Tróia na Antiguidade Tardia

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FICHA TÉCNICA TÍTULO A Lusitânia entre Romanos e Bárbaros COORDENAÇÃO José d’Encarnação M. Conceição Lopes Pedro C. Carvalho CAPA José Luís Madeira DESIGN GRÁFICO E PAGINAÇÃO José Luís Madeira EDIÇÃO Instituto de Arqueologia | Secção de Arqueologia Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes Faculdade de Letras | Universidade de Coimbra IMPRESSÃO Sersilito, empresa gráfica, lda ISBN 978-972-9004-31-5 DEPÓSITO LEGAL

TIRAGEM 500 exemplares

In Memoriam

VENTO E ARAGEM Essa, a sensação: o João chegou, parou uns momentos e… abalou! Se foi vento, por tudo abarcar e depressa, também foi aragem – na intensa vivência serena de cada momento. A realização desta mesa-redonda prova a sua tenacidade no cumprimento – difícil! – de um compromisso assumido. Honra ao mérito! Requiescat in pace! José d’Encarnação

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Tróia na Antiguidade Tardia Inês Vaz Pinto CEAACP (Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património) – Tróia Resort

Ana Patrícia Magalhães Tróia Resort

Patrícia Santiago Brum Tróia Resort

Resumo Neste estudo faz-se uma reflexão sobre os aspectos mais marcantes de Tróia na Antiguidade Tardia. De que forma, e com que amplitude, é retomada a produção de salgas de peixe depois do interregno num momento indeterminado da segunda metade do século II – inícios do III? Quais os novos dados sobre o seu monumento mais significativo desta época, a basílica paleocristã? Que expressão têm as sepulturas de mesa, as famosas mensae tão comuns na África romana, raras na Lusitânia mas bem representadas neste sítio? Quando se deu a decadência deste grande centro de produção transformado em grande aglomerado urbano? E quais os seus últimos vestígios de ocupação?

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Abstract Striking aspects of Tróia in Late Antiquity is the theme of this article. After the interruption of the production in the second half of the 2nd c. or early 3rd c., to what extent was the production reactivated? What are the new data on the most significant monument of this period, the early Christian basilica? What significance have the mensa tombs, common in Roman Africa and rare in Lusitania, and so well represented at Tróia? When came the decadence of this large production center that became a large urban agglomerate? And which are the last vestiges of occupation?  Palavras-chave: Tróia, Antiguidade Tardia, necrópole, basílica, cristianismo.

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Introdução

O sítio arqueológico de Tróia (Fig. 1) é conhecido desde o século XVI e os textos mais antigos que se lhe referem mencionam “as salgadeiras onde se curava o peixe” (BARREIROS, 1561; RESENDE, 1593), identificando desde logo a sua função principal. Estudos recentes vieram mostrar que Tróia teve pelo menos 25 unidades de produção (PINTO, MAGALHÃES e BRUM, 2011), designadas por oficinas de salga, que a tornam no maior centro de produção de salgas de peixe actualmente conhecido no espaço do antigo Império Romano. O traçado dos edifícios, com orientação perpendicular à praia do estuário do Sado, e as estreitas, mas alinhadas, ruelas sugerem que não houve intenção, na primeira metade do século I, de construir aqui uma cidade ou uma aldeia, mas antes um grande centro de produção com numerosas instalações produtivas em lotes com acesso à água (PINTO, MAGALHÃES e BRUM, 2014). A necessidade de mão-de-obra terá sido determinante na evolução do sítio para um aglomerado urbano com casas, termas, cemitérios e certamente outros edifícios ainda escondidos pelas dunas. 1 - Tróia no século IV

Robert Étienne, Yasmine Makaroun e Françoise Mayet (1994) mostraram, no seu estudo basilar sobre o complexo industrial de Tróia, que as grandes

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fábricas e oficinas de salga que laboraram nos séculos I e II foram, após um período de interrupção da produção que situam nos finais do século II – inícios do III, segmentadas em unidades de produção mais pequenas.

Fig. 1 - Vista geral do sítio arqueológico de Tróia.

Fig. 2 - Faseamento das oficinas 1 e 2.

