TURISMO URBANO E A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: REVISITANDO PROBLEMÁTICAS

July 23, 2017 | Autor: L. Roscoche | Categoria: Turismo Urbano, Turismo, Segregação Socioespacial
Share Embed


Descrição do Produto

ISSN 0104-8740

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS MESTRADO E DOUTORADO

A QUESTÃO DO NEODESENVOLVIMENTISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: o debate contemporâneo

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO v. 17, n. 2, julho/dezembro 2013

A Revista de Políticas Públicas (RPP) é uma publicação acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), de periodicidade semestral, destinada a publicar trabalhos científicos produzidos por pesquisadores brasileiros e de outros países, quando considerados relevantes para o avanço teórico-prático das Políticas Públicas. Tem o objetivo de promover e disseminar a produção do conhecimento, o debate e a socialização de experiências acadêmicas, mediante a publicação de artigos, ensaios, resenhas e entrevistas, assim como criar mecanismos de intercâmbios científicos do Programa com outros programas de pós-graduação e instituições de pesquisa no Brasil e no exterior. A RPP possui Conselho Editorial e Cientificio de composição nacional e internacional; é classificada no Estrato A2 do Sistema Qualis Periódicos da CAPES na Área de Serviço Social na qual se situa o Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas. Universidade Federal do Maranhão Natalino Salgado Filho – Reitor Fernando Carvalho Silva – Pró – Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Sônia Almeida – Pró-Reitor de Graduação César Augusto Castro – Diretor do Centro de Ciências Sociais Salviana de Maria Pastor Santos Sousa – Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas Endereço para Correspondência e Assinaturas Mailing Adress and Mailing for subscriptions Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas Cidade Universitária: Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga CEP: 65085-580 São Luís – Maranhão – Brasil Telefone: (055 98) 3272 - 8668 Fax: (055 98) 3272 - 8664 E-Mail: [email protected] ou [email protected] Website: revistapoliticaspublicas.ufma.br Assessoria Científica em 2013 (Referees) Adolfo Ignacio Calderón – PUC, Campinas/SP Alzira Maria Baptista Lewgoy – UFRGS, Porto Alegre / RS Ana Cristina Brito Arcoverde - UFPE, Recife/ PE Ana Lúcia Suárez Maciel – PUC,Porto Alegre / RS Ana Paula Ornellas Mauriel – UFF, Niterói / RJ Ana Paula Fracalanza – USP, São Paulo/SP Andréa Cristina Santos de Jesus – UFRN , Natal /RN Andrea de Oliveira Goncalves - UNB, Brasília / DF Ângela Maria Carvalho Borges - UCSal / Salvador / BA Annelise Caetano Fraga Fernandez – UFRRJ, Três Rios / RJ Antônia Jesuíta de Lima - UFPI, Teresina/ PI Annova Miriam Ferreira Carneiro– UFMA, São Luis/MA Aurora Amélia Brito de Miranda – UFMA, São Luis/MA Beatriz Gershenson Aguinsky – PUC Porto Alegre / RS Benjamin Alvino de Mesquita – UFMA, São Luis/MA Cândida da Costa - UFMA, São Luis/MA Cássia Maria Carloto – UEL, Londrina /PR Cindia Brustolin – UFMA, Bacabal/MA Cleomar Locatelli – UFT, Palmas/TO Cleonice Correia Araújo – UFMA, São Luis / MA Daniel Arruda Coronel – UFSM, Santa Maria/RS Denise Machado Cardoso - UFPA, Belém/ PA Edgar Reyes Junior – UFRR, Boa Vista/RR Elaine Marlova Venzon Francisco – UERJ, Rio de Janeiro / RJ Elenise Faria Scherer – UFAM, Manaus / AM Eliana Costa Guerra – UFRN, Natal /RN Elione Maria Nogueira Diógenes– UFAL, Maceió / AL Elizeu Serra de Araújo – UFMA, São Luís/MA Erivã Garcia Velasco – UFMT, Cuiabá/MT Evilásio da Silva Salvador - UNB, Brasília / DF Francine Helfreich Coutinho dos Santos – UFF,Niterói/RJ Geórgia Patrícia da Silva – IFRR, boa Vista / RR Giselle Lavinas Monnerat – UERJ, Rio de Janeiro/RJ Guiomar de Oliveira Passos – UFPI, Teresina / PI Heloisa Helena Oliveira de Azevedo – PUC, Campinas/ SP

Apoio:

Heloisa Helena Corrêa da Silva – UFAM, Manaus/ AM Hipólita Siqueira – UFRJ, Rio de Janeiro/RJ Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – UFMA, São Luis / MA Humberto Miranda do Nascimento – UNICAMP, Campinas/SP Ilse Gomes Silva – UFMA, São Luís/MA Imar Domingos Queiroz - UFMT, Cuiabá/MT Inez Terezinha Stampa – PUC, Rio de Janeiro/ RJ Itaan de Jesus Pastor Santos – UEMA, São Luis / MA Izabel Cristina Dias Lira – UFMT, Cuiabá / MT Jeferson de Azevedo – IBGE, Rio de Janeiro/RJ Joana Aparecida Coutinho - UFMA, São Luís/MA Joana Valente Santana – UFPA, Belém / PA José de Ribamar Sá Silva - UFMA, São Luís /MA Kátia Regina de Souza Lima – UFF. Niterói / RJ Lélia Cristina Silveira de Moraes - UFMA, São Luís/MA Liberata Campos Coimbra – UFMA, São Luis/MA Liliane Capilé Charbel Novais - UFMT, Cuiabá/MT Lucio Fernando Oliver Costilla - Universidad Nacional Autónoma de México - UNAM, Mexico Luiz Eduardo Simões de Souza – UFAL, Maceió / AL Mabel Mascarenhas Torres – UEL , Londrina / PR Magnus Luiz Emmendoerfer – UFV, Viçosa/MG Márcia Emília Rodrigues Neves – UFPB, João Pessoa/PB Márcia Santana Tavares – UFBA, Salvador /BA Maria Cardoso Nascimento - UFPA, Belém / PA Maria Carmelita Yazbek – PUC, São Paulo / SP Maria de Fátima Cabral Marques Gomes – UFRJ, Rio de Janeiro/RJ Maria de Fátima da Costa Gonçalves – UFMA, São Luis/MA Maria do Rosário de Fátima e Silva – UFPI , Teresina /PI Maria do Socorro Silva Alencar – UFPI, Teresina/PI Maria do Socorro Sousa de Araújo - UFMA, São Luís/MA Maria Edgleuma de Andrade – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN, Mossoró/RN Maria Elvira Rocha de Sá – UFPA, Belém / PA Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira - UFMA, São Luis/MA Maria Inês Caetano Ferreira – UFRB, Cruz das Almas/BA Maria José da Silva Aquino – UFPA, Belém / PA Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda – UFAL, Maceió / AL Maristela Dal Moro – UFRJ, Rio de Janeiro/RJ Marly de Jesus Sá Dias – UFMA, São Luís / MA Mirelle Cristina de Abreu Quintela – UFVJM, Teófilo Otoni/ MG Monica de Castro Maia Senna - UFF,Niterói/RJ Nádia Socorro Fialho Nascimento – UFPA, Belém / PA Nailsa Maria Souza Araújo – UFS, Aracajú / SE Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina – UNESP, Franca/SP Paulo Gomes Lima – UFGD, Dourados/MS Patrícia Barreto Cavalcanti – UFPB, João Pessoa/ PB Pedro Roberto Jacobi – USP, São Paulo/SP Raimunda Nonata do Nascimento Santana - UFMA, São Luís / MA Raquel Garcia Gonçalves – UFMG, Belo Horizonte /MG Regina Célia Tamoso Mioto – UFSC, Florianópolis / SC Regina Sueli De Sousa – PUC, Goiânia / GO Regina Cláudia Laisner - UNESP, Franca/SP Reginaldo Gomes de Oliveira – UFRR, Boa Vista /RR Rosa Helena Stein – UNB, Brasília / DF Rosana de Carvalho Martinelli Freitas – UFSC , Florianópolis/ SC Rosangela Ferreira de Carvalho Borges – UFSCar, São Carlos /SP Rosangela Nair de Carvalho Barbosa – UERJ, Rio de Janeiro/RJ Salviana de Maria Pastor Santos Sousa - UFMA, São Luís /MA Serafim Fortes Paz – UFF, Niterói / RJ Sibila Corral de Ârea Leão Honda Pavarina - Universidade do Oeste Paulista – Unoeste, Presidente Dutra/SP Sirlei Favero Cetolin – UNOESC, São Miguel do Oeste /SC Silvane Magali Vale Nascimento – UFMA, São Luis / MA Solange Maria Teixeira – UFPI, Teresina / PI Sueli Bulhões da Silva – PUC, Rio de Janeiro/RJ Tales Wandervey Vital – UFRPE, Recife/PE Telma Regina da Costa Guimarães Barbosa – UFV, Viçosa/MG Valdira Barros – Faculdade São Luís, São Luís /MA Valéria Ferreira Santos de Almada Lima – UFMA, São Luís /MA Vânia Maria Manfroi – UFSC, Florianópolis / SC Vicente Lentini Plantullo – UNINOVE, São Paulo/SP, Vera Lucia Martiniak – UEPG, Ponta Grossa/ PR Vera Maria Ribeiro Nogueira - UFSC, Florianópolis/ SC Yolanda Aparecida Demetrio Guerra – UFRJ, Rio de Janeiro/ RJ Yoshiko Sassaki - UFAM, Manaus / AM

universidade federal do maranhão

ISSN 0104-8740 Revista de Políticas Públicas | São Luís | v. 17, n. 2 | p.277- 490 | julho/dezembro 2013

© 1995 Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universiade Federal do Maranhão. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida, seja por quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito da Comissão Editorial. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Comissão Editorial Raimunda Nonata do Nascimento Santana Salviana de Maria Pastor Santos Sousa Valéria Ferreira Santos de Almada Lima Editora Científica: Valéria Ferreira Santos de Almada Lima Secretária Executiva: Francinara de Almeida Brasil Produção Editorial Projeto Gráfico: Doliver Pereira Capa: Júlio Mathos Normalização: Michelly Póvoas (Bolsista). Revisão e Tradução - Português/ Espanhol: Vilma Maria Carvalho de Melo Revisão e Tradução - Inglês: Diego Santos Frias Publicação indexada em: Vlex Brasil - SEER IBICT - Portal Periódicos UFMA - LATINDEX - RCAAP - PORTAL PERIODICOS CAPES IRESIE - DIADORIM CLASE REDALYC . Acesso em 12/02/2013 FELÍCIO, Munir Jorge. A conflitualidade dos paradigmas da questão agrária e do capitalismo agrário a partir dos conceitos de agricultor familiar e de camponês. Revista de geografia agrária, v. 1, n. 2, p. 14-30, ago. 2006. Disponível em: < www.seer.ufu.br/index.php/campoterritorio/article/.../8289>. Aceso em 12/02/2013.

REFERÊNCIAS

HELLER, Agnes. Teoría de las necesidades em Marx. Tradução de José Francisco Ivars. Barcelona:Península, 1978.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de Quilombo, Terras Indígenas, “Babaçuais Livres”, “Castanhais do Povo”, Faxinais e Fundos de Pasto: Terras Tradicionalmente Ocupadas.

IAMAMOTO, Marilda Villela. A questão social no capitalismo. Temporalis. Brasília: ABEPSS, 2.ed, ano 2, nº 3, jan-jul/2001. LITTLE, Paul E. Territórios Sociais e Povos

326 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 319 - 327, jul./dez. 2013

NEODESENVOLVIMENTISMO E COMUNIDADES QUILOMBOLAS: uma questão ausente?

Tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Série Antropologia. Brasília, 2002, p. 01- 31. MARTINS, Mônica. O Banco Mundial e a terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia. São Paulo: Viramundo, 2004. MONTENEGRO, Jorge. Povos e comunidades tradicionais, desenvolvimento e Decolonialidade: articulando um discurso fragmentado. XI Jornada do Trabalho. Anais... João Pessoa, 2010. SCHIMITT; Alessandra; TURATTI, Maria Cecília Manzoli; CARVALHO, Maria Celina Pereira de. A atualização do conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Ambiente e Sociedade. ano V, n. 10. Jan/Jul, 2002. Disponível em: . Acesso em: 25/05/11. SOUZA FILHO, Benedito. Os Pretos de Bom Sucesso: Terra de Preto, Terra de Santo, Terra Comum. São Luís: Edufma, 2008.

Notas: 1 Fredrick Barth (2000), ao tratar dos grupos étnicos e suas fronteiras, coloca que para definição destes não se deve utilizar nenhum tipo de característica exógena ao grupo (no sentido de ter sido classificada por outrem), ou seja, para ele, os critérios de definição ou de atribuição de uma identidade, devem ser, sobretudo, critérios de autoatribuição. Assim, são os próprios grupos étnicos que definem quem são “os de dentro” e “os de fora” do mesmo. Josiane Cristina Cardoso da Silva Assistente Social Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Cidade Universitária, Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga, São Luís - MA CEP:65080-805

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 319 - 327, jul./dez. 2013 327

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil Darcon Sousa Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Roberto Veras de Oliveira Universidade Federal da Paraíba (UFPB) / Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil Resumo: Este artigo analisa o Programa Primeira Empresa Inovadora (PRIME), política pública de apoio ao empreendedorismo, lança pelo governo brasileiro e operacionalizada por instituições previamente credenciadas para selecionar e acompanhar projetos de negócios inovadores. A pesquisa analisou os discursos, os processos e práticas desenvolvidos durante sua implementação, além de suas repercussões nos negócios dos empreendedores beneficiados. Em termos de procedimentos metodológicos, adotamos a observação direta, a pesquisa documental e a entrevista. A pesquisa abrangeu a implementação do Prime no âmbito da coordenação realizada pelo Parque Tecnológico da Paraíba, localizado no município de Campina Grande. Os resultados da investigação demonstraram que, apesar dos discursos intensamente mobilizados para legitimar o PRIME, a implementação do Programa foi marcada por tensões, conflitos, incongruências e rigidez, num contexto regional de pouco dinamismo econômico e empresarial, o que comprometeu a eficácia dessa política, criada para apoiar os negócios nascentes no Brasil. Palavras-chave: Estado, Desenvolvimento, Políticas Públicas, Empreendedorismo, Inovação. THE STATE SUPPORT TO INNOVATIVE ENTREPRENEURSHIP: the experience of Prime in Brazil Abstract: This paper reports on research on the First Innovative Company Program (PRIME), a public policy to support entrepreneurship, launched by the Brazilian government and operationalized by previously accredited institutions to select and monitor innovative business projects. The research analyzed the speeches, the procedures and practices developed during implementation of the program, and its impact on business entrepreneurs benefit. In methodological procedures terms, we adopt the observation, interviews and document research. The research covered the implementation of Prime in the scope of the coordination performed by the Technological Park of Paraíba, located in the city of Campina Grande. Research results showed that, despite the speeches intensely mobilized to legitimize the PRIME, the program implementation was marked by tensions, conflicts, inconsistencies and stiffness in the context of a region of little economic dynamism and enterprise, which compromised the effectiveness of this policy created to support the nascent business in Brazil. Keywords: State, Development, Public Policies, Entrepreneurship, Innovation. Recebido em: 18/06/2013. Aprovado em:13/11/2013. 328 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil

1 Introdução O caráter mundialmente predominante do receituário neoliberal recomendado para o enfrentamento das recentes crises do capitalismo não impediu que vários governos, em distintos contextos, utilizassem múltiplos instrumentos para proteger, reativar e/ou promover o desenvolvimento de suas economias. A mão do Estado tem preservado instituições financeiras, socorrido segmentos produtivos, facilitado grandes negócios e subvencionado atividades consideradas especiais, a exemplo daquelas que estão voltadas para a conquista da inovação. Estas últimas são vistas, em muitas cúpulas governamentais, como a melhor estratégia para o alcance da competitividade das economias nacionais. Neste sentido, no Brasil, o governo Lula lançou em 2009 o Programa Primeira Empresa Inovadora - PRIME, disponibilizando recursos iniciais de 249 milhões de Reais para serem aplicados em 2.015 empresas nascentes. A previsão do governo projetava um gasto de 1,4 bilhões de Reais para serem usados em cerca de 6.000 empresas até 2011. A expectativa da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), instituição responsável pelo Programa, era gerar emprego e renda por meio do estímulo a empreendimentos inovadores. Para tanto, a Finep concebeu um formato inédito e ousado de Programa, provendo subvenções para os negócios e um aparato institucional descentralizado, no qual participaram 18 (dezoito) “instituições âncoras”, as quais foram escolhidas para operacionalizar o Prime, selecionando os projetos, acompanhando seu desenvolvimento e monitorando a utilização dos recursos por parte dos empreendedores. Na região Nordeste, três incubadoras situadas nos estados da Paraíba, Pernambuco e Sergipe foram escolhidas como “âncoras” do projeto. Cada uma deveria selecionar 120 empresas para ingressarem no PRIME. As selecionadas contaram, cada uma, com uma subvenção de 120 mil Reais para ser aplicada na remuneração do próprio empreendedor, na contratação de um gestor e de consultorias técnicas de apoio ao negócio. Este trabalho relata a experiência de implementação do Prime no âmbito da atuação do Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB), uma das âncoras escolhidas para gerenciar o Programa, sendo posicionada entre as quatro que mais selecionaram projetos no país. Em termos metodológicos, utilizamos os procedimentos da observação direta, da pesquisa documental e de entrevistas semiestruturadas (semiestruturadas) junto

a empreendedores e gestores envolvidos na implementação do Programa na Paraíba. Estudarmos o marco legal do Prime e as relações contratuais nele estabelecidas, coletamos as perspectivas dos empreendedores participantes, analisamos os discursos proferidos por atores públicos e privados comprometidos com o Prime, investigamos o papel das instituições envolvidas e observamos o contexto sob o qual o Programa foi lançado e implementado. A análise dos resultados dessa experiência se encontra na seção 3, a qual está antecedida pela reconstituição das políticas públicas que no Brasil estiveram voltadas para estimular a inovação e o empreendedorismo, cujas características, problemas e repercussões em cada contexto histórico são comentados. 2 Políticas públicas de fomento à inovação e ao empreendedorismo NO BRASIL Durante a crise financeira de 2008, conforme Lerner (2009), governos ocidentais, sobretudo nos Estados Unidos, patrocinaram intervenções para ajudar empresas problemáticas de diversos setores, as quais receberam grandes somas de recursos oriundos de fundos públicos, evidenciando um tipo peculiar de capitalismo que premia empresas mal gerenciadas. A questão central, realçada por esse autor, indaga se não seria melhor impulsionar novas empresas em vez de ajudar empresas fracassadas. Nas duas situações o fato comum tem sido a presença do investimento público e, mesmo quando se pretende fomentar o desenvolvimento empresarial com base na inovação e no empreendedorismo, o envolvimento do Estado apresenta casos de insucesso, de falhas e de poucos resultados, sugerindo um cenário no qual os investimentos governamentais redundam em uma aposta num grande cassino. Apesar disso, Lerner (2009) enfatiza que o empreendedorismo tem atraído a atenção dos formadores de opinião e dos formuladores de políticas públicas. Os efeitos da atividade empreendedora na criação de novas indústrias e na revitalização econômica têm sido destacados por uma ampla literatura que, ainda que não faça clara distinção entre os tipos de negócios alavancados e não considere inteiramente a complexidade do tema, difunde os múltiplos esforços públicos para impulsionar o empreendedorismo. Os riscos dos projetos inovadores, o retorno de longo prazo, a natureza intangível dos ativos e os limitados recursos dos empreendedores individuais (considerados, aqui, destacadamente os casos daqueles de pequeR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013 329

Darcon Sousa, Roberto Veras de Oliveira

no porte), são fatores que demandam a ação do setor público, tendo em vista que os critérios e procedimentos do sistema financeiro privado muitas vezes não os beneficiam. Mesmo em regiões consideradas como berço de empresários e de investidores “heróis” - a exemplo do Vale do Silício - o governo foi um investidor inicial, demonstrando que a realidade é muito mais complexa do que os liberais podem apregoar. Kreft e Sobel (2005) lembram que, nas sociedades capitalistas, o espírito empreendedor tem sido considerado a força que move o progresso econômico, proporcionando o desenvolvimento de novos produtos e a eficiência dos mercados, além de produzir impactos nos níveis de emprego e de renda, implicando também numa forte conexão com a economia global. Por causa disso, o interesse dos Estados em promover o empreendedorismo tem crescido, sobretudo, através do provimento de recursos para financiar novos negócios. Inspirados em uma perspectiva liberal, esses autores sustentam que o grau de liberdade econômica é um fator determinante para o estímulo às atividades empreendedoras. Em áreas onde inexiste liberdade econômica, as políticas para apoiar o empreendedorismo seriam improdutivas. Segundo sustentam, essa liberdade econômica pode ser aferida através de índices que avaliam o tamanho do governo, o sistema tributário e a flexibilidade do mercado de trabalho. A combinação de baixos impostos com pouca regulação e proteção da propriedade privada são, na visão dos referidos autores, aspectos essenciais para encorajar as atividades empreendedoras, o que asseguraria um afluxo natural de fundos de capital para essas atividades, e não o contrário. Fortalecida, a atividade empreendedora seria vital para o crescimento econômico, constituindo-se no elo principal entre liberdade econômica e crescimento econômico. Entretanto, como veremos, mesmo os mercados mais desenvolvidos não conseguem prescindir da ação do Estado, incluindo no que se refere ao fomento à inovação. O componente central da atividade empreendedora é a inovação, cujo conceito abrange as transformações significativas nos produtos, processos, fontes de matérias-primas, além de mudanças organizacionais que alterem os padrões de atuação de uma empresa. Não é demais lembrar o relato de Hobsbawm (1995), para quem, na era dourada do capitalismo - período compreendido entre a segunda metade da década de quarenta e o final dos anos sessenta do século XX -, a revolução tecnológica teve um papel preponderante. Produtos inova330 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013

dores transformaram a vida quotidiana e alavancaram o crescimento econômico, aumentando as vantagens dos países que tomaram a dianteira no complexo processo de inovação, da invenção à produção, posição conquistada graças a pesados e contínuos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Para Cassiolato (1999), as políticas públicas tornaram-se imprescindíveis para reorientar os sistemas produtivos e de inovação. Apesar da crise fiscal do Estado nos países desenvolvidos, governos continuam reforçando a competitividade de suas empresas, numa demonstração de que não aderiram cegamente ao neoliberalismo, conquanto não o critiquem abertamente, criando instrumentos para proteger seus mercados internos e suas exportações. Villavicencio (2001), ao abordar a política para a promoção do desenvolvimento tecnológico das empresas mexicanas durante a década de 1990, explicou que o governo buscava atribuir um papel mais ativo às empresas no processo de inovação, tendo em vista que a dinâmica anterior focava a educação científica por meio da concessão de bolsas de estudo e da disponibilização de fundos. A mudança refletiu a emergência de novas abordagens econômicas e sociológicas, ressaltando a igual importância dos aspectos materiais e intangíveis da tecnologia. Os conhecimentos, as relações interorganizacionais, as capacidades e oportunidades para aquisição de tecnologias, o aproveitamento das experiências internas e da aprendizagem diferem de uma empresa para outra. A implicação disso é que, nas palavras de Villavicencio (2001, p. 323): “[...] a política tecnológica não traz benefícios iguais para todos.” Por outro lado, o setor, as características do mercado e o ambiente institucional influenciam na heterogeneidade dos agentes econômicos, portadores de competências tecnológicas diversas. Como consequência, a concessão de financiamento para a inovação foi substituída por mecanismos indiretos de apoio, tais como: incentivos fiscais diferenciados, acesso às redes de informação e aconselhamento. A tentativa de promover uma participação maior das empresas mexicanas no processo de inovação, como constatou Villavicencio (2001), resultou inicialmente em benefícios para grandes empresas, com capacidade de oferecer garantias para o reembolso de créditos. Posteriormente, instrumentos flexíveis atenuaram as restrições e privilegiaram pequenas e médias empresas. Em vez de garantias materiais, a rentabilidade do projeto passou a contar mais. Os fundos criados para o suporte ao desenvol-

