Turismo Militar - O caso do CIBA

July 16, 2017 | Autor: Helder Farinha | Categoria: Military History, Turismo Cultural
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Património Militar Campos de batalha históricos - O caso do CIBA

Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra Mestrado em Lazer, Património e Desenvolvimento Património Cultural Docente: Doutor Paulo Carvalho Discente: Helder João Santos Farinha

Índice Índice Introdução ..................................................................................................................................... 5 Património Militar ......................................................................................................................... 6 1.

A guerra como elemento patrimonial ............................................................................... 6

2.

Campo Militar – Lugar de Memória .................................................................................. 8

3.

O Centro de Interpretação ................................................................................................ 9

4.

Caso de Estudo: O CIBA ................................................................................................... 10 4.1 O que é o Ciba? ............................................................................................................. 10 4.2 A intervenção e as parcerias da FBA no Campo Militar ................................................ 11 4.3 O Campo Militar de S. Jorge e o CIBA – relação de (in)sucesso? .................................. 12

Conclusão .................................................................................................................................... 15 Bibliografia .................................................................................................................................. 16

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“Deu sinal a trombeta Castelhana, Horrendo, fero, ingente e temeroso; Ouviu-o o monte Artabro, e Guadiana Atrás tornou as ondas de medroso; Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana; Correu ao mar o Tejo duvidoso; E as mães, que o som terríbil escutaram, Aos peitos os filhinhos apertaram.” In Luís de Camões, Os Lusíadas – Canto IV

Figura 1- Iluminura sobre a Batalha de Aljubarrota das Crónicas de Froissart

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Agradecimentos Na elaboração deste trabalho, foi preciosa a ajuda do próprio Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota e da Fundação, que prontamente me forneceram todas as informações solicitadas e responderam às questões colocadas durante a visita de forma amável e paciente. A vista ao Campo de S. Jorge e o levantamento e registo fotográfico dos dados no local, foram essenciais para acrescentar informação. O apoio do professor Paulo Carvalho em aula e fora dela, bem como o nome da Universidade de Coimbra, foram sempre uma ajuda e uma mais-valia.

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Introdução Com o dealbar do chamado Novo Turismo, evidencia-se uma segmentação do mercado turístico através do nascimento de novos destinos, resultantes do surgimento de novas motivações e de um novo perfil de turista. Este novo turismo depressa se massifica e surgem assim, na atualidade cada vez mais segmentos e mercados novos, assim como novos patrimónios. Um destes novos patrimónios que emergem na atualidade é o chamado Património Militar. Ainda pouco estudado e mal definido, surgiu como um tipo de património associado a uma fruição turística ligada ao Turismo Cultural. Atualmente muito deste Património de cariz Militar e Bélico está também associado ao Dark Tourism. Normalmente associamos Património Militar a fortalezas, muralhas e castelos, mas existem também os Cemitérios e os Campos Militares, bem como as memórias traumáticas e violentas, que perduram em lendas e histórias narradas através dos tempos. Um caso paradigmático de preservação, interpretação e valorização de um Campo Militar histórico e emblemático, recorrendo aos mais modernos meios e suportes interpretativos é o do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA), que tomámos como exemplo de estudo de caso e de proposta de análise à luz dos conceitos teóricos e bibliográficos que foram possíveis de investigar.

