Traços Urbanos da Amazônia: o que o design vernacular tem a dizer sobre a cultura local

June 1, 2017 | Autor: Natália Pereira | Categoria: Communication, Popular Culture, Identity (Culture), Amazonia, Vernacular Design
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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

NATÁLIA CRISTINA RODRIGUES PEREIRA

TRAÇOS URBANOS DA AMAZÔNIA O que o design vernacular tem a dizer sobre a cultura local?

BELÉM-PA 2014

NATÁLIA CRISTINA RODRIGUES PEREIRA

TRAÇOS URBANOS DA AMAZÔNIA O que o design vernacular tem a dizer sobre a cultura local?

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção de título em bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, sob a orientação da Profa. Dra. Célia Regina Trindade Chagas Amorim.

BELÉM-PA 2014

NATÁLIA CRISTINA RODRIGUES PEREIRA

TRAÇOS URBANOS DA AMAZÔNIA O que o design vernacular tem a dizer sobre a cultura local?

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção de título em bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, sob a orientação da Profa. Dra. Célia Regina Trindade Chagas Amorim. Conceito: EXCELENTE.

Aprovado em 18 de dezembro de 2014.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Célia Regina Trindade Chagas Amorim – FACOM / UFPA

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Fábio Fonseca de Castro – FACOM / UFPA

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Alda Cristina Costa – FACOM / UFPA

Este trabalho é dedicado a todos aqueles que se sentem atraídos pela beleza, contrastes, nuances e significados presentes em uma comunicação enraizada na cultura popular.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha mãe Delma e à minha irmã Débora, minhas companheiras inseparáveis, por amarem incondicionalmente todas as partes existentes em mim. Também agradeço ao meu pai Carlos Robson, que se dispôs a me acompanhar em quase todas as entrevistas e registros fotográficos, sempre com uma disposição de aço. Posso afirmar que a sua presença tornou esse processo mais divertido e seguro. Aos três, obrigada pelo incentivo, por serem maravilhosos e por dividirem esse momento comigo. Agradeço de coração à professora Célia Trindade Amorim, que esteve presente desde o início da minha carreira acadêmica tanto como professora em sala de aula quanto orientadora exigente no projeto de pesquisa Mídias Alternativas da Amazônia e neste TCC. Muito da minha confiança e segurança veio das suas palavras. Muito obrigada por toda a paciência, dedicação e carinho durante todos esses anos, espero sinceramente que possamos levar essa parceria adiante, por muito mais tempo. Gostaria de agradecer também à Faculdade de Comunicação e à Universidade Federal do Pará. Todas as discussões em sala de aula, os livros e os trabalhos exaustivos foram etapas necessárias para que eu pudesse ter sucesso em finalizar a presente pesquisa. Agradeço aos professores pela dedicação e aos amigos que fiz por terem compartilhado tantas lembranças positivas. Com toda certeza, as experiências que a UFPA me proporcionou moldaram tanto a minha carreira acadêmica quanto os meus valores pessoais, e sou infinitamente grata por isso. Agradeço ao seu Walter, seu Hélio, seu Siqueira, Tânia Contente, Ana Ruth, seu Carmino e Maura Batista, que aceitaram contribuir para este trabalho por meio da entrevista. Todos dispuseram de boa vontade suficiente para me conceder parte do seu tempo, e graças a eles pudemos embasar de forma mais consistente a análise do trabalho. Além disso, fico feliz pela oportunidade de conhecer as pessoas por trás das letras pelas quais me encantei. A arte da capa deste trabalho foi baseada nas letras desenhadas pelos pintores aqui entrevistados. Foi um percurso difícil. Por isso mesmo agradeço a todos os meus colegas de trabalho no Libra Design. João, Berna, Adonai, muito obrigada por todo o apoio e compreensão. Dani, muito obrigada por acalmar minhas incertezas e por me fazer sentir melhor todos os dias. A todos aqueles que acreditaram nesta pesquisa e que caminharam nesta jornada lado a lado comigo, saibam que vocês fizeram toda a diferença. Muito obrigada.

Belém, primeira etapa da colonização portuguesa na Amazônia e, portanto, seu espaço mais tradicional, reúne a maior população urbana da região e seu sistema mais expressivo de produção intelectual, científica, artística e jornalística, devendo ser apontado, ainda, seu papel como centro religioso. Com efeito, essa cidade cumpriu, historicamente, o papel de centro intelectual da Amazônia portuguesa. (Fábio Castro, Pesquisa em Comunicação na Amazônia.).

Typography is the voice of the written world. (Ben Casey, Type Matters!)

RESUMO

Esta pesquisa faz uma reflexão sobre o design vernacular na cultura urbana amazônica, especificamente em Belém do Pará. O foco da investigação partiu da seguinte questãoproblema: como o design vernacular, na tradição popular tipográfica, persiste na cultura urbana belenense? O objeto de pesquisa é o lettering popular, com foco nos desenhos de letras pintados manualmente nas fachadas de pequenos comércios espalhados pela cidade de Belém, por se tratar de uma prática cultural e comunicativa fundamentada na tradição popular vernacular. Nesse sentido, a hipótese defendida neste TCC é a de que o design vernacular, a partir do trabalho dos letristas populares, está ativo nas periferias de Belém do Pará, sendo um elemento estratégico na comunicação e na cultura urbana local. A base teórica centrou-se no campo do design por meio dos autores Rafael Cardoso (2008), Fátima Finizola (2010) e Vera Lúcia Dones (2005); e no campo da cultura, identidade, cidadania e consumo Néstor GarcíaCanclini (2008), Clifford Geertz (2008), Stuart Hall (2006), Gordon Mathews (2002), dentre outros. A metodologia teve como foco a análise qualitativo-descritiva. Para tanto foi realizada coleta de material que ocorreu durante dois meses – de setembro a novembro de 2014 – e envolveu o registro fotográfico das letras com conteúdos vernaculares, três entrevistas com os pintores de letras (Art Walter, Hélio Pintor e Siqueira), além de mais quatro entrevistas com consumidores deste tipo de design. Este estudo é importante por investigar o design vernacular enquanto parte da cultura e da identidade amazônica, resgatando os seus traços distintivos e a maneira como essa forma de comunicação popular ocorre na região Amazônica.

Palavras-chave: Comunicação; Design vernacular; Cultura popular; Identidade; Amazônia.

ABSTRACT

This research makes an observation about the vernacular design in the urban culture of the Brazilian Amazon region, specifically in Belém of Pará. The main focus of the investigation came from the following question: how does the vernacular design, at the typographic popular tradition, keeps occurring in Belém? The analyzed object in this research is the folk lettering, with emphasis on the hand drawing letters painted on the facade of small companies and walls widespread across the city, which is a cultural and communicational behavior based on the vernacular popular tradition. Accordingly, the hypothesis presented here pointed that the vernacular design, starting with the work of the letter painters, is active in the suburb of Belém and consists in a strategic element of the local communication and urban culture. The authors, whose studies were used for the theoretical basis of the design field, were Rafael Cardoso (2008), Fátima Finizola (2010) and Vera Lúcia Dones (2005); about the culture, identity, citizenship and consumption fields, this research used the concepts of Néstor GarcíaCanclini (2008), Clifford Geertz (2008), Stuart Hall (2006) and Gordon Mathews (2002). The methodology was based on the qualitative descriptive analysis. The collection of the material for the analysis took place during two months – from September to November of 2014 – and involved the photographic log of the vernacular letters, three interviews with the letter painters (Art Walter, Hélio Pintor e Siqueira), besides four more interviews with the consumers of the popular design. This is an important study because investigates the vernacular design as part of the culture and identity of the Amazon, by rescuing its distinctive features and the way that this popular communication happens in the region. Keywords: Communication; Vernacular design; Popular culture; identity; Amazon.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 01 – Exemplos de design vernacular em Belém do Pará

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Imagem 02 – Fotografias de embalagens vernaculares tradicionais

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Imagem 03 – Fontes digitais criadas por Fátima Finizola

22

Imagem 04 – Exemplo de lettering por Jason Carne

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Imagem 05 – Pictogramas sumérios escritos em argila

26

Imagem 06 – Exemplos de ideogramas contemporâneos

27

Imagem 07 – Alfabeto fenício

28

Imagem 08 – A evolução dos pictogramas em letras do alfabeto

29

Imagem 09 – Evolução dos tipos

30

Imagem 10 – Detalhes da anatomia tipográfica

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Imagem 11 – Tipos de serifa

31

Imagem 12 – Capa do livro Abridores de Letras de Pernambuco; fonte digital

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criada pelo projeto Tipos Populares do Brasil; e a logomarca do projeto Crimes Tipográficos . Imagem 13 – No seu ateliê, Hélio Pintor explica como funciona o uso da serigrafia.

62

Imagem 14 – Letras pintadas em diversos suportes, por Art Walter.

66

Imagem 15 – Fachadas pintadas por Art Walter.

70

Imagem 16 – Letra tipo egípcio pintada na fachada do Salão Visual, por Art Walter.

71

Imagem 17 – Letra em negrito pintada por Art Walter.

72

Imagem 18 – Letra sombreada pintada por Art Walter.

73

Imagem 19 – Letra sem-serifa pintada por Art Walter.

74

Imagem 20 – De cima para baixo, exemplos de diferentes formatos para as letras A,

76

R, O e E. Imagem 21 – Fachada de marcenaria assinada por Art Walter.

77

Imagem 22 – Fachada de salão de beleza assinada por Art Walter.

78

Imagem 23 – Gui Gui Lanches, no bairro da Pedreira.

80

Imagem 24 – Muro pintado por Hélio.

83

Imagem 25 – Comunicação visual do Avistão na Ponte do Galo, na Sacramenta.

83

Imagem 26 – Comunicação da Moda Show em muro no Guamá.

85

Imagem 27 – Moda Show, no bairro do Comércio.

86

Imagem 28 – Fachada do Baratão das Calcinhas assinada por Hélio Pintor.

88

Imagem 29 – Fachada do Baratão das Calcinhas assinada por Hélio Pintor.

89

Imagem 30 – Identidade visual do Baratão das Calcinhas.

89

Imagem 31 – Marca do Avistão no site e em muro no bairro do Guamá.

91

Imagem 32 – Comunicação do Avistão em muro no bairro do Guamá.

91

Imagem 33 – Restaurante Paladar de Deus, no bairro do Telégrafo.

94

Imagem 34 – Bar e Pousada Casal Feliz, no bairro da Sacramenta.

95

Imagem 35 – Fachada do Baratão das Calcinhas divide espaço com a publicidade

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em outdoor.

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A

Roteiro de perguntas para a entrevista com os pintores de letras

104

ANEXO B

Entrevista com o pintor de letras

105

ANEXO C

Entrevista com o pintor de letras

109

ANEXO D

Entrevista com o pintor de letras

112

ANEXO E

Roteiro de perguntas para a entrevista com os consumidores

115

ANEXO F

Entrevista com o consumidor do design vernacular

116

ANEXO G

Entrevista com o consumidor do design vernacular

118

ANEXO H

Entrevista com o consumidor do design vernacular

119

ANEXO I

Entrevista com o consumidor do design vernacular

120

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

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2. OS MÚLTIPLOS ASPECTOS DO DESIGN VERNACULAR

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2.1. O MULTIFACETADO DESIGN DO COTIDIANO

16

2.2. PASSEIO PELAS SINUOSIDADES TIPOGRÁFICAS

24

2.3. RETORNO ÀS ORIGENS: DO DESIGN MODERNO AO DESIGN CONTEMPORÂNEO 3. UM DIÁLOGO DO CONTEMPORÂNEO

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3.1. SOBRE OS ASPECTOS CULTURAIS

40

3.2. AS IDENTIDADES PÓS-MODERNAS

46

3.3. CONSUMO E CIDADANIA

53

4. A METODOLOGIA DA PESQUISA

60

4.1. FASES DA INVESTIGAÇÃO

60

5. AS LETRAS PINTADAS NAS FACHADAS E AS CENAS URBANAS DE BELÉM 5.1. ART WALTER

65

5.1.1. Maiúsculas/ minúsculas

69

5.1.2. Serifas

70

5.1.3. Uso de Sombras

72

5.1.4. Letras em Negrito/ Bold

74

5.1.5. Anatomia das letras

75

5.2. HÉLIO PINTOR

81

5.2.1. Moda Show

85

5.5.2. Baratão das Calcinhas

87

5.2.3. Avistão

90

5.3. SIQUEIRA

92

5.3.1. Restaurante Paladar de Deus

93

5.3.2. Bar e Pousada Casal Feliz

94

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

97

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

100

8. ANEXOS

104

9. TERMO DE RESPONSABILIDADE

121

40

67

13

1. INTRODUÇÃO

O design se apresenta no dia-a-dia sob muitas formas, por vezes tão ligado ao cotidiano do ser humano que se passa despercebido: como no formato dos móveis de escritório, canetas esferográficas, utensílios domésticos e roupas em geral, além da sua atuação na construção do relacionamento entre empresas, funcionários e consumidores, na valorização dos processos e identidades culturais regionais e globais, no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis e reutilização de materiais na indústria. Dentre os muitos campos que compõem o design – como o design gráfico, de interiores, de embalagens, por exemplo –, o chamado design vernacular se destaca pela característica popular vinculada a ele. Nas palavras de Finizola, “a utilização do termo vernacular é empregada para definir aqueles artefatos autênticos da cultura de determinado local, geralmente produzidos à margem do design oficial” (FINIZOLA, 2010, p. 34). O design com essa característica atua de maneira informal, respeitando as tradições culturais transmitidas de geração para geração. Na capital paraense, é comum encontrarmos traços vernaculares, que chamam a atenção e instigam o olhar, destacados nas faixas coloridas e informativas das aparelhagens de tecnobrega, nas placas colocadas nas calçadas, na pintura dos barcos, nas escritas manuscritas das lojas, mercados e comércios locais – o design destes últimos, objeto de estudo do seguinte trabalho1. Nesta perspectiva, busca-se investigar o design vernacular como elemento estratégico da cultura urbana presente em Belém do Pará, com o interesse na apropriação que as pessoas fazem dessa comunicação gráfica e como ela influencia na região estudada, levando em consideração os aspectos culturais e de identidade locais. Vale ressaltar que por ser uma região de fronteira2, periférica, a Amazônia apresenta diversas características que a diferenciam de outros espaços urbanos e rurais mundo afora, que somam desde os conflitos territoriais capitalistas que acontecem dentro de suas matas fechadas ou em áreas urbanizadas até a explosão de cores e movimentos que tomam corpo em

1

As primeiras reflexões tiveram origem quando a autora deste TCC participou como bolsista de iniciação científica do Projeto Mídias Alternativas na Amazônia (CNPq-UFPa), coordenado pela professora Dra Célia Trindade Amorim, da Faculdade de Comunicação – UFPa. As investigações iniciais resultaram no artigo “Design vernacular: Traços urbanos da cultura amazônica”, com orientação da professora Célia Trindade Amorim. O artigo foi apresentado na Divisão Temática Comunicação, Espaço e Cidadania, da Intercom Júnior – X Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. E foi publicado nos Anais do Intercom 2014. 2 De acordo com a geógrafa Becker (2005), região de fronteira se configura como um espaço tratado sob as rédeas da economia de fronteira; ou seja, visto como fonte de terras e recursos naturais e econômicos lineares e infinitos.

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suas cidades. Apesar disso, quando profissionais das mais diversas áreas debruçam o olhar sobre a Amazônia, precisam realizar um esforço enorme para enxergá-la de fato, de tantas que são as suas nuances e de tão forte que é o imaginário que foi criado sobre a região. Dentro desse imaginário coletivo, podemos notar o destaque dado às imagens do índio, do ribeirinho, da floresta e seus mistérios, e a omissão dos espaços urbanos, das diferentes culturas apresentadas pela população, da migração de pessoas de outras regiões do Brasil para o Norte, entre outros (DUTRA, 2009). O professor e jornalista Manoel Dutra se debruça sobre o modo como a Amazônia é retratada na televisão brasileira, conforme trecho abaixo: Em pouquíssimas palavras, o locutor resume aquilo que, para o dispositivo emissor, representa a Amazônia: um conceito aberto e portador de unidades discursivas redutoras, construídas por fragmentos históricos recuperados do imaginário que reproduz as noções de reserva, de selvagem, de mistérios, de biodiversidade e de um ente que é patrimônio genético da Terra (DUTRA, 2009, p. 91).

O argumento expõe a maneira pela qual a imagem da Amazônia é vendida, reforçando esse imaginário sobre a região. A presente pesquisa busca contribuir para a disseminação da percepção de que a realidade regional exposta acima na verdade é um fragmento das múltiplas realidades e culturas presentes no espaço amazônico. Existem densas e misteriosas florestas, reservas indígenas, latifúndios, áreas destinadas à agropecuária e extração de minerais, e estas coexistem com o cotidiano da população urbana, que conhece os mitos e lendas da terra, trabalha, vota e ainda consome produtos industrializados e tecnológicos. O estudo, focado na diversidade tipográfica visual presente nas periferias urbanas, tem a ver com a forma como essas pessoas vivem, interagem e se comunicam nesses espaços. Este trabalho entende a identidade contemporânea como múltipla e contraditória, de acordo com os estudos de Stuart Hall (2006), pois busca explicar um processo de interação global e local, assumindo que a globalização não homogeneizou a identidade do design local; pelo contrário, observa-se muitas vezes o reforço e legitimação dessa cultura. Por conta disso, este trabalho estabelece um diálogo entre os campos da comunicação, design, cultura e identidade, definindo como problema de pesquisa o seguinte questionamento: como o design vernacular, na tradição popular tipográfica, persiste na cultura urbana belenense? Como caminho, vamos verificar a hipótese de que o design vernacular, a partir do trabalho dos letristas populares está ativo nas periferias de Belém do Pará, sendo um elemento estratégico na comunicação e na cultura urbana local. O objetivo geral será refletir sobre a importância do design vernacular na cultura urbana belenense. Os objetivos específicos são:

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Contextualizar o design vernacular na cultura urbana belenense;



Identificar as características estruturais do design vernacular produzido na cultura de Belém do Pará;



Analisar traços da cultura urbana popular no design vernacular em Belém; Para a elaboração do presente trabalho buscou-se primeiramente o embasamento na

pesquisa bibliográfica Esta etapa foi necessária para o diálogo proposto entre os campos do design, comunicação, identidade e cultura, de modo a facilitar a compreensão sobre as pinturas das letras nas fachadas – produto do design vernacular – enquanto importante forma de comunicação e expressão popular. Após a busca bibliográfica, ocorreu a coleta de dados primários, referentes: a) ao primeiro registro fotográfico das imagens com conteúdos vernaculares, realizado de maneira aleatória, que incluiu também a busca pelo contato dos pintores; b) entrevistas com os pintores de letras Art Walter, Hélio Pintor e Seu Siqueira, para complementação da pesquisa; c) ao segundo registro fotográfico, focado nos trabalhos dos pintores de letras entrevistados; e d) às entrevistas com os consumidores do design vernacular Carmino de Carvalho Borges, Tânia Contente, Ana Ruth e Maura Batista, donos dos estabelecimentos fotografados (no segundo registro fotográfico). A pesquisa foi dividida em quatro capítulos: o primeiro irá tratar sobre o design vernacular, o ensino de design no Brasil, e conceitos do universo da tipografia, com base nos estudos de Rafael Cardoso (2008), Fátima Finizola (2010) e Vera Lúcia Dones (2005); o segundo traz a relação entre o local e o global, no campo da cultura, para o entendimento dos elementos culturais do design e sua potencialidade de comunicação, fundamentado, entre outros autores, nas obras de Néstor García-Canclini (2008), Clifford Geertz (2008), Stuart Hall (2006) e Gordon Mathews (2002); o terceiro foi reservado para a metodologia da pesquisa, entrevistas e fotografias recolhidas; e o quarto capítulo apresenta a análise formal do material coletado.

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2. OS MÚLTIPLOS ASPECTOS DO DESIGN VERNACULAR

2.1. O multifacetado design do cotidiano

Com o olhar atento e curioso, é possível perceber os detalhes das comunicações gráficas espontâneas que dividem os espaços públicos de diversas cidades do Brasil e do Mundo. Estejam elas representadas no subúrbio de Los Angeles, nas placas expostas nas calçadas em Recife, nas faixas e luminosos em Porto Alegre, ou nas fachadas de pequenos comércios em Belém, compartilhando ou não de tendências e estilos gráficos, o design vernacular surpreende pelas suas particularidades locais e regionais. O aspecto cultural vernacular sobrevive há centenas de anos. Como explica a professora Vera Lúcia Dones (2004), as próprias línguas europeias já foram consideradas línguas vernáculas em contraposição ao idioma oficial falado pelas classes instruídas na Grécia Antiga, que eram o Grego e o Latim. Para Dones, O termo vernacular sugere a existência de linguagens visuais e idiomas locais, que remetem a diferentes culturas. Na comunicação gráfica, corresponde às soluções gráficas, publicações e sinalizações ligadas aos costumes locais produzidos fora do discurso oficial (DONES, 2004, p. 02).

Dones entende por discurso oficial a prática institucionalizada do design, que conta com o apoio de instituições hegemônicas como as Universidades, as empresas de comunicação, os escritórios de design. Diferentemente do que acontece com o design vernacular, que se baseia em uma produção mais autônoma e espontânea. Ela cita Rafael Cardoso, para quem o vernacular tem relação com “aquilo que é feito à margem do conhecimento erudito” (Dones, 2004, p. 2), e a designer americana Ellen Lupton (LUPTON, 1996, p.111), que defende a complexidade existente em torno desse tipo de comunicação: O design vernacular não deve ser visto como algo “menor”, marginal ou antiprofissional, mas como um amplo território onde seus habitantes falam um tipo de dialeto local (…). Não existe uma única forma vernacular, mas uma infinidade de linguagens visuais, (…) resultando em distintos grupos de idiomas (LUPTON apud DONES, 2004, p. 02).

No trecho acima, percebe-se que a discussão sobre a forma de comunicação utilizada pela população local faz parte de uma discussão maior sobre culturas, no plural. Culturas que coexistem e possuem traços distintos específicos, que se traduzem também por meio da linguagem e de suas produções gráficas vernaculares. Ou seja, o vernacular tem sua raiz na

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cultura popular e se apropria de signos que sobrevivem ao tempo, às novas tecnologias e às mudanças nas formas de comunicação e de consumo. O termo cultura popular não designa um conjunto coerente e homogêneo de atividades, pelo contrário, sua característica é a heterogeneidade, a ambiguidade e a contradição, não somente nos aspectos formais, mas também em termos de valores e interesses que veicula. Assim, comparadas com a cultura erudita, as manifestações populares são, de certa forma, dispersas, elaboradas geralmente com desconhecimento de sua produção anterior e de outras manifestações similares (DONES, 2005, p. 01).

Por conta da natureza comum que esse tipo de produção apresenta, o modo pelo qual muitos autores enxergam o vernacular chega a ser um pouco condescendente, assumindo toda a desorganização e dispersão imagética do outro a partir de sua própria visão do que seria um conteúdo visualmente organizado. Dessa forma, estabelece-se uma distinção entre o pesquisador, produtor de conhecimento acadêmico, rígido, validado socialmente, e aqueles que carregam o conhecimento empírico, ou o “desconhecimento”, de que fala Dones. No entanto, é necessário empatia com o outro para que se possa entendê-lo, além de humildade para reconhecer que as regras regentes do campo acadêmico podem não ser aplicadas além dos muros da universidade. Imagem 01: Exemplos de design vernacular em Belém do Pará.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho 3.

O design vernacular se traduz na espontaneidade e autenticidade da cultura popular, e nas experiências vivenciadas nas ruas. Isso pode ser percebido em suas cores, formas, e nos signos gráficos utilizados em suas construções visuais. Seu aspecto heterogêneo torna possível que a sua área de atuação no campo gráfico se estenda desde embalagens, pinturas em lona, em fachadas, caminhões, barcos, carros de lanches móveis, faixas, até as mais

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As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em julho de 2014.

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diversas placas, materiais e formatos, ou seja, o suporte da mensagem e ausência de recursos não se configura como um obstáculo para a criatividade e inventividade desses profissionais. Certos aromas, texturas, cores e sons nos remetem a significados já enraizados na cultura popular, e se manifestam de forma imediata na nossa mente: como o cheiro do churrasco, a textura da seda, o modo como sabemos se determinada banana já pode ser consumida pela cor da sua casca, ou o som que faz o carrinho do vendedor que passa na frente da nossa casa. A comunicação e o design se apropriam desses elementos pertencentes ao universo simbólico popular para criarem conexões emocionais com as pessoas. O design vernacular atua da mesma forma, não a partir do conhecimento acadêmico, mas levando em consideração a sabedoria popular e a tradição que passa de geração para geração. Nas pesquisas sobre o tema, percebe-se um embate entre o que chamamos de design oficial e o design vernacular, na qual está envolvida a legitimação de classes sociais e culturas distintas. O sociólogo Pierre Bourdieu (1989) defende que as formas de dominação presentes na sociedade não se esgotam nos limites da força física e econômica; ela também ocorre por meio de uma violência simbólica, cotidiana, amparada pelos sistemas simbólicos que reforçam a dominação de uma cultura sobre outras. Bourdieu utiliza o conceito de poder simbólico – poder de construção da realidade – para explicar os embates e lutas que ocorrem nos campos sociais e que vão além do uso da força física e do poder econômico para legitimar uma política de dominação. O autor entende os símbolos enquanto “instrumentos de conhecimento e de comunicação (...) [que] tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social” (1989, p. 10). O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário (BOURDIEU, 1989, p. 14).

No parágrafo acima, o autor esclarece o fato de que o reconhecimento social dos símbolos é necessário para que as culturas sejam vistas como hierarquicamente superiores ou inferiores umas às outras, por meio de uma relação de integração, distinção e legitimação – tão enraizada no universo simbólico social que não é questionada, e sim aceita como verdade. Os embates sociais que Bourdieu descreve acontecem dentro do – que o autor chama de – campo, ou seja, conceito abstrato e que permite “compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo

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da linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram” (BOURDIEU, 1989, p. 69). Ou seja, em cada campo (cultura, arte, design, comunicação, entre outros), existem estruturas e significados específicos, próprios, que só se reproduzem e só fazem sentido naquele contexto para aquelas determinadas pessoas – onde aqueles com maior capital simbólico consequentemente possuem maior poder na tomada de decisões. Ainda segundo o autor, os agentes de um campo com interesses semelhantes atuam por meio de um habitus comum, ou uma disposição incorporada comum, um conhecimento e postura que não vem de uma razão humana ou espírito universal. O habitus descreve o comportamento e as capacidades criativas que as pessoas adquirem no convívio umas com as outras. Seguindo o pensamento de Bourdieu, Fernanda Cardoso4 defende que “a produção de bens simbólicos seria reflexo de seu habitus, e a linguagem comum utilizada pelos designers5 populares representa, em última análise, esquemas de percepção, de pensamento e de ação particulares de seu grupo” (CARDOSO, 2012, p. 132). Ou seja, os grupos populares atuam de forma específica, de acordo com seus próprios valores, signos e estéticas visuais. Cardoso fala de uma “tendência a uma uniformidade nas representações populares”, que acaba por criar um padrão informal nesse tipo de produção. O que a autora nomeia uniformidade, entende-se aqui como linguagem comum, que existe mesmo sem consciência de campo, regras estruturadas e instituições de representação. Isto quer dizer que seria possível identificar um estilo próprio dentre os trabalhos de design vernacular por conta de uma linguagem comum entre os produtores deste campo, que reflete o universo simbólico destas pessoas, suas formas de ver o mundo. Cardoso explica que é possível identificar no campo do design vernacular: formas de representação mais direta e imediata, imagens explícitas e o uso de cores fortes, com bastante contraste entre si – diferente da linguagem gráfica utilizada na comunicação desenvolvida para outros grupos sociais. A cor seria, então, uma representação social, e seu o valor determinado pela sociedade. Em muitos casos, a cor utilizada já tem um significado específico no referencial simbólico popular. Um exemplo disso é a utilização das cores rosa nas embalagens tradicionais vernaculares citada pela autora. Essa cor é geralmente associada a produtos em sua versão adocicada, como pipoca e biscoitos doces. Já faz parte do nosso universo associar

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O artigo citado tem como base os resultados da pesquisa de doutorado sobre o universo simbólico do design gráfico vernacular realizada por Cardoso no ano de 2010. 5 Para este trabalho, pintores de letras.