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil

vimento tecnológico favoreceram as áreas de informática e telecomunicações, inteligência artificial, novos materiais, biotecnologia e fontes de energia alternativas. Foram constituídos centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico setorial, abertos à participação de empresas e instituições, com a incumbência de oferecer: pesquisa aplicada, inovação tecnológica, aperfeiçoamento da capacidade produtiva, consultoria, projetos industriais, banco de dados, normatização e treinamento. Os centros de pesquisa visavam facilitar a associação de empresas e os vínculos com universidades e com o setor público. Mas os esforços públicos para estimular o desenvolvimento tecnológico das empresas apresentaram resultados aquém das expectativas, limitando os benefícios às poucas grandes empresas que construíram relações especiais e pessoais com agentes institucionais e souberam se aproveitar do apoio para os gastos tecnológicos, apesar de não consolidarem investimentos sustentáveis em projetos inovadores. Na Europa, região estudada por Galvão (2004), o consenso em relação às políticas de desenvolvimento se fundamentou na importância atribuída à inovação. Consolidou-se uma agenda que privilegiava o surgimento e o crescimento de empresas dinâmicas, dispostas a inovar processos e a ocupar mercados inusitados, transformando a ordem econômica vigente. Assim, a política europeia para promover a inovação incorporou concepções e esforços múltiplos. Serviram de inspiração os casos exitosos de aglomerados produtivos geograficamente concentrados, constituídos por pequenas e médias empresas, fundadas em relações familiares e em traços culturais fixadores de comportamentos baseados na cooperação e na confiança. O valor das externalidades também foi reconhecido, ou seja, a ideia de que a inovação não se limitava ao interior das organizações, mas estava relacionada aos contatos interorganizacionais e às interações das empresas com instituições historicamente identificadas com o conhecimento e a inovação voltados para a mudança tecnológica. Desse modo, as políticas públicas envolveram um número amplo de atores, estimulando uma governança descentralizada de dezenas de programas. O Science and Technology for Regional Innovation and Development in Europe - STRIDE, um dos Programas europeus analisados por Galvão (2004), teve como objetivo apoiar as inovações, principalmente nas regiões mais atrasadas daquele continente, desenvolvendo ações articuladas para promover a pesquisa e

o desenvolvimento tecnológico através de pesquisa básica orientada, pesquisa aplicada e transferência de tecnologia. Apesar dos resultados positivos na alavancagem de negócios, o STRIDE evidenciou, segundo o autor, as dificuldades encontradas nas regiões, nas quais os empresários tinham pouco contato com conteúdos técnico-científicos avançados, além da diferença que faz o grau de envolvimento do setor privado nos projetos de inovação, fator que implica numa maior ou menor apropriação do conhecimento. Os programas Regional Innovation Strategies - RIS e Regional Innovation and Tecchnology Transfer Strategies - RITTS foram concebidos para captar as demandas efetivas por inovação das empresas e das regiões. A premissa desses programas era a de que deveria haver uma real adequação da oferta de recursos e condições às necessidades do setor produtivo. Para isso, as iniciativas de suporte à inovação precisariam ser formuladas de modo participativo, atendendo efetivamente às empresas em vez de ao desenvolvimento de instituições. A inovação tecnológica, o envolvimento de instituições científicas e a proteção de patentes têm sido instrumentos adotados na China, de acordo com o relato de Lopes e Theison (2006), para promover as capacidades da indústria farmacêutica. O crescimento das necessidades internas e a competição no mercado internacional exigiram do governo chinês uma política diferente para o setor de medicamentos. Em vez de estratégias imitativas e de concorrência baseada em menores custos, governo, universidades e empresas se mobilizaram para o aumento das capacidades científicas, tecnológicas e humanas, esforços exigidos por quem quer sobreviver em mercados cujas bases de competição são a alta tecnologia e o conhecimento intensivo. Em geral, esses ingredientes são indispensáveis para políticas públicas de estímulo ao empreendedorismo, tido como meio mais competitivo de inserção nos mercados internacionais. As empresas de biotecnologia na China, de acordo com o que pesquisamos, dependem do financiamento do governo central e contam com fundos governamentais de apoio oriundos, principalmente, do “Programa Nacional de Pesquisa de Alta Tecnologia” e do “Programa Nacional de Pesquisa Básica”. No incessante esforço de reduzir a dependência do país da exportação de produtos com baixo valor agregado, o governo chinês elegeu a biotecnologia como um dos setores prioritários. Além de investir em educação e nas empresas, os planos chineses incluem agressivas buscas por parceR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013 331

Darcon Sousa, Roberto Veras de Oliveira

rias fora do país, que possam contribuir para a absorção de experiências e para o desenvolvimento da sua indústria tecnológica (http://www. economia.ig.com.br Acesso em: 12 maio 2011). Chudnovski (1999) afirma que Sistemas de Inovação refletem o pressuposto neoschumpeteriano segundo o qual o processo inovativo é resultado da interação de muitos atores e instituições que, através da aprendizagem coletiva, acumulam e difundem capacidades tecnológicas endógenas, sob a forma de competências científicas, técnicas e organizacionais. Na Argentina, esse modelo começa a ser experimentado por meio do Plano Nacional Plurianual de Ciência e Tecnologia para o período 1998-2000. Nascia, então, o Sistema Nacional de Inovação argentino. Orientado pelas demandas do setor produtivo e pelas necessidades sociais e regionais, o Plano previa uma forte articulação entre atores e instituições variados, aumento dos fundos disponíveis para pesquisa e investimentos, reestruturação dos organismos públicos envolvidos com ciência e tecnologia, criação de redes de investigação científica, indução à inovação e apoio às pequenas empresas. Apesar dessas medidas positivas, conforme avaliou Chudnovski (1999), o Plano não respondeu às demandas de setores importantes, não resolveu os problemas de inadequação do financiamento para ativos intangíveis, nem os decorrentes da ausência de vinculação entre os setores educacional, produtivo e científico. Apesar dos avanços em relação ao modelo linear anterior (no qual a geração de inovações se restringia aos esforços das instituições científicas públicas e aos incentivos fiscais para as empresas que investiam em pesquisa e desenvolvimento), o sistema argentino conservou ambiguidades conceituais e normativas e enfrentou dificuldades, sobretudo a pouca consciência existente na sociedade civil acerca da importância da ciência e da tecnologia, mesmo entre o empresariado. No Brasil, como relatam Guimarães e Azambuja (2010), a partir de 1985, com a instituição do Ministério da Ciência e Tecnologia, foram criados instrumentos para facilitar a mudança de paradigma na indústria (ver Quadro 1) através da inovação, os quais permitiram o tratamento fiscal e creditício diferenciado para as atividades inovadoras e uma maior aproximação entre os setores produtivo e científico. Desde então, cresceram as iniciativas de políticas públicas para promover a inovação empresarial, coordenadas pelo governo federal no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, do qual tem feito parte a Financiadora de 332 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013

Estudos e Projetos, FINEP, empresa pública com papel voltado para a difusão da inovação e para a promoção do empreendedorismo de caráter inovador. Essas políticas têm sido, em geral, desenvolvidas em parceria com instituições representativas dos setores produtivos e científicos (CNI, ANPROTEC, SEBRAE, Parques Tecnológicos, Universidades, Incubadoras de empresas). QUADRO 1: Brasil: Mecanismos criados para promover a inovação PERÍODO

MEDIDAS PARA ESTIMULAR A INOVAÇÃO Final dos anos Políticas de incentivo fiscal para desen1980 volvimento em P&D Abril de 1990 Lançada a Política Industrial e de Comércio Exterior (Pice) Outubro de Lei 8.248/91 - Lei da Informática 1991 Final dos anos Instituída a política dos fundos setoriais da 1990 Ciência e Tecnologia Maio de 2000 Criado o Projeto Inovar através do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe) Novembro de Lançado o documento Diretrizes de Políti2003 ca Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior Dezembro de Promulgada a Lei da Inovação 2004 Novembro de Lei 11.196 - Lei do Bem 2005 Maio de 2008 Instituída a Política de Desenvolvimento Produtivo

Fonte: Guimarães e Azambuja (2010)

Dentre as políticas públicas que têm sido desenhadas na instância federal do governo brasileiro, destacam-se as seguintes: a) Apoio Financeiro às Atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação e à Inserção de Pesquisadores nas Empresas; b) Apoio à Cooperação entre Empresas e Instituições Científicas e Tecnológicas; c) Programa Nacional de Sensibilização e Mobilização para a Inovação - Pró-Inova -; d) Capacitação de Recursos Humanos para a Inovação; e) Implementação de Centros de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Empresarial. Esses Programas lançam mão de instrumentos variados para difundir a inovação, tais como: subvenção econômica, incentivos fiscais, financiamento a juros zero, oferecimento de bolsas de fomento tecnológico, disseminação de informações, realização de cursos e de eventos. O orçamento de 2013 do governo federal previu uma destinação de 4,5 bilhões de Reais para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, que é composto por outros 15 Fundos setoriais administrados por comitês gestores coordena-

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil

dos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Agências reguladoras, comunidade científica e o setor empresarial participam das decisões sobre a aplicação do FNDCT. (www. mct.gov.br-acesso Acesso em: 02 out. 2012). O volume de recursos disponibilizados, a sofisticada rede interinstitucional e o amplo arco de ações traduzem a dimensão da aposta feita e avalizada por agentes públicos na promoção da inovação tecnológica, como forma de transformar o patamar técnico-produtivo brasileiro, do que resultariam, é o que se espera, condições socioeconômicas melhores. O expressivo aumento da influência das políticas públicas nesse processo é o fato a ser destacado e recomendado por estudos que demonstraram as necessidades tecnológicas no Brasil. O PRIME se insere num conjunto de recentes iniciativas governamentais destinadas a apoiar atividades inovadoras por meio do instrumento da subvenção econômica, modalidade de apoio público baseada na oferta seletiva de recursos não reembolsáveis, inédita do Brasil, possível graças à Lei 10.973 (Lei da Inovação, de 02/12/2004, regulamentada pelo Decreto 5.563, de 11/10/2005). A “lei da inovação” cria e fixa normas para o uso do instrumento da subvenção econômica no incentivo à pesquisa e à inovação na esfera produtiva, além de outros estímulos ao processo inovador. Além disso, a “lei do bem” (lei 11.196/05 de 21 de novembro de 2005) tem como objetivo oferecer incentivos fiscais para empresas que investirem em tecnologia para consolidar o sistema federal de estímulos ao desenvolvimento tecnológico do setor produtivo, convidado a responder a esses estímulos pela via da renúncia fiscal do governo. Segundo a Receita Federal do Brasil, o valor da renúncia fiscal do governo brasileiro com a Lei do Bem em 2006 foi superior a 227,8 milhões de Reais. Em 2012, o montante foi multiplicado quase dez vezes, ultrapassando 1,8 bilhões de Reais. O foco na inovação é, segundo pensamos, o elemento novo do apoio público ao setor empresarial no Brasil. Sem deixar de manejar os mecanismos tradicionais de estímulo ao setor produtivo - a exemplo das isenções fiscais, financiamentos diferenciados e concessão de oportunidades de lucro -, o Estado brasileiro incorporou a inovação tecnológica em sua agenda de políticas públicas, o que denota a busca de uma alternativa de desenvolvimento amparada nos pressupostos do empreendedorismo de caráter tecnológico e inovador e a tentativa de fugir da dependência das grandes fábricas, tipo de atividade empresarial historicamente privilegiada nas políticas de geração de em-

prego e de renda. O que se pretende agora, não sem preço e risco, é fazer movimentos favoráveis ao empreendedor de pequeno e médio porte, sem excluir as grandes corporações, mas privilegiando o conteúdo das atividades produtivas e não apenas o seu porte. Nessa direção, Castanhar (2007), ao discorrer sobre as políticas governamentais para o fomento da atividade empresarial no Brasil, considera que aqui as iniciativas governamentais voltadas para o estímulo de atividades empresariais têm privilegiado grandes corporações, em detrimento do segmento das micro e pequena empresas, apesar de estes portes de empresa terem grande participação no emprego e na renda do país. As micro e pequenas empresas não têm acesso aos instrumentos tradicionais de apoio público, principalmente os de caráter creditício e/ou financeiro, devido às suas limitações estruturais, à insuficiência de informações ou ao seu baixo grau de profissionalismo. O apoio ao empreendedorismo como política pública no Brasil, no âmbito federal, conforme pesquisamos, só começa a ganhar destaque no final da última década do século passado (1999), quando do lançamento por parte do governo federal do Programa “Brasil Empreendedor”, instituído para treinar 1 (um) milhão de empreendedores e difundir a cultura empreendedora. Atualmente, agências de pesquisa, incubadoras de empresas e setores empresariais já contam com programas de financiamento público através de instituições como a FINEP, o CNPQ e o BNDES, as quais continuam oferecendo linhas de ação específicas, destinadas à promoção do desenvolvimento tecnológico e ao estímulo à inovação, como anteriormente foi demonstrado. No âmbito privado, mais recentemente, cresce no país o influxo de modalidades de investimentos como os fundos especificamente voltados para novos negócios, empresas já estabelecidas ou consolidadas de natureza tecnológica. Esses fundos privados realizam uma intensa prospecção de oportunidades, selecionando negócios e planejando a criação ou consolidação de empreendimentos inovadores sem a interferência do setor público. Todavia, a atual revitalização do ideário empreendedor tem implicado no crescimento do espaço por ele ocupado nas políticas públicas que têm no empreendedorismo inovador uma alternativa duradoura para a criação de riquezas. Se os agentes públicos transformam esta premissa em políticas públicas, cabe à sociedade equipar-se de instrumentos adequados R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013 333

Darcon Sousa, Roberto Veras de Oliveira

para avaliação dos motivos que legitimam o apoio governamental ao empreendedorismo, do montante e destinação dos recursos públicos envolvidos nessa empreitada e dos impactos por ela causados nas realidades que pretende transformar. 3 A experiência do Programa Primeira Empresa Inovadora Lançado em várias regiões do Brasil de maneira uniforme e simultaneamente, o Programa Prime acionou uma rede de instituições envolvidas com O empreendedorismo, no sentido de criar as condições julgadas suficientes para identificar e fortalecer oportunidades econômicas de caráter inovador. Entre as regiões onde o Programa foi implantado - apesar da presença de instituições que possuíam recursos comuns e que comungavam com as pretensões do Prime - configura-se o quadro de uma realidade histórica marcada por diferenças sociais, econômicas e culturais. Tais diferenças, sobretudo quando pesquisamos uma política pública que mobiliza múltiplos atores sociais em contextos distintos, sugerem que as repercussões do PRIME seriam variadas, já que esse Programa se desenvolveu conforme o tecer de fios que se entrelaçaram, se cruzaram e perpassaram as redes locais de fomento ao empreendedorismo. Antecedemos nossa pesquisa de campo com uma análise contextualizada sobre a atuação do PaqTcPB na Paraíba, um estado de estrema pobreza social e de baixo dinamismo econômico e empresarial. As informações que coletamos, referentes aos indicadores sociais, econômicos e, principalmente, à dinâmica da atividade empresarial local, nos levam a afirmar que há um superdimensionamento do papel exercido por essa instituição no desenvolvimento empresarial da área geográfica em que ela está inserida, ou seja, o município de Campina Grande e o estado da Paraíba no Brasil. Para nós, a considerável oferta de mão de obra qualificada nas áreas tecnológicas, propiciada pelas universidades locais, não se confunde com o status de polo tecnológico (no sentido de estar associado ao desenvolvimento de novas tecnologias para o mercado) que comumente se reivindica para a região, apontando-se o PaqTcPB como instituição catalisadora desse suposto dinamismo e da transformação de novas tecnologias em negócios bem sucedidos. Avaliamos que o alcance do PaqTcPB é tímido no que tange à sua influência no ambiente de negócios local e que a incubadora de empresas ali criada está longe de se equiparar aos 334 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013

modelos de incubadoras dotados de recursos para promover o desenvolvimento de negócios. Não há indicadores capazes de demonstrar que a inteligência tecnológica, formada nas universidades de Campina Grande, tenha correspondente repercussão na criação de negócios inovadores apoiados ou gestados pela ação do Parque Tecnológico da Paraíba. Para selecionar os projetos que seriam beneficiados pelo Prime, o Parque Tecnológico da Paraíba recorreu a avaliadores das instituições universitárias locais, os quais, como inferimos, precisavam ter familiaridade com a realidade empresarial. Entretanto, a objetividade que se pretendeu atribuir ao processo seletivo não impediu o tratamento subjetivo de alguns critérios imprecisos ou de aplicação inadequada para o estágio em que se encontravam as empresas candidatas. O aporte de capacitação complementar, oferecido aos empreendedores selecionados, tendo como objetivo tornar suas propostas mais sólidas, mostrou-se distante das expectativas dos empreendedores e ineficaz quanto à finalidade pretendida. A extensa rede de atores que participaram do Programa não foi suficiente para gerar vantagens significativas para os empreendedores. Logo no início do nosso trabalho de campo, a fragilidade dos projetos aprovados nos parecia latente. Sem domínio das ferramentas de construção de projetos ou de planos de negócios empresariais, os empreendedores utilizaram serviços de terceiros ou recorreram a modelos prontos, disponíveis em publicações variadas, os quais foram adaptados aos seus projetos para dar uma aparência de consistência às suas ideias de negócio. A maioria absoluta das ideias dizia respeito a projetos de produtos e serviços com conteúdo tecnológico, cujo nível de complexidade recomendava que os avaliadores tivessem conhecimento profundo dessas tecnologias e dos mercados para os quais se destinavam. A pesquisa de campo revelou uma grande quantidade de tecnologias sem caráter inovador e sem comprovação de uma provável aceitação nos mercados que viesse de agentes econômicos neles inseridos. Ideias foram acreditadas porque possuíam componentes tecnológicos que, transformados em fetiches, forneceram elementos de convencimento para os avaliadores, levando-os a avalizá-las. Nesses casos, não se distinguiu a criatividade e a imaginação do que poderia ser considerado inovação. No entanto, a concepção do Prime previa uma aposta compartilhada nos projetos dos empreendedores. A tibieza, as imperfeições e o cambalear dos projetos inicialmente aprova-

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil

dos poderiam ser superados pelo trabalho dos gestores e das consultorias contratadas pelos empreendedores. Segundo observamos, os gestores não podiam ter outra função que não a de dar conta das exigências formais do Programa. A carga de informações que precisavam ser fornecidas, a quantidade de relatórios a serem elaborados e a observação rigorosa do uso dos recursos, cobradas pelo PaqTcPB, não deixaram tempo necessário para a desejável profissionalização dos negócios. Surpreendidos com o nível de burocracia do Prime, os empreendedores e os gestores, excetuados os casos que desembocaram em disputas judiciais e em afastamento do Programa, se resignaram a cumprir o que lhes era imposto ou solicitado pelo PaqTcPB. Neste sentido, cabe destacar que o desenho descentralizado do Programa, associado às modernas concepções de políticas públicas que privilegiam o compartilhamento entre múltiplos atores, não inibiu a prevalência do exercício do poder nas relações sociais desenvolvidas durante a execução do Prime, sendo flagrante a identificação de dominantes (a instituição gestora) e de dominados (os empreendedores) nos processos de implementação do Programa, do que resultaram tensões, conflitos abertos ou velados, resistência e conformação. Sustentamos que os empreendedores beneficiários do Prime, não obstante a previsível dificuldade de inserção que seus negócios enfrentariam no mercado, desavisados, se depararam com regras rígidas que os impediram de usar o tempo de trabalho e os recursos de modo mais proveitoso para os seus projetos. Ao afirmarmos que eles estavam desavisados, nos referimos ao intenso esforço de comunicação feito pelas instituições que elaboraram e executaram o Programa, no sentido de atrair candidatos, o que gerou enorme expectativa em relação às oportunidades oferecidas pelo Prime, as quais foram gradativamente substituídas pelos sentimentos de limitação, expressos pelos empreendedores, causados durante implementação do Programa. Mas, a pesquisa documental já nos havia informado sobre o forte amparo legal e formal do Prime, refletido na existência de contratos entre as partes envolvidas, cujos termos deixavam explícitos deveres e direitos. Isso ocorreu não só na relação entre os empreendedores e a instituição âncora. Esta última também tinha obrigações a cumprir perante a Finep, sobretudo a comprovação dos gastos permitidos pelas rubricas do Programa, recebendo, por outro lado, a remuneração fixada pelo gerenciamento do Prime. Isto, conforme avaliamos, contribuiu para o aumento

do ímpeto fiscalizador do PaqTcPB, agravado também pela percepção das incertezas que pairavam sobre os negócios selecionados. Se a implementação mostrava cada vez mais as possibilidades de fracasso da maioria dos negócios e as suspeitas de distorções cresciam, era necessário, ao menos, garantir a utilização correta dos recursos. Sustentamos que isso causou uma inversão entre meios e fins. O controle passou a ser o fim. Dessa forma, avaliamos que as práticas de cooperação e de compartilhamento ficaram comprometidas e os princípios das redes de relações colaborativas não foram efetivados durante a implementação do Programa. Mas o controle não resolveu outro grande problema do Prime: a ineficácia das consultorias contratadas pelos empreendedores. Delas se esperava que pudessem fornecer os conhecimentos e técnicas gerenciais capazes de transformar as ideias dos empreendedores em inovações econômicas. As consultorias, no entanto, outro fetiche do Prime, pouco podiam fazer por projetos de negócios nanimortos. Apesar disso, nenhum trabalho significativo foi apresentado pelos empreendedores pesquisados como resultado das ações dessas empresas de consultorias. Seria plausível esperar, pelo menos de algumas consultorias, que diante de propostas de negócios frágeis, pudessem apontar erros, identificar problemas e erguer dúvidas, como é comum acontecer nos diagnósticos organizacionais, encomendados não para aprovar planos, mas para verificar se são exequíveis. As consultorias poderiam oferecer prescrições tardias, porém laudáveis. Como isso não aconteceu, críticas e suspeições expostas pelos empreendedores apontavam as consultorias como as maiores beneficiárias do Prime, as quais teriam acumulado contratos e prestado serviços considerados insuficientes, taxados por vezes de “cosméticos” e de “qualidade baixa”. Fechava-se, assim, a soma dos erros que comprometeram definitivamente os objetivos do Programa Prime. Equívocos de uma concepção que desconsiderou as contingências e os contextos onde estavam inseridos os potenciais empreendedores e as instituições gerenciadoras do Programa. Criaram-se expectativas sobre a construção de um “tipo ideal” de mercado, alicerçada no papel ativo de instituições públicas e privadas, na qual o conhecimento, a tecnologia e o alinhamento de comportamentos aos valores do empreendedorismo completariam a equação estrutural perfeita para concretizar o ideário da inovação. Por outro lado, supervalorizaram-se as capaciR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013 335

Darcon Sousa, Roberto Veras de Oliveira

dades de avaliadores e de consultores empresariais que, no caso dos primeiros, abonaram negócios carimbando-os como inovadores e, no caso dos segundos, aplicaram bulas genéricas a esses negócios, em vez de pesquisarem prescrições apropriadas e realistas. Além disso, durante a implementação, no âmbito da atuação do Parque Tecnológico da Paraíba, não foi possível abortar os projetos em torno dos quais as desconfianças aumentavam, porque não havia, por parte dessa instituição, conhecimento ou mecanismos suficientes para julgar a capacidade de inserção no mercado das tecnologias propostas ou mesmo para inferir se o andamento dos projetos indicava evolução. Incapaz de fazer tais avaliações, o PaqTcPB concentrou-se em salvar a lisura do Prime e em justificar a condição de executor dessa política, comprometendo-se radicalmente (ou irracionalmente) em fazer os empreendedores cumprirem seus deveres contratuais para com o Programa. Os resultados disso, de um ângulo formal, estão registrados em robustos relatórios dos gastos efetuados pelos empreendedores, conforme as rubricas constantes no Prime. Apesar da descontinuidade do Programa, não explicada oficialmente e por si só reveladora, apenas uma investigação cuja metodologia privilegiasse a ida do pesquisador ao encontro dos atores beneficiários do Prime poderia dar conta das repercussões reais dessa política no público-alvo por ela escolhido. A coerência do Programa com suas premissas, as consequências de sua implementação e o descompasso entre os objetivos pretendidos e os resultados alcançados só poderiam ser apreendidos por meio de uma imersão no grupo social objeto do Prime. Nesta direção, visitamos os membros desse grupo social1, pessoas de elevado nível de instrução e que, tendo conservado algum laço com instituições universitárias ou incubadoras de empresas, deveriam transformar-se, segundo as expectativas do Prime, em empreendedores inovadores, inseridos em mercados rentáveis e elásticos. No entanto, os depoimentos desses potenciais empreendedores, coerentes com as observações coletadas e com os fatos que acompanharam a implementação do Programa, revelaram uma realidade de planos interrompidos, negócios fechados, ideias que não prosperaram ou, no máximo, empresas que permaneceram em atividade sem que a sofisticada “engenharia” do Prime tivesse feito qualquer diferença. Não hesitamos em afirmar que uma “avenida de sonhos quebrados” foi o que restou da implementação do Programa Prime, sob a coordenação do Parque Tecno336 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013

lógico da Paraíba. O que deveria ser um caminho para a geração de riquezas que trouxesse retornos sociais, resultou em desperdícios de recursos públicos, escoados para candidatos a empreendedores, empresas privadas e agentes institucionais intermediários, os quais não estão obrigados a ressarcimentos ou retratações. 4 Conclusões Nossa investigação apontou os problemas, conflitos e distorções que fizeram fracassar a implementação do PRIME no âmbito da coordenação do PaqTcPB. Atestamos que o arranjo institucional que ancorou o Programa, formado por atores comprometidos com o avanço do empreendedorismo na região pesquisada, não obteve êxito em criar as condições suficientes para viabilizar os negócios empreendedores que buscaram no PRIME apoio financeiro, tecnológico, gerencial e informacional. Neste sentido, a análise e a avaliação de políticas públicas sobressaem como instrumentos indispensáveis e inesgotáveis para acompanhar os efeitos das intervenções governamentais destinadas a transformar o meio social. Através desses instrumentos, para além da consideração a dados estatísticos e a relatórios oficiais, as políticas públicas podem ser observadas por ângulos multidimensionais, nos quais os atores-alvo das políticas, seus contextos, lógicas, trajetórias e os sentidos de suas ações, devem ter lugar privilegiado numa estratégia de investigação qualitativa com o necessário rigor metodológico. Em relação às políticas públicas que pretendem apoiar negócios de qualquer natureza, impõem-se aos pesquisadores de políticas públicas, redobrados cuidados e habilidades específicas para compreender os interesses e as ideologias dos atores envolvidos. Interesses e ideologias, quando amparados por capitais que os legitimam, conferem maior poder aos que os possuem, implicando em apropriações de recursos no âmbito das políticas públicas que, no contexto de sociedades desiguais, contribui para manter as posições já conquistadas no espaço social. A experiência do Programa Primeira Empresa Inovadora, aqui analisada, reforça nosso entendimento de que as subvenções econômicas, regulamentadas por leis brasileiras, não deveriam ser destinadas a projetos ou empreendimentos privados, sob nenhuma hipótese. Recursos públicos sem contrapartidas objetivas ou mensuráveis, só devem ser dirigidos aos segmentos sociais em desvantagem