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Património Militar 1. A guerra como elemento patrimonial Embora não se saiba com certeza quando começaram as verdadeiras guerras, no sentido moderno como as caracterizamos atualmente (talvez no dealbar da revolução do neolítico e da edificação das primeiras cidades, ou mais tarde na antiguidade clássica), certo é que a violência e a morte sempre marcaram o ser humano. A célebre história bíblica de Caim e Abel parece constatar essa violência, mesmo entre irmãos ou entre membros da mesma comunidade e do mesmo clã, como antiga. Nas sociedades humanas, o “outro” pode ser visto como amigo, aliado, protetor, concidadão, familiar ou como inimigo, atacante, agressor, estrangeiro, rival. Desde sempre, a cobiça, o poder, a inveja, ou a simples sobrevivência, geraram a vontade em muitas sociedades de pela violência se apoderarem do “outro”. É este sentimento de posse e de poder, de propriedade, de vida ou morte, que muitas vezes “justifica” ou leva à violência e à guerra e que está na génese de todas as sociedades pós-neolíticas. Com o desenvolvimento de grandes Estados e Potências, Nações e Impérios, a violência entre indivíduos, assume contornos de grande escala e passa a ser altamente organizada e até profissional, levando aos conflitos e guerras modernas, em todo o seu sentido devastador e sangrento. A guerra surge também, pela sua condição violenta e mortífera, como causadora de transformações profundas, momento dramático de cisão, destruição ou fusão de povos e nações, enganadoramente apresentada como solução final ou preventiva de muitos conflitos. As guerras são sempre momentos marcantes na história e deixam marcas profundas nos indivíduos e nas sociedades. A violência, a perda e a morte que as guerras causam, imprimem nos espaços e paisagens onde decorreram, zonas de dor e lamentações, de vitória e de glórias, de perdas e frustrações. Estes espaços físicos, quer sejam campos ou estruturas edificadas como Castelos e Fortalezas, ficam indelevelmente marcados na memória individual e coletiva. Pelo seu carácter histórico e universalidade (presente em todas as culturas e civilizações, em todos os tempos e épocas históricas), a guerra deixou marcas que são ainda hoje, ecos de histórias e conflitos, parte integrante e indesejada, muitas vezes motivo de vergonha e tristeza da condição humana, ainda hoje, ora celebrada ora relembrada com pesar mas nunca esquecida. Os muitos conflitos bélicos da história humana deixaram impressos em toda a parte, legados e elementos patrimoniais de diversos tipos. Ora através de património edificado (muito dele classificado hoje como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO), como castelos, fortificações, estruturas ou complexos amuralhados, etc. Ora de paisagens e lugares de pesar, como os Campos Militares ou os Cemitérios Militares. De notar que, por exemplo, possivelmente a única estrutura humana que é possível observar-se desde o espaço, a Grande Muralha da China, teve como propósito defender as dinastias imperiais chinesas das hordas de guerreiros invasores do norte. Um propósito bélico e de poder na origem e formação deste património, embora não tivesse à época um carácter evidentemente ofensivo e não tivesse sido construído para uma guerra em particular, mas para manter o inimigo do lado de fora da civilização. Demonstra-se assim, que a violência e a guerra eram e ainda hoje são, elementos tão importantes e constituintes do ser humano e das suas sociedades, que nunca se olhou a esforços para levar a cabo essa mesma violência.

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É pois, um importante e forte elemento identitário de um grupo, povo ou nação, um legado, embora pesado, a ser transmitido às gerações vindouras, uma mensagem de poder ou de união, quer interna ou externamente. O chamado Património Militar inclui edificações como castelos e fortificações (Património Cultural), mas também poderíamos incluir os próprios Campos de Batalha, de memória histórica (alguns com Centros de Interpretação ou pontualmente palco de reconstituições históricas). Os primeiros, mais ou menos em ruínas, são relativamente fáceis de identificar e muitas vezes de preservar e classificar e estão entre os “primeiros patrimónios” dos diversos povos, classificados e protegidos como monumentos nacionais ou de interesse internacional, desde o início do século XX. Já os Campos de Batalha são mais difíceis de identificar e preservar, visto muitas vezes ser fácil confundir ou não ter certezas da sua própria localização, dado que a sua busca é centrada em fontes mais ou menos precisas, escritas ou de tradição oral. Em suma, Património Militar é, parece-nos todo o legado histórico e cultural de cariz bélico, edificado ou imaterial. Embora ainda pouco estudado e sem definição concreta, poderemos relacionar com este tipo de património o Património Edificado (castelos, fortalezas e lugares amuralhados), Acervos Documentais ou de Material Militar, Campos de Batalha, Cemitérios Militares, Museus Militares e Centros de Interpretação.

