Turismo, Direito e Democracia Excerto

June 9, 2017 | Autor: Virgilio Machado | Categoria: Governance
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Índice

1. Introdução...............................................................................................

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2. As relações entre Turismo, Direito e Democracia ........................... 2.1. Turismo, Direito e Democracia enquanto instrumentos de comunicação .............................................................................. 2.2. Turismo, Direito e Democracia enquanto métodos de organização. ............................................................................... 2.3. Turismo e Democracia enquanto valores fundamentais. O papel do Direito Internacional ................................................. 2.4. O território turístico nas relações entre Turismo, Direito e Democracia................................................................................... 2.5. Primeira etapa. A viagem segue dentro de momentos .............

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3. França. Liberté, Egalité et Fraternité na liderança do turismo mundial ...................................................................................................

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4. China. Um país, dois sistemas turísticos ..........................................

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5. Estados Unidos da América. Poder turístico glocal ........................

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6. Balanço turístico internacional. Mais turismo, melhor democracia .............................................................................................. 109

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7. Portugal. Além-mar, aquém turismo ................................................. 7.1. Viagem num tempo regulador turistico-democrático .............. 7.2. Relações entre Turismo, Direito e Democracia na actualidade................................................................................. 7.3. O futuro turistico-democrático do mundo português ..............

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 %LEOLRJUDÀD ............................................................................................. 197

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Introdução

O propósito deste livro é transmitir prazer na sua leitura. Convocar uma emoção, um sentido de melhoria. Um nutriente que desejamos seja composto de felicidade para ser ingerido pelo nosso cérebro. Uma boa experiência. Dir-se-á. Não é para isso que serve o turismo? Tendo em 2010 publicado em livro a minha tese de doutoramento em turismo sob o título Direito e Turismo como instrumentos de Poder – os Territórios Turisticos entendi fazer, desta vez, algo de diferente. Porquê? Talvez SRUTXHXPDWHVHFLHQWtÀFDSRGHQmRVHUDPHOKRUIRUPDGHYLYHUVHQWLUH pulsar o turismo. Ou o Direito. Ou a Democracia. Também não é seguramente a mais acessível. No processo de escrita deste livro não se faz investigação pura ou aplicada, não há recolha de provas, não se fazem entrevistas. Não se apresenWDP FRQFHLWRV 6HP SUHRFXSDomR GH GHPRQVWUDomR GH WHRULDV FLHQWtÀFDV Também não se trata de nenhum romance, novela ou poesia. Ou de um livro de intervenção politica, dado o seu título. 1mRVHLFODVVLÀFDUHVWHOLYUR0DVSRGHUiTXDOTXHUXPGHQyVFODVVLÀcar turismo ou Democracia numa prateleira ou ramo do Conhecimento? O melhor será criar uma própria com o tema: Turismo. A sua possível LQÁXrQFLDEHQpÀFDQRGHVHQYROYLPHQWRKXPDQRFRQYRFDQRVDXPVHQtido de melhoria, de um rumo, de uma viagem. Quando se procura um livro de turismo, o funcionário da livraria remete-nos invariavelmente para prateleiras onde se encontram guias de viagens, mapas e roteiros. Colocamo-nos num ponto de partida. Este livro

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propõe-se constituir um ponto de partida para uma viagem no espaço e no tempo sob temas mundiais ( Turismo e Democracia) em que o resultado ÀQDOVHMDVLPSOHVPHQWHRJR]RGHROHU&RPHVSHUDQoDPXLWDHVSHUDQoD no futuro. Como quando partimos para uma viagem. Permitam-me citar Jean Grenier em “Les Iles”: “Podemos, pois, viajar, não para fugirmos de nós mesmos, coisa impossível, mas para nos encontrarmos.” Na procura das diferenças no mundo, encontramos a nossa identidade. Para nos posicionarmos e movimentarmo-nos nele. Turismo e Democracia são palavras, símbolos fortes que podem guiar nosso pensamento. O seu poder simbólico permite obter relações humanas, experiências, transacções. De hospitalidade, proximidade ou comuQLFDomRVHMDP0DVTXHHPTXDOTXHUFDVRQRVLPSHOHPDXPDLGHLDGH movimento, progresso ou felicidade. Vale a pena equacionar as relações entre turismo e Democracia. Em primeiro lugar, o turismo é um negócio mundial. Gerador de investiPHQWRYHQGDGHVHUYLoRVFULDGRUGHHPSUHJRUHQGLPHQWRHUHFHLWDÀVFDO A sua relação com a Democracia constitui uma oportunidade para qualquer país corrigir desigualdades, combater a pobreza e garantir uma certa coesão social. Utilizando uma política pública de regulação como seu instrumento. Em segundo lugar, a inserção de valores como Justiça e Democracia na relação com o turismo aporta a esta actividade uma redobrada implicação, um alerta, uma nova legitimidade no plano de valores políticos, sociais e culturais, a introduzir nas intervenções dos Estados no turismo, palco que tem sido desfavorecido em prole de discursos e práticas tecnocráticas e economicistas nos planos da actividade politica, prática institucional e DGPLQLVWUDWLYDHDWpQDSUySULDLQYHVWLJDomRFLHQWtÀFDHXQLYHUVLWiULD Em terceiro lugar, a análise das relações entre turismo, Direito e Democracia constitui um excelente indicador para avaliação das relações entre poder económico e poder político; entre negócios e políticas públicas; entre “mercados globais” e sociedades nacionais, tão carentes de análise, através de processos, ferramentas e instrumentos que induzam conÀDQoDQRGHVHQYROYLPHQWRGHXPPXQGRWmRFRPSOH[RTXDQWRJOREDOQD actualidade.

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1. Introdução 9

Este livro propõe-nos um caminho. Que entre turismo e Democracia existe uma “transacção hospitaleira”, uma relação “ganhador-ganhador” que poderá conduzir as sociedades e o mundo em que vivemos a um estado qualitativamente melhor. Desde que os Governos assumam um papel regulador, pelo Direito, na determinação dos resultados dessa relação. Acreditamos numa viagem se ela nos aportar mais felicidade, conhecimento, bem-estar físico ou espiritual. Se, do resultado desta viagem, no nosso regresso, resultarem estes atributos, designadamente, quanto à forma como podemos construir e relacionar turismo com comunidades ou uma sociedade global mais justa e mais democrática, valeu a pena tê-la empreendido. $ UHJXODomR p D E~VVROD RULHQWDGRUD GD YLDJHP &RP HOD YHULÀFDUHmos se o turismo é sinal de progresso, emprego, riqueza e de aproximação dos povos. Tendo em consideração que turismo, Democracia e Direito são construções sociais e humanas, assim como as paisagens, monumentos e PRGRVGHYLGD5HÁHWLUHSHUFHEHUPHOKRUDUHJXODomRVREUHWXULVPRDMXGD a compreender-nos a nós próprios e ao mundo em que vivemos. Pretende-se descobrir o mundo sem pretensões de levarmos uma bagagem constituída por uma ideia irreversível ou uma ideologia triunfante, tendo em vista a construção de uma ordem única e uniformizadora. A diversidade, no conhecimento, na vida e na viagem, só nos enriquecem. Assim, a viagem passa por vários continentes, desde a Europa, à América, passando pela Ásia e por países que são, hoje, grandes potências turisticas mundiais. Analisaremos, em particular, os casos da França, China e Estados Unidos. Pulsares diferentes inseridos numa linguagem comum. A viagem regressa a Portugal para mergulhar num território que é, simultaneamente, espaço e tempo e, com os conhecimentos adquiridos SHODH[SHULrQFLDLQWHUQDFLRQDOSDUDDSURFXUDGHHQVLQDPHQWRVHUHÁH[mR prospectiva para o tempo do turismo de hoje que é, simultaneamente, passado e futuro. 1DYHUGDGHOLYURVHYLDJHQVVmRFRPRDYLGDRXRVÀOKRVWXGRDTXLOR que nos faz sentir, pulsar, sofrer ou regozijar. Turismo e Democracia consWLWXHPXPDYLDJHPGHUHODomR3DUHFHVLPSOHV0DVFRPRDYLGDFRQVWLtui uma relação dura e difícil. Como a Justiça. É um caminho. E este faz-se caminhando. Neste livro, propõe-se ir à sua descoberta.

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As relações entre Turismo, Direito e Democracia

2.1. Turismo, Direito e Democracia enquanto instrumentos de comunicação Na revista Luxury Travels & Safaris, em português, edição do Inverno de  GHSDURPH FRP LPDJHQV VXUSUHHQGHQWHV 8PD IRWRJUDÀD GH GRLV casais jantando numa mesa com toalha à luz de candeeiros pendurados nas árvores de uma safana africana, com girafas curiosas por perto. O anúncio promocional simplesmente diz “South Africa – It’s possible”. Na mesma revista, sob o título “Peru – desde Lima até ao Vale Sagrado”, YrVH XPD IRWRJUDÀD GH XP MLSH FDPLQKDQGR D SDU GH XP UHEDQKR GH ovelhas, acompanhadas de lamas e vacas nativas. Ou ainda um casal almoçando a sós numa mesa, com toalha impecavelmente branca, da mesma cor do palácio que se avista à distância. Estão no meio de um lago num cais de amarração improvisado com o título “Taj Lake Palace – 5HOD[HPHGLWHHÁXWXHQHVWHSDOiFLRGHVRQKRµNa Índia, supostamente, não longe do 7DM0DKDO Se pensarmos e meditarmos um pouco sobre estas imagens, chegamos à conclusão que estas imagens constituem artifícios publicitários. Não se almoça na Índia em cais improvisados. O conceito de esplanada, lá, não existe. A rua é toda ela local de vida dos indianos, de convívio, industria e comércio. Por sua vez, o jipe é um meio de transporte evasivo e perturbador da placidez nos Andes e, geralmente, não utilizado nessas montanhas pelos

