• Troca cultural, geografia social e circulação dos saberes geográficos na América Latina: Luce Fabbri leitora e intérprete de Elisée Reclus, Colloque UGI Circulação das ideias e história dos saberes geográficos: hierarquias, interações e redes, Rio de Janeiro, 16-20 Décembre 2014.

September 25, 2017 | Autor: Federico Ferretti | Categoria: History of Anarchism, History of Geographic Thought, History of geography, Anarchisme, Élisée Reclus
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Simpósio Internacional Circulação das ideias e história dos saberes geográficos: hierarquias, interações e redes, 16 a 20 de Dezembro de 2014 - Rio de Janeiro, Brasil

Troca cultural, geografia social e circulação dos saberes geográficos na América Latina: Luce Fabbri leitora e intérprete de Elisée Reclus

Federico Ferretti Palavras-chave: Luce Fabbri; Elisée Reclus; circulação dos saberes; redes científicas; traduções do saber geográfico A intelectual ítalo-uruguaia Luce Fabbri (1908-2000), filha do célebre anarquista e intelectual italiano Luigi Fabbri (1877-1935) refugiado em Montevidéu com a família depois do estabelecimento da ditadura fascista na Itália, foi uma importante e refinada leitora do geógrafo anarquista francês Élisée Reclus (1830-1905). Seu pai, redator da revista Il Pensiero, foi um dos primeiros tradutores para italiano dos escritos de Reclus, principalmente os artigos e panfletos sobre a geografia social e a relação entre ciência e anarquismo. Luce Fabbri ficou apaixonada desde a infância pelas leituras de Reclus. Em 1928, à idade de só vinte anos, ela foi a única pessoa na Itália toda que teve a coragem de falar de anarquismo na Academia no meio da ditadura, defendendo na Universidade de Bolonha uma dissertação1 sobre o pensamento geográfico de Reclus, orientada pelo filósofo Rodolfo Mondolfo, que lhe valeu nota máxima e o apelido de “senhorita comunista” dado pelo reitor, mesmo porque Luce foi a única candidata que recusou fazer a saudação fascista perante a banca examinadora. Consideramos essa experiência como uma prolongação da estratégia de comunicação política e científica do mesmo Reclus, que considerava a geografia, às vezes produzida e difundida em redes extra institucionais, como uma maneira de veicular e fazer circular conteúdos políticos radicais, além do rótulo científico, em condições de repressão política e restrição do direito de expressão (FERRETTI, 2014). Nos arquivos do instituto Internacional de Historia Social de Amsterdã, onde se encontra uma grande parte dos arquivos de Luigi e Luce Fabbri, encontramos também o exemplar original 1

Lembramos que na Itália o doutorado só foi instituído em 1984, então naquela época a dissertação chamada Tesi di Laurea era a máxima titulação acadêmica possível, dando direito ao título de Dottore.