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2. Campo Militar – Lugar de Memória Os Campos de Batalha são lugares de memória e de memórias, muitas delas traumáticas e profundas, ligadas à perda de vidas humanas em grande escala e no mesmo tempo. Desde sempre, estes lugares fizeram parte do imaginário e da memória coletiva. São espaços que assumem muitas vezes conotações de devoção, religião, misticismo. Com o desenvolvimento do turismo e a sua segmentação durante o chamado turismo pós-moderno, surge o “apetite” por estes lugares estigmatizados, por espaços onde esteve presente a morte e a violência. Estes “novos turistas” têm como motivação conhecer, adorar ou apenas um desejo voyeurista de visitar estes lugares. Presentemente, os lugares de morte ou de massacres estão ligados ao fenómeno do designado “Turismo Negro” (LENNON, 2000). Estes espaços onde em tempos se travou um confronto violento entre grupos armados, mais tarde designado por “Campo de Batalha” localizam-se maioritariamente em áreas agrestes e ermas, campos abandonados e incultos. É sempre difícil localizá-los ou ter certeza, uma vez que muitas vezes faltam documentos e provas históricas ou arqueológicas para os identificar corretamente (veja-se o exemplo da Batalha de Ourique ou mesmo mais recentemente, a dificuldade em encontrar sepulturas de combatentes do Ultramar em África). Outros Campos de Batalha são mais diversos, localizados em áreas urbanas ou em campos agrícolas, onde de vez em quando um lavrador encontra algum objeto estranho na sua alfaia. Com o avanço da tecnologia, outras paisagens como os mares, oceanos, rios e o próprio espaço aéreo, converteram-se em teatros de guerra, deixando marcas desses conflitos ou sendo assinalados como lugares de importância histórica, potenciais lugares de memória. A designação “Lugar de Memória” pode dizer respeito tanto a objetos concretos como lugares geográficos, ou a abstratos como por exemplo a meros conceitos, símbolos ou memórias (SANTOS, 2010). Um Campo Militar é primeiro que tudo um espaço geográfico, embora lhe possam ser atribuído, através do Centro de Interpretação por exemplo, um valor mais abstrato. Para que um Campo de Batalha se torne um Lugar de Memória, não basta ser um lugar importante do ponto de vista histórico ou ter valor simbólico, é necessário que o sítio tenha um programa de apropriação e revitalização da memória associada, seja interpretado e conservado, com um conjunto de infraestruturas e suportes para tornarem o sítio capaz de ser fruído e entendido. Resumindo: “a memória não vale tanto por aquilo que é, mas antes por aquilo que se faz dela” (NORA, 1984-1992). Sendo assim, esta componente de valorização, de interpretação e intervenção é essencial para que um Campo Militar se torne um verdadeiro Lugar de Memória, com valor formativo e não apenas um campo ermo e sem valor aparente, como qualquer outro.

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3. O Centro de Interpretação A Nova Museologia, surgida nos anos 60 e 70 do século XX, estabelece novos paradigmas para a renovação dos Museus, tendo em conta o novo tipo de turista e o “Novo Turismo”. Entre os novos paradigmas deste movimento surgido essencialmente em França, está por exemplo a abertura e a relação do museu com a comunidade, a forma como o museu pretende interagir com o visitante, tendo como objetivo o seu valor formativo. Para os seus teóricos, a importância do museu estava não no número de visitantes, mas nos visitantes a que se ensinou “alguma coisa” (SCHLUMBERGER, 1989). Os museus passam a ser considerados de forma geral como “ […] instituições de carácter permanente abertas ao público, sem fim lucrativo, criadas para o interesse geral da comunidade e do seu desenvolvimento, que reúnem, adquirem, ordenam, conservam, estudam, divulgam e expõem para fins de investigação, educação, fruição e promoção científica e cultural, conjuntos e coleções de bens móveis de valor cultural que constituem testemunhos da atividade do homem e do seu meio ambiente. “ (ICOM, 1997). Embora com objetivos e estruturas semelhantes aos Museus, os Centros de Interpretação surgem como instrumentos, muitos deles mais interativos que os museus tradicionais, para ajudar o público a perceber e interpretar um determinado sítio, ligando o visitante ao local visitado. Servem de intermediário entre ambos uma vez que estão intrinsecamente ligados àquele espaço. A ligação estabelecida assim entre visitante e lugar criaria uma certa identificação e influencia não só o lugar, como quem o visita. Freeman Tilden afirma mesmo: “através da interpretação a compreensão, através da compreensão a apreciação e através da apreciação a proteção “. Os Centros de Interpretação afirmam-se como espaços de preservação e interpretação de uma certa memória, ao mesmo tempo que são espaços lúdicos e de lazer e é através deste carácter de lazer, que podem influenciar na formação e conhecimento do visitante. Dotado de vários espaços diferenciados como o espaço de visita, a loja e a cafetaria e serviços como visitas guiadas e serviço educativo, o moderno Centro Interpretativo pode oferecer conhecimento e valorização do Património Militar, por exemplo, de forma fácil e lúdica. Contudo, parece-nos, um dos grandes riscos desta via é a descaracterização desses mesmos lugares, transformando-os em meros espaços de recreio levando talvez à banalização ou mesmo ao esquecimento de que muitos destes patrimónios de cariz bélico, nomeadamente os Campos de Batalha, foram também espaços de dor, violência e morte.

