Três apontamentos para o voluntariado na saúde

Três apontamentos para o voluntariado na saúde

(Work in Progress (2012) – Centro de Estudos Sociais para a revista da ONG Saúde em Português)

Autores: Ricardo Marques, Mauro Serapioni (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra). Equipa do projeto, financiado pela Fundação Eugénio de Almeida, “Estudo sobre Voluntariado”.

Compreender a relação entre voluntariado e saúde na atualidade portuguesa implica uma análise retrospetiva. Sendo assim, temos que destacar o papel das misericórdias do séc. XV, assim como das precursoras leprosarias e albergarias. Posteriormente, no séc. XIX, transformações socioeconómicas (industrialização) e político-sociais (separação de poderes entre Estado e Igreja) implicaram o surgimento de novos perfis de voluntariado (cooperativos, mutualistas, associativos e sindicais) e o alargar do seu leque de ação. Por sua vez, o Estado Novo, o período democrático, os Anos Internacional (2001) e Europeu do Voluntariado (2011) contribuíram para o entendimento da diversidade/multidimensionalidade do fenómeno. Ao contrário do que acontece na generalidade da União Europeia, são apontados níveis reduzidos de participação dos portugueses nas atividades de voluntariado – entre 10%-19% face a uma média europeia de 23%. Da mesma forma, não obstante a relação íntima entre voluntariado e saúde, a distribuição dos voluntários por este setor apenas se cinge a 5,1% (GHK,2010). Existem, contudo, alguns apontamentos sobre a necessidade emergente do voluntariado no setor da saúde. O primeiro deve-se à articulação com os valores. De facto, o discurso corrente sobre o voluntariado inscreve-o no âmbito da democracia e da cidadania. Na prossecução deste objetivo entende-se a participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão e a valorização da sua participação não só enquanto utentes dos serviços de saúde mas também como agentes ativos nas decisões e nas políticas tendentes à promoção do bem-estar da comunidade (Serapioni et al, 2011). Neste sentido, o voluntariado contribuiria para reforçar a governança no sistema de saúde. O segundo apontamento prende-se com o denominado duplo sentido da ação. Ou seja, os benefícios da prática de voluntariado são não só obtidos pelos destinatários como também pelos próprios voluntários. Autores como Konwerski e Nashman (2008) referem o conceito “filanterapia” – ou seja, a conjugação entre “filantropia” e “terapia”. Este discurso está, aliás, patente nos programas europeus em torno do envelhecimento ativo. O terceiro apontamento insere-se na relação Local/Global. Quer se trate de voluntariado de proximidade, quer se trate de voluntariado para a cooperação, há que entender uma ação em que os agentes e os destinatários têm que operar em parceria, implicando uma aprendizagem mútua e coletiva. Este último apontamento é de assaz importância. Não obstante a baixa participação do voluntariado no setor da saúde, as problemáticas são simultaneamente transversais e “translocais” – ou seja, a educação, a pobreza, a desigualdade de género, o ambiente, etc., da mesma forma que estão intimamente relacionadas com a saúde também são comuns aos “territórios”. Logo, nem os territórios, nem as áreas 1

de intervenção, podem ser entendidos de forma isolada. Neste sentido, no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, o voluntariado constitui um dos principais instrumentos a nível global e local.

Referências Bibliográficas Educational, Audiovisual, & Culture Executive Agency, Directorate General Education and Culture (2010), Study on Volunteering in the European Union. Country Report Portugal. GHK. Konwerski, Peter A. Honey W. Nashman (2008), “Philantherapy: a benefit for personnel and organisations managing volunteers (volunteer therapy)”. Voluntary Action, The Journal of the Institute for Volunteering Research. Serapioni, Mauro, Ricardo Marques, Sílvia Ferreira, Teresa Maneca Lima (2011), “Voluntariado na Saúde, participação cidadã em Portugal”, Hospitalidade, n.º 293, pp.22-28

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