Três perspectivas sobre a análise material da música popular feita por Adorno
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Três perspectivas sobre a análise material de Adorno.
Enquadramento 1. A relação entre a cultura musical de Adorno e as fronteiras nacionais do início do século XX. A cultura musical defendida por Adorno possui um contorno geográfico bastante preciso. É formado pelo eixo Alemanha-Áustria e pouco aberto à europa central. De acordo com o regente Leon Botstein, a Bohêmia, Moravia, Slovakia, Hungria, Polônia e Norte América figuravam para os expoentes da segunda escola de Viena e Adorno, como culturas musicais extraterritoriais, periféricas e atrasadas. Bèla Bartók, que segundo Adorno foi o mais proeminente compositor dos territórios periféricos, era por ele elogiado com muita condolescência, ao mesmo tempo, criticado livremente por sua limitação frente às novas estéticas musicais. Mais especificamente, criticava-lhe o elemento folclórico em suas obras. Em 1925 Adorno se referia a Bartok como um compositor que: “encandecia cinzas do folclore húngaro”. Contudo em 1965 Adorno elogia os esforços e o uso da excentricidade em Bártok e a lê como uma tentativa de paridade com a música europeia. Uma retratação um tanto quanto arrogante e que pode ser melhor contextualizada. Bartok se notabilizou como um pioneiro em etnomusicologia e em compreender as categorias da música popular em sua divisão entre música popular urbana (música popularesca) e a música popular rural (música folclórica). Em um texto introdutório intitulado o que é a música popular? Bartók se refere à música folclórica com enorme consideração, estritamente musical. Os estudos e publicações de Bartok a esse respeito vão de 1912 a 1944, e sua conclusão sobre as características mais gerais da música folclórica figuram-na como sintética ao invés de simples, de concisa ao invés de repetitiva, e via-a como a sedimentação de uma virtude musical que produzia-se com o efeito de aperfeiçoamento pelo tempo. Características opostas à música popular urbana. O modelo de crítica de Adorno à música popular é similar à crítica de Bartók reservada à música popular urbana, porém, Adorno faz a crítica da tradição musical popular em bloco, não se importando com considerações materiais dessa música (seja urbana ou rural), embora finja fazer uma análise material em Sobre música popular. O verdadeiro horizonte crítico de Adorno residia na necessidade de que toda a música popular e toda música séria conservadora e redentora fosse ultrapassada. [Adorno nesse sentido não cede nem aos Beatles, nem ao Jazz, nem a Tchaikovsky e nem às vozes búlgaras]. Judit Frigyesi no livro Bela Bartok e a virada do século de Budapeste (2000) ressalta um aspecto importante sobre a obra de Bartok. Segundo a autora Bartok foi formado em uma cultura musical comum à segunda escola de Viena, liderada por Schoenberg. Nela importava a unicidade do estilo e a sobriedade da composição em detrimento dos maneirismo românticos. Critérios aos quais Bartok sempre manteve como objetivos
pessoais. Contudo, para Schoenberg o critério de unicidade não foi apenas formal mas material, estrutural e sistêmico. Segundo Schoenberg: Diante de quais circunstância ele [o compositor] sente a urgência em escrever alguma coisa que já tenha sido dita [...]? Um compositor de verdade não compõe meramente um ou dois temas, mas um peça como um todo... Sua concepção musical é um único ato, compondo a totalidade [...]. (Schoenberg In Frigyesi 2000,24).
Para Schoenberg a unidade e organicidade do objeto musical só poderia ser garantida com a técnica dodecafônica. Para Bartok a atonalidade, a unicidade orgânica e o projeto de uma nova música deveria ascender de um solo social, da riqueza e da atonalidade natural da música folclórica húngara. A posição de Adorno sobre a música popular já vêm por isso modelada pelo embate entre os modelos de Schoenberg e Bartok. Escolhendo a perspectiva do fim absoluto de uma tradição representacionalista em música e por isso em prol da originalidade do material. A implicação formal dessa premissa é, similar à vida das plantas, a exigência de que o material tenha uma continuidade causal e necessária, em um desdobrar gradual e linear entre o tema (ou a semente) e a forma final (a planta). Diametralmente oposto à essa forma musical encontra-‐se o modelo modular, formado por colagens. Adorno critica tanto a música Jazz quanto Stravinsky nesse sentido. Em Filosofia da Nova Música essa diferença é conceituada como expressivo-‐dinâmico (representado pela forma sonata e por Schoenberg) e o rítmico-‐espacial (representado pelo tambor e por Stravinsky) são: “dois tipos de audição [que] se excluem reciprocamente em virtude da alienação social que separa sujeito e objeto.”[...] “tudo o que surge como objetividade coletiva está sujeito à ameaça da alienação, da dureza repressiva da mera existência”.