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4. Caso de Estudo: O CIBA A fim de melhor enquadrarmos e demonstrarmos os conceitos teóricos anteriormente abordados, vejamos como estudo de caso o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota. Este Centro de Interpretação é gerido por uma Fundação que conta com vários parceiros públicos e privados e é das infraestruturas mais modernas e interativas do género.

Figura 2 - Exterior do CIBA, Fonte própria

Está localizada no Campo Militar de S. Jorge, lugar simbólico e emblemático para a história de Portugal e também para a história europeia no contexto do século XIV, onde teve lugar uma das batalhas nacionais mais importantes e decisivas. De grande simbolismo patriótico aquela foi uma das poucas batalhas medievais onde atualmente, recorrendo a documentos históricos, achados arqueológicos e edificações deixadas na época ainda hoje visíveis (como a capela) é possível identificar com precisão o campo onde se desenrolou e até as posições e movimentos bélicos dessa batalha. Situado também numa região rica em património cultural e natural, estando entre os Mosteiros da Batalha e de Alcobaça, ambos classificados como Património Mundial pela UNESCO e o Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros e a pouca distância da Costa Atlântica Oeste. 4.1 O que é o CIBA? Inaugurado em 2008, o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA), tem uma área útil de 1.908 m2 e nasceu de um protocolo estabelecido entre a Fundação Batalha de Aljubarrota (FBA – por António Champalimaud), o Museu Militar aí existente e diversas entidades. Existe em parceria com outros Campos de Batalha históricos como Atoleiros, Trancoso e as Linhas de Elvas, por exemplo. Dispõe de diversos espaços destinados ao lazer e ao turismo como loja com diverso merchandising alusivo a Aljubarrota e o Serviço Educativo com oficinas lúdicopedagógicas, programas para crianças e famílias e até festas de aniversário. O espaço expositivo é interativo, composto por espaço de projeção com um filme recriação, que se desenrola num auditório que pretende ser todo ele uma recriação do 10

cenário da batalha. Estes espaços interativos pretendem materializar o conceito de “edutainement”, sendo simultaneamente objetos de entretenimento e educação. O filme ali projetado é complementado depois com outros espaços expositivos com textos claros, objetivos e de fácil entendimento, jogos de objetos e cronologias, recriação de armas da época, passando pela utilização de diversos dispositivos multimédia e de interação para explicar e ilustrar a época, a batalha e as primeiras escavações arqueológicas no local. Os espaços expositivos são fáceis de percorrer e entender por qualquer visitante. As visitas ao campo de batalha, embora à parte, permitem conhecer uma porção do local, passear pelos poucos espaços acessíveis sempre acompanhados de um monitor e com o auxílio de dispositivos como os “Cronotelescópios”, que permitem uma visualização do campo como teria sido no dia da batalha. Estes pontos incluem os locais onde se encontravam inicialmente o exército português e o exército franco-castelhano; o local onde se posicionou Nuno Álvares Pereira, D. João I, os arqueiros ingleses e a ala dos namorados; a posição dos trons (bombardas) utilizados pelo exército castelhano, da cavalaria castelhana, do Rei Don Juan I, etc. Inserido neste conjunto patrimonial requalificado, encontra-se ainda a Capela de São Jorge, mandada construir por Nuno Álvares Pereira em 1393 e que marcaria a posição do estandarte português.