dessa dissertação de Luce, um texto datilografado de 132 páginas, ainda inédito, que trata na primeira parte da biografia de Reclus e na segunda faz uma tentativa de inserção das ideias dele no pensamento geográfico daquela época. Esse texto será nossa primeira fonte, junto das correspondências de Luigi e Luce e das numerosas publicações sucessivas onde Luce Fabbri cita Reclus, principalmente artigos em revistas argentinas e uruguaias; pai e filha trabalharam também na publicação, em várias línguas, das obras de Reclus no Cone Sul. A abordagem reclusiana de Luce é original e bem documentada, também graças à sua amizade com o historiador austríaco Max Nettlau (18651944), então o máximo especialista da história do anarquismo, que lhe forneceu arquivos e fontes primárias para a sua pesquisa. O seu conhecimento da língua alemã lhe permitiu também perceber a importância da referência reclusiana aos geógrafos como Ritter, saindo dos quadros clássicos da geografia humana francesa daquela época. Luce Fabbri, moradora do Uruguai desde 1929, conhecida no Brasil graças aos trabalhos da historiadora da UNICAMP Margareth Rago, tem grande importância na circulação das ideias reclusianas na América latina. Mesmo não sendo uma geógrafa profissional, porque se estabilizou como professora de literatura na Universidade de Montevidéu, Luce foi sem dúvida, durante muito tempo, a melhor conhecedora dos geógrafos anarquistas no continente e uma refinada intérprete das ideias deles sobre a geografia social e a importância da ciência para a transformação da sociedade, rumos que ela aplicou em seus escritos e comentários sobre a atualidade durante toda sua longa vida, desde a revolução espanhola dos anos Trinta até os debates políticos dos anos anos Noventa. Luigi e, sobretudo, Luce foram nesse sentido verdadeiros tradutores linguísticos e culturais, e ao mesmo tempo, intérpretes originais das ideias de Reclus e dos geógrafos anarquistas, primeiramente na Itália e depois na América latina. Estamos frente a um exemplo de circulação dos saberes, de tradução e troca cultural que envolve não somente o pensamento geográfico, mas também a ligação entre geografia, crítica social, movimentos políticos progressistas e defesa da liberdade científica e civil, já que Luce, por meio da ciência, lutou contra duas ditaduras, a italiana nos anos Vinte e a uruguaia nos anos Setenta. Como no caso de Reclus, estamos no âmbito do que o geógrafo estadunidense Don Mitchell definiu como “guerras culturais” (MITCHELL, 2000), isto é, a consideração do trabalho intelectual como uma luta pela liberdade dos saberes e, ao mesmo tempo, da sociedade toda. As memórias orais de Luce, recolhidas por Margareth Rago, testemunham também suas viagens ao Brasil desde os anos Quarenta até os anos Noventa, quando ela participou, já aposentada, de vários eventos políticos e universitários que marcaram os movimentos sociais

neste país após a ditadura, junto a intelectuais e militantes brasileiros como Rago, Jaime Cubero e Maurício Tragtenberg. Mas quais são, mais precisamente, os elementos dos estudos reclusianos de Luce que caracterizam seu percurso político e intelectual? Quais pontos dos rumos dela foram inspirados mais diretamente pela geografia no percurso de uma autora eclética, que praticou constantemente diálogos e transferências interdisciplinares entre as diversas ciências humanas? Qual foi a importância para América latina dessa intelectual poliglota que publicou um número impressionante de escritos para que circulassem nos dois lados do Oceano? Como se coloca esse percurso no quadro mais geral da circulação dos saberes geográficos nessa região, e quais novas perspectivas de pesquisa pode contribuir? Vamos responder a tais perguntas nos baseando na dissertação e nas outras fontes citadas, particularmente nos escritos em várias línguas de Luce Fabbri, nos referindo à literatura internacional acerca de Elisée Reclus e dos geógrafos anarquistas, aos escritos dos historiadores sobre Luigi, Luce e ao anarquismo internacional, e à bibliografia existente sobre a troca cultural e a circulação internacional do pensamento geográfico, particularmente entre Europa e América latina.

Arquivos Amesterdã (Holanda): IISG-IISH, Internationaal Instituut vor Sociale Geschiedenis International Institute of social History; Archives Luce Fabbri, Archives Luigi Fabbri, Archives Max Nettlau. Bolonha (Itália): Biblioteca Comunale dell’Archiginnasio, Gabinetto dei Manoscritti, Fondo speciale Luigi Fabbri.

Fontes impressas e datilografadas: FABBRI Luce, L’opera geografica di Eliseo Reclus, Tesi di laurea, Regia Università di Bologna, Facoltà di Lettere, Anno Accademico 1927-1928. FABBRI Luigi, Epistolario ai corrispondenti italiani e esteri (1900-1935), Pisa, BFS, 2005.

Bibliografia sintética: FABBRI Luce, Luigi Fabbri, storia di un uomo libero, Pisa, BFS, 1996. FERRETTI Federico, Élisée Reclus, pour une géographie nouvelle, Paris, Éditions du CTHS, 2014.

MANFREDONIA Gaetano, La lutte humaine, Luigi Fabbri, le mouvement anarchiste italien et la lutte contre le fascisme, Paris, Éditions du Monde Libertaire, 1996. MITCHELL Don, Cultural Geography, London, Blackwell, 2000. RAGO Luiza Margareth, Entre a história e a liberdade: Luce Fabbri e o anarquismo contemporâneo, São Paulo, editor UNESP, 2000. RAGO Luiza Margareth, Audácia de Sonhar: memória e subjetividade em Luce Fabbri, História Oral, Rio de Janeiro - São Paulo, vol. 5, pp. 29-44, 2002.

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