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peruanos. Os sul-africanos não jantam em savanas à luz de candeeiros pendurados nas árvores. Ou com girafas ou elefantes a assistir. Dizem os manuais que, no turismo, procura-se o que é diferente, típico ou exótico. Estas imagens publicitárias convidam a isso mesmo: à evasão, ao relaxe, à conquista em ambientes diferentes do nosso local de origem. 0DV QmR VmR QHXWUDLV (QFHUUDP HP VL PHVPR SRGHURVRV VtPERORV GH comunicação e dominação. Como diz Bourdieu em o Poder Simbólico, tudo o que é diferente (o outro ambiente, a outra cultura, o outro território) encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra. As imagens vendidas pelo turismo são espaços de enquadramento, tendo em vista manipular percepções e comportamentos e, consequentemente, moldar espaços de dominação política e económica. Tal como as projecções, estimativas e previsões dos agentes económicos e políticos. 3HQVHVHQDIRWRJUDÀDTXHFDSWDDLPDJHPGHXPDEHODPXOKHUGHFRU branca, com vestidos urbanos e informais, elegante, maquilhada. É a fotoJUDÀDGHFDSDSULQFLSDOQXPDEURFKXUDSXEOLFLWiULDSDUDYHQGDGHIpULDV em praias da Indonésia ou da República Dominicana de um operador turístico europeu. Esta mulher, sendo bonita, transporta consigo uma imagem de vida, de triunfo de beleza e elegância, de moda e de consumo desde o seu país de origem. O destino é desvalorizado. Pode ser nas Seychelles, Maurícias, México. Pouco importa. Desde que tenha praias com sol e mar abundantes em águas cálidas, constituem instrumentos para reforço do poder do turista. 3HQVHVHDLQGDQDIRWRJUDÀDHPTXHQDWLYDVGRPLQLFDQDVRXLQGRQpsias, nos mercados locais, vestidas nos seus trajes de festa, convidam os compradores turistas, com um gesto acolhedor, à compra de fruta e vegetais. Provavelmente, na labuta diária, tais nativas não utilizam tais trajes. Trata-se de um palco montado para um HVSHFWiFXOR de consumo. (VWDV IRWRJUDÀDV DQ~QFLRV LPDJHQV SXEOLFLWiULDV WrP FRPR DOYR R turista. Quem comanda é o fotógrafo (ou quem lhe paga para esse trabalho) que, com a sua perspectiva, recria um ambiente, uma imagem, uma H[SHULrQFLDGLUVHLDXPÀOWURGHUHODo}HVGHSRGHUVREUHXPORFDOTXHVH designa destino turístico.

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Estas perspectivas (o gaze que nos relembra Urry em The Tourist Gaze) contêm elevado potencial de distribuição de poder a favor do turista, da VXDFXOWXUDGRVHXPRGHORGHYLGDPXLWDVYH]HVDUWLÀFLDOHGHFRQVXPR a desfavor das identidades das populações locais. Como defendem Santos e Gama em 7HPSR/LYUH/D]HUH7HUFLiULR a aproximação entre tempo de lazer e consumo aguça processos de diferenciação social. O consumo também oprime, especialmente, a quem, por razões de rendimento, não pode aceder a ele. Dir-se-á que, não existindo acesso igualitário ao lazer, ele não será democrático. Todavia, existe um potencial democrático por detrás destas imagens. Elas contêm espaços de liberdade de criação intelectual e/ou artística e direitos de autor na publicidade e venda de serviços. Têm a ver, ainda, com o direito, a liberdade de iniciativa económica e criação de riqueza pela capacidade que têm em conquistar clientela, mercado, o que é próprio do turismo, HQTXDQWR QHJyFLR 2 OD]HU HQTXDQWR WHPSR GH SURGXomR PDVVLÀFDGR H industrializado, induz a sociedade a exigir mais tempo e rendimento para seu consumo o que reforça exigências de Democracia económica e social. Neste negócio, as empresas têm o direito, a liberdade de concepção e de divulgação das suas mensagens publicitárias, desde que não afectem valores fundamentais da ordem jurídica pública e bons costumes nas sociedades onde são emitidas e divulgadas. O que supõe sempre uma relação, uma transacção entre ordens jurídicas entre os países de origem e destino dos turistas. A emergência de uma ordem jurídica global por via da aceleração de transacções provocada pelo crescimento do turismo pode consolidar este valor liberdade por lhe aportar mais responsabilidade, ou seja, por expor as mensagens a um acervo crítico mais profundo na relação entre empresa emissora e o mundo global. Em segundo lugar, tais folhetos, programas, imagens têm um público-alvo. Destinam-se a consumidores, a turistas, não a populações locais RX QDWLYDV 2 SRWHQFLDO FRQÁLWR FRP HVWDV VXUJH IRUWHPHQWH DWHQXDGR Enquanto negócio, o turismo não subsiste sem turistas. Estes são o fundamento da sua sustentabilidade. E há que transmitir-lhes sensação de poder no momento em que se gera o negócio, uma relação de consumo.

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Na verdade, há que referir que todas as imagens contêm um potencial de relação entre turista e destino turístico onde supostamente se proFXUDPFRQWH[WXDOL]DU1DIRWRJUDÀDGDVDYDQDDIULFDQDYDORUHVQDWXUDLV (a árvore) e faunísticos (elefantes, girafas) constituem importante suporte ambiental a preservar duradouramente para a boa fruição da experiência turística. A imagem indiana tem como fundo um edifício com a arquitectura típica dos palácios marajás do Rajastão que têm em Jaipur o seu epicentro. A placidez das águas no lago reforça a imagem do bucolismo próprio da cultura hindu e das suas riquezas imperiais, como elementos de autenticidade cultural e ambiental do GHVWLQR,QGLD O jipe em plena montanha andina está atrás do rebanho de ovelhas, lamas e vacas, como que a demonstrar a prevalência deste conjunto assente na maioria (GHPRFUiWLFD) de elementos locais que a compõem a conter o suposto elemento invasivo com que, todavia, interagem. Finalmente, a própria mulher bonita ocidental ao se anunciar na ligação a destinos turísticos exóticos como Seychelles, Indonésia ou República Dominicana, com belos tons de uma pele bronzeada, não deixa de transmitir uma mensagem importante: a sua beleza é reforçada com o consumo desse destino turístico. É este potencial de relação que importa explorar nas relações entre turismo, Direito e Democracia, enquanto instrumentos de comunicação. $'HPRFUDFLDHQTXDQWRSRGHUGRSRYRHQTXDQWRUHÁH[RGDSROtWLFDGRV muitos e, essencialmente, do demos, da “gente sem nada”, não pode subsistir sem constituir um poderoso instrumento de comunicação, construindo-se, pelo Direito, espaços de liberdade e relações de responsabilidade. Como diz João Esteves em Espaço Público e Democracia, a experiência simbólica de comunicação é um espaço de mediação público-privado. O público, diz, torna-se estritamente dependente dos seus membros (individuos que assumem a sua privacidade e a fazem um espaço de liberdade, um “trabalho de vida”) e o privado só pode constituir-se plenamente, quando se projecta numa experiência de vida em comum. A Democracia, enquanto envolvência do cidadão a um espaço de pertença, de envolvência no que é comum, pressupõe, enquanto condição sine

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qua non, um espaço de cooperação e complementaridade público-privada. Pode utilizar o turismo, também, enquanto instrumento de comunicação para o seu reforço e consolidação. Na verdade, o turismo é um espaço simbólico e de comunicação S~EOLFRSULYDGD 9ROWHPRV jV IRWRJUDÀDV FRP TXH LQLFLiPRV HVWH VXEFDpítulo. Destinam-se a turistas, é certo. Nelas se projetam simbolicamente RVGLUHLWRVGRWXULVWDDROD]HUDRPRYLPHQWRjERDYLGD$VIRWRJUDÀDV ou imagens que se projetam no turista, envolvido numa experiência de viagem, preocupam-se com a boa vivência da própria vida. Seja nas refeições na savana, o transporte em contacto com ovelhas ou no alojamento num palácio, as imagens invocam respeito pela tradição, cultura, história, natureza. Ainda que mercantilizadas num pacote de venda. Pois aí encontramos fundamentos para uma sociedade global comunicacional que explora a diversidade como fundamento da sua identidade. Encontramos alicerces para a construção de uma sociedade mais democrática. O potencial de comunicação destas imagens com o hospedeiro (seja o recepcionista no hotel, o guia turístico na excursão de grupo ou um animador na piscina) é grande. Ele também pode aspirar futuramente a esses direitos. Pode bater-se por princípios de diversidade e tolerância para com comportamentos, hábitos e tradições dissonantes de diversas culturas e turistas. Fá-lo por contactar com eles, utilizando-os como suporte de trabalho e emprego e instrumento para a melhoria da sua qualidade de vida. Por outro lado, todo o direito do turista ao movimento implica uma organização pública que lhe assegura a livre circulação. O direito do turista a uma refeição pressupõe o cumprimento de requisitos de higiene, salubridade e saúde pública. O conforto do turista no direito à privacidade no quarto do hotel é assegurado por mecanismos de tranquilidade e segurança coletiva. Da sua pessoa e dos seus bens. O turismo necessita, tanto de empreendedorismo, inovação e iniciativa para crédito de capitais ao disperso empresário, como de sua coordenação, concentração e sua integração em aeroportos, estradas e redes de comunicação. Nada é mais público-privado que no turismo. É por isso que ele tem que constituir um poderoso instrumento de comunicação.

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A Democracia pode ter uma relação ganhadora com esse instrumento. Basta pensarmos que a comunicação pressupõe informação. Por exemplo, quando o recepcionista do hotel presta informações sobre mensagens e correspondência que sejam destinadas aos hóspedes. O recepcionista é, de facto, um pronto-socorro do cliente: na tradução linguística, na assistência em caso de apoio médico, na informação de preços e serviços. Democracia implica um provedor em linha para tutela e garantia dos direitos fundamentais do cidadão. A informação também está na viagem organizada por parte do operador turístico ao turista sobre todas as características especiais da viagem, documentação que se deve munir para a sua realização (vistos, passaportes), inclusive, para questões de saúde e seguros de viagens. Ainda no animador turístico sobre riscos potenciais de uma experiência de mergulho UHFUHDWLYR$ LQIRUPDomR YLVD LQGX]LU FRQÀDQoD H JHUDU XPD UHODomR GH hospitalidade. Que melhor instrumento para um Governo democrático contactar com seu povo? A comunicação de riscos potenciais, a existência de diversos ónus de organização na sincronização dos serviços turísticos, deveres de informação prévia e de responsabilidade objetiva da empresa turística (ex: segurança, assistência, qualidade alimentar) face à ocorrência de prejuízos que recaem sobre o turista são contributos muito importantes que um turismo regulado pode proporcionar à Democracia. Esta reforça-se, enquanto projeto de construção de uma sociedade mais transparente e cooperante, mais informada e responsável por parte dos órgãos de soberania e poderes públicos em geral a favor dos cidadãos. Baseada num método comunicacional. Os Governos de diversos países, as organizações mundiais e nacionais públicas e privadas responsáveis pela construção e implementação de sociedades mais democráticas devem estar atentos, pelo Direito, ao poderoso instrumento simbólico de comunicação que é o turismo. Despertando valores de hospitalidade nas escolas, formando jovens no atendimento em postos de informação turística no Verão, incentivando o trabalho de comunicação com as culturas, tradições e mentalidades dos povos que visitam turisticamente seus países.