Figura 3 - Cronotelescópio, Fonte própria

4.2 A intervenção e as parcerias da FBA no Campo Militar O Centro de Interpretação foi também, segundo a entidade que o concebeu, projetado para permitir uma relação cada vez maior com a paisagem circundante. O que se pretende, é que o CIBA seja cada vez mais parte do Campo de Batalha, e que progressivamente recupere tanto quanto possível o campo como aproximadamente existiria em 1385. Isto é, atualmente o que seria a extensão total do campo onde se desenrolou a batalha está ocupado por edifícios e pelo lugar de S. Jorge, habitado desde há muito e é ainda “cortado” pela estrada nacional. Aquela Fundação pretende assim e tem feito desde alguns anos a esta data, a compra de terrenos e edifícios para demolição dos mesmos, como objetivo de restaurar a “pureza” do campo e da paisagem que seria no século XIV. Tal intensão está explícita no sítio da internet da Fundação Batalha de Aljubarrota.

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Embora pareça à primeira e na opinião de alguns, legítima estas intervenções, podemos também questionar até que ponto não constitui também património as antigas fábricas onde estaria localizada a posição castelhana ou o próprio lugar de S. Jorge, com as suas pequenas casas de habitação típicas daquela zona, embora tudo isto sem grande valor ou aproveitamento turístico aparente ou de relevo. As várias entidades, tanto empresas como particulares têm apoiado e colaborado com a Fundação Batalha de Aljubarrota e têm uma parte importante na valorização do Campo de São Jorge, a salientar um determinado facto histórico, ou a recuperar uma parte específica do património cultural. Fazem parte deste mecenato, entidades como o Novo Banco como mecenas principal e outros como a Sonae, a Delta Cafés, a REN, o BPI, a Lena Construções, a Fundação Caloust Gulbenkian, entre outros. 4.3 O Campo Militar de S. Jorge e o CIBA – relação de (in)sucesso? Como espaço paradigmático de “Lugar de Memória”, no qual se tornou através deste projeto de interpretação e valorização de um Património Militar de relevo, o Campo Militar de S. Jorge ganhou nova dinâmica, por contraste ao antigo Museu Militar que ali existia, já decrépito e desadequado. Contudo, está o CIBA a ajudar na valorização e aproximação do visitante ao património e à história que visita? Tal, poderá ser percecionado e sentido através das motivações e tipos de visitantes que ali se dirigem. Mas que motivações e que tipo de visitantes vão a espaços como o CIBA? Uma visita ao CIBA permite imediatamente perceber algo que as suas estatísticas e programas e serviços culturais comprovam: o visitante do CIBA é essencialmente jovem, vêm casais sem filhos ou famílias com filhos menores e grupos dos quais muitos grupos escolares. Embora nãos disponhamos de muitos dados para o conformar, mas atendendo à maioria dos visitantes será maioritariamente a curiosidade, o valor formativo e o carácter histórico e simbólico do local que representará boa parte da motivação de quem ali chega para visitar. Um aspeto curioso ao analisar o número total de visitantes do CIBA, comparativamente, desde a sua fundação em outubro de 2008 até 2011 1 o número de visitantes (excetuando o ano da fundação, uma vez que conta apenas 2 meses) situava-se nos cerca de 50.000 e mantendo-se nesse valor ou próximo dele. Desde aí, o número de visitantes tem vindo a decrescer de forma constante até aos 31.081 registados em 2014. O decréscimo mais abrupto verificou-se de 2011 para 2012 (passando dos 50.847 para os 35.418). Este decréscimo poder-se-á explicar pelo facto de o CIBA já ter passado o “estatuto” de novidade, por exemplo, mas será apenas isso? Ou estará o CIBA a perder algo mais que visitantes? * Analisando o Centro de Interpretação e a sua relação com o Campo Militar de S. Jorge, haverá algo que falta ser feito ou melhorado? Certamente. O espaço do CIBA está bem organizado e que conjuga elementos modernos com outros históricos e arqueológicos de forma harmoniosa, visando a sua preservação mas 1