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Não é conhecida a causa exacta desse abandono temporário da produção, mas várias explicações têm sido sugeridas: um terramoto seguido de maremoto (MAYET e SILVA, 2010), a sobreexploração dos recursos piscatórios ou a mudança de rota de espécies migratórias, uma epidemia que dizimasse a população… ou uma crise económica sem causas evidentes. O certo é que deste período de abandono resultaram significativas modificações no século III, tangíveis no registo arqueológico, e que perduram no século IV. Além da segmentação das fábricas e oficinas de salga e algumas restruturações do espaço construído, observa-se a conhecida mudança e diversificação dos tipos de ânfora que transportavam os produtos de peixe (ALMEIDA et al., 2014) e nos rituais funerários deu-se a transição da incineração para a inumação (ALMEIDA, 2008). Verificou-se a redução do espaço produtivo, ainda no século II, com o abandono definitivo da fábrica de salga do Recanto do Verde (oficinas 12 e 13), (PINTO, MAGALHÃES e CABEDAL, 2014), mas no século III é essencialmente a segmentação das fábricas e respectivas oficinas que parece espelhar uma recessão económica, com uma redução da escala das unidades de produção nas grandes fábricas, e uma redução efectiva da capacidade de produção devido à desactivação de alguns tanques. O registo arqueológico mostra que a oficina de salga 1 tinha, à partida, na área escavada, 19 tanques com uma capacidade de produção de 465 m3 (ÉTIENNE, MAKAROUN e MAYET, 1994, p. 76). Uma vez subdividida no século III, e desactivados os tanques 1 e 15, a oficina 1A ficou com 168,1 m3, a oficina 1B com 82,6 m3 e a oficina 1C com 157,6 m3 (ÉTIENNE, MAKAROUN e MAYET, 1994, pp. 75-86), num total de 408 m3, o que representa uma perda de cerca de 57 m3 equivalente a 12% da sua capacidade original conhecida. No mesmo período, a oficina 2 que, segundo trabalhos recentes, e tendo em conta apenas os tanques mensuráveis, tinha uma capacidade de produção de 65,7 m3, terá sido dividida em duas unidades de produção e viu os seus tanques 6, 7c, 8 e 9 desactivados. A capacidade dos tanques (escavados) no activo ficou reduzida a 55,24 m3, perdendo cerca de 16% da sua capacidade de produção (Fig. 2). No século IV há sinais contraditórios. Por um lado, na primeira metade do século, dá-se o abandono da produção na oficina 6 (SILVEIRA et al., 2014), uma oficina com grandes tanques que teria uma capacidade de produção superior ao volume dos cinco tanques mensuráveis, de 170 m3 depois da segmentação do tanque 4 (Fig. 3). Por outro, uma nova remodelação nas oficinas 1 e 2 dá lugar a um aumento substancial da oficina 2A que vai agregar os tanques da oficina 1B e assim aumentar a sua capacidade de produção de 39,3 m3 para 120,3 m3, mostrando dinamismo económico. Junto ao poço da oficina 1 verificou-se a construção de um novo pavimento ([721]) datado de

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finais do século III a meados do IV (PINTO, MAGALHÃES, BRUM, 2010b, p. 139), que poderá ser parte das transformações resultantes da referida aglutinação das oficinas 2A e 1B, que implicou igualmente a transformação da área do pátio da oficina 1B em espaço de passagem entre as oficinas 1A e 2A. Um outro nível de piso surgirá ainda à volta do poço, demonstrando um cuidado na manutenção do espaço que sugere uso continuado.

Fig. 3 - Oficina 6 e núcleo da basílica

Fig. 4 - Núcleo residencial conhecido como Rua da Princesa (Foto: Miguel Costa).

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Mas se estas obras sugerem investimento na produção de salgas, tratase quase exclusivamente de uma restruturação do espaço produtivo. Apenas se regista a construção de três pequenos tanques na oficina 1A contra a nova parede sudoeste da oficina, e de três oficinas com tanques muito pequenos, construídas no topo de dunas, as oficinas 11, 14 e 16, que parecem ter sido construídas nesta última fase de produção de salgas e molhos de peixe. Na verdade, a segmentação de grandes tanques da oficina 1A e 1B em tanques mais pequenos (ÉTIENNE, MAKAROUN e MAYET, 1994, Fig. 57) vai significar mais uma redução, embora leve, da capacidade produtiva das oficinas 1 e 2, no seu conjunto, do século III para o século IV, em cerca de 2,6 %. Apesar da contracção do espaço produtivo, não há dúvida de que no final do século IV as múltiplas oficinas que ocupam o espaço das grandes e antigas oficinas 1 e 2 permanecem activas e têm ainda uma considerável capacidade de produção, muito próxima dos 450 m3 (Fig. 2), o que, por si só, mantém Tróia como um importante centro de produção de salgas de peixe que gerava riqueza. Esta situação perdurou até à primeira metade do século V. Também do século IV será uma área residencial com vestígios de construções com rés-do-chão e primeiro andar, conhecida como Rua da Princesa, escavada essencialmente no século XIX pela Sociedade Arqueológica Lusitana (COSTA 1898; CASTELO-BRANCO, 1963) (Fig. 4) e na qual Jorge de Alarcão (2011, p. 12) vê uma domus, com dois pisos do lado rio, só parcialmente escavada. A comprovar-se a datação obtida de duas sondagens recentes, é um exemplo da prosperidade do século IV gerada pela produção de salgas. 2 – A basílica paleocristã

Outro edifício que terá derivado da riqueza gerada pela produção de salgas, e que reflecte também a consolidação do culto cristão neste aglomerado urbano, é a chamada basílica paleocristã (Fig. 5), o monumento mais emblemático de Tróia da Antiguidade Tardia. Está instalado sobre parte de uma antiga oficina de salga, é dividido em naves transversais por três arcadas e profusamente decorado com pintura mural, na sua maioria com motivos geométricos e alguns vegetalistas e figurativos. O edifício é tendencialmente rectangular, com c. de 21,7 m de comprimento por 11,5 m de largura, mas um compartimento com saída para o exterior ocupava o seu canto noroeste, deixando a cabeceira descentrada (MACIEL, 1996, p. 220, Fig. 61).