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cores a situações específicas e, por vezes, como no exemplo acima, essa associação é tão comum, e utilizada há tantos anos, que pouco se reflete sobre o seu significado. Imagem 02: Fotografias de embalagens vernaculares tradicionais.

Fonte: Cardoso, 2012.

As linhas e desenhos do design vernacular são moldados a partir do fazer artesanal, por meio de mãos habilidosas que dominam ferramentas tradicionais, como tintas e pincéis, e conseguem transformar estruturas planas e sem vida em fonte de inspiração para muitos designers, que hoje reforçam a expressividade e autenticidade dessa forma de trabalho. No artigo intitulado As apropriações do vernacular pela comunicação gráfica, Vera Lúcia Dones (2004) faz um apanhado geral sobre as mudanças de paradigmas dos designers modernos para os pós-modernos, em especial relacionados à estética gráfica. A pesquisadora explica que, a partir dos anos 80 do século passado, os designers passam a se interessar pela cultura das ruas e sua complexidade visual, e que esse interesse pelas linguagens locais e regionais tem a ver com uma mudança de atitude dos designers e com o surgimento das novas tecnologias, que permitiram ao vernacular sair da marginalidade para caminhar “ao lado” do design oficial, sem hierarquias. Os responsáveis pela criação das artes vernaculares não são reconhecidos como designers, nem se intitulam como tal, podendo ser chamados de pintores de letras, artesãos, artistas. A nomenclatura letrista também não se aplica a estes profissionais – apesar de já ter sido utilizada em trabalhos acadêmicos – porque este nome costumava caracterizar o profissional que trabalhava em agências de publicidade e que desenhava letras para a confecção de layouts antes do surgimento de impressões computadorizadas, além de que o letrista possuía uma formação técnica mais elevada, diferente dos pintores de letras e de sua escolaridade menos favorecida (DOHMAN, 2005, p. 8). O autor Marcus Dohmann, em sua tese de doutorado (2005), retratou o cenário urbano do design vernacular, com foco em Itaipava, no Rio de Janeiro, colocando questões

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relacionadas ao aspecto cultural, de identidade, de legitimidade dessa prática no campo comunicacional e do design. Abusando de cores fortes, traços muitas vezes irregulares e do foco no utilitarismo, ele explica que a estética vernacular representa hoje, para muitos designers, os resquícios da conhecida brasilidade, em um momento de avanços na área tecnológica e de um modo de fazer e de entender o que é design global. Dohmann cita ainda o aprendizado intuitivo e não acadêmico, sendo baseado nas experiências visuais do cotidiano como fator determinante para a manutenção dessa atividade. De acordo com o autor, o ofício de pintor de letras ainda se aprende pela relação entre mestre e aprendiz, tradição oral, e prática do fazer manual, não sendo legitimada por instituições hegemônicas da sociedade6. Em relação à tradição oral, nos referimos ao que é aprendido prioritariamente por meio da linguagem, dos sons falados ao invés do uso da forma escrita e do estudo sistemático no ensino. Conforme Walter Ong argumenta, o homo sapiens surgiu há cerca de 30.000 a 50.000 anos, enquanto que o mais antigo registro data de apenas 6.000 anos atrás, provando que “a tradição oral pode existir – e na maioria das vezes existiu – sem qualquer escrita; mas nunca a escrita sem oralidade” (1998, p.16). O objeto de estudo de Ong se concentra na oralidade primária, ou seja, a das pessoas que não conhecem nenhuma forma escrita ou de impressão; mesmo assim, ela demonstra a importância da tradição oral para a humanidade. Eles aprendem pela prática - caçando com caçadores experientes, por exemplo -, pelo tirocínio, que constitui um tipo de aprendizado; aprendem ouvindo, repetindo o que ouvem, dominando profundamente provérbios e modos de combiná-los e recombiná-los, assimilando outros materiais formulares, participando de um tipo de retrospecção coletiva - não pelo estudo no sentido restrito (ONG, 1998, p. 17).

O fragmento acima se refere à forma de aprendizado das sociedades primitivas. Porém, essa forma de ensino permanece viva até hoje, acionada muitas vezes no momento em que acontece fora do espaço da sala de aula. Conforme veremos brevemente no capítulo três, os pintores de letras entrevistados neste trabalho aprenderam a profissão por meio da tradição oral, de maneira autodidata, de forma prática e não teórica. 6

A ideia de hegemonia conforme apresentada no texto surgiu do pensamento de Antonio Gramsci (1989 – 1937). Italiano, ele foi um personagem ativo e importante para a história do início do século XX, motivado enormemente pelos estudos marxistas e por Lenin. A sua ideia de hegemonia parte do princípio da luta de classes, de uma revolução que partiria das camadas populares e que lhes traria o domínio, o poder ditador, a hegemonia, sobre a sociedade e que seria, portanto, capaz de oferecer a todos o direito ao conhecimento e à consciência crítica. Nas palavras de Gramsci: “A compreensão critica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e pratica finalmente se unificam” (GRAMSCI, 1999, p. 103).

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Por conta da ausência de instituições legitimadoras, a profissão do pintor de letras caminha sem pisar de fato nas regras com as quais o design oficial convive. Ou seja, apesar das dificuldades e dos recursos reduzidos de produção, os pintores de letras ganham a liberdade de criação frente às regras acadêmicas, o que torna os seus produtos mais espontâneos em relação às suas proporções, volumes, formas, cores. Em contraposição a esse cenário, cresce dentro da academia o interesse pelo universo do design vernacular e, com isso, crescem também as trocas de experiências entre conhecimento acadêmico e conhecimento popular. Os profissionais do design oficial passaram a se apropriar do conteúdo imagético popular como forma de retornar às origens e criar uma identificação com determinados segmentos da população, além de reconhecer a importância histórica e cultural que esse elemento central da identidade brasileira tem a oferecer. Essa apropriação por meio da academia ocorre, muitas vezes, com base em pesquisas sobre o design vernacular, registros fotográficos, entrevistas com os atores sociais e criação de fontes digitais inspiradas nas letras estudadas. Hoje é possível encontrar fontes digitais que simulem letras e mesmo ícones vernaculares, que apresentam formatos mais irregulares, e que representam traçados de canetas esferográficas, escrituras feitas à mão, tanto em suas versões gratuitas quanto pagas. Imagem 03: Fontes digitais criadas por Fátima Finizola 7.

Fonte: Crimes Tipográficos, 20148.

Observam-se acima as imagens de duas fontes9 digitais, criadas a partir da tradição tipográfica presente na cultura popular nordestina. Finizola argumenta que a opção por essa 7

A fonte Zabumba Folk pode ser adquirida pelo preço de R$ 40,00, já a fonte Rial está disponibilizada para download gratuito. 8 Disponível em: http://www.crimestipograficos.com/?go=fonts.

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apropriação tem por objetivo valorizar “elementos da cultura brasileira, proporcionando uma reflexão maior, entre aqueles que irão consumir esses produtos, acerca da verdadeira identidade nacional brasileira” (2010, p. 31). Porém, há uma linha tênue na qual a inspiração e apropriação se confundem, e onde o desejo por salvar traços tão importantes do desaparecimento através de sua imortalização digital deixa o pintor de letras no anonimato, sem o reconhecimento da sua obra, em especial quando essa fonte digital inspirada em seu trabalho não é distribuída gratuitamente. Ainda sobre essa relação, Dones acrescenta que: O design gráfico através da estética vernacular representaria a superação de uma visão dicotômica do pensamento moderno que coloca de um lado o design erudito, fruto do conhecimento acadêmico, e de outro lado, aquele produzido à margem desse sistema. Parece cada vez mais difícil enquadrá-lo como algo fixo, em uma hierarquia de espaços culturais (acadêmico versus vernacular) ou em uma linearidade histórica (DONES, 2004, p. 07).

A superação da qual fala a autora se relaciona ao fato de que, a partir da década de 1920, se fortaleceu a noção do design de formas rígidas, estruturadas e limpa, sem exageros. Cardoso chama essa forma de pensar de Estilo Internacional, que tinha entre os seus objetivos a substituição de formas vernaculares, “ligadas a um passado arcaico de regionalismos e nacionalismos” por formas gerais e universais (CARDOSO, 2000, p. 152). A cultura popular se estabelece na autenticidade, em um fluxo constante de experiências contraditórias e vibrantes, na qual a longa tradição convive com modismos coloquiais temporais, e onde “a persistência e mesmo ressurgimento do chamado elemento vernacular no design brasileiro (...) revela as tensões entre uma visão de design fundamentada em ideais importados e outra assentada no reconhecimento das raízes profundas da realidade brasileira” (CARDOSO, 2000, p. 201). Ou seja, o design vernacular pode ser entendido também enquanto um produto atrelado a estéticas particulares das localidades nas quais se origina. O design oficial e o design vernacular caminham lado a lado, atendendo as demandas de diferentes segmentos sociais, e fazendo parte da mesma cultura na qual atuam. Acredita-se neste trabalho que os dois setores têm muito a aprender um com o outro, e que a sociedade ganha com o respeito a essa multiplicidade cultural. Ou seja, é importante ter em mente que o design vernacular e o design oficial não se anulam, pois ambos são importantes para

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Fonte (font, fount, inglês =fundido). O termo deriva de foundry, a fundição onde os tipos eram fundidos a partir de metal líquido. Disponível em: http://tipografos.net/glossario/fontes-digitais.html.

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entendermos as dimensões culturais de uma sociedade como um todo, cada um abarcando as necessidades de diferentes contextos sociais e com suas características específicas.

2.2. Passeio pelas sinuosidades tipográficas

Na tentativa de conceituar o que seria a tipografia, foi encontrada certa dualidade: para alguns, se trata de um processo estritamente mecânico; para outros, a definição da palavra se torna mais abrangente. Por exemplo, de acordo com o site Tipógrafos10, a tipografia vem do grego typos (forma) e graphein (escrita), e se refere “ao processo de criação e feitura de tipos, quer metálicos, quer de fontes digitais”. Essa conceituação se detém na tecnologia da produção de tipos mecânicos em si. Neste trabalho compreende-se tipografia de acordo com Bruno Martins (2007, p. 63), como a materialização da escrita, onde ela “se relaciona tanto com o ato de escrever e desenhar letras quanto com a composição de elementos tipográficos no espaço”. O autor busca um conceito amplo porque acredita que o termo tipografia, no Brasil, seja equivalente aos termos writing, lettering e typography, do inglês. Imagem 04: Exemplo de lettering por Jason Carne.

Fonte: Behance, 201411.

Para Martins, “writing se aproxima do que conhecemos como caligrafia ou qualquer ato de escrever manual que se utiliza de instrumentos que vão do lápis ao pincel para desenhar letras de apenas uma linha (stroke)” (MARTINS, 2007, p. 62). No passado, representava a 10 11

Disponível em: http://tipografos.net/glossario/tipografia.html. Disponível em: https://www.behance.net/gallery/19246925/Sevenly.

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maneira pela qual os escribas reproduziam os livros, à mão, antes da invenção da impressão por Gutenberg em 1450. Hoje, tem a ver com a forma particular e espontânea de cada indivíduo se expressar através da escrita, com a forma fluida que as letras adquirem no papel. Já o lettering seria “o ato de desenhar letras, também com a utilização de técnicas manuais, mas sem a restrição de que sejam desenhadas com apenas uma linha, podendo, por exemplo, ser preenchidas ou hachuradas” (MARTINS, 2007, p. 62). Apesar de o lettering ser mais trabalhado artisticamente, voltado para comunicações específicas, ele não tem como objetivo a construção de letras que formem um novo alfabeto, ou a criação de letras que possam ser reproduzidas; se tratam de peças de caráter único. Finalmente, Martins diz que “entende-se por typography a criação de desenhos e composições predeterminados por meio de técnicas mecânicas ou digitais que independem do movimento da mão” (2007, p. 63). Aqui são abrangidas a impressão de tipos móveis, as famílias tipográficas, a anatomia das letras e as regras de tipografia ensinadas nas universidades – como o fato de que os designers devem se limitar ao uso de no máximo duas fontes por projeto, ou evitar a centralização dos parágrafos no meio da página12. Martins compreende, então, tipografia como a junção destes três elementos da linguagem escrita: writing, lettering e typography, ao passo que esta sai da esfera mecanicista, responsável pela tecnologia utilizada na impressão e construção de tipos móveis, e passa a englobar a forma como a escrita é corporizada, tendo em mente que os desenhos das letras (espessuras, cores, detalhes) e outras formas gráficas influenciam na leitura e interpretação do texto. De acordo com Fátima Finizola (2010, p. 40), a tipografia pode ser entendida sob dois aspectos: como organização visual da linguagem escrita independente de como é produzida, e também ao se relacionar ao design e ao uso de letras por processo mecânico ou digital. O lettering se refere à técnica de desenhar e construir conjuntos de letras por processos manuais, enquanto que a caligrafia abrange a prática pessoal de escrita de cada indivíduo. Outra forma de definir esse conceito foi expressa pelo professor de comunicação visual Ben Casey, como “a voz do mundo escrito”. Ela tem o poder de determinar o tom do texto ao gritar, sussurrar, ou ser expressiva, forte ou delicada, ao atribuir significados, intenções e formas distintas às palavras. Ou seja, o seu conteúdo imagético, como as cores e outros elementos da composição, comunica tanto quanto o seu conteúdo escrito.

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Nessa linha de pensamento, o professor Craig (2006, p. 171) define typography como a arte de projetar com tipos.

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A história da tipografia começou há bastante tempo, junto com a própria necessidade que o ser humano tem de se comunicar, ato intrínseco à natureza humana. Mesmo antes da existência de palavras escritas, ou da junção entre som e imagem para a formação de alfabetos, nossos antepassados deixaram as suas marcas na história por meio de pinturas e desenhos realizados com as técnicas disponíveis da época. Sobre esse assunto, Martins interpreta que: A impulsão de escrever do homem se realiza a partir de técnicas (incisões, o pincel, o cálamo, o osso, o buril, o lápis, a pena, os tipos móveis, a máquina de escrever, o computador) que dão forma a signos gráficos sobre uma grande diversidade de suportes (a parede das cavernas, o pergaminho, o metal, a madeira, o papel, as telas luminosas, etc.). (MARTINS, 2007, p. 47).

As primeiras pinturas de pessoas, animais ou ferramentas desenhadas nas cavernas, feitas inicialmente com argila, datam de 20.000 a.C., enquanto que a primeira evidência escrita foi desenvolvida 17.000 anos depois pelos sumérios13, por volta de 3500 a.C. (DYKES, 2011). Essas formas de pintura são conhecidas como Pictografia, que pode ser descrita como “um sistema primitivo de escrita em que as ideias e os objetos eram representados por desenhos14”. Imagem 05: Pictogramas sumérios escritos em argila.

Fonte: CRAIG, 201415. 13

De acordo com descobertas arqueológicas, os Sumérios foram o primeiro povo a habitar a região da Mesopotâmia, o atual Iraque, compreendida entre os rios Tigre e Eufrates. Eles foram responsáveis pela construção dos primeiros templos e palácios monumentais, pela fundação das primeiras cidades-estado e pela invenção dos sinais escritos por meio da Pictografia, tudo no período de 3100 a 3000 a.C. (SOUZA, 2014). 14 Disponível em: http://www.dicio.com.br/pictografia/. 15 Disponível em: http://www.designingwithtype.com/5/origins.php?whatImage=1.

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Para Martins, “a escrita ocidental surgiu da necessidade de controle do tempo, das relações comerciais e administrativas de uma sociedade que se tornava cada vez mais complexa e mais numerosa” (2007, p. 49). Com o passar do tempo, os pictogramas não conseguiam dar conta dos significados abstratos que surgiram, e foi então que ocorreu a sua evolução para o que se denomina de ideogramas, nos quais os símbolos passam a representar ideias, e começam a adquirir significados diversos quando combinados entre si (CRAIG, 2006, p. 8). Dentre os vários exemplos contemporâneos dos ideogramas, pode-se citar a imagem da caveira e seus ossos cruzados, que pode significar o conceito abstrato de perigo, e a escrita chinesa, que utiliza uma versão desenvolvida desse sistema na construção de seu próprio alfabeto. Além disso, o sistema de numerais romanos utilizados hoje em dia, como o I, II e III, podem ser considerados como ideogramas, pois representam os dedos da mão (DYKES, 2001). Outras versões modernas dos ideogramas podem ser encontradas nos ícones que usamos para expressar certos significados, como o desenho do relógio para indicar a hora, um lápis para sinalizar um desenho, um balão de fala para expressar conversa, o coração para a representação do amor, entre outros. Imagem 06: Exemplos de ideogramas contemporâneos.

Fonte: Imagem à esquerda: Arquivo da Autora 16. Imagem à direita: Blog Criativo (2014)17.

Uma mudança significativa no universo da escrita ocorreu por volta de 1200 a.C., no momento em que os símbolos passaram a representar os sons falados no alfabeto fenício, ao invés da antiga representação de ideias e objetos. De acordo com Craig (2006, p. 9), o intuito 16 17

Criado em 14 de setembro de 2014. Disponível em: http://anakabum.wordpress.com/oficina-da-palavra/ideograma-chineses/.

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inicial desse novo sistema, conhecido como fonograma, era a simplificação da comunicação nas transações comerciais dos fenícios, mas que, a logo prazo, permitiu a utilização de um número menor de símbolos do que os sistemas pictográficos e ideográficos necessitavam, e as suas formas simplificadas tornaram o seu aprendizado mais rápido. Conforme destaca Martins (2007, p. 33), “não podemos negar a importância do aparecimento da escrita, que promoveu um movimento de ruptura nas sociedades tradicionais, ao deslocar o lugar do conhecimento da oralidade para a escritura, criando as bases para o pensamento moderno”, ou seja, se trata de uma descoberta que modificou a forma com a qual as sociedades passaram a se relacionar entre si e com os outros povos. O alfabeto fenício é considerado o primeiro alfabeto escrito e, “inicialmente pictográfica, pode-se dizer que a escrita ocidental surgiu da necessidade de controle do tempo, das relações comerciais e administrativas de uma sociedade que se tornava cada vez mais complexa e mais numerosa” (MARTINS, 2007, p. 33). Além de que, com o avanço nas formas de escrita, foi possível identificar a origem das mercadorias, comprovando a sua qualidade e destacando os produtos de outras localidades, no ramo do comércio. Imagem 07: Alfabeto fenício.

Fonte: CRAIG, 201418.

O alfabeto acima teve grande influência na construção do alfabeto grego. Na realidade, os gregos se apropriaram do alfabeto fenício por volta de 800 a.C., com um objetivo que ia além do seu uso comercial, já que o mesmo poderia ser usado de forma a 18

Disponível em: http://www.designingwithtype.com/5/origins.php?whatImage=2.

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preservar o conhecimento. Algumas modificações foram realizadas, contudo, como a adição das cinco vogais ao alfabeto, e algumas mudanças nas palavras: Aleph virou alpha, e Beth virou beta, daí a derivação da palavra alphabet19 (CRAIG, 2006). Da mesma forma, os romanos se apropriaram das modificações realizadas pelos gregos, e revisaram apenas algumas letras: C, D, G, L, P, R, S e V, e adicionaram as letras F e Q, somando assim 23 letras ao total. Imagem 08: A evolução dos pictogramas em letras do alfabeto.

Fonte: DYKES, 2001.

A trajetória da tipografia, assim como a história da humanidade, apresenta modificações, rupturas, resgates e contrastes ao longo do tempo. O conhecimento da escrita até então ainda se tratava de um bem restrito às elites religiosas e aristocráticas mas, com a invenção da imprensa e dos tipos móveis, por Johannes Gutenberg, no século XV, o processo de difusão do conhecimento se tornou mais fácil, ao propiciar a difusão de livros científicos e clássicos de literatura, entre outros (MARTINS, 2007, 33). Martins também cita o aparecimento da litografia20, (século XIX) como fator primordial para a libertação das letras dos formatos rígidos impostos pelos tipos de metal, e a Revolução Industrial e a invenção da fotografia (ainda no século XIX) como fatores que expandiram o alcance dos impressos à sociedade urbana que surgia. Na medida em que as tecnologias avançaram, e as necessidades humanas foram sendo redirecionadas, pode-se perceber mudanças na anatomia das letras, no ver e no ler em pelo menos cinco estilos tipogáficos, que não deixam de ser uma forma de expressão do período histórico em que foram criados: Estilo antigo/ Old Style (1615), de Transição/ Transitional (1757), Modernas/ Modern (1788), Egípcias/ Egyptian ou Slab (1894) e Sem Serifa/ Sans Serif (1957)21. Esses estilos podem ser observados na imagem 09, na próxima página.

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Alfabeto, em inglês. A litografia (do grego lithos – pedra, e graphein – escrever) é uma técnica de impressão inventada por Aloysius Senefelder, em 1796, que utiliza uma pedra calcária de grão muito fino e baseia-se na repulsão entre a água e as substâncias gordurosas. O seu mérito está em proporcionar uma impressão econômica e menos demorada que os procedimentos gráficos da época (HEITLINGER, 2014). 21 Ver CRAIG, 2014. 20

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Imagem 09: Evolução dos tipos.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho 22.

Na época em que o chamado Old Style (1615), ou entilo antigo, estava vigente, os papéis ainda eram todos feitos à mão, e as tecnologias de impressão ainda davam os seus primeiros passos. Apesar disso, estas tornaram possíveis uma independência maior nas formas das letras em relação à escrita manual (CRAIG, 2006, p. 28). A fonte mais importante daquele momento foi a Garamond, desenvolvida por Jean Jannon, que funciona muito bem em textos longos. O estilo Transitional, é assim conhecido por criar uma ponte entre dois estilos diferentes. Suas serifas23 menos curvilíneas, e as hastes das letras possuem uma distinção nos tamanhos mais acentuada, em função do surgimento de papéis mais delicados na indústria gráfica – que tornou possível a impressão de traços e detalhes mais finos. A fonte Baskerville – criada por John Baskervile – é considerada uma das fontes mais agradáveis de se ler. Comparado aos anteriores, o estilo Moderno, representado na fonte Bodoni – do italiano Giambattista Bodoni –, possuía hastes de expessuras bastante contrastantes entre si, serifas retas e finas. Após o surgimento da Bodoni, apareceram novos formatos na linguagem das famílias tipográficas. O século XIX viu o nascimento de letras com as versões bold (negrito), condensadas e extendidas das fontes, além de tipos decorativos: pode-se dizer que as letras saíram da sua extensão limitada ao tamanho das paginas de livros para impactarem anúncios e cartazes. O estilo egípcio, também desse período, é caracterizado pelas serifas grossas e curvilíneas, e um retorno ao pouco contraste entre as hastes. No mesmo período apareceram as fontes grotescas, ou sem-serifa. Apesar das mudanças visuais que ocorreram na escrita, foi somente no século XX que esse estilo se tornou expressadamente popular, a partir do trabalho dos designers suíços Max Miedinger (1910 - 1980) e Eduard Hoffmann (1982 – 1980), que trouxeram o frescor às fontes retirando

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Criado em 16 de setembro de 2014, com base nos livros Tipografia Vernacular Urbana: uma análise dos letreiramentos populares (FINIZOLA, 2010) e Designing with Type: the essential guide to typography (CRAIG, 2006). 23 Serifas são os pequenos traços e prolongamentos que ocorrem no fim das hastes (traços principais) das letras.

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estes prolongamentos, e tornando-as assim mais adequadas ao mundo contemporâneo. Helvetica, sua obra-prima, é uma das fontes mais populares do mundo24. Imagem 10: Detalhes da anatomia tipográfica.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho 25.

No universo tipográfico, as letras são decompostas em partes específicas, cada qual com uma nomenclatura diferente (como haste, orelha, bojo). A decomposição em partes permite, dentre outros fatores, identificar as famílias de tipos pelas suas particularidades, e escolher os tipos que mais se apropriam a um projeto gráfico. As letras que apresentam maiores variações de uma fonte para a outra são: R, T, W, a, e, g, h, o. Por exemplo, podemos perceber na imagem acima as especificidades do estilo egípcio na fonte digital Aleo, que possui serifas curvilíneas, hastes grossas e de tamanhos similares epouco contraste entre si. Imagem 11: Tipos de serifa.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho 26.

Acima, observam-se diversos tipos de serifa, e as diferenças visuais presentes entre eles. Cada serifa, ou outro detalhe citado da anatomia das letras, pode causar sensações

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Mais informações sobre o assunto podem ser encontradas no documentário chamado Helvética, de 2007, que traça o caminho percorrido pela fonte Helvetica, desde a sua criação, uso e ganho de popularidade até a sua relação com os novos padrões estéticos presentes no contemporâneo. 25 Criado em 16 de setembro de 2014, com base nos livros Tipografia Vernacular Urbana: uma análise dos letreiramentos populares (FINIZOLA, 2010) e Designing with Type: the essential guide to typography (CRAIG, 2006). 26 Criado em 16 de setembro de 2014, com base no blog da Printi. Disponível em http://www.printi.com.br/blog/aprenda-mais-sobre-tipografia-serifas-infografico.

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visuais específicas, e alterar o impacto de um layout e o significado da mensagem a ser transmitida. Além disso, elas expressam as ansiedades de uma época, as necessidades que surgiram, o modo de ver e enxergar o mundo, refletidos em tábuas de argila, páginas de papel, imagens digitais. Como se pôde perceber, a trajetória da tipografia se mistura com a complexidade histórica humana e com as regras que tomam forma dentro do campo do design oficial e mesmo do design vernacular. Além disso, o design pode ser entendido enquanto produto cultural, inspirado na cultura popular “como uma forma de resgatar as origens simbólicas que permeiam as identidades de determinados grupos de pessoas, cidades ou regiões” (FINIZOLA, 2010, p. 29). Uma de suas funções é comunicar: um lugar, um serviço, uma experiência, por meio de um projeto visual que crie uma identificação entre estabelecimento, seu público e os cenários em que atuam. No fim, trata-se de expressar visualmente uma ideia, sentimentos, a partir das ferramentas e dos signos disponíveis.

2.3. Retorno às origens: do design moderno ao design contemporâneo

A conceituação da palavra design é uma tarefa árdua, talvez porque designers de épocas diferentes enxerguem o design de maneiras diferentes, cada qual de acordo com as suas necessidades e experiências pessoais. Além disso, percebe-se a influência dos movimentos artísticos e de pensamentos contrastantes vivendo no mesmo período histórico – como a corrida armamentista e o louvor à tecnologia e às formas abstratas e geometria simples, e o despertar do movimento hippie e a busca por um mundo menos estruturado, marcado por um estilo mais carregado de cores e formas sinuosas, ambos da década de 1960, por exemplo. Em outras palavras, a história não ocorre da maneira linear e organizada como aparece nos livros escolares, mas vai sendo moldada a partir de tropeços e encontros entre mentes com filosofias distintas entre si. Os anos 60 do século passado foram marcados por diversos acontecimentos importantes. De um lado, o mundo vivia as consequências da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), os países se reconstruíam e lidava com a violência que o ser humano havia desencadeado em poucos anos, e o mundo estava enfim dividido em dois polos: um socialista, liderado pela então União Soviética, e outro capitalista, encabeçado pelos Estados Unidos27.

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De forma simplificada, apenas visando a contextualização para o presente trabalho, o socialismo tem como base a socialização dos meios de produção, a divisão igualitária do capital, e o fim da divisão da sociedade em classes, já o capitalismo busca a acumulação de capital através do lucro” (FREITAS, 2014).