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Na verdade, em todas as imagens deste negócio em que se estabelece uma UHODomRIDYRUiYHO do turista, com direitos e responsabilidades, ao meio ambiente de visita, pode-se estar a promover Democracia. E, ao fazê-lo, efectiva-se melhor o negócio do turismo. É o que faz exemplarmente, a França. Como veremos, sob a divisa Liberdade, Igualdade e Fraternidade, forte símbolo comunicacional de valores da Liberdade e Democracia no mundo, se constitui, nos inícios do século XXI, como o maior destino turístico mundial.

2.2. Turismo, Direito e Democracia enquanto métodos de organização O método é palavra de origem grega (meta + odos) 6LJQLÀFD FDPLQKR mecanismo de acção de investigação, técnica para atingir um resultado. Envolve geralmente um processo, ou um procedimento, um conjunto de DFWRVVHTXHQFLDLVWHQGRHPYLVWDDWLQJLUGHWHUPLQDGRÀP2GR'LUHLWRp a realização da Justiça. A Democracia, como assinala Paulo Trigo Pereira em Dívida Pública e 'pÀFH 'HPRFUiWLFR, é um método, um arranjo institucional, um processo que se pretende transparente e imparcial de deliberação pública, assente QXP FRQWUDWR FRQVWLWXFLRQDO GH FRQÀDQoD HQWUH D RUJDQL]DomR GR SRGHU politico e seus cidadãos. Valores como a acessibilidade, a universalidade e a estabilidade de bens e políticas públicas destinadas aos cidadãos são entendidos como fundamentais nesse contrato constitucional. Os processos são tensões construtivas necessárias nas sociedades democráticas, onde funciona o contraditório em que várias vozes se devem deixar ouvir, onde se procuram concordâncias práticas das discordâncias, onde, ainda, a maioria conjuntural se debate contra constelações comunitárias de valores da sociedade tendo, em qualquer caso, a necessidade de se obterem consensos como fonte de progresso e desenvolvimento. O turismo também pressupõe consensos de diversa ordem. O operador turístico tem que procurar sincronização no espaço e no tempo de diversos serviços vendidos na sua viagem organizada: transporte, alojamento, restauração e animação, entre outros. O hoteleiro tem que articular

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serviços de arrumação e limpeza com room service, serviços de restauração e bebidas, informação na recepção e animação para grupos nas piscinas e espaços de lazer. Quando nos deslocamos a uma agência de viagens e consultamos várias brochuras de programas de férias a nível mundial ou o fazemos na Internet parece que navegamos numa ordem económica e social sincronizada, global, à escala mundial preparada ao minuto para satisfazer os nossos sonhos e aspirações exigíveis em direitos. Por sua vez, o organizador de cruzeiros tem que combinar serviços de transporte, animação a bordo e visitas guiadas em terra. O turismo é difícil e complexo. Assim como a Democracia. Ou a Justiça, realização fundamental do Direito. Ainda muitas vezes é necessário conciliar interesses de operadores públicos e privados: no museu, no parque natural, no transporte, no aloMDPHQWRQRVHUYLoRGHLQIRUPDomRWXUtVWLFD&RPRGL]0RLVVHWHPO papel GDV SDUFHULDV QD HODERUDomR GH SURMHFWRV WXUtVWLFRV $ H[SHULrQFLD IUDQFHVD, ao turista pouco lhe interessa se o operador é público ou privado: interessa-lhe, sim, a experiência global; do aeroporto ao museu, passando pelo restaurante ou hotel. A satisfação global, diz, resulta de um sentimento de conjunto e, como sempre, é o elo mais fraco da cadeia que irá ditar a VDWLVIDomRÀQDOGRFOLHQWH A produção turística implica uma proximidade ou interacção entre agentes que a oferecem e os que a usam. É necessário o uso, o consumo do serviço turistico para produção de riqueza e esta passa por uma interacção, colaboração entre todos os que estão direta ou indirectamente interessados no negócio do turismo. Para todos estes sentimentos de conjunto, sincronizações sucessivas, experiências rotineiras que se repetem viagem após viagem, época após época turística, os operadores turísticos, os hoteleiros, os transportadores, os animadores têm que estabelecer contratos de ocupação previsível (em gíria turística, allotment), com reserva de lugares a preços previamente contratados variáveis consoante a época turística. Algumas vezes, os operadores turísticos fazem mesmo contratos de garantia GH UHVHUYDV GH DORMDPHQWR D XP SUHoR À[R HP TXH DVVXPHP R

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risco do negócio em caso de quebras de vendas e ocupação de clientes. Fazem-no, por vezes, para cativar o interesse de uma nova unidade hoteleira ou para demonstração do seu poder negocial. Estes contratos são, essencialmente, promessas, plataformas de conÀDQoD FUpGLWR QXPD HVSHUDQoD IXWXUD GH RFXSDomR GH FRQWLQXDomR GR negócio e do giro comercial. Enquanto crédito, necessitam de mecanismos ÀQDQFHLURVSDUDDVXDLPSOHPHQWDomRHTXHFRQVWLWXHPXPLQVWUXPHQWR fundamental de redução da complexidade que caracteriza o turismo. À Democracia também interessam mecanismos de redução da comple[LGDGHHGHFULDomRGDFRQÀDQoD(VVHQFLDOPHQWHSDUDUHVROYHUSUREOHPDV de informação junto dos cidadãos, esclarecer opções assentes em juízos de UDFLRQDOLGDGHWpFQLFDSURPRYHUDHÀFLrQFLDGDUHODomRFRQWUDWXDOVHMDGR pacto político entre os cidadãos e a organização do poder. Os Governos democráticos, segundo Rao em The Economics of Transaction Costs – Theory, Methods and Applications, são contratos inevitavelmente incompletos. Os contratos, diz, enquanto instrumentos de concertação de interesses, são espaço onde se desenvolvem relações de poder. $ FRQÀDQoD LPSOLFD D SRVVLELOLGDGH GD H[LVWrQFLD GH LQVWkQFLDV FRP autoridade capaz de preencher as lacunas, as ambiguidades, as dúvidas de interpretação, imprevisões, riscos e todas as clareiras de um contrato GHJRYHUQDomR$FRQÀDQoDVLJQLÀFDWDPEpPDWULEXLUDDOJXpPDUHVSRQsabilidade residual pelo risco de todas as situações que extravasam o risco normal dos negócios e das operações. $FRQÀDQoDLPSOLFDWDPEpPDH[LVWrQFLDGHIXQGRVGHJDUDQWLDXPD espécie de capital social, como diz Joseph Stiglitz em o Preço da Desigualdade e que constitui uma cola que mantém as sociedades unidas, um conceito geral que inclui factores que contribuem para um bom Governo, com respeito por princípios de dignidade e Justiça. Ora, a regulação do turismo constitui um bom exemplo de demonstração da existência de métodos de organização suportados em instrumentos ÀQDQFHLURV TXH LQGX]HP FRQÀDQoD jV WUDQVDFo}HV HFRQyPLFDV VXEMDFHQtes, nomeadamente, na compra do serviço turistico. Registe-se, por exemplo, nas legislações de países da União Europeia, a existência de seguros, depósitos, fundos de garantia que protegem os

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direitos do consumidor em caso de insolvência do operador turístico ou agência de viagens e turismo. No caso português, o Fundo de Garantia de Viagens e Turismo constituído por contribuições obrigatórias das agências de viagens como condição para o exercício da actividade, garante, também, o reembolso de despesas suplementares suportadas pelos turistas em caso de não prestação de serviços ou sua prestação defeituosa pelas referidas agências (art.º 31º n.º 2 alíneas a) e b) do D.L. 61/2011, de 06.05.2011, como alterado pelo D.L. 199/2012, de 24.08.2012). Estes fundos são geridos por uma entidade pública denominada 7XULVPRGH3RUWXJDO,3A decisão de reembolsos ao consumidor é tomada por uma comissão arbitral composta por representantes de defesa de interesses do consumidor, interesses empresariais e um próprio representante dessa entidade pública. Pergunta-se em que contexto de compra de outros EHQVRXVHUYLoRV IULJRUtÀFRVVHUYLoRVÀQDQFHLURVRXSRVWDLV H[LVWHHVWD SUHRFXSDomR GH JDUDQWLU FRQÀDQoD QR FRQVXPLGRU DWUDYpV GH XPD HQWLdade pública com funções arbitrais? Igualmente, nos empreendimentos turísticos em propriedade plural, seja, empreendimentos que têm uma entidade exploradora dos serviços de alojamento turístico, mas em que a propriedade das unidades de alojamento pertence a diversos investidores, existe a necessidade de uma caução de boa administração prestada pela entidade exploradora a favor dos proprietários e que é depositada no Turismo de Portugal, I.P. (art.º 59º n.º 1 D.L. n.º 39/2008, de 07.05.2008, como alterado pelo D.L. 15/2014, de 23.01.2014). A caução de boa administração, cujo montante corresponde ao valor anual do orçamento do condomínio, visa garantir a responsabilidade da entidade exploradora na administração e nas despesas de manutenção, funcionamento e conservação das instalações e equipamentos de uso comum e dos serviços de utilização comum, tais como a recepção, segurança e limpeza das unidades de alojamento e das partes comuns do empreendimento. 0XLWR JRVWDUtDPRV GH WHU HQTXDQWR FRPSUDGRUHV GH XPD UHVLGrQFLD SDUDKDELWDomRDVPHVPDVJDUDQWLDVDPHVPDFRQÀDQoDGHTXHIDFHDXPD