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Foi descoberto pela Sociedade Arqueológica Lusitana em meados do século XIX (COSTA, 1929, pp. 171-172) e publicado por Inácio Marques da Costa, que descreve o edifício e suas pinturas, reproduzindo o desenho, hoje desaparecido, de um crísmon (COSTA, 1933, p. 11). No mesmo espaço foi recolhido um relevo mitraico fragmentado, com a cena do banquete de Mitra e Hélios e uma pequena parte da cena do sacrífico do touro (COSTA 1933, pp. 5-7; MACIEL, 1996, p. 128), que sugere Fig. 5 - Núcleo da basílica e localização dos planos fotográficos. que neste espaço foram praticados vários cultos, embora do Mitreu não se reconheçam os vestígios arquitectónicos. De novo coberto pelas areias, o edifício foi definitivamente escavado por D. Fernando de Almeida e José Luís de Matos (1971, p. 529) que o consideraram um pequeno templo cristão e mais tarde o apresentaram como capela cristã visigótica (ALMEIDA e PAIXÃO, 1982, p. 263). O estudo mais aprofundado deste edifício é de Justino Maciel (1996) que considerou que sobre a oficina de salga foi primeiro construída uma aula/basilica sem funções religiosas, depois transformada em basílica paleocristã. Descreve ainda este autor que dentro da basílica foram instaladas sepulturas, que ocuparam progressivamente os compartimentos anexos, tendo a basílica, na sua fase final, sido transformada em basílica funerária pelo fecho das suas entradas principais. Apesar dos referidos estudos, alguma dúvida persiste quanto à função deste edifício, quanto à interpretação das suas várias fases e também quanto à sua datação. Se a maioria dos autores reconheceu nele um edifício de culto cristão (ALMEIDA e MATOS, 1972; ALARCÃO, 1973; MACIEL, 1996), Inácio Marques da Costa considerou-o uma casa sepulcral (1933) e Francisco Javier Heras Mora (2011, p. 74) vê-o como um templo pagão só mais tarde cristianizado.

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No que respeita à sua datação, Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1988) atribuiu a sua construção ao século VI, enquanto Justino Maciel (1996) o considerou do final do século IV ou início do V devido ao estilo da pintura mural, à orientação da igreja a poente e à ausência de inscrições gravadas nas lápides de mármore que assinalam uma parte das sepulturas. Rui Pedroso (2001; 2006) considerou as pinturas inequivocamente tardias, com os seus melhores paralelos em finais do século IV. Em 2010, por ocasião de um levantamento tridimensional das paredes da basílica, houve a oportunidade de pôr todo o interior do edifício, habitualmente protegido com areia, a descoberto e de realizar uma sondagem que trouxe novos dados para a sua interpretação. A sondagem realizou-se num tanque de salga identificado pelo abatimento do pavimento da basílica no seu interior, pretendendo-se obter, através do estudo do seu enchimento, a datação da construção da basílica. Este tanque, da antiga oficina de salga sob a basílica, a oficina 6 (Fig. 3), foi designado tanque 8 na proposta de reconstituição desta unidade de produção (PINTO, MAGALHÃES e BRUM, 2011, p. 142). Ao contrário do esperado, sob o pavimento da basílica pôs-se a descoberto uma laje de opus signinum que, por sua vez, cobria sepulturas instaladas dentro do tanque em diversos momentos, e orientadas oestenoroeste – este-sudeste, ou vice-versa, visto não terem sido abertas e não se ter verificado a orientação dos corpos (Fig. 6). Não se prosseguiu a escavação, porque as sepulturas não ficaram totalmente expostas, e a única peça datável recolhida foi um bordo de ânfora Sado 1 variante B, datável de meados do século IV até à primeira metade do século V (PINTO e ALMEIDA, 2013).

Fig. 6 - Sepulturas no tanque 8 da oficina 6 (plano A da Fig. 5).

Fig. 7 - Sepultura sob o pavimento da basílica (Foto: João Almeida) (plano B da Fig. 5).