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Dessa forma, duas correntes filosóficas contrastantes disputavam o espaço ao redor do globo, constituindo assim a Guerra Fria (1945 – 1991). Exemplos de conflitos famosos ocorridos durante a Guerra Fria são a Guerra da Coreia (1950-1953) e a Guerra do Vietnã (1962-1975), além da construção do Muro de Berlim (1961 – 1989), que separou a Alemanha capitalista e socialista por 30 anos. Mas a Guerra Fria também proporcionou um alto desenvolvimento tecnológico e conquistas espaciais. Foi nessa época que o primeiro homem, Yuri Gagarin (1934 – 1968) foi enviado ao espaço em 1991, por exemplo. Enquanto a sociedade se dividia entre esses dois eixos opostos, surgiam movimentos que buscavam novos horizontes, se afastando dos paradigmas que nortearam o início do século XX: o movimento hippie, a luta pelos direitos das minorias – em relação aos negros e às mulheres, por exemplo – o Rock’n Roll dos Beatles, entre outros28. Para a Associação dos Designers Gráficos do Brasil – ADG, o design gráfico pode ser classificado como “um processo técnico e criativo que utiliza imagens e textos para comunicar mensagens, ideias e conceitos, com objetivos comerciais ou de fundo social” (ADG BRASIL, 2014). Nesse pressuposto, o design não se preocupa apenas com a venda, ou com a estética, mas a sua motivação gira em torno da funcionalidade de determinado objeto e do modo como ele será interpretado/ manuseado pelas pessoas. De maneira um tanto confusa, alguns autores preferem descrever o design a partir do que ele não é. Nas palavras de Marcos Paes de Barros, orientador dos Cursos de Design Gráfico e História do Design da Academia Brasileira de Arte – ABRA: Design não é arte, não é artesanato, não é publicidade, não é arquitetura e nem informática. Apesar dessa multidisciplinaridade, o Design prevalece como uma ciência autônoma que se faz valer da tecnologia e de outros aspectos em comum como, por exemplo, as ferramentas gráficas da informática, a influência e relações com os períodos históricos artísticos ou das pesquisas e fundamentações do marketing (BARROS, 2014).

Procurando ser mais específico, Wilton Azevedo, no livro O que é Design (1994, p. 87) explica que este “é sempre uma forma de planejar uma saída”. De acordo com essa linha de pensamento, o designer seria o responsável por projetar alguma coisa, mas não por construí-lo manualmente. Azevedo interpreta o campo enquanto uma das muitas mudanças que surgiram durante a Revolução Industrial (que teve início na Inglaterra no século XVIII ao XIX), período que marca a passagem do trabalho essencialmente artesanal para as atividades industriais. Essa transformação não ocorreu de forma homogênea pelo globo, mas proporcionou – em longo prazo – a criação de objetos em larga escala, o aperfeiçoamento 28

Ver Vale, 2014.

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técnico, o surgimento de um mercado consumidor e a divisão de tarefas, ou seja, pessoas diferentes responsáveis pela fabricação de partes distintas de um mesmo objeto. Outros estudiosos procuram respostas na própria morfologia da palavra design. Para o escritor e historiador da arte Rafael Cardoso, “a origem mais remota da palavra está no latim designare, verbo que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de desenhar” (2008, p. 16). Como se pode perceber, a origem da palavra design comporta dois lados distintos: um abstrato, que lida com a concepção e planejamento, e outro concreto, que inclui a atividade de formar, configurar, fazer. O autor estuda a história do design durante os séculos XVIII e XIX, acompanhando a forma na qual as mudanças econômicas e culturais de diversos países, em especial o Brasil, alteraram o que se entende por fazer design. Ou seja, essa área se relaciona com as demandas sociais, econômicas, políticas e culturais, nacionais e internacionais. Ao invés de estabelecer a história do design através de correntes teóricas e estéticas fixas, Cardoso explica que a história não foi escrita de forma súbita e homogênea, mas que o design se estabeleceu diferentemente no contexto de cada localidade. Pode-se dizer que a tipografia moderna surgiu nos primeiros 30 anos do século XX29, no momento em que designers do mundo todo passaram a rejeitar o estilo romântico e ornamentado do Art Nouveau (1883) a favor de uma tipografia mais direta e impactante, que privilegiasse a clareza e os avanços tecnológicos. A comunicação se resumia até então à transmissão de informações e de mensagens claras e repetitivas. Baseado na vida bucólica e nos traços referentes à natureza, o Art Nouveau foi um

movimento que adquiriu grande notoriedade e repercussão internacional ao incentivar o retorno a uma vida pacata e tranquila, que perdia espaço para a industrialização e urbanização das cidades. Para Wilton Azevedo (1994, p. 24), sua estética peculiar mantinha uma relação entre o artesão e o que viria a ser chamado de designer, pois quanto mais complexas eram as formas de um objeto, mais difícil seria a sua industrialização. Pelas brechas deixadas por aqueles que pregavam o uso das formas orgânicas da natureza, como explica Cardoso (2008), crescia o interesse por soluções de design que contemplassem as formas geométricas e abstratas e, com as transformações tecnológicas e políticas que ocorreram nos países ocidentais, abriram-se caminhos para resultados estéticos nunca antes vistos. Na década de vinte do novo século, novos estilos (futurismo, cubismo,

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Ver Dones, 2005.

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construtivismo, neoplasticismo) buscaram se alinhar com o ideal estético que a máquina representava. Desde a década de 1920, diversos designers e arquitetos ligados ao Modernismo europeu vinham buscando soluções formais ‘internacionais’ ou seja, que substituíssem as formas vernáculas (para eles ligadas a um passado arcaico de regionalismos e nacionalismos, de escolas e modas) por formas gerais e supostamente universais, de preferência redutíveis a módulos simples e abstratos que pudessem ser eternamente recompostos de acordo com necessidades funcionais (CARDOSO, 2008, p. 154).

Nesse período foi criada, na cidade Weimar, na Alemanha, a chamada escola Bauhaus (1919), que funcionou por quinze anos, mudou de localidade três vezes e contou com três diretores diferentes: Walter Gropius (1883 – 1969), Hannes Meyer (1889 – 1954) e Mies van der Rohe (1886 – 1969), cada um com um posicionamento específico sobre o design estruturalista. O curto período em que a escola esteve ativa, contudo, foi suficiente para suscitar a imaginação de jovens do mundo todo, e impactar o design realizado internacionalmente. A escola contava com uma influência grande do campo da arquitetura, e desenvolvia diversas atividades, como a inclusão de grupos de teatro, de música, e publicação de livros e revistas para a divulgação dos trabalhos realizados internamente. O chamado Estilo Internacional teve como principal ponto de partida a chamada exposição de Weissenhof (1927), na qual arquitetos/ designers famosos como Gropius e Mies van der Rohe, da Bauhaus, apresentaram projetos de moradias construídos a partir de formas ambiciosamente universais; apesar disso, o estilo só conseguiu se consolidar após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). Cardoso argumenta que esse estilo, em consonância com os discursos comunistas da época, pretendia levar à população um design mais justo. Contraditoriamente, esse foi o estilo mais adotado para a comunicação das empresas da época, que viram nos ideais de neutralidade, simplicidade, ordem e modernidade a sua própria chance de refletir essas qualidades. A década de 1950 trouxe uma retomada dos princípios da Bauhaus e foi marcada pelo Estilo Internacional ou Escola Suíça, que buscava a ordem e o rigor em busca da clareza na mensagem. Nessa época, designers como Emil Ruder e Joseph Müller-Brockmann instituíram a grade de construção (grid), a valorização dos espaços em branco e, principalmente, a tipografia sans serif, encontrando o seu apogeu na fonte digital Helvética. Para o designer Alexandre Wollner, pioneiro no ensino de design no Brasil, o design “não está preocupado com a estética, mas com a função, com materiais, com a ergonomia visual, com aplicações planas e não planas” (FRATIN, 2010). Em outras palavras, estaria ligado ao ato de fazer, produzir algo concreto, a partir de regras matemáticas e estruturais. A

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concepção de Wollner reflete a sua experiência enquanto parte da conhecida Escola de Ulm, e por isso se expressa de forma bastante tecnicista. A Escola de Ulm (1953), localizada na cidade alemã de Ulm, inicialmente sofreu uma influência grande da filosofia presente na Bauhaus, e na sua primeira fase buscou estabelecer uma continuidade do que era ensinado na primeira; mas logo novos rumos de ensino começaram a aflorar por conta do surgimento de um pensamento original e vontade dos mais jovens de encontrar o seu próprio caminho independente. Cardoso explica que, “para eles, toda solução criativa deveria passar pelo redimensionamento do uso, da prática, das funções e dos ambientes cotidianos” (2008, p.170), ou seja, os ulmianos passaram a criticar a concepção da arte enquanto um domínio estético separado e do artista como criador privilegiado, além do uso constante das formas quadrada e triangular, elementos dominantes na Bauhaus. O design produzido na Escola de Ulm pode ser traduzido como o reflexo das transformações que estavam acontecendo no mundo, como o fim da Segunda Guerra mundial (1939 – 1945), e a Guerra Fria (1945 – 1989). Fatores como a corrida armamentista e espacial, anseios pela busca de novas tecnologias, influenciaram na face tecnicista que tomou conta da estética ulmiana, que agora confiava no racionalismo como determinante para as soluções de design. Abstração formal, uma ênfase em pesquisa ergonômica, métodos analíticos quantitativos, modelos matemáticos de projeto e uma abertura por princípio para o avanço científico e tecnológico marcam o design ulmiano produzido na década de 1960, o que condizia perfeitamente com o entusiasmo tecnicista que se generalizava na sociedade como um todo durante esses anos de corrida espacial e miniaturização eletrônica (CARDOSO, 2008, p. 170).

Mesmo após o seu fechamento, seus descendentes, ex-alunos e docentes, perpetuaram o ensino baseado na filosofia ulmiana em outros países. No Brasil, a tradição dessa escola pôde ser perpetuada a partir da criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), em 1963 – primeira iniciativa de sucesso referente ao ensino de design no país – e a sua implantação contou com a ajuda de ex-alunos e professores da Escola de Ulm30. Outro passo à consolidação do ensino formal da área no Brasil se refere à sequência de Desenho Industrial, parte do curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) em 196231. Por conta da influencia estrangeira, a ESDI também tinha como foco a tecnologia voltada para a indústria, mesmo que o parque industrial nacional ainda estivesse sendo consolidado. 30

Cardoso cita os nomes de Wollner, Edgar Decurtins e Karl Heinz Bergmiller. Em Belém do Pará, o curso de Design da Universidade Estadual do Pará – UEPA só foi criado várias décadas depois, em 1999. 31

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Como explica Dones (2005), o panorama mundial também foi alterado por volta da década de 1960 quando surgiu o movimento hippie, a cultura jovem e o meio underground. Esses movimentos começaram a questionar a pureza do layout modernista e a se expressar por um conteúdo gráfico mais pesado e desorganizado, em um momento no qual se descobriu o poder comunicacional e emocional das letras. A interdicisplinaridade faz parte do campo do design e por isso mesmo as publicações relacionadas à filosofia, sociologia e semiótica produzidas a partir da década de 1970 – por autores como Roland Barthes (1915 – 1980), Michel Foucault (1926 – 1984) e Jean Baudrillard (1929 – 2007) – tiveram impacto profundo nos estudos sobre o design gráfico. Nos últimos vinte anos, a Cranbrook Academy of Art (fundada em 1920 no estado de Michigan, Estados Unidos) vêm assumindo uma posição de liderança no ensino do design gráfico mundial. A designer Ellen Lupton (1991) descreve que, por volta da década de 1980, a escola passou a adquirir ideais pós-estruturalistas32, que permitiu aos designers trabalharem a imagem como algo que pudesse ser tão passível de leitura e interpretação quanto da mera visualização. Buscaram-se então os múltiplos significados das imagens, e não apenas a sua dimensão estética. Essa nova forma de ver o mundo veio de encontro ao clássico design modernista – que submetia uma única mensagem a uma série de arranjos formais – quando passou a utilizar rótulos de comidas, e propagandas encontradas em listas telefônicas nas suas expressões gráficas, trazendo para o campo visual do design o elemento do cotidiano, impuro, deixando a Helvética de lado por fontes incomuns. Sobre a escola, Dones afirma: A teoria da desconstrução contribuiu para desafiar o pensamento rígido, os esquemas visuais, a obsessão pela regularidade e a precisão do design moderno, demonstrando a importância da ambiguidade aos olhos de destinatários capazes de negociar suas complexidades (DONES, 2005, p. 06).

O público consumidor da mensagem começa a ser interpretado enquanto múltiplo e complexo. A tipografia do século XXI também foi influenciada pela chegada de tecnologias que permitiram, além da manipulação, a criação de fontes. Computadores pessoais e programas/softwares revelaram designers especializados em criar fontes. Dones cita a revista Emigre (Califórnia, 1984) como um produto comunicacional importante voltado para a divulgação desses produtos. Por divulgar o trabalho de diversos designers, a revista se tornou uma espécie de elo fundamental entre os designers da década de 1980.

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No mesmo artigo, Lupton explica que o Estruturalismo surgiu com o linguista Ferdinand de Saussure, que dizia que um sinal verbal não possui um significado nele mesmo, mas adquire um significado apenas na relação com o sistema ou estrutura de uma língua.

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Para Dones, a tipografia faz parte de um contexto cultural, e deve ser interpretada como tal. As regras instituídas pela Escola Suíça ainda no início do século XXI identificam o público como preciso, homogêneo, mas as descobertas acadêmicas dos anos 1970 mostraram exatamente o contrário: o público para o qual os projetos gráficos falam são públicos heterogêneos, portadores de culturas, repertório visual, experiências de vida e que apresentam necessidades diferentes. De certa forma, mesmo com todas as influências internacionais, o Brasil da década de 50 ainda possuía uma identidade nacional que se dividia entre a tradição artesanal e o progresso industrial que transparecia nas produções gráficas através de impressos, capas de discos e na arquitetura. No ramo de móveis, o marceneiro e designer brasileiro Joaquim Tenreiro (nascido em Portugal em 1906 – 1992), deu continuidade e expressão à tradição moveleira brasileira, que datava da época colonial, e se destacava pelo uso da madeira de lei, mas também refletiu o Estilo Internacional nas pesquisas e técnicas empregadas33. As mudanças estéticas e políticas do moderno para o contemporâneo retomaram e tornaram possível o fortalecimento de um vínculo entre o pós-modernismo e a cultura popular, ou seja, o despertar pelo fazer local e regional enquanto fontes de inspiração e de construções simbólicas, enquanto que as tendências globais, muitas vezes homogêneas e mais rigorosas, perdem parte de sua força no campo gráfico na medida em que são descobertas as complexidades e a personalidade presentes nas tendências locais. Descobertas que levaram ao interesse de jovens designers pelas características vernaculares. Entre as iniciativas que tratam do tema no cenário nacional, estão o projeto Abridores de Letras de Pernambuco34 e o coletivo nascido em Recife Crimes Tipográficos (2000) 35, que visam resgatar a tradição tipográfica nordestina – enquanto o primeiro se baseia em registros fotográficos e entrevistas com atores sociais, o segundo se apropria do conhecimento popular para criação de fontes digitais. Há também o coletivo chamado Tipos Populares do Brasil36, fundado em 2004 e que age em parceria com os projetos citados anteriormente (FINIZOLA, 2010. p. 17). No meio acadêmico, avanços importantes foram produzidos na área, incluindo análises realizadas por pesquisadores no Norte do país, alguns presentes na bibliografia utilizada para a composição deste TCC.

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Ver Cardoso (2005, p. 162-164). Disponível em: http://www.designvernacular.com.br/abridoresdeletras/projeto/. 35 Disponível em: http://www.crimestipograficos.com/?go=about. 36 Disponível em: http://tipospopulares.flavors.me/#nossos-projetos. 34

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Imagem 12: À esquerda, capa do livro Abridores de Letras de Pernambuco. À direita, fonte digital criada pelo projeto Tipos Populares do Brasil e a logomarca do projeto Crimes Tipográficos.

Fonte: Websites dos respectivos projetos, citado anteriormente 37.

Uma das pesquisas realizadas na Amazônia sobre o assunto é realizada por Fernanda Martins em seu projeto Letras que Flutuam, derivado de sua monografia Letras que Flutuam: O abridor de letra e a tipografia vitoriana (2008), da Universidade federal do Pará. Seu estudo tem ênfase na tipografia pintada nas embarcações ribeirinhas da Amazônia, sendo que Martins realizou o levantamento principalmente nas três capitais do eixo central do rio Amazonas: Belém, no Estado do Pará; e Macapá, no Estado no Amapá; e Manaus, no Estado do Amazonas. Procurou-se traçar neste capítulo, em linhas gerais, um panorama sobre o design vernacular, buscando entender não apenas as suas características, mas também as diferenças que apresenta em relação ao design oficial, e a passagem do pensamento e consequente design moderno para os dias atuais. O que interessa para este trabalho é o modo como o design oficial foi se elaborando/ reelaborando ao longo do último século, e as influências deixadas por ele e que puderam ser observadas no design vernacular popular produzido em Belém do Pará.

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Ver PERNAMBUCO, 2014; BRASIL, 2014; e TIPOGRÁFICOS, 2014.

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3. UM DIÁLOGO DO CONTEMPORÂNEO

3.1. Sobre os aspectos culturais Observa-se que o processo do design vernacular – com as suas misturas e influências – apresenta uma ligação intrínseca com a cultura no qual ele é originado e as particularidades ali encontradas. Dessa forma, os modos de viver partilhados pelas pessoas acabam sendo traduzidos em suas linhas, figuras e significados. É nesta perspectiva que o design vernacular se alimenta da cultura de Belém do Pará. Cidade quente, colorida, erguida em meio a contrastes. Vive-se na beira do rio, e chove sem aviso, toda tarde, mas a população já está acostumada a isso. Do mesmo ângulo de visão pode-se enxergar um canal poluído, casas da periferia, e prédios luxuosos destacados no horizonte. Parte da cidade tem bastante verde, e mangueiras que formam verdadeiros túneis arbóreos sobre nossas cabeças, mas ao dobrar nas esquinas existem cimento e trânsito caótico. Ao caminhar pelas ruas e avenidas escuta-se de tudo: rock, brega, tecnobrega, funk, pagode, carimbó, música popular brasileira, música internacional. Letras desenhadas com afinco disputam os espaços dos muros e fachadas com impressos e criações feitas no computador. O pesquisador Fábio Castro (2010, p.47) oferece caminhos para se entender a complexidade da cultura de Belém do Pará, sobretudo as transformações que ocorreram nas três últimas décadas que “impuseram novas posturas artísticas, estéticas e políticas”. Belém, primeira etapa da colonização portuguesa na Amazônia e, portanto, seu espaço mais tradicional, reúne a maior população urbana da região e seu sistema mais expressivo de produção intelectual, científica, artística e jornalística, devendo ser apontado, ainda, seu papel como centro religioso. Com efeito, essa cidade cumpriu, historicamente, o papel de centro intelectual da Amazônia portuguesa. [...] Apesar dessa importância, esse papel de centro intelectual vem sendo transformado ao longo das três últimas décadas, período no qual se intensificaram os empreendimentos transformadores do espaço amazônico, gerados e geridos pelo estado brasileiro com o fim de promover uma “integração nacional” da Amazônia ao Brasil. (CASTRO, 2010, p.47).

Assim, Castro se refere, dentre outras coisas, às transformações provocadas no território amazônico a partir da Ditatura Militar (1964 – 1985) e seus grandes projetos instaurados na região. Como consequência dessa integração da Amazônia ao Brasil e o uso econômico do seu espaço, pode-se citar o aumento da migração de pessoas de outros estados para a região, além do surgimento de diversos conflitos entre eles o agrário e ambiental. Certamente que as ações governamentais também tiveram impacto nas populações tradicionais locais e alteraram o modo de viver amazônico. O contato mais próximo com

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novas culturas que se instalaram no estado do Pará, bem como com os costumes do restante do país, também configuram como fator determinante para essa mudança cultural local. Mas para que se possa entender a complexidade do que é a cultura, já que no presente trabalho fala-se sobre culturas – cultura amazônica, cultura popular, cultura urbana, recorremse a algumas reflexões teóricas para embasar as futuras interpretações do objeto estudado. No Dicionário Aurélio, cultura pode ser: a) Ato, arte, modo de cultivar; b) Lavoura; c) Conjunto das operações necessárias para que a terra produza; d) Vegetal cultivado; e) Meio de conservar, aumentar e utilizar certos produtos naturais; f) Aplicação do espírito a (determinado estudo ou trabalho intelectual); g) Instrução, saber, estudo; h) Apuro; perfeição; cuidado38. Nota-se, na descrição acima, um apego forte a características agrárias, enquanto que o aspecto simbólico da cultura está em segundo plano, se referindo somente à dimensão intelectual da cultura, relacionada à educação. Por conta disso, optou-se por buscar na antropologia e na sociologia outros conceitos que expressem melhor o que se acredita neste trabalho. Em seu livro Cultura: um conceito antropológico (2003), o pesquisador Laraia explora diversas questões relacionadas ao tema, incluindo o modo como esse conceito foi tratado ao longo do tempo. Trata-se de um apanhado entre as teorias já superadas e as teorias modernas, e discussões de assuntos que, mesmo já sem força no campo acadêmico, ainda permanecem na fala popular. Conforme ele explica, entre o século XVIII e o século XIX, o termo germânico kultur englobava “todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto que a palavra francesa civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo” (2003, p. 25). Atribui-se ao antropólogo Edward Tylor (1832 – 1917) a tarefa de sintetizar os vocábulos na palavra culture, que reunia em sete letras todas as habilidades ou realizações humanas. Dentre as teorias já superadas sobre a cultura, duas ainda permanecem vivas na linguagem popular: o determinismo biológico, que atribui capacidades inatas às raças e etnias, e do determinismo geográfico, que considera ser possível que o ambiente físico condicione a diversidade cultural. O determinismo biológico teve um impacto grande na sociedade moderna, instigando e respaldando ações etnocêntricas. Talvez o exemplo de maiores proporções tenha sido a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), que colocou em discussão a superioridade da raça

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Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/cultura.

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ariana alemã39. Laraia (2003, p. 18) explica que, após esse evento, em 1950, antropólogos, físicos culturais, geneticistas e pessoas de diversas áreas acadêmicas, sob a proteção da Unesco, se reuniram para redigir uma declaração que questionava a falta de provas dessa corrente teórica, e destituía assim sua validade. Em relação ao segundo tópico, a partir de 1920, antropólogos como Franz Boas (1858 – 1949) e Alfred Kroeber (1876 – 1960) demostraram não apenas que existe uma limitação, mas que também é possível e comum existir uma grande diversidade cultural em um mesmo espaço ou em lugares com condições geográficas semelhantes. Ou seja, varia de cultura para cultura a forma na qual o meio ambiente será explorado, e não o contrário, levando em consideração os aspectos simbólicos e as necessidades de determinada sociedade. Laraia atribui ao alemão Franz Boas a contestação da abordagem evolucionista da cultura e o consequente desenvolvimento do particularismo histórico, segundo o qual cada cultura segue o seu próprio caminho de acordo com os eventos históricos que surgiram. Ou seja, não existe uma única cultura em etapas evolucionais diferentes, na qual os povos primitivos estariam localizados na base, até evoluir e se aproximar dos povos europeus, mais ao topo. Pelo contrário, o que ocorre na realidade é uma abordagem multilinear (2003, p. 36). Já o antropólogo americano Alfred Kroeber mostrou que, a partir da cultura, o ser humano pôde se distanciar do mundo animal e de suas limitações orgânicas. Isso significa que, mesmo frágil em comparação a outros animais em quesitos como força, rapidez, e outros, o homem conseguiu sobreviver ao ser capaz de reproduzir e acumular conhecimento. Não foram necessárias mudanças biológicas e sim o desenvolvimento de um sistema de comunicação e escrita, em que gerações inteiras poderam ser beneficiadas pelos muitas descobertas já realizadas no passado. Além disso, Kroeber destaca que a satisfação das necessidades básicas dos homens varia de sociedade para sociedade, tornando o homem predominantemente cultural (LARAIA, 2003, p. 24). As diferenças existentes entre os homens, portanto, não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações: um animal frágil, provido de insignificante força física, dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas, dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias, conquistou os mares. Tudo isto porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura. (LARAIA, 2003, p. 24).

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A Segunda Guerra Mundial foi um conflito entre os aliados (liderados por Estados unidos, Inglaterra, França e União Soviética) e o eixo (Alemanha, Itália e Japão). Durante o conflito, houve perseguição em especial àqueles que não apresentavam a descendência ariana por parte do Eixo.

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Estas descobertas foram importantes porque contestaram todo o imaginário de uma sociedade. Se hoje se pode dizer que a cor da pele não influencia na capacidade de uma pessoa, ou que todas as culturas têm potencialidades e desvantagens, é graças a pesquisas como essas. Além disso, pode-se perceber a comunicação enquanto um processo cultural (2003, p. 52). Foi a sua descoberta que tornou possível a instauração da cultura, e vice-versa, já que a própria linguagem se reproduz a partir do meio cultural. O pesquisador americano Gordon Mathews (2002) buscou se aprofundar nos estudos culturais e na maneira pela qual os indivíduos enxergam a si mesmos, sua própria identidade e a cultura em que nasceram, ou seja, como elas entendem quem são culturalmente. Para isso, ele discute a afirmação de cultura enquanto “o modo de vida de um povo”, e o conceito de cultura enquanto as informações e identidades disponíveis no supermercado cultural global. De acordo com o autor, durante muito tempo cultura era entendida apenas como sinal de refinamento e superioridade intelectual, ou seja, havia uma hierarquia entre aqueles que possuíam e os que não possuíam cultura. Mesmo que enfraquecida e combatida pelos estudos posteriores sobre o tema, essa ideia ainda permanece viva nos discursos da sociedade atual. Nos fins do século XIX, e com o surgimento da antropologia, esse conceito foi sendo ampliado para uma forma conceitual ainda hierárquica: cultura passou a ser entendida como uma escala de desenvolvimento, na qual sociedades primitivas tinham o potencial de se tornarem culturalmente evoluídos, e naturalmente poderiam se desenvolver até chegarem aos estágios da sociedade europeia da época40. Esse ponto de vista, porém, não deixava de ser limitado e etnocêntrico. Cabe a Franz Boas (1858-1949) a ideia de que não existe apenas uma cultura em desenvolvimento, mas sim culturas, até sua amplitude para o conceito de “culturas”, no plural. Franz Boas (...) é amplamente aceito como sendo o primeiro antropólogo a pensar não em “cultura”, mas em “culturas” – para mostrar que não há apenas uma cultura universal a qual os seres humanos estão em várias etapas a ponto de atingir, mas antes, que cada sociedade em particular possui sua própria cultura, singular e coerente, culturas que não podem ser julgadas colocando uma em oposição à outra (MATHEWS, 2002, p. 17 – 18).

O mérito de Boas está exatamente em tentar eliminar, ou pelo menos reduzir, o aspecto etnocêntrico das análises culturais. Foi a partir de seu legado que o conceito de cultura como “o modo de vida de um povo” foi constituído, estando relacionado à ligação que

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Mathews cita Edward Burnett Tylor e Lewis Henry Morgan como fundadores desse conceito de cultura e da ciência da antropologia no século XIX (2002, p. 17).

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existe entre os indivíduos de uma mesma sociedade e suas diferenças com os indivíduos ligados por uma cultura diferente, pertencente a outra sociedade. Porém, o argumento de Mathews é o de que este modo de pensar encontra dificuldades para se manter como verdade absoluta por conta de todas as mudanças pelas quais as sociedades modernas e pós-modernas vêm atravessando. De repente, as identidades nacionais já não são suficientes para descreverem ou definirem sozinhas os seus indivíduos. Por isso, alguns autores (como Von Laue, 1987, e Hall, 199241) utilizam a expressão supermercado cultural global para definir o que seria a cultura. Segundo eles, cultura “pode ser definida como as informações e identidades disponíveis no supermercado cultural global” (MATHEWS, 2002, p. 22). O supermercado citado acima funcionaria como uma grande biblioteca, na qual cada indivíduo tem acesso a culturas e identidades diferentes. Como uma forma de agregar conhecimento ao conceito de cultura anterior, o autor propõe um conceito que una o poder do Estado em oposição à influência do mercado. Este trabalho entende cultura a partir deste viés, pois ele abrange tanto a importância que a identidade nacional ou regional têm sobre o indivíduo como também leva em consideração o relacionamento entre o local e o – cada vez mais disponível – global. Este assunto será retomado mais à frente. Por ora, é interessante a discussão sobre as formas de se enxergar a cultura. Compartilhando da definição que reflete “o modo de vida de um povo”, em seu livro A Interpretação das Culturas (2013), o antropólogo Clifford Geertz (1926 – 2006) trabalha a partir de um conceito semiótico de cultura: Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 2013, p.4).