O apoio do Estado ao Empreendedorismo Inovador: a experiência do Prime no Brasil

ou excluídos. A esses deve ser oferecida parte dos recursos que são de todos para que se equalizem os pontos de partida. No campo das atividades produtivas, subvencionar quem já está em posição privilegiada, além de arriscado, como aqui ficou demonstrado, constitui-se numa prática iníqua quando observamos as inúmeras necessidades dos amplos segmentos sociais postos à margem dos setores mais organizados e formais da economia. Admitimos, ao mesmo tempo, que nas sociedades democráticas é legítimo que setores empresariais privados disputem espaços nas decisões de políticas públicas com o objetivo de reclamar a atenção dos governos para os seus interesses. O que não se pode permitir é que o capital econômico coopte agentes públicos, imprima sua lógica ao funcionamento do Estado e () sequestre nossa inteligência universitária. Os governos dispõem de instrumentos variados para fortalecer segmentos que contribuam para a geração de emprego e de renda, sem prejuízos aos cofres públicos, ao meio ambiente ou à cidadania. O crédito sob garantias, os benefícios fiscais temporários em tempos de crise e a equalização das condições de competição internacional para os setores a ela expostos, constituem-se em mecanismos de preservação da estrutura produtiva nacional, cuja defesa deve ser feita numa atmosfera de consenso social e como parte de uma estratégia maior de desenvolvimento, conduzida sob a vigilância da sociedade. Não foi o que ocorreu com o Prime. Nesse Programa, foram feitas apostas em projetos individuais, elaborados por pessoas sem familiaridade com a atividade empresarial, que pretenderam, movidas pelos estímulos que receberam e por interesses utilitaristas ou subjetivos, concretizar o arquétipo do empreendimento capitalista bem sucedido. Tal pretensão, como defendemos, não deve ser custeada pelo estado. O apoio público ao empreendedorismo inovador não pode ser feito via subvenção econômica, o que transforma a sociedade em doadora de capital para empreendimentos privados. A esses empreendimentos, incertos como os demais, devem estar disponíveis os mecanismos de apoio oferecidos aos outros empresários, os quais não implicam na aceitação prévia da possibilidade de prejuízo aos cofres públicos como ocorre na subvenção. Os empreendedores inovadores devem, como em tantos outros espaços e contextos, buscar formas criativas de atrair investidores privados para seus projetos, os quais, se aprovados por esses agentes, naturalmente conhecedores das lógicas, condições e possibilidades

de penetração de novos produtos e processos nos mercados, servirão para despertar o propalado “espírito animal dos empresários”. Os que defendem as subvenções públicas para os empreendedores devem saber que existem muitos canais através dos quais as inovações podem receber impulsos oriundos de fundos privados e de corporações já existentes. Concursos, prêmios e seleções contínuas que filtram as propostas de inovação de funcionários, fornecedores, clientes e inventores, são alguns dos meios utilizados por empresas para atrair inovadores. Por outro lado, a complexidade dos processos perseguidos por empresas privadas para garimpar ideias disruptivas deve servir para advertir os agentes públicos em relação à simplificação que se inflige ao conceito de inovação, confundido com espasmos criativos assistidos por instituições públicas e privadas. A projeção de cenários de longo prazo em que as necessidades dos consumidores são previstas, a observância da originalidade e da vitalidade das inovações propostas, o desenho de fluxos relacionais e informacionais feito para aproximar clientes e parceiros, e a avaliação dos resultados e das consequências das inovações, são parte dos mecanismos usados no setor privado para agregar valor aos produtos e processos, competindo em mercados globais. Por tudo isto, sustentamos, os governos não devem ser seduzidos por discursos que tentam legitimar o despejo de dinheiro público sem volta no reservatório de sonhos, invenções ou interesses de candidatos a empreendedores. Os governos não podem ficar reféns da economia, nem compreendê-la apenas como uma variável dependente do lucro privado, tentando promovê-lo a qualquer custo. Neste sentido, no atual ambiente econômico em que os governos retomam um papel importante na promoção do desenvolvimento, multiplicam-se as oportunidades para que a pesquisa acadêmica se some aos esforços que monitoram a concepção, a implementação e os desdobramentos de políticas públicas que estimulam atividades econômicas. Formado por diversas disciplinas que dialogam entre si, o estudo das políticas públicas oferece abundantes estímulos para a criação de ferramentas, modelos e estratégias de abordagens que podem contribuir para o exercício da democracia, lançando luzes sobre as iniciativas dos agentes que se articulam para solucionar problemas públicos relacionados aos processos econômicos. No contexto brasileiro, propício à repetição da histórica e danosa mistura entre interesses públicos e privados, o estudo das políticas públicas torna-se imperioso aos pesquisadoR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013 337

Darcon Sousa, Roberto Veras de Oliveira

res sociais. Ademais, a ação econômica será sempre a janela através da qual se pode compreender também a política, a cultura, as relações, o indivíduo, a estrutura social, enfim, as múltiplas dimensões do desenvolvimento. Referências CASSIOLATO, José E. A economia do conhecimento e as novas políticas industriais e tecnológicas (p.164-190). In: CASSIOLATO, José E.; LASTRES, Helena M.M (Orgs.). Globalização e inovação localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul, Brasília: IBICT/MCT, 1999. CASTANHAR, José Cezar. A focalização das políticas públicas de fomento à atividade empresarial no Brasil (p.205-232). In: MARTIN, Paulo Emílio Matos; PIERANTI, Octávio Penna. (Orgs.). Estado e Gestão Pública: visões do Brasil contemporâneo. São Paulo: FGV Editora, 2007. GALVÃO, Antônio Carlos Filgueira. Política de desenvolvimento regional e inovação: lições da experiência européia. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2004. GUIMARÃES, S.M.K.; AZAMBUJA, L.R. Empreendedorismo high-tech no Brasil: condicionantes econômicos, políticos e culturais. Brasília: Revista Sociedade e Estado, v.25, n.1, p.93-121, jan./abr. 2010. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. CHUDNOVSKY, Daniel. El enfoque del sistema nacional de innovacíon y losnuevas políticas de ciência y tecnologia em La Argentina. In: CASSIOLATO, José E.; LASTRES, Helena M.M (Orgs.). Globalização e inovação localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul. Brasília: IBICT/MCT,p. 650 - 683. 1999. KREFT, Steven F; SOBEL, Russell S. Public policy, entrepreneurship, and economic freedon. Cato Journal, v.25, n.3, 2005. LOPES, Carlos; THEISON, Thomas. Desenvolvimento para céticos: como melhorar o desenvolvimento de capacidades. São Paulo: Editora Unesp, 2006. LERNER, Josh. Boulevard of broken dreams: why public efforts to boost entrepreneurship and venture capital have failed and what to do about it. Princenton: PrincentonUniversity Press, 2009. VILLAVICENCIO, Daniel. A política tecnológica do México na década de 1990: novas idéias, velhos hábitos.(p.323-343) In: GUMARÃES, Nadya A.; MARTIN, Scott (Orgs.). Competitividade e desenvolvimento: atores e instituições locais. São Paulo: Editora Senac, 2001. 338 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 328 - 338, jul./dez. 2013

Notas Foram visitados e entrevistas X empreendedores beneficiários do Prime, assim distribuídos... Darcon Sousa Administrador Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande - UFCG. Professor da Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: [email protected]. Roberto Veras de Oliveira Economista Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo USP Professor dos Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB e em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande UFCG. E-mail: [email protected] Universidade Federal de Campina Grande Rua Aprigio Veloso, 882 - Bairro do Bodocongó - Campina Grande - PB CEP: 58109-970. Universidade Federal da Paraíba Cidade Universitária - João Pessoa - PB CEP: 58051-900

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo. Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) Paulo Dabdab Waquil Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo. Resumo: O artigo apresenta uma análise sobre o nível de desenvolvimento dos municípios maranhenses a partir do cálculo do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) para os anos de 1980, 1991, 2000 e 2010. Busca verificar os resultados dos diversos projetos de desenvolvimento implantados no Estado impulsionados pelo padrão econômico vigente na época e que exigiram graus diferentes de participação do Estado e de capital de multinacionais. A pesquisa foi referente aos dados dos 217 municípios maranhenses e considerou cinco dimensões e 28 variáveis que serviram de base para o cálculo do IDM. Os resultados mostraram que houve melhora em todas as dimensões analisadas, o que resultou na melhoria de desenvolvimento de todos os municípios. Entretanto, comparando os valores médios do IDM de 1980 e 2010, foram observadas pequenas variações e, até mesmo, estagnação, tanto que em 2010, 83% dos municípios maranhenses ainda apresentavam nível muito baixo, baixo e médio de desenvolvimento. Palavras-Chave: Maranhão, Nível de Desenvolvimento, Crescimento Econômico. DEVELOPMENT AND INEQUALITIES IN THE MUNICIPALITIES OF MARANHÃO-BRAZIL: from developmentalism to neo-developmentalism. Abstract: The article presents an analysis on the development level of the Municipalities of the State of Maranhão-Brazil using the Municipal Development Index (MDI) database for the years 1980, 1991, 2000 and 2010. It searches to verify the results of several development projects implemented in the State, fomented by the economical standard at the time, which required varying levels of State participation, as well as investments from multinational corporations. The survey referring to data from the 217 State Municipalities and considered five dimensions and 28 variants used as baseline for the MDI computing. The results showed that there were improvements in all analyzed dimensions which resulted in the development progress of all Municipalities in the region. Nevertheless, comparing the MDI averages for 1980 and 2010, slight variations were observed, with stagnation at a certain point, and in 2010, 83% of the Municipalities of the State of Maranhão still presented a very low, low, and medium development level. Keywords: Maranhão, Development Level, Economical Development. Recebido em: 19/08/2013. Aprovado em: 09/11/2013. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013 339

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati, Paulo Dabdab Waquil

1 INTRODUÇÃO Com as crescentes crises econômicas mundiais no período Pós- Segunda Guerra Mundial, os programas de recuperação econômica despertam cada vez mais para a importância do elemento espaço no planejamento e elaboração de suas ações e, consequentemente, a crescente necessidade da intervenção do Estado na economia. No caso brasileiro, a intervenção estatal se torna presente em toda a sua história, tanto que o desenvolvimento econômico brasileiro se consolidou a partir da forte intervenção estatal através da chamada intervenção planejada, presente desde a primeira década do século XX na tentativa de solucionar os problemas das secas no Nordeste, mas tornaram-se mais intensas a partir da década de 1950 como parte integrante do processo de planejamento governamental para desenvolver o país e reduzir as desigualdades existentes entre as regiões, com destaque entre as regiões Sudeste e Nordeste. Porém, a grande ação estatal planejada só veio mesmo acontecer em 1959 com a criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), cuja base teórica veio da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). No Brasil, três modelos de desenvolvimento foram implantados: o modelo baseado na industrialização, o modelo baseado na extração e beneficiamento de minérios e o modelo baseado na introdução da agricultura moderna. O modelo da industrialização foi intensificado no final da década de 1950 e tinha entre seus objetivos reduzir as desigualdades existentes entre a região Nordeste e a região Sudeste, representado principalmente por São Paulo. O modelo baseado na extração e beneficiamento de minérios ganha destaque na região Nordeste e Norte, principalmente Maranhão e Pará a partir da década de 1960. O modelo que introduziu a agricultura moderna espalhou-se também pelas regiões Nordeste e Norte, assim como na região Centro-Oeste, com destaque à produção de soja, este com maior destaque a partir da década de 1980 (ARAÚJO, 2000). Alguns fatos chamam a atenção nestes dois últimos modelos; entre eles citamos que a modernização da agricultura nestas regiões significa o uso de insumos externos, mas, sobretudo, a necessidade de empresários aptos a desenvolvê-la, já que as novas atividades são diferentes daquelas praticadas pelos agricultores locais. Outro fato que chama atenção é que a produção resultante destes modelos é destinada à exportação, o que nos faz retornar às raízes 340 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013

históricas do modelo agroexportador, onde a produção dependia do mercado e preços externos, tal como hoje. O que tem de comum a todos os modelos é o apoio fiscal e creditício por parte dos governos estadual e federal. Mas, com a crise econômica e financeira nos anos de 1970, causada pelo preço do petróleo, pela inflação e pelo desemprego crescentes, o padrão desenvolvimentista entra em colapso e surge já na década seguinte um novo padrão econômico, onde o Estado abre mão do papel indutor da economia e é substituído pelo mercado. O liberalismo/neoliberalismo persiste até a década de 1990 e tem como principal papel integrar o capital brasileiro ao mercado mundial. Inicia-se assim a grande invasão das empresas transnacionais ditando uma nova forma de desenvolvimento para o país com forte presença dos organismos internacionais na economia (FMI e Banco Mundial), fatos que despertam o descontentamento e, consequentemente, a organização de inúmeras classes sociais. Já no final desta década, este modelo já dá sinais de esgotamento e favorece, a partir do início dos anos 2000, o surgimento do mais novo padrão econômico, o neodesenvolvimentismo, onde o desenvolvimento será promovido não só pelo Estado ou pelo capital estrangeiro, mas pela junção dos dois, onde o Estado volta a ter as funções de financiador, investidor, além de propulsor do aumento do consumo através da promoção da transferência de renda para a população mais carente. A partir da década de 1980, o capital internacional é defendido pelo Estado por proporcionar o desenvolvimento através do progresso, da geração de emprego e renda para a população local. No Nordeste e Norte, regiões mais pobres do país, todos estes padrões econômicos e dentro deles, todas as formas de promoção do dito desenvolvimento, são bem representadas. A partir do final dos anos de 1950 temos a forte intervenção estatal através da SUDENE e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) que propagavam a industrialização como modelo de desenvolvimento, e, para isso, o Estado promoveu a vinda de “grandes projetos”, com destaque o Projeto Grande Carajás instalado no Maranhão e Pará. Especificamente no Maranhão, grandes transformações econômicas, sociais e ambientais foram registradas a partir da implantação deste Projeto, que, por meio da infraestrutura proporcionada pelo Estado, favoreceu a introdução de novas atividades econômicas, tais como a cultura da soja, do eucalipto e as empresas produtoras de ferro-gusa. É inegável que os projetos de desenvolvimento implanta-

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo

dos no Estado tenham provocado mudanças na sua economia, tais como o crescimento do PIB e a inserção no mercado externo dos produtos do Estado, mas também não se pode negar uma maior taxa de urbanização e as modificações no perfil produtivo. Mas, será que estes projetos trouxeram desenvolvimento para os municípios? É neste contexto, e considerando as transformações ocorridas no Estado do Maranhão ao longo destas seis décadas, principalmente a partir da década de 1980, é que surge a inquietação que motivou esta análise, cujo objetivo é verificar o nível de desenvolvimento e a desigualdade de desenvolvimento existentes entre municípios maranhenses. O termo “desenvolvimento” refere-se à melhoria na qualidade de vida da população, portanto, diferente de crescimento econômico. 2 TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS DO MARANHÃO Ao analisar a formação econômica do país, torna-se evidente que o desenvolvimento econômico brasileiro se consolidou a partir da forte intervenção estatal, com destaque para a região nordestina. Ao longo das décadas, o que a história registrou foi a transformação da estrutura produtiva do Nordeste e a penetração de grandes grupos empresariais nacionais e internacionais já atuantes em outras regiões brasileiras, atraídos pelos fortes incentivos fiscais e creditícios, pela disponibilidade de matéria-prima local e abundante quantidade de mão de obra. Porém, o que há de comum a todas as políticas regionais implantadas no Nordeste pela ação estatal é o caráter centralizador e o fato de que estas serviram para reforçar o poder da classe política e econômica dominante, ambas, em geral, representadas pelas antigas oligarquias locais presentes até os dias atuais, o que ao invés de eliminar as desigualdades inter e intrarregionais, proporcionaram o aumento destas. O Maranhão representa muito bem este quadro. Todos os trabalhos que analisaram as desigualdades regionais no Brasil apontaram o Maranhão como um dos Estados mais pobres e que apresentava um dos piores indicadores econômicos e sociais, representados pelos mais baixos valores do PIB, a mais baixa renda per capita, uma das maiores concentrações de renda, os menores IDH’s, os mais altos índices de pobreza e analfabetismo, com um alto grau de desigualdade digital e um dos maiores índices de mortalidade infantil. Estas condições não são apontadas somente pelos estudos já realizados, mas também por dados oficiais que

mostram que o Maranhão em 2010 apresentava os seguintes dados: 20% da população de 15 anos a mais não liam e nem escreviam, 80,8% dos domicílios possuíam saneamento inadequado ou semi-inadequado, 25% da população possuía renda domiciliar de até 70 reais e 39% da população possuía renda domiciliar de até ¼ do salário mínimo (BRASIL, 2011). Portanto, assim como no Brasil, o desenvolvimento desigual se perpetua ao longo da história econômica do Estado do Maranhão, que, ao longo da sua formação, apresentou ciclos de fartura e de crises, e teve como base econômica a produção do algodão; de canade-açúcar e a implantação de engenhos para a fabricação de açúcar e aguardente; a indústria têxtil, incentivada pela decadência do comércio exterior do algodão; o ciclo do arroz, cujo aumento da produção se deu pelo aumento da fronteira agrícola e do aumento da agricultura familiar no Estado; e, por fim, a indústria de beneficiamento do coco babaçu, que assim como ocorreu com as usinas de arroz, foram impulsionadas na década de 1960, pelos incentivos da SUDENE e da SUDAM. Mas, com o fim da economia do arroz e do babaçu no início da década de 1970, a economia maranhense passou por um período de estagnação que se estendeu até a década de 1980. Devido ao seu isolamento, a intensificação da integração do Maranhão com o restante do país teve início no final dos anos de 1950 com a construção das rodovias Belém/Brasília, São Luís/Belém e São Luís/Brasília. Internacionalmente, a integração maranhense só veio se fortalecer com a exportação de ferro, alumínio e soja proporcionada com a implantação do Projeto Grande Carajás (PGC) já nos anos de 1980. Este Projeto tinha entre outras funções, atrair e viabilizar a implantação de outros projetos na região, tanto que foi lançado o Programa Corredor Norte de Desenvolvimento Integrado pelo Governo Federal em parceria com a então Companhia Vale do Rio Doce (atualmente Vale), com o Centro Nacional de Pesquisa de Soja (EMBRAPA-CNPSo), com governos estaduais e instituições financeiras. A partir deste momento, o Maranhão passou a atrair empresários nacionais e multinacionais devido aos incentivos fiscais por parte do governo, afacilidades ao acesso ao mercado externo e a uma grande infraestrutura para escoamento da produção, sendo esta última representada principalmente pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), inaugurada em 1985, e pela estrutura do Porto de Ponta da Madeira, ambos de responsabilidade da Vale. Com o intuito de promover o desenvolviR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013 341

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati, Paulo Dabdab Waquil

mento, o Estado do Maranhão(, a) apoiou o seu processo de desenvolvimento em quatro grandes projetos: o projeto da modernização e revitalização da pecuária, o projeto da Vale, o projeto da Alumar e o projeto da monocultura da soja, sendo que a Vale e a Alumar fazem parte do Programa Grande Carajás (PGC). Como características comuns, todos receberam fortes incentivos fiscais e creditícios e ocupam imensas áreas na zona urbana ou na zona rural do Estado. A pecuária no Maranhão foi introduzida em 1621, e até a década de 1960 cresceu a um ritmo lento e se concentrou nas regiões de campos naturais do Norte, Leste e Sul do Estado, regiões de ocupações mais antigas. A partir de 1960, ocorreu uma intensa ocupação de terras por grandes proprietários e/ou empresas agropecuárias, transformando grandes extensões de terras em pastagens, consolidando, assim, as relações capitalistas no campo, principalmente a partir da Lei de Terras de 1969 (PORRO; MESQUITA; SANTOS, 2004). Dados da agropecuária de 2010 comprovam o grande crescimento da atividade no Estado e a concentração do rebanho na mesorregião Oeste, Centro, Sul, Leste e Norte. Os principais problemas da pecuária no Estado são representados pela concentração de terras, expropriação de propriedades de pequenos agricultores familiares e excessivo desmatamento e queimadas, prejudicando assim, o extrativismo do babaçu, fonte de renda para inúmeros agricultores. O projeto de exploração mineral da Vale está distribuído entre o Sudoeste do Pará, o Norte de Tocantins e o Oeste do Maranhão, este último com 40% de seu território envolvido no Programa. Os grandes investimentos no Estado são a Ferrovia Serra dos Carajés e o Porto de Ponta da Madeira, infraestrutura fundamental para o transporte do minério da Serra dos Carajás/PA e embarque desse produto para o exterior. A ferrovia favoreceu a implantação de várias empresas de produção de carvão vegetal, celulose, papel e metalúrgicas agravando ainda mais a situação fundiária e ambiental no Estado (BARBOSA, 2006). Também dentro do projeto de transformar o Maranhão em um pólo minero-metalúrgico e de realizar o desenvolvimento econômico através da transformação estrutural da economia, em 1984 foi inaugurada em São Luís a fábrica do Projeto Consórcio de Alumínio do Maranhão, Alumar, com o objetivo de produzir alumínio primário. O complexo da Alumar conta com a fábrica e um porto particular. Como consequências desse projeto, houve o deslocamento de inúmeras famílias do entorno da área onde foi instalada a empresa e 342 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013

Inúmeras denúncias em relação à degradação do meio ambiente (COSTA, 2003). Por fim, a cultura da soja foi introduzida no cerrado maranhense como forma de incrementar a economia maranhense que estava em crise devido à quebra na produção de arroz e de coco babaçu. A soja foi introduzida no Maranhão na safra 1977/78 em apenas 32 hectares em dois municípios e em duas microrregiões, ambas pertencentes a Mesorregião Sul Maranhense. A partir de 1992 a área apresentou um crescimento contínuo devido aos benefícios trazidos pelo Programa Corredor Norte de Desenvolvimento, tanto que em 2010 a cultura já estava distribuída por três mesorregiões (Sul, Leste e Centro Maranhense), nove microrregiões e 33 municípios. É impossível falar da produção de soja no Maranhão sem tratar das questões ligadas à agricultura familiar, à produção das culturas alimentares e ao meio ambiente (ANJOS, 2007). Os problemas, antes localizados nos municípios do Sul do Estado, hoje já se espalham pelas outras regiões produtoras. A justificativa do Governo para a instalação desses projetos foi a de transformar economicamente o Estado através da implantação de um polo exportador e de proporcionar a inclusão social e o desenvolvimento regional via geração de emprego e renda. A promessa da geração de inúmeros empregos gerou uma grande euforia na população maranhense e nos Estados vizinhos, fazendo com que houvesse um aumento populacional, principalmente em São Luís, assim como a redução da população rural em relação à população urbana no Estado, principalmente a partir da década de 1980 (Tabela 1). Também se pode perceber que os maiores crescimentos na população ocorreram entre as décadas de 1950 e 1990, principalmente entre 1950 e 1960 (57%) e 1970 e 1980 (34%), justamente períodos de maiores tentativas de promoção do desenvolvimento estadual através do incentivo às migrações e da implantação dos grandes projetos, respectivamente. Por outro lado, a população urbana apresentou maior crescimento a partir da década de 1980. Várias décadas se passaram do início das ações governamentais para promover o desenvolvimento do Maranhão. Mas, será que o Estado alcançou o desenvolvimento ou apenas o crescimento econômico? 4 METODOLOGIA O estudo do desenvolvimento dos municípios maranhenses foi realizado através do cálculo do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) para o conjunto formado pelos municípios do Maranhão nos anos de 1980, 1991,

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo

de Saúde, através do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Por considerar a complexidade do processo de desenvolvimento, o cálculo do IDM considerou cinco dimensões e 28 variáveis (Quadro 1).

