Pacientes Idosos com Psicose Relacionada à Demência: A ziprasidona não está aprovada para o tratamento de pacientes idosos com psicose relacionada à demência (vide bula completa do produto). Gravidez e lactação: como a experiência clínica é limitada, a administração de Geodon® IM não é recomendada durante a gravidez, a menos que o benefício esperado para a mãe supere o risco potencial para o feto. As pacientes que estiverem em tratamento com Geodon® IM devem ser advertidas a não amamentar. Efeitos na habilidade de dirigir e de operar máquinas: assim como ocorre com outros fármacos psicoativos, Geodon® IM pode causar sonolência. Interações medicamentosas: a ziprasidona não demonstrou efeito inibitório sobre CYP1A2, CYP2C9 ou CYP2C19 quando testada em microssomos hepáticos humanos, é improvável que a ziprasidona cause interações medicamentosas clinicamente importantes mediadas por citocromos CYP2D6 e CYP3A4. A ziprasidona se liga extensivamente às proteínas plasmáticas. Desta maneira, o potencial de um fármaco interagir com a ziprasidona devido ao deslocamento é improvável. Reações adversas: os eventos adversos mais comuns associados ao uso de Geodon® IM foram: astenia, dor no local da injeção, hipertensão, hipotensão postural, diarréia, náusea, acatisia, tontura, sonolência, dor de cabeça. Outras reações adversas: vide bula completa do produto. Posologia: administração intramuscular. Adultos: a dose recomendada é de 10 mg a 20 mg, administrada conforme a necessidade, até a dose máxima de 40 mg/dia. As doses de 10 mg podem ser administradas a cada 2 horas e as de 20 mg, a cada 4 horas até uma dose máxima de 40 mg/dia. A administração intramuscular por mais de 3 dias consecutivos não foi estudada. Se houver indicação para tratamento prolongado, a administração intramuscular deverá ser substituída, assim que clinicamente apropriado, pela administração via oral de Geodon® cápsulas. Insuficiência renal: uma vez que o excipiente ciclodextrina é excretado exclusivamente pelos rins, deve-se ter cautela ao administrar Geodon® IM em pacientes com a função renal comprometida. Insuficiência hepática: doses menores devem ser consideradas no caso de insuficiência hepática de grau leve a moderado. Uma vez que não há experiência clínica em pacientes com insuficiência hepática grave, Geodon® IM deve ser utilizado com cautela neste grupo de pacientes. Superdosagem: não há experiência de superdosagem com Geodon® IM. A possibilidade de obnubilação, convulsões ou reação distônica da cabeça e do pescoço após superdosagem pode levar ao risco de aspiração por vômito induzido. A monitoração cardiovascular deve começar imediatamente e deve incluir monitoração eletrocardiográfica contínua, para detectar possíveis arritmias. Devido ao fato da ziprasidona estar altamente ligada às proteínas, é improvável que a hemodiálise seja benéfica no tratamento da superdosagem. Apresentação: pó para solução intramuscular, em embalagens com 1 frascoampola acompanhado de 1 ampola com diluente. USO ADULTO. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO DA RECEITA. A persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado. Para maiores informações, consulte a bula completa do produto (gem05). Documentação científica e informações adicionais estão à disposição da classe médica mediante solicitação. Laboratórios Pfizer Ltda., Rua Alexandre Dumas, 1860 – Chácara Santo Antônio, São Paulo, SP. CEP 04717-904. Tel.:0800-167575 – Internet: www.pfizer.com.br. Geodon® IM. MS - 1.0216.0066.

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