A base dos conhecimentos de Geertz vem da antropologia, em especial do trabalho realizado por meio da etnografia, forma de análise que lida com uma descrição densa dos discursos sociais. De acordo com ele, o etnógrafo enfrenta (...) uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem de, alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. (2013, p.7). A partir da coleta de materiais e histórias, o etnógrafo busca entendê-las ou explicá-las de forma coerente.

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Ver Mathews, 2002, p. 22.

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Assim, para ele, a cultura existe enquanto conjunto de processos simbólicos presentes na sociedade, e o seu significado é partilhado por seus membros. Um dos exemplos citados por Geertz – a partir dos estudos realizados por Gilbert Ryle – é o da piscadela, gesto simples de contração das pálpebras que pode assumir significados diferentes em sociedades diferentes, indo de uma simples piscada, a um tique nervoso, a um flerte ou a um gesto que indica brincadeira ou mesmo uma mentira. O que vai definir o entendimento do gesto de piscar são os processos simbólicos e a cultura local de determinado lugar. Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade (GEERTZ, 2013, p.10).

Nesse sentido, a cultura seria um documento de atuação. Um contexto que lhe permite saber se, ao contrair a suas pálpebras, você está piscando, mentindo, ou flertando. Nas palavras do autor, “a cultura é pública porque o seu significado o é” (2013, p. 09). A partir dos significados presentes na sociedade e compartilhados por determinada população pode-se começar a tecer a noção de cultura daquela sociedade, tornando-os acessíveis: é preciso conhecer seus códigos simbólicos para entendê-los. É a “falta de familiaridade com o universo imaginativo dentro do qual os seus atos são determinados” (GEERTZ, 2013, p.9) que tornam as ações do outro desconhecidas para nós. A análise de Geertz é importante porque reside nos processos simbólicos da cultura. Por isso, mesmo, o autor diz que “a análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjecturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir da análise das melhores conjunturas” (GEERTZ, 2013, p.14). Ele compreende que uma análise cultural trabalha com hipóteses, com discursos muitas vezes recebidos de segunda ou terceira mão. Além de que, mesmo buscando com afinco uma imparcialidade, é de certa forma impossível para o pesquisador esquecer por completo o seu próprio repertório simbólico nesse encontro com o outro, objeto de sua pesquisa. As realidades enfrentadas pelos objetos de estudo de Geertz são completamente diferentes do que estudamos neste trabalho: se tratam de conflitos que ocorreram em regiões como o Marrocos, e culturas com significados muito diferentes dos nossos. Apesar disso, a sua contribuição conceitual para o nosso trabalho permanece. Também no universo dos estudos culturais, mas dessa vez situados na América Latina, Canclini utiliza o conceito de hibridação ao tratar sobre as culturas latino-americanas. Para

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ele, a hibridação seria os “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separadas, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (CANCLINI, 2013, p. XIX). As práticas discretas seriam resultados de hibridações. O autor compreende a cultura como o resultado de processos híbridos, complexos, por conta do modo como o nosso continente foi povoado e dos muitos choques de realidade que aconteceram desde então, e que podem continuar acontecendo, desta vez por conta dos processos globalizantes e das interações hoje mais facilmente possíveis entre diversas culturas. Quando se define uma identidade mediante o processo de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas), frequentemente se tende a desvincular essas práticas da história de misturas em que se formaram. Como consequência, é absolutizado um modo de entender a identidade e são rejeitadas as maneiras heterodoxas de falar a língua, fazer música ou interpretar as tradições (CANCLINI, 2013, p. XXIII).

Isso significa tornar mais difícil as mudanças na cultura e na política, além de que, ao instituir apenas uma identidade absoluta, exclui-se o restante da população que não se identifica com ela. Para Canclini, as identidades culturais estão intrinsecamente ligadas à atividade política, e vice-versa, por isso a sua crítica às políticas públicas que, até alguns anos atrás, eram voltadas apenas para as elites. Na realidade atual, tornou-se mais complicado para o Estado manter a sua dominação por meio do reforço da identidade nacional ou elitizada: as opções aumentaram, e com elas, a liberdade de escolha e de decisão da população.

3.2. As identidades pós-modernas

Ao circunscrever neste tópico a identidade contemporânea, é preciso antes apresentar de que forma esse conceito foi formado. Que fatores levaram às modificações na maneira de se explicar esse fenômeno cultural? Para muitos autores, o processo de globalização estaria no cerne do que vieram a ser as identidades pós-modernas. Nestór Canclini figura como um desses autores. Para ele, a pós-modernidade não se trata de um movimento que veio substituir a modernidade. Pelo contrário, esta seria mais uma fase da modernidade, especialmente porque, em muitos lugares, como na América Latina, e também no Brasil, a modernidade ainda se faz presente e está longe de ser completamente substituída. Assim, por meio de teóricos como Anthony Giddens e Ulrick Beck, Canclini traça o esquema sobre a globalização, entendendo-a como “culminação das tendências e conflitos

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modernos” (CANCLINI, 2013, p. XXXI). Ou seja, essa etapa da modernidade que lida de forma reflexiva com as muitas tradições existentes ao invés de impor uma única característica global. Um aspecto importante da análise de Canclini reside no fato de que suas pesquisas são voltadas para as realidades da América Latina, as contradições, as hibridações, as características que nos diferenciam de nações em outros continentes, ou seja, ele estuda o lugar “onde as tradições ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar” (CANCLINI, 2013, 17). Por exemplo, o autor elenca quatro movimentos básicos da modernidade: a) Projeto Emancipador, que cuidaria da secularização dos campos culturais; b) Projeto Expansionista, que buscaria estender o conhecimento e a posse da natureza, a produção, a circulação e o consumo de bens; c) Projeto Renovador, responsável pela busca de um aperfeiçoamento e inovação incessante, próprios de uma relação com a natureza e com a sociedade liberada de toda a prescrição sagrada sobre como deve ser o mundo; e o d) Projeto Democratizador, que garantiria a educação e difusão da arte e dos saberes especializados para se chegar a uma evolução racional e moral (CANCLINI, 2013, p.31). Esse aspecto da reflexão do autor consegue fazer ainda mais sentido quando aplicado na realidade que o presente trabalho busca conhecer: as vivências amazônicas. Seja no interior, ou nas capitais, é certo que nem todos os dispositivos da modernidade se fizeram constantes nestes locais, nem a todos. Ainda existe a luta pela garantia do acesso da população a bens relacionados às suas necessidades básicas, à educação e aos direitos expressivos da cidadania, de forma que os projetos modernos ainda estão sendo implantados aqui. Como será relatado com mais detalhes posteriormente, os personagens que nos interessam neste trabalho são os pintores de letras. Muitos deles ainda vão de casa em casa oferecer o seu serviço, não deixam ou não tem como deixar contato de telefone. Pelo menos em Belém, as facilidades da Internet, criação de sites para divulgar os seus serviços, uso de redes sociais, ainda estão distantes da realidade dessas pessoas. Mesmo assim, com dificuldades, os acessos às estruturas modernas estão sendo estendidos ao Norte do Brasil, e ao estado do Pará. Internet, redes de telefonia móveis, satélites, canais de televisão a cabo, são tecnologias hoje – relativamente, se forem pensadas as diferenças de acesso entre interior e capital – disponíveis e que permitem a ligação com outras culturas, saberes e características de outros locais. A troca com o outro pode vir evocar a seguinte reflexão: em relação à identidade Amazônica, o que os faz amazônicos de fato? A Amazônia é enorme. Para facilitar, e se o

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aspecto geográfico for reduzido e levado em consideração a identidade paraense, ou mesmo a belenense? Lembrando que, por ser uma capital, atualmente Belém recebe e acolhe pessoas que nasceram em diferentes cidades do interior, e de outras capitais. Que definições, qualidades e traços serão evocados? No campo da música, a identificação acontecerá em torno da melodia alegre do carimbó, das festas de aparelhagem, ou das baladas pop que tocam nas boates da cidade? No campo do consumo, os cidadãos serão atraídos pelo shopping, as boutiques ou o comércio local? No campo da comunicação visual, ocorrerá a preferência por uma linguagem simples e moderna, por elementos rebuscados e carregados ou por uma mistura dos dois? Outro teórico que situa a globalização como importante fator de influência para as novas identidades que surgiram, e que talvez possa ajudar com as questões acima, é o Stuart Hall. Ele sustenta o argumento de que a aceleração dos fluxos e laços entre as nações possuem três possíveis consequências: a) as identidades nacionais estão se desintegrando; b) as identidades “locais” estão sendo reforçadas; c) as identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – as estão substituindo (HALL, 2006, p. 69). O estudioso situa a compressão do espaço-tempo, ou a aceleração de processos globais, como um fator modificador para as identidades, ou seja, as consequências e impactos causados por eventos que acontecem em um determinado lugar passam a serem sentidos em localidades muito distantes geograficamente. Esse movimento reflete nas coordenadas básicas de representação das identidades, nas narrativas que são contadas e no modo como as pessoas assimilam o que está ao seu redor. Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global, criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre as pessoas que estão bastante distante distantes uma das outras no espaço e no tempo (HALL, 2006, 74).

Em outras palavras, as lealdades passam ser firmadas entre pessoas de gostos e interesses semelhantes, muitas vezes distantes geograficamente uma das outras. O fator “lugar” deixa de constituir um empecilho nesse processo. Uma das consequências das mudanças relacionadas ao espaço-tempo encontra-se no fato de que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado” (2006, p. 07). O autor fala de uma crise de identidade, ou mesmo o colapso da identidade

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moderna, ocorrida por conta das mudanças estruturais42 do século XX. Para ele, a identidade de um sujeito foi analisada de três formas (simplificadas) ao longo do tempo: de acordo com os princípios do Iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do Iluminismo entendia a identidade como a essência de uma pessoa, que, mesmo nascendo e se desenvolvendo com ela, permanecia sempre a mesma ao longo da existência do indivíduo. Este era entendido como totalmente centrado, unificado, dotado de capacidade de razão, consciência e ação. Hall entende esta concepção de identidade como individualista e simplista por não levar em consideração diversos fatores, como a atuação das mulheres, por exemplo. Em seguida ele descreve o sujeito sociológico, que refletiu a complexidade do mundo moderno e mostrou um indivíduo construído da relação do seu núcleo interior com o mundo exterior. Ou seja, o sujeito deixa de ser autossuficiente e autônomo para ser influenciado pela cultura na qual habitava. O problema com esta concepção, de acordo com Hall, é que ela define uma identidade única para o sujeito, que não mais se sustenta em um paradigma pósmoderno, que trouxe o colapso das identidades únicas. Por último, Hall cita o sujeito da modernidade tardia43, que já não possui uma identidade fixa, permanente, e sim identidades, que se modificam e se transformam de acordo com as influências dos sistemas culturais às quais o sujeito tem acesso, sendo definida historicamente, e não biologicamente. A grande mudança desta forma de entender este processo é que o sujeito assume aqui diferentes identidades em diferentes momentos, que podem ser contraditórias entre si. Por conta dos impactos que a globalização trouxe sobre as identidades culturais, esse último sujeito dispõe de um acesso a um leque maior de informações, entretenimento, a realidades diferentes e, por isso, acaba não podendo ser definido apenas nos papéis e funções tradicionais, como pai, mãe, brasileiro, mexicano; o sujeito passa a ser “encaixado” em funções inusitadas, como se pode perceber, por exemplo, pelas análises cada vez mais frequentes sobre a cultura dos fãs, ou pela análise das relações criadas por migrantes ou estrangeiros em uma cultura diferente.

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Hall se refere a três conceitos que abordam essas mudanças: as descontinuidades, de Anthony Giddens, que seria a perda dos tipos tradicionais de ordem social; além do rompimento com as condições anteriores, existe o conceito de que a sociedade moderno sofre com rupturas internas, de David Harvey; e o deslocamento, de Ernest Laclau, que compreende a sociedade moderna como uma estrutura cujo centro de poder foi deslocado, sendo substituído por vários centros de poder. 43 Stuart Hall por vezes utiliza a expressão modernidade tardia ao se referir a pós-modernidade.

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Tomemos como exemplo um fato pessoal: a autora deste trabalho nasceu em Belém do Pará, contudo, graças ao acesso aos meios de comunicação e à internet, desde criança é fã das obras audiovisuais desenvolvidas ao redor do mundo, seja pelas séries televisivas da BBC, no Reino Unido, pelos filmes americanos, pelas novelas mexicanas e brasileiras ou pelos animes (desenhos) japoneses. Em 2012, teve a oportunidade de ser bolsista de graduação sanduíche, com bolsa de validade de um ano, pelo programa Ciência sem Fronteiras. Foi designada para a universidade Colorado Mesa University, no Estado do Colorado, nos Estados Unidos e, por conta de a universidade possuir um programa intensivo de apoio a estudantes estrangeiros, teve contato com pessoas dos mais diversos países, entre eles Alemanha, China, México, Suécia, Cazaquistão, e mesmo os brasileiros vindos de todas as regiões do país. Apesar de todas as diferenças na linguagem, no imaginário, nos valores, nas crenças, não foi difícil o entendimento entre eles por conta das características que essas pessoas tinham em comum e que permitiram criar um vínculo de amizade. Ou seja, descobriram que partilhavam de diversos gostos semelhantes, relacionados a filmes, livros, músicas, experiências. Mas, o mais importante, eles estavam interessados em entender e aceitar as suas diferenças e a respeitar aquilo com o qual não concordavam. Existia uma heterogeneidade de traços culturais entre eles. De certa forma, a possibilidade de contato com múltiplas realidades influencia na maneira pela qual se enxerga o mundo, a partir do momento em que se descobrem padrões culturais diferentes do seu. Como costumam dizer, a autora do trabalho nunca se sentiu tão brasileira quanto nos meses em que esteve no exterior, e nunca apresentou tanto interesse em colocar em evidência a sua identidade nacional. Mesmo assim, o conhecimento prévio que tinha das outras culturas, da indústria cultural, de história do mundo, tornou possível que entendesse o que aquelas pessoas estavam dizendo, os significados por trás das palavras, e se identificasse com elas, em muitos sentidos. Acontece que, de acordo com Hall (2006, p. 48), as identidades tradicionais, como a relação que temos com a nossa cultura nacional, atuam no cerne da representação, pois não são significados que nascem conosco, mas que são produzidos. Ou, em outras palavras de Canclini: “a identidade é uma construção que se narra” (CANCLINI, 2008, p. 129). Desse modo, a cultura pode vir a definir a identidade de um povo. Stuart Hall, que concebe as culturas nacionais enquanto formas distintamente modernas, percebe essas “comunidades imaginadas” como um discurso, “um modo de construir sentidos que influencia

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e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” (2006, p. 50). A partir disso são construídas as narrativas e as identidades nacionais. No Brasil, pode-se observar essa construção com clareza, pois a população é formada de misturas e hibridações, e as tradições que são carregadas por meio das culturas regionais pouco parecem entre si. A comida, as expressões da língua, os mitos e o folclore, as danças e os ritmos musicais, todos se expressam de maneira diferente entre norte, sul, leste, oeste. Contudo, isso não os torna menos brasileiros. Existe uma história narrada em comum, que ameniza a violência e as disputas ocorridas em um passado distante (no curso de integração44), e estabelece uma lealdade entre os nascidos no Brasil, algo que pode ser notado seja no encontro de brasileiros em países estrangeiros, ou na euforia partilhada no dia em que a seleção brasileira de futebol vai a campo. A narração da identidade pode ser observada também, em seu aspecto regional. Ser paraense, ou amazônida, evoca significados que os diferenciam dos nascidos em outras regiões, e que, dependendo do momento, e do que melhor convém, podem ser reafirmados ou esquecidos. Como já foi citado anteriormente, por maior importância que as identidades nacionais e regionais tenham na formação do eu, não se pode esquecer os impactos causados pela globalização nessa relação. O teórico Gordon Mathews (2002) trabalha como mediador entre a afirmação de cultura como sendo “o modo de vida de um povo” e cultura como “as informações e identidades disponíveis no supermercado cultural”. Em sua tese, ele desenvolve o pensamento de que as formações culturais do eu são vistas por ele como três níveis separados de consciência: o nível de formação aceito sem questionamento; o shikata ga nai; e a formação do eu a partir do supermercado cultural global. A noção de cultura como “o modo de vida de um povo” pode ser encontrada nos dois primeiros níveis, enquanto que a noção de supermercado cultural global está presente no terceiro nível. O primeiro nível, profundo e aceito sem questionamento, seria a “formação feita por uma determinada linguagem e conjunto de práticas sociais que nos condicionam quanto à maneira pela qual compreendemos o eu e o mundo” (2002, p. 39). Esse nível se encontraria abaixo da consciência, e nele estariam inseridas as práticas culturais que se perpetuam e admitem-se como certas, ou até mesmo universais. 44

Um exemplo utilizado por Hall está no fato de que “a maioria das nações só foram unificadas a partir de um longo processo de violência – isto é, pela supressão forçada da diferença cultural” (2006, p.61). Ou seja, esta história de violência deve ser apagada, ou amenizada primeiro, para que uma identidade nacional, unificada e mais homogênea, seja forjada.

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Como exemplo, o autor cita a sua tentativa de fazer seus alunos questionarem esse nível através do uso de comportamentos que os choquem. Mathews chegou inclusive a rasgar cédulas de dinheiro em sala de aula, em frente a estudantes incrédulos. Ou seja, para “tocar” esse nível, é preciso que o pesquisador descubra a relação de importância e significado que os bens materiais e imateriais têm na vida dos indivíduos. O segundo nível de formação cultural está ligado ao shikata ga nai (do japonês “não há como evitar”). Mathews utiliza a expressão para descrever os processos sociais que acontecem porque as pessoas, mesmo não gostando, entendem a sua importância, o aceitam e o mantém em funcionamento. Ou seja, elas estão conscientes desses processos. Esse nível é importante por elucidar a maneira na qual o indivíduo lida com “a submissão às pressões exercidas pelo mundo social” (2002, p. 43). Como exemplo, se podem citar as obrigações que o indivíduo cumpre perante a sociedade, como a dedicação aos estudos, o trabalho, o pagamento de impostos, e assim por diante. São obrigações sociais que, mesmo sendo incômodas ao indivíduo, são mantidas, em parte, porque as consequências de um desvio poderiam ser desagradáveis. O último nível, superficial e inteiramente consciente, está centrado no que envolve “o supermercado cultural (...) nível no qual os eus sentem que pegam e escolhem livremente as ideias pelas quais querem viver (2002, p. 43)”. Isso significa que o acesso à informação tornou possível que as pessoas escolham os traços culturais com os quais mais se identificam, estejam estes traços em sua própria sociedade ou a um continente de diferença. Isso tem a ver com as ideias, filosofias, posicionamentos políticos, maneiras de se expressar e de se relacionar com o mundo. Essas escolhas (de interesses, valores e identidades), como bem demonstram Mathews, não são tão livres assim. As pessoas pegam e escolhem de acordo com sua classe, gênero, crença religiosa, etnia e cidadania, assim como de acordo com todas as exigências de sua própria formação pessoal, em um supermercado cultural que faz intensa propaganda de algumas escolhas e suprime outras; elas pegam e decidem, negociando e verificando o desempenho por outras escolhas (MATHEWS, 2002, p. 44).

Limitações nas escolhas também são associadas a fatores como classe, gênero e idade, ou seja, o mundo social também serve como um censor, indicando até que ponto as escolhas culturais de uma pessoa podem ir sem incomodar a outros indivíduos. De qualquer forma, o terceiro nível detalhado permite que pessoas de identidades nacionais diferentes compartilhem identidades culturais, gostos, hábitos, interesses, modos de pensar. A partir das escolhas que são feitas, as pessoas constroem como desejarem parte do seu repertório cultural particular.

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Em outras palavras, esses níveis contem “a distinção entre o que se faz sem pensar, o que se faz porque tem que fazer, e o que se faz porque escolhe fazer” (2002, p. 45). Este trabalho entende identidade de acordo com Mathews – que, por sua vez, se apoia no trabalho de Anthony Giddens: “como o perene sentido que o eu tem de quem é, na medida em que está condicionado devido às suas contínuas interações com outras pessoas. Identidade é como o eu se concebe e se rotula” (MATHEWS, 2002, p. 47).

3.3. Consumo e cidadania Se as identidades modernas – territoriais e monolinguísticas – estão em declínio, perdendo forças para a ascensão das identidades contemporâneas – transnacionais e multilinguísticas, segundo Canclini –, assume-se, não o desaparecimento, mas sim uma nova articulação entre o global e o local. Para Hall, a globalização também significa a produção de novas identificações “globais” e “locais” (2006). Esse aspecto é valoroso porque expressa a natureza ativa da cultura. Muitas vezes, ao agourar a morte de certos rituais, ou meios de comunicação, ou práticas culturais, elas surpreendem pela capacidade de transformação e de sobrevivência. Veja o caso dos impressos, por exemplo. Jornais, revistas e livros, fonte de conhecimento e informação, que resistem e adquirem outros significados mesmo com as tecnologias da informação que hoje se encontram disponíveis no mercado, a despeito das profecias de que esses meios não suportariam as disputas e perderiam espaço para sempre. Outro exemplo pode ser encontrado na lenda amazônica do boto. A lenda conta a história de um jovem misterioso, muito bonito que, vestido de roupas, sapatos e chapéu – para encobrir um buraco na cabeça – na cor branca, frequenta as festas para seduzir moças solteiras. Como ele é galante, consegue convencê-las a dar um passeio próximo do rio, onde as engravida. Pela manhã, o jovem volta ao rio, local no qual se transforma novamente em um boto. Essa lenda ainda é muito contada no interior, e muitos a tomam como verdade, pois é dessa forma que a sociedade explicou durante muito tempo a gravidez de moças inocentes, virgens, fora do casamento. Assim, atribui-se ao boto a paternidade das crianças das quais não se conhece a identidade paterna. Diante de tantas mudanças, como já foi citado anteriormente, o Estado busca manter ativa a sua participação e importância na vida dos cidadãos. De acordo com o Dicionário Aurélio, cidadão significa o “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado

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livre; habitante da cidade”45. Para Jaime Pinsky, “ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis” (PINSKY, 2013, p. 9). Pinsky explica que o conceito de cidadania não é estanque, e varia de sociedade para sociedade, no tempo e no espaço. Na atual sociedade ocidental, é relativamente comum que homens, mulheres, crianças, negros e outras minorias étnicas tenham direitos garantidos pelo Estado enquanto cidadãos, mas nem sempre foi assim. Até pouco tempo atrás, os papéis na sociedade eram compreendidos de forma diferente, e foram necessários embates físicos e simbólicos para que esses direitos fossem garantidos. Dentre os acontecimentos que construíram a noção atual de cidadania, serão destacados aqui a Revolução Americana (1775 – 1783) e a Revolução Francesa (1789 – 1799). A Revolução Americana (1775 – 1783) ocorreu na Nova Inglaterra – atual Estados Unidos da América – e foi uma resposta às demandas impostas pela Inglaterra. Enquanto que o século XVII foi um período de pouca interferência inglesa na Nova Inglaterra – em parte porque a Inglaterra sofria com conflitos internos e externos, como as guerras civis de 1640 e 1688 – no século XVIII esse panorama começou a mudar, e a liberdade que as colônias americanas gozavam em relação ao comércio e política foi ameaçada pelas novas exigências britânicas. A Declaração de Independência data de 1776. Naquela época, as 13 colônias americanas lidavam com seus próprios problemas internos, como as batalhas territoriais com os indígenas, o tráfico de escravos e as relações de atritos entre os colonos, mas, como explica Leandro Karnal, “não havia apenas uma luta para enfrentar, havia uma memória e uma identidade a construir” (PINSKY, 2013, p. 139). Pode-se observar a construção da identidade nacional americana através da memória histórica que foi criada a partir da escolha de fatos específicos, como a chegada dos imigrantes à América no navio Mayflower em 1620, o primeiro Dia de Ação de Graças em 1621, evento que idealiza a harmonia entre os colonos e os índios, ocultando a violência que existiu na prática entre os dois grupos, e da Declaração de Independência no século XVIII. Só a construção de um determinado conceito de liberdade poderia unir fazendeiros escravocratas da Virgínia, comerciantes e manufatureiros da Nova Inglaterra, puritanos de Boston, católicos de Maryland, quacres da Pensilvânia, moradores das cidades como Nova York e muitos alemães das colônias centrais. A liberdade passou a ser constituída como fator de integração nacional e de invenção do novo Estado (PINSKY, 2013, p.140).

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Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/cidadao.

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A declaração afirma que “o rei da Grã-Bretanha estava violando os direitos mais básicos da liberdade” (PINSKY, 2013, p.139), omite os conflitos históricos e as diferenças entre as colônias para focar em uma narrativa inspiradora sobre esses imigrantes e incentivar o sentimento de união e pertencimento entre esses grupos. Dessa forma, a Revolução Americana estabeleceu mudanças importantes na perspectiva mundial, já que a declaração acima citada e a Constituição de 1787 entendem que todos os homens foram criados iguais e dotados de direitos como vida, liberdade e busca da felicidade, além de constituir os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário entre outros (PINSKY, 2013, p.142). Mesmo que essas afirmações estivessem em um plano idealizado – mulheres e brancos pobres não votavam, os indígenas eram alvos de violência e a escravidão ainda prevalecia – a sociedade americana porém, inaugurou uma forma mais ampla de democracia, e influenciou outras populações ao redor do mundo. O século XVIII – enquanto período histórico dos intelectuais iluministas – trouxe também a ideia de que a felicidade deve ser uma conquista coletiva, partindo do princípio de que uma sociedade justa “é aquela em que as leis e o direito sejam naturais, ou seja, nasçam com o próprio homem” (PINSKY, 2013, p. 161) e sejam garantidos pelo Estado. Nessa perspectiva, a Revolução Francesa (1789 – 1799) é considerada como fundadora dos direitos civis, já que seus ideais pretenderam ser universais, garantindo direitos à humanidade como um todo. É preciso lembrar que, antes dessa revolução, a sociedade francesa era dividida em Estados Gerais, que separavam politicamente e economicamente o Clero, os Nobres e os plebeus. A fome, a miséria e os ideais iluministas fizeram com que se iniciasse uma guerra civil, que culminou com a tomada de poder pelas classes burguesas. Neste momento, estabeleceu-se a liberdade incondicional do homem, a igualdade perante o próximo, o seu direito à propriedade e à segurança fornecido pelo Estado. Esses acontecimentos históricos influenciaram a forma como as pessoas se comportam hoje. Eles iniciaram um movimento que continua a reivindicar os seus direitos, já que a busca pela cidadania e por uma sociedade mais justa permanece. De acordo com Carvalho (2008) – a partir dos estudos de T. S. Marshal –, considera-se o seguinte desdobramento para o termo cidadania: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Os direitos civis seriam aqueles direitos fundamentais, básicos, relacionados à liberdade, à igualdade e à propriedade perante o Estado. Esses direitos garantem o ir e vir do cidadão, a liberdade de expressão, de escolha do trabalho, a proteção por meio das leis, o

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impedimento da prisão a não ser pelas autoridades competentes e da condenação sem um processo regular (CARVALHO, 2008, p. 8). Trata-se da existência de uma justiça para todos. O autor compreende os direitos políticos no que se refere à participação do cidadão no governo, em geral no que garante o direito ao voto. Dessa forma, o cidadão tem o poder de modificar as estruturas e garantir melhorias na qualidade de vida da comunidade ao votar nos projetos e nas pessoas mais qualificadas para defender os seus interesses. O voto acaba sendo uma forma de se exercer a democracia no sentido de que a maioria decide os rumos de uma nação, evitando – na teoria – ditaduras ou golpes políticos. Além disso, Carvalho esclarece que é possível que existam direitos civis sem os direitos políticos, mas o contrário não se sustenta, já que sem a liberdade de escolha perde o seu significado. Por último, temos os direitos sociais. Eles estão ligados à participação na riqueza coletiva da sociedade, ou seja, garantem a educação, o trabalho, o salário justo, saúde e a aposentadoria (CARVALHO, 2008, p. 5). Com base na ideia de justiça social, esse direito visa ao bem-estar de todos, tanto no que se relaciona ao aspecto econômico mas também político e cultural da sociedade. A educação popular historicamente tem sido considerada como um direito social e, de acordo com Carvalho, os países em que a cidadania se desenvolveu mais rapidamente foram justamente os países que haviam introduzido inicialmente a educação popular, como a Inglaterra, o que permitiu que as pessoas tomassem conhecimento de seus direitos para então lutarem por eles. Ainda com base nas pesquisas de Carvalho, no Brasil o direito que precedeu os outros e mais recebeu atenção é o social. Esse aspecto é importante porque diferencia a maneira como a nossa cidadania é administrada em contraste a outros países, como a Inglaterra, na qual este tipo de direito surgiu por último. Ou seja, a natureza da cidadania aqui forma cidadãos distintos de um cidadão inglês, por exemplo. O papel do Estado enquanto mediador e potencializador das igualdades sociais pode ser percebido nos inúmeros projetos de governo que surgiram no Brasil nos últimos anos, e que foram palco de debates nas eleições de 2014. O Brasil é um país que conta com um sistema único de saúde gratuito, universidades e bolsas de pesquisa são financiadas pelo Governo, trabalhos são garantidos por meio da política do funcionário público. Pode-se dizer que os direitos sociais ainda possuem destaque nas políticas públicas brasileiras. Como Canclini, este trabalho acredita que as análises culturais e comunicacionais ganham mais sentido e densidade quando analisadas de forma transdisciplinar. O autor busca compreender de que forma cidadania e consumo caminham no século XXI. De qualquer forma, os estudos sobre o consumo variaram muito conforme o tempo. Durante um longo

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período, enxergou-se o consumo enquanto mecanismo precursor de gastos supérfluos e desnecessários, altamente capaz de influenciar a sociedade, de um modo geral, a agir da maneira que era desejada pelo mercado. Novos olhares sobre essa prática, contudo, retiram esse aspecto somente superficial do consumo e o deslocam para o campo da cidadania. Canclini defende o consumo enquanto “conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (2008, p. 60), a partir da seguinte hipótese: “quando selecionamos os bens e nos apropriamos deles, definimos o que consideramos publicamente valioso, bem como os modos de nos integrarmos e nos distinguirmos na sociedade, de combinarmos o pragmático e o aprazível” (2008, p. 35). Ou seja, o ato de consumir – levando em consideração os seus aspectos simbólicos, estéticos e de cidadania – pode ainda distinguir grupos dentro da sociedade. O autor compreende o consumo enquanto prática ligada ao ato de pensar, fortalecimento e posicionamento do indivíduo de forma política, ou seja, relacionada ao modo como a vida social é organizada simbolicamente. Com efeito, costuma-se imaginar o consumo como o lugar do suntuoso e do supérfluo, no qual os impulsos primários dos indivíduos poderiam alinhar-se com os estudos de mercado e táticas publicitárias. Além disso, reduz-se a cidadania a uma questão política, e se acredita que as pessoas votam e atuam em relação às questões públicas somente em razão de suas convicções individuais e pela maneira como raciocinam nos confrontos de ideias. (CANCLINI, 2008, p. 35).

