TUANE CAMARA RODRIGUES

May 22, 2017 | Autor: Tuane Camara | Categoria: Lewis Carroll, Educação Infantil, Alice in Wonderland, Literatura Infanto Juvenil
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TUANE CAMARA RODRIGUES





Os Clássicos da Literatura na Primeira Infância: trabalhando "Alice no País das Maravilhas" na Educação Infantil.





Trabalho Acadêmico apresentado à disciplina "Teoria da Literatura VI", do Curso de Letras – Português/Literaturas da Universidade Federal Fluminense, como avaliação parcial da disciplina.

Professor (a): Sonia Monnerat







NITERÓI
2016
Outubro de 2015 e o projeto escolhido para o mês tinha o objetivo de reforçar a importância da leitura com nossos alunos, para que no dia 28 do mesmo mês tivéssemos uma linda culminância. E então me perguntei: o que trabalhar? Qual livro escolher? Foi quando o problema começou. O acervo da escola era muito pequeno, tanto em tamanho, quanto em qualidade das obras. Mesmo considerando que só há turmas de Educação Infantil, para mim não justifica. De clássicos, apenas releituras muito simples e humildes de contos maravilhosos, como Chapeuzinho Vermelho e Cinderela. Autores brasileiros, só o famoso "Menina Bonita do Laço de Fita", de Ana Maria Machado, que já seria usado na semana da consciência negra. Estava cada vez mais difícil encontrar uma boa história para trabalhar.
Eu não queria algo tão curto, como as famosas fábulas, mas não queria nada tão extenso quanto Sítio do Pica-pau Amarelo. Afinal, meus alunos estavam beirando os cinco anos. Não ia dar tempo de criar uma adaptação que fizesse jus às histórias de Monteiro Lobato. Foi então que, ao olhar para minha estante de livros a lombada escrita "Alice" gritou para mim de um jeito que nunca fizera antes. Mas então outro problema apareceu: como trabalhar Alice com crianças de quatro anos de idade? O que "tirar" da história? O que eles conseguirão assimilar? O que eu posso trabalhar? Números? Só se for com as cartas da Rainha de Copas. Lateralidade? Talvez... Mas e se eu não "trabalhar nada"? Se eu contar a história para que eles a conheçam e talvez gostem? Se minha única preocupação for tentar fazer com que eles se interessem pelo livro, pelos personagens e que se encantem com o País das Maravilhas tanto quanto eu? Não custava tentar.
Separei então minhas versões mais simples de "Alice no País das Maravilhas": uma delas presente no livro Clássicos da Disney, com ilustrações tiradas do filme de 1951, e outra da coleção Clássicos Para Sempre, do Maurício de Sousa, onde a protagonista é encarnada pela Magali.
Comecei lendo a versão do Maurício de Sousa, que é bem simples. Nela a ordem de alguns acontecimentos é invertida e o livro conta basicamente que Alice avista o Coelho Branco, o segue, cai em um buraco, bebe a poção para diminuir, encontra as cartas pintando as rosas, passa pela casa do Coelho, onde come outro biscoitinho e fica gigante, encontra o Chapeleiro e faz uma parada para um chá até encontrar a Rainha. Quando chega perto de Alice para ensiná-la um jogo, a Rainha de Copas tropeça, perde o brinco e acusa a menina de roubá-la. Os guardas saem atrás de Alice enquanto a Rainha grita que lhe "cortem a cabeça", quando a menina finalmente acorda, encerrando o sonho e a história.
Fechei o livro pensando que eles achariam tudo uma loucura e fiquei completamente surpresa ao ver que eles adoraram! Recontaram cada parte da narrativa colocando nela detalhes e curiosidades. Desenharam coletivamente, procuraram as letras dos nomes dos personagens, se arriscaram a escrevê-los e desenhá-los e eu maravilhada! No final do dia, me pediram para contar novamente e tive a ideia de apresentar o comecinho da versão de Walt Disney, bem mais completa comparada com a de Maurício de Sousa, principalmente nas ilustrações. Mais uma vez, eles amaram e vi que tinha dado certo!