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Esta sondagem permitiu constatar, no entanto, que o tanque da antiga oficina de salga tinha sido transformado em sepulcro colectivo cujo fecho, com uma placa de opus signinum semelhante às que cobrem sepulturas de mesa, não foi anterior a meados do século IV. Estando todo o interior da basílica a descoberto durante a sondagem, verificou-se que, no canto norte do corpo da igreja, estava à vista outra sepultura inequivocamente anterior ao pavimento da basílica (Fig. 7), o que tornou claro que a basílica assenta sobre uma necrópole mais antiga. Analisando as sepulturas visíveis nos compartimentos a sul e sudoeste da basílica, constatou-se que no compartimento a sul há um pilar incorporado na parede da basílica que assenta sobre uma grande sepultura de mesa lisa (Fig. 8), o que demonstrou que também a necrópole dos compartimentos exteriores à basílica é anterior a esse edifício. É provável que, embora sem ligação física que o comprove, as necrópoles mais antigas dentro e fora da basílica sejam contemporâneas. E quando terá surgido a necrópole sob a basílica? Trabalhos realizados em 2007 tinham permitido escavar o que restava do enchimento do tanque 3 da oficina 6, fora do espaço da basílica (Fig. 3), e datar os últimos Fig. 8 - Mensa sob um pilar incorporado na restos de produção da primeira parede sul da basílica (Foto: João Almeida) (plano C da Fig. 5). metade do século IV, podendo o tanque ter sido abandonado ainda no primeiro quartel desse século, de acordo com a cronologia das peças recolhidas (SILVEIRA et al., 2014). É provável que toda a oficina tenha sido abandonada nessa época e que o futuro espaço da basílica tenha sido utilizado como necrópole desde esse momento ou pouco depois. Por conseguinte, esta necrópole pode ter estado activa no segundo quartel do século IV, se o abandono da oficina foi no primeiro quartel, mas o único elemento datante da referida sondagem, a ânfora Sado 1, indica apenas que o fecho do sepulcro instalado no tanque de salga não foi anterior

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a meados do século IV, podendo ter sido na segunda metade do século IV ou num momento posterior. A fundação da basílica continua por datar, embora se confirme, como se presumia, que não é anterior a meados do século IV. A muito provável datação da necrópole do século IV, por seu lado, vem, de alguma forma, confortar a datação de finais do século IV ou inícios do V, apontada em função do estilo das suas pinturas, da sua orientação a poente e da ausência de inscrições nas placas de mármore das suas sepulturas (MACIEL, 1996; PEDROSO, 2006). No entanto, não fica liminarmente provado que o edifício não seja mais tardio. Por outro lado, a evidência de uma necrópole sob a basílica é um forte argumento a favor da identidade cristã deste edifício, dado o hábito de construir as igrejas sobre o túmulo de mártires e de santos, e invalida a ideia de uma aula/basilica sem função religiosa. É um passo em frente na compreensão do faseamento do espaço da basílica, que depois de oficina de salga foi necrópole, e na fase seguinte edifício de culto cristão. 3 – As mensae ou sepulturas de mesa

Entre os vários tipos de sepultura utilizados em Tróia na Antiguidade Tardia (fossas simples ou revestidas e cobertas por pedra, tijolo e telha, arcas de pedra e/ou tijolo de vários tipos, ânforas para enterramentos infantis e, excepcionalmente, sarcófagos em pedra), sobressaem as mensae ou sepulturas de mesa, com cobertura em opus signinum (ALARCÃO, 1984), e das quais se conhecem exemplos na basílica, como já foi referido, e noutros pontos do sítio arqueológico. Distinguem-se as mensae rectangulares (com rebordo arredondado) das mensae semicirculares, ditas em sigma, reproduzindo a mensa e o stibadium, ou seja, o leito no qual os convivas se reclinavam à volta de uma mesa semicircular durante a refeição. Têm por vezes uma placa de mármore inserta que representa a mesa. As mensae destinavam-se à realização de refeições sobre a campa dos defuntos, ou à deposição de oferendas alimentares e de perfumes. Os cristãos deram continuidade a este ritual, apesar das proibições da Igreja, e a maioria das mensae conhecidas na África romana, onde este tipo de sepultura é mais comum, são comprovadamente cristãs, devido à presença de mosaicos com epígrafes e temas alusivos (FÉVRIER, 1970). Na África romana, a mais antiga mensa conhecida é uma de incineração de Cherchell (Argélia), datada do século II (LEVEAU, 1978). As mensae são comuns no século IV, nomeadamente em Tipasa (Argélia) (FÉVRIER, 1970, pp. 202-203), e prolongam-se até ao século VI (DUVAL, 1995, p. 200). Os

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mais importantes conjuntos de mensae em sigma da Hispânia, de Tarragona e Cartagena, estão datados respectivamente de meados do século IV até à primeira metade do século V (DEL AMO, 1979, 146) e de finais do século IV ou inícios do século V (SANMARTÍN MORO e PALOL, 1972, p. 458; LAIZ REVERTE e BERROCAL CAPARRÓS, 1995, p. 163). Mas a mais antiga mensa em sigma conhecida na Hispânia foi descoberta em Mérida e está datada do final do século III (MÉNDEZ GRANDE, OJEDA ZARALLO e ABAD ALONSO, 2004, pp. 443-444). Dada a relativa frequência de mensae em Tróia, quer rectangulares quer em sigma, contrastando com a raridade destas últimas na Lusitânia, esta manifestação funerária torna-se num traço característico e numa originalidade de Tróia na Antiguidade Tardia. É precisamente nos compartimentos a sul e sudoeste da basílica paleocristã que se encontra o mais numeroso conjunto de mensae lisas, com 36 dessas sepulturas (Fig. 9) e apenas uma em sigma, de pequena dimensão (Fig. 10).

Fig. 9 - Sepulturas de mesa rectangulares no compartimento a sul da basílica (Foto: João Almeida) (plano D da Fig. 5).