Dessa maneira, o autor busca uma ligação mais intensa entre o ato de consumir e a prática da cidadania. Dentre outros exemplos, ele cita a maneira como a sociedade se mantém informada atualmente: mais do que debates presenciais e em espaços públicos, a informação chega por meio do consumo, a partir dos meios de comunicação, da Internet, no conforto do lar. Ser cidadão não tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também com as práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem que se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas semelhantes de organização e de satisfação das necessidades (CANCLINI, 2008, p. 35).

Ou seja, cidadania também se relaciona com a noção de pertencimento, de se identificar e ser reconhecido como “igual” mesmo sendo diferente do outro. Canclini possui uma visão bastante democrática sobre o papel que o Estado deveria ter em assegurar as necessidades de seus cidadãos, necessidades que ultrapassam aspectos básicos de sobrevivência e que se aproximam do que está no universo simbólico da sociedade. Trata-se

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da busca por políticas inclusivas, que se afaste da dinâmica culto-popular para abranger culturas, enxergadas de forma horizontal e plural. Enquanto o Estado se esforça para manter e assegurar direitos e deveres modernos e igualitários em um momento de rupturas e heterogeneidade, o poder e as decisões dos cidadãos passam a ser decisivos no mercado. Nesse sentido, “o consumo é um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados” (2006, p.65), e no qual as pessoas conseguem dar sentido às transformações ao seu redor e a exercer e exigir seus direitos. O autor elenca três ângulos pelos quais se pode visualizar o consumo. A partir: a) da sua racionalidade econômica; b) racionalidade sociopolítica interativa; c) e dos aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora. Os estudos sobre o consumo que levam em consideração a sua racionalidade econômica – como os marxistas – o consideram como “o lugar em que se completa o processo iniciado com a geração de produtos, em que se realiza a expansão do capital e se reproduz a força do trabalho” (2006, p. 61), ou seja, como parte do ciclo de produção e reprodução social. Canclini adiciona a isso uma racionalidade sociopolítica interativa, da forma como a desenvolvem algumas correntes da antropologia e da sociologia urbana, que levam em consideração os conflitos entre classes, e apresentam um cenário de disputas pelo que é produzido pela sociedade e as formas de usá-lo. Com base no trabalho de Manuel Castells, Canclini explica que o ato do consumo acaba por evidenciar as desigualdades e as regras de distinção entre os grupos sociais. A terceira forma de se conceber o consumo parte do seu entendimento enquanto lugar de diferenciação e distinção entre as classes e os grupos, ou seja, os aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora. Este item nos mostra que “há uma coerência entre os lugares onde os membros de uma classe e até de uma fração de classe se alimentam, estudam, habitam, passam as férias, naquilo que leem e desfrutam, em como se informam e no que transmitem aos outros” (CANCLINI, 2008, p. 62). Essa distinção de classes acontece porque os signos são de conhecimento de todos, ou seja, por mais que não possam consumir, as classes populares sabem do valor simbólico que a posse de bens como o iPhone ou um fusca agregam, ou seja, a construção dos signos e a comunicação dos mesmos acontece através de uma lógica social. Ao invés de admitir essas racionalidades de formas separadas e divididas, o autor prefere assumir que o consumo “se constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa

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de uma sociedade” (CANCLINI, 2006, p. 63), entendendo que os membros de uma sociedade compartilham os sentidos dos bens disponíveis. Este tópico do trabalho mostra que a cidadania tem a ver com direitos – e deveres – de liberdade, participação e igualdade para todos, ao mesmo tempo em que está intimamente ligada à lealdade ao estado e à identificação com uma nação 46, e que o consumo faz parte dessa relação. Estes dois conceitos foram aqui utilizados para contextualizar as formas de consumo atuais, sempre visando a realidade que está sendo analisada neste trabalho. O design vernacular não seria tão popular – no sentido de estar espalhado pela cidade – se as pessoas não acreditassem que essa forma de divulgação supre as suas necessidades econômicas e estéticas e escolhessem investir em/consumir outras formas de comunicação. Eis um contexto que mistura culturas locais e globais, identidades nacionais e identidades múltiplas, políticas sociais e o capitalismo, consumo e cidadania, design vernacular e design oficial. De certa forma tudo está interligado, a causa de um é a consequência de outro, e é dessa forma que a história acontece. Nunca de forma inteiramente linear, com uma situação sendo apagada para que uma nova possa nascer: é mais fácil que as duas tenham de aprender a conviver juntas. Outro ponto é que o Brasil é um país essencialmente híbrido. Ele é composto por tantas culturas diferenciadas umas das outras, e consegue manter-se de tal forma absoluto em meio ao contexto acima citado, que se acredita que não poderia ser de outra maneira. Afinal de contas, os brasileiros já estão acostumados à diversidade, ao contraditório, ao rico e ao som turbulento da própria voz. Como capital do estado do Pará, Belém configura como o centro político e educacional local, e o surgimento de oportunidades de estudo e de trabalho atraem pessoas de diversos municípios e estados do Brasil para a cidade. Ela convive com os costumes tradicionais, com a modernidade estampada nos seus empreendimentos arquitetônicos e projetos urbanos, com a cultura dos rios, do açaí e do carimbó, e a cultura executiva, fruto de uma economia que não para de crescer. Este é o cenário que interessa para este TCC e o design vernacular produzido em meio a essas misturas e conflitos.

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Ver Carvalho, 2008, p. 12.

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4. A METODOLOGIA DA PESQUISA

Nesta etapa da presente pesquisa descreve-se o objeto investigado e as bases metodológicas. Como já foi bastante explicitado ao longo do trabalho, o design vernacular está presente no cotidiano de Belém, na forma de cartazes, faixas, placas cavalete, em letras caligráficas, serifadas e não serifadas, coloridas ou monocromáticas. O objeto de pesquisa, portanto, as letras desenhadas em fachadas pelos pintores de letras, também compõe este cenário. Trata-se de uma forma de comunicação bastante comum em Belém, localizada em grande parte na cidade e que divide o espaço com a publicidade realizada pelas agências de comunicação locais. Dentre as características do design vernacular de Belém, destaca-se o fato de este ser bastante diversificado em termos de formatos e de localização geográfica – eles estão espalhados por toda a cidade, de modo não sistematizado e organizado, muitas vezes sem a assinatura ou o contato do pintor. Por conta desta natureza, delimita-se o objeto desta pesquisa a partir do trabalho realizado por três pintores de letras de Belém do Pará, com a finalidade de responder a questão norteadora deste TCC: Como o design vernacular, na tradição popular tipográfica, persiste na cultura urbana belenense? Como caminho, verifica-se a hipótese de que o design vernacular, a partir do trabalho dos letristas populares, está ativo nas periferias de Belém do Pará, sendo um elemento estratégico na comunicação e na cultura urbana local. Já o objetivo geral deste TCC é refletir sobre a importância do design vernacular na cultura urbana belenense. Os objetivos específicos são: contextualizar o design vernacular na cultura urbana; identificar as características estruturais do design vernacular produzido na cultura de Belém do Pará; e analisar traços da cultura urbana popular no design vernacular em Belém.

4.1. Fases da investigação

Para o cumprimento de tais etapas da pesquisa, este trabalho seguiu uma abordagem descritivo-qualitativa, que busca a “interpretação dos fenômenos e a atribuição dos significados” (PRODANOV, 2013, p. 70), que tem o ambiente como fonte direta dos dados. As etapas selecionadas para a pesquisa qualitativa abrangem a coleta de dados por meio de

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entrevistas e registros fotográficos, a seleção de uma amostra para análise com foco nos processos simbólicos e culturais do objeto de pesquisa47. Para a elaboração do presente trabalho buscou-se primeiramente o embasamento na pesquisa bibliográfica, que consiste em “um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados ao tema” (LAKATOS, 2003, p. 158). Esta etapa foi necessária para o diálogo proposto entre os campos do design, comunicação, identidade e cultura, de modo a facilitar a compreensão sobre as pinturas das letras nas fachadas – produto do design vernacular – enquanto importante forma de comunicação e expressão popular. Após a busca bibliográfica, ocorreu a coleta de dados primários, referentes: a) ao primeiro registro fotográfico das imagens com conteúdos vernaculares, realizado de maneira aleatória, que incluiu também a busca pelo contato dos pintores; b) às entrevistas com pintores de letras para complementação da pesquisa; c) ao segundo registro fotográfico, focado nos trabalhos dos pintores de letras entrevistados; e d) às entrevistas com os donos dos estabelecimentos fotografados (no segundo registro fotográfico), consumidores do design vernacular. Ou seja, precisou-se sair do aspecto teórico e adentrar a prática de campo, que “consiste na observação de fatos e fenômenos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados a eles referentes e no registro de variáveis que se presumem relevantes, para analisálos” (LAKATOS, 2003, p. 186). O primeiro registro fotográfico das imagens com conteúdos vernaculares foi essencial para a pesquisa porque as imagens que retratam o tipo de conteúdo vernacular aqui analisados são difíceis de organizar sistematicamente, por conta de sua amplitude e espontaneidade geográfica, já que elas são necessárias em qualquer lugar onde seja preciso comunicar uma informação. Dessa forma, a equipe48 começou a investigar essas imagens aleatoriamente nos bairros da Marambaia e da Sacramenta, onde esse tipo de comunicação prevalece e se destaca de forma perceptiva aos olhos. Durante esse registro, a equipe buscou também obter informações sobre os trabalhadores responsáveis por aquelas pinturas, utilizadas para comunicar pequenos negócios ou serviços. Observou-se que as pessoas daqueles bairros não obtinham registros ou se 47

Ver Quadro 5 – Comparação entre pesquisa qualitativa x quantitativa (PRODANOV, 2013, p. 71). A palavra equipe aqui utilizada inclui a autora deste trabalho, sua orientadora Célia Trindade Amorim, e o pai da autora, Carlos Mendonça, que aceitou acompanhá-la nas atividades de fotografia das fachadas e nas entrevistas com os pintores – sua presença foi necessária para garantir a segurança da estudante, porque os lugares onde a pesquisa foi realizada não são seguros para o porte de uma câmera ou para se andar sozinho, e o primeiro contato face a face com os entrevistados ocorreu durante as entrevistas . 48

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lembravam do profissional que havia pintado a sua fachada, especialmente na Marambaia; outros já foram de grande ajuda ao repassar para os pintores de letras o contato da autora deste trabalho. Após a obtenção dos contatos telefônicos, foram realizadas entrevistas com roteiro de perguntas pré-estabelecido, gravadas em áudio – por meio do gravador de voz dos celulares Galaxy Ace 4 Lite e do MEU AN400 – com os três pintores de letras, processo realizado ao longo de três dias. Os pintores de letras entrevistados foram: a) Art Walter; b) Hélio Pintor; e c) Siqueira, como é conhecido pelos populares, e por tal motivo adotou como assinatura. Imagem 13: No seu ateliê, Hélio Pintor explica como funciona o uso da serigrafia.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 2014 49.

A entrevista com os pintores de letras permitiu a ampliação da análise, já que no roteiro de perguntas foi explorada a maneira com a qual eles trabalham, os seus processos de criação, aprendizagem da profissão, o porquê de eles terem seguido com essa atividade, entre outros. Outro dado relevante dessa entrevista para a apreensão do objeto foi o questionamento sobre o paradeiro das pinturas dos entrevistados, onde elas estavam localizadas. Foi de fato um norte no labirinto de imagens anônimas dispersas por Belém. Após a conversa, a equipe foi atrás das imagens para a composição da amostra. As entrevistas com os pintores de letras aconteceram na casa da autora do trabalho, com exceção do Hélio Pintor, que recebeu a equipe no seu ateliê, conforme mostra a imagem 13.

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A entrevista faz parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foi realizada em outubro de 2014.

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Durante as entrevistas com os profissionais do design vernacular foi verificado que as características principais uns dos outros se distinguem, pois cada um retrata aspectos particulares do design vernacular. Enquanto Art Walter e Siqueira se concentram em atender às demandas de pintura de comércios da região metropolitana de Belém, Hélio Pintor posiciona-se na criação de propagandas para a divulgação das marcas locais. Além disso, o acesso à quantidade considerável de fotografias referentes à obra de Art Walter viabilizou uma sistematização das peculiaridades de suas letras, o que não foi possível de ser concretizado com os demais pintores. As entrevistas tiveram como objetivo complementar a analise das letras aqui estudadas, de modo a facilitar a compreensão do universo simbólico dos autores das pinturas e do seu público consumidor. Foi constatado que Art Walter e Hélio Pintor aprenderam a profissão de forma autodidata, enquanto que Siqueira foi instruído por de amigos e colegas de trabalho. Todos os pintores entrevistados fundamentaram-se na tradição oral da sabedoria popular repassada de geração para geração. A terceira etapa da pesquisa concentrou-se no segundo registro fotográfico, realizado nos bairros da Sacramenta, Pedreira, Telégrafo e Guamá, com base nas indicações dos pintores de letras entrevistados. As fotografias foram todas retiradas pela autora deste trabalho, com a câmera fotográfica digital Canon PowerShot SX260 HS. Para ampliar o entendimento sobre o objeto da investigação, foram então realizadas entrevistas com quatro consumidores dessa forma de comunicação popular, com roteiro de perguntas pré-estabelecido. São eles: a) Maura Batista, gerente das lojas Moda Show, que utiliza as propagandas de muros realizadas pelo Hélio Pintor; b) Ana Ruth, dona do Restaurante Paladar de Deus, sendo que sua fachada em escritas vernaculares é de autoria do Siqueira; c) Tânia Contente, dona do Salão de Beleza El Shaday Todo Poderoso, pintado por Art Walter; e d) Carmino Borges, marceneiro e empreendedor no negócio Casa das Caixas – Marcenaria, também pintado por Art Walter. Buscou-se pelo menos um consumidor relacionado a cada pintor para o entendimento da efetividade dessa forma de comunicação. A entrevista com os consumidores esclareceu aspectos relacionados ao consumo e ao modo pelo qual as pessoas escolhem o design vernacular para comunicar visualmente o seu negócio. Além disso, tornou possível a verificação da satisfação desses consumidores após o serviço de pintura, ou seja, se a comunicação foi efetiva e se fez a diferença naquele lugar. As sete entrevistas completas em áudio estão disponibilizadas em CD neste TCC, e encontram-se em anexo ao presente trabalho. Os dois roteiros de perguntas – o primeiro relacionado aos pintores e o segundo aos consumidores – também compõem os anexos.

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O roteiro de todas as entrevistas realizadas neste TCC seguiu o tipo despadronizada ou não-estruturada, ou seja, é aquela em que “o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada” (LAKATOS, 2003, p. 197) com o intuito de compreender cada realidade de forma específica e individual. Escolheu-se a modalidade de entrevista focalizada, na qual “há um roteiro de tópicos relativos ao problema que se vai estudar e o entrevistador tem liberdade de fazer as perguntas que quiser: sonda razões e motivos, dá esclarecimentos, não obedecendo, a rigor, a uma estrutura formal” (LAKATOS, 2003, p. 197). Isso significa que, mesmo com o roteiro de perguntas, em cada entrevista a equipe focou em determinados aspectos ou perguntas, dependendo do entrevistado, e das suas respostas. Esse modo de condução da entrevista foi escolhido por permitir uma conversa mais informal, que deu liberdade aos entrevistados para expressarem seus conhecimentos e suas realidades, e os deixou mais à vontade para compartilharem suas histórias com a autora deste trabalho. É válido ressaltar que a maior parte da amostra analisada aqui compreende o trabalho de Art Walter, que somam ao todo 16 fotografias do seu serviço, todas localizadas nos bairros da Sacramenta e Telégrafo, ambos localizados na periferia de Belém. Isto acontece porque as letras pintadas por Walter são mais facilmente distinguíveis, além de predominantes nos bairros citados, pois quando as pessoas daquela comunidade precisam de um serviço de pintura, contam com os serviços dele. Outras fotografias foram retiradas nos bairros da Pedreira e do Guamá.

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5. AS LETRAS PINTADAS NAS FACHADAS E AS CENAS URBANAS DE BELÉM

Neste estudo localiza-se o design vernacular de Belém do Pará como parte da cultura e da identidade amazônica, resgatando os seus traços distintivos e a maneira como essa forma de comunicação popular ocorre na região. Ou seja, buscou-se a compreensão sobre como essa comunicação artesanal e espontânea se traduz na Amazônia urbana. Conforme foi discutido anteriormente, mais especificamente no primeiro capítulo, o design vernacular corresponde à existência de linguagens e soluções gráficas que se encontram à margem do discurso oficial. Isso significa que ele não é institucionalizado, representado pelas instituições hegemônicas da sociedade, como as universidades, e comprovados por meio de um diploma. Ele tem relação com o fazer artesanal, repassado por meio da tradição oral. Dessa forma, em Belém as habilidades manuais se desenvolvem por conta da vivência e da prática constante de cada pintor, sendo que o seu produto, a pintura vernacular, ainda é influenciado fortemente pelas culturas que o cerceiam e pelo local onde ela é originada, e também pela influência direta e indireta de outros meios de comunicação. Ou seja, o vernacular nasce da cultura popular, e se apropria de elementos visuais e simbólicos que sobrevivem ao tempo, às novas tecnologias e às mudanças nas formas de se comunicar e de consumir. A espontaneidade e autenticidade da cultura popular amazônica e as experiências vivenciadas nas ruas servem como base para a criação do design vernacular, traduzido de maneira heterogênea em embalagens, pinturas em lona, em fachadas, caminhões, barcos, carros de lanches móveis, faixas, até as mais diversas placas, materiais e formatos; são inúmeros tipos de suportes para solucionar as diversas necessidades dos consumidores. Na próxima página, na imagem 14, exemplos de placa cavalete e do carrinho móvel, ambos pintados por Art Walter, encontrados em Belém do Pará. A imagem 15 foi aqui utilizada para a ilustração da existência de outros suportes utilizados pelo design vernacular além das fachadas pintadas – este último objeto de análise do TCC. Observam-se entre as duas imagens diferenças nas formas das letras, mesmo que os serviços sejam semelhantes, relacionadas ao exercício de chaveiro. Ou seja, o pintor buscou contrastar, através das letras, os dois concorrentes, que estão localizados a poucos metros um do outro, na Av. Pedro Álvares Cabral, bairro da Sacramenta. Ambos os suportes são comuns em Belém, por serem práticos e passíveis de locomoção. Observa-se que a pintura vernacular atua como importante ferramenta de comunicação.

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Imagem 14: Letras pintadas em diversos suportes, por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201450.

Em se tratando de um campo não institucionalizado, o design vernacular belenense atua de forma consistente, inserido no cotidiano da cidade, e disputa os espaços das ruas com o design oficial– traduzido nas formas de outdoors, banners e estruturas de lona com arte desenvolvida no computador. Pode-se dizer que as estratégias comunicacionais que utilizam a linguagem visual são múltiplas em Belém, em termos de formatos, cores e signos correspondentes tanto ao design oficial quanto ao design vernacular. Esse aspecto da comunicação popular – a sua continuidade em meio à existência do design oficial – é interessante porque mostra que o suporte para as mensagens e os baixos recursos não se caracterizam como um obstáculo para a sua consolidação na capital paraense. Na realidade, observa-se uma inventividade e criatividade na adaptação das artes aos espaços disponíveis, e no uso dos materiais para a pintura das letras. Nessa perspectiva, a realização das entrevistas fez-se necessária para um melhor entendimento da produção do design vernacular e, de um modo geral, nenhum dos pintores foi muito específico sobre o que lhes dava inspiração. Em relação ao Art Walter e Hélio Pintor , talvez por conta dos muitos anos de profissão, as imagens desenhadas já vêm naturalmente à sua mente, e o processo de criação acontece de forma mais rápida; já o seu Siqueira foi o único que comentou a busca de referências em revistas, e a oportunidade de

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As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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participar em oficinas sobre pintura de maneira geral, aspecto interessante quando se pensa na relação entre o design oficial e o design vernacular e na maneira como um pode vir a influenciar no outro. A análise levará em consideração a ordem em que os pintores de letras foram entrevistados – Art Walter, Hélio Pintor e Siqueira, respectivamente. Assim, estabeleceu-se um tópico para cada entrevistado e as suas respectivas pinturas. Estabeleceram-se maneiras diferenciadas de análise por causa da natureza da amostra coletada de cada pintor. Como foi registrada uma maior quantidade de fachadas pintadas pelo Art Walter, foi possível identificar os traços mais recorrentes em seus desenhos. Hélio Pintor trabalha reproduzindo os mesmos elementos gráficos nos muros pela cidade, e por isso analisou-se aqui a maneira como a comunicação popular acontece nesse caso. Em relação ao Siqueira, a amostra coletada foi menor, e por isso analisou-se cada fachada individualmente.

5.1. Art Walter

Caminhar pelo bairro da Sacramenta, em avenidas como a Pedro Álvares Cabral e a Senador Lemos, significa enxergar o trabalho do Seu Walter em cada esquina, muro, poste, placa cavalete. Ainda assim, inicialmente, encontrar uma forma de comunicação com o Seu Walter pareceu a mesma coisa “que perseguir a um fantasma”, dada a dificuldade em encontrá-lo em pessoa. Mesmo sendo um pintor conhecido naquela área, o fato de não possuir um celular ou um telefone dificultou a tarefa de marcar uma entrevista com ele. As suas pinturas são assinadas apenas com as palavras “Art Walter”, sem qualquer endereço ou telefone para contato. A equipe não obteve muitas informações ao perguntar sobre o pintor nas casas nas quais o trabalho do Seu Walter estava estampado, porque as pessoas questionadas não sabiam de seu paradeiro. As pessoas viam passar todos os dias para trabalhar, mas não conheciam a sua residência. A autora deste trabalho deixou o seu telefone pessoal em todos os locais onde foi realizado o registro fotográfico na esperança de que o Seu Walter tivesse acesso ao número do celular e ligasse de volta. A tática deu certo, e dessa forma foi possível realizar a entrevista. Roupas folgadas, uma bicicleta de cor escura e um sorriso no rosto. Há 35 anos atuando como pintor de letras, o seu Walter aprendeu a profissão de forma autodidata. A curiosidade guiou suas mãos, ganhou a forma de caracteres do alfabeto – ele não costuma desenhar outras formas que não letras – e a experiência tornou possível a sua sobrevivência

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por meio desse tipo de trabalho. Ele atua sozinho, sem uma equipe de trabalho por perto para auxiliá-lo, e os seus clientes chegam até ele por meio da propaganda boca a boca. Conforme foi observado anteriormente, existem motivos para que as letras de Art Walter sejam mais fáceis de serem encontradas: a) elas estão concentradas geograficamente, ou seja, geralmente existem várias fachadas suas lado a lado, ou na mesma rua e bairro; b) a maioria está assinada com o seu nome; e c) as letras e os detalhes, como as sombras, se distinguem das outras pinturas vernaculares belenenses. Durante a pesquisa de campo, ficou claro que o trabalho de seu Walter predomina nos bairros da Sacramenta e Telégrafo. Segundo ele, a pintura despertou o seu interesse quando ainda tinha por volta de cinco anos, influenciado pelo tio, que costumava desenhar dragões. Isso lhe incentivou, e, depois disso, passou a rascunhar sempre. A sua carreira começou quando tinha vinte anos, enquanto ajudante de pedreiro na construção de uma loja de peças e acessórios para carro, porque ele foi descoberto rascunhando na parede e contratado para pintar as letras da fachada. Esse foi o motivo que o levou a considerar os seus desenhos com mais seriedade. Por conta da sua experiência, ele já não precisa de réguas, ou da escala, às vezes utiliza apenas um cabo de vassoura para fazer as medições porque os seus olhos sabem o espaço que cada letra vai ocupar. Normalmente, risca os desenhos diretos na parede, sem necessitar de um rascunho em escala menor, e termina uma fachada de 3 metros de comprimento por 2 metros de largura em aproximadamente de duas a três horas, incluindo os serviços de pintura geral da fachada, desenho e pintura das formas e sombras das letras. De forma bem-humorada, ele explica que, no início, desperdiçava o dia inteiro para realizar a mesma atividade. Os seus serviços incluem fachadas, placas, placas cavalete, postes, faixas, banners, e outros. Com frequência o layout51 é sugerido por ele, assim como as cores que vão ser utilizadas, que devem ter harmonia com a própria cor de fundo da fachada do estabelecimento, e a tinta, geralmente esmalte sintético ou tinta acrílica à base d’água – que seca rapidamente e possui longa duração. Nesse universo, cada tipo de serviço possui um cálculo de preço diferenciado. Por exemplo, por cada metro da faixa cobra-se R$ 10,00 reais, por isso depende de quantos metros o cliente vai querer, se as letras vão ser trabalhadas, assim por diante.

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De acordo com o Dicionário Priberam, layout é o “modo de distribuição e arranjo dos elementos gráficos num determinado espaço ou superfície” (PRIBERAM, 2014).