É claro que me perguntaram o que eu estava ensinando dando Alice para os meus alunos de apenas quatro anos, e eu apenas respondi que estava executando o que o projeto tinha a proposta de fazer: mostrar a importância da leitura e da contação de histórias para a formação das crianças. Eles tiveram contato com diferentes versões da obra, da mais simples a mais complexa. Arrisquei-me em levar até a minha versão em inglês e fiquei encantada com a maneira que eles manuseavam e me relatavam as diferentes opiniões sobre as edições. Eles descobriram que a mesma história pode ser contada de maneiras diferentes na prática. Ouviram duas versões distintas, assistiram a dois filmes diferentes (Disney 1951 e 2010), tiveram contato com duas edições "para adultos" e ainda recontaram do seu próprio jeito e a ilustraram! Foi maravilhoso! Além de tudo ainda ampliaram o conhecimento de mundo, pois tiveram contato com os jogos de cartas, "brincaram" com o baralho, e em nossa culminância fizemos um chá de "desaniversário" onde muitos beberam chá (mate) pela primeira vez.
Foi uma surpresa, tenho que confessar. Foi o primeiro trabalho baseado em um livro mais complexo e também o primeiro que fiz apenas pensando no livro e na história e hoje vejo o quanto isso foi importante para os meus alunos. Sei que eles se lembram do que fizemos. Tenho certeza de que a experiência os marcou de alguma forma. Um exemplo foi ver uma das alunas que participaram desse projeto com uma mochila da Alice no início do ano letivo sorrindo toda contente ao me encontrar e mostrar toda orgulhosa o material novo.
Depois dessa experiência tenho pensado mais a respeito do trabalho da literatura em sala de aula sem, necessariamente, o objetivo pragmático por trás das escolhas dos títulos que serão trabalhados. Vejo muito isso acontecer, principalmente na Educação Infantil. O livro é sempre pensado através do olhar sobre "o que o professor vai tirar dessa história". Ele pode trabalhar matemática, português, noções de meio ambiente, ou apenas vai sentar para contar uma historinha? Por que os clássicos na Educação Infantil se restringem aos contos maravilhosos? E isso acontece apenas porque eles são destinados a crianças? Por que subestimar os pequenos com o nosso preconceito de que eles não têm maturidade para compreender?
Com base na minha experiência, e em Ana Maria Machado, que aborda justamente a questão da leitura dos clássicos desde cedo, hoje vejo a importância de ampliar esse tipo de trabalho: o trabalho do livro pelo livro. Segundo a própria autora, não é necessário que as crianças tenham contato com versões originais dessas narrativas, mas sim que elas tenham a oportunidade de conhecer essas histórias:
O que interessa mesmo a esses jovens leitores que se aproximam da grande tradição literária é ficar conhecendo as histórias empolgantes de que somos feitos. Também não é necessário que essa primeira leitura seja um mergulho nos textos originais. Talvez seja até desejável que não o seja, dependendo da idade e da maturidade do leitor. Mas creio que o que se deve procurar propiciar é a oportunidade de um primeiro encontro. Na esperança de que possa ser sedutor, atraente, tentador. (MACHADO, Ana Maria. 2002).
Na mesma obra, "Como e Por Que Ler Os Clássicos Universais Desde Cedo", Ana Maria Machado mostra que a ambientação e o contato com esse tipo de produção literária já na infância diminuirão a resistência e o impacto negativo quando o leitor for apresentado aos clássicos adultos, como Machado de Assis, Guimarães Rosa e José de Alencar.
Se o leitor travar conhecimento com um bom número de narrativas clássicas desde pequeno, esses eventuais encontros com nossos mestres da língua portuguesa terão boas probabilidades de vir a acontecer quase naturalmente depois, no final da adolescência. E podem ser grandemente ajudados na escola, por um bom professor que traga para sua classe trechos escolhidos de algumas de suas a leituras clássicas preferidas, das quais seja capaz de falar com entusiasmo e paixão. (MACHADO, Ana Maria. 2002).