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DYDULDQRHOHYDGRUXPDLQÀOWUDomRQRWHOKDGRRXXPUHEHQWDPHQWRGHXPD coluna de água geral interna do prédio, existiria valor imediato de cobertura dessas despesas, quando a entidade administradora não assumisse essas funções de administração e reparação e cumprisse suas obrigações. $H[LVWrQFLDGHVHJXURVHPHFDQLVPRVÀQDQFHLURVGHJDUDQWLDIDFHD danos e prejuízos sofridos pelos turistas são comuns na actividade turística, seja no transporte, na experiência de animação recreativa ou no depósito de guarda de valores na recepção de um empreendimento turistico. 3RUTXHUD]mRHVWHVPHFDQLVPRVGHFRQÀDQoDVmRQHFHVViULRVHPWXULVPR" Visam tutelar o turista consumidor com uma protecção acrescida ou existem razões mais profundas? A protecção de direitos dos turistas consumidores, pelos quais estes serão tratados com dignidade e respeito, é um eixo importante no turismo. Este constitui, assim, um lugar de Justiça baseado numa reciprocidade civilizada, no respeito da troca de um serviço por uma retribuição, vocacionado não só para aquela protecção, mas também para garantia de funcionamento de uma ordem económica sincronizada para a prestação desses serviços. Aqui reside a razão profunda da explicação deste sub-capítulo. O turismo é um método de organização especial das sociedades porque é um negócio glocal, disse bem, glocal com vocação mundial mas que tem de atender, simultaneamente à resolução do caso concreto. Seja, global, mas simultaneamente local. 2TXHVHTXHUGL]HU"6LJQLÀFDTXHRWXULVPRpXPDDFWLYLGDGHSULQFLpalmente económica, porque retribuída, e que tem de se reger por princípios de acessibilidade, infra-estruturação e durabilidade. A sincronização de serviços é permanente, ano após ano, época sazonal após época sazonal. Tem que estar numa rede que potencialize a universalidade de acesso. 3DUDREWHUFOLHQWHVFRPHÀFLrQFLDRXVHMDPi[LPRGHEHQHItFLRVHPtQLPR de custos. Com as novas tecnologias de informação e comunicação as empresas, SURÀVVLRQDLVHDJHQWHVGHWXULVPRGHYHPHVWDUHPUHJLVWRHOHWUyQLFRSHUmanente. Lá as empresas nascem, vivem e morrem. Em debate interactivo com agentes públicos, fornecedores e turistas.

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As empresas turisticas têm que se sujeitar a um escrutínio permanente SHORV VHXV GHVWLQDWiULRV RX SURÀVVLRQDLV GR VHFWRU (P IyUXQV HOHWUyQLcos como o trip advisor ou em livro (guias Michelin ou oJXLGHGXURXWDUG  Empresas de reservas eletrónicas, como oERRNLQJFRPtêm inquéritos de opinião aos clientes. A avaliação por estas redes de informação é fundamental para a viabilidade do negócio. 0DV SHUDQWH D TXHL[D RX UHFODPDomR GR WXULVWD D HPSUHVD WHP TXH VHUiJLOÁH[tYHOHDGDSWDUVHjHVSHFLÀFLGDGHGDVLWXDomRSDUDDJLUFRP equidade, justiça no caso concreto e com soluções feitas à medida. Esta é a glocalidade regulada do turismo. Para esta dimensão global e local, as empresas turisticas necessitam GHGRLVLQVWUXPHQWRVIXQGDPHQWDLVDGLPHQVmRÀQDQFHLUD VHJXURVFDXções) e a dimensão comunicacional de informação. Uma regulação adequada garante-lhe a sua internacionalização e a capacidade de estar no terreno para a prestação do serviço ao turista. Ora, tal como o turismo, a Democracia só se enriquece se respeitar este método de organização. Tem que ter uma dimensão global para agir ORFDOPHQWHFRPHVWUXWXUDVÁH[tYHLV H[FRPLVV}HVDUELWUDLVRXSDULWiULDV mediadores, conciliadores) para interpretar leis, convenções ou contratos para o exercício de poderes ou prestação de serviços públicos e determinar justiça em caso de queixas do cidadão. A Democracia, pelo método de organização do turismo, deve aprenGHUDJDUDQWLUDWUDYpVGHPHLRVDUWLFXODGRVFRPRVLVWHPDÀQDQFHLURLQWHUnacional (ex: seguros, cauções, fundos), o capital social necessário ao fornecimento duradouro de bens públicos (ex: saúde, educação, assistência social, cultura), com estabilidade, durabilidade e continuidade, provendo o seu fornecimento ao utente carente de justiça no caso concreto. Deve ainda incentivar uma organização transparente da sociedade, atraYpVGHUHJLVWRVS~EOLFRVGHLQYHQWDULDomRFODVVLÀFDomRHDYDOLDomRGRVVHXV próprios serviços públicos, que permitam exercício de Democracia participativa, liberdade de expressão e opinião. Em Democracia, o cidadão não se pode alienar da sociedade, nem a sociedade se pode desinteressar do seu cidadão. Turismo e Democracia necessitam, assim, de uma governação multinível para tutela de bem-estar aos seus destinatários (o turista e o povo).

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0XOWLQtYHOSRUTXHWrPTXHHVWDUQRSODQRJOREDOHQRORFDO2V(VWDGRV devem, através do Direito nacional, equilibrar estas duas vertentes, seja a liberdade do turista e do negócio que a promove, seja a sua responsabilidade ambiental, social e cultural com as populações do local de destino. É no plano local que as crises de governabilidade dos Estados democráticos se manifestam primariamente como defendem &OHPHQWH-1DYDUUR e Maria Jesúz Rodríguez em Gobernanza Multí-nivel y sistemas locales de bienestar en España. Os cidadãos, dizem, fazem das leis, suas representações e práticas que lhe são impostas algo de muito diferente que os seus Autores tinham em mente, sendo necessários consensos locais, composições amigáveis e usos sociais para se viver Democracia. Também isso acontece no turismo. Como diz Veal em Leisure, Sport and Tourism, Politics, Policy and Planning, os Estados tentaram reduzir a complexidade desta equação da seguinte forma: autoridades locais agem no concreto, ou seja, no ordenamento turistico e entidades regionais ou nacionais agem transversalmente na promoção turística internacional. Esta fórmula de separação, como o Autor reconhece, nem sempre garantiu bons resultados, por culpa de tradições mais centralizadoras. Será que se referia a Portugal? Ironia minha… A organização democrática, tal como a turística, necessita de um plano local de governação. O turismo, através de guias intérpretes, recepcionistas ou animadores, não pode prescindir do carácter humanista das suas SUHVWDo}HVGHVHUYLoR'HYHLQFHQWLYDURSURÀVVLRQDOLVPRHPIyUXQVWpFQLFRVWHQGRHPYLVWDFRQWULEXLomRSDUDXPVHUYLoRPDLVUDFLRQDOHÀFLHQWHH HÀFD]'LUVHLDVHUYLoRS~EOLFRWDPEpPHP'HPRFUDFLD Turismo e Democracia, através da regulação, devem apostar na qualiÀFDomRGRVVHXVSURÀVVLRQDLVQDSUHVWDomRGRVHUYLoR S~EOLFRQRFDVRGD Democracia) como mediadores entre o turista (cidadão, no caso da DemoFUDFLD HDRUJDQL]DomR HPSUHVD(VWDGR TXHRIRUQHFH(VWHVSURÀVVLRnais são um eixo central na temática da interpretação e implementação. 2WUDEDOKRS~EOLFRTXDOLÀFDGRpIXQGDPHQWDOQD'HPRFUDFLD3DUHFHTXH em relação ao seu serviço, o turismo já o percebeu há muito. Estas são as grandes contribuições que o turismo e o Direito, enquanto métodos de organização, podem fornecer à Democracia, enquanto projeto

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político, económico e social, também, de organização de sociedade, seja ela local, seja ela global. Assente na responsabilidade perante o seu utente, o turista consumidor, ora transformado em cidadão num regime ou sistema democrático.

2.3. Turismo e Democracia enquanto valores fundamentais. O papel do Direito Internacional Permitam contar-vos uma pequena história. Em Julho de 1986 estava num comboio na Roménia. Pertencia ao grupo de jovens privilegiados em Portugal que, nessa altura, faziam férias no exterior. Com mochila às costas e com o cartão de Interrail, lá fazia o milagre de viajar em condições económicas. Com alojamento em pousadas da juventude ou parques de campismo e muita, muita comida de conserva. Com a companhia de um então colega, hoje um grande Amigo, o 0DQXHO 0DVVHQR GD )DFXOGDGH GH 'LUHLWR GH /LVERD HOH UXLYR H HX moreno, ambos com alguma barba rija, própria da juventude, não parecíamos originários do mesmo país. Éramos estranhos, mais ainda em destinos para lá da cortina de ferro. A guerra fria estava em pausa com a Glasnost de Gorbatchev. Excepto na Roménia, onde se vivia a ditadura férrea de 1LFRODH&HDXũHVFX O país parecia estar num tempo recuado. Próprio de uma ditadura dos anos 30 do século XX. Grandes cartazes com exaltação do regime e longa vida ao líder existiam em todo o lado. Com o selo do Partido Comunista. As livrarias só tinham no expositor livros do ditador. Com a sua imagem. RacionaPHQWRV GH OHLWH RYRV H SmR HUDP LPSRVWRV 0DV VHPSUH TXH LUURPSLD QR mercado negro, algum calçado desportivo ocidental, o mesmo era consumido e desaparecia subitamente. Próprio de um país a duas ou mais velocidades. A televisão tinha uma programação diária de 4 a 6 horas, muita dela com propaganda ao regime e contra o Ocidente. À noite, iluminação pública não existia. A lanterna era a alternativa. Os pedintes aqueciam-se em fogueiras em pleno Verão, sempre com medo da repressão da polícia. Imagens que nunca esquecerei.