Fig. 10 - Sepultura de mesa em sigma entre outras sepulturas de mesa (Foto: João Almeida) (plano E da Fig. 5).

Na necrópole a sul da Ermida de Nossa Senhora de Tróia (Fig. 11), existem umas dez mensae em sigma a par de umas dezasseis mensae rectangulares (ALMEIDA e PAIXÃO, 1978; 1982). A observação de uma sepultura violada permitiu aos seus descobridores observar que a cobertura assentava numa estrutura “formada por um pequeno monte de pedras miúdas ligadas por argamassa” e que “a cerca de 1,60 m de profundidade apareceu a caixa mortuária, com o esqueleto.” O mobiliário era só “uma malga de barro comum” (ALMEIDA e PAIXÃO, 1978, pp. 323-324). Apesar de estar apenas a cerca de 15 m do referido compartimento a sul da basílica, este núcleo tem a sua individualidade, pela presença, número e dimensão das mensae em sigma.

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Fig. 11 - Necrópole das sepulturas de mesa.

Se se pode deduzir que as sepulturas de mesa rectangulares anteriores à basílica são, com alta probabilidade, do século IV, dado o abandono da oficina sob a basílica na primeira metade, ou mesmo primeiro quartel, do século IV, e o achado de uma ânfora muito possivelmente de meados ou segunda metade desse século dentro de um sepulcro colectivo, já este último conjunto e, em particular, as mensae em sigma não estão datados. A mensa em sigma localizada no compartimento anexo à basílica, num plano superior às mais antigas, pode ser contemporânea ou posterior à basílica, tal como as rectangulares que a circundam. Mas sendo uma mensa muito pequena, talvez para oferendas, não se pode comparar às do outro conjunto, para as quais não há dados cronológicos. A nordeste da grande fábrica de salga que integrava as oficinas de salga 1 e 2, nas traseiras do mausoléu, numa elevação formada pela acumulação de lixos, há uma necrópole com sepulturas em arca rectangular feita com pedras

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e tijolos, escavadas nos anos 60, não se conhecendo o registo da sua escavação, apenas do levantamento dos restos osteológicos em 1985 (AAP, 1985). Uma escavação nesta área em 2005 (FIGUEIREDO, 2005) pôs a descoberto outras sepulturas, duas das quais sepulturas de mesa rectangulares com cobertura em opus signinum, mostrando que estas não são exclusivas da basílica e sua envolvente. Uma sepultura na Ponta do Verde, parcialmente destruída pelas marés, foi alvo de uma escavação de emergência em 2011. Veio mostrar uma grande mensa que cobria uma sepultura em arca feita com tijolos, com tampa piramidal com tijolos escalonados, que guardava o esqueleto de uma mulher já idosa, com orientação nor-noroeste - su-sudeste, e sem qualquer outro espólio. A cobertura, já incompleta, tinha ainda parte de uma pequena placa rectangular de mármore branco incrustada, e se esta placa estivesse centrada, a largura original da mensa seria de 2,30 m enquanto o comprimento é 3,10 m (fig. 12). A sepultura encostava à parede de um edifício, provavelmente abandonado à data da sua construção, cuja função não foi identificada.

Fig. 12 - Sepultura de mesa na Ponta do Verde

Fig. 13 - Sepultura de mesa com a cabeceira ornamentada com decoração pintada e cavidade e canal na cobertura.

Esta sepultura lembra nitidamente as mensae dos compartimentos anexos à basílica, algumas com pequenas placas de mármore insertas, e outras de grandes dimensões, uma das maiores com 3,10 m por 2,10 m. Estas parecenças sugerem que esta sepultura tenha uma cronologia semelhante, provavelmente da segunda metade do século IV. O material recolhido na escavação, ainda em estudo, e que será oportunamente publicado, parece não contradizer esta datação. A total ausência de espólio, incluindo de qualquer peça associável