2000 e 2010. Cabe ressaltar que existe uma diferença no número de municípios entre os anos de 1980, 1991 e 2000/2010, sendo que a quantidade de municípios está assim distribuída: 130, 136 e 217, respectivamente. Os dados utilizados foram secundários, coletados junto às publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Secretaria Nacional

TABELA 1: Evolução da população maranhense entre 1940 e 2010

ANO 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Total 1.235.169 1.583.248 2.492.139 2.992.678 3.996.444 4.930.253 5.651.475 6.569.683

FONTE: IPEA [2011?]

Taxas de Crescimento (%) 28 57 20 34 23 15 16

POPULAÇÃO Urbana

Rural

Urbana (%)

Rural.(%)

185.552 275.491 448.509 753.466 1.254.830 1.972.421 3.364.070 4.143.728

1.049.617 1.307.757 2.043.630 2.239.212 2.741.614 2.957.832 2.287.405 2.425.955

15 17 18 25 31 40 60 63

85 83 82 75 69 60 40 37

4.1 Construção do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) Diante das opções de metodologias encontradas, escolheu-se utilizar a metodologia proposta por Kageyama (2004) para a construção do Índice de Desenvolvimento Municipal. O primeiro passo consistiu no cálculo dos cinco índices parciais, os quais representaram as cinco dimensões analisadas. Cada um dos índices

parciais é composto pela média aritmética simples dos valores de cada uma das variáveis que compõe cada dimensão. Dessa forma, o IDM é a média aritmética dos cinco índices parciais: índice do desempenho econômico (IECO), índice do desempenho social, saúde e infraestrutura (ISOC), índice do desempenho demográfico (IDMO), índice do desempenho institucional (IPO-INS) e índice do desempenho educação e lazer (IEDU-LAZER).

QUADRO 1: Identificação das dimensões, nome das variáveis, código utilizado, relação da variável com o desenvolvimento e a unidade de medida. Dimensões

Variáveis

* Contribuição dos impostos no PIB total municipal - IMP_PIB (+) (%) * PIB per capita - PIB_PERCAP (+) (R$) * Renda domiciliar per capita - REND_DOM (+) (R$) Dimensão econômica * Pessoas com 10 anos a mais com rendimentos - PESSOA_RENDA (+) (%) * Receita orçamentária per capita - REC_ORÇAM (+) (R$) * Transferência Intergovernamental (União+Estado) - TRANSF_INTERG (-) (%). * Despesa orçamentária com a saúde e saneamento - DESP_SAU_SAN (+) (%) * Mortalidade infantil - MORT_INF (-) (Número de óbitos de crianças com menos de um ano a cada mil nascidos vivos) * População atendida pelo Programa Saúde da Família (PSF) - POP_PSF (+) (%) * População atendida por Transferência de Benefícios Sociais (TBS) - DATASUS (+) (%) Dimensão social, saúde * População atendida por Transferência de Benefícios Sociais (TBS) - TRANSF_ BENEF (-) (%) e infraestrutura * Incidência de pobreza - INCID_POB (-) (%) * Abastecimento de água - rede geral - ÁGUA (+) (%) * Rede de esgoto ligada à rede geral ou pluvial ou fossa séptica - ESGOTO (+) (%) * Coleta de lixo feita por serviço de limpeza ou em caçamba de serviço de limpeza. - LIXO (+) (%). R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013 343

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati, Paulo Dabdab Waquil

* População urbana - POP_URB (+) (%) * População economicamente ativa - POP_ECO (+) (%) * População com 60 anos a mais - POP_IDO (+) (%) * Existência de acesso à justiça - JUSTIÇA (+) Dimensão Institucional * Existência de conselhos municipais -CONSELHOS (+) * Existência de agências bancárias - AGÊNCIAS (+) * Pessoas15 anos a mais analfabetas - PESS_ANALF (-) (%) * Existência de unidade de ensino superior (UES) (+) * Despesa orçamentária com a educação e cultura - DESP_EDU_CULT (+) (%) Dimensão educação e * Existência de biblioteca - BIBLIOT (+) lazer * Existência de clube recreativo - CLUB_REC (+) * Existência de centro de esportes - CENT_ESP (+) * Existência de rádio AM/FM - RADIO (+) * Existência de provedor de internet - INTERNET (+) Dimensão demográfica

FONTE: Elaboração dos autores (2012).

Como as variáveis possuem unidades diferentes, antes de calcular cada índice parcial foi necessário transformar cada variável em um índice simples para que pudesse ser feita a agregação do conjunto de variáveis de cada dimensão. Para tal, segundo Waquil et al (2007), adaptando a metodologia utilizada por Sepúlveda (2005) às condições brasileiras, ajustamse os valores observados de cada variável em uma escala cujo valor mínimo é 0 (zero) e o valor máximo é igual a 1 (um), criando-se, assim, condições para a agregação nas suas respectivas dimensões. Porém, a escolha das variáveis veio acompanhada da relação que esta apresenta com o “entorno geral”, ou seja, definiu-se se o aumento no valor dessa variável melhora ou piora o processo de desenvolvimento. Caso se tenha optado pela melhoria, considerou-se uma relação positiva entre a variável e o processo de desenvolvimento; dessa forma o sinal é positivo (+). Se a relação piorou o processo de desenvolvimento, a relação é negativa; a variável recebeu o sinal negativo (-). É importante esclarecer que a escolha do sinal, ou seja, da relação, é uma questão subjetiva, portanto não consensual. Operacionalmente, o procedimento foi o seguinte: Se a relação entre a variável e desenvolvimento tiver sido positiva, usou-se a seguinte fórmula:

I =

x−m M − m (1)

Se a relação entre a variável e desenvolvimento tiver sido negativa, usou-se a seguinte fórmula:

I =

M −x M − m (2)

Onde: I = índice calculado referente a cada variável; x = valor observado de cada variável; m = valor mínimo considerado;

344 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013

M = valor máximo considerado. Após a transformação das variáveis em índice simples, fez-se o cálculo dos índices parciais de cada dimensão através da média aritmética da seguinte forma: Índice de desempenho econômico (IECO) (3) Índice social, saúde e infraestrutura (ISOC) (4) Índice demográfico (IDMO) (5)

Índice institucional (IINST) (6)

Índice educação e lazer (IEDU-LAZER) (7) Após a construção dos índices parciais, construiu-se o Índice de Desenvolvimento Municipal para cada município do Estado, utilizando-se a seguinte equação: (8) Após o cálculo, foi feita a divisão do IDM em cinco estratos de igual tamanho que foram identificados como níveis de desenvolvimento, os quais receberam as denominações de Desenvolvimento Muito Baixo (DMB); Desenvolvimento Baixo (DB); Desenvolvimento Médio (DM); Desenvolvimento Alto (DA) e Desenvolvimento Muito Alto (DMA). O cálculo dos estratos foi feito da seguinte forma: i) diferença entre

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo

o maior e o menor valor do IDM calculado; ii) dividiu-se o resultado pelo número de estratos desejados. No caso desse estudo foram considerados 5 estratos; iii) o valor do primeiro estrato foi calculado através da soma do menor valor do IDM com o resultado encontrado no item “ii” e; iv) os resultados dos estratos seguintes foram calculados com base na soma dos valores dos estratos anteriores com o resultado do item “ii”. É importante ressaltar que a classificação aqui utilizada é específica para esta análise, o que significa dizer que, ao se utilizar outras variáveis, a classificação pode se mostrar diferente. Assim como o município que atingiu um nível mais elevado de desenvolvimento não significa que se encontra em uma situação ideal; apenas se classificou em um nível melhor diante do conjunto dos aspectos considerados em relação ao que se encontra em uma classificação inferior. 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Índices Parciais/ IDM IECO ISOC IDMO IINST IEDU-LAZER IDM (média estadual)

1980 -1 0,0817 0,4543 0,3405 0,2922

Média 1991 2000 0,1939 0,1956 0,2994 0,3761 0,3993 0,4554 0,3144 0,3346 0,4418 0,3068 0,3567

Para facilitar a descrição e a compreensão dos resultados, a análise do desenvolvimento dos municípios maranhenses foi feita através dos seguintes subitens: 5.1 Análise do comportamento dos índices parciais que constituíram o IDM dos municípios nos anos de 1980, 1991, 2000 e 2010 Os valores da média e do coeficiente de variação dos cinco índices parciais e do IDM para os anos de 1980, 1991, 2000 e 2010 encontram-se na Tabela 2. Observou-se que nos quatro anos os valores da média do IDM foram crescentes, enquanto que os valores do coeficiente de variação foram decrescentes, o que nos diz que houve uma melhora no desenvolvimento municipal no Maranhão ao mesmo tempo em que houve a redução da desigualdade entre os municípios. TABELA 2 : Valores da média e do coeficiente de variação dos cinco índices parciais e do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) para os anos de 1980, 1991, 2000 e 2010. Maranhão.

2010 0,2940 0,5585 0,4733 0,4624 0,4932 0,4565

1980 1,48 0,22 0,49 0,35

Coeficiente de Variação 1991 2000 0,59 0,40 0,30 0,29 0,26 0,26 0,79 0,54 0,43 0,30 0,32

2010 0,24 0,14 0,27 0,69 0,40 0,26

FONTE: OTTATI (2013). 1 Ausência de valores dos índices parciais devido a falta de dados.

Ao se observar os valores das médias dos índices parciais dos quatro anos, se vê que assim como ocorreu com as médias do IDM, elas apresentam valores crescentes, significando uma melhora em todos os índices parciais, ou seja, em todas as dimensões, o que significa que todas elas contribuíram para a melhora do índice de desenvolvimento dos municípios. Ao observar os valores do coeficiente de variação, percebe-se que, apesar de um aumento registrado entre 1980 e 1991 em alguns índices parciais, houve, em geral, um decréscimo, principalmente no índice econômico e no índice social, saúde e infraestrutura, com destaque entre os anos de 2000 e 2010. Isto significa que se tem uma média mais representativa e que a situação dos municípios se aproximou mais um do outro ao se analisar uma determinada dimensão. Exceto a dimensão institucional e a dimensão educação e lazer, cujos valores ainda permaneceram muito altos.

Para uma análise mais atual do comportamento de cada dimensão no conjunto de municípios maranhenses, foi feita uma análise dos valores referentes ao ano de 2010. Os valores mostram que a maior média foi encontrada no índice social, saúde e infraestrutura (ISOC), seguida pelos índices educação e lazer (IEDU -LAZER), índice demográfico (IDMO), índice institucional (IINST) e índice de desempenho econômico (IECO). Ao se observar o coeficiente de variação, percebeu-se que os menores valores estão no índice social, saúde e infraestrutura e no índice de desempenho econômico, significando que os dados referentes a essas dimensões estão mais homogêneos em torno das suas médias, o que quer dizer que a situação social, de saúde, de infraestrutura e econômica é mais parecida entre os municípios. Por outro lado, a dimensão institucional possui o maior coeficiente de variação, e logo após vem o índice educação e lazer, confirmando a R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013 345

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati, Paulo Dabdab Waquil

heterogeneidade que existe nos dados em torno dessas duas médias, assim como a grande diferença das condições de assistência jurídica, participação popular, educação e lazer que existe entre os municípios maranhenses. 5.2 Análise do nível de desenvolvimento dos municípios maranhenses a partir do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) dos anos de 1980, 1991, 2000 e 2010 De maneira geral, os níveis de desenvolvimento dos municípios maranhenses apresentaram piora entre os anos de 1980 e 1991 e melhoria entre 1991 e 2010, o que parece coerente com a crise econômica que o país atravessou entre os primeiros anos e a melhoria das condições macroeconômicas e sociais do país ocorridas a partir da metade dos anos

1990 (Tabela 3). O percentual de municípios com o nível de desenvolvimento muito baixo aumentou entre 1980 e 2000, mas, por sua vez, a partir desta última década apresentou queda, chegando em 2010 com 13,8%. Os municípios com o nível de desenvolvimento baixo apresentaram queda contínua, mesmo que estas sejam menores que as apresentadas no nível anterior, durante todos os anos estudados, passando de 48,5% do total de municípios em 1980 para 35,9% em 2010. O nível de desenvolvimento médio e o nível de desenvolvimento alto foram os que apresentaram maior crescimento na participação percentual dos municípios, passando de 9,2% para 33,2% e de 0% para 14,7%, respectivamente, entre 1980 e 2010.

TABELA 3: Número de municípios e participação percentual nos níveis de desenvolvimento dos municípios maranhenses nos anos de 1980, 1991, 2000 e 2010. Maranhão.

1980 Níveis de DesenNúmero de volvimento Municípios Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto Total

FONTE: OTTATI (2013).

54 63 12 0 1 130

1991

2000

2010

%

Número de Municípios

%

Número de Municípios

%

Número de Municípios

%

41,5 48,5 9,2 0,0 0,8 100,0

69 55 11 0 1 136

50,7 40,4 8,1 0,0 0,7 100

76 84 45 10 2 217

35,0 38,7 20,7 4,6 0,9 100

30 78 72 32 5 217

13,8 35,9 33,2 14,7 2,3 100

O nível de desenvolvimento muito alto foi o que apresentou menor crescimento, passando de 0,8% para 2,3% ao longo das três décadas estudadas. Importante frisar que nas décadas de 1980 e de 1990 não existia nenhum município com o nível alto de desenvolvimento e que apenas o município de São Luís apresentava o nível muito alto de desenvolvimento, enquanto os demais municípios apresentavam o nível muito baixo, baixo ou médio de desenvolvimento. Os valores do IDM de 1980, 1991 e 2000 mostraram que o número de municípios com o nível de desenvolvimento muito baixo e baixo era muito maior que os outros níveis, 90%, 91,1% e 73,7%, respectivamente e que, em 2010 ainda é de 49,7%, fato que comprova o grande número de municípios com esses dois níveis no Estado e, consequentemente, deixam transparecer a imensa desigualdade que ainda persiste entre os municípios. Pelo fato de o número de municípios ser igual em 2000 e 2010, uma análise mais detalhada pôde ser feita a partir dos valores do IDM desses dois anos. Através do IDM 2000,

346 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013

observou-se que 160 municípios (73,7%) encontravam-se no nível de desenvolvimento muito baixo ou baixo, 45 municípios (20,7%) no nível de desenvolvimento médio, 10 municípios (4,6%) no nível de desenvolvimento alto e apenas 2 municípios (0,9%) no nível de desenvolvimento muito alto. Já nos valores do IDM 2010, observou-se que 108 municípios (49,8%) encontravam-se no nível de desenvolvimento muito baixo ou baixo, 72 municípios (33,2%) no nível de desenvolvimento médio, 32 municípios (14,7%) no nível de desenvolvimento alto e somente 5 municípios (2,3%) no nível de desenvolvimento muito alto. Percebe-se, portanto, que houve uma redução no número de municípios com o desenvolvimento muito baixo, de 76 para 30, e no número de municípios com o desenvolvimento baixo, de 84 para 78, ao mesmo tempo em que houve um aumento de 45 para 72 no número de municípios com o desenvolvimento médio, de 10 para 32 no número de municípios com o desenvolvimento alto e de dois municípios para cinco no nível de desenvolvimento muito alto, ou seja, nume-

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo

ricamente houve um grande avanço no nível de desenvolvimento dos municípios do Maranhão. Porém, através da Tabela 4, que mostra os parâmetros descritivos para o IDM de todos os anos calculados, percebe-se que houve uma mudança de nível, mas os valores encontrados ainda são muito baixos. Observa-se que para o ano de 1980 a média do IDM estadual era de

0,2922 e a mediana mostra que metade dos 130 municípios apresentavam valores iguais ou inferiores ao 0,2824. O município com maior desenvolvimento era São Luís, a Capital do Estado, ao apresentar um valor 0,8738, enquanto o de pior desenvolvimento foi o município de Lago Verde, com um valor de 0,1134.

TABELA 4: Parâmetros descritivos do Índice de Desenvolvimento Municipal (DM) para os anos de 1980, 1991, 2000 e 2010. Maranhão.

Parâmetros Descritivos

Média Mediana Mínimo Máximo Coeficiente de Variação

Fonte: OTTATI (2013).

1980 0,2922 0,2824 0,1134 0,8738 0,35

Para o IDM de 1991, os valores encontrados para a média estadual foi de 0,3068 e para a mediana foi de 0,2929, o que nos diz que houve uma melhora no nível de desenvolvimento nestes dois parâmetros. O município de pior situação de desenvolvimento foi Santa Luzia, com o valor de 0,1734, e o de melhor desenvolvimento continuou a ser São Luís, porém o valor encontrado neste ano foi de 0,8189, menor do que o encontrado em 1980. Para o ano de 2000, os valores mostraram que o menor valor do IDM foi de 0,1602, encontrado no município de Paulino Neves, e o maior foi de 0,8238, continuando a pertencer ao município de São Luís. Os resultados alcançados mostram que a média estadual era de 0,3567 e que metade dos municípios apresentavam valores iguais ou inferiores a 0,3304, valores que mostraram novamente uma melhora no nível de desenvolvimento dos municípios. Por sua vez, os valores do IDM calculado para o ano de 2010, mesmo com a melhora desse indicador em relação ao ano de 2000, ainda era muito crítica a situação do Estado do Maranhão em termos de desenvolvimento dos seus municípios. Os resultados mostravam que o maior valor continuava a ser encontrado no município de São Luís, quando este apresentava valor de 0,8296, mas se compararmos com o IDM de 1980, percebe-se que, mesmo continuando a ser o maior, registrou queda no valor do índice, e se compararmos com o valor do IDM de 2000, nota-se quase uma estagnação nos valores, principalmente por se tratar de um período de dez anos. O menor valor foi encontrado no município de Marajá do Sena, que apresentou um valor de 0,1943. Conforme os resultados, metade dos municípios apresentavam valores iguais ou inferiores que 0,4487, valor inferior à média estadual que era 0,4563.

1991 0,3068 0,2929 0,1734 0,8189 0,30

IDM

2000 0,3567 0,3304 0,1602 0,8238 0,32

2010 0,4565 0,4487 0,1943 0,8296 0,26

De maneira geral, a média e a mediana apresentaram melhora nos seus valores entre 1980 e 2010, mas por outro lado, observando os valores mínimos do IDM, os mesmos continuam muito baixos, o que nos diz que ainda existem muitos municípios com nível muito baixo e baixo de desenvolvimento, assim como os valores máximos encontrados apresentam-se em queda ou com um crescimento quase que estagnado, como é o caso do município de São Luís, o que nos faz // deduzir que está havendo uma melhora no nível de desenvolvimento, mas este não está acompanhando o crescimento econômico registrado pelo crescimento do PIB estadual. Portanto, o crescimento econômico não está refletindo na melhoria da qualidade de vida da sociedade maranhense, principalmente no interior do Estado, onde os dados analisados refletiram uma desigualdade regional muito grande em todas as dimensões entre os municípios, principalmente naqueles que apresentam como base econômica a agricultura e que são menos urbanizados. Observando os valores do coeficiente de variação, percebe-se que ao longo das décadas houve uma queda, o que permite dizer que todas as médias são representativas e, principalmente, que estes valores também confirmaram uma maior homogeneidade dos valores em torno da média, comprovando, assim, a melhoria de todos os níveis de desenvolvimento entre os anos de 1980 e 2010. Para melhor visualização das mudanças de níveis de desenvolvimento dos municípios maranhenses nos anos analisados, os valores do IDM calculados foram representados na Figura 1, onde, claramente, se percebe a redução dos níveis de desenvolvimento muito baixo e baixo e o aumento dos níveis médio e alto ao longo dos anos1. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013 347

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati, Paulo Dabdab Waquil

FIGURA 1: Representação dos níveis de desenvolvimento dos municípios maranhenses no ano de 1980, 1991, 2000 e 2010. Maranhão.

Programa Terra View 4.2.0

FONTE: OTTATI (2013).

5.3 Uma análise do comportamento do nível de desenvolvimento dos municípios maranhenses entre os anos de 2000 e 2010 Devido à igualdade no número de municípios, essa comparação foi feita para se verificar quais os municípios que conseguiram mudar de nível de desenvolvimento entre os anos de 2000 e 2010, justamente no período em que se consolidaram todos os investimentos feitos nos grandes projetos implantados no Estado a partir de 1980, assim como maior investimento do Governo Federal em Programas de transferência de renda e aumento do consumo para as populações mais carentes. Ao comparar o comportamento do nível de desenvolvimento de cada um dos 217 municípios através da classificação do IDM de 2000 e do IDM de 2010 descritos na Tabela 5, podese dizer que 96 (44,2%) municípios não sofreram alteração no nível do seu desenvolvimento; destes, 29 continuaram com o desenvolvimento muito baixo; 35 com o desenvolvimento baixo; 23 com o desenvolvimento médio; sete com o desenvolvimento alto e dois com o desenvolvimento muito alto. 348 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013

TABELA 5: Evolução do nível de desenvolvimento dos municípios maranhenses nos anos entre 2000 e 2010. Maranhão. Nível de Desenvolvimento

Número de Municípios

Sem alteração Desenvolvimento Muito Baixo → Desenvolvimento Baixo Desenvolvimento Muito Baixo → Desenvolvimento Médio Desenvolvimento Baixo → Desenvolvimento Muito Baixo Desenvolvimento Baixo → Desenvolvimento Médio Desenvolvimento Baixo → Desenvolvimento Alto Desenvolvimento Médio → Desenvolvimento Alto Desenvolvimento Alto → Desenvolvimento Muito Alto Total

96 43

Participação Percentual (%) 44,2 19,8

4

1,8

1

0,5

46

21,2

2

0,9

22

10,1

3

1,4

217

100

FONTE: OTTATI (2013).

O DESENVOLVIMENTO E AS DESIGUALDADES NOS MUNICÍPIOS MARANHENSES: do desenvolvimentismo ao neodesenvolvimentismo

Um fato que chamou a atenção quando se analisou o IDM dos municípios maranhenses para os anos de 2000 e 2010 foi o desenvolvimento dos 81 municípios criados em 1994 e 1995. Destes, 38 municípios não sofreram alteração no nível de desenvolvimento (47%), sendo que 21 municípios continuaram com o desenvolvimento muito baixo (25,9%) e 17 permaneceram com um baixo desenvolvimento (21%). Do restante dos municípios, 31 atingiram a categoria de municípios com um baixo desenvolvimento (38,3%); dez municípios o nível de desenvolvimento médio (12,3%) e apenas dois municípios atingiram um alto desenvolvimento (2,5%), ou seja, 69 municípios encontram-se na classificação de muito baixo e baixo desenvolvimento. Dados que comprovam que a decisão de emancipação de um município não passa por uma análise econômica, apenas política. 6 CONCLUSÃO Ao analisar os valores do índice calculado para os anos de 1980, 1991, 2000 e 2010, pode-se afirmar que houve uma melhora em todas as dimensões estudadas ao longo desses anos, o que resultou na melhoria do índice de desenvolvimento de todos os municípios. Mas, por outro lado, a grande redução se deu nos municípios que apresentavam um nível muito baixo de desenvolvimento, que, por sua vez, passaram para o nível baixo ou médio. Esses três níveis de desenvolvimento ainda representam 83% dos municípios maranhenses, enquanto apenas 17% atingiram o desenvolvimento alto ou muito alto, valor que confirmou a grande desigualdade entre os municípios maranhenses. Portanto, independente do padrão econômico utilizado para promover o desenvolvimento no Estado do Maranhão, o resultado ainda é muito pequeno diante dos investimentos e vantagens fiscais concedidas, isso sem falar nos danos sociais e ambientais. As desigualdades regionais no Maranhão se fazem presentes em todas as mesorregiões, e, nestas, em todas as microrregiões, mesmo naquelas onde os grandes projetos foram implantados, porém, as situações mais críticas em relação às variáveis econômicas, de justiça e educação foram encontradas nos municípios cuja economia gira em torno da agricultura e que possuem uma população menos urbana. Registram-se assim, a incoerência entre os investimentos feitos, principalmente, nestas três últimas décadas e os resultados alcançados quando comparamos o crescimento econômico alcançado pelo Maranhão e a melhora no nível

de desenvolvimento dos municípios, o que permite dizer que houve crescimento econômico, mas de forma concentrada em alguns municípios, e, mesmo nestes, não foram registradas melhorias na qualidade de vida da população residente proporcional ao crescimento econômico registrado, o que nos faz acreditar que a renda gerada não ficou no município para gerar investimentos na economia e na infraestrutura, fato comum aos investimentos proporcionados pelas multinacionais em regiões menos desenvolvidas. REFERÊNCIAS ANJOS, Ana Maria Aquino dos. Efeitos da expansão da cultura da soja nas culturas alimentares no Maranhão. 1997.129 f. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1997. ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Nordeste, Nordeste: que Nordeste. In: ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan/Fase, 2000, p. 165-196. BARBOSA, Zulene Muniz. Transformações econômicas, políticas e sociais no Maranhão contemporâneo: cenários de “desenvolvimento” regional. In: LIMA, Terezinha Moreira. Desenvolvimento, poder e cultura política. São Luís: UEMA, 2006. p. 47-64. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Identificação de Localidades e Famílias em Situação de Vulnerabilidade (IDV). Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2013. COSTA, Silvia C. Mineu. A ALCOA no Maranhão e o desenvolvimento socioeconômico regional. 2003.108 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) - Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 2003, IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ipeadata sociais. [2011?]. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2011. KAGEYAMA, Angela. Desenvolvimento rural: conceitos e um exemplo de medida. In: CONGRESSO AS SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 42., XLII 2004, Cuiabá. Anais ... . Brasília: SOBER, 2004, v. 21, n. 3, p. 379-408, set/dez. 2004. (Cadernos de Ciência e Tecnologia). OTTATI, Ana Maria Aquino dos Anjos. As dinâmicas e as desigualdades regionais de desenvolvimento no Estado do Maranhão. 2013. 225 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) - Faculdade de Ciências Econômicas, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013 349

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati, Paulo Dabdab Waquil

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto alegre, 2013. PORRO, Roberto; MESQUITA, Benjamim Alvino de; SANTOS, Itaan de J. Pastor. Expansão e trajetória da pecuária na Amazônia: vale dos rios Mearim e Pindaré - Maranhão. Brasília: UnB, 2004. SEPÚLVEDA, Sergio et al. Metodologia para estimar o nível de desenvolvimento sustentável em espaços territoriais. In: Desenvolvimento sustentável microrregional: métodos para planejamento local. Brasília: IICA, 2005. 292 p. WAQUIL, Paulo D. et al. As múltiplas dimensões do desenvolvimento rural no Rio Grande do Sul. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 26, p. 117-142, mai. 2005. Número especial. Notas 1

A representação dos municípios para os anos de 1980 e 1991 foram feitas com a utilização do mapa atual do Maranhão devido à falta dos mapas originais com os 130 municípios existentes em 1980 e com os 136 municípios existentes em 1991; por isso, a presença na legenda de municípios inexistentes.