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Os jovens, em surdina, contestavam o regime. Queriam a liberdade e a cultura do Ocidente. Os comboios eram o ponto de reunião e liberdade de H[SUHVVmRFRQWLGD0DVHUDPYLJLDGRVFRQVWDQWHPHQWHSHODSROtFLDSROttica, a 6HFXULWDWHCom ela, iria viver uma experiência inesquecível. Tudo começou numa viagem de algumas centenas de quilómetros num comboio apinhado de gente, a fazer lembrar a congestão da Índia. Conseguimos um lugar no chão perto da casa de banho. Estávamos cansados da miséria de Bucareste HGHFLGLPRVYLDMDUSDUDR0DU1HJURSDUD Costinesti, uma estância turística onde, supostamente, existiria um parque de campismo para jovens e muita animação. Quando lá chegámos, após algumas horas de uma viagem horrível e com um calor intenso, a frustração imperou. O parque e a estância ao pé do mar pareciam muito aprazíveis, face a tudo o que tínhamos visto até então. Todavia, o funcionário que nos atendeu à entrada do parque entranhou e estranhou-se connosco. O que fariam ali dois portugueses? Da outra ponta da Europa? Após procura de uma empatia comunicacional, recorrendo-se à triloJLD$PiOLD(XVpELRH0iULR6RDUHVHQWmR3UHVLGHQWHGD5HS~EOLFDTXHHUD conhecida pelo romeno, chegámos à conclusão que não valeu a pena ter ido ali. O parque era reservado à juventude do Partido Comunista. Da Roménia e de outros países. Não havia lugar para estrangeiros ocidentais sem a chancela comunista. E ordens são ordens a respeitar integralmente num regime ditatorial. O direito à liberdade de deslocação e acesso aos locais turísticos, sem discriminação, não era reconhecido ao turista. Como ao normal cidadão romeno. Chegámos à conclusão que a estância turística era um local reservado às elites políticas e alta burocracia do aparelho do Estado, dominado pelo Partido Comunista. Decepcionados, decidimos naquela noite sair da Roménia. E tomar o comboio para a Bulgária. Para a estância turística de Varna e a sua pousada de juventude. Gastámos, então, os últimos leva, a moeda romena num restaurante, o melhor que tínhamos visto na Roménia, não esquecendo que estávamos numa zona turística privilegiada. A refeição foi regada com bom vinho e ÀFiPRVDOHJUHV&DQWDQGRP~VLFDVGRDOHQWHMDQR9LWRULQRHID]HQGRDFURbacias em zonas ajardinadas.

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O pior estava para vir. No comboio para a Bulgária encontrámos jovens romenos. Conseguíamos comunicar na língua francesa. E a conversa orientou-se para as liberdades, Democracia, política. Temas proibitivos num comboio vigiado pela 6HFXULWDWHAcabámos todos por ser apanhados HPÁDJUDQWHGHOLWR7URFDGHUHVLGrQFLDVHFRQWDFWRVIRLDSUHHQGLGD Os jovens romenos saíram forçadamente do comboio, supostamente para o gabinete mais próximo daquela polícia política. Nunca mais soubemos nada deles. O inquérito e a chantagem psicológica de dois membros da Pide romena prolongou-se por várias horas. Ameaças veladas como a GHÀFDUPRVUHWLGRVQRSDtVHGHQmRYHUPRVPDLVRVQRVVRVSDLVIRUDP SURIHULGDV1mRWtQKDPRVJUDQGHFRQÀDQoDQDFDSDFLGDGHGDGLSORPDFLD portuguesa para nos proteger. Pouco nos valeria o socialismo do Presidente Soares. Ou a desnecessidade de visto para cidadãos portugueses na Roménia, negociada e concluída diplomaticamente pelo Governo provisório de Vasco Gonçalves. Tínhamos feito asneira, da grossa. Violámos um dos deveres do turista. 2UHVSHLWRSHODRUGHPSROtWLFDGHFDGDSDtV0DVVHUiTXHKDYHULDDOJXP direito reconhecido ao turista na Roménia? Hoje, passada a longa angústia e pressão de que fomos vítimas, penso TXHWLYHPRVVRUWHeUDPRVSRUWDGRUHVGHELOKHWHGHVDtGDGRSDtV$ÀQDO os polícias políticos tinham como missão conduzir-nos à fronteira e assegurar-se que iríamos embora. Ao chegarmos à Bulgária, senti um grande alívio. Nunca apreciei tanto o valor da Liberdade como então. E tinha cheJDGRDXPSDtVWDPEpPFRPXQLVWD0DVQDGDVHFRPSDUDYDj5RPpQLD Tanto assim que, dois anos depois, o regime seria deposto por uma revolução sangrenta. Esta história de sofrimento, própria de uma juventude irrequieta e ainda pouco madura, é uma boa demonstração das ligações entre turismo, Direito e Democracia. Entre a liberdade individual do turista como condição de progresso. Entre o direito de expressão e o direito de associação dos residentes e a liberdade de movimentos e deslocação do turista, com o consequente direito de não discriminação no acesso aos locais turísticos. Hoje, estes direitos parecem reconhecidos universalmente. E se não RVmRQDOJXQVSDtVHVpSRUTXHHVWHVWrPGpÀFHVGHPRFUiWLFRV9HUHPRV

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mais à frente, como a China resolve estas ligações. Ou nos Estados Unidos, como os impactos securitários do 11 de Setembro provocaram decréscimos consideráveis na indústria turística norte-americana e que motivaram reacções e medidas do Presidente Obama para relançar o turismo. Todos os direitos passam por lutas, conquistas, caminhos de sofrimento. A faculdade de ter ou agir de determinada maneira, seja com suporte na lei ou na moral, deve ser reconhecida pelos outros como legíWLPDDireitos humanos são direitos que são reconhecidos como comuns a todos os Homens, com base na sua condição humana. Declarações de Direitos Humanos são declarações de convicção, de compromisso dos Governos que as subscrevem para com o indivíduo. Veremos, de seguida, como se entrecruzam, em sucessivas convenções, códigos e declarações internacionais, os direitos humanos e os direitos do turista, estes enquanto parte integrante de uma condição de humanidade e de dignidade, de tutela de direitos fundamentais e de uma ordem política democrática. Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 consagra (art.os 13º,24º e 27º) o direito da cada um viajar, saindo e voltando ao seu país, associado aos direitos de participação livre na vida cultural da comunidade e direitos sociais dos trabalhadores de descanso e lazer, com razoável limitação da duração do trabalho e pagamento de feriados. Com o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 1966, se incluiu, também, o direito a férias periódicas pagas (art.º 7º). Em 1979, na Convenção de Direitos da Criança, estatuiu-se o direito de descanso e lazer e de acesso das crianças à participação e fruição cultural (art.º 31º); de não discriminação das mulheres (art.º 13º) na Convenção de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; de apoio jGLJQLGDGHKXPDQDGDVSHVVRDVGHÀFLHQWHV na Convenção dos Direitos dos 'HÀFLHQWHV (art.º 3.º). Todo este caminho no sentido de protecção dos direitos sociais e económicos dos trabalhadores e da não discriminação das minorias também teve a mesma senda no turismo. A liberdade de deslocação do turista (salvo razões de interesse nacional em certas zonas), assim como o direito de não discriminação face ao residente são consagradas, simultaneamente,

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(art.º 6º alíneas a) e b)) na Carta do Turismo e Código do Turista adoptados SHOD2UJDQL]DomR0XQGLDOGH7XULVPRHP Tais direitos são reforçados pela mesma organização no Código Mundial de Ética no Turismo de 1999, onde são enfaticamente declarados, o direito ao turismo (art.º 7º),como aberto a todos os cidadãos do mundo e à descoberta das riquezas do planeta, como corolário do crescimento contínuo do direito ao repouso e tempos livres e abertura progressiva a mais camadas da população, através do estímulo e apoio ao turismo social, turismo assoFLDWLYRHGRVMRYHQVLGRVRVHVWXGDQWHVGHÀFLHQWHVHIDPtOLDV No mesmo código, o direito à liberdade das deslocações turisticas (art.º 8º) é consagrado como de acesso a zonas de trânsito e estadia, no respeito do direito nacional e legislações nacionais, bem como aos locais turísticos e culturais sem exageradas formalidades, nem discriminação, com a facilidade de acesso a comunicações interiores e exteriores, pronto e fácil acesso aos serviços administrativos, judiciais e de saúde locais, assim como protecção de dados pessoais e de segurança de sua pessoa e de seus bens. A ligação entre um movimento temporário de deslocação turística, ainda que interesseiro, porque ligado a um negócio, a um consumo económico que interessa a uma sociedade ou empresas interessadas na sua venda, não prescinde e até supõe a necessidade de uma organização coletiva para lhe proporcionar qualidade, assistência e segurança em vários serviços (ex: saúde, segurança, protecção, comunicações, serviços administrativos). Essa organização coletiva deve proporcionar condições para uma relação favorável entre o turista e o território onde se desloque, potenciador de vínculos de pertença e de conexão simbólica muito fortes. Outros exemplos de Declarações, Cartas e Convenções Internacionais podiam aqui ser mencionados mas o timbre seria o mesmo. Como denominador comum, temos o direito ao movimento e à circulação reconhecido por uma ordem jurídica e ética global. Este direito é corolário de progressivas conquistas no plano dos direitos do trabalho, do lazer e da fruição cultural. Ele, também é motor de uma ideia de progresso. Orientada pela sociedade emissora dos turistas e que exporta tal ideia como símbolo de poder e de modelo de desenvolvimento.