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Questionado sobre a importância do seu trabalho, o pintor se valeu da máxima “a propaganda é a alma no negócio”. Isso significa que, para ele, além do amor que sente pela profissão, as suas pinturas tem o potencial de melhorar a comunicação de um estabelecimento, despertar atenções, atrair novos consumidores e aumentar a frequência de pessoas naquele empreendimento. Se o negócio passa a ser um sucesso, ou pelo menos aparentar uma melhora financeira, isso para ele já é uma vitória. O estudo possibilitou que fossem elencados aspectos básicos do lettering criado por Walter, sendo eles relacionados ao uso de: a) maiúsculas/ minúsculas; b) serifas; c) sombras; d) negrito/ bold; e) anatomia das letras. Abaixo, segue-se uma descrição de cada um.

5.1.1. Maiúsculas/ minúsculas

As letras em sua forma minúscula aparecem com frequência. O uso das letras nessa forma vem acompanhado do uso das serifas, e as palavras escritas dessa maneira exprimem mais delicadeza, graciosidade, afetuosidade e feminilidade. Quando em sua forma maiúscula, em caixa alta, elas podem ou não apresentar a serifa, e transmitem uma sensação de maior imponência e estabilidade. A imagem 15 mostra claramente o poder expressivo que as letras possuem. Por exemplo, o salão de beleza – extraído de parte da fachada do salão de beleza El Shaday, analisado mais adiante neste capítulo na imagem 22 – expressa maior graciosidade e suavidade, condizente com o público feminino e com a natureza religiosa do negócio. Lembrando que a imagem apresenta letras minúsculas de fato, não caligráficas, mantendo assim uma seriedade no modo de expressar o conteúdo do serviço. Já o JC Auto Peças, que trabalha com as peças mecânicas de carros, foi escrito em letras energéticas e impactantes, na sua versão maiúscula, Foi usada a cor vermelha, já desbotada por conta a ação do tempo, e a cor azul. Essa loja se encontra na Travessa Mauriti, em Belém, rua que concentra vários estabelecimentos com oferta de serviços semelhantes. Os textos que contém informações complementares ao título, chamados aqui de descritivos, geralmente aparecem nas cores preto, vermelho e azul, em letras sem-serifa e maiúsculas. Estes são menos trabalhadas, no quesito de formas e uso de sombras, porque aparecem em tamanho menor e precisam ser visíveis à distância, muitos detalhes dificultariam a leitura do texto. Por isso, o pintor aplica cores chamativas para manter o texto descritivo atraente e criar uma harmonia com o título, ou informação principal da fachada, geralmente composto por palavras mais ricas em detalhes.

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Imagem 15: Fachadas pintadas por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 2014 52.

O texto descritivo desenhado por Art Walter geralmente apresenta o mesmo formato mostrado na figura acima, onde é possível perceber as bordas redondas das demais letras.

5.1.2. Serifas

Resgatando o conteúdo do capítulo 01, o tipo egípcio ou slab (1894) consiste na presença de serifas curvilíneas em proporções mais espessas na base das letras, sendo que estas possuem hastes – traços principais das letras – de tamanhos menos diferenciados entre si, diferentemente do que acontecia com os tipos anteriores – Estilo antigo/ Old Style (1615), de Transição/ Transitional (1757) e Moderno/ Modern (1788). Na imagem abaixo, as palavras em caixa alta são exemplos do tipo egípcio.

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As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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Nota-se que as serifas na imagem 16, localizada na página a seguir, aparecem apenas nas palavras escritas em maiúsculo, enquanto que a palavra em minúsculo apresenta um aspecto de caligrafia manual, compondo harmonicamente a identidade visual do espaço. As combinações das cores preto e vermelho em paredes amarelas são comuns no trabalho de Art Walter por conta do resultado vibrantes e quente, que se destaca na multidão. Ao lado do Salão Visual, representado acima, existe outro salão também pintado por Walter, e o que destaca os dois é exatamente a cor utilizada. Ainda é possível observar uma variedade no desenho das letras expostas na imagem 18, em relação ao uso de serifas, espessura das hastes, anatomia do ‘O’. De certa forma, é importante que o pintor tenha a habilidade de adequar as letras às mensagens que o consumidor deseja transmitir, e de diferenciar as lojas concorrentes umas das outras. Imagem 16: Letra tipo egípcio pintada na fachada do Salão Visual, por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201453.

Encontram-se também no acervo coletado exemplos de letras sem-serifa, ilustradas com bordas curvilíneas, arredondadas. A imagem 17 mostra uma pintura em muro no bairro da Sacramenta, divulgando os serviços de jateamento ofertados pelo estabelecimento. Na foto 53

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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observam-se dois tipos de letras diferentes, pois a palavra ‘Pimenta’, de estilo egípcio, apresenta serifas grossas e traços mais detalhados, enquanto que o restante do texto não possui serifas. Essa escolha foi feita para destacar o nome do comércio, e deixar em segundo plano a sua descrição. Imagem 17: Letra em negrito pintada por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201454.

Nas imagens 16 e 17 foram utilizadas as mesmas cores de tintas, preto e vermelho, e o que mudou foi a cor da fachada e as letras complementares de cada espaço. No salão de beleza, o pintor optou por utilizar um lettering mais caligráfico, feminino e curvilíneo, representado na palavra ‘salão’. Na segunda imagem, o Pimenta é complementado por letras mais masculinas, sem serifa, de acordo com os serviços oferecidos pelo estabelecimento.

5.1.3. Uso de Sombras

As sombras curvilíneas e cheias aparecem com frequência na comunicação popular desenvolvida por Walter. Elas ajudam a dar a ideia de dimensão e profundidade às letras, evidenciam a palavra mais importante do texto e atraem o olhar. Esse detalhe confere também um ar mais rebuscado e tradicional ao trabalho de Art Walter. Como se percebe na imagem 18 (próxima página), a sombra encontra-se ligeiramente afastada da palavra sapateiro, e sua forma começa com traços finos no topo (altura-x) e vão engrossando na medida em que chegam à linha de base da palavra. Na pesquisa, percebeu-se 54

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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que a combinação mais utilizada pelo pintor é a das letras na cor preta com a sombra vermelha – aparece em 11 fachadas da amostra coletada –, e a menos utilizada é a das letras na cor branca com a sombra azul – presente em apenas uma fachada55. A figura abaixo apresenta a pintura utilizada para divulgar os serviços de um sapateiro no bairro do Telégrafo, próximo à feira. Trata-se de um cubículo no qual as letras foram desenhadas em cores fortes sobre a superfície de madeira, de modo a se destacar no espaço reduzido da madeira e do cenário da feira, repleto de informações que competem pela atenção do transeunte. As palavras estão escritas em letras maiúsculas e sem serifa, que nesse caso confere um aspecto mais leve ao desenho. Imagem 18: Letra sombreada pintada por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201456.

A imagem exibe também o aspecto popular da pintura de Walter. Mesmo que o tamanho do espaço seja reduzido, mesmo que se trate apenas de uma placa, poste ou, como no caso analisado, de um cubículo, o serviço é realizado sem distinção, no qual a tipografia possui o mesmo esmero que se repete ao longo de toda a amostra coletada. A divulgação por meio do design vernacular passa a ser importante para a comunidade local porque é acessível e bonita. Dessa forma, mais pessoas podem ter a oportunidade de divulgar o seu negócio por meio do consumo do design vernacular.

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Outras combinações encontradas, em ordem decrescente, são: a) letra vermelha e sombra preta; b) letra preta e sombra azul; c) letra vermelha e sombra azul; d) letra azul e sombra vermelha; e e) letra azul e sombra preta. 56 As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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5.1.4. Letras em Negrito/ Bold

As palavras desenhadas por Walter possuem um fator em comum: elas sempre estão escritas em negrito/ bold, sendo facilmente perceptíveis à longa distância, pois a escrita em negrito fortalece a comunicação, no sentido de que chamam a atenção e são fáceis de serem visualizadas de longe. O negrito também dá a sensação de estabilidade e firmeza às letras. No exemplo acima, percebe-se a maneira na qual as palavras sem-serifa, ilustradas com bordas curvilíneas, arredondadas, são distribuídas no espaço disponível, ou seja, o pintor vale-se de cada centímetro para destacar a informação que acredita ser mais importante: neste caso, a palavra TV se sobressai em relação às outras, por estar centralizada na fachada e em tamanho bem maior que o restante da mensagem. Imagem 19: Letra sem-serifa pintada por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201457.

A figura 19 divulga um serviço, a mensagem grafada no apertado espaço da fachada do estabelecimento, desviando de vigas e das imperfeições da madeira. O lettering exemplificado aqui é interessante porque as cores são vibrantes, cheias de vida, enquanto que

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As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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as letras sem-serifa são leves e contemporâneas. O detalhe fica por conta dos sombreados, trabalhados artisticamente e que asseguram a autoria de Walter. A escolha por esse tipo de letra pode ter fundamento na natureza do negócio indicado. O serviço ofertado é essencialmente tecnológico, a compra de eletrônicos, e por isso a escolha foi acertada, já que uma letra rebuscada e tradicional teria sido menos indicada.

5.1.5. Anatomia das letras

Constatou-se em seu trabalho o uso constante do lettering, ou seja, a utilização de técnicas manuais na criação de letras trabalhadas, detalhadas e de caráter especial, que não formam um alfabeto ou podem ser reproduzidas facilmente. Trata-se de uma forma artística de criar letras, geralmente sob a inspiração caligráfica, mas que não visam à criação de um alfabeto completamente estruturado e passível de reprodução. De acordo com o que foi dito nas páginas anteriores, a imagem 20 demonstra em exemplos as diferenças entre as letras pintadas por Art Walter. Lado a lado, essas diferenças – e semelhanças – tornam-se mais perceptíveis, pois é possível comparar as formas, os traços, os tamanhos e cores. Tomando-se como exemplo a letra O: observa-se a predominância do seu formato com o eixo na diagonal, mas existem outros tipos de silhuetas. O mesmo acontece com as outras letras do alfabeto desenhadas por seu Walter. A imagem ilustra quatro exemplos distintos de cada uma das letras A, R, O e E, para demonstrar as diferenças entre elas. Apresentam-se letras maiúsculas, minúsculas, com serifa e sem-serifa, e caligráficas. Todas as letras foram utilizadas nos títulos das mensagens, como em relação ao nome das lojas divulgadas, por exemplo, e por isso todas apresentam o uso da sombra. Conforme se pôde perceber, à primeira vista as letras podem parecer todas iguais por conta da sombra presente em quase todas elas, mas com o olhar atento as singularidades de cada uma ficam aparentes. Essas são as imagens que estão estampadas nos bairros da Sacramenta e da Pedreira, comunicando salões de beleza, restaurantes, chaveiros, sapateiros, mercearias, vidraçarias, oficinas mecânicas e outros comércios populares locais. Essa qualidade democrática do design vernacular é algo presente no trabalho do Art Walter.

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Imagem 20: De cima para baixo, exemplos de diferentes formatos para as letras A, R, O e E.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201458.

Como exemplo de um desses letterings, pode-se citar a imagem 21, referente a uma marcenaria. Seu Walter utiliza duas versões distintas das letras, uma mais caligráfica, 58

Criado em novembro de 2014 pela autora do trabalho para a análise deste trabalho de TCC.

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semelhante à escrita manual, com a qual escreveu o título do empreendimento Casa das Caixas, e outra sem serifas e mais moderna, com a qual tornou visível o epíteto ‘Marcenaria’. A segunda versão apresenta ainda uma variação sem sombreados, pintadas apenas de vermelho para descrever os serviços prestados no local. Enquanto que o desenho foi fruto da experiência e criatividade do pintor, o consumo dessa forma de comunicação por parte do dono do empreendimento está ligada à cultura e identidade popular. Imagem 21: Fachada de marcenaria assinada por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em dezembro de 201459.

De acordo com os conceitos desenvolvidos no segundo capítulo, o consumo de maneira geral refere-se ao conjunto de processos socioculturais nos quais os produtos são apropriados e utilizados. Canclini (2008) explica que, por meio do consumo, indivíduos podem definir o que consideram como elementos simbólicos valiosos – ou capital simbólico, para Bourdieu – e estabelecer relações de integração e de distinção na sociedade. Ou seja, se trata de uma prática relacionada ao pensar e ao modo como a vida social se organiza simbolicamente. A fachada analisada na imagem 21 exemplifica bem essa maneira de se compreender o consumo, especialmente porque a escolha por esse modo de divulgação veio do fato de a comunidade local aprovar o uso do design vernacular e das pinturas realizadas por Walter (ver Anexo F) . Se trata de uma marcenaria localizada na Av. Pedro Álvares Cabral, local onde grande parte do design vernacular de Belém se concentra. Durante a pesquisa, percebeu-se que o trabalho do seu Walter aparece com frequencia nessa localidade, e que as pessoas possuem confiança no trabalho do pintor. Assim aconteceu com o proprietário da Casa das Caixas, seu Camino Borges. Existe uma certa lealdade no modo como ele encara o trabalho de seu Walter, de quem ele solicita

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As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em dezembro de 2014.

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pinturas há vários anos. Ou seja, a popularidade do seu Walter no bairro também possui raízes na aprovação coletiva e na confiança em seu trabalho. Esse aspecto se relaciona com os aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora sobre o qual discorre Canclini (2008), que interpreta o consumo enquanto lugar de diferenciação e distinção entre as classes e os grupos. Existe um significado por trás do fato de os estabelecimentos comerciais da Sacramenta optarem pelo design vernacular e por uma estética semelhante uns dos outros. Imagem 22: Fachada de salão de beleza assinada por Art Walter.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 2014 60.

Dessa forma, as pessoas não consomem porque foram obrigadas a tal, mas consideram o que é importante para elas mesmas e para o universo simbólico da comunidade em que 60

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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habitam, e que lhe ajudam a estabelecer relações, seja com pessoas próximas ou distantes geograficamente. No caso aqui analisado, as pessoas confiam na recomendação feita sobre o pintor, e por isso buscam a mesma forma de comunicação que os comércios ao seu entorno estão utilizando, criando assim uma identidade visual, e de comportamento, em comum no bairro. Como afirma Geertz (2013), a cultura existe enquanto conjunto de processos simbólicos presentes na sociedade, cujos significados são partilhados por seus membros. A partir do momento em que o design compreende esses signos e os utiliza, é possível haver uma identificação entre a mensagem e o público consumidor. Nesse sentido, esses elementos podem contribuir para a definição de uma identidade, como na imagem 22 (página 78). Trata-se de um trabalho realizado na parede externa do Salão de Beleza El Shaday, curiosamente localizado ao lado da Casa das Caixas, de Seu Carmino, na Avenida Pedro Álvares Cabral, na Sacramenta. Os proprietários pertencem à igreja evangélica, informação que se buscou representar na comunicação da sua fachada. Constatou-se em entrevista com Tânia Contente, proprietária do estabelecimento (ver Anexo G), que todas as informações convergiram para o fim de identificar religiosamente o negócio, sendo que as cores e o conteúdo da mensagem foram escolhidos pela própria pastora da Igreja Pentecostal As Sete Alianças, que a proprietária frequenta. O objetivo do design foi destacar o local por meio das cores e das formas rebuscadas das letras. A comunicação deu frutos, e foi elogiada durante a conversa. Conforme foi explorado anteriormente, e de acordo com Mathews (2002) hoje se pode consumir de acordo com está ofertado no supermercado cultural global, no qual as pessoas retiram para si o que lhes interessa e passam a definir as suas identidades a partir disso. A prática do design vernacular também está ligada a essa realidade. Nesse aspecto, o nome do estabelecimento e a pintura do salmo 23 na parede da imagem acima podem vir a possibilitar, direta ou indiretamente, um reconhecimento por parte dos consumidores de uma mesma comunidade religiosa, de modo a atraí-los a consumir o serviço oferecido por pessoas com interesses semelhantes. Ou seja, a identificação do negócio se apropriou de um elemento da cultura local para manter um elo com a comunidade religiosa e estabelecer novos relacionamentos de confiança com pessoas do mesmo bairro. Existem ainda alguns casos em que os estabelecimentos comerciais utilizam uma comunicação vernacular que se distancia de sua identidade institucional. A imagem 23 exemplifica um pouco a dualidade existente entre o design vernacular e o design oficial, criado com o auxílio do computador. Refere-se a uma pintura realizada sobre a estrutura

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metálica do portão de um estabelecimento local, o Gui Gui Lanches, localizado no bairro da Pedreira. A marca Gui Gui Lanches possui outro restaurante no mesmo bairro, especializado em sanduíches, sendo que o design institucional, criado pelo designer Paulo freire61, é o mesmo para ambas as unidades, e está representada também na página do estabelecimento na rede social Facebook62. Imagem 23: Gui Gui Lanches, no bairro da Pedreira.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 2014 63.

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Ver Freire, 2014. Disponível em: http://pbfreire.blogspot.com.br/2013/06/gui-gui-lanches.html. Disponível em: https://www.facebook.com/pages/Gui-Gui-Lanches/497072803701549 63 As fotos fazem da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014. 62

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A diferença entre elas reside no uso da comunicação popular, pois a unidade da Travessa Mauriti possui a fachada pintada por um pintor de letras, destacada na página a seguir. Há nesse caso a ausência de ligação entre a identidade representada na lona impressa sobre o empreendimento, criada com o auxílio do computador, e as palavras ‘pizzaria’ e ‘Gui Gui’, desenhadas pelo pintor de letras. As próprias cores se tornam elementos de contraste. Na proposta do pintor de letras, além de todo o zelo presente na criação das letras e detalhes dos sombreados, houve a escolha por cores quentes – curiosamente bastante utilizadas pelo design oficial quando relacionadas à empresas alimentícias e de fast food, como apresentam as identidades do McDonald’s, Burguer King e Pizza Hut –, enquanto que na lona impressa observam-se várias tonalidades de azul, mais modernas e tecnológicas. As letras curvilíneas e graciosas contrastam com as formas retas do computador. A imagem não apresenta assinatura, porém, de acordo com base na observação atenta e com base nas características analisadas mais à frente no capítulo, assume-se que é de autoria de Art Walter. Esse desencontro entre vernacular e oficial acontece exatamente pelo fato de o primeiro não ser institucionalizado, e por conta disso não precisar seguir as mesmas regras aplicadas ao segundo. Existe uma liberdade maior no fazer manual do design popular, que pode se desvencilhar do que foi feito antes, como no exemplo mostrado.

5.2. Hélio Pintor

Quem já andou pela Região Metropolitana de Belém conhece bem a publicidade que é feita para o Baratão das Calcinhas, loja localizada no comércio de Belém. São fachadas pintadas, letras maiúsculas na cor azul-marinho sobre o fundo amarelo, espalhadas aos montes pelas ruas da cidade. Um dos responsáveis por essas pinturas é conhecido como Hélio Pintor, que possui 41 anos de experiência atuando nessa profissão. Autodidata, hoje ele ensina outros jovens a arte de pintar letras. Hélio Andrade aprendeu a profissão por meio da tradição popular, através dos ensinamentos de outros pintores de letras, ou tentando reproduzir em casa imagens vernaculares e fachadas de propaganda que ele via na rua. A experiência permitiu que ele desenvolvesse uma forma de trabalhar em que não se rascunha mais letra por letra no processo de criação. Técnicas de desenho como riscar primeiro a linha do horizonte como base para as formas a serem esboçadas não são mais utilizadas por ele. Especialmente porque seu Hélio costuma pintar

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muros de 100, 200 metros de largura, por isso ele utiliza barbante, prega-o na parede, e com a ajuda de um cabo de vassoura marca com pincel o tamanho das letras. Segundo ele, geralmente são feitos três esboços a lápis e entregues para o cliente aprovar o layout, e só então ele procede com a pintura nas dimensões reais, porque alguns clientes não possuem ainda uma marca específica para o seu negócio, e ele cria as artes na hora e aguarda o cliente aprová-las. Esse conhecimento ele repassou para os seus filhos, que trabalham com ele, e para vários meninos do mesmo bairro em que ele mora. Esses jovens começam caiando o muro, e depois vão progredindo para outras etapas do serviço. Dentre os seus filhos, um faz faculdade, o outro está prestando o vestibular, e o último é DJ. Todos, pai e filhos, sobrevivem do trabalho como pintores de letras. Seu Hélio também trabalha como funcionário público da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC), em Belém, mas é como pintor de letras que ele se mantém. Graças ao seu trabalho, seu Hélio desfruta hoje de uma vida confortável e seus filhos tiveram a chance de estudar em ensino superior. Já que ele assina o seu nome e telefone de contato em todas as pinturas que faz, é possível entrar em contato com ele facilmente. O pintor explicou para a autora deste trabalho um pouco de como funciona a sua profissão. Existem os chamados espaços de muros, que são lugares que podem ser pintados e utilizados para a comunicação por meio do design vernacular em consenso com os moradores e proprietários de tais locais. Esses espaços são conquistados a partir da confiança entre os pintores, donos dos estabelecimentos a serem divulgados e os donos das casas, que cederam o espaço. Segundo Hélio, ele possui hoje mais ou menos uns 2.000 espaços de muros, de propaganda, já feitos; só o Baratão das Calcinhas tem por volta de 600 espaços pintados. A imagem 24 (página 83) registra uma fachada localizada no bairro do Guamá. Talvez não fique claro na imagem, mas o muro foi dividido de modo que vários clientes de seu Hélio tenham espaço para divulgação. No muro foram pintadas as marcas do Baratão das Calcinhas, Avistão, Moda Show, Mega Moda, Estação da Moda, Colares Empreendimentos, entre outros, todos seguindo a identidade específica do local publicizado – ou seja, seu Hélio não criou essas marcas, elas já existem, ele as reproduziu no muro. Essa maneira de tornar público a existência e o contato das lojas é um dos diferenciais do trabalho realizado por Hélio. Os muros são alugados, em um contrato com o proprietário da casa. Em relação ao Baratão das Calcinhas, é o dono, conhecido como Ceará, que sai à procura de espaços para divulgação, e conversa pessoalmente com as pessoas sobre esse aluguel e renovações de contrato, que geralmente valem por seis meses. Seu Hélio realiza o serviço de pintura das letras para o Baratão das Calcinhas há oito anos. O pintor cuida atualmente da divulgação da

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Moda Show, Ousadia das Confecções, Colares empreendimento e Avistão – este último está há 32 anos com esse tipo de comunicação, e possui mais ou menos 300 espaços que são renovados constantemente. Imagem 24: Muro pintado por Hélio.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201464.

As identidades gráficas das lojas citadas variam bastante entre si, o que demonstra a habilidade do pintor em atender diferentes demandas gráficas. Durante a pesquisa, constatouse que o seu trabalho é empregado com mais frequência em muros e pontes, locais que contam com um grande fluxo diário de pessoas, como demonstra a imagem 25. Imagem 25: Comunicação visual do Avistão na Ponte do Galo, na Sacramenta.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201465. 64

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014. 65 As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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Por um lado, a localização favorece a efetividade da comunicação proposta, pois mais pessoas tem acesso àquela informação e podem se interessar em conhecer as lojas físicas. Por outro, torna-se mais complicado realizar o ato de registrar essas imagens por meio de fotografias, por conta do fluxo de pessoas nos locais e pelo fato de que, muitas vezes, as suas pinturas ocupam um espaço de grandes dimensões. Durante a pesquisa de campo, encontrouse com frequencia o mesmo espaço de muro sendo dividido por vários clientes do seu Hélio (como demonstra a imagem 27), o que dificulta o registro do muro por completo sem uma câmera profissional e a devida lente específica, que consiga apanhar o cenário de forma holística. Além disso, muitos muros estão sujos e em condições estéticas que destoam da pintura que é feita sobre ele. Seus serviços incluem desde a pintura de casas até o uso da serigrafia 66. Em relação a esse item: quando a quantidade de unidades solicitadas é baixa, se for matriz de papel de 20 unidades de faixas, por exemplo, é possível fazer esses desenhos à mão, mas se a quantidade é maior, de 100 pra frente, ele apenas faz uma matriz de serigrafia, e ficam prontos em um dia 300 a 500 unidades do mesmo serviço. Segundo ele também trabalha com grafite, com o desenho de paisagens em telas, enfim, tudo o que envolva a arte. Nessa entrevista, descobriu-se que o pintor também trabalhou com as campanhas políticas, incluindo as relacionadas à eleição de 2014. O seu trabalho consistiu em publicizar os nomes e os números dos candidatos por meio do design vernacular. Há 32 anos que ele colabora durante os períodos eleitorais. O valor de seu trabalho é calculado por metro quadrado, sendo que o menor tamanho de muro para ser pintado possui as dimensões de quatro metros quadrados, que é utilizado na divulgação dos candidatos nas campanhas políticas, e sai a R$25 reais. Apesar de o seu Hélio realizar um trabalho importante no cenário vernacular belenense, a variedade dos temas pintados por ele não são muitos, já que se concentram na reprodução da identidade visual dos seus clientes em diferentes tamanhos e formatos. Ou seja, as letras desenhadas pelo pintor variam de acordo com a identidade visual dos seus consumidores, e são muitas vezes determinadas por eles. Por este motivo, optou-se por realizar a análise de seu trabalho de maneira diferenciada do que foi feito anteriormente com o Art Walter. Neste TCC, serão analisados os anúncios do Moda Show, Baratão das Calcinhas e Avistão, respectivamente, de modo a 66

Também conhecido como silk screen, a serigrafia é um processo utilizado na transferência de imagens em tecidos e diversos outros materiais. Por meio de uma tela, a imagem colorida – normalmente são utilizadas de duas a quatro cores – é transferida para qualquer outra superfície onde se deseja imprimir a mensagem, como camisas e squeezes (BRASIL, 2014).

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compreender como o trabalho do pintor atendeu às demandas de comunicação dessas lojas. A Moda Show será analisada primeiramente pelo fato de a equipe ter conseguido entrevistar a gerente da loja, Maura Batista.

5.2.1. Moda Show

A loja Moda Show atuam no setor de vendas de roupas e acessórios, e localiza-se no Bairro do Comércio, em Belém. A sua comunicação acontece por meio da divulgação da marca em muros pintados espalhados pela cidade, em um design que utiliza formatos curvilíneos e detalhes como o contorno e a estrela estilizada próximo à letra A, conforme mostra a imagem 26. Abaixo, encontra-se a fotografia de um muro pintado no bairro do Guamá, utilizado como suporte para a comunicação da loja. Esse tipo de comunicação por vezes precisa se adaptar ao cenário urbano no qual está inserida, na medida em que muitos fatores configuram como obstáculos para a leitura da mensagem, como o trânsito de carros e mesmo a existência de árvores nas calçadas. Imagem 26: Comunicação da Moda Show em muro no Guamá.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201467.

A identidade pintada da Moda Show corresponde à marca impressa na lona exposta na fachada da loja física, conforme mostra a imagem 27, na próxima página. Não é éxatamente igual, mas permanece fiel aos traços e proporções selecionadas pelo computador. Em entrevista com Maura Batista, gerente das lojas Moda Show, (ver Anexo I), confirmou-se que 67

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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a identidade visual do negócio já havia sido criada antes do emprego do design vernacular como forma de comunicação. Imagem 27: Moda Show, no bairro do Comércio.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201468.