Ver anexo – Tabela 1

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também a sua fruição pelo turista, servindo-se de elementos multimédia para limitar o contacto direto do visitante com os objetos, sem perder (aumentando até) a sua interação e entendimento. De facto, o Centro de Interpretação trouxe a valorização e a preservação do lugar. A própria arquitetura do CIBA parece integrada e aberta ao Campo Militar, pese embora o seu aspeto de fortaleza medieval. O recurso a sistemas interativos e dinâmicos que dão a possibilidade do visitante manipular e aceder de forma fácil e lúdica à informação que desejar, sem grandes condicionalismos e, uma vez mais, salvaguardando na mesma o património. O filme interativo é dinâmico e coerente, apresentando factos históricos documentados e pluridisciplinares, ao mesmo tempo que transporta rapidamente o visitante para o tempo e a ação de Aljubarrota, sem interpretações nacionalistas ou subjetivas. Os guias são acessíveis e bem preparados, os funcionários simpáticos e disponíveis, o que demonstra cuidado e aposta na formação dos recursos humanos, o que é fundamental para um dos aspetos mais importantes nestes equipamentos culturais, como na hotelaria e na restauração: a hospitalidade e simpatia de quem recebe e atende, bem como a capacidade para dar resposta às solicitações do visitante. A multiplicidade e variedade de espaços lúdicos e pedagógicos e o modo como estão adaptados e concebidos e a boa integração do CIBA com o Campo de S. Jorge, através dos múltiplos sistemas e suportes interpretativos e o património edificado ali existente, como a Capela de S. Jorge ou as Covas de Lobo. * Por outro lado, o Campo de Militar aparece-nos hoje descaracterizado e desorganizado, dadas as múltiplas intervenções e diferentes ocupações que foram feitas do campo ao longo de séculos, repartido em diferentes lotes e proprietários, quase engolido por edifícios, estradas e campos de cultivo. O terreno é ermo e sem trilhos muito definidos e acessíveis a pessoas de mobilidade reduzida e carece um pouco de manutenção mais constante.

Figura 4 - Capela de S. Jorge, Fonte própria

A Capela de S. Jorge não está integrada com o CIBA e não está preparada para visitas turísticas. Apenas é aberta ao culto e apenas nos meses de verão, entre abril e setembro, têm uma pessoa que a poderá abrir ao visitante quando ali solicitado. Mas funciona de forma independente do CIBA. Parece-nos que uma gestão integrada deste património,

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situado mesmo no meio do Campo Militar, seria desejável, para permitir uma melhor fruição, compreensão e oferta na visita. De notar ainda que não parece existir muita integração do CIBA com o Mosteiro da Batalha (Património Mundial) e com os outros campos de batalha do tempo histórico em questão, a crise de 1383-1385 (Atoleiros e Trancoso). Não existe informação adicional nem programas integrados com estes locais. Existia até há pouco uma parceria integrada do CIBA com outros monumentos e locais como Leiria, mas que não tiveram muito sucesso. * Uma última questão prende-se com o fato de saber que Memória é que o CIBA preserva e valoriza para o visitante? Embora tenha uma componente lúdica e didática, o CIBA não é um parque temático. Há sempre, ao longo da vista, um esforço para a contribuir para a formação do visitante, de forma objetiva e clara, sobre a veracidade histórica dos acontecimentos ali ocorridos em agosto de 1385. Não está muito presente a ideia daquele lugar como campo de morte, embora seja sempre evidenciado o carácter transformador e duradoiro do desfecho de Aljubarrota. Cremos ser esta última ideia, a principal Memória que o CIBA quer legar ao visitante. Embora o projeto tenha de fato valorizado o Campo de S. Jorge e possa ser considerado um bom exemplo de uma boa prática de intervenção, falta ainda recuperar muito do Campo Militar, prepará-lo e integrá-lo de forma sustentável não só no CIBA mas também no lugar de S. Jorge onde existe. Embora seja moderno e inovador, é necessário que o Centro de Interpretação esteja preparado para se renovar constantemente e se adaptar sucessivamente.