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Por outro lado, o direito da deslocação do turista é associado a um direito de não discriminação e igualdade face ao residente no acesso a serviços públicos fundamentais (ex: comunicações, saúde, serviços administrativos) que funcionam, também, como instrumentos de desenvolvimento e de construção social para a sociedade receptora. A construção social passa, também, por implementação de políticas SURWHFWLYDV S~EOLFDV IDYRUiYHLV GH DFHVVR DR WXULVPR D PLQRULDV GHÀcientes, idosos, jovens) que constituem camadas mais desfavorecidas da população, o que nos aponta para um sentido de solidariedade e de construção de uma sociedadeHPLVVRUDGHWXULVWDVPDLVMXVWDHPDLVGLJQD Não parece despiciendo assinalar o valor destes códigos internacioQDLV1D2UJDQL]DomR0XQGLDOGH7XULVPRID]HPSDUWHQHVWHPRPHQWR cerca de 155 países. Apesar de seus códigos constituírem meras recomendações e códigos de conduta a serem seguidos pelos Governos, pelos proÀVVLRQDLVHHPSUHViULRVGHWXULVPRDSRQWDPFDPLQKRVDVHUHPVHJXLGRV por uma sociedade com vocação universal e que se baseiam numa construção social baseada nos direitos de acesso do turista e de grupos a um estado de melhoria. As aspirações de elevação a uma sociedade mais justa, mais solidária e fraterna baseada no acesso, ainda que temporário, na participação do individuo, de grupos desfavorecidos e no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, constituem eixos fundamentais de construção de uma ordem política, económica e social democrática. Os direitos do turista ligam-se a reconhecimentos de liberdade baseados HPPRYLPHQWRVWHPSRUiULRV legitimados por uma sociedade que os entende como justos e dignos e, consequentemente, os sujeita a uma construção social. Ora, aqui o turista deixa de ser mero consumidor mas passa a produtor, construtor de uma ordem social. É que o turista não tem só direitos, mas também deveres nestes códigos internacionais. Veja-se, como exemplo, a já referida Carta do Turismo e Código do Turista onde, no seu art.os 10º a 14º, se assinalam deveres de respeito e sustentabilidade com o património natural e cultural das populações de acolhimento, proibição de atitudes de abuso, exploração económica e de superioridade e que abrem caminho a uma relação sustentável

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entre o turista, o território e as pessoas que vivem no território para onde se deslocam. Como muito bem assinala Amartya Sen em Development as Freedom, a /LEHUGDGHpXPÀPSULPiULRHPVLPDVWDPEpPXPPHLRSDUDRGHVHQvolvimento. A lista das 5 liberdades que desenvolveu (politicas, económicas, sociais, garantias de transparência e segurança protectiva) editadas por Jane Samuels em Removing Unfreedoms é um bom repositório de desenvolvimento de uma sociedade democrática. Os cidadãos, como agentes de mudança sociais em conexão com a colectividade e promotores de iniciativas locais que sejam reconhecidas no mundo global, baseiam-se em princípios de acesso (acesso ao voto, às comunicações, a um habitat, à criação e expressão cultural, aos recursos económicos, à educação, à informação, à segurança social). 7DLVSULQFtSLRVGHDFHVVRVmRJHUDGRUHVGHFRQÀDQoDHFRQWUDWRVVRFLDLV de garantia e protecção contra a exploração, discriminação e injustiça. Tais princípios são mais relevantes quando se associam a PRYLPHQWRVWHPSRUirios, tais como os do turista, emigrantes, refugiados, estudantes, investigadores ou resultado de necessidades económicas temporárias. A consideração do tempo, seja ele provisório, intermitente ou momentâneo, tendo em vista o reconhecimento de uma relação nas relações entre um individuo e uma ordem económica, política e jurídica é um decisivo indicador de Democracia numa sociedade sincronizada para atender o imediato, o espontâneo, o carente de justiça no caso concreto. O direito de acesso é uma espécie de portal de entrada, uma activação junto de uma sociedade democrática, porque se baseia em princípios de legitimidade e reconhecimento. A visão do turismo como portador de liberdades de acesso ao individuo é um poderoso estímulo à criação de meios de desenvolvimento sociais, económicos e culturais organizados colectivamente. Na verdade, o exercício das liberdades é mediado por valores, mas os YDORUHVVmRSRUVXDYH]LQÁXHQFLDGRVSRUGLVFXVV}HVS~EOLFDVHLQWHUDFo}HVVRFLDLVDVTXDLVWDPEpPVmRLQÁXHQFLDGDVSRUOLEHUGDGHVGHSDUWLFLpação. Em suma, liberdade de acesso baseada em movimentos temporários, igualdade e não discriminação entre o turista e o outro, um grupo denomi-

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nado como população de acolhimento, para a qual o turista tem responsabilidades e ainda solidariedade e fraternidade com grupos desfavorecidos, parecem constituir símbolos, valores fundamentais e princípios sólidos nas ligações entre turismo e Democracia. Já falámos de instrumentos de comunicação. E de métodos de organização. E de valores fundamentais ligados à pessoa humana. São homoloJLDVVHPHOKDQoDVFRQWH[WRVGHDÀQLGDGHTXHVHSRGHPHVWDEHOHFHUQDV relações entre Turismo, Direito e Democracia. 9HULÀFiPRV FRPR D VRFLHGDGH glocal, que é a que aquela em que o turismo se movimenta melhor, se baseia em fortes instrumentos comuniFDFLRQDLVHÀQDQFHLURVGHJDUDQWLD2ULHQWDGRVSDUDDSURWHFomRGRWXULVWD enquanto consumidor, mas que potenciam valores e direitos fundamentais de acesso, enquanto produtores de uma construção social. Todavia, falta um elemento mais de suporte a essas relações. Que elemento? Enquanto construções sociais, turismo, Direito e Democracia necessitam de um território. Um elemento de afectação, físico e simbólico. Sobretudo, decisivo e acondicionador de relações entre pessoas e organizações (sim, porque o turismo é, também, um negócio entre uma pessoa e uma organização), que deverá captar e malhar os poderes simEyOLFRV GR PXQGR FRPXQLFDFLRQDO H ÀQDQFHLUR H TXH VmR VXSRUWHV GD sociedade glocal. Turismo, Direito e Democracia são sínteses provisoriamente elaboradas. O território que o suporta deverá ser simultaneamente hardware (estrutura) e software (actividade) e tem todo o interesse em funcionar em UHGHAdiante explicaremos porquê. E que faz a ligação entre direitos fundamentais associados a um movimento temporário de pessoas e a organização coletiva permanente necessária para os reconhecer e integrar numa ordem económica, social e política. Denominaremos este território como WHUULWyULRWXUtVWLFR Da forma, em especial, pela regulação, como uma sociedade ou várias sociedades colectivamente organizadas constroem política, economicamente e socialmente um território ligado ao turismo, depende o sucesso da construção de uma ordem democrática. E da viabilidade sustentável de um negócio como o turismo.

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O território deverá utilizar todos os métodos de organização e instruPHQWRVFRPXQLFDFLRQDLVHÀQDQFHLURVDWUiVUHIHULGRV(WHQGRFRPRUHIHrência os valores fundamentais de liberdade, igualdade e solidariedade. Vamos falar do território turistico de seguida.

2.4. O território turístico nas relações entre Turismo, Direito e Democracia Quando estamos nos templos de Angkor, Cambodja, considerados Património da Humanidade, não parece estarmos em lado nenhum. Sinais e bandeiUDVGD+XQJULD-DSmRÌQGLDRX(VWDGRV8QLGRVÁXWXDPDRYHQWR&DGD uma junto a um templo com placas publicitárias, indicando que o templo está a ser restaurado e mantido por esses países. Em sucessivos comunicados de imprensa, EULHÀQJV eventos diplomáticos e de negócios, todos aqueles países elogiam a atitude de “grande abertura” das autoridades do Cambodja para com outros Estados no debate de todos os aspectos que envolvem as políticas de desenvolvimento económico, social e ambiental do país. Angkor é um dos locais míticos da humanidade, à semelhança das Pirâmides do Egipto, o Taj Mahal, ou a Grande Muralha da China. Um conjunto de templos, inicialmente hindus e, depois, budistas numa cidade muralhada com uma notável arquitectura urbana composta de avenidas, ruas e praças construídas entre os séculos IX a XIII durante o ,PSpULR.KPHU A entrada custa cerca de 15 € mas a sua experiência turística não vai ser fantástica. Aguarda-o, invariavelmente, muito calor e pó. Imensas ÀODV GH WXULVWDV ID]HP GHVYLUWXDU D QDWXUH]D VDJUDGD GR ORFDO *XLDV locais gritam e competem entre si em várias línguas para captar o dinheiro do turista numa visita guiada. Alguns batem com um pau nos baixos-relevos do templo para indicar alguma informação ou comprovar um facto histórico. Não admira que, rapidamente, o monumento estivesse na lista de ULVFRGD81(6&2WHQGRVLGRQHFHVViULRREWHURFRQWULEXWRÀQDQFHLURGH 16 países a nível internacional para a sua salvação.

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No Taj Mahal em Agra, India, aguarda-o uma surpresa. As multidões próprias daquele país que vive na rua não estão lá. Uma faixa de dois a três quilómetros de protecção existe à volta do monumento, a que os turistas só acedem por autocarro movido a energia eléctrica, por questões ambientais. Dentro do complexo, com relva e espaços ajardinados, os guias conduzem os grupos de turistas, dando algumas informações antes de entrarem na porta principal. Nela se contempla à distância, com um belo jardim e um plano de água, o sumptuoso palácio em mármore branco construído no século XVII pelo imperador mongol Shah Jahan como acto de amor a uma sua jovem esposa que morreu de parto. A natureza mítica e sagrada do palácio é respeitada. Os guias não fazem visitas guiadas dentro do monumento. O local é de retiro, contemSODomRLQWHULRUL]DomRHUHÁH[mR3UySULRGD,QGLD)LOPHVRXIRWRJUDÀDV no interior do palácio são proibidos pela presença discreta de forças de segurança. Estas diferenças entre os Templos de Angkor e o Taj Mahal na India fazemPHSHQVDURVHJXLQWH$ÀQDOD,QGLDpXPDGDVPDLRUHV'HPRFUDFLDVGR mundo, conseguindo assimilar todo o caldo de culturas (hindu, budista, cristão e árabe) que a compõe. O Cambodja passou por guerras civis nos anos 70, a ditadura Khmer Vermelha praticou atrocidades de guerra terríveis até aos anos 90 e o país não tem qualquer consolidação democrática. $ÀQDOpRTaj Mahal que tem planos de acesso, controlo e segurança dos seus monumentos que são visitados por turistas. E que são um símbolo de seu país. Os templos de Angkor no Cambodja não. Há aqui um vazio de representatividade de uma ordem. Na verdade, sem regulação, o turismo deixado a si próprio, não cumpre nenhum papel de desenvolvimento. Não cria emprego para as populações de acolhimento e não conserva nenhuns recursos culturais e sociais. Não protege o ambiente e não constrói, assim, nenhum território. A regulação é o coração de qualquer sistema. Turistico e Democrático. O território é uma referência, um eixo fundamental no turismo. Na experiência turística, há sempre um local de partida e de chegada. E de retorno. Um aeroporto. Um lugar onde se presta o serviço de alojamento