Sobre a questão do pragmatismo da literatura na educação infantil e o medo existente em apresentar certas obras para os pequenos por receio de que eles não compreendam, a autora ressalva que o mundo ficcional é importante por si só para a criança, pois faz com que ela se expresse e tenha um tipo de válvula de escape, uma fuga da ansiedade normal que nos atinge quando tentamos retratar algo verdadeiro a respeito do mundo. Para ela, "qualquer passeio pelos mundos ficcionais tem a mesma função de um brinquedo infantil.".
Assim como a brincadeira, não há necessidade de encher de utilitarismo a literatura e nem petrificá-la ao nosso modo e engessá-la em nossa interpretação como se essa fosse a única possível, principalmente em turmas de Educação Infantil. O ato da leitura por si já é edificante e modificador, não é necessário regras e modelos e essa é uma das características mais preciosas da literatura. Cada um receberá de um livro algo só dele.
Além de tudo o que já foi exposto, Ana Maria Machado mostra várias outras razões para que os clássicos literários sejam trabalhados desde a infância. Dentre elas há a questão da atemporalidade desse tipo de obra, que nos permite viajar para um lugar e tempo desconhecidos e, simultaneamente, ligar nossas experiências atuais com a narrativa, mesmo que ela seja de outra época.
Outro ponto explorado pela autora, e pelo qual fui questionada quando decidi trabalhar Alice, é a rotulação das obras como "para crianças" ou "para adultos". Por se tratar de uma história complexa, tive dúvidas se eles conseguiriam compreender o enredo, mas ao mesmo tempo resolvi arriscar ao lembrar que com certeza eles não entenderiam tudo, até porque as versões que trabalhei eram adaptadas, com uma linguagem mais simples. Mas alguma coisa eles entenderiam, eles achariam interessante – mesmo que fossem apenas as ilustrações dos livros. Não há motivo para subjugar e principalmente descartar uma história porque ela não foi indicada para aquela faixa etária, pois algumas vezes serão justamente essas obras que chamarão a atenção do leitor. No caso de "Alice no País das Maravilhas", Ana Maria Machado também defende o fato dos livros serem interessantes aos olhos infantis por serem extremamente solidários com o ponto de vista dos mais novos, apresentando liberdade de pensamento, críticas sociais e escolares (como o fato de Alice reclamar que o livro não tem gravuras), e explora situações inesperadas, assim como a lógica comum virada pelo avesso.
Encerro então convencida de que o trabalho com a literatura na primeira infância ainda tem um longo caminho a percorrer. Em muito já se avançou, mas acredito que o maior obstáculo seja a falta de orientação dos profissionais que trabalham na primeira infância. A Educação Infantil não pode ser vista como uma preparação para as próximas etapas da vida apenas. Ela precisa ser tratada com o devido valor e trabalhada no ambiente escolar como uma fase de aprendizagem e desenvolvimento tão importante quanto as que a sucedem principalmente no que diz respeito à formação de leitores. Aproveitar a liberdade multidisciplinar dessa fase nas instituições de ensino para que a leitura não se torne um fardo para a vida inteira é o melhor caminho a ser seguido e disso não tenho dúvidas. Como deixou perfeitamente claro uma das mais importantes autoras infantis de nosso país:
"Ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de cada cidadão, não um dever. É alimento do espírito. Igualzinho a comida. Todo mundo precisa, todo mundo deve ter a sua disposição – de boa qualidade, variada, em quantidades que saciem a fome." (MACHADO, Ana Maria. 2002)












Referências Bibliográficas:
MACHADO, Ana Maria. Como e Por Que Ler Os Clássicos Universais Desde Cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
FEIJÓ, Mário. O Prazer da leitura. Como a adaptação de clássicos ajuda a formar leitores. São Paulo: Ática, 2010.
SOUSA, Maurício. Alice no País das Maravilhas. São Paulo: Girassol Brasil Edições LTDA, 2015.
CARROLL, Lewis. Alice. Edição Comentada e Ilustrada. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

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