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ao vestuário, sugere que seja uma sepultura cristã na qual o corpo foi enterrado segundo a tradição judaica, envolto apenas num lençol, e sem qualquer objecto a acompanhar. Esta ausência de espólio numa sepultura com orientação nor-noroeste–su-sudeste contrasta fortemente com o espólio abundante de sepulturas da Necrópole da Caldeira com orientação inversa (sudeste-noroeste), de que é exemplo a sepultura 22, datada da segunda metade do século III ou inícios do IV (ALMEIDA, 2008, pp. 55-56 e tabela 2; 2012, p. 50). Esta simplicidade espelha um novo paradigma religioso-funerário que se presume cristão, e sugere que as sepulturas de mesa do núcleo da basílica sejam igualmente cristãs. Na orla do estuário, muito danificada pelas marés, identificou-se outra sepultura de mesa cuja cabeceira era constituída por uma pintura a fresco sobre reboco de cal e areia que mostrava duas cruzes latinas vermelho escuro a ladear um nicho, um agulheiro da parede, com o rebordo em tijolo igualmente pintado a vermelho escuro. Por cima do nicho, talvez parte de uma terceira cruz e, a enquadrar o conjunto, uma moldura em arco de volta perfeita. Na parte da cobertura em opus signinum ainda conservada, uma concavidade com o rebordo arredondado ligada a um pequeno canal (Fig. 13) sugere que nesta campa cristã se faziam libações próprias dos rituais pagãos, prática sobejamente documentada durante toda a Antiguidade tardia, com múltiplos dispositivos para o efeito (por ex. FÉVRIER, 1977; 1984) e comprovada nas necrópoles paleocristãs da Península Ibérica (BARRAL Y ALTET, 1978). Esta sepultura estava encostada à parede noroeste de um edifício mais antigo, que terá funcionado, nesta fase, como mausoléu ou pequena basílica. Não está, no entanto, datada, e não se verificaram condições de segurança que permitissem a escavação do interior do edifício. A mensa, como já foi referido, tem uma datação lata que se pode prolongar até ao século VI, e o motivo da cruz aparece em lápides e moedas desde o final do século IV. No entanto, dado que o motivo da cruz latina não aparece na pintura mural da basílica, provavelmente datada de finais do século IV, inícios do V, é provável que esta sepultura não seja anterior à segunda metade do século V, ou mesmo do VI. Dada a identidade cristã muito provável da mensa da Ponta do Verde, e certa da mensa com a cabeceira ornamentada com cruzes, e ainda as afinidades entre a mensa da Ponta do Verde e as da basílica, é provável que estas, ou mesmo todas as de Tróia, sejam cristãs. Curiosamente, na Necrópole da Caldeira, com cerca de 150 enterramentos identificados, datados desde meados do século I a meados do século V na tese defendida por João Almeida (2008), e com cerca de 46% das suas sepulturas com a orientação noroeste-sudeste tipicamente

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cristã, não se verificou nenhuma sepultura de mesa, o que sugere uma utilização selectiva dos vários tipos de sepultura em espaços cemiteriais contemporâneos. Pode reflectir a tendência para as necrópoles cristãs se destacarem das pagãs, como Noël Duval (1995) observou na África romana. O facto de as mensae serem particularmente frequentes e diversificadas na África romana, e muitas delas profusamente decoradas com mosaicos e epigrafadas, sugere que tenham sido adoptadas na Península Ibérica por influência africana. Pedro Mateos (1993) explica o lectus triclinaris e o mosaico sepulcral no espaço da Basílica de Santa Eulália, em Mérida, e outras influências norte-africanas no mundo funerário emeritense, por uma corrente de influências que se introduz através da Bética. Tróia, situada à beira do Atlântico e certamente com grande actividade comercial no século IV, com muita importação de cerâmica africana nesse período, podia receber directamente nova gente e novos costumes e práticas de outras partes do Império. 4 – O abandono das fábricas de salga

São os enchimentos dos tanques de salga e as camadas de escombros e sedimentos que cobriram as oficinas de salga abandonadas, com abundante lixo doméstico, que revelam que Tróia continuou a ser ocupada depois de cessar a produção na larga área das oficinas 1 e 2, se não em todo o aglomerado urbano-industrial. A escavação do tanque 19 da oficina 1 tinha revelado, na década de 90 do século XX, terra sigillata e ânforas que permitiram datar o abandono dessa oficina de meados do século V (ÉTIENNE, MAKAROUN e MAYET, 1994, pp. 39-40), datação recentemente revista e recuada para os finais do século IV (REYNOLDS, BONIFAY e CAU, 2011, p. 18). Trabalhos desenvolvidos na oficina 2, em 2007, permitiram escavar vários tanques de salga, tendo os tanques 1, 5 e 7c revelado enchimentos que continham, como materiais cronologicamente mais sintomáticos, terra sigillata africana D. Os tanques 1 e 5 revelaram, entre outras, a forma Hayes 76 (nº 1 e 2, Fig. 14), que só é produzida no séc. V, a partir do segundo quartel desse século, de acordo com a datação aceite para a última forma. Nos níveis de lixeira do tanque 7c, identificaram-se as formas Hayes 73A (nº 3, Fig. 14), 80A (nº 4, Fig. 14) e 91A/B (nº 5, Fig. 14), que apontam para uma cronologia um pouco mais tardia, mais centrada no segundo quartel/meados do século V (PINTO, MAGALHÃES e BRUM, 2010a), mas que em Tróia, tal como noutros sítios arqueológicos,

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Fig. 14 - Exemplo de materiais recolhidos em contextos de abandono.

têm também aparecido em contextos mais antigos, ainda no primeiro terço dessa centúria. A escavação, em 2008, de níveis de derrube e de abandono sobre os tanques da parte noroeste desta oficina revelou a mesma variabilidade de formas existente no enchimento dos tanques (Hayes 59, 61, 63, 67, 76, 80 e 91). As ânforas que acompanham estas loiças de mesa, tanto no enchimento dos tanques como nos níveis de destruição da oficina, são principalmente as ânforas regionais Almagro 51c variante C, de finais do século IV e primeira metade do século V (MAYET e SILVA, 1998), e Sado 1 variante B, com uma datação de meados do século IV e primeira