Enquadramento 2. Aspectos de um a priori contingente na análise material da música popular. À sombra dos grandes titãs, resta à música popular urbana norte-‐americana o esteriótipo de uma música irrefletida sob ingerência da produção de subjetividades do mundo administrado. Revela-‐se nesse diagnóstico: (1) um aspecto hegemônico do mundo administrado, (2) a crítica ao aspecto estático, cômodo e heterônomo dos produtos musicais dessa cultura. Já não há mais qualquer “arte popular” cujas canções e jogos possam ser tomados e sublimados pela arte. A abertura dos mercados juntamente com o efeito do processo de racionalização burguesa colocou o todo da sociedade […] sobre categorias burguesas, e as categorias da música vulgar
contemporânea são, todas juntas, aquelas da sociedade burguesa racionalizada, que, afim de permanecer consumível, são mantidas dentro dos limites da consciência que a sociedade burguesa impõe às classes oprimidas, bem como a elas mesmas. O material usado pela música vulgar é o obsoleto e degenerado material da arte musical. (Adorno 1932, p. 373 [Sobre a situação social da música] IN Max Paddison [A crítica criticada: Adorno e a música popular]).
O critério 1 e 2 foram afixados de modo a priori, em uma axiológica disfarçada ao modo da tradição idealista. Uma análise séria deveria deduzir esses princípios do material ao invés de subsumi-los esquematicamente. Segundo Adorno o fetichismo encontra-‐se sobretudo no recurso de pseudo-‐ individualização – e.g improviso, excêntrico, blue note, breaks, etc. – que produziriam uma tênue camada de liberdade sob formas rígidas de composição. Mas se pensarmos no uso do trítono e da sensível na música clássica, dos Schoks no expressionismo de Schoenberg e no uso livre da atonalidade, são eles igualmente exemplos de tênues liberdades incorporadas como modelo da estrita forma adotada, igualmente rígida. O mesmo pode ser dito do pretenso efeito substitutivo da audição. Tão válido para a escuta do Jazz quanto para a Suíte para piano Op.25 de Schoenberg. A teoria de Adorno de que a música popular trabalha com figuras absolutas sem implicação para a estrutura musical, na prática, revela-‐se pouco pertinente aos critérios fenomenológicos de escuta, onde toda mudança implica em uma alteração da percepção da totalidade. Assim como em uma suíte de Bach, implica uma estrutura de contrastes. Por fim o argumento da promoção da personalidade não se diferencia da carreira de um Karajan ou Liszt, que vacilavam constantemente entre a fama e a seriedade. Adorno parece sugerir que a música popular é inerentemente passível de ser industrializada. Uma avaliação redondamente equivocada. Vide as relações entre as orquestra Filarmônicas e o estado burguês. Enquadramento 3. O folclore, o urbano, a técnica e a reprodutibilidade técnica. Para o morador da cidade, tanto a música radical quanto a música folclórica encontram-‐se em uma posição equidistante, ambas estão afastadas por igual dessa realidade. A técnica de plugging em “fazer o ouvinte extasiar-‐se com o inevitável” é de fato o instrumento material do fetichismo musical, porém, ela denuncia a fragilidade da música comercial em sua dificuldade de se naturalizar.
O único rompimento possível às estratégias dos meios de comunicação, segundo Adorno, reside na experiência de recusa ou de negação. Essa última relativa à angústia de Heidegger, quebra com a rede imediata de significações pré-estabelecidas e torna apta a edificação de uma escuta musical radical, sendo a condição de abertura à autenticidade do fenômeno musical. Contudo, o estado de coisas é tal que o mesmo pode ser reivindicado para a escuta de nossa tradição folclórica do candomblé, da Folia de Reis, do congado, da música caipira e ainda para a produção musical urbana da periferia pobre que é exportado em seus pedaços à indústria de todo o mundo. Nos EUA Woody Guthrie fez carreira na rádio KFVD nos anos 30 onde foi apresentado à esquerda californiana, gravando musicas de protesto em Nova York até o final dos anos 40 aproveitando-se de toda a indústria radiofônica. Por fim, sem se tratar de uma questão de análise material, porque ela não foi bem conduzida, é válida a crítica à música popular urbana estritamente comercial, mesmo que fora de suas categorias imanentes, como contraponto ao bloqueio cultural que incidiu sobre a música Nova. As grandes obras de Schoenberg e Stravinsky completam 100 anos e ainda são rejeitadas pelo grande público de etiqueta erudita. Fora das considerações estéticas e musicológicas, Adorno foi hábil em cerrar fileiras.
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