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ou de animação turística. Um monumento. Uma cidade, parque ou reserva natural incluídos num roteiro. Um estabelecimento de uma agência de viagens ou um escritório de um operador turístico. Para a Democracia, entendida como sistema político baseado numa soberania assente na vontade popular, o território existe como pertença, laço, vínculo a uma pessoa, donde lhe resultam direitos fundamentais, como o direito de cidadania com, designadamente, os direitos de voto e participação política, mas também vinculações, como o dever de defender a soberania nacional e o pagamento de impostos. O território confere identidade, essência, centralidade à organização política. E distinção, diferenciando-a de outras organizações políticas, com permanência, exibindo uniformidade ao longo do tempo. A adesão da população a essa identidade é fundamental na efectividade de um sistema político democrático. O território, também, é um instrumento fundamental de organização turística. Nele se podem combinar investimentos públicos e privados pautados por programações prévias, sistemas de informação que dão valor acrescentado a uma actuação dispersa e ainda instrumentos simbólicos decisivos na experiência de comunicação turística. Seja pela abstracção da palavra do destino turistico, seja pela imagem GH IRWRJUDÀD GH XPD SUDLD GH XP PRQXPHQWR GH XPD SDLVDJHP RX ainda de um portal territorial virtual de negócio eletrónico. A combinação palavra-imagem-tecnologia visa uma ideia favorável, de adesão, de acessibiOLGDGHHSDUWLFLSDomRGRWXULVWD2WHUULWyULRDSRUWDDHVVDLGHLDHVSHFLÀFLdade, estabilidade e coerência. O território está para o turismo e para a Democracia como uma linha de força, uma linha recta que suporta e une dois pontos da forma mais rápida, curta, económica e segura. Suportando uma ordem soberana e democrática. E uma gestão da identidade em turismo, tão fundamental nos dias de hoje, marcados pela necessidade de diferenciação, vantagem competitiva, ciclos de vida dos produtos mais curtos e internacionalização crescente. Porque turismo também é negócio. E, pelo Direito, o território pode ser construído como um instrumento de regulação decisivo para o perce-

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ber, enquadrar e controlar, dando-lhe a tal linha de força representativa para agir como instrumento de poder, e poder democrático, através de vários modos, a saber: a) Na selecção das organizações e pessoas (o quem, os sujeitos) que têm acesso ao uso da praia, do monumento, do aeroporto ou da SDLVDJHPQXPDSHUVSHFWLYDGHTXDOLÀFDomRHUHFRQKHFLPHQWRGD sua actividade como turística ou de interesse turistico para o local ou região onde se inserem; E  1D GHVFULomR LQYHQWDULDomR FODVVLÀFDomR H DYDOLDomR GRV EHQV admitidos (ex: património natural, cultural, ambiental, conheciPHQWRVTXDOLÀFDGRV DRQHJyFLR RTXrRREMHWR). A lei das políticas públicas de turismo portuguesa (D.L. nº 191/2009, de 17.08.2009) GHÀQHRVFRPR©recursos turísticos», seja como os “bens que pelas suas características naturais, culturais ou recreativas tenham capacidade de motivar visita e fruição turísticas” (art.º 2º alínea b)); F  1RDOLQKDPHQWRGRVSURFHGLPHQWRVPRGRVHVSHFtÀFRVGHIXQFLRnamento das instalações, equipamentos, infra-estruturas, actividades e serviços (o como, o processo) que, continuamente, as organizações turísticas têm de gerir (ex: transportes, alojamento, viagens, animação turística), face às expectativas dos mercados – alvo que se pretendem atingir; d) Na diminuição da incerteza da qualidade dos serviços objecto de transacção e de custos de obtenção de informação por parte dos turistas no consumo dos bens e serviços turísticos (a garantia protectiva). Permitam-me recorrer a uma imagem retirada da minha tese de Doutoramento e que aqui replico com o título “O Território Turistico”. AcresFHQWRDOJRPDLVjVXDH[SOLFDomRGRTXHRÀ]KiFLQFRDQRVDWUiV$VLPDgens dizem mais do que mil palavras. Aqui está ela.

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Figura 1. O território turístico. Turistas

Infra-estruturas

Recursos Turísticos

Alojamentos Território Turístico

Organizações

Transportes

Animação Promoção

(Fonte, adaptado de Inskeep, Tourism Planning: An Integrated and Sustainable Development $SSURDFK)

2TXHVXJHUHDÀJXUD"$QWHVGHPDLVXPFtUFXOR$H[LVWrQFLDGHUHODções de circularidade, auto-referência (uma gramática de “vida própria” que a distingue de outras identidades à sua volta), com regras de organização que atribuem funções organizadas para pessoas (população residente e WXULVWDV TXHHIHFWLYDPUHODo}HVGHVXVWHQWDELOLGDGHHFRQÀDQoDLQGLVSHQsáveis à consolidação de sistemas que têm no povo, nas pessoas concretas ou nos turistas a constituição da sua legitimidade de título e exercício. Depois, a existência de três círculos concêntricos. O exterior, composto por pessoas (turistas e população residente). O segundo, composto por organizações, o que elas são e o que fazem. O terceiro, o círculo do centro, por um território. Estão aí os três elementos de uma sociedade politicamente organizada (seja ela local, nacional ou internacional ou glocal, baseada na combinação de elementos internacionais com locais). Cada círculo exprime uma relação de interacção. E que se pretende hospitaleira, favorável em turismo. Com garantias pelo Direito. No exterior, entre população residente e turistas. Estes não votam politicamente.

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$TXHOHV VLP 0DV R ÀWR GH PHOKRULD GH GHVHQYROYLPHQWR GH FRQGLo}HV favoráveis a uma experiência de lazer num território é o mesmo. No círculo das organizações (ex: empresa, Estado, município, entidade de economia social) deve haver interacção favorável entre, por um lado, as instalações, serviços, infra-estruturas, equipamentos e recursos turísticos (o hardware) que a constituem, por outro, as actividades de serviços (o software) que elas realizam maioritariamente (ex: transporte, alojamento, animação), sem esquecer a actividade fundamental de promoção e venda, sem a qual não se capta o interesse do turista. No círculo do território, ao centro, o mesmo deve ser entendido como uma linha de força, uma coluna que sustém todo o círculo e que está ao FHQWURSDUDRHTXLOLEUDU3DUDH[HPSOLÀFDUDFHQWUDOLGDGHGRWHUULWyULRQR turismo e na sua relação com Democracia. Em Ciência Politica e Direito aplicados ao turismo, os territórios podem ser construídos como espaços de reconhecimento, de legitimação de identidades e de agentes que estão habilitados, mandatados a operar um serviço designado como turistico, porque representativo de um território que os reconhece como tal. A representação implica uma legitimação politica que, tanto é mais GHPRFUiWLFD TXDQWR DVVHQWH HP OHLV JHUDLV H DEVWUDFWDV GHÀQLGDV SHORV legítimos representantes do povo e em consensos obtidos por via de participação aberta e transparente de interesses de pessoas e grupos. Ora, um território turístico é democrático se for um palco ou meio de intercompreensão e comunicação onde indivíduos e organizações locali]DPSHUFHEHPLGHQWLÀFDPFODVVLÀFDPVXDVWURFDVOXWDQGRSHORYRWRH na participação activa da vida colectiva, pelo reconhecimento das suas identidades. Por isso, ele é um elemento fundamental de uma sociedade politicamente organizada. Assim, indispensável ao conceito e operacionalidade do território turístico, como representativo de uma ligação democrática ao povo é que ele seja regulado por leis emanadas de órgãos de soberania representativos da vontade popular. Um território turístico é constituído, designadamente, por infra-estruturas, instalações, equipamentos, serviços públicos, atracções reconhecidas

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por uma regulação como capazes de captar turistas, seus investimentos, mercadorias e capitais, como um palco criado ou gerido por organizações públicas, privadas ou associativas, também designadas turísticas (ex: agências de viagens, hotéis, empresas de animação turística, postos de informação turística de municípios) para vender serviços turísticos. Um parque ou reserva natural turística, um hotel, um museu ou um município serão, desde que regulados para o efeito, WHUULWyULRV WXUtVWLFRV São, pois, polissémicos. Desconcentrados ou descentralizados. Com aptidão para resolver problemas no caso concreto advenientes da pressão, conJHVWmRHFRQÁLWRVSURYRFDGRVSHODH[SHULrQFLDORFDOGHFRQVXPRWXUtVWLFR Eles constituem instrumentos fundamentais de comunicação, linhas de força, alinhamentos entre organizações públicas e privadas e os turistas para ordenamento turistico dos locais (os denominados recursos turísticos) e sua promoção e venda, utilizando para o efeito, métodos e instrumentos adequados e que são a base para legitimação e controlo de exercício de um poder num território percebido como turistico. Sendo, eles, próprios, poder, enquanto espaços de HQTXDGUDPHQWR Os territórios turísticos, pela sua natureza polissémica, reguladora, desconcentrada ou descentralizada são a base e a relação fundamental para a construção saudável de uma relação duradoura com uma ordem política GHPRFUiWLFD0DVFRPR"%DVWDYROWDUPRVXPSRXFRDWUiVHUHFRUGDURTXH dissemos: Turismo, Direito e Democracia são instrumentos de comunicação e métodos de organização. Que se suportam em valores fundamentais associados a uma condição de dignidade da pessoa humana. Assim, a relação hospitaleira é assegurada por várias funções de um território turístico para garantir uma relação estável, contínua, una e permanente entre turismo, Direito e Democracia. Funções que são desenvolvidas em regulação por uma sociedade politicamente organizada. Que funções? Primeiro, uma função de garantia, qual seja, o território ser provido de PHLRVÀQDQFHLURVDGHTXDGRVSDUDDPDQXWHQomRGHWXGRRTXHpS~EOLFR comum ou coletivo: a praia, o monumento, a paisagem, as infra-estruturas de rede de água, energia e comunicações num hotel, ou seja uma espécie de capital social de sustentabilidade e garantia de utilização turística no futuro de territórios turísticos por gerações vindouras.