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metade do século V (PINTO e ALMEIDA, 2013) que não desmentem a datação proposta. O melhor contexto do século V até agora identificado, pelo avultado conjunto de materiais recuperado, corresponde a diferentes níveis de lixeira que aterraram a oficina 1 (PINTO, MAGALHÃES e BRUM, 2012). Uma escavação recente, realizada em 2008 e 2009 revelou, uma vez mais, abundante terra sigillata africana D, sendo as formas mais comuns as Hayes 59 (nº 6, Fig. 14), 61 (nº 7, Fig. 14), 67 (nº 8, Fig. 14) e a sua congénere de pequena dimensão, acompanhadas por formas mais tardias, como a Hayes 73, 76, 80 (nº 9, Fig. 14) e 91, que apontam para uma datação do primeiro terço do século V, a julgar pela abundância de formas típicas de finais do século IV e do primeiro terço do século V. Mais uma vez, as ânforas acompanham esta datação, visto que a mais abundante é a Almagro 51c variante C (nº 10, Fig. 14), e em menor proporção está a Sado 1 variante B (nº 11, Fig. 14), e a Sado 4 (nº 12, Fig. 14), apenas conhecida nos níveis da primeira metade do século V de Tróia. Algumas ânforas não-regionais, uma Late Roman 1A (nº 13, Fig. 14) do Mediterrâneo Oriental e uma africana Keay XXXVB (nº 14, Fig. 14) são inequivocamente do século V. O estudo da totalidade do conjunto de terra sigillata encontrado nos níveis de abandono da oficina de salga 1 confirma a mesma tendência de formas, dando maior homogeneidade aos conjuntos encontrados em escavações recentes. Neste conjunto, a afirmação de peças como a Hayes 80 A e B/81B, para além de um conjunto de formas bem representado que parece só ter começado a ser produzido no segundo quartel do século V e que pode até ultrapassar os meados desse século, remete-nos para um período de abandono datado do segundo quartel do século V, sendo de facto mais seguro enquadrar o abandono definitivo da produção de salgas nesta área nesse período, mesmo que, pela abundância de formas anteriores, esse abandono se possa ter dado desde o início desse século (SILVA, 2010; MAGALHÃES, 2012). 5 – Os testemunhos de ocupação mais tardios

Estudos anteriores de M. Garcia Pereira Maia (1974, 1975, 1974/77, 1976/77 e Pereira 1971) e de R. Étienne, Y. Makaroun e F. Mayet (1994) assinalaram a existência em Tróia de formas com uma cronologia de produção além de meados do século V, como a terra sigillata foceense, paleocristã e africana (ex. Hayes 84, 87, 96, 97 e 104/105). No entanto,

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essas peças requerem uma análise pormenorizada das suas variantes que possa afinar a sua cronologia de importação para Tróia. Por outro lado, os trabalhos realizados permitiram verificar que as áreas abandonadas e marginalizadas são reutilizadas como espaços funerários. Já se apontou o exemplo da oficina 6, com um tanque transformado em recinto funerário colectivo, o caso de sepulturas na orla que ocuparam compartimentos mais antigos, e o mesmo se verificou na área a sudoeste do mausoléu, sobre as já abandonadas oficinas de salga 1 e 2 e nas termas, áreas por onde se prolongou a necrópole do mausoléu. Nas escavações mais antigas realizadas na área da oficina 1 foram identificadas outras formas de cerâmica tardias, cuja produção se enquadra apenas a partir de meados do século V, de que são exemplos exemplares africanos de terra sigillata da produção D, um da forma Hayes 67 C, dois de Hayes 91 B tardia e um da variante C, um bordo em terra sigillata foceense da forma Hayes 3, e dois fragmentos sem forma de terra sigillata paleocristã, bem enquadradas na segunda metade do séc. V, mas que podem atingir os meados do século VI (ex. Hayes 91 C). Estes materiais podem estar relacionados com o reaproveitamento deste espaço para prolongamento da necrópole do mausoléu, que terá continuado a ser frequentada pelo menos até este período (SILVA, 2010; MAGALHÃES, 2012). O inventário das várias colecções de ânforas de Tróia, empreendido por Rui de Almeida com a colaboração das autoras, revelou, além das ânforas regionais já referidas, ânforas importadas datáveis da primeira metade do século V, as béticas Dressel 23 e Keay XIX e as africanas Keay XXV.II, XXXVA e B, XXVI e LIX. No entanto, as únicas ânforas que foram inequivocamente produzidas e comercializadas além deste período são a Keay”LXIIQ”=Albenga 1112 Keay “LXIIR”, produzida provavelmente desde o final do século V até à primeira metade do século VI, e a Keay LXI que pode alcançar o século VII (BONIFAY, 2004, pp. 137-141). Esta raridade de ânforas tardias espelha, sem qualquer dúvida, o marasmo comercial em que Tróia mergulhou após o término da produção nas conhecidas grandes oficinas 1 e 2, e possivelmente noutras. Confirma também o que as raras cerâmicas finas tardias já indicaram, que após a grande rotura que significa o abandono total ou parcial da produção, provavelmente no segundo quartel do século V, Tróia continua a ser frequentada, pelo menos até ao século VI.