350 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 339 - 350, jul./dez. 2013

Ana Maria Aquino dos Anjos Ottati Agrônoma Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Professora Adjunta I do Departamento de Economia Rural do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Estadual do Maranhão - DER/ CCA/ UEMA. e-mail: [email protected] Paulo Dabdab Waquil Agrônomo Doutor em Economia Agrícola pela University of Wisconsin, Madison - EUA. Professor Associado do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas - FCE, programa de Pós-graduação em desenvolvimento rural PGDR e do Programa de Pós-graduação em Agronegócios - CEPAN da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Maranhão Cidade Universitária Paulo VI, 3801 Tirirical, São Luís - MA CEP: 65055-000 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Avenida Paulo Gama, 110 - Farroupilha, Porto Alegre - RS CEP: 90040-060

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível” Fagner Cordeiro Dantas Sociedade Brasileira de Urbanismo (SBU)

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível” Resumo: O presente artigo visa discutir a ideia de “Estado financeiramente forte”, proposta por Luiz Carlos Bresser-Pereira, no bojo do seu projeto, lançado em 2003, da construção de um Estado Novo-Desenvolvimentista. Ao abordar a questão de como esse Estado atuaria, Bresser-Pereira dispensa especial atenção ao que ele chama de “Estado financeiramente forte” em comparação com o Estado produtivamente forte, que teria vigorado durante o período do Desenvolvimentismo Original (1930-1970). Para aprofundar a avaliação dessa ideia, após apresentá-la, busca-se contrapô-la aos resultados reais obtidos por uma das suas materializações mais características, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Dentro desta, estreita-se a análise para os quatro setores estratégicos escolhidos para receber tratamento financeiro (exonerações e subsídios) diferenciado: softwares, semicondutores, fármacos e bens de capital. Diante dos resultados obtidos, é possível avaliar os limites e possibilidade de incremento do desenvolvimento a partir dessa “mão visível” do Estado na economia nacional. Palavras-chave: Política industrial, Novo-Desenvolvimentismo, Estado, Economia, Governo Lula. THE NEW-DEVELOPMENTALISM AND ITS “FINANCIALLY STRONG” STATE: costs and benefits from “visible hand” Abstract: This paper discusses the idea of ​​“financially strong state,” proposed by Luiz Carlos Bresser-Pereira, in the context of his project, launched in 2003, the construction of a New-Developmental State. Analyzing how this state would act, Bresser-Pereira dispenses special attention to what he calls “financially strong state” in comparison with the productively strong state, which would have prevailed during the original Developmentalism period(1930-1970). To probe the evaluation of this idea, after presenting it, it searches to contrast to the actual results obtained by one of its most characteristic embodiments, the Industrial, Technological and Foreign Trade Policy (PITCE). Within this, it narrows the analysis to the four strategic sectors chosen to receive differentiated financial treatment (exemptions and subsidies): software, semiconductors, pharmaceuticals and capital goods. Based on its results, It is possible to evaluate the limits and possibility of the increase of development through that “visible hand” of the state in the national economy. Keywords: Industrial Policy, New-Developmentalism, State, Economy, Lula’s Government. Recebido em: 20/08/2013. Aprovado em: 06/11/2013. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013 351

Fagner Cordeiro Dantas

1 INTRODUÇÃO Em 2003, na 5ª edição revisada da sua obra clássica, “Desenvolvimento e Crise no Brasil”, onde trata do governo Vargas (1930) até o início do governo Lula (2003), Luiz Carlos Bresser-Pereira utiliza o último capítulo para apresentar, ainda em linhas gerais, um novo conceito: novo-desenvolvimentismo. Posteriormente, em 19 de setembro de 2004, ele publica um artigo jornalístico na Folha de São Paulo intitulado “Novo-Desenvolvimentismo”, ampliando o alcance do conceito. Finalmente, em 2006, publica um artigo acadêmico intitulado “O Novo Desenvolvimentismo e a Ortodoxia Convencional”, onde elabora de forma mais detalhada o novo conceito discutido. Neste artigo, Bresser-Pereira alinha as principais diferenças entre o novo-desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional, pontuando também as diferenças com o antigo desenvolvimentismo. Com relação a este último, as principais diferenças seriam o foco nas exportações e não na substituição de importações; uma atuação presente do Estado no financiamento produtivo, mas não na produção em si; e um forte controle inflacionário, em oposição à complacência do modelo anterior. Essa atuação presente do Estado no financiamento produtivo implica em um “Estado grande em termos financeiros”. Mas o que significaria esse “Estado grande em termos financeiros”? E até que ponto ele é efetivo no sentido de dinamizar o desenvolvimento nacional, uma vez que ele reverte essa força financeira em direção a algumas escolhas estratégicas? Essas são as questões que o presente texto busca responder. Para isso está estruturado da seguinte forma. No tópico seguinte, discute a ideia de um “Estado financeiramente forte” no contexto do que Bresser-Pereira chamou de novo-desenvolvimentismo. No terceiro tópico, faz-se uma avaliação da atuação desse Estado a partir dos resultados averiguáveis de uma das suas materializações: a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). No tópico conclusivo, busca-se sintetizar os achados e indicar novas linhas de pesquisas sobre o tema. 2 ASPECTOS FINANCEIROS DO ESTADO NOVO-DESENVOLVIMENTISTA Para discutir a ideia expressa acima de que o Estado Novo-Desenvolvimentista, proposto por Bresser-Pereira e acolhido por outros autores (SICSÚ; FERNANDO DE PAULA; MICHEL, 2005; MERCADANTE, 2010), seria forte “em 352 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013

termos financeiros”, devem ser consideradas aqui duas questões preliminares. Primeiro, o rebatimento disso à montante, ou seja, à ênfase dada por Bresser-Pereira a um sistema tributário adequado para gerar os recursos necessários à ação desse novo Estado. Ao falar do assunto, Bresser-Pereira assim se pronuncia: Ninguém gosta de ser tributado, mas uma boa medida da força de um Estado e da legitimidade de um governo é a sua capacidade de tributar. Isso não quer dizer que quanto maior a carga tributária, mais forte e mais republicano será o Estado, mas sim que um Estado incapaz de taxar seus cidadãos adequadamente, enquanto esses mesmos cidadãos exigem dele ordem pública e serviços sociais, é um Estado fraco: falta-lhe legitimidade política , e ele tenderá a entrar em crise fiscal. (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 181).

Porém, interessa particularmente o rebatimento à jusante dessa ideia de Estado forte em termos financeiros. Em outras palavras, isso deveria ser entendido como investimento direto, através de mais empresas públicas? Ou como capacidade de financiamento, via bancos públicos? Uma participação ainda mais indireta poderia ser visualizada na participação acionária do governo em empresas privadas, tanto diretamente, mediante bancos públicos como o BNDES, quanto indiretamente, mediante fundos de pensão de empresas públicas como Petrobras (PETROS) e Banco do Brasil (PREVI). Nesse sentido, o que significaria um Estado forte em termos financeiros? Façamos uma análise comparativa. Bresser-Pereira assim se refere ao Estado desenvolvimentista original no seu também clássico “Estado e Subdesenvolvimento Industrializado” (1977, p. 159): “O Estado desenvolvimentista é não apenas um Estado planejador, mas também um Estado produtor.” Na atualidade, relativiza-se a ênfase no Estado produtor, seja por considerar o parque industrial brasileiro razoavelmente consolidado, seja por reconhecer as qualidades empreendedoras da iniciativa privada, principalmente em termos e agilidade comercial, em comparação com as empresas públicas, com honrosas exceções. Isso fica claro nas seguintes declarações de Bresser-Pereira (2006, p. 16): Para o novo desenvolvimentismo, o Estado ainda pode e deve promover poupança forçada e investir em certos setores estratégicos, mas agora o setor privado nacional tem recursos e capacidade em-

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível”

presarial para realizar boa parte dos investimentos necessários. O novo desenvolvimentismo rejeita a tese neoliberal de que o “Estado não tem mais recursos”, porque o Estado ter ou não ter recursos depende da forma pela qual as finanças do aparelho estatal sejam administradas. Mas entende que, em todos os setores em que haja competição razoável, o Estado não deve ser investidor, mas tratar de defender e garantir a concorrência. Mesmo excluídos esses, sobram ainda muitos investimentos a serem realizados pelo Estado, financiados pela poupança pública e não por endividamento.

Outros autores que se debruçam sobre o tema reforçam e expandem essas conclusões. Para Castelo Branco (2009), a capacidade financeira do Estado, mais do que ser usada para investimento direto, deve canalizar os investimentos privados para as áreas produtivas da economia: A função do Estado, no entendimento dos novo-desenvolvimentistas, é atuar no incentivo ao direcionamento dos ativos financeiros privados, retidos pelos investidores em momentos de turbulência econômica, política e social, para o investimento produtivo, a principal despesa capitalista criadora de renda e emprego para a população em geral. (CASTELO BRANCO, 2009, p. 76).

Já Sicsú, Fernando de Paula e Michel (2007) também mencionam o papel da capacidade financeira do Estado novo-desenvolvimentista para cumprir os papéis que emergem da nova configuração na sua relação com a economia: Na concepção novo-desenvolvimentista, o Estado deve ser forte para permitir ao governo a implementação de políticas macroeconômicas defensivas ou expansionistas. Políticas de caráter defensivo são, por exemplo, aquelas que reduzem a sensibilidade do país a crises cambiais; e, políticas expansionistas referem-se àquelas medidas de promoção do pleno emprego, sobretudo em contextos recessivos. Políticas industrial e de comércio exterior — usadas de forma inteligente e criativa — devem e podem ser utilizadas para estimular a competitividade da indústria e melhorar a inserção do país no comércio internacional. O Estado deve, ademais, possuir um sistema tributário progressivo, para reduzir as desigualdades de renda e de riqueza que são

exageradas. As desigualdades menores devem permanecer. Afinal, os indivíduos e as empresas têm capacidades diferenciadas. (SICSÚ; FERNANDO DE PAULA; MICHEL, 2007, p. 513).

Esclarecedor também quanto ao formato que vai assumir essa atuação financeira do Estado é o texto de Mercadante (2010). Explicitamente falando a partir do Novo-Desenvolvimentismo, Mercadante assume que tem papel crucial na atuação do Estado o padrão do investimento público. No trecho que se segue, percebe-se que não há uma predileção para que este investimento seja feito em empresas públicas ou via bancos ou fundos de pensão. A ênfase aqui é na elevação da taxa história de investimento público: A trajetória descendente dos investimentos públicos, iniciada nos anos 80, acentuou-se ao longo do período 1995/2002, reduzindo-se a um mínimo no biênio 1999/2000, quando a soma de investimentos da União e as inversões realizadas pelas estatais federais atingiram, em média, 1,5% do PIB. [...] Esse quadro começa a modificar-se a partir de 2005, com a normatização das parcerias público-privadas, que, apesar de um novo marco legal, não tiveram o avanço necessário para impulsionar os investimentos em infraestrutura. Paralelamente, foi definida uma carteira de projetos prioritários e de alta rentabilidade denominados Projetos Piloto de Investimento (PPI), cujos recursos correspondentes poderiam ser abatidos do superávit primário. O lançamento, em 2007, do PAC, que terá um papel fundamental no segundo governo Lula, acentuou o processo de recuperação dos investimentos, que em 2008 atingiram R$ 80,1 bilhões, equivalentes a 2,7% do PIB, o melhor resultado do período pós-Real. (MERCADANTE, 2010, p. 177-178).

Não obstante a ausência dessa declaração explícita dos mecanismos de escoamento dessa capacidade financeira robustecida, visto que o conjunto das obras do PAC não é a única via de aporte dos recursos públicos na economia (ainda que representante, pela sua escala, um fator importante nesse sentido), outros pesquisadores buscam identificar formas alternativas ao que seria o investimento direto com recursos da União. Lazzarini (2011), por exemplo, vem demonstrando como, de FHC a Lula, a intervenção do governo da economia via dois importantes mecanismos (BNDES e fundos de pensão de estatais) apresentou significativo

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013 353

Fagner Cordeiro Dantas

crescimento, levando a algo que pode ser chamado, na concepção exposta por Bresser-Pereira, de um Estado novo-desenvolvimentista financeiramente forte e interventor (ainda que não proprietário): Durante o processo de privatização, o governo FHC foi duramente por estar tentando “entregar” empresas nacionais ao capital estrangeiro. Ao mesmo tempo, seria preciso garantir à opinião pública que os leilões seriam um sucesso (leiase: as empresas seriam vendidas a um bom preço). Apara atenuar essas críticas e viabilizar politicamente o processo, fundos de pensão de estatais e o BNDES foram ativamente acionados. No governo Lula, esse processo se intensificou ainda mais, com papel bastante ativo do BNDES e dos fundos de pensão como sócios de várias empresas e grupos de grande envergadura. Assim, ao contrário do que normalmente se pensa, o governo não só preservou como também aumentou a sua centralidade na economia. (LAZZARINI, 2011, p. 11, GRIFOS NOSSO).

Em Resumo, um Estado forte em termos financeiros não se define pelos instrumentos de escoamento usados na intervenção econômica (empresas estatais, fundos de pensão, bancos públicos, etc), mas sim por estar disposto a fazer uso de todos eles (como ilustram, em extremos opostos, Mercadante e Lazzarini), uma vez que reconhece na escala de recursos que possui o Estado o motor de uma estratégia nacional de desenvolvimento e não apenas um fator ilustrativo da sua responsabilidade fiscal. Esse entendimento diverso da capacidade financeira de um Estado para a ortodoxia convencional e para o novo-desenvolvimentismo é claramente sintetizado na comparação abaixo: A abordagem da ortodoxia convencional pode ser resumida da seguinte maneira: Para garantir a estabilidade macroeconômica, o país deve manter um superávit primário que mantenha a relação dívida pública/PIB em nível aceitável para os credores; o banco central deve ter um único mandato, combater a inflação, já que dispõe de um único instrumento, a taxa de juros de curto prazo; dado o desequilíbrio fiscal esta taxa que, embora seja o único instrumento, é essencialmente endógena, ou seja, definida pelo mercado, precisa ser alta para combater a inflação; a taxa de câmbio também é endógena e seu equilíbrio será assegurado pelo mercado. O novo-desenvolvimentismo apresenta 354 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013

propostas substancialmente diferentes: o ajuste fiscal não visa a um mero superávit primário, mas uma poupança pública positiva e implica não apenas a reducão das despesas correntes, mas também da taxa de juros; o Banco Central, em conjunto com o Ministério da Fazenda tem três mandatos: controlar a inflação, assegurar o pleno emprego, manter a taxa de câmbio em nível compatível com a estabilidade do balanço de pagamentos e com o necessário estímulo aos investimentos voltados para a exportação. (BRESSER-PEREIRA; GALA, 2010, p. 683, GRIFOS NOSSOS).

Porém, cabe observar que essa discussão do Estado financeiramente forte do novo-desenvolvimentismo no Brasil do século XXI não se faz no vácuo da discussão mais ampla da reconfiguração do Estado contemporâneo. Sem desconhecer a necessidade de ter esse contexto mais amplo em mente, para o presente trabalho é importante manter o foco mais restrito na atuação financeira do Estado Novo-Desenvolvimentista. O esforço a seguir vai nesse sentido ao avaliar uma das mais características materializações desse Estado: a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e seus resultados. 3 PITCE: Força Financeira vs Fraquezas Econômicas Em rápida apresentação, a PITCE apresenta dois macroprogramas mobilizadores: I) Indústria Forte (fortalecer e expandir a base industrial brasileira); II) Inova Brasil (aumentar a capacidade inovadora das empresas brasileiras) (CANO, 2010, p.186). Permeando esses dois macroprogramas, existem três planos distintos, nos quais se organizam os 11 programas da PITCE: Plano A - Linhas de Ação Horizontal/Programas: 1) inovação e desenvolvimento tecnológico; 2) inserção externa; 3) modernização industrial; 4) ambiente institucional/capacidade produtiva; Plano B - Opções Estratégicas/ programas: 5) semicondutores; 6) software; 7) bens de capital; 8) fármacos; Plano C - Atividades Portadoras de Futuro/Programas: 9) biotecnologia; 10) nanotecnologia; 11) biomassa/ energias renováveis (SALERNO, 2004, p. 04). Apesar de a PITCE conter outros detalhamentos, vamos estreitar o foco sobre os quatro setores estratégicos escolhidos pela PITCE para concentrar a força financeira do Estado NovoDesenvolvimentista.

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível”

3.1 Software Abaixo, os quadros publicados pelo Observatório Softex dão algumas dimensões fundamentais do comportamento do setor, a fim de que possamos fazer as eventuais associações com as ações da PITCE.

Pelos números acima, podemos perceber um rápido crescimento do número de empresas de informática em todo o período considerado. Esse crescimento que, anualizado, atinge a taxa de 4,3%, apresenta uma aceleração considerável no ano de 2006, para, em seguida, reestabelecer um ritmo mais lento, voltando a acelerar apenas em 2009. Heuristicamente é possível apontar que há um comportamento diferenciado no ano de 2006, que coincide com ano de maturação de muitas das ações da PITCE voltadas para o setor de informática que já era um setor mais preparado para recepcionar e operacionalizar tais medidas.

QUADRO I - NÚMERO DE INDÚSTRIAS BRASILEIRAS DE SOFTWARE E SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO - IBSS 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 49.921 51.269 52.934 57.480 58.666 59.860 64.345

FONTE: Observatório SOFTEX (www.softex.br/observatóriosoftex), a partir dos dados da Pesquisa Anual de Serviços/IBGE.

QUADRO 2: RECEITA LÍQUIDA DA IBSS (US$ MIL) 2003 2004 2005 2006 7.501.822

9.349.033

12.462.025

16.373.678

2007

2008

2009

20.796.780

25.876.759

25.418.245

FONTE: Observatório SOFTEX (www.softex.br/observatóriosoftex), a partir de dados do Boletim do Banco Central do Brasil, seção Balanço de Pagamento.

Com relação às receitas líquidas no setor de informática, dispostas no quadro seguinte, temos também a apontar o ano de 2006 como de crescimento diferenciado em relação aos

anteriores. Deste modo, é possível apontar evidências heurísticas de uma possível resposta às medidas de apoio ao setor de software da PITCE.

QUADRO 3: RECEITA LÍQUIDA DA IBSS COM ATIVIDADES NO MERCADO EXTERNO (US$ MIL) 2003

2004

2005

2006

2007

2008

N/D

260.754

387.504

888.342

1.368.132

1.564.522

FONTE: Observatório SOFTEX (www.softex.br/observatóriosoftex), a partir de dados do Boletim do Banco Central do Brasil, seção Balanço de Pagamento.

Por fim, esse último quadro é o que mais nos interessa, uma vez que um objetivo importante da PITCE é a ampliação da intensidade tecnológica das exportações brasileiras. E o resultado que ele traz reafirma as conclusões dos dois quadros anteriores, com um relevante diferencial que é a maior presença no mercado externo. É por conta de tudo quanto exposto, principalmente da simultaneidade de mudanças a partir do ano de 2006, já tendo decorrido um prazo suficiente para muitas das ações da PITCE voltadas para o setor alcançarem a maturação, ainda mais em um setor tão preparado para efetivar essas medidas ao nível da firma, que indicamos ser possível associar a dinâmica do setor com as medidas da PITCE.

Semicondutores A primeira constatação a fazer é que as medidas destinadas a este setor, na PITCE, estão muito mais voltadas para sedimentar nacionalmente o setor do que para transformá-lo em um setor potencialmente exportador. De acordo com os dados disponibilizados pela ABINEE (Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica), em seu “Panorama Econômico e Desempenho Setorial 2012” (ABINEE, 2012), a situação da indústria de semicondutores ainda é de plena dependência em relação ao mercado exterior, não tendo essa situação apresentado grandes mudanças, mesmo após o advento da PITCE.

QUADRO IV - EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS PRODUTOS ELETRO-ELETRÔNICOS IMPORTADOS (US$ FOB MILHÕES) PRODUTOS

2006

2007

2008

2009

2010

2011

Comp. p/ Telecomunicações

2.420,3

2.649,4

3.978,7

2.473,8

4.533,2

5.475,1

Semicondutores Componentes p/ Informática Instrumentos de Medida Eletrônica Embarcada

3.332,5 2.177,5 796,5 657,1

3.423,3 3.088,5 975,3 884,6

4.040,7 4.053,4 1.280,2 1.261,1

3.293,4 2.733,8 1.074,1 983,1

4.466,8 3.350,2 1.306,2 1.264,0

4.909,3 2.871,4 1.618,8 1.545,2

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013 355

Fagner Cordeiro Dantas

Comp. p/ Equip. Industriais Maq. p/ Processamento de Dados Telefones Celulares Grupo Motogerador Aparelhos Eletromédicos

620,3 409,5 282,1 131,8 377,4

627,1 431,6 374,6 95,7 480,5

Fonte: Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica, 2012.

De acordo com Campanário, Silva e Costa (2009), a avaliação dos impactos da PITCE sobre o setor seria positiva se não fossem algumas distorções que prejudicam um melhor aproveitamento das medidas de apoio ao setor. Para eles, [...] as políticas orientadas ao desenvolvimento da indústria de semicondutores na PITCE geram condições para a maturidade das diversas fases seguidas pela Coreia do Sul, contudo, com grande ênfase nas fases de “imitação” e “internalização” (mais calcada na importação de máquinas e equipamentos) dessa indústria e alguma ênfase na fase de “criação” e desenvolvimento de tecnologia nacional. (CAMPANÁRIO; SILVA; COSTA, 2009, p. 96).

Os autores, escrevendo em 2009, demostram que as medidas conceitualmente corretas da PITCE para o setor ainda precisam percorrer um longo caminho até sua operacionalização: Pelo que se observa, as medidas planejadas pelo governo englobam a busca pelo desenvolvimento de inovações, a criação de infraestrutura de P&D, a formação e a capacitação de recursos humanos e a instituição de um ambiente favorável ao desenvolvimento industrial. Entretanto, ressalta-se que a PITCE não apresenta explicitamente uma forma de atuação com o setor privado, nem demonstra claramente como vai ser o escopo e articulação entre as diversas instituições que irão operar as ações em semicondutores. (CAMPANÁRIO; SILVA; COSTA, 2009, p. 97).