Para compreender sobre o consumo dessa forma de propaganda em fachadas, a equipe do trabalho conversou com Maura Batista, de modo a compreender o por que de a loja optar por consumir os serviços do design vernacular, dentre todas as outras possibilidades disponíveis no mercado. Parte do motivo para essa escolha vem da vivência pessoal da gerente, que comprovou a efetividade dessa forma de comunicação ao entrar em um estabelecimento essencialmente por causa da propaganda pintadas nos muros. Segundo Batista, também existe o fato de o design vernacular em muros ser uma comunicação fixa, de longa durabilidade, pois o aluguel dos muros se estende por seis meses de contrato – diferentemente do espaço de um outdoor, por exemplo, de durabilidade de 15 a 30 dias. Além do fato de que as pinturas proporcionam cor ao cenário urbano. A parceria com o seu Hélio foi firmada quatro anos atrás, sendo que o pintor foi escolhido por acaso – a gerente observou o trabalho dele em muros e avaliou as outras lojas com quem ele já se ocupava, como o Baratão das Calcinhas. Desde então a Moda Show vêm utilizando as pinturas em fachadas como forma de divulgação e valorização da marca. Ou seja, não houve uma indicação direta, mas o sucesso dos trabalhos anteriores de seu Hélio foi 68

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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fundamental para a sua contratação como pintor da Moda Show, assim como a sua própria divulgação pessoal a partir da sua assinatura nas pinturas realizadas. Sobre a efetividade da estratégia de comunicação, a gerente Maura Batista explicou que esse foi o primeiro passo da loja Moda Show em relação à divulgação, e que houve um retorno positivo de vendas e do alcance de público consumidor da loja. Ela cita que já ouviu de várias pessoas diferentes que estas entraram na loja porque haviam visto a mensagem nos muros pintados e reconheceram a identidade visual. É preciso compreender o lugar onde tanto a Moda Show quanto o Baratão das Calcinhas estão localizados, que é no bairro do Comércio, em Belém. Se trata de um dos locais mais populares e interessantes da cidade para a autora deste trabalho, por conta da infinidade de informações culturais que podem ser encontradas ali, relacionadas a comidas, eletrônicos, roupas e acessórios, lojas de móveis, músicas, produtos da China... Na realidade, são muitas opções de produtos ofertados, e a forma na qual eles estão dispersos é absolutamente latina. Desorganizado, barulhento, confuso, colorido, criativo, encantador, assim é o bairro aqui citado. Existem muitas barracas no meio das ruas, e elas competem com as lojas físicas. São tantas informações que é difícil para uma loja conseguir se destacar. Esse pode ser um dos motivos pelos quais a Moda Show e Baratão das Calcinhas fazem a sua propaganda em outros espaços da cidade, para atrair consumidores diretamente para as suas lojas, no sentido de ajuda-los a se guiar na dispersão do bairro, e encontrarem o seu caminho em uma imagem, um nome conhecido. Ou, como explicou Batista, deixar a mensagem acessível aos consumidores, para que no momento em que passarem na frente da loja física estes se lembrem da propaganda e entrem para conhecer o local.

5.2.2. Baratão das Calcinhas

Conforme foi explicado anteriormente, o Baratão das Calcinhas consiste em uma loja localizada na região comercial de Belém, e a sua principal forma de comunicação está estampada em muros pela cidade. Trata-se de uma comunicação de simples identificação porque utiliza sempre a mesma combinação de cores: o nome Baratão das Calcinhas escrito em letras na cor azul, em caixa alta, o endereço preenchido com tinta preta e a cor de fundo (parede) amarela. Dessa forma, é fácil reconhecer do que se trata a mensagem, especialmente pelo fato de ela estar presente no cotidiano da cidade há vários anos. A imagem 28 retrata exatamente a paisagem urbana comentada anteriormente.

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Imagem 28: Fachada do Baratão das Calcinhas assinada por Hélio Pintor.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201469.

Uma das características do trabalho do pintor é a própria natureza do tipo de comunicação realizada. Não se trata de identificar as fachadas de comércios locais, e sim de chamar a atenção das pessoas para que elas se dirijam à loja física do Baratão das Calcinhas, mesmo que esta esteja a vários quilômetros de distância. O suporte onde as mensagens estão escritas serve apenas para divulgar o negócio e expor o contato da loja real, não existindo nenhuma relação entre eles. Isso pode ser evidenciado na imagem 31, na qual existe a divulgação do serviço, mas o suporte é o muro alugado de uma residência, escolhido apenas por conta de sua localização e grande visibilidade em meio à Avenida Pedro Álvares Cabral. Seja a pé, pedalando a bicicleta, ou de ônibus, é impossível não notar as letras e cores energéticas dessas fachadas, que ocupam largos espaços pela cidade. Em todo caso, o trabalho de seu Hélio é basicamente tipográfico, traduzido em formas retas, sem-serifas, irregulares e em negrito, que se afastam dos formatos orgânicos analisados acima, no tópico anterior. Não foi evidenciado o uso de sombras, ou de outras técnicas de estilização das letras. Estas são provocantes e cruas, no sentido de serem menos detalhadas, adornadas. A figura irregular por vezes segue o contorno de outro desenho, como acontece na imagem 29 (página a seguir), na qual ela segue o desenho de um coração. A palavra shop, por exemplo, começa em um tamanho e a sua proporção vai aumentando com o objetivo de completar o espaço vago dentro do coração. Ou seja, o pintor busca destacar as letras o máximo possível, porque elas são o ponto principal do seu anúncio.

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As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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Imagem 29: Fachada do Baratão das Calcinhas assinada por Hélio Pintor.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201470.

A equipe do trabalho visitou a loja física do Baratão das Calcinhas, no bairro do Comércio, em Belém, na tentativa de conversar com a pessoa responsável pela propaganda da loja. A entrevista acabou não acontecendo, mas a visita trouxe resultados interessantes. Descobriu-se que a identidade visual utilizada na loja é bastante diferente da que é reproduzida nos muros, no que é relacionado às letras, porque apenas as cores são semelhantes, conforme observa-se na imagem 30. Imagem 30: Identidade visual do Baratão das Calcinhas.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 2014 71. 70

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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É interessante que as cores utilizadas e o tipo de letras escolhidas para essa divulgação vernacular não retratam a delicadeza e a sensualidade feminina que seriam esperadas de uma loja cujos principais produtos são roupas íntimas. A combinação de cores (azul e amarelo), por mais harmônicas que sejam, e o uso de letras grossas, pesadas e irregulares remetem, na realidade, ao masculino. A identidade visual da loja, porém, consegue abranger o aspecto da feminilidade, especialmente pelo uso de letras serifadas e de hastes mais finas e delicadas. A causa dessa dissonância pode estar ligada ao que já foi discutido aqui sobre o design vernacular e sua liberdade criativa, como aconteceu no Gui Gui lanches, analisado anteriormente. Também tem a ver com a própria habilidade manual do seu Hélio, porque se observou que o pintor utiliza sempre letras mais grossas, sem muitos detalhes. O seu Hélio não é o único responsável pela comunicação do Baratão das Calcinhas, mas certamente contribuiu para a popularidade desse conteúdo imagético por parte da empresa e dos consumidores. As suas letras conseguiram ser inseridas no cotidiano da cidade, e compõem uma parte importante do design vernacular de Belém. Tanto os aspectos estruturais das letras quanto a história por trás das pinturas são interessantes e relevantes para a reflexão aqui proposta. Trata-se de um caso específico da realidade amazônica, e que também pode parecer um pouco estranho a princípio: um sex shop que anuncia explicitamente os seus serviços em muros, pontes e quaisquer suporte em que possa colocar a sua mensagem. E de uma comunicação exclusivamente tipográfica que funciona, cria vínculos, porque de outra forma o Baratão das Calcinhas não estaria oferecendo os seus serviços e as pessoas não estariam consumindo os seus produtos por oito anos.

5.2.3. Avistão

A empresa Avistão, localizada em Belém do Pará, se dedica à venda de móveis e também vale-se dos meios de comunicação tradicionais, sendo que a pintura vernacular da marca reproduz a sua identidade criada no computador. Na imagem 31, observa-se que a marca do Avistão retirada de sua página da Internet e a sua versão pintada são bastante semelhantes. O que difere entre elas é a descrição “o menor preço à vista”, que quando pintada por seu Hélio, é inquestionavelmente vernacular e não segue a sobriedade e simetria da sua versão virtual. 71

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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Imagem 31: Marca do Avistão no site e em muro no bairro do Guamá.

Fonte: Imagem superior - Página do Avistão na Internet72. Imagem Inferior - Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 2014 73.

A própria inconstância nas figuras também é uma das características do design vernacular de Belém. Em pintura na página a seguir, observa-se que as informações do Avistão estão com letras diferentes; desta vez apresentam o uso do contorno para destacá-las da parede vermelha, e o “à vista” encontra-se escrito junto e sem acento. As cores utilizadas no projeto são bastante chamativas, consistindo no amarelo, preto, vermelho e branco, que são as mesmas cores usadas para a Moda Show. Imagem 32: Comunicação do Avistão em muro no bairro do Guamá.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 201474.

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Disponível em: http://www.avistao.com.br/. As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014. 73

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Como pôde-se perceber, um mesmo pintor pode possuir um leque de possibilidades gráficas variado, de modo a atender as demandas que surgirem em seu caminho. Com um pouco de familiaridade com as imagens, torna-se possível identificar mais facilmente a autoria das pinturas, as características recorrentes, as habilidades e ausência de habilidades de cada pintor. Art Walter, por exemplo, não desenha outras formas além de letras. Seu Hélio consegue desenhar os dois, palavras e paisagens, mas suas letras não possuem tantos detalhes. É certo que essas diferenças permitem que a paisagem vernacular belenense seja mais heterogênea.

5.3. Siqueira

Há 44 anos atuando como pintor de letras, o seu Siqueira começou a profissão no Departamento de Trânsito do Pará (DETRAN), onde aprendeu a ser pintor de paredes com o auxílio de colegas de trabalho mais experientes, por meio da tradição oral. Assim como os dois pintores de letras analisados anteriormente, exerce desde a função de pintar residências até a de pintar letras para a comunicação visual de empresas. Atualmente tem se dedicado mais ao trabalho de pinturas em prédios residenciais, apartamentos e muros, estes últimos relacionados ao design vernacular, ou, nas palavras do pintor, desenho artístico publicitário (ver Anexo D). Um diferencial do seu Siqueira é o fato de que ele busca se aprimorar em relação às suas ferramentas de trabalho, como no uso das tintas, a partir de oficinas e cursos de reciclagem ministrados pelas fábricas produtoras, como a Tinta Coral, Renner e Suvinil. Em relação às letras, busca inspiração em revistas, quadros, jornais, entre outros. Talvez seja por conta dos cursos dos quais ele participou que existe uma preocupação com a questão da educação. Durante a entrevista, percebeu-se um interesse por parte do pintor na validade e importância de um diploma, e mesmo de um curso superior, já que Siqueira cursou somente até a sétima série do ensino fundamental. O pintor trabalho sozinho em relação à criação das letras pintadas. Segundo ele, o desenho das fachadas é preferencialmente decidido em conjunto com o consumidor, para que não existam dúvidas ou desentendimentos acerca do resultado final. Quando a pintura se refere à empresas maiores, como empreendimentos imobiliários, ele recebe o layout com as especificações já definidas pelo consumidor. Mas quando se trata de 74

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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um negócio menor, existe a possibilidade de um diálogo mais flexível. Neste trabalho, será analisada a comunicação popular do Restaurante Paladar de Deus e do Bar e Pousada Casal Feliz.

5.3.1. Restaurante Paladar de Deus A segunda fachada a ser analisada corresponde ao Restaurante Paladar de Deus (imagem 33 da próxima página). Por sorte, a equipe conseguiu entrevistar Ana Ruth, dona do restaurante citado acima, no seu local de trabalho, localizado na Trav. Coronel Luís Bentes, próximo à Avenida Senador Lemos, Telégrafo. Trata-se de um restaurante de dimensões pequenas, e que compete com outros restaurantes da mesma rua. De acordo com a empreendedora, no início não havia nenhum tipo de divulgação do serviço ou sinalização do espaço. Com o tempo, ela sentiu a necessidade de destacar o seu negócio dos demais por meio da pintura na sua fachada, já que as pessoas da comunidade não estavam identificando facilmente o que estava sendo vendido pelo seu negócio. Nesse contexto, a escolha do design vernacular ocorreu por conta do seu preço acessível e do seu uso em Belém, no sentido de que a empreendedora já observava as pinturas das fachadas espalhadas pelas ruas da cidade. Encontrou seu Siqueira por acaso, enquanto ele cuidava da pintura de uma residência, e o contratou para o serviço de pintura do restaurante. A escolha dos elementos gráficos, como cores e formatos das letras, foi feita pela proprietária do estabelecimento (ver Anexo H), tendo como inspiração outras pinturas vernaculares que ela havia observado pela cidade. Esta fachada é interessante por conter três tipos de letras diferentes, em um lettering muito bem trabalhado. Por exemplo, observou-se o título ‘Restaurante Paladar de Deus’. As palavras realmente parecem mais desenhadas do que escritas, e apresentam um conteúdo que destoam do significado do nome escolhido para o empreendimento. De alguma forma, a autora deste trabalho identificou mais elementos simbólicos que remetem ao diabo do que a Deus. Por exemplo, existe um prolongamento na letra ‘e’ que forma um rabo pontiagudo no fim da palavra restaurante, ou o fato de que as outras palavras estão escritas em cores quentes, que podem ser associadas ao fogo, à lava, sendo que o ‘de’ espremido entre ‘Paladar’ e ‘Deus’, está sobre formas de respingo, e pela sua inclinação é como se estivesse fugindo do fogo. Talvez a autora esteja interpretando demais os signos ali presentes. Mesmo que a intenção não tenha sido essa, já que também existe um texto descritivo contendo uma mensagem religiosa no lado direito da fachada, no fim a tipografia possui um poder de

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expressão imenso, de modificar o sentido de um texto, e até de contradizer uma mensagem, como no caso abaixo. Ela define o volume e o tom das vozes de um texto. Imagem 33: Restaurante Paladar de Deus, no bairro do Telégrafo.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em novembro de 2014 75.

O importante é que o design vernacular nesse caso trouxe uma satisfação grande para a empreendedora, que acredita ter sido “uma propaganda e tanto” (Ver Anexo H). Como forma de comunicação, o vernacular atua junto com a propaganda boca a boca, no qual os consumidores passam a ter conhecimento do restaurante por meio da indicação. Resgatando o que já foi discutido anteriormente, a forma na qual o design vernacular é consumido define identidades e desejos. Os indivíduos de uma mesma comunidade acabam utilizando a mesma forma de comunicação porque querem fazer parte daquele universo simbólico ao garantir a identificação com os seus semelhantes.

5.3.2. Bar e Pousada Casal Feliz

O primeiro caso aqui destacado é relacionado ao lettering que foi desenvolvido para o Bar e Pousada Casal Feliz, instalado na Av. Pedro Álvares Cabral. Rico em detalhes, conta com a presença de formatos curvilíneos, sombra azul, contorno branco, e escrita caligráfica, na qual as letras são escritas em uma linha contínua (ver imagem 34 na página a seguir). De acordo com o pintor, esta forma de escrever as letras foi uma tentativa de experimentar novos desafios na sua profissão, pois ele costumava pintar apenas letras simples. Nesse caso, a 75

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em novembro de 2014.

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sugestão de layout partiu dele, foi aceita pelo dono do local e fez sucesso na comunidade em que atua, proporcionando o surgimento de novas oportunidades de trabalho para ele. Consiste em uma pintura que se destaca facilmente, não apenas por conta das letras rebuscadas, mas também pelo espaço que foi disponibilizado para o pintor escrever a mensagem. Os seus traços delicados e afetuosos combinam com o tipo de serviço oferecido pelo local, que precisa transmitir a imagem de conforto, segurança, tranquilidade e amor. Observou-se também que as cores verde, azul e amarelo do desenho não remetem aos conceitos explorados acima, o que pode ser uma tentativa de reduzir o conteúdo erótico da mensagem, e tornar o local mais acessível aos consumidores e a mensagem mais confortável para os transeuntes. Ou seja, o objetivo é evitar que o empreendimento seja identificado como de aspecto vulgar. Imagem 34: Bar e Pousada Casal Feliz, no bairro da Sacramenta.

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 2014 76.

O trabalho do seu Siqueira é variado e criativo. Percebeu-se a mistura de elementos do imaginário local para a construção de suas letras e composições visuais, que resulta em pinturas marcantes. O lettering proposto por ele apresenta uma variação considerável de 76

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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cliente para cliente, ou seja, sem a sua assinatura, a identificação da autoria das pinturas seria uma tarefa difícil. A amostra coletada do trabalho de seu Siqueira foi menor em comparação com a dos outros pintores, mas suas letras possuem um conteúdo relevante para esta pesquisa. Neste TCC, buscou-se a compreensão de múltiplos aspectos do design vernacular, e cada entrevistado, cada letra estampada nas fachadas, contribuiu para a compreensão da realidade estudada e, por meio dos muitos aspectos que compuseram esta pesquisa, foi possível realizar a presente análise. Percebeu-se que os traços vernaculares não desapareceram com a ascensão do design oficial; pelo contrário, eles passaram a dividir o espaço da cidade, criando uma heterogeneidade visual que se integra à cultura urbana da cidade. Abaixo, observa-se a disputa pelo mesmo local e pela atenção do consumidor. Imagem 35: Fachada do Baratão das Calcinhas divide espaço com a publicidade em outdoor .

Fonte: Arquivo de Natália Pereira, autora do trabalho, em outubro de 201477.

Conforme foi mostrado ao longo deste capítulo, esta cena é comum na cidade de Belém, que convive com a pluralidade e heterogeneidade comunicacional. Na medida em que cada forma de comunicação se adequa a perfis de consumidores diferentes, identidades culturais vão sendo formadas, resgatadas e negadas, em um processo contínuo e não linear. Por isso, faz sentido que as letras produzidas em Belém sejam tão variadas e exuberantes, atendendo às diversas necessidades dos consumidores locais, de maneira democrática por conta do seu baixo custo e acessibilidade. Constatou-se nesta pesquisa o poder de comunicação que o design vernacular apresenta e a sua importância para a comunidade local. 77

As fotos fazem parte da pesquisa realizada para este trabalho de conclusão de curso, e foram retiradas em outubro de 2014.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este TCC, ao refletir sobre a importância do design vernacular na cultura belenense, investigou uma realidade comunicacional inserida no cotidiano da Amazônia urbana, rica em criatividade e inventividade. O tema aqui estudado é importante por pertencer ao modo pelo qual as pessoas da periferia de Belém comunicam os seus serviços. A análise foi voltada para as letras pintadas nas fachadas de Belém do Pará, a partir das amostras do trabalho realizado por três pintores de letras, com a finalidade de responder à seguinte questão-problema: como o design vernacular, na tradição popular tipográfica, persiste na cultura urbana belenense? Por meio da pesquisa, contatou-se que a hipótese levantada – a de que o design vernacular a partir do trabalho dos letristas populares está ativo nas periferias de Belém do Pará, sendo um elemento estratégico na comunicação e na cultura urbana local – se sustenta. Percebeu-se que o design vernacular é uma forma de comunicação que aparece com frequência pela cidade, e que cria elos de identificação entre as pessoas que consomem esse tipo de serviço, que muitas vezes ocorre por indicação. Para a realização da análise qualitativo-descritiva e dos resultados alcançados, foi necessária a pesquisa bibliográfica sobre o assunto e áreas afins, a entrevista com três profissionais da área e mais quatro consumidores, além do registro fotográfico do seu trabalho. Ao todo, a amostra coletada contém sete entrevistas gravadas e as 35 fotografias analisadas no trabalho, que colaboraram para ampliar os conhecimentos sobre o design vernacular de Belém e para o melhor entendimento acerca do tema. A tarefa de encontrar tais pintores de letras e também de descobrir a autoria da maior parte das pinturas foi complexa exatamente por se tratar de um serviço popular. Por exemplo, quando se trata da prestação de serviços por empresas de comunicação e escritórios de design, informações sobre os projetos gráficos são mais fáceis de serem localizados, estando geralmente disponíveis na internet, em livros, ou pode-se recorrer à assinatura de anúncios impressos para obtenção do nome da empresa responsável pelo layout. Com o design vernacular é necessária a realização de uma pesquisa de campo árdua que permita a compreensão daquela realidade, já que a maior parte das imagens vernáculas não apresentam assinaturas e as pessoas dificilmente se recordam do pintor. Esta dificuldade esteve presente durante as investigações deste TCC. Inicialmente, o terceiro entrevistado havia sido o Edilson Pintor, indicado pelo Art Walter. Porém, durante a conversa com ele, a equipe percebeu que suas habilidades estavam mais voltadas para o exercício da pintura de paisagens e desenhos infantis. Ele desenha letras, mas estas não

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possuem uma constância, como no caso do seu Walter e do seu Hélio, sendo traçadas mais como desenhos individuais do que como letras do alfabeto, e aparecem em poucas quantidades no seu acervo. Por conta de um defeito na gravação do áudio da entrevista, as suas pinturas não foram utilizadas para a análise deste TCC, sendo assim substituído pelo pintor Siqueira. Nesse sentido, a equipe deste trabalho teve sorte porque o primeiro entrevistado, o Art Walter, trabalha exclusivamente com a criação de letras e assina todas as suas pinturas, o que tornou possível a coleta de uma quantidade considerável do seu trabalho. O seu Hélio, segundo entrevistado, possui o dom de desenhar tanto letras quanto paisagens, e o seu trabalho possui grande visibilidade na cidade, o que permitiu a análise dos seus trabalhos mais consistentes, a divulgação do Baratão das Calcinhas e da Moda Show. Acredita-se que a escolha dos pintores foi acertada porque, conforme foi dito anteriormente no TCC, eles atuam em diferentes frentes do design vernacular. Enquanto Art Walter e Siqueira encarregam-se da criação da identidade de pequenos negócios locais por meio da pintura em fachadas, seu Hélio se ocupa da divulgação de empresas populares em muros pela cidade. Ou seja, a natureza dos serviços prestados pelos pintores é um pouco diferente, e serviu para a complementação da análise. Outro obstáculo enfrentado pela equipe para a coleta do material tem relação com a própria segurança da cidade. O design vernacular encontra-se mais concentrado em bairros periféricos de Belém, que são justamente locais que apresentam um nível de insegurança maior relacionado com a atual violência urbana. Por conta disso, os dias em que ocorreram os registros fotográficos e as entrevistas foram preferencialmente agendados de acordo com a disponibilidade do pai da autora de acompanhá-la, justamente para a preservação do equipamento utilizado, nesse caso a câmera digital Canon PowerShot SX260 HS. Apesar dos contratempos citados, foi possível constatar o quão interessante é a paisagem urbana amazônica. Os bairros por onde a equipe passou estão preenchidos de vida, de cores que contrastam com a monotonia do concreto, do asfalto, uma diversidade de formatos que destoa da padronização arquitetônica moderna da cidade. Mais do que comunicar, essas letras encantam os olhos e mostram a pluralidade e inventividade da cultura popular. Durante a pesquisa de campo, foram investigados os traços da cultura urbana popular na produção e no consumo do design vernacular em Belém, além do design vernacular como elemento comunicacional da cultura urbana. Isso pôde ser constatado em cada aspecto da

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pesquisa, incluindo a desorganização das informações e dos seus conteúdos pela cidade, até a variedade de formatos e constância na utilização do vernacular para a comunicação popular. Buscou-se também a identificação das características estruturais do design vernacular produzido em Belém através dos trabalhos que foram selecionados para análise, o que tornou possível a compreensão de que em Belém existe uma ampla diversidade tipográfica: letras adornadas com sombreamentos, contornos, caligráficas e coloridas, convivem com letras retas e sem qualquer tipo de detalhe, monocromáticas, irregulares, sendo que todas estas pitadas à mão coexistem ainda com os meios tradicionais de comunicação impressa, como os outdoors. Verificou-se ainda uma predominância do uso de tipos curvilíneos, mais arredondados, e da combinação das cores preto e vermelho nas pinturas, além do uso democrático do design vernacular para a divulgação dos mais diversos serviços, desde salões de beleza, pizzarias até oficinas mecânicas. Descobriu-se também que este popular de que se fala não é sistematizado. Ele se encontra no meio da “desordem”, em um labirinto de mensagens que berram através de palavras escritas em negrito e caixa alta, ou que são amigáveis e confiáveis nas suas formas graciosamente arredondadas e com sombras e serifas. Confirmou-se que não existe uma preocupação em adequar totalmente as letras ao cliente específico, como no caso do Baratão das Calcinhas. É claro que também se encontra em Belém a simples reprodução de identidades visuais já criadas, muitas vezes no computador, ou seja, a ampliação de imagens e sua reprodução nos mais variados suportes. Mas buscou-se aqui desenvolver uma análise que resgatasse exatamente as letras que não seguem esse princípio e que são elaboradas de maneira autêntica, ou que tivessem uma relevância na cultura comunicacional local, como no caso da Moda Show e Avistão. O campo do design é vasto e relaciona-se ao dia-a-dia das pessoas – às suas necessidades. Debruçar-se sobre o estudo dessa forma de comunicação popular, o design vernacular, é uma forma de demonstrar a relevância que existe na maneira de a população urbana tornar pública a sua voz, especialmente na Amazônia. Por meio do trabalho, mostrouse que, além da paisagem natural representada no imaginário sobre a região, existem outras realidades, em que cada esquina traz uma nova surpresa, que pode passar despercebida se o olhar não estiver atento. Abundante em detalhes, cores e formatos, a tipografia vernacular demostra a criatividade e inventividade da cultura popular, na sua forma mais imperfeita e espontânea de expressão.

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ANEXO A – Roteiro de perguntas para a entrevista com os pintores de letras

1. Como funciona o seu processor de criação?

2. Em que você se inspira para desenhar as letras?

3. Normalmente quem sugere como será o layout? Você ou o cliente?

4. Como você aprendeu essa profissão? Com quem?

5. Por que o interesse em ser pintor de letras?

6. Há quanto tempo você trabalha na área?

7. Quantas pessoas trabalham com você? Ou você trabalha sozinho?

8. O valor da pintura é calculado como?

9. Como as pessoas lhe encontram?

10. Que instrumentos você utiliza para o exercício da pintura?

11. Onde estão localizados os clientes?

12. Como você enxerga o seu trabalho? Qual a importância dele?

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ANEXO B - Entrevista com o pintor de letras ENTREVISTA 01 Entrevistado (a): Art Walter, Pintor de Letras Data: 27 de outubro de 2014 Duração: 25’ Extensão do arquivo: .WAV Perfil Há 31 anos atuando como pintor de letras, o seu Walter aprendeu a profissão de forma autônoma. Ele atua sozinho, com maior intensidade no bairro da Sacramenta. Natália C. R. Pereira – Como funciona o seu processo de criação? Seu Walter – Olhe, praticamente é um dom que eu tenho. Por exemplo, às vezes a pessoa me dá uma logomarca, um logotipo, eu não tenho um grau de estudo muito evoluído, mas parece que aquela noção... fica a imagem, eu já vejo o tamanho, o espaço, tudinho assim, e dá certinho no local que eu vou colocar as letras. É assim que procede a noção, porque eu nunca tive, nunca estudei para aprimorar letras. Tenho aquela noção mesmo. Às vezes eu vou fazer certos trabalhos, aí lá para o centro da cidade, uma vez eu até esqueci a régua, aí o rapaz até exigiu ‘cadê a sua escala?’, aí eu peguei e disse assim ‘eu esqueci sabe’, aí eu simplesmente peguei o cabo de vassoura, aí ele pegou e disse assim, ‘olhe, se o trabalho não estiver na escala, eu não lhe pago’. Aí eu disse ‘mas vai sair na escala’, aí ele entrou dentro do carro, saiu, e foi embora. Aí eu peguei, risquei tudinho né, aí quando ele voltou, disse ‘o mesmo espaço que sobrou aqui tem que sobrar lá no canto’ ‘não, tudo bem, vai sobrar sabe’ aí eu risquei tudinho sabe, e quando ele voltou ele olhou pra um lado, pro outro e tudo, aí ele pegou e disse ‘é, você tem um dom que Deus lhe abençoou. Tá bom pode pintar, pode seguir o trabalho’. Aí pintei, e ele me pagou. Assim que procede a minha noção assim pra pintar, pra fazer as letras e tudo assim. N.C.R.P. – O senhor faz primeiro o desenho em uma escala menor no papel ou o senhor já desenha direto? Seu Walter – Tem vezes que eu faço direto, e tem vezes assim que eu pego e risco sabe. Tem uns que eu já nem risco, já tenho de memória. Eu só faço riscar a linha de cima e a linha de baixo, assim, pronto, eu já tenho a noção de onde vai terminar, devido a eu trabalhar já a um bocado de tempo, eu já trabalho há uns 35 anos nessa profissão.