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Conclusão

Uma apreciação de vários traços marcantes de Tróia na Antiguidade Tardia permite vislumbrar que este aglomerado urbano-industrial se recompôs da crise da segunda metade do século II e inícios do III com algumas transformações, em particular uma contracção da área produtiva e uma segmentação das grandes oficinas de salga de peixe. Mantevese, no entanto, como um dinâmico centro de produção de salgas até, provavelmente, ao segundo quartel do século V. A inesperada descoberta de um sepulcro colectivo sob o pavimento da basílica paleocristã veio revelar que este edifício foi instalado sobre uma necrópole mais antiga, invalidando a hipótese de ter sido uma aula/ basilica antes de edifício de culto cristão. A antiga necrópole deve ter sido instalada no século IV, após o abandono da antiga oficina de salga que foi datado, através dos materiais recolhidos no fundo de um tanque, da primeira metade ou do primeiro quartel do século IV. Tróia é conhecida pelas suas mensae em sigma, destinadas ao banquete funerário, mas bem mais numerosas são as sepulturas de mesa rectangulares, por vezes assinaladas com uma placa de mármore. Duas novas sepulturas, descobertas nos últimos anos, uma delas com a cabeceira ornamentada com cruzes pintadas e um dispositivo para libações, vêm mostrar a significativa expressão que estas sepulturas tiveram em Tróia e comprovar o carácter cristão de uma delas. A escavação dos níveis de abandono e lixeira que aterraram as grandes oficinas 1 e 2 ofereceu um significativo conjunto de terra sigillata que permite datar o seu abandono da primeira metade do século V, provavelmente do segundo quartel deste século. Algumas cerâmicas finas e ânforas mais tardias comprovam que, embora a sua raridade neste período sugira decadência económica, o sítio foi frequentado pelo menos até ao século VI. Bibliografia (AAP, 1985), Relatório sem título, Procº 7.2.4/27-5(1). 20/1/86. Arquivo da Arqueologia Portuguesa, S-2, vol. 4, 1985. ALARCÃO, Jorge de, Portugal Romano, Lisboa, Verbo, 1973. ALARCÃO, Jorge de, Sobre um tipo de monumento sepulcral romano: as mensae. Arqueologia. 9, Porto, 1984, pp. 90-94. ALARCÃO, Jorge de, Os Cornelii Bocchi, Tróia e Salácia. In CARDOSO, João Luís e ALMAGRO-GORBEA, Martín (Eds.), Lucius Cornelius Bocchus. Escritor Lusitano da Idade de Prata da Literatura Latina. Colóquio Internacional de Tróia

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Índice INTRODUÇÃO .................................................................................................................. José Luis Ramírez Sádaba - Augusta Emerita entre romanos e bárbaros: testimonios epigráficos ................................................................................................ JOSÉ d’ENCARNAÇÃO - Formulários epigráficos .................................................................. AMÍLCAR GUERRA - Notas sobre as perdurações onomásticas pré-romanas no ocidente peninsular .................................................................................................................. MANUEL SALINAS DE FRÍAS - Un hito catastral de Constantino II y algunos aspectos relativos a Lusitania durante el siglo IV ......................................... JOÃO L. DA INÊS VAZ - Apontamentos de arquitectura e epigrafia paleocristãs da Lusitânia ....................................................................................................................... PEDRO GOMES BARBOSA - Os judeus e as leis visigodas ........................................... MAURICIO PASTOR MUÑOZ - El final de los Munera et Venationes en Lusitania ........................................................................................................................ JAVIER ANDREU PINTADO - Imagem imperial y ornamentación urbana en Lusitania: a propósito de los pedestales imperiales tardoantigos ............................ JONATHAN EDMONDSON - The adminitration of Lusitania from the reforms of Dioclecian to c. 340 ........................................................................................................ SABINE LEFEBRE - Réception du pouvoir impérial en Lusitanie de Dioclétien à la fin de la dynastie constantinienne ............................................................................ ANDRÉ CARNEIRO - Mudança e continuidade no povoamento rural no Alto Alentejo durante a Antiguidade Tardia .............................................................

7 9 35 47 71 89 113 121 151 179 223 281

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INÊS VAZ PINTO, ANA P. MAGALHÃES, PATRÍCIA S. BRUN - Tróia na Antiguidade Tardia ....................................................................................................................... MARIA JOÃO CORREIA SANTOS - Mogueira: um espaço sagrado na encruzilhada de dois mundos ..................................................................................... CATARINA TENTE, ADRIAAN DE MAN - O fim da Lusitânia: fragmentação e emergência de poderes no território de Viseu .............................................................. PEDRO C: CARVALHO - O final do mundo romano: (des)continuidade e/ou (in)visibilidade do registo nas paisagens rurais do interior norte da Lusitânia .......... JOÃO L. DA INÊS VAZ - À guisa de conclusão ..............................................................

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