Turismo Político - o 25 de abril e o turismo

July 6, 2017 | Autor: Helder Farinha | Categoria: Tourism Studies, Heritage Tourism, Cultural Tourism, Tourism and Politics, Politics and Tourism
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Helder João Santos Farinha ([email protected]) Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra Mestrado em Lazer, Património e Desenvolvimento Património Cultural

Título: 25 de Abril – Património e Turismo Político Resumo: Tal como outras motivações para se viajar ou deslocar para fora da sua área habitual de residência, as questões políticas e cívicas, para participação em reuniões ou comícios políticos, embaixadas, protestos ou mesmo revoluções, ou eventos como funerais de líderes políticos ou a coroação de um monarca, também são incentivos à viagem e ao turismo. Contudo, existem mais movimentos de pessoas do que estes casos pontuais, relacionados com motivações de ordem política ou ideológica. Pouco estudado este fenómeno do turismo político, alguns autores dividem-se quando à definição do conceito, embora de certa forma, enquanto participação ativa política tenha semelhanças com o turismo de negócios, enquanto na sua vertente meramente patrimonial tenha mais em comum com o turismo cultural, nomeadamente com os novos nichos do Darktourism e do Thanatourism. Ainda pouco ou nada expressivo em Portugal, quando comparado com outros países nomeadamente com os casos mais próximos da europa de leste, poderiam ser muitos os exemplos deste tipo de turismo no nosso país. Um caso paradigmático e que servirá por comparação a outros casos internacionais, é o caso do 25 de Abril e do modo como este turismo político poderia acrescentar valor a este acontecimento extraordinário da nossa história. Importará definir acima de tudo a questão da motivação dos visitantes e qual seria a narrativa que unificaria estes elementos e estes lugares emblemáticos. Palavras-Chave: Turismo Político; Turismo; Política; 25 de Abril; Símbolos; Paisagem; Educação; Memória; Abstract Like other motivations for travel or move out of your usual area of residence, political and civic issues, like to participate in meetings or political rallies, embassies, protests or even revolutions, or events such as funerals of political leaders or the coronation a monarch, are also incentives for travel and tourism. However, there are more movements of people than these individual cases, related with political or ideological motivtions. Not to much studied, this phenomenon of political tourism, divided some authors as to the definition, although in a way, some defined as political tourism like active participation in political events, like to the business tourism, while on the other side has more in common with cultural tourism, particularly with the new niches of Darktourism and Thanatourism.

Yet little or nothing significant in Portugal, when compared with other countries particularly those in Eastern Europe, were could be many examples of this type of tourism. A paradigmatic case and for comparison to other international cases, in the case of 25th of April revolution and how this political tourism could add value to this extraordinary event in our history. Should be defined first and foremost the question of motivation of visitors and what would be the narrative that would unify these elements and these emblematic places. Keywords: Political Tourism; Tourism; Politics; Carnation Revolution; Symbols; Landscape; Education; Memory; 1-Introdução A crescente segmentação do mercado turístico fizeram surgir novos nichos e novos tipos de turista, cujas motivações e impactos criados nestas novas formas de lazer nas paisagens culturais, são ainda pouco estudados e pouco esclarecidos. Estes novos patrimónios trazem diversificação, inovação, novidade e novas territorialidades que permitem o alargamento de fronteiras, a nova apropriação de espaços que nos eram familiares e a participação de novos públicos. Este novo turismo, pósmoderno e cosmopolita, vem em muitos casos acrescentar novos valores e novas dinâmicas nos territórios. Um dos novos conceitos de turismo surgido nas sociedades pós-modernas é o de turismo político. Mas o que é e como se poderá definir turismo político? O que é um turista político e quais as motivações que levam um viajante a este tipo de lazer? Como se pode misturar política, ideologias, revoluções, com turismo? Como se adaptaria este novo fenómeno à realidade portuguesa? Que novos lugares, paisagens e interpretações são criados com este conceito e quais os seus impactos? São muitas as problemáticas e as questões levantadas por este nicho de mercado, que aparece ainda muito ligado aos conceitos de Darktourism e Thanatourism. Na realidade, turismo político é um conceito que dificilmente surge nos principais manuais de turismo ou mesmo em qualquer folheto de qualquer agência de viagem (Lousada, 2009). Alguns autores como Moynagh sustentam que turismo político é todo o viajante que empreende uma viagem com o objetivo de participar ativamente num ato de cariz político como uma manifestação do G8 ou a coroação de um monarca. Para Housley, a visita aos lugares e ao património marcado por acontecimentos políticos, é o que de fato define o turismo político. Perante a dificuldade em definir este segmento do turismo, o que dizer das motivações destes “turistas políticos”? Será a mera curiosidade ou o voyeurismo? É antes uma celebração ou uma exaltação de determinada ideologia ou modelo político? Ou será apenas o fator educacional, a ânsia de conhecer e até experimentar uma determinada realidade? E até que ponto não é essa realidade manipulada, até que ponto é ela real? Embora alguns autores deem destaque ao potencial carácter educativo destes lugares, não existem estudos aprofundados sobre a motivação destes turistas e da procura destes lugares ou eventos de carácter político e do seu potencial para o turismo. Em muitas partes do mundo, variadíssimos lugares são hoje exemplos de atração turística e até verdadeira peregrinação relacionados com motivações de cariz político, como o parque de Szoborpark em Budapeste, o mausoléu de Lenine, o muro de Berlim, os apartamentos de arquitetura soviética na Polónia ou mais recentemente as viagens à Coreia do Norte ou aos lugares mais afetados pela guerra em Sarajevo. Em certa medida, também Auschwitz, as praias da Normandia e Havana podem ser incorporadas nesta lista, dependendo das motivações dos turistas que ali se deslocam.

Em Portugal, principalmente na sua história recente, poderíamos pegar certamente em muitos exemplos, embora a oferta turística portuguesa e principalmente a que aparece no PENT, não contemple de forma direta nem indireta, um produto que pudéssemos considerar como parte deste nicho. As marcas deixadas um pouco por todo o país e até no estrangeiro, desde o fim da monarquia e da implantação da república, passando pelo Estado Novo e pelo 25 de Abril, não surgem como potenciais formas de turismo político no nosso país. A questão do 25 de abril inclusivamente, com todo o património edificado ainda existente (o Forte de Peniche, o Quartel do Carmo ou o antigo Quartel do regimento de Santarém), a simbologia ligada a este evento marcante (o cravo, a música ou os murais e os panfletos políticos da época), são hoje marcas reconhecidas até internacionalmente, mas que não possuem atualmente uma narrativa, uma interpretação e uma fruição por parte de quem visita, como acontece em outros lugares do género noutros países. 2-Política e Turismo A história das sociedades humanas tem sido marcada por diversas ações de cariz político, desde regimes totalitários a revoluções. Todos, de uma forma ou de outra, deixaram as suas marcas nos territórios. Com o dealbar das sociedades pós-modernas e do cosmopolitismo que com elas adveio, o turismo expandiu-se e ocupa hoje cada vez mais espaços e lugares. Inevitavelmente o turismo ocupou também estas novas paisagens marcadas por acontecimentos políticos. Turismo político é um conceito novo, que não contém ainda referências às obras dedicadas ao turismo de nicho (Novelli, 2005). Em Portugal, as primeiras referências a esta tendência parecem-nos pela obra de Licínio Cunha (Lousada 2009). Este conceito de turismo aparece muito ligado aos conceitos de Darktourism e Thanatourism1. Lugares marcados pela desgraça, pela morte ou pelo macabro, estas novas traumascapes (Tumarkin, 2005) tornaram-se sítios de atração para estes novos turistas. Lugares como Auschwitz ou os principais lugares emblemáticos do regime do Apartheid na África do Sul (Ashworth, 2012) tornam-se lugares de visita, estudo e até verdadeira peregrinação por parte de turistas e visitantes. Estes lugares marcados por acontecimentos traumáticos e fraturantes como prisões e campos de concentração, campos de batalha e lugares de genocídio, atraem hoje alguns visitantes, numa tendência de crescimento nalguns casos, cujas motivações podem prender-se com a simples curiosidade, a devoção ou exaltação desses acontecimentos ou a vertente formativa, de contato com uma realidade desconhecida. Dada a escassez de informação sobre o que é o turismo político, alguns autores tentam apresentar-nos algumas definições mas sobre diferentes perspetivas. O turismo político é visto na sua forma mais geral, como a visita aos lugares emblemáticos e marcados por acontecimentos políticos de relevo (Housley, 2008) na sua vertente de carácter mais educativa dos lugares, como visitar a prisão de Nélson Mandela ou o túmulo de Marx. Para outros autores, turismo político é antes a própria participação ativa de um viajante na sua deslocação a um determinado lugar para eventos de cariz político (Pozzi e Martinotti, 2004; Moynagh, 2008) como a participação numa manifestação em Bruxelas contra qualquer política da União Europeia. Esta última interpretação do turismo político, afasta o lado mais “dark” e voyeurista e coloca-o numa prática mais cosmopolita 1

Novos conceitos de turismo relacionado com o macabro e a morte (Stone, 1999; Lennon e Foley, 2006; Tarlow, 2008).

(Moynagh 2008), diríamos até mais próxima por exemplo do turismo de negócios, quanto à motivação principal dos viajantes. Esta perspetiva é também aquela que melhor delimita a atividade do turismo político (Lousada 2009) como uma atividade mais militante. De fato, já no passado o turismo foi usado como forma de promoção ou manipulação política. O turismo social feito em França nos anos 50 e 60 do século XX levava muitos viajantes numa espécie de peregrinação laica à URSS pós-estalinista numa tentativa de mostrar a força e o exemplo do modo de vida soviético (Pattieu 2009). Estas viagens tinham uma função pedagógica, ideológica e simbólica, como uma contra-peregrinação. Algo semelhante, mas de ideologia oposta, parecia estar a acontecer em Portugal entre os anos 60 e 80. Ainda que a principal motivação fosse religiosa, aparentemente na época alguns grupos religiosos, principalmente norte-americanos como o “Blue Army”, promoviam viagens e peregrinações a Fátima, no seu discurso mais antissoviético (a “reconversão da Rússia” presente na mensagem fatimista), com uma função também ela pedagógica, ideológica e simbólica. Já nos anos 80, o chamado turismo revolucionário, permitiu a deslocação de muitos para a Nicarágua, com o intuito de participar nos tumultos que se verificaram nessa época conturbada na história daquele país (Hollander, 1986). Poderemos incluir aqueles que partem para combater a favor e contra o Estado Islâmico no médio-oriente na atualidade, neste conceito? Contudo, continuamos sem perceber ao certo o que é e do que se trata o turismo político. Vejamos pois quais as motivações destes turistas. Um pouco à semelhança do que acontece com o Darktourism, podem ser três os tipos de motivações destes turistas políticos: a devoção ou celebração; o voyeurismo ou a curiosidade e a formação ou educação. Mas o que os motiva verdadeiramente? As convicções políticas? O apoio ideológico? A curiosidade? Um militantismo político? Poderá assim existir não uma mas uma multiplicidade de motivações do viajante para este tipo de territórios, conforme as mesmas se integram nas tendências e interesses do turista. 3-Vertente formativa, curiosidade e celebração no turismo político A motivação do viajante é assim uma das grandes senão a grande questão fundamental do turismo político. Tendo em conta as diferentes vertentes com que se nos apresenta, onde muitas das suas formas se podem mesclar com outros tipos de turismo, torna-se difícil perceber a dimensão e os seus impactos. O que leva alguém a visitar o mausoléu de Lenine ou o túmulo de Marx? Será só curiosidade, ânsia de conhecimento ou celebração o que leva um visitante a ver o lugar onde esteve o muro de Berlim ou mesmo a levar um pedaço do muro para sua casa? Ambas podem ser possíveis. Das três vertentes, a curiosidade e a celebração parecem