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N.C.R.P. – Em que o senhor se inspira para desenhar as letras que o senhor desenha? Seu Walter – Eu sou mais aprimorado em letras. Desenho eu não sou muito bom. O meu tio... Quando eu tinha pouca idade, eu tinha uns sete anos parece, cinco anos mais ou menos, ele desenhava aqueles dragão assim dos q-suco sabe, e eu ficava admirado de ver. De vez em quando eu via ele desenhar assim, aí quando eu entrei na escola assim eu pegava né, começava a rascunhar, aquilo parece que me incentivou um pouco, ver ele desenhar aqueles dragões de suco sabe. Eu acho que foi isso que ocorreu sabe, a inspiração. E de vez em quando eu rascunhava, desenhava na parede. Antes eu trabalhava de ajudante de pedreiro, sabe, aí eu pegava e desenhava na parede assim, qualquer rascunho, o que me dava mais incentivo, até que o dono de lá, depois que terminou a obra, assim lá era uma loja grande assim de peças e acessórios de carro, ele pegou e disse mesmo assim ‘quem é esse rapaz que fica fazendo esses rascunhos na parede, sabe, aí o pessoal disse que era o Walter, aí me chamaram lá em cima, aí ‘ih, acho que vão mandar eu apagar tudinho que tá aí, porque eu fiz um monte de desenhos de letras’, quando chegou lá ele disse ‘Walter, você que fez aquele negócio lá na parede?’, eu não podia negar, o pessoal já tinham dito que fui eu né, aí ele disse ‘olha, os meus pais estão chegando de viagem, eu vou comprar toda a tinta, você se garante colocar assim Primalto Peças e Acessórios, é um presente que eu vou dar assim, mostrar pro meu pai, um presente assim que eu consegui, uma vitória. E pronto, eu tinha mais ou menos vinte anos já, foi o motivo assim d’eu levar em frente aquele negócio. Aí pronto, ele comprou toda a tinta, eu risquei as letras, ainda sem muita prática, mas risquei tudinho, aí eu gostei e aquilo foi um incentivo, aí eu levei a sério. Foi isso que ocorreu. N.C.R.P. – Então o senhor aprendeu a profissão sozinho? Seu Walter – Sozinho, sozinho. Noção de Deus. N.C.R.P. – Normalmente quem sugere como será o layout? Você ou o cliente? Seu Walter – Às vezes eu chego a sugerir sabe, olha criar assim um layout no computador, tem vezes assim que é uma coisa pequena, uma mercearia pequena assim simples, uma barraca, Aí eles sugerem, não Walter, coloca uma letra no estilo que eu possa gostar, pro cliente perceber assim a propaganda. Eu escolho a cor, de acordo com a cor, se a parede for branca, ou bege ou vermelho, eu já tenho a cor certa assim pra colocar as cores que destaca bem, que dá harmonia no trabalho. As cores que aparecem mais são vermelha as letras, que destaca bem no branco, se quiser sombra pode colocar uma sombra azul nela, aí ela destaca

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bem assim. Aí eu já tenho aquela visão. Olha tudo por ali na feira tá cheio de Art Walter, Art Walter, um ou outro trabalho no centro da cidade. N.C.R.P. – Quantas pessoas trabalham com você? Ou você trabalha sozinho? Seu Walter – Não, eu trabalho sozinho. N.C.R.P. – Como as pessoas lhe encontram? Seu Walter – Às vezes eles sabem o meu endereço, eu já tive um celular pra contato sabe, mas acontece que os meus sobrinhos lá em casa deram um fim, deu um bug, mas a comunicação é mais rápida, já perdi muitos trabalhos por causa disso, do celular. Eu moro aqui perto mesmo, no Canal da Pirajás, entre Lomas e Tororó. O pessoal já me conhece, eu sou muito popular aqui na área. Senador Lemos, Pedro Álvares Cabral. [...] Tudo por aí eu faço trabalho, já cheguei a viajar para Barcarena fazendo propaganda da Kaiser, Coca-Cola, faz muito tempo, passei lá uns três meses trabalhando. N.C.R.P. – O senhor trabalha só com fachadas? Seu Walter – Eu faço fachada, placas, faço faixas, banners, e assim por diante. N.C.R.P. – Como o senhor calcula o valor da pintura? Seu Walter – Cada coisa, faixa é um preço, placa é um preço, fachada/parede é um preço, e assim por diante, é assim que é calculado. Por exemplo, o metro assim da faixa a gente cobra R$ 10,00 reais eu dando todo o tecido. R$10,00 reais o metro por 70 centímetros, depende de quantos metros a pessoa queira. A chapa a gente cobra de acordo com o valor que a gente vai comprar, qual a metragem que o cliente quer, se é alguma logomarca trabalhada. Eu pinto em alumínio e zarcão. N.C.R.P. – Qual é o mais popular, que as pessoas lhe pedem? Seu Walter – O que mais me pedem é faixas, e fachadas, como eu pinto, é o mais popular que sai. Essas fachadas aqui da feira tudinho, aqui das barracas, comércio, é mais popular, placa cavalete, moto táxi na parede. N.C.R.P. – Que instrumento o senhor utiliza para o exercício da pintura? Seu Walter – Pra parede a gente utiliza, depende do cliente, eu utilizo mais tinta acrílica à base d’água, porque elas são mais seguras, da feita que ela se concentra na parede, porque ela

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seca na parede, porque ela seca rápido, fica por um bom tempo. Não trabalho com grafite. Trabalho pintura com pincel, rolo. N.C.R.P. – E quanto tempo leva para pintar em média uma fachada? Seu Walter – Uma fachada, eu trabalho muito rápido, de uns 3x2 m, eu gasto umas 2 a 3 horas contanto que as letras não sejam trabalhadas, mas mesmo com sombra eu trabalho rápido. Às vezes eu pinto a fachada e ainda coloco as letras assim, pra ficar tudo bonitinho. As pessoas dizem que eu trabalho muito rápido. Antes quando eu comecei eu passava o dia todo. Mas toda profissão é assim, com o passar do tempo você vai se aprimorando e a velocidade. N.C.R.P. – O senhor faz outros tipos de letras além das redondas? Ou essa é a sua letra, que o senhor é conhecido por ela? Seu Walter – Olhe a mais popular são as letras redondas, mas eu faço qualquer tipo de letra. Mas essas redondinhas são os mais populares, as pessoas pedem. Mas eu faço qualquer tipo de letra, logomarca. N.C.R.P. – Por que o interesse em ser pintor de letras? Seu Walter – Eu sempre tive aquela noção, quando eu passava assim, começou pelo meu tio, depois assim eu via outras pessoas pintar e eu ficava abismado, admirado de ver assim. De vez em quando me dava aquela noção assim, de rascunhar na parede, no papel, fazer qualquer rascunho, qualquer desenho, letra assim, e onde eu via sempre tinha aquele incentivo, aquela noção assim por essas coisas. N.C.R.P. – Como o senhor enxerga o seu trabalho, qual a importância dele? Seu Walter – Olhe, eu me sinto numa vitória, porque a propaganda é a alma do negócio. Sempre digo pras pessoas, às vezes assim eu passo num local e vejo assim um meio de comércio, acho assim muito simples, aí eu chego com eles e digo ‘bom dia, boa tarde, eu trabalho com letra, com desenho, a propaganda é a alma do negócio, passa todo mundo aqui e não vê nada não tem uma noção da venda de vocês, mas se vocês colocarem vai despertar a atenção, vai dar mais frequência, vai arrecadar os clientes’. Aí às vezes eu coloco e “pô pintor, foi justamente isso que tu falou, o pessoal passava aqui e nem notava, mas depois que tu colocou a propaganda olha vem muita frequência’, eu me sinto até, arrecada mais cliente. Eu sinto uma vitória.

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ANEXO C - Entrevista com o pintor de letras ENTREVISTA 02 Entrevistado (a): Hélio Pintor Pintor de Letras Data: 27 de outubro de 2014 Duração: 30’ Extensão do arquivo: .WAV Perfil Há 41 anos atuando como pintor de letras, o seu Hélio aprendeu a profissão de forma autônoma. Ele trabalha com o apoio dos filhos. N.C.R.P. – Como funciona o seu processo de criação? Seu Hélio – Geralmente a gente faz num papel uns três esboços, e dá pra ele [cliente], e dali ele escolhe, por exemplo, um letreiro de uma propaganda, que ele não tem, geralmente ele já tem o seu logotipo né, mas alguns não tem, aí a gente bola na hora, faz um modelo, por exemplo, de refeição, para um restaurante, a gente cria uma situação e aí já repassa pra ele. Aí eles escolhem, geralmente 3 desenhos é a base. N.C.R.P. – Em que você se inspira para desenhar as letras? Seu Hélio – Hoje é pela experiência. Antigamente era mais difícil, agora são 41 anos de profissão, agora é mais rápido. N.C.R.P. – Como você aprendeu essa profissão? Seu Hélio – Ah isso é dom. Aprendi sozinho, graças a Deus. Já hoje eu ensino, mas antigamente era mais difícil. Aprendi desenhando, olhando, a curiosidade mesmo, achava bonito, passava em algum lugar via um desenho, aí já chegava em casa, rascunhava já, muito bom, graças a Deus porque eu sobrevivo disso. Eu já via essas fachadas de propaganda já, e gostava. Hoje, olha a gente tem uma maneira de trabalhar que a gente não rascunha mais, não risca de lápis, por exemplo, tem aquela linha, do horizonte que a gente chama, a gente já não faz mais. Se o muro for grande, porque tem muros de 100 metros, 200 metros, a gente pega um fio, um barbante qualquer, mete um preguinho, e lá no final, aí já vai até com um cabo de vassoura às vezes a gente nem leva régua, se esquece, e com o cabo de vassoura já faz o tamanho da letra, marca com um pincel, e vai bitolando aquilo, o tamanho da letra. E eu

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repasso isso para os meninos porque facilita mais a vida da gente. Os meus filhos tudo trabalham no ramo. Tudinho, já tem três. Um faz faculdade, o outro tá fazendo o vestibular agora, o outro também trabalha, mas ele é mais esse negócio de DJ. A gente sobrevive só de arte mesmo, de trabalho de pintura. N.C.R.P. – Por que o interesse em ser pintor de letras? Seu Hélio – Porque eu gosto, eu amo o que eu faço, outra é que ele me mantém. E no momento eu não vi profissão ainda que... sou funcionário público, sou da SEMEC, mas não vi ainda uma situação que me agradasse tanto quanto a pintura. Eu me sinto bem com o que eu faço. Eu gosto de fazer o trabalho, depois passar olhando, sabe, aquilo me satisfaz. E é maravilhoso que com isso eu ainda ganho dinheiro. O melhor das coisas é fazer o que gosta e ainda ganhar um dinheirinho. Tudo o que eu tenho é de pintura. Eu sou filho de Bragança. Eu cheguei aqui com essa mulher, fomos morar de favor numa casa ali, da irmã dela, e graças a Deus construímos essa casa, e já temos uns dois quitinetes lá. N.C.R.P. – Como as pessoas lhe encontram? Seu Hélio – Todas as propagandas que eu faço – antigamente era meio difícil, né, você vai conquistando os espaços. Hoje eu tenho mais ou menos uns 2.000 espaços de muros, de propaganda, já feitos. Só o Baratão das Calcinhas deve ter uns 600 espaços. Os muros são alugados, fala com o proprietário da casa. Às vezes o Ceará (dono do Baratão das Calcinhas), ele mesmo vai, esse cara foi o nota 10 que a gente chama. E os empresários já temeram ele, ele anda num mercedes né, mas antes ele andava numa caminhonete, daquelas cabine dupla mas de segunda, andava de bermudinha, chinelinha, chapéu de palha na cabeça, igual um gringozinho, aí ele deixava o carro aculá, e vinha a pé perguntar ‘minha senhora, eu tô abrindo uma lojinha, a senhora não me cede esse espaço?’ alguns até davam pra ele. Porque viu ele de camisetinha, né, ‘não, eu vou lhe dar 100 reais, me ceda seis meses’. E com isso ele foi ganhando confiança, porque ele passa, vê o muro sujo, olha agora nós vamos entrar, todos os muros quase estão sujos, porque os políticos meteram o cartaz em cima, pichador sujaram, e ele deu uma parada por causa da política. Aí a partir de agora, desse mês de novembro, nós já vamos começar a pintar todos os muros. Ele pegou uma multa agora da prefeitura... e ainda é perseguido. Por causa do baratão das calcinhas, sabe aquelas torres que tem lá na Av. Independência, não tava tudo amarelo de baratão das calcinhas, o Zenaldo passou e achou que aquilo era poluição visual. Realmente, desde a Doca até Ananindeua. Tinha 600 e poucos espaços que ele pintou por dentro e por

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fora. Tem aqueles tabletes né, e em cada quadrado daquele a gente metia 12 baratão das calcinhas. E tivemos que apagar em dois dias todos os espaços. Se a gente não apagasse em dois dias, ele sofria uma multa de 1.000 reais por dia. Ele perdeu muito, gastou uma ponta, porque foi 25 reais cada uma. Nós estamos fazendo o Moda Show, Ousadia das Confecções, Colares empreendimento, Avistão (há 32 anos fazendo sempre essas coisas). Hoje a gente só renova os avistão, são mais ou menos uns 300 espaços que a gente tem. No Avistão a gente já tem os espaços garantidos, e tem uma cota, por exemplo, 5 espaços por semana, aí a gente fica numa rotatividade, por exemplo, eu passo, o Saulo passa no carro, vê um que tá sujo, (geralmente pintamos mais ponte) então sujou, limpa. Tá sempre novinho. E aquilo vai rodando, o ano todinho. A mesma coisa o Moda Show. O Moda Show (outras lojas: Ousadia, Estilo moda, super baratão das confecções) eles não tinham esse tipo de propaganda, em Marabá, são 4 lojas com 38 filiais. Nós já estamos há uns quatro anos com ela.

[A entrevista continua, mas o tema principal foi abordado nas questões acima]

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ANEXO D - Entrevista com o pintor de letras ENTREVISTA 03 Entrevistado (a): Seu Siqueira Pintor de Letras Data: 23 de novembro de 2014 Duração: 24’30 Extensão do arquivo: .WAV Perfil Há 44 anos atuando como pintor de letras, o seu Siqueira aprendeu a profissão por meio da tradição oral através de amigos e colegas. N.C.R.P. – Como funciona o seu processor de criação? Seu Siqueira – Alguns eu já tenho em mente, alguns eu tiro uma cópia de algum quadro que eu vejo numa revista ou então no jornal, e a maioria eu espero também a inspiração, que vem da mente. N.C.R.P. – Qual o tipo de trabalho que o senhor faz? Seu Siqueira – Olha, ultimamente eu só estou usando um, estou trabalhando com pinturas de prédios residenciais, apartamentos, muros, e na parte de muros já estamos falando da parte de letreiros, do chamado desenho artístico publicitário. (...) Se você passar, por exemplo, só na parte do esboço, rascunhado no papel, é artístico, mas se você passar a usar a tinta, aí já passa a ser publicitário, no caso de uma parede. N.C.R.P. – Onde estão localizados os seus trabalhos? Seu Siqueira – Trav. Coronel Luís Bentes, esquina da Frederico Scheinpe, Godinho Material de Construções, Telégrafo; Motel Casal Feliz, Pedro Álvares Cabral com a Cabedelo; restaurante Paladar de Deus, Coronel Luís Bentes, entre Senador Lemos e Curuçá. Icoaraci, Ru do Cruzeiro, esquina da Siqueira Mendes, Bar da Neguinha. N.C.R.P. – Como você aprendeu essa profissão? Com quem? Seu Siqueira – Eu aprendi no DETRAN. Eu já tenho uma vocação. Acho que eu entrei no DETRAN dizendo que eu era pintor na base da aventura, porque eu não era pintor ainda. Foi nesse tempo que apareceu um colega lá, um amigo, que sabia e me deu umas dicas, aí quando

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eu saí de lá, do DETRAN, aí eu vim aprender aqui na rua com os amigos, vários e diversos amigos, mais antigos, alguns já faleceram. N.C.R.P. – Por que o interesse em ser pintor de letras? Seu Siqueira – Olha, até hoje eu gosto dessa profissão. Eu já tentei passar para outra, mas eu não consegui não. Não sei se era o dom né, porque antes de eu ir para o DETRAN, eu comecei fazendo desenho de colégio. Eu tinha uns 13 anos e já rascunhava. Aí foi quando eu fui pra lá né [DETRAN]. Mas eu estava mesmo era engatinhando e muito quando eu ainda fui pro DETRAN, até sair de lá, uns dez anos depois, fui que eu passei a me aprimorar mais. Inclusive eu participo de cursos de reciclagem nas fábricas de tinta, como a Tinta Coral, Tinta Renner, Suvinil, Verbrás, a gente participa de eventos, de lançamento de novos produtos, mega oficinas, isso na parte de pintura de parede. Agora de letreiro mesmo eu não tenho diploma de letrista. Eu não cheguei a tirar diploma porque eu não sei onde tem. Mas eu sei que na Universidade parece que faz. Mas o meu grau de instrução é só até a sétima série, não tem como eu ir até a faculdade. N.C.R.P. – Quantas pessoas trabalham com você? Ou você trabalha sozinho? Seu Siqueira – Não, tem algumas pessoas quando o serviço é grande, mas quando não tem muito serviço sou só eu. [Quando o serviço é muito grande] chama um profissional do mesmo nível que o meu, pintores de parede. O letreiro eu faço só. Trabalho só, porque às vezes é pouco. N.C.R.P. – Há quanto tempo você trabalha na área? Seu Siqueira – Há quarenta e quatro anos. N.C.R.P. – Normalmente quem sugere como será o layout? Você ou o cliente? Seu Siqueira – Se ele, por exemplo, for assim como o seu avô, que já me conhece, ele escreve o layout a punho mesmo; é que entre nós, na linguagem dos pintores, chamamos de dizeres, o correto é layout. E tem vezes que o cliente prepara a arte no computador e a gente copia para a tela. Quando ele é exigente, no caso dos engenheiros, aí dá aquele layout para a gente tudo calculado, o espaço, a altura, largura, as espessuras das hastes, pés e das cabeças das letras, sombreados, isso tudo o engenheiro passa para nós. [...] Eu espero que o cliente sugira o layout para eu não ter dúvida, porque a gente faz o gosto do cliente, se ele botar até palavra sem acento a gente faz. [...] Eu geralmente não gosto de fazer assim, eu vou escrever

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como você me mandou, se você for me cobrar, ah faltou um acento, eu vou fazer como você me deu no papel aqui. Mas geralmente eu não faço isso, eu mesmo corrijo. [...] Tenho colega que faz, se der o papel torto, ele faz torto. Eu não vou fazer torto ou vou fazer certo, eu primeiro vou conversar com ele [o cliente]. Se ele disser faça, tudo bem, se não, se der para ajeitar, eu ajeito. Tem cliente que pede um letreiro, mas aí pra nós já pega muito mal, a gente se diminui. Reavivar letreiros que já estão feitos, principalmente até por outros pintores, a gente retoca ali por cima, e reaviva de novo o mesmo letreiro. Quer dizer, você passa lá e diz aquele camarada não sabe faze, ele tá copiando tá cobrindo, como se diz no popular, o serviço do outro. [...] Porque eu gosto de fazer um trabalho de letreiro que não só o cliente goste, o transeunte que passe lá também. Você viu lá o letreiro do casal feliz, o dono viu lá, gostou, pagou, tudo bem, ficou lá, por isso já apareceram uns e outros letreiros pra mim. Por aquilo lá feito. Eu fazia só aquele simples, todo tempo, quando foi um dia eu disse não vou te mostrar aqui um layout no estilo que eu vou fazer para ti, aí ele gostou. N.C.R.P. – Que instrumentos você utiliza para o exercício da pintura? Seu Siqueira – [Ferramenta de pintura comum] Pincel de seda, a tinta, N.C.R.P. – Como você enxerga o seu trabalho? Qual a importância dele? Seu Siqueira – Eu faço de um tudo para ele se destacar no cenário artístico, o meu maior zelo é esse.

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ANEXO E – Roteiro de perguntas para a entrevista com os consumidores

1. Por que você escolheu utilizar a pintura em paredes na fachada do seu negócio?

2. Como ocorreu a escolha do pintor? Foi indicação?

3. A escolha das cores, a forma das letras, foi escolha sua ou do pintor? Por quê?

4. A estratégia de comunicação funcionou? As vendas aumentaram?

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ANEXO F - Entrevista com o consumidor do design vernacular ENTREVISTA 04 Entrevistado (a): Carmino de Carvalho Borges Marceneiro Data: 26 de novembro de 2014 Duração: 02’25 Extensão do arquivo: .WAV Perfil Atua como marceneiro e empreendedor no negócio Casa das Caixas – Marcenaria, localizado na Avenida Pedro Álvares Cabral. A entrevista foi realizada no seu local de trabalho, pintado por Art Walter. N.C.R.P. – Por que você escolheu utilizar a pintura em paredes na fachada do seu negócio? Seu Carmino – Divulgação né, do trabalho que a gente faz. As pessoas reconhecerem o que a gente tem para vender, o trabalho que a gente tem que fazer, melhor do que fazer de outra maneira. O melhor trabalho é a pintura, para divulgação. N.C.R.P. – Como ocorreu a escolha do pintor? Foi indicação? Seu Carmino – Devidamente ao pintor ser o escolhido aqui da região, ele trabalha bem, o serviço dele é aprovado, a maior parte dos comércios daqui usam o trabalho dele né. Por isso o trabalho dele, o pintor. N.C.R.P. – Então o senhor pediu indicação? Seu Carmino – Não, já o conheço há muitos anos. A gente daqui da região conhece ali há muitos anos. O Walter. N.C.R.P. – A escolha das cores, a forma das letras, foi escolha sua ou do pintor? Por quê? Seu Carmino – Não, o pintor que, conforme o ambiente de trabalho escolhe as letras que são compatíveis com o serviço da gente, com as letras que ele faz. N.C.R.P. – A estratégia de comunicação funcionou? As vendas aumentaram?

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Seu Carmino – Funciona. A gente coloca o número do celular da gente, o telefone, e pelo nome de onde a gente trabalha, devido às vezes a gente não trabalhar só em um lugar, em um alugado a gente trabalha em um lugar e no outro. Quando as pessoas descobrem que a gente está num lugar, já vão por conta da comunicação, do serviço, da propaganda que a gente tem. [Sobre o endereço antigo] Já saí de lá e vim para cá, então aqui já foi feito outro trabalho mas com a mesma referência minha, do meu trabalho. N.C.R.P. – Mas já tinha a pintura na localização antiga? Seu Carmino – Também, o próprio pintor que fez o trabalho.

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ANEXO G - Entrevista com o consumidor do design vernacular ENTREVISTA 05 Entrevistado (a): Tânia Contente Empreendedora Data: 26 de novembro de 2014 Duração: 02’25 Extensão do arquivo: .WAV Perfil – Dona do Salão de Beleza El Shaday Todo Poderoso, localizado na Avenida Pedro Álvares Cabral. A entrevista foi realizada no seu local de trabalho, pintado por Art Walter. N.C.R.P. – Por que você utilizou a pintura em paredes na fachada do seu negócio? Tânia – Bem, porque todo o negócio que a gente pode montar, no nosso caso um salão, tem que ter um nome de fantasia, e muitos usam o próprio nome, ou para homenagear alguém da família, um filho, o pai, eu preferi colocar voltado a Deus, que é El Shaday, o Deus todo poderoso. Somos evangélicos, e pela tenência, obediência a Deus por confiar no Deus todo poderoso. N.C.R.P. – Como ocorreu a escolha do pintor? Foi indicação? Tânia – Foi indicação da nossa pastora da Igreja Pentecostal As Sete Alianças. Ela nos ajudou a escolher. Primeiro íamos usar o Salmo 121, mas aí ela disse ‘Não, vamos escolher um nome que chame mais atenção, um nome mais forte’, justamente o El Shaday na fachada. N.C.R.P. – A escolha das cores, a forma das letras, foi escolha sua ou do pintor? Tânia – Foi escolha também da pastora para chamar mais atenção [...] colocando uma cor mais forte, e até mesmo pelo nome, a pessoa para para ler, e chama a atenção. E a cor chamativa você vê de longe. A cor morta, o verde estava muito apagado, ele só deu uma reavivada nele, e botamos umas letras maiores, mais rebuscadas. N.C.R.P. – A estratégia de comunicação funcionou? As vendas aumentaram? Tânia – Funcionou. Em termos de adquirir algo, para dentro do estabelecimento, tem funcionado. Apesar de que teve uma época que deu uma caída, devido ao rapaz ficar doente, ficamos sem cabelereiro, mas graças a Deus, como eu coloquei, Deus todo poderoso sempre está na direção das nossas vidas. Sempre chega pessoas para fazer cabelo, fazer uma unha, então isso teve um retorno.

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ANEXO H - Entrevista com o consumidor do design vernacular ENTREVISTA 06 Entrevistado (a): Ana Ruth Empreendedora Data: 25 de novembro de 2014 Duração: 03’12 Extensão do arquivo: .WAV Perfil – Dona do Restaurante Paladar de Deus, localizado na Trav. Coronel Luís Bentes, próximo à Avenida Senador Lemos, Telégrafo. A entrevista foi realizada no seu local de trabalho. Sua fachada em escritas vernaculares é de autoria do Siqueira. N.C.R.P. – Por que você utilizou a pintura em paredes na fachada do seu negócio? Ana Ruth – Por causa da propaganda, é melhor. Porque se ficar sem nome as pessoas não sabem o que se está vendendo. Aqui é o que, um bar, um restaurante, uma residência, é o que? Então tem que expor o nome do restaurante para a pessoa mais ou menos ter uma base do que você está vendendo. N.C.R.P. – E por que o uso da pintura, ao invés de outras formas de comunicação visual, como banners e estruturas de lona? Ana Ruth – Porque a pintura é mais econômica. Banner gasta mais. N.C.R.P. – Como ocorreu a escolha do pintor? Foi indicação? Ana Ruth – Não, teve um dia em que passei na outra quadra, encontrei uma pessoa fazendo a pintura numa casa e chamei ele, e ele veio e fez a pintura para mim. N.C.R.P. – A escolha das cores, a forma das letras, foi escolha sua ou do pintor? Ana Ruth – Minha. O formato das letras também foi escolha minha. Eu sempre vejo por aí, nas ruas, as pinturas nas fachadas, e gostei do formato das letras. N.C.R.P. – A estratégia de comunicação funcionou? As vendas aumentaram? Ana Ruth – Funcionou, porque um passa para o outro. Uma pessoa vem, almoça, aí já indica ‘ah, onde eu posso almoçar?’ e ‘tem o restaurante Paladar de Deus’. Então, me serviu muito. Foi uma propaganda e tanto. Sem falar a propaganda verbal. Um passando para o outro.

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ANEXO I - Entrevista com o consumidor do design vernacular ENTREVISTA 07 Entrevistado (a): Maura Batista Gerente Data: 26 de novembro de 2014 Duração: 02’38 Extensão do arquivo: .WAV Perfil – Gerente das lojas Moda Show, localizado no centro comercial de Belém. As propagandas de muros são realizadas pelo Hélio Pintor. N.C.R.P. – Por que você utilizou a pintura em paredes como forma de comunicação? Maura – Eu achei uma propaganda interessante, algo fixo, acredito que dá uma valorizada também na cidade, a gente vê tantos muros aí pichados, dá um colorido maior. N.C.R.P. – Como ocorreu a escolha do pintor? Foi indicação? Maura – Não, para você ver que a propaganda é tão interessante que essa escolha foi através de uma propaganda também, pintada. Foi assim, a gente passou na rua, viu outras lojas que já faziam há muito tempo, a gente passou a alugar e a mandar fazer as pinturas. N.C.R.P. – A escolha das cores, a forma das letras, foi escolha sua, você que deu para ele a identidade a ser pintada? Maura – Isso, de acordo com a nossa logomarca, de acordo com a fachada, para que ela venha trazer esse consumidor através da propaganda visual. Por exemplo, ele viu a propaganda de muro na rua, ele passou em frente aqui à nossa loja, e ‘ah, aquela é a propaganda de muro que a gente viu na rua, então aqui é essa loja, vamos conhecer?’. Eu acredito que funcione assim, porque já aconteceu comigo de eu ver uma propaganda pintada, em muros, casas, que inclusive nossos muros são alugados, temos casas onde as paredes ficam disponíveis em avenidas, vias de fácil acesso, a gente vai e aluga, manda pintar, e muita gente vem assim ‘olha, eu vi a propaganda de muro de vocês, e a gente conheceu a loja e entrou’. N.C.R.P. – A estratégia de comunicação funcionou? As vendas aumentaram? Maura – Funcionou. Na verdade, foi o nosso primeiro passo para a propaganda, a gente começou com propaganda visual, em muros, casas, e graças a Deus teve um retorno bom. A gente está assim [utilizando o design vernacular] há uns quatro anos.

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