Diante das conclusões desses autores e da demonstração da contínua dependência nacional no setor de semicondutores, a nossa avaliação é de que, em sendo um desempenho, em seu computo geral, negativo, não há que se buscar correlaciona-lo com as medidas da PITCE. 3.3 Fármacos O setor seguinte, de fármacos, é outro setor cuja preocupação maior na PITCE era muito 356 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013

832,3 598,5 797,0 243,8 607,6

665,5 499,4 469,8 549,0 579,8

869,7 761,6 562,0 1.008,4 804,6

1.101,0 983,3 964,6 916,9 824,7

mais reduzir a dependência dos importados do que potencializar uma eventual atividade exportadora. Além da relevância das multinacionais, o setor de fármacos tem um outro agravante, quando se cogita as influências de uma política industrial focada em inovação e ampliação da intensidade tecnológica do setor: os ganhos a longo prazo com os pesados investimentos em P&D se contrapõem à emergência constante das necessidades da saúde pública. Para além desse dilema, no entanto, é possível observar alguns dados da área de fármacos com vista a identificar algum efeito benéfico das medidas da PITCE, efeito esse que se traduziria, se não pela ampliação das exportações, mais difícil diante da realidade do setor, pelo menos pela redução dos seus gastos em importação. De acordo com a tabela abaixo, constante no Relatório de Acompanhamento Setorial Fármacos e Medicamentos (ABDI, 2008), há de fato alguns dados positivos nesse sentido, bem como outros que ainda revelam fragilidades no setor. TABELA I - BALANÇA COMERCIAL ENTRE 2001 E 2007 (US$ MILHÕES) 2001

2003

2005

2007

Variação 2007/2001 (%) 179,2 195,4 185,1

Exportação Fármacos (1) 304,3 448,6 561,9 849,6 Medicamentos (2) 179,2 211,2 326,4 529,3 Total - Farmacêutica 483,5 659,8 888,3 1.378,7 Importação Fármacos (1) 2.229,4 1.886,1 2.508,2 3.725,7 67,1 Medicamentos (2) 1.039,1 1.029,5 1.394,6 2.387,1 129,7 Total - Farmacêutica 3.268,5 2.915,6 3.902,8 6.112,8 87,0 Saldo Comercial Fármacos (1) -1.925,1 -1.437,5 -1.946,3 -2.876,3 49,4 Medicamentos (2) - 859,9 - 818,3 -1.068,2 -1.857,8 116,0 Total - Farmacêutica -2.785,0 -2.255,8 -3.014,5 -4.734,1 70,0 (1) Dados referentes aos códigos 29.22.30 a 29.42.00; (2) Dados referentes ao código NCM 30.01; 30.03 e 30.04. FONTE: Elaboração NEIT/UNICAMP com base em dados da SECEX.

Como dado positivo, há de se pontuar o crescimento constante das exportações durante os quatro anos disponibilizados, tanto no setor de fármacos quanto no setor de medicamentos e, por consequência, no conjunto da indústria farmacêutica, destacando-se inclusive os altos índices de variação ao longo do período. Os dados negativos, porém, se acumulam quando observamos os números relativos à importação e,

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível”

consequentemente, ao saldo comercial. Ainda que seja prudente registrar os índices de variação das importações no período relativamente menores aos das exportações, o volume considerado nas importações é desproporcional ao exportado. Se considerarmos os dois anos préPITCE na série histórica (2001 e 2003) e os dois anos pós-PITCE (2005 e 2007), é possível observar que o crescimento das exportações é mais acentuado neste último. Porém, quando olhamos para os dados de importação, dimensão reconhecida como mais importante no setor de fármacos pela própria PITCE, uma vez que esta não estabelece ações de exportação para este setor, a comparação entre os dois períodos é significativamente desfavorável. Enquanto no período pré-PITCE houve redução dos gastos com importação, tanto no setor de fármacos quanto de medicamentos, sendo uma redução de aproximadamente US$ 500 milhões para a indústria farmacêutica como um todo, no período de vigência da PITCE houve significativo aumento nos dois segmentos, resultando numa ampliação de mais de US$ 1 bilhão para a indústria farmacêutica. Ressalte-se que se não fossem suficientes estes dados para constatar um resultado negativo, tornar-se-ia inócua a busca de resultados positivos que possam ser associados às medidas vinculadas à PITCE. A conclusão do relatório setorial da ABDI reforça essa ideia ao mostrar que tal situação no ano de 2008 somente se agravou. Comparando os dados do 2º trimestre de 2008 com os do 2º trimestre de 2007, observa-se a manutenção do crescimento tanto das exportações quanto das importações de fármacos e de medicamentos. Contudo, a taxa de crescimento das importações de fármacos foi maior do que a de suas exportações, além de incidirem sobre valores de importação significativamente mais elevados, o que certamente resultou em maior déficit comercial em fármacos. (ABDI, 2008, p. 26).

3.4 Bens de Capital Por fim, o último dos quatro setores da PITCE a ter seus resultados avaliados é o setor de bens de capital. Pelas suas características de setor motriz do desenvolvimento industrial nacional, o setor de bens de capital tem sido historicamente privilegiado por políticas governamentais, até mais do que o setor de informática. Exemplo sintomático desse apoio é o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos (FINAME), linha de

crédito do BNDES existente desde 1964. Nesse sentido, trata-se de um setor com um grau de maturidade ainda maior que o setor de informática e que, portanto, poderia ter, como ele, uma capacidade de resposta mais rápida aos estímulos concebidos pela PITCE. Junte-se a isso o fato de muitas das medidas direcionadas para o setor de bens de capital estarem entre as primeiras a serem efetivadas no bojo da PITCE (caso do Modemaq, de 2004; das operações com o Cartão BNDES; e das desonerações de IPI sobre bens de capital, ocorridas em agosto de 2004). Diante de tal quadro, e considerando também que o esforço maior da PITCE nesse setor estava mais voltado para a redução de importações do que para a potencialização de exportações (novamente sem nenhuma medida da PITCE nesse sentido), a expectativa era de um resultado capaz de correlacionar o desempenho do setor com as medidas da PITCE. Contudo, de acordo com o Relatório de Acompanhamento Setorial - Bens de Capital (ABDI, 2009), não houve significativa melhora nem nos dados de exportações (que não parece ser o foco da política industrial para o setor) nem na redução das importações (este sim, um objetivo importante). De fato, o que se percebe conforme o gráfico abaixo, apresentado no mencionado relatório, é o aumento do déficit comercial durante os anos de vigência da PITCE. Mais que isso, e em condição semelhante ao observado para o setor de fármacos, o que se tem é uma situação melhor no período préPITCE, com o déficit comercial em permanente redução até 2004, para, em seguida, no período de vigência da PITCE, iniciar uma trajetória ascendente, ultrapassando, em 2007, a barreira dos US$ 5 milhões de déficit. Na tabela seguinte, também disponibilizada no citado estudo, é possível fracionar a situação do setor, o que permitiria buscar segmentos que pudessem apresentar um comportamento diferenciado. No entanto, o que se constata é a mesma situação para todos os segmentos do setor. E mesma situação não só no sentido de aprofundamento do déficit comercial, mas o agravamento do mesmo coincidindo com o período de vigência da PITCE, que deveria justamente gerar um efeito contrário.

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013 357

Fagner Cordeiro Dantas

TABELA 2: BALANÇA COMERCIAL DO SETOR DE BENS DE CAPITAL Subsetor

Ano

Valor Valor Imp. Exp. Quant. Exp. Quant. Imp. (US$ (US$ (Ton.) (Ton.) Milhão) Milhão)

Saldo

Saldo/ Valor Unit. Valor Unit. Corrente de de Exp. de Imp. Comércio (US$/Kg) (US$/Kg) (%)

2000

3.875

1.028.198

11.358

1.841.130

-7.483

49,1

3,8

6,2

2001

1.906

---

6.156

---

-4.250

52,7

---

---

2002

1.966

249.065

5.362

404.246

-3.397

46,4

7,9

13,3

2003

2.507

242.978

5.073

594.462

-2.566

33,9

10,3

8,5

2004

3.522

315.023

6.018

617.984

-2.496

26,2

11,2

9,7

2005

4.254

345.832

7.516

717.341

-3.262

27,7

12,3

10,5

2006

4.916

357.016

8.526

830.648

-3.611

26,9

13,8

10,3

2007

5.612

350.016

11.139

1.076.189

-5.527

33,0

16,0

10,4

2000

2.222

912.291

3.438

1.165.049

-1.216

21,5

2,4

3,0

2001

1.061

---

1.952

---

-891

29,6

---

---

2002

1.186

216.296

2.101

310.589

-915

27,9

5,5

6,8

2003

1.382

207.078

2.274

378.283

-892

24,4

6,7

6,0

2004

1.733

270.005

2.537

508.719

-804

18,8

6,4

5,0

2005

2.143

256.912

2.972

512.824

-829

16,2

8,3

5,8

2006

2.624

270.363

3.291

577.183

-667

11,3

9,7

5,7

2007

2.827

285.082

4.284

671.508

-1.457

20,5

9,9

6,4

2000

657

101.777

2.905

163.421

-2.248

63,1

6,5

17,8

2001

348

---

1.510

---

-1.162

62,5

---

---

2002

299

30.004

1.245

57.117

-946

61,3

9,9

21,8

2003

457

31.387

1.176

60.570

-719

44,0

14,6

19,4

2004

771

39.661

1.459

51.061

-688

30,9

19,4

28,6

2005

909

83.396

1.862

128.588

-953

34,4

10,9

14,5

2006

1.035

79.641

2.103

190.797

-1.068

34,0

13,0

11,0

2007

1.327

56.592

2.924

332.661

-1.597

37,6

23,4

8,8

2000

334

8.093

1.142

17.286

-808

54,7

41,3

66,0

2001

157

---

719

---

-563

64,3

---

---

2002

172

1.396

512

2.901

-340

49,7

123,4

176,6

Máquinas-ferra- 2003 mentas (CNAE 294) 2004

231

2.080

474

3.715

-243

34,4

111,0

127,5

340

3.184

563

4.643

-223

24,7

106,8

121,2

2005

417

3.188

801

5.471

-385

31,6

130,7

146,5

2006

364

2.705

849

4.214

-485

40,0

134,4

201,4

2007

400

2.623

1.173

6.459

-773

49,1

152,6

181,7

Total

Motores, bombas, compressores e equip. de transmissão (CNAE 291)

Máquinas e equip. de uso geral (CNAE 292)

358 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível”

Máquinas e equipamentos de uso específico

2000

662

6.037

3.873

495.373

-3.211

70,8

109,6

7,8

2001

340

---

1.975

---

-1.635

70,6

---

---

2002

309

1.369

1.505

33.639

-1.195

65,9

226,1

44,7

2003

437

2.434

1.150

151.894

-713

44,9

179,5

7,6

2004

678

2.173

1.459

53.561

-780

36,5

312,2

27,2

2005

787

2.336

1.881

70.457

-1.095

41,0

336,7

26,7

2006

893

4.307

2.284

58.454

-1.391

43,8

207,3

39,1

2007

1.058

5.719

2.758

65.562

-1.701

44,6

184,9

42,1

FONTE: SECEX, elaboração própria da equipe do projeto.

Dentre os segmentos exposto na tabela, apenas o segmento “Máquinas, Bombas, Compressores e Equipamentos de Transmissão” apresenta um comportamento mais errático, com diminuições e ampliações sucessivas do déficit. Porém, não deixa de apresentar, em 2007, um déficit superior ao de 2000. Outro comportamento anormal, mas totalmente pontual, é o do segmento “Máquinas e Equipamentos de Uso Específico”. A única anomalia é o crescimento do déficit entre 2003 e 2004, enquanto em todos os outros que seguiram o padrão, o déficit diminui continuamente até 2004. Também aqui, como no segmento anteriormente mencionado, a anomalia se mostra inócua, pois de 2004 em diante, o déficit apenas amplia, como nos demais segmentos do setor. O ponto em questão aqui, portanto, é que não se verificam efeitos significativamente positivos no desempenho do setor de bens de capital, sequer em sua meta principal de redução de importações, quanto mais na sua contribuição à intensidade tecnológica das exportações. Não há, portanto, porque buscar correlacionar o desempenho do setor com as medidas da PITCE. Novamente, para corroborar essa indicação, trazemos a conclusão do citado Relatório de Acompanhamento Setorial - Bens de Capital, produzido pela ABDI (2009). Diante da pergunta feita no início do relatório (“as empresas de bens de capital no Brasil aproveitaram o bom momento econômico para investir em estratégias que levem à acumulação de conhecimento; para investir em inovação como arma competitiva?”), a sua resposta é taxativa: No Brasil, a despeito de algumas empresas terem reconhecida liderança mundial e realmente competirem com base em inovação e diferenciação de produtos, o fato é que a performance de inovação e os investimentos em atividades inovativas estão de acordo com, quando não abaixo,

da média nacional. Por exemplo, o setor investe em média 0,39% da receita líquida de vendas em P&D (a média nacional é de 0,66%) e responde por menos de 2% do total dos investimentos em P&D no Brasil. Naturalmente, as líderes tecnológicas do setor acreditam mais na inovação como estratégia competitiva que a média nacional, mas elas não se destacam com respeito às líderes na indústria brasileira como um todo. É pouco para um setor supostamente difusor das inovações e indutor do progresso técnico. Neste sentido, a resposta à indagação que motivou este relatório é, infelizmente, não. (ABDI, 2009, p. 99).

Assim, os dados utilizados para a avaliação do impacto das medidas da PITCE no setor de bens de capital acabam reproduzindo o panorama encontrado nos setores anteriores, com notável exceção do setor de software. No tópico conclusivo seguinte, é feita a síntese das evidências apontadas ao longo desse artigo e qual a conclusão final a que se pode chegar sobre o impacto dessa “mão visível” que é a PITCE, no contexto de um Estado financeiramente forte como o pretendido pelo Novo-Desenvolvimentismo. 4 CONCLUSÃO Para finalizar o presente artigo, cabe fazer aqui um esforço de síntese para subsidiar a conclusão final acerca dos impactos observáveis da atuação do “Estado Financeiramente Forte” do Novo-Desenvolvimentismo bresseriano sobre a economia. O esforço feito foi no sentido de identificar impactos positivos da PITCE nos setores de alta tecnologia, dai a avaliação individual de cada um dos quatro setores privilegiados por esta política. O primeiro setor avaliado foi o setor de software. Neste caso, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013 359

Fagner Cordeiro Dantas

diante do bom desempenho do setor a partir de 2006, ano de maturação de muitas ações da PITCE direcionadas para o setor, bem como diante das razões apontadas para crer em uma boa capacidade de resposta do setor a essas ações, é possível apontar uma correlação positiva entre a PITCE e os avanços obtidos no setor brasileiro de software. O segundo resultado avaliado foi o do setor de semicondutores. A própria fragilidade do setor corroborou para uma fraca capacidade de resposta às ações da PITCE. Além do mais, o foco da PITCE para o setor era muito mais no sentido de substituição de importações do que de fomentar a exportação. Porém, também para este objetivo, os dados encontrados mostram que a PITCE não foi bem sucedida. No caso do setor de fármacos, a internacionalização do setor foi outro fator que contribuiu para uma fraca resposta às ações da PITCE, uma vez que a estratégia das grandes empresas do setor obedece muito mais à conjuntura global que local. De qualquer modo, o objetivo para o setor, semelhante ao de semicondutores, também não foi alcançado, com a intensificação das importações do setor, mantendo déficits sucessivos. Por fim, avaliouse o setor de bens de capital. Apesar de vários fatores apontarem para uma boa capacidade de resposta do setor aos estímulos da PITCE (maturidade do setor, apoio governamental longamente estabelecido, a exemplo do setor de software), não foi isso que os números mostraram. Houve não só uma manutenção dos déficits comerciais do setor durante os anos 2000 como um agravamento desses déficits a partir justamente do período de implementação das ações da PITCE, o que reforça significativamente a insuficiência das ações dessa política para o setor de bens de capital. No cômputo geral, o que fica é um panorama sumamente negativo para as pretensões assumidas pela PITCE no sentido de modificação do paradigma produtivo nacional. O único elemento destoante nessa conclusão é o setor de software, cujos resultados significativos a partir de 2006 permitem falar em evidências heurísticas do impacto da PITCE. Sobre este, existem subsídios suficientes para uma nova rodada de estudos, desta vez com o devido instrumental estatístico para tentar isolar outras variáveis que influenciem o setor e verificar, com mais profundidade, se podemos enaltecer a PITCE pelo menos nos ganhos auferidos neste setor. Para os demais, o resultado é ou a simples falta de resultados positivos significativos para sequer pleitear uma correlação, caso dos setores de semicondutores e fármacos, ou, o que é ainda mais emblemático, o agravamento da 360 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013

situação do setor quando comparados os números de antes e de depois da PITCE, caso do setor de bens de capital. Em meio às tantas explicações possíveis para este resultado, do enrijecimento da nossa estrutura produtiva à insuficiência das tentativas feitas para mudá -la, o fato é que a PITCE não foi o instrumento hábil para materializar, em números pragmáticos, a sua pretendida mudança paradigmática. O que mostra que, para além de um Estado financeiramente forte, é necessário construir uma economia estruturalmente forte, que possa dispensar reforços pontuais em favor de indústrias mais inovadoras, governos mais ágeis e uma sociedade civil mais interessada em acompanhar o destino das finanças públicas. REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - ABDI. Relatório de Acompanhamento Setorial - Bens de Capital. Brasília: ABDI, 2009. ______. Relatório de Acompanhamento Setorial - Fármacos e Medicamentos. Brasília: ABDI, 2008. Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica - ABINEE. Panorama Econômico e Desempenho Setorial. São Paulo: ABINEE, 2012. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo-Desenvolvimentismo. Folha de São Paulo, 19 de setembro de 2004. ______. O Novo Desenvolvimentismo e a Ortodoxia Convencional. São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 3, p. 5-24, jul./set. 2006. ______. Uma escola de pensamento keynesiano-estruturalista no Brasil? Revista de Economia Política, vol. 31, n.º 2 (122), pp. 305-314, abril-junho/2011. ______. Construindo o Estado Republicano: democracia e reforma da gestão pública. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. ______. Desenvolvimento e Crise no Brasil. 5 ed. Sao Paulo: Editora 34, 2003. ______. Estado e Subdesenvolvimento Industrializado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. ______. ; GALA, Paulo. Macroeconomia Estru-

O ESTADO “FINANCEIRAMENTE FORTE” DO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO: custos e benefícios da “mão visível”

turalista do Desenvolvimento. Revista de Economia Política, vol. 30, n.º 4 (120), pp. 663-686, outubro-dezembro/2010. CAMPANÁRIO, Milton de Abreu; SILVA, Marcello Muniz da; COSTA, Tiago Ribeiro. Política Industrial de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Brasileira de Semicondutores. In: Revista de Ciências da Administração • v. 11, n. 24, p. 41-68, maio/ago. 2009. CANO, Wilson. Política Industrial do Governo Lula. In: CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO. Os Anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. CASTELO BRANCO, Rodrigo. O Novo-Desenvolvimentismo e a Decadência Ideológica do Estruturalismo Latino-Americano. OIKOS. Rio de Janeiro. Vol. 8, n. 1, 2009. LAZZARINI, Sérgio. Capitalismo de Laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. MERCADANTE, Aloizio. Brasil, A Construção Retomada. São Paulo: Terceiro Nome, 2010.

SALERNO, Mario Sergio. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do Governo Federal. In: Parcerias Estratégicas. Vol. 9, n.º 19, 2004. Disponível em: http://seer.cgee. org.br/index.php/parcerias_estrategicas/article/viewFile/254/248 Acesso em 17.02.2012. SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando de; MICHEL, Renalt. (Orgs). Por Que Novo-Desenvolvimentismo? Revista de Economia Política, vol. 27, nº 4 (108), pp. 507-524 outubro-dezembro/2007. ______. Novo-Desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Barueri/Rio de Janeiro: Manole/Fundação Konrad Adenauer, 2005. Fagner Cordeiro Dantas Advogado Bacharel em Urbanismo Mestre em Administração pela Universidade Federal da Baia - UFBA Presidente da Sociedade Brasileira de Urbanismo - SBU Sociedade Brasileira de Urbanismo Av. Jorge Amado 1, Imbuí,Salvador - BA CEP: 41.705 - 000.

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 351 - 361, jul./dez. 2013 361

O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A NOVA FACE DAS POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS Alba Tereza Barroso de Castro Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A NOVA FACE DAS POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS Resumo: O Trabalho configura a nova face das políticas compensatórias no Brasil que, em função do ideário do novo desenvolvimentismo, amplia o seu raio de extensão, embora permaneça em suas dimensões focalizada e minimalista. A aparente contradição deste movimento espelha as raízes fincadas do liberalismo em um suposto novo modelo de “capitalismo humanizado”. O forte teor ideológico de cooptação e estratégia econômica está embutido neste cenário onde o assistencial se amplia e tem centralidade como mecanismo de gestão da pobreza. Palavras-Chave: Novo Desenvolvimentismo, Políticas Compensatórias, Decadência ideológica THE NEW DEVELOMENTALISM AND THE NEW FACE OF THE COMPENSATORY POLICIES Abstract: The work sets up the new face of compensatory policies in Brazil which, according to the ideals of the new developmentalism, broadens its range of extension, although it remains in their focused and minimalist dimensions. The seeming contradiction of this movement mirrors the population roots of liberalism in an alleged new model of “humanized capitalism”. The strong ideological content of co-optation and economic strategy is embedded in this scenario where the assistance widens and has the centrality as a mechanism for poverty management. Keywords: New developmentalism, Compensatory policies, Ideological decadence Recebido em: 25/09/2013. Aprovado em: 09/11/2013. 362 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 362 - 366, jul./dez. 2013

O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A NOVA FACE DAS POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS

1 O NOVO DESENVOLVIMENTISMO O chamado “Novo desenvolvimentismo” se estabelece, como novo modelo de desenvolvimento brasileiro, a partir do segundo mandato do presidente Lula, supostamente em contraposição ao ideário neoliberal. Mas a rigor, efetiva-se uma inflexão da política econômica, ao manter o núcleo duro da política de ajuste e incorporar uma dimensão desenvolvimentista. Trata-se do novo padrão brasileiro de inserção na economia mundializada, em meio à atual crise estrutural do “capitalismo flexível”. A crise do capital, instalada a partir de 2008, tem repercutido de forma generalizada nos países periféricos e centrais, mas nestes últimos, como Estados Unidos e países europeus, temse produzido uma combinação de baixo crescimento com distribuição desigual da renda. Na contramão dos países centrais, que seguem desestruturando seus sistemas de bem-estar social, e retrocedendo em direitos sociais, o Brasil tem buscado qualificar suas históricas políticas compensatórias na tentativa de responder às orientações dos organismos multilaterais (BID, Bird e FMI) e configurar-se como uma potencial economia desenvolvida, que concilia destacados índices de crescimento econômico e de inclusão social. A busca incansável do crescimento econômico flexiona a lógica de “máximo para o econômico e mínimo para o social”, base da ideologia neoliberal, para passar a assentar-se na ideia de um “capitalismo humanizado” sem, no entanto, romper como o conservadorismo, que é base da formação social, econômica e política brasileira. Trata-se de um novo projeto do capital, que busca equilibrar crescimento econômico e desenvolvimento social. O Novo desenvolvimentismo e o neoconservadorismo são, assim, faces da mesma moeda em um cenário de novas formas de sociabilidade, tendo como referências as teorias de desenvolvimento, de capital social e capital humano na abordagem neo-institucionalista (MOTTA; OLIVEIRA, 2010, p.16) em meio às políticas macroeconômicas de ajuste estrutural. A dimensão ideológica tem forte peso neste reordenamento social, que, amparando-se na ideia de capital humano, dissemina um novo ideário para o trabalho, a educação e para a própria individualidade. “A ênfase será dada à capacidade e à competência que cada indivíduo deve adquirir no mercado educacional para atingir melhores condições de disputa e melhor posição no mercado de trabalho” (Idem, p. 19). A teoria do capital humano se fixa na ini-

ciativa individual, enquanto a teoria do capital social, que a complementa, ressalta o fortalecimento das instituições através de uma cultura cívica que estimula a ajuda mútua. Ações individuais convergem para um processo de criação de redes de solidariedade, amparadas nas instituições, gerando legitimidade e hegemonia para se alcançar o desenvolvimento local, focado nas comunidades mais carentes. As políticas compensatórias, contemporaneamente, destacadas no âmbito das políticas sociais, são reflexos deste novo ciclo de reordenamento do capital, que tem no Estado uma intervenção mais atuante na extrema pobreza. Sob a ótica de equilibrar crescimento econômico e desenvolvimento social, o Brasil tem dado ênfase às políticas de transferência de renda, e segue no seu percurso de buscar o desenvolvimento econômico, desta feita, como país emergente que tem alcançado, nos últimos anos, patamares satisfatórios na economia mundializada. Trata-se de uma tentativa de alcançar o tão propalado “crescimento sustentável”. A nova estratégia do capital proclama que os patamares satisfatórios de crescimento econômico serão mantidos com a ampliação do consumo, a fim de fortalecer o mercado. E isso só acontecerá com um certo atendimento das necessidades sociais, o que exige um conjunto de políticas e programas voltados para minorar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.O incremento das políticas sociais deve ser conduzido em articulação com um conjunto de orientações e estratégias, formatando uma nova cultura cívica e uma nova sociabilidade que instaurem novas tendências de comportamento e de relações sociais. 2 NOVA FACE DAS POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS O governo Lula, como protagonista do “neodesenvolvimentismo”, firmou a estratégia de dinamizar as políticas sociais públicas brasileiras com os programas de transferência de renda, dando destaque ao Programa Bolsa Família. Ao longo de seus dois mandatos, iniciado em 2003, tal estratégia se mostra contraditória, pois se busca conciliar as diretrizes do receituário neoliberal com a pauta desenvolvimentista.Vale lembrar que a pauta do nacional-desenvolvimentismo foi referência política e ideológica da agenda nacional de 1930 a 1990, quando o neoliberalismo dá justamente os primeiros sinais de esgotamento. A política desenvolvimentista da “Era Lula” é, assim, mesclada aos aportes neoliberais, consubstanR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 362 - 366, jul./dez. 2013 363