ser as mais superficiais e insípidas. Dependendo dos casos, a celebração e devoção destes lugares, podem mesmo ser vertentes perigosas, pois podem levar ao renascer de ideologias e até o culto a figuras e regimes autoritários, que no caso português poderia surgir com a fundação de um museu na antiga casa de Salazar em Santa Comba Dão, segundo a opinião de alguns. A vertente formativa e de memória parece ser de todas a que acrescenta maior valor e que carece de uma interpretação e investigação mais cuidada. Mas que interpretação deve ser dada a muitos destes territórios e sítios, marcados muitas vezes por acontecimentos traumáticos e de rutura? Em muitos locais marcados por acontecimentos políticos ou verdadeiros símbolos de regimes e líderes políticos, foram convertidos em atrações para turistas e viajantes. Aqui ao lado em Espanha, o Vale dos Caídos e outros lugares emblemáticos do franquismo e

da guerra civil, começam a ser lugares de interesse turístico. Na europa de leste, o famoso carro da Alemanha de Leste, o Trabant, tornou-se novamente num produto, sendo muitas destas viaturas restauradas e até novamente postas em circulação para deleite e apreciação de muitos. Na Polónia, existem rotas turísticas e visitas aos antigos edifícios de arquitetura soviética (Lousada, 2009). Na Hungria encontra-se um dos casos mais emblemáticos: o Szoborpark, perto de Budapeste, aberto ao público em 1993 segundo projeto do arquiteto Arkos Eleod. O parque é visitado por estrangeiros e locais, tem sítio próprio na internet e aparece em muitos dos folhetos de promoção turística sendo visitado em média por 40.000 visitantes anuais (Fernandes, 2011) e tornou-se num lugar de evocação e memória. Construído para acomodar e lidar com todo o património, nomeadamente estatuária pública com os ícones essenciais do passado comunista daquele país, este parque é uma verdadeira memoryscape, uma paisagem que pretende não esquecer a memória e o passado recente da Hungria debaixo do regime comunista e dentro das fronteiras do pacto de Varsóvia. Este tipo de parques evocativos fazem assim de Budapeste e de outros lugares do mundo, destinos promovidos por este novo cosmopolitismo. Nos países bálticos, também sob alçada soviética até aos anos 90, surgiram uma série de museus da memória e da ocupação soviética, que abordam a questão do passado recente daqueles países, nomeadamente a questão da opressão soviética antes da sua independência. Um caso de estudo interessante é o da prisão de Patarei na Estónia (Kuusi, 2008), onde o visitante é levado a conhecer as antigas celas de ar decadente e escuras, muitas vezes apenas com a ajuda de uma pequena lanterna. Outro exemplo na região é o parque temático “1984” na Lituânia, que recria um Gulag onde os visitantes podem experienciar o que seria estar preso num carcel soviético. O antigo búnquer foi reconvertida e hoje em dia, animadores vestidos de agentes do KGB põem os turistas em celas, dão-lhes ordens e sujeitam-nos a interrogatórios em salas decoradas com mobiliário e símbolos da época, com direito a punições físicas e a expulsão da encenação em caso de desobediência. Segundo o Documento de Políticas de Turismo Cultural do Báltico, feito para a UNESCO entre 2001 e 2003, que este património de origem soviética na região tem atraído muitos visitantes (Kuusi, 2008). Neste último caso, existe uma associação clara ao Darktourism e ao turismo criativo, onde a encenação proporciona novas experiências e um contacto realista com aquele passado e aquela memória. O que leva os visitantes a estes lugares afinal? Mais curiosidade que devoção nalguns casos, mas existe sempre uma marca e um valor educacional que é deixado nestes visitantes através destas experiências. Constatamos isso avaliando os comentários deixados por muitos que dizem ter visitado estes lugares nos sítios da internet dos mesmos ou em sítios de turismo como o Tripadvisor. Um caso de património edificado de origem portuguesa que se pode relacionar com o turismo político mas também com o Darktourism e que têm hoje em dia muitos visitantes, principalmente afroamericanos é o antigo forte de S. Jorge da Mina, contruído em 1482 pelos portugueses no atual Gana. Tido como o primeiro entreposto comercial de escravos, entre a África ocidental e a América, o monumento passou por várias mãos ao longo dos séculos, até ter sido declarado Património Mundial pela UNESCO em 1979. Após obras de recuperação nos anos 90, está hoje aberto ao público e tem visitas guiadas às diferentes salas do castelo e às celas dos escravos, relembrando os visitantes da triste história de muitos dos escravos africanos que foram forçados a ir para as américas entre os séculos XVI e XIX. 4-25 de Abril – caso emblemático da história recente portuguesa

Atualmente, na europa e em particular em Portugal, vive-se tempos de crise não só económica e financeira, mas também política e social, com uma certa descrença nos regimes liberais a voltar ao tempo presente e com os saudosismos de outros tempos (do Estado Novo ao 25 de Abril) a renascerem em alguns setores da sociedade portuguesa. No caso particular do 25 de Abril (sempre muito associado a movimentos de esquerda), assistimos a uma recuperação e até utilização renovada dos seus símbolos inclusivamente na europa. O caso mais emblemático ocorreu em Espanha em 2012, onde a canção “Grândola, Vila Morena” de José Afonso foi entoada numa grande manifestação2. Um outro caso mais recente, foi o que ocorreu nas celebrações do primeiro de maio de 2015, onde o polémico realizador norte-americano Michael Moore, de passagem por Portugal, foi reconhecido no meio da multidão nas ruas de Lisboa e deixouse fotografar com um cravo vermelho na mão, cumprimentando dirigentes sindicais3. Em entrevista, o realizador declarou conhecer o significado da flor que tinha na mão e da importância da revolução como das mais pacíficas do mundo. Existe e sempre existiu um interesse e uma curiosidade no exterior pela revolução portuguesa, tida como uma das mais pacíficas de sempre. Nalguns setores, a revolução dos cravos é mesmo um ícone de devoção, de luta e resistência contra regimes ditatoriais nomeadamente de direita. Existe pois, quer a nível nacional quer a nível internacional, um interesse crescente no fenómeno do 25 de Abril. Ao mesmo tempo que existe um desconhecimento absurdo deste fato histórico em Portugal, principalmente nas gerações mais novas. A revolução de abril deixou um legado muito importante a nível patrimonial. Um legado e uma memória histórica ainda por explorar e nalguns casos por resolver e conhecer. Ao nível do património edificado, os casos mais paradigmáticos serão os que serviram de palco aos acontecimentos dessa madrugada de abril. Falamos por exemplo do Quartel do Carmo (que já conta com visitas e já teve exposições temporárias no interior), o Quartel de Santarém (que após a saída do regimento do local contaria com uma reestruturação e recuperação dos edifícios as encontra-se atualmente na sua maioria abandonado) e o forte de Peniche (que conta com um núcleo museológico no seu interior dedicado à história local e à resistência antifascista). Outros locais emblemáticos como a sede do Rádio Clube Português, o próprio Parlamento, o Largo do Carmo em si, além do Quartel. Mas muito outro património poderia aqui ser incluído. A música teve uma força e uma expressão muito própria na época e para a própria revolução. Os murais evocativos da época, dos quais se calhar já poucos restarão. Os panfletos e os cartazes da propaganda política da época, as próprias sedes de partidos políticos históricos. Poderíamos alargar ainda mais o espectro abrangendo o antes e o depois da revolução, incluindo as revoltas estudantis, o conturbado período do PREC e a reforma agrária que ocorreu principalmente no Alentejo, ou mesmo abranger questões sensíveis como a descolonização e a guerra colonial. Existe de fato um riquíssimo legado dessa época conturbada e fascinante, embora pouco conhecida mesmo entre nós. Foram questões fraturantes na sociedade portuguesa no final do século XX e as suas marcas ainda são visíveis hoje em dia. Que fazer então com este importante legado? Como enfrentar ou contornar estas questões e como pode o turismo ajudar-nos a perceber e a lidar finalmente com este passado recente, como parece ter feito noutros países nomeadamente na europa de leste e até, aos poucos, aqui ao lado em Espanha? 4.1-Problemática do 25 de Abril 2 3

Notícia proveniente da Agência Reuters, em 28 de outubro de 2012. Notícia proveniente do Jornal Diário de Notícias, em 01 de maio de 2015.

Dada a multiplicidade e complexidade de patrimónios e significados relacionados com a revolução de abril, duas questões nos surgem. Como pode o 25 de Abril tornar-se uma paisagem, isto é, que narrativa comum para unir todos estes lugares? E que motivação terão os visitantes para entrarem em contacto com esta temática e pretenderem usufruir e conhecer melhor este acontecimento histórico e o seu legado? Começando pela última questão para que talvez se possa responder à primeira, as principais motivações dependeriam das apetências, formação académica e idade, por exemplo e mesmo a proveniência do visitante. A curiosidade seria uma motivação base de muitos dos visitantes, dado o carácter único da revolução e da época, ainda recente, mas muito desconhecida a sua realidade entre a generalidade da população principalmente a mais jovem. A devoção seria outra motivação, dado este evento estar muito ligado às correntes de esquerda e ser um paradigma da sua luta ideológica. Seria provável que algum militantismo político surgisse entre os muitos visitantes. O desejável seria que a interpretação destes lugares fosse a mais sóbria e científica possível, dado que já algumas décadas nos separam dos acontecimentos. A vertente formativa e educacional, a da perpetuação da memória mas sem grandes saudosismos seria a componente mais útil, a motivação que se desejaria fosse a principal. Mas para isso é necessário aliar aqui o lazer. Poder-se-iam criar rotas específicas, que recriassem a madrugada e os principais eventos. Núcleos museológicos que estivessem interligados entre si por esta temática. Aproveitar as cerimónias de comemoração do 25 de Abril para criar eventos culturais e a vinda de mais turistas para participarem e sentirem o espírito de abril nessas comemorações. A criação de experiências semelhantes aos “Gulags temáticos” do báltico nas antigas cadeias da PIDE poderia ser outra forma de dar a mostrar e a experienciar a época. Utilizar a música e os filmes da época ou uma rota pelos murais e pela arte urbana de cariz político da época, interpretando e explicando os seus diferentes significados. Afinal de contas, a urbe, a cityscape é um forte território de expressão ideológica (Short e Kim, 1999; Mitchell, 2000). A cidade, sempre foi um importante lugar de contestação (Palonen, 2008) e é nas suas praças e ruas que muitas vezes os acontecimentos de ordem política mais marcantes e fraturantes acontecem, como foi o caso do 25 de Abril. E Lisboa e Santarém seriam as cidades que melhor expressariam estes conceitos. A criação de uma rota que indicasse e explicasse ao visitante os acontecimentos principais daquele dia. Não sendo uma traumascape como os campos de concentração nazi e os gulags soviéticos, a revolução de abril (tendo apenas em foco a madrugada e o dia 25 de abril de 1974 e o tempo e o espaço que decorreu entre Santarém e Lisboa), é um território marcado pela exaltação de valores que todos prezamos hoje como a liberdade, mais do que de ideologias políticas de rutura com um passado e um regime opressivo. Assim sendo, é através da evocação dos seus símbolos maiores como o cravo e a música, o epíteto de revolução pacífica e de marco do fim da ditadura e início da democracia, que o 25 de Abril se expressa e define. Todas as definições são de certa forma redutoras, mas esta seria uma narrativa comum que ajudaria a entender facilmente o fenómeno e a entender o seu património. Não se trataria aqui da mera mercantilização de um acontecimento tão marcante e recente (assim como ainda polémico e sensível na nossa sociedade) na história do nosso país, mas antes a tentativa de perceber as marcas deixadas pelo 25 de Abril, do valor formativo e do potencial educacional que acarreta no conhecimento paulatino de uma época conturbada. Muitas vezes, é pela confrontação do nosso passado tal como o foi, do seu conhecimento e da sua memória, que é possível progredirmos enquanto sociedade, deixando de lado qualquer saudosismo utópico.

Contudo, a questão do 25 de Abril é mais complexa do que aparenta, principalmente quando comparada com os exemplos já dados da europa de leste. A principal diferença e que constitui uma problemática importante no caso português, pese embora as muitas décadas já decorridas, é o fato de que na europa de leste os regimes totalitários comunistas estavam ligados de certa maneira a um caso de ocupação estrangeira. Ocupação que se verificava de forma direta nos países da antiga URSS e que se tornaram independentes (caso dos países do báltico) e de forma mais ou menos direta nos restantes países do Pacto de Varsóvia, com os casos de ocupação de tanques soviéticos na Hungria e na República Checa. Em Portugal, a revolução dos cravos acarreta não só ainda o peso ideológico e político como há ainda relacionado ao acontecimento histórico, a questão sensível da guerra colonial e a questão da descolonização, duas questões traumáticas que ainda hoje dividem a sociedade portuguesa. 5-Considerações finais Com o dealbar das sociedades pós-modernas, novos nichos como o turismo político surgiram com mais ou menos expressão um pouco por todo o mundo. Definido segundo uns autores como a visita e conhecimento de lugares ligados a eventos políticos ou segundo outros como a participação ativa dos viajantes em ações de cariz político, esta nova expressão do turismo ainda mal aparece em estudos de caso e artigos académicos ou publicações sobre turismo. Tentando compreender este fenómeno à luz dos autores de referência e dos casos e exemplos mais ou menos consolidados no mundo, é possível tentar compreender este tipo de turismo numa possível aplicação à realidade portuguesa. Partindo do estudo do caso do 25 de Abril, acontecimento emblemático e marcante na nossa história recente e por comparação com exemplos internacionais da mesma época, como o Szoborpark em Budapeste ou os museus e parques temáticos dos países do báltico, tentou-se procurar as principais problemáticas e questões deste tipo de lazer associado à cultura política e à cidadania. As motivações dos turistas foram identificadas, segundo a maioria dos autores como sendo de três ordens: curiosidade sobre os fatos, celebração ideológica e formação e educação cultural. Quanto ao caso nacional, compreendendo a sensibilidade da questão ainda nos nossos dias, foi possível perceber que embora haja muito interesse inclusivamente internacional na revolução de abril e seja muito o património e as memórias a ele associados, não existe um elo de ligação entre os diferentes palcos da revolução nem uma interpretação clara e científica dos mesmos. Sendo assim, embora haja muito potencial na questão do 25 de Abril como recurso para o turismo político, não existe ainda uma narrativa comum aos lugares. Referências Bibliográficas CAVACO, Carminda (2006); “Práticas e lugares de turismo”, in Lucinda Fonseca (coord.), Desenvolvimento e Território: espaços rurais pós-agrícolas e novos lugares de turismo e lazer, CEG, Lisboa, pp.299-362. CHARLSWORTH, Andrew (1994); “Contesting places of memory: the case of Auschwitz, Environment and Planning”, D: Society and Space, vol.2, n.5, pp. 579-593. CUNHA, Licínio (1997); “Economia e política do turismo”, MacGraw-Hill, Lisboa. FERNANDES, João Luís Jesus (2011); “As paisagens urbanas enquanto territórios turísticos e ideológicos – o caso particular do Szoborpark, em Budapeste”; in Norberto

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