Figura 5 - Interior do CIBA, Fonte própria

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Conclusão O Património Militar surge recentemente como um dos novos patrimónios que poderão ser aproveitados como recurso turístico, embora já tenha surgido no contexto do Turismo Cultural. A guerra sempre foi parte integrante das sociedades humanas e Portugal, pela sua longa história de quase 900 anos, boa parte deles em guerras e conflitos com diferentes povos, tem um imenso património de cariz bélico, não só em território nacional como espalhado um pouco pelo mundo. Além das muitas fortalezas, conjuntos amuralhados e castelos, património do tipo edificado, existem ainda os Campos Militares, muito mais difíceis de identificar e classificar. A sua conservação também é problemática, visto muitos destes espaços serem sítios ermos e já muito descaracterizados, com edificações novas em cima ou repartidos por diferentes proprietários, fruto dos muitos usos dados ao longo dos séculos e a um certo esquecimento. Estes lugares onde ocorreram tragédias coletivas de intensa e dolorosa memória, muitas vezes continuam amarguradas e esquecidas por quem a vivenciou. Muitos dos campos onde se travaram batalhas, que aprendemos de modo distante, permanecem nebulosamente na nossa memória, identificados apenas por nome e às vezes também pela data. A fim de se tornarem “Lugares de Memória”, é necessário que haja uma intervenção no sentido de preservar e intervir tendo em conta a sua sustentabilidade. Os Centros de Interpretação poderão ter aqui um papel importante a fim de permitir a fruição turística e lúdica destes espaços por um lado, mas também a formação, interpretação objetiva e transmissão de conhecimentos ao visitante, de modo a que o próprio se sinta impelido à sua valorização e proteção. O caso do CIBA, apresentado neste trabalho, embora ainda com algumas questões de fundo face ao Campo de S. Jorge e ao seu estado de conservação e a falta de integração com outros elementos, é apesar de tudo um caso paradigmático de renovação de um lugar que estava decrépito, em risco e desadequado às novas necessidades dos visitantes e de como através de suportes interativos se pode aproximar e ao mesmo tempo preservar este património. Embora não existam muitos dados disponíveis sobre o perfil e motivações dos visitantes, é possível traçar uma certa imagem e antever alguns desafios para o futuro. A mensagem que o CIBA quer transmitir sobre o Campo de S. Jorge é acima de tudo sobre a importância transformadora e definitiva que a Batalha de Aljubarrota teve para a história de Portugal e para a geopolítica do espaço Ibérico e da Europa em sim no século XIV. Tal objetivo é bem claro e sempre percetível, pelo que se pode concluir que a mensagem passa bem. Quanto à conservação e valorização deste património, ela é boa e clara dentro do espaço do Centro de Interpretação, menos boa e discutível face ao exterior e ao Campo de S. Jorge em particular, especialmente a política de terrenos em redor do CIBA. O exemplo do CIBA, embora com as adaptações necessárias a cada casa, pode ser considerado um bom modelo a aplicar como Centro Interpretativo num Património Militar, com todas as questões e sensibilidades inerentes a este tipo de património e a quem o visita.

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Bibliografia ABALOS, Iñaki, (2003). Campos de batalha. COACPublicacions. Col-legi d ́Arquitectes de Catalunya; NABAIS, António, (1993). Nova museologia, novas Práticas, Vértice, Maio/Junho; NABAIS, António, (2003). Programação Museológica e Museográfica, Lugar Aberto, Ver.APOM, nº1, I Série, Out. MARTINS, Guilherme, (2009). Património, Herança e Memória. A cultura como criação. Gradiva, Lisboa; LENNON, J.; Foley, M. (2000). Dark tourism: The attraction of death and disasters. London: Thomson Learning;

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Anexos Evolução Publico/Ano no CIBA Publico/ano

TOTAL

2008*

4.973

2009

40.459

2010

50.045

2011

50.847

2012

35.418

2013

33.500

2014

31.081 Total

246.323

Tabela 1: Fonte-CIBA

*a partir de outubro

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