Alba Tereza Boroso de Castro

ciando uma orientação dita “desenvolvimentista e social”, sem nenhuma referência à política desenvolvimentista do ciclo de crescimento econômico brasileiro, 1930-1980, que forjou um projeto de desenvolvimento nacional. Logo no primeiro governo Lula foram realizadas as contrarreformas da previdência e da educação, concomitante ao aumento das taxas de juros, enquanto era expandida a assistência social, o crédito ao consumidor, os empréstimos populares e o aumento do salário mínimo. (MOTA, 2010, p. 21). Estas contrarreformas restauram as bases da acumulação sob a égide do bom capitalismo e, ao mesmo tempo, produzem uma “reforma-social e moral, pois algumas das necessidades da pobreza são atendidas, embora não se rompa com a desigualdade social e nem coloque em xeque a exploração capitalista” (MOTA apud OLIVEIRA, 2010, p. 27). A ideologia do novo-desenvolvimentismo, adotada pelo Banco Mundial, a partir da perspectiva de Amartya Sem, destaca que uma das piores privações é a restrição dos indivíduos ao livre mercado (MOTA, AMARAL,PERUZZO, 2010). O Bolsa Família, que tem base nesta orientação, contribui para o fortalecimento do mercado. É inconteste, segundo pesquisas do IBGE, que o BF promove um aumento do consumo das famílias pobres. Mas são muitos os questionamentos sobre os dados oficiais sobre a redução da pobreza e da desigualdade social. Para Amaral, Mota e Peruzzo (2010, p. 54) “[...] as estatísticas que atribuem aos programas de renda o aumento do consumo, deveriam considerar outras variáveis como acesso ao crédito e a capacidade de endividamento das famílias”. Sobre a divulgação da diminuição das desigualdades na repartição da renda, Pochmann aponta para o agravamento da desigualdade na repartição da renda entre o capital e o trabalho. A melhora na distribuição de renda pessoal não significa que a distribuição da renda social como um todo, teve algum nível de elevação, pois a renda pessoal representa apenas 31% da renda interna bruta. Pochmann (2012). Os outros praticamente 70% são gerados nas empresas financeiras e não-financeiras, ou de administração pública, e o perfil dessa outra estrutura tem caráter de piora na distribuição. Isso acontece porque há uma concentração de rendimentos oriundos dos juros e dos lucros contra os rendimentos dos salários e ordenados. (BERNARDO, 2010). Pochmann (2012) complementa estas análises ao dizer que “a participação dos salários no Produto Interno Bruto tem se mantido estável desde 2004, re364 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 362 - 366, jul./dez. 2013

vertendo uma tendência de queda verificada até então (de 40,3%, em 1995, para 35,8%, em 2002)”. A contemporânea economia mundializada possui meandros e aspectos de alta complexidade, importando em diferenciadas análises a depender das ideologias e dos projetos societários que as embasam. O projeto do novo desenvolvimentismo, numa economia dependente como a do Brasil, embora em tese, intente aproximar os índices de crescimentos econômicos e sociais, esbarra nos componentes estruturais de formação da sociedade brasileira, que acumula séculos de miséria e pobreza. Nossa linhagem dependente numa evolução histórica teria vivenciado, segundo Paulo Singer, estágios de dependência consentida (1822-1914), dependência tolerada (19141973) e dependência desejada (a partir de 1973). No estágio atual, os governos de todos os países passaram a depender do fluxo de capitais financeiros com a entrada incondicional de capitais estrangeiros, impondo um ordenamento único: “o processo em curso é inexorável e todos a ele deve se adaptar se quiserem desfrutar das possibilidades de crescimento” (PAULANI, 2005, p. 44). Como a financeirização é chave para a inserção do país no circuito internacional, a estratégia de dinamização do social fica sempre à mercê do desenvolvimento dos índices econômicos, reproduzindo a velha máxima de que somente com o crescimento econômico se alcança o desenvolvimento social. O peso é maior para o pagamento da dívida externa e o controle do gasto público do que a propalada redistribuição de recursos através dos programas de transferência de renda, com ênfase no mínimo social. O desenvolvimento social no governo Lula, com foco no combate à pobreza, priorizou o desenvolvimento local, buscando mobilizar e dar apoio às comunidades, para que estas se desenvolvessem, contando, se possível, com seus recursos humanos e materiais, e dependendo o mínimo do Estado. O Estado deve ser apenas aquele que potencializa as possibilidades e condições de melhoria da realidade local. No chamado terceiro setor, instituído no âmbito das políticas neoliberais, consolidam-se as estratégias de incentivo e aproveitamento da iniciativa local, bem como da vocação produtiva através de parcerias com entidades voluntárias, educação empreendedora e arranjos produtivos, visando tornar os pobres autônomos das caridades pública e privada. (MOTTA; OLIVEIRA, 2010). No seu Relatório (2001/2002), o Banco

O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E A NOVA FACE DAS POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS

Mundial preconiza alguns destes mecanismos de apoio às comunidades locais ao convocar os países de capitalismo dependente para a sua grande tarefa: adequar os pobres ao livre mercado, “pois os mercados são importantes para os pobres, porque geram crescimento e oportunidade” (MOTTA; OLIVEIRA, 2010,). Os pobres são assim, também, convocados a atuar em prol de seu próprio bem-estar, aquecendo o mercado e aproveitando, ao mesmo tempo, as oportunidades oferecidas. Subjaz a esta orientação, a concepção de pobreza de Amarthya Sen (MOTA, AMARAL, PERUZZO,2010) entendida como a privação de capacidades individuais e materiais para a gestão da vida. Uma vez oferecidas as condições, os indivíduos, entendidos como capital humano, irão encontrar as “portas de saída” de sua condição de pobreza. Para isso, é necessário encontrar as oportunidades no mercado, pois é neste que o Estado, através de parcerias, ou concessão ao campo privado, injeta recursos. A pobreza é redescoberta, assim, como condição de dinamização do mercado e fortalecimento do Estado. O Estado, ao aquecer o mercado com políticas sociais públicas e privadas, tende a contribuir com a estabilidade da economia e a legitimar-se politicamente em função de sua forte presença no social. Os programas sociais compensatórios contribuem, então, para dar estabilidade política ao Estado, reproduzindo, sob novos formatos, relações de clientela no âmbito municipal. A inovação da transferência de recursos através do cartão em conta bancária imprime um certo status de cidadania aos pobres, historicamente identificados como os não cidadãos. Se a integração social, contemporaneamente, se realiza através da assistência social como assevera Mota, a ideia de cidadania volta-se para o seu público-alvo. 3 CONCLUSÃO O novo ciclo de reprodução do capital tem como referência o chamado “novo-desenvolvimentismo”,que, em tese, se estrutura em substituição ao neoliberalismo, assumindo uma nova versão do desenvolvimentismo, representada no padrão brasileiro de inserção no capitalismo financeirizado. No Brasil, a partir do primeiro mandato de Lula, elementos deste novo modelo de orientação capitalista são evidenciados de forma mesclada à política neoliberal, forjando um modelo híbrido de desenvolvimento, ao conciliar diretrizes desenvolvimentistas e liberais.

Hoje, tal modelo já está consolidado, operando com foco nos desenvolvimentos econômico e social. Sob a fachada de um “capitalismo humanizado”, o novo-desenvolvimentismo prega o crescimento econômico atrelado, e em equilíbrio com a expansão do social. Nesse contexto de expansão do social são privilegiados os programas de transferência de renda, visando o combate à pobreza e à desigualdade social. O assistencial ganha impulso e centralidade no âmbito das políticas sociais, que já vinham sofrendo um processo de privatização. No mercado ampliado estão disponíveis não só bens de consumo, mas bens sociais. A chave de inflexão do neoliberalismo, que na realidade, se funde com novos aspectos deste novo-desenvolvimentismo, é focar nos bens de consumo, preparando o mercado para que estes estejam ao alcance dos pobres. Os bens sociais, que são, em grande medida, as políticas e serviços sociais privatizadas, são acessados apenas por aqueles em condições de adquiri-los. Os bens sociais de maior qualidade, localizados no mercado, estão, assim, indisponíveis aos pobres, que podem continuar dispondo de políticas sociais públicas de baixa qualidade. Os bens de consumo, estes sim, estão disponíveis aos pobres, que através de transferência de renda, “podem escolher o que comprar” no mercado com seu mínimo social. A pobreza é combatida, desta forma, no âmbito do mercado e não no campo social reduzido às políticas e serviços sociais caros. Trata-se de uma estratégia do capital em fortalecer o mercado e pacificar os segmentos pauperizados, que são estimulados a sentirem-se privilegiados com um certo grau de autonomia para “vencer por si só.Uma nova cultura cívica finca uma sociabilidade centrada no individualismo e na competição, já que as oportunidades estão dadas, cabendo aos indivíduos aproveitá-las. O lócus do mercado ampliado, onde transitam distintos interesses, demandas e classes, paira, ideologicamente, como o centro de referência das distâncias sociais diminuídas. A exacerbação da ideologia do direito ao consumo simula uma “integração” social, que na realidade é uma “inclusão forçada” com fins de estimular o mercado.A participação periférica dos beneficiários dos programas de transferência de renda no mercado é a meta consumada pelo capital, e não a participação engendrada pela condição de cidadania alcançada pelos trabalhadores a partir de suas conquistas civilizatórias. O sentido de integração e participação nos espaços públicos é forjado nas mediações poR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 362 - 366, jul./dez. 2013 365

Alba Tereza Boroso de Castro

líticas, que uma atuação verdadeiramente cidadã requer. Nesse contexto, o braço central deste sentido de integração é o trabalho e não o assistencial, que “empurra” para o mercado. REREFRÊNCIAS AMARAL, Ângela; MOTA, Ana Elizabete M. e PERUZZO, Juliane F. O Novo Desenvolvimentismo e as Políticas Sociais na América Latina. In: MOTA, A. E. (Org.). As Ideologias da Contrarreformas e o Serviço Social. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. BERNARDO.J. Programa Bolsa Família: as críticas e os críticos. Passa Palavra, 10 de abr. 2010. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2012. MOTA, Ana Elizabete. Redução da Pobreza e Aumento da Desigualdade: Um desafio teórico-político ao serviço social brasileiro In: MOTA, A. E. (Org.). As Ideologias da Contrarreformas e o Serviço Social. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. OLIVEIRA, Ana Cristina de O. & MOTTA, Vânia C. Novo-desenvolvimentismo, capital

366 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 362 - 366, jul./dez. 2013

social e desigualdade social. Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea. Vol.8, n.26. Rio de Janeiro UERJ/ Faculdade de Serviço Social, 2010. PULANI, L. M. São Paulo: Boitempo, 2010. Modernidade e Discurso Econômico. São Paulo: Boitempo, 2005. PAULA, João A. de. A longa servidão: a trajetória do capitalismo no Brasil. In____. PAULA, João A. de. Adeus ao desenvolvimentismo: a opção do governo Lula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. POCHMANN, Márcio. A nova economia política brasileira. Le Monde Diplomatique Brasil. ano 5, n.58, maio, 2012. Alba Tereza B. de Castro Assistente Social Doutora em Serviço Social Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua Santa Alexandrina, nº 288, Rio Comprido CEP:20261-232

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

Silvia Fernández Soto Universidad Nacional Del Centro de La Provincia de Buenos Aires (UNICEN)

POLÍTICAS SOCIAIS E PROJETOS DE SOCIEDADE: crises, neoliberalismo e reconfiguração “neodesenvolvimentista” na Argentina no século XXI. Resumo: O presente artigo tem como foco central a reconfiguração da matriz de desenvolvimento vigente na Argentina, como resultado do aprofundamento da crise e dos conflitos sociais a partir de 2001-02. Identifica a presença de inflexões e continuidades neste momento de recomposição hegemônica, ao qual alguns autores denominam de “fase pós-neoliberal neodesenvolvimentista”, fruto das correlações de forças resultantes no movimento geral da sociedade. Para tanto, aborda, em primeiro lugar, a reação neoliberal no marco da crise capitalista e a configuração da lógica de acumulação sob um padrão flexível. Em segundo lugar, analisa o contexto de crise do início do século XXI, destacando as inflexões e continuidades com o neoliberalismo e caracterizando o comportamento dos principais indicadores socioeconômicos. Em terceiro lugar, discute as reações ao neoliberalismo e a recomposição neodesenvolvimentista observadas na Argentina assim como em algumas experiências nacionais na região latino-americana, identificando continuidades e rupturas. Por último, tomando como referência este contexto, analisa a orientação das políticas sociais após a crise de 2001, pondo em discussão a ação estatal e suas políticas com os projetos de sociedade que se encontram em disputa na Argentina na atualidade. Palavras-chave: Argentina, Desenvolvimento, Neoliberalismo. SOCIAL POLICIES AND SOCIETY PROJECTS: crises, neo-liberalism and “neo-developmentalist” reconfiguration in Argentina in the 21st century. Abstract: This present article has as its main focus the reconfiguration of the development matrix acting in Argentina, as a result of the deepening crisis and the social conflicts from 2001-02. Identifies the presence of inflexions and continuities in this moment of hegemonic recomposition, which some authors call of “post neo-liberal neo-developmentalist phase”, fruit of the correlations of forces resulting in the general movement of the society. Therefore, addresses, in first place, the neo-liberal reaction in the mark of the capitalist crisis and the logic configuration of the accumulation in a flexible standard. In second place it analyzes the context of crisis from the beginning of the 21st century, highlighting the inflexions and continuities with the neo-liberalism and characterizing the behavior of the main socioeconomic indicators. In third place , discusses the reactions to neo-liberalism and the neo-developmentalist recomposition observed in Argentina as well in some national experiences in the latin american region, identifying continuities and ruptures. For last , taking as reference this context, it analyzes the orientation of the social policies after the 2001 crisis, putting in discussion the state action and its politics with the projects of society that are in dispute in Argentina nowadays.

Keywords: Argentina, development, neo-developmentalist

Recebido em: 25/09/2013. Aprovado em: 09/11/2013. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 367

Silvia Fernández Soto

1 PRESENTACIÓN Política social es una cuestión compleja y profundamente discutida en las ciencias sociales. Desde una perspectiva crítica y de totalidad, se pondrá su comprensión en relación al proceso de acumulación capitalista, y a la ampliación de las funciones del Estado (GRAMSCI, 1998). Es necesario definir el carácter estructural y contradictorio del Estado en la sociedad capitalista. El Estado se constituye en una relación social objetivada (POULANTZAS, 1979) que condensa y procesa las relaciones de fuerza entre clases y fracciones de clase desplegadas en un momento histórico determinado. El Estado capitalista no es una “cosa neutra”, Abstracta y externa a las relaciones sociales fundamentales de la sociedad, sino una relación que se institucionaliza y adquiere materialidad, procesando las relaciones de fuerza entre clases y fracciones de clase. Se ve interpelado en su espacio geográfico a garantizar la reproducción de las relaciones sociales capitalistas de las cuales brota, al mismo tiempo que construir legitimidad social del orden vigente. Gough (1978), indica el carácter contradictorio del Estado, que atiende, los intereses del proceso de acumulación y va incorporando demandas e intereses sociales en el marco de la construcción histórica de la protección social. “La política social se constituye como una fuerza activa que se institucionaliza, participa del ordenamiento de las relaciones sociales, mantenimiento del orden social y de la construcción de legitimación de proyectos sociales vigentes” (FERNÁNDEZ SOTO, 2005, p.156). Responde a la incorporación (fragmentada y parcializada) de demandas e intereses de las clases subalternas, como expresión de las luchas sociales y el reconocimiento de las necesidades de la clase trabajadora. Las políticas sociales emanan de las necesidades de acumulación del capital, y, al mismo tiempo y contradictoriamente, de las necesidades de reproducción de las condiciones materiales de existencia de los trabajadores. Por eso la política social adquiere un carácter relativo e histórico, adquiere concreción en contextos determinados de acumulación/ legitimación, donde los intereses antagónicos de las clases sociales fundamentales están en disputa. Esta perspectiva de totalidad nos permite comprender el sentido político y social de la política social, en relación a los procesos de acumulación, a los procesos de organización del trabajo y a la configuración de los sistemas de protección social. La crisis capitalista que se inicia hacia fines 368 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

de la década del sesenta e inicios de la década del 70 del siglo pasado, se caracteriza por una ofensiva general del capital y del Estado contra la clase trabajadora y contra las condiciones vigentes durante la fase de apogeo del “fordismo”, y dio origen a un período en la historia del capital en donde se da en forma exacerbada la destrucción de las fuerzas productivas, de la naturaleza y del medio ambiente y también de la fuerza humana del trabajo. En Argentina, en un proceso histórico que se manifiesta claramente hacia 1975/1976, con la irrupción de la última dictadura militar, se verifica la imposición por parte del capital de que las fuerzas armadas tomen el control del Estado con el objetivo de garantizar un cambio en la correlación de fuerza sociales que permita la imposición de un nuevo proyecto de sociedad. Lo cual se concreta mediante el inicio de la desarticulación del patrón de acumulación/legitimación de la segunda posguerra, basado en la denominada “Industrialización Sustitutiva de Importaciones”. Este proceso de desarticulación que se inicia con la última dictadura militar en 1976, tendrá un momento significativo en la década del 90 con la adopción de las políticas “neoliberales”, lo cual lleva a la culminación de la forma de organización social centrada en el capital industrial, y su reemplazo por la forma de organización social que despliega el capital financiero. Por lo cual se impone por la fuerza un cambio fundamental en las condiciones generales de la producción, lo cual supone que la sociedad argentina actual sea cualitativamente distinta de la que llega hasta la década del 70. El neoliberalismo, entendido como un proyecto de clase tendiente a restituir el poder de la clase dominante (HARVEY, 2007), exhibe en América Latina sus límites, sus fracasos, sus dramáticas consecuencias sociales y económicas a fines del siglo XX. La agudización de la crisis y conflictividad social expresada en Argentina 2001-02, dio paso a la reconfiguración de la matriz de desarrollo vigente. El período que se abre pos crisis del 2001, indica inflexiones y continuidades, fruto de las correlaciones de fuerza resultantes en el movimiento general de la sociedad. Es este momento de recomposición hegemónica el que algunos autores la denominan “fase posneoliberal neodesarrollista”. Organizamos el presente trabajo realizando cuatro momentos: Analizamos la reacción neoliberal en el marco de la Crisis capitalista y la configuración de la lógica de acumulación bajo un patrón flexible y por desposesión. Observamos en el contexto de la crisis de

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

inicios del siglo XXI, las inflexiones y continuidades con el neoliberalismo. Caracterizamos el comportamiento de los principales indicadores socio-económicos. Analizamos las impugnaciones al neoliberalismo y recomposición “neodesarrolista” que se teje en Argentina como en algunas experiencias nacionales de la región latinoamericana. Observamos las continuidades y rupturas. Por último, en este contexto ubicamos el análisis de la orientación de las políticas sociales, pos crisis del 2001. Realizamos el análisis poniendo en discusión la acción estatal y sus políticas con los proyectos de sociedad que se encuentran en disputa en la Argentina actual. 2 CRISIS CAPITALISTA Y ACUMULACIÓN FLEXIBLE: La reacción Neoliberal Desde 1970 se expresan un conjunto de cambios radicales en la organización del capitalismo que se había constituido en dominante desde la posguerra. Se produce un pasaje del modelo de acumulación de capital fordista (cadena de montaje de producción en masa, organización política de masas, intervenciones del Estado de Bienestar), a la acumulación flexible (búsqueda y configuración de mercados especializados, descentralización y dispersión espacial de la producción, retracción del Estado Nación de las políticas intervencionistas unida a la liberalización y la privatización) (HARVEY, 2007). La crisis y reestructuración capitalista a escala global, genera una re-configuración territorial, socio-económica y política que se ha denominado globalización neoliberal. Esta crisis implica una crisis societaria global que modifica el patrón de producción “fordista” bajo un sistema de regulación keynesiano, asociado a un Régimen de Bienestar Social institucional redistributivo. (NETTO, 1993; MÉSZÁROS, 2002; HOBSBAWM, 1995; O’CONNOR, 1987). Esta fase de “acumulación flexible” (HARVEY, 2004), como respuesta reaccionaria a la crisis capitalista de inicios de la década del 70, ha puesto en cuestionamiento las denominadas “rigideces” del fordismo, abonando una concepción del mundo que promueve la liberación de todos los obstáculos a la valorización capitalista. Se caracteriza por los elevados niveles de transnacionalización de las empresas capitalistas, la mundialización de las relaciones capitalistas de producción, el desarrollo y tecnificación del capital financiero (HARVEY, 2007). La “acumulación flexible” “apela a la flexibilidad con relación a los procesos laborales, los mercados de mano de obra, los productos y las pautas del consumo. Se define por la emergen-

cia de sectores totalmente nuevos de producción, nuevas formas de producir servicios financieros, nuevos mercados y, sobre todo, niveles sumamente intensos de innovación comercial, tecnológica y organizativa.” (HARVEY, 2004, p. 170-171) Este proceso ha implicado una reconfiguración espacio-temporal en el mundo capitalista. Las transformaciones tecnológicas- comunicacionales y en los costos de transporte, han hecho que en un tiempo menor se tomen decisiones que afectan un espacio más amplio y diversificado. Las transformaciones sociales desarrolladas en el neoliberalismo bajo la dirección del capital financiero, modifican sustancialmente las condiciones materiales de vida de las clases trabajadoras. El denominado “proyecto neoliberal” (ANDERSON, P. 1999; EZCURRA, A. M. 1998; D´AGOSTINO H. 2004) encarna la estrategia burguesa de reestructuración general de organización social frente a la crisis y a las luchas de clases, expresando cambios generales en las condiciones generales de la producción (pasaje de una organización social centrada en el capital industrial a una forma de organización regida por el capital financiero), en la regulación de las relaciones de trabajo (flexibilización y precarización laboral) y en la Intervención Social del Estado (bajo las denominadas “Reformas” del Estado). Estas transformaciones expresan claramente la contestación rotunda del capital a la caída de la tasa de ganancia en las décadas del sesenta y setenta del siglo XX. Es así que los años siguientes se caracterizaron por transformaciones radicales en el plano tecnológico y organizacional del proceso productivo1, por la mundialización de la economía (CHESNAIS, F. 1994), y por los denominados “ajustes estructurales”, los cuales le otorgan un nuevo perfil a las políticas diseñadas por los Estado nacionales, y que termina conformando una nueva matriz de relaciones entre el Estado y la sociedad civil. El neoliberalismo se constituyó en una estrategia imperialista de clase en la fase de desarrollo del capitalismo financiero. Cierra la “etapa dorada del capitalismo monopolista” expresado en el bienestarismo fordista-keynesiano (JESSOP, B: 2008); e inaugura una larga y honda recesión combinada con altas tasas de inflación (HOBSBAWM, E. 1995; PRZEWORSKI, A. 1988; MANDEL. 1976). La dominación imperialista sobre el resto del mundo favoreció las transformaciones neoliberales; el estadio neoliberal del imperialismo se mostró propicio para las clases y países dominantes al traspasar enorme renta del resto del mundo. En consecuencia el proyecto de sociedad que encarR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 369