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Como garantir a existência deste capital social? Com o recurso à persSHFWLYD GH FLUFXODULGDGH GR WHUULWyULR WXULVWLFR ÀQDQFLDQGRVH FRP XPD SHUFHQWDJHPGHFRQWULEXLomRREULJDWyULDVREUHWXGRRTXHpQHJyFLRÀQDQceiro ou económico vendido no turismo por organizações (ex: seguros, cauções, depósitos de garantia, transferências de divisas ou de pagamentos correntes internacionais, percentagens sobre vendas de serviços) para SURMHWRVRXSURJUDPDVTXHTXDQWLÀTXHPHTXDOLÀTXHPQHFHVVLGDGHVGH conservação e manutenção de patrimónios, infra-estruturas e equipamentos de utilização comum. 2VGHVDÀRVDFWXDLVGRWXULVPRH'HPRFUDFLDQDDFWXDOVRFLHGDGHglocal consistem em fazer uma relação de circularidade, uma transacção equitativa HQWUH XP PXQGR ÀQDQFHLUR H FRPXQLFDFLRQDO global organizado em rede face às exigências locais descentralizadas de desenvolvimento dos territórios. Tal é uma forma, um método de organização importante para a consolidação de uma ordem política democrática, baseada no respeito e tolerância pela diversidade, mas com unidade de métodos de organização. Por isso, os territórios turísticos devem funcionar em rede, com outros territórios, sejam nacionais ou internacionais, interagir entre si na busca de renovadas boas práticas e melhores métodos de organização e funcionamento. Outra função importante de relação entre turismo e Democracia, por via dos territórios turísticos, consiste em assegurar instrumentos de informação e comunicação, seja entre: D  7XULVWDVHSRSXODomRUHVLGHQWHDWUDYpVGHSURÀVV}HVHWpFQLFRVTXH têm como disciplina, objeto de estudo o território e a sociedade (ex: arquitectos, engenheiros, geógrafos, técnicos de planeamento e ordenamento urbanístico e ambiental, sociólogos, antropólogos, historiadores) porque é, preferentemente, na relação harmonizada na cultura, no ambiente e no património territorial que se estabelece uma relação hospitaleira entre população residente e turistas, numa perspectiva de sustentabilidade; E  2UJDQL]Do}HVWXUtVWLFDVHWXULVWDVDWUDYpVGHSURÀVV}HVTXDOLÀFDdas no turismo (ex: guias turísticos, diretores de hotel, recepcionis-

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c)

tas, relações públicas, empregados de mesa) e que vão funcionar como mediadores entre as organizações para as quais trabalham e os turistas, numa perspectiva de reforço de valores de legitimação SHUPDQHQWH UHVSRQVDELOLGDGHVRFLDOFRQÀDQoDHSURÀVVLRQDOL]Dção) nos territórios onde operam; Organizações turísticas públicas e privadas, numa perspectiva de transversalidade de comunicação e informação entre restrições S~EOLFDVHRSRUWXQLGDGHVSULYDGDVSDUWLOKDGHULVFRVHÀQDQFLDmento de projectos e programas comuns, baseadas numa rigorosa GHOLPLWDomR H TXDOLÀFDomR GRV UHFXUVRV WXUtVWLFRV H[LVWHQWHV QRV territórios e consensos necessários de organização, promoção e venda para os activar.

Os instrumentos de informação e comunicação devem sempre ser baseados em planos de actividades, monitorização e controlo de despeVDVHÀQDQFLDPHQWRVRUoDPHQWRVHFRQWDVDSUHVHQWDGDVDQXDOPHQWHDRV SURSULHWiULRV do território, sejam os votantes, por via de mecanismos de Democracia directa e participativa, sejam os representantes legitimados pela vontade popular, sejam ainda os accionistas da empresa turística ou os associados de uma entidade exploradora de um empreendimento turístico. Por último, um território turístico, sendo produto de uma regulação, deve procurar a conciliação construtiva de valores fundamentais de uma sociedade política democrática, quais sejam, a liberdade do turista e sua responsabilidade e solidariedade para com as populações locais, com garantias reguladoras de igualdade e não discriminação dos turistas face aos residentes e vice-versa, sendo portadora de mensagens simbólicas, informativas e comunicacionais uniformes que lhe permitam melhor inserção na sociedade glocal. Encontramos aqui a divisa da Revolução Francesa de 1789 “LiberGDGH ,JXDOGDGH H )UDWHUQLGDGHµ Como a França construiu uma nação turisticamente regulada com esta divisa e que a projectou como actual maior destino turístico mundial será objeto de nossa viagem no capítulo seguinte. E que provará que as relações turismo - Democracia são uma

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relação reciproca, hospitaleira e vantajosa para o bem-estar, riqueza e felicidade do povo! Os países que não constroem, por via de regulação, territórios turísticos são aqueles que se baseiam na violação de direitos, liberdades e garantias das populações de acolhimento ou que enfatizam a dependência de empresas e turistas internacionais. Com base em acordos e arranjos de conjuntura e oportunismo ligado a negócios que alimentam malas de diplomatas, cônsules, políticos e altos funcionários da hierarquia do Estado. Por exemplo, a ONG Global Witness documentou em 2009, acompanhando os relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos, como 45% do território de um país foi expropriado forçosamente a populações locais, sem garantias de indemnização ou realojamento, patrocinando negócios a empresários com ligações familiares ou de amizade à política e alta burocracia do Estado, sem regulação dos domínios públicos criados por via das acções de expropriação. Estas foram dirigidas para a construção de hotéis ou concessões a companhias mineiras ou de exploração de petróleo e gás ou grandes plantações baseadas em monocultura e com forte erosão dos solos. Esse país é o Cambodja. Com que iniciámos este subcapítulo. Aqui não parece haver esperança para a Democracia. Ou para um turismo de futuro em $QJNRU 0XLWRVSDtVHVQRPXQGRSRGHUmRWHUHVVHFDPLQKR2WXULVPRQmRp uma panaceia. É uma faca de dois gumes que, sem regulação, pode expor-nos e tornar-nos vulneráveis a certos tipos de gostos, padrões e investimentos internacionais. Aí a cultura local é perdedora. O que pretenderemos para Portugal? Remeto as respostas para o capítulo próprio.

2.5. Primeira etapa. A viagem segue dentro de momentos Todas as conclusões que se apresentem em turismo, Direito e Democracia são provisórias. Porque baseadas em construções sociais. E estas evoluem, consoante a sociedade muda através de evoluções tecnológicas, preferências sociais e condições das estruturas polissémicas de poder.

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Assim, o que se vai dizer agora vai servir, simultaneamente, como síntese momentânea e balanço da deslocação efectuada e intróito para um capítulo seguinte. Como síntese provisória que prepara uma nova etapa para a viagem. Do que foi dito, parece não existir uma relação causal, directa e necessária entre Turismo e Democracia. Aquele é, fundamentalmente, um negócio. Esta é uma valoração fundamental da vontade de um povo, enquanto processo e ideário na construção de uma sociedade orientada por leis emanadas daquela vontade e dirigidas para a realização de Justiça. 8P QHJyFLR WHP VHJUHGRV &RPHUFLDLV WHFQROyJLFRV ÀQDQFHLURV Como se diz na gíria popular: “O segredo é a alma do negócio!” A Democracia, pelo contrário, tem a transparência como oxigénio e suporte de uma governação popular. Um negócio pode corromper. Em especial, quando ele é associado a XPHOHPHQWRWmRVLPEROLFDPHQWHSRGHURVRFRPRRWXULVPR2ÀWRIiFLOH UiSLGRGROXFURSRGHFRUURHUEDVHVGHFRQÀDQoDQXPDVRFLHGDGH([LVWHP zonas do mundo onde o negócio do turismo constitui fonte de riqueza económica para a sustentabilidade de regimes autoritários. Apoiado em UHJXODo}HVjPHGLGD 7RGDYLDDFRQÀDQoDpRFRUDomRGDUHJXODomR(DDOPDGD'HPRFUDcia. Ou o ponto de partida para um compromisso. Os estudos de Fukuyama sobre “high -trust societies” e “low-trust” societies, em Trust, The social Virtues and the Creation of Prosperity são fundamentais na equação das relações entre Turismo, Direito e Democracia. 3RLVVHPFRQÀDQoDWDPEpPQmRKiWXULVPR6HPHODRWXULVWDQmRVH desloca. Sem garantias de que será tratado de forma justa e equitativa nos locais para onde viaja. A existência de uma ordem de regulação económica HPXQGLDOGHFRQÀDQoDOLJDGDDRWXULVPRQDVUHODo}HVHQWUHDJHQWHVSURdutores, intermediários e, em especial, para com os direitos dos consumiGRUHVpFRQGLomRLQGLVSHQViYHOSDUDRÁRUHVFLPHQWRGRQHJyFLR 'LUVHLDQXPDVtQWHVHFRQVWUXWLYDTXHDFRQÀDQoDpXPHOHPHQWRFUttico do turismo e da Democracia. Talvez seja a alma de ambos. Na gestão de um negócio como o turismo que vive da prestação humanista e de qualidade de um serviço. Na relação democrática entre partidos e militantes, eleitores e eleitos, governos e vontade popular.

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$FRQÀDQoDQRWXULVPRLQWHUHVVDQRVHQTXDQWRPpWRGRGHRUJDQL]Dção, processo e instrumento de comunicação simbólico baseado em valores de liberdade, não discriminação, solidariedade e Justiça para com pessoas e grupos desfavorecidos. Com estes ingredientes, é necessário um cozinhado, uma regulação sobre os elementos físicos e simbólicos que constituem o turismo, através do instrumento WHUULWyULRWXULVWLFRTerritório é qualquer coisa de perene, estável e FRQWtQXRTXHJHUDDFRQÀDQoDDEDVHDDFWLYLGDGHVHFRQyPLFDVVRFLDLVH políticas. No que nos interessa, turismo e Democracia. 1RVHJXLQWHFDStWXORYDPRVYHULÀFDUterritórios turísticos que constiWXHP SRWrQFLDV PXQGLDLV GH WXULVPR 'H Q~PHURV H DÀUPDomR SROtWLFD Pela regulação que emitem sobre os espaços, as organizações e os territóULRVGHGHVORFDomRHHVWDGLDGRVWXULVWDV(DtYHULÀFDUDVVHPHOKDQoDVH diferenças, métodos de organização e instrumentos de comunicação regulados para perceber melhor as relações entre turismo e Democracia. No propósito deste livro, as regulações analisadas serão diversas. Procura-se que despertem emoção e prazer na leitura. Vamos viajar pelo mundo. Da América ao Oriente, passando pela Europa. Com números e acontecimentos numa espécie de “reportagem regulatória” em zonas que são territórios turísticos de grandeza mundial. Desde a Constituição Francesa e sua projecção no Code du Tourisme de 2006, passando pelo Travel Promotion Act de 2009 nos Estados Unidos promulgado por Obama e ao Estatuto do Turismo na China de 2013 estaremos em 3 continentes. Sente-se motivado? Vamos partir?

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