Silvia Fernández Soto

na el neoliberalismo, el de restablecimiento del poder y de la renta de las clases propietarias de los medios de producción, terminó reforzado. (DUMÉNIL, G. Y LÉVY, D. 2004; HARVEY. 2007) Es un proceso global, que adquiere particularidades en cada experiencia nacional, en función de los desarrollos históricos específicos y las luchas de clases y correlaciones de fuerza resultantes en cada territorio nacional, que se materializan en determinadas formas de desarrollo e intervención social del Estado. En Argentina, la configuración de este nuevo patrón de desarrollo capitalista en contestación a la crisis del fordismo asentado en la lógica de la acumulación flexible, se inicia en 1976, con el comienzo de la última dictadura cívico militar, imponiendo por la fuerza los principios generales de organización de la sociedad, que se consolidan en la década del noventa. Bajo una concepción monetarista neo-conservadora, se apunta a debilitar a la clase trabajadora a través de la directa represión de sus formas organizativas y de sus cuadros de clase, o interviniendo en la organización sindical, desregulando relaciones laborales y desestructurando los sistemas protectivos, en un contexto global de devaluación de la fuerza de trabajo como respuesta capitalista a la crisis. Con el desenvolvimiento de una nueva fase de desarrollo capitalista, caracterizado por procesos de repulsión de fuerza de trabajo y despojo de sus conquistas, se ha reconfigurado “regresivamente” el mundo del trabajo. Emergen y se consolidan nuevas formas de dominación y subalternización, vinculadas a la extensión de la flexibilización y precarización. De esta manera, desde mediados de la década del setenta es posible visualizar las características que asume el proceso global de la nueva configuración del patrón de acumulación-legitimación, ahora bajo los principios de la “acumulación flexible” frente a la crisis del orden mundial de posguerra del fordismo, emergiendo el denominado toyotismo en Occidente. Enfrentándose al poder construido por la clase trabajadora y expresado en la extensión de las luchas sociales, el capital reacciona reconfigurando la estrategia global de de dominación. No sólo hace primar sus principios capitalistas en las formas de organizar el proceso productivo, promoviendo la devaluación de la fuerza de trabajo, para contrarrestar la caída de las ganancias frente a la crisis, sino también reconfigurando el orden hegemónico, penetrando en la vida social, en las diversas esferas de la sociabilidad, que permiten la reproducción de la sociedad como una totalidad. Así ve370 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

mos emerger la exacerbación del individualismo y la competencia, la hiper-fragmentación de la comprensión de lo social, sobresaltando los aspectos fenoménicos de la misma y formulando propuestas de intervención que operan en ese sentido fragmentador. Las transformaciones manifestadas por el sistema capitalista han sido indicadas, así como sus consecuencias, por distintos autores (Antunes: 1995, Harvey: 2007, 2007a, 2012). “Tenemos, entonces, que el cambio en la centralidad de las ramas de la economía, la llamada terciarización, ha sido acompañado por procesos que implican, para las distintas ramas, concentración del capital, descentralización productiva y cambios en los procesos de trabajo. Esto ha planteado una nueva configuración de la clase obrera, con el aumento progresivo del volumen de desocupados y sub-ocupados, la reducción del volumen de trabajadores ocupados formalmente, y la precarización de gran parte de la clase trabajadora. En términos generales, el proceso desarrollado desde inicios de la década del setenta del siglo XX ha implicado una nueva configuración socio-política, que incluye un nuevo rol del Estado y un proceso novedoso, como ideología, para realizar la acumulación. En esta idea, la flexibilización ha sido desde ese entonces la punta de lanza del capital en el proceso general de acumulación capitalista, ahora bajo el dominio de su aspecto financiero.” (FERNÁNDEZ SOTO; TRIPIANA, 2009) Esta nueva forma de acumulación capitalista, engendra nuevas formas de organización y gestión del trabajo y una reconfiguración de los sistemas de protección social. La flexibilización, en sus múltiples formas, va expresando el sentido más general de “racionalización” de la fuerza de trabajo, devaluando sus costos procurando el aumento de las ganancias capitalistas. En este contexto de “acumulación flexible”, el mercado laboral, se reconfigura regresivamente. “enfrentados con la fuerte volatilidad del mercado, la mayor competencia y la disminución de los márgenes de ganancia, los empleadores se han aprovechado de la debilidad sindical y de los recursos de trabajadores excedentes (desempleados o subempleados) para impulsar regímenes y contratos laborales mucho más flexibles.” Se ha producido un “[…] desplazamiento del empleo regular hacia los contratos o subcontratos de trabajo temporario o de medio tiempo.” (HARVEY, 2004, 173). Antunes (2003) señala un conjunto de procesos que dan cuenta de la morfología contemporánea del trabajo en la sociedad capitalista. Por un lado se ha verificado una desproletari-

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

zación del trabajo industrial, fabril, en los países del capitalismo avanzado. En otras palabras, hubo una disminución de la clase obrera industrial tradicional. Pero, paralelamente, se ha efectuado una importante expansión del trabajo asalariado, a partir de la enorme ampliación del asalariamiento en el sector de servicios; se ha verificado una significativa heterogeneización del trabajo, expresada a través de la creciente incorporación del contingente femenino en el mundo obrero, se vive también una subproletarización intensificada. El más brutal de esas transformaciones es la expansión, sin precedentes en la era moderna, del desempleo estructural. El conjunto de estos procesos: disminución del proletariado industrial, expansión del trabajo asalariado, tercerización del trabajo, aumento de la mano de obra femenina e infantil, precarización del trabajo, desempleo estructural y empobrecimiento; impactan en la materialidad y subjetividad de la clase trabajadora, la cual se ha convertido en más heterogénea, fragmentada y compleja. (Fernández Soto y Tripiana, 2011, 9) En este contexto señalado de “acumulación flexible”, la flexibilidad y precariedad constituyen una estrategia hegemónica. En Argentina, el Estado ha asumido un papel protagonista en las reformas regresivas de la protección social, en la legislación laboral y en los procesos de flexibilización de las relaciones laborales, que implicaron construir un nuevo estado normativo y normalizador, legalizando prácticas que se venían estableciendo en el mercado de trabajo. El capital financiero se mostró cada vez más volátil y destructivo. Esta estrategia abierta de super-explotación del trabajo se da junto a la super-explotación de la naturaleza. Se lleva adelante en Argentina (y en el territorio latinoamericano) procesos de saqueo y privatización en manos del capital financiero2. La acumulación por desposesión se constituye en un rasgo decisivo del capitalismo global, constituyendo la privatización un elemento central de este proceso. Sobre el carácter destructivo de la lógica de acumulación financiera en esta fase de desarrollo capitalista se consolida la estrategia doble de sobreexplotación del trabajo y la naturaleza (Harvey, D.: 2007). Bajo el contexto de la acumulación flexible, con la crisis de las formas de regulación social, van adquiriendo protagonismo los argumentos y definiciones políticas formuladas por el Banco Mundial (“Social Risk Management”) que, cuestiona las garantías materiales universales de protección social a través de la provisión

de bienes y servicios públicos colectivos construidos en la configuración del “Estado de Bienestar keynesianos”. Adquieren centralidad las transferencias de recursos monetarios condicionadas, para que los pobres cumplan con los comportamientos y actividades que se le asignan y administren individualmente los “riesgos” a los que están expuestos. De esta manera se consolidan, en la década del noventa, los ejes estratégicos (políticos, económicos, sociales, culturales) emprendidos por la última dictadura militar a mediados de la década del setenta: concentración y extranjerización, centralmente en los sectores económicos referidos al petróleo, el gas, la gran minería, el sector financiero y el agroexportador, principalmente el denominado “complejo sojero”. Los cuales han sido a partir de una intensa selectividad estatal beneficiados por incentivos, subsidios, exenciones impositivas y promociones que nos permiten comprender las abundantes tasas de ganancia de estos sectores. Concentración económica, centralización del capital, distribución regresiva del ingreso, privatización de las empresas públicas, reorientación regresiva de la intervención del Estado, imponiéndose criterios de focalización, selectividad estructural negativa, descentralización y desconcentración subsidiaria, son las tendencias generales que se consolidan desde mediados de la década del setenta. 2 CONTEXTO DE LA CRISIS DE INICIOS DEL SIGLO XXI, COMPORTAMIENTO DE LOS PRINCIPALES INDICADORES SOCIO-ECONÓMICOS América Latina en la primera década del siglo XXI exhibe inflexiones en relación a las situaciones socioeconómicas registradas en las décadas anteriores del 80 y 90. Pese a estas “mejoras” en los indicadores permanecen enormes deudas sociales. Se registra una disminución del porcentaje de las personas que viven en condiciones de pobreza e indigencia. La reducción de la pobreza acumulada desde 1999 alcanzó 12.4%, a la vez que la indigencia se ha reducido un 6.3%. Asimismo, la reducción de ambos indicadores con respecto a 1990 totalizaba 17.0 y 10.3% (CEPAL, 2011). En 2010, el índice de pobreza de la región se situó en un 31,4%, lo que incluye a un 12,3% de personas en condiciones de pobreza extrema o indigencia. En términos absolutos, estas cifras equivalen a 177 millones de personas pobres, de las cuales 70 millones eran indigentes (CEPAL, 2011). Si bien en R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 371

Silvia Fernández Soto

términos relativos se registra una disminución, en términos absolutos significa un incremento de 41 millones de pobres entre 1980 y 2010; y un incremento de 8 millones de indigentes para el mismo período. Esto expresa que un tercio de los habitantes de la región, no reciben ingresos suficientes para cubrir las necesidades consideradas básicas3. El año 2010 se caracterizó por un aumento de las tasas de inflación en todos los países de la región. El promedio simple de las variaciones se situó en un 6,5%, 2,8 puntos porcentuales más que en 2009 (CEPAL 2011). A partir del 2003, para la experiencia Argentina, los indicadores oficiales muestran una tendencia contraria a la desarrollada bajo la hegemonía neoliberal. La pobreza pasa de abarcar a más del 50% en el 2002 al 5,4% en el segundo semestre del 20124. Para CIFRA, el centro de investigación de la CTA, la pobreza evoluciona desde el 49,4 % en el 2003 (tercer trimestre) al 19,9 % en el 2012 (segundo trimestre). La desocupación abierta, según datos oficiales (EPH-INDEC), alcanza en el 2012 al 7,2 % de la población económicamente activa, cuando llegó a tener un pico de 21,5% de la PEA en el 2002. Lo que puede observarse es que en la primera década del siglo XXI, y considerando el período que se abre a partir del 2003, Argentina exhibe un comportamiento positivo en los indicadores sociales, con una importante disminución tanto de la pobreza como de la indigencia, tasas que se ubican por debajo de las existentes en los años 1990. De igual modo, disminuye significativamente la desocupación, y aumenta la tasa de empleo, aunque los registros de este último indicador se muestran sin variaciones significativas desde el año 2007. De todos modos, en términos generales el panorama es más que positivo para los años considerados. Ahora bien, consideramos necesario indicar que el aumento de la tasa de empleo y la significativa disminución de la desocupación se da en un contexto de creciente generación de riqueza, y poca variación en la distribución de la misma. Resulta claro que la crisis del 2001 es un hito en la evolución social argentina, y las medidas para superarla han tenido consecuencias muy importantes, lo cual puede verificarse observando la distribución funcional del ingreso en el país. “Con la crisis final del régimen de convertibilidad y la devaluación de la moneda, los asalariados perdieron varios puntos en la distribución del ingreso nacional. De acuerdo 372 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

con estimaciones propias, en el año 2001 la masa salarial representaba el 38,5% del valor agregado bruto y al año siguiente se había reducido al 31,4%. La contrapartida fue un incremento en las ganancias empresarias, que en muchos sectores alcanzaron niveles extraordinarios que se mantendrían en los años sucesivos.” (CIFRA, 2011) Por otro lado, a partir del 2003, la generación de empleo resultó muy intensa, proceso que implicó que el total de puestos creciera casi 40% entre 2002 y 2009. Esta fuerte creación de empleo junto con una recuperación relativa de los salarios permitió que la participación de los asalariados sobre el valor agregado volviera a incrementarse. Según la Cuenta de Generación del Ingreso, Dirección Nacional de Cuentas Nacionales-INDEC, recién en el año 2006 la proporción volvió a ser casi la misma que en el año 2000; es decir, que fueron necesarios cuatro años para recuperar lo que se perdió sólo en uno (entre 2001 y 2002). (CIFRA, 2011:p.11). A su vez, la desigualdad en la distribución del ingreso disminuye, aunque, considerando un período mayor, el cambio no resulta mayormente significativo. Excepto en los primeros años de la década del setenta, previo a la última dictadura, el Coeficiente de Gini del ingreso per cápita familiar5 siempre ha sido superior a 0,4, con picos fuertes en la hiper-inflación de 1989 y los años de crisis de 2001-2003. En el gráfico observamos una tendencia ascendente que llega a su techo en los años 2001-2003, para comenzar a descender a partir de esa fecha. De todos modos, esta última tendencia no revierte totalmente la desigualdad creciente del período anterior a la crisis del 2001: para el 2010 el índice fue de 0,457, valor similar al de 1987, no alcanzando los valores registrados en los primeros años de la década del setenta. Al mismo tiempo, si consideramos la composición de la población ocupada podemos observar el peso predominante de la categoría asalariados, que según datos del INDEC correspondiente al último trimestre del 2012 representan el 76,9% de los ocupados, contra 23,1% no asalariados. En esta población asalariada, el 34, 5 % no tiene descuento jubilatorio, lo cual indica que una importante porción de la fuerza de trabajo asalariada se encuentra sin protección, que sumado al alto porcentaje de trabajadores no asalariados que no cuentan con ningún tipo de protección social, es posible afirmar que pese a las mejoras registradas de la tasa de empleo, se consolida un porcentaje amplio de trabajadores en relación de depen-

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

dencia que se encuentran desprotegidos, estén ocupados en el sector privado o en el servicio doméstico (en este último caso, al menos tres de cada cuatro trabajadoras en el sector lo hacen de manera precaria). A lo cual se le debe agregar el alto porcentaje de trabajadores por cuenta propia y familiares sin cobertura social. La configuración y perpetuación de contingentes de trabajadores precarios, es un factor determinante de los procesos de empobrecimiento relativo de la clase trabajadora y de conservación de las desigualdades sociales. En términos absolutos, se computan en Argentina para el 2012 unos 11.800.000 asalariados, de los cuales 7.8 millones registra en el sector formal y 4.0 millones en el informal. El salario promedio sobre el que se realizan los aportes jubilatorios llega a los 5.500 pesos, pero el 55% de esos trabajadores percibe hasta 4.000, muy alejado de la canasta familiar estimada entre 5.000 y 6.000 pesos. En el otro extremo 1.4 millones gana entre $7.000 y 30.000 o más pesos al mes. Los trabajadores no registrados ganan como mínimo un 30% menos que los registrados. Esta fragmentación se percibe también al interior de los trabajadores del sector público, entre los del Estado nacional y los que laboran en los Estados provinciales y municipales. (EDI, 2012, en base a datos del INDEC y Dirección Nacional de Programación Económica). Así emerge la categoría de “trabajador pobre” (el obrero que aún trabajando no cubre la canasta familiar -alimentaria o total-), frente a la figura del “desocupado pobre” que prevalecía en la crisis del 2001. Tener trabajo no garantiza cubrir las condiciones materiales de existencia (según CIFRA para el 2012, tres cuartas partes de los jefes de hogares pobres tienen trabajo no registrado). No es suficiente tener empleo, sino el nivel de remuneración y protección asociado al mismo. Este sujeto empieza a ser objeto de las políticas sociales, acompañando estas transformaciones estructurales del “mundo del trabajo”, incluyendo como criterio de acceso a los beneficios sociales, ahora no sólo la condición de pobreza y desocupación, sino también condiciones de informalidad en lo que es la venta de la fuerza de trabajo. La década del noventa deja una herencia con altos niveles de precariedad y flexibilización, superando el 40% desde 1997 de trabajadores asalariados no registrados en el sistema previsional sobre el total de asalariados, llegando al 2001 con el 42,6 % de asalariados sin registro. Ello se agudizó tras la mega-devaluación de la moneda argentina en 2002, registrándose en 2003 el 49,2% de asalariados

no registrados. Si bien se registra una reducción significativa de la informalidad en el período que se abre a partir del 2003 hasta el 2012 (cayó del 49,2% al 34,4%), la misma se relativiza cuando se la pone en relación con la tasa de crecimiento de la economía en el mismo período. Al mismo tiempo se observa a partir del 2008 una desaceleración de la reducción estancándose en el 2012. Quedando como saldo pese a le disminución del período altos niveles de informalidad. Los datos indican la permanencia estructural de situaciones de precariedad e informalidad laboral extendidas: puestos de trabajo de baja productividad, bajas remuneraciones y signados por la inestabilidad laboral, la desprotección social y la falta de acceso a los sistemas de seguridad social. Esto nos muestra que el crecimiento sostenido registrado del PIB no significó la creación de suficientes empleos formales para reducir significativamente el porcentaje del empleo precario. Como se puede ver en el gráfico siguiente, el fenómeno de crecimiento del PBI corresponde a toda la región, y Argentina, a partir del 2002 ha estado por encima del promedio de crecimiento. El proceso económico muestra su incapacidad de incorporar satisfactoriamente la fuerza de trabajo potencial de la que dispone. Configurándose una masa de población trabajadora que permanece desocupada o vende su fuerza de trabajo en condiciones precarias y desprotegidas. La persistencia estructural de estas condiciones impacta desfavorablemente en el sistema de protección social contributivo (jubilaciones, obras sociales, etc.) y en la apropiación en la distribución de la renta a través del salario. Ambos mecanismos participan en la producción de la desigualdad y la pobreza relativa. Como se desprende de lo anterior, en Argentina el alto crecimiento económico sostenido en estos años (principalmente entre 20032008) no se ha traducido en la superación de la alta informalidad de su mercado laboral6. A pesar de que la “recuperación económica” influyó positivamente en el funcionamiento del mercado de trabajo, con un incremento del índice de ocupación y una caída del desempleo, el mundo laboral continúa siendo uno de los principales eslabones en la reproducción de la desigualdad. La heterogeneidad de la estructura productiva, en Argentina como en la región, se expresa en una dispar polarización, por una parte, un sector minoritario, con empleos de alta productividad, salarios y protección social, y por otra, un sector donde predominan las condiciones laborales precarias, las remuR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 373

Silvia Fernández Soto

neraciones más bajas y un limitado acceso a la protección social. Además, tanto el desempleo como la ocupación en el sector de baja productividad siguen afectando sobre todo a los jóvenes y a las mujeres más pobres (Cepal: 2011). La continuidad del carácter extractivista de nuestras riquezas naturales (hidrocarburos, minería, pesca). Junto con esto la continuidad en el desarrollo del poderoso complejo transnacional del “agro-negocios sojero”, en desmedro de los pequeños y medianos productores locales; implicando desmontes, destrucción de la naturaleza, desplazamiento y repulsión de población, desertificación, extranjerización y concentración de la tierra. El proceso de transnacionalización del capital local otorga bases firmes para el fortalecimiento de un patrón de producción que como anuncia Harvey (2004) está centrado en el saqueo de los recursos estratégicos. En su conjunto las ramas vinculadas a la agricultura, la ganadería, la pesca, la caza y la explotación de canteras y minas duplicaron en una década su participación porcentual en el PBI. Acompaña este proceso el acrecentamiento del ya por sí elevado grado de concentración y extranjerización de la economía. Los resultados de distintas variables de una encuesta periódica realizada por el INDEC señalan que a lo largo del período 2007-2009 persiste un alto grado de concentración al interior del lote de las 500 grandes empresas. El 20 por ciento de mayor tamaño (100 compañías) explican el 69 por ciento del total del valor agregado en 2009, mientras que las 50 mayores empresas lo hacen con el 54,8 por ciento. En 2009, el 79,3 por ciento del valor bruto de producción del total del panel fue generado por empresas con participación de capital extranjero. Estas compañías explican también el 75,3 por ciento de la utilidad de las 500 grandes. Sin embargo, pese a que las de capital de origen nacional participan sólo en el 18,6 por ciento del valor agregado del total, generan el 36,7 por ciento de los puestos de trabajo asalariados. Extranjerización que, como lo señalan recientes estudios, se extiende también a la tierra, inclusive en zonas de frontera. Al mismo tiempo la permanencia en el período de la Ley de Entidades Financieras de la última dictadura militar, implica una herramienta legal que habilita el predominio de la banca extranjera y del capital financiero en general. Junto con la permanencia de la extranjerización y concentración de la economía no se ha revertido la regresividad del sistema impositivo7. En síntesis, el crecimiento sostenido del proyecto de desarrollo desplegado en Argen374 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

tina mantiene los rasgos estructurales dominantes de la concentración de los ingresos y riquezas, bajo un esquema extranjerizado de la economía y sin lograr revertir la lógica de un patrón distributivo regresivo. Si bien la rebelión del 2001-2002 significó la impugnación “desde abajo” (en términos gramscianos desde el “interés del pueblo”) del proyecto hegemónico neoliberal, resquebrajando sus fundamentos legitimantes y sus intervenciones prácticas, el período que se despliega a partir de esos años críticos se caracteriza también por la permanencia de una herencia activa en la configuración de la sociedad argentina: la predominancia del gran capital transnacional, asociada a la continuidad histórica del saqueo de las riquezas naturales, junto con la configuración estructural de la precarización e informalidad de la fuerza de trabajo. Esta herencia “acompaña” estructuralmente los visibles procesos de mejora de los indicadores sociales que hemos ya señalado. Estos elementos dan cuenta de la complejidad de la evolución de la configuración económico-social, en donde se entrelazan procesos complejos de inflexiones y continuidades con el período anterior con políticas de clara impronta liberal. Aprehender esta complejidad de continuidades, inflexiones y cambios en el proceso de determinaciones históricas, nos permite observar los fenómenos sociales como componentes del movimiento de la sociedad capitalista como totalidad concreta. En tal sentido, la reconfiguración hegemónica “neodesarrollista” que se despliega post-2001, sintetiza una determinada correlación de fuerzas sociales, restablece desde la acción estatal nuevos “equilibrios de compromisos”, entendida la acción estatal como proceso conflictivo entre intereses contrapuestos que se imbrican y materializan en los cursos de acción que se desarrollan. De esta manera la intervención social del Estado a través de sus intervenciones políticas concretas, expresa las luchas sociales entre clases y fracciones de clase en cada momento histórico. A fines del siglo XX e inicios del XXI se expresa el fracaso de las recetas neoliberales y de sus incumplimientos de las promesas de “inclusión social”, sobre la base de una sociedad que ensanchaba la desigualdad social, motorizando la mercantilización social junto con pobres merecedores a las “ayudas mínimas”. Estas impugnaciones sociales interpelan las definiciones de los gobiernos “progresistas” de América Latina. 3 IMPUGNACIONES AL NEOLIBERALISMO

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

Y RECOMPOSICIÓN “NEODESARROLISTA”: inflexiones y continuidades. En Latinoamérica se han desarrollado en las últimas décadas diversos procesos de movilización popular que contribuyeron desde abajo al recambio de gobiernos “democráticos” de corte neoliberal. A fines de la década del noventa, la combinación de un ciclo ascendente de luchas con las secuelas de un nuevo momento recesivo y de crisis económica, generó la impugnación generalizada a esta orientación en América Latina8. En este “cambio de época” (MODONESI, 2008) se cuestionan las políticas neoliberales inspiradas en el “Consenso de Washington”, organizando una agenda de intervención que impugna los componentes principales de la programática neoliberal y promueve la emergencia de nuevos principios organizadores: la predominancia de lo público, la desmercantilización de los bienes y servicios sociales, la aspiración de garantías universales a través del reconocimiento de derechos históricamente conquistados, entre otras. Estas reivindicaciones al inicio del siglo XXI indican un sentido político que emana de las experiencias de lucha desplegadas y marcan impugnaciones al proyecto neoliberal, se expresan “fisuras” a la subalternización desplegada a fines del siglo XX, y se despliegan una multiplicidad de prácticas “antagonistas” como expresión de la negación del orden existente. En este marco global, América Latina se coloca como uno de los territorios de resistencias y búsquedas de alternativas al capitalismo neoliberal a nivel global. La lucha de clases se organiza en relación a cuestiones referidas el ajuste estructural impuesto por los organismos internacionales (FMI, BM), las actividades depredadoras del capital financiero y la erosión y pérdida de derechos ocasionada por las privatizaciones. El antimperialismo se convirte en antagonismo contra los principales agentes de la financierización, el FMI, y el Banco Mundial. (HARVEY, 2007). Siguiendo a David Harvey (2007; 2008), se pueden indicar dos ejes por los cuales transitan los movimientos de clase desde los años noventa. Por un lado, aquellos que remiten a la acumulación de capital por “desposesión”: En este caso los conflictos de la clase se centran en la defensa de las conquistas de derechos adquiridos y contra el carácter destructivo contemporáneo de la acumulación capitalista. La acumulación por desposesión expresa el proceso capitalista de apropiación privada de bienes o recursos que no habían sido transformados en mercancías. Esta privatización

transnacional afecta a bienes y servicios públicos sociales, como los denominados “bienes de la naturaleza”. Por otro lado, el eje permanente que define la relación capital/trabajo, movimientos en relación a la reproducción expandida (ampliada), en donde los temas centrales son la explotación del trabajo asalariado y la definición de las condiciones que definen el salario social. La primera década del siglo XXI exhibe la construcción sociopolítica de “salida” a la crisis económica y de legitimidad neoliberal, inaugurando un nuevo ciclo de crecimiento económico regional, que expresa aspectos comunes y una diversidad de experiencias en función de las particularidades históricas y las correlaciones de fuerza y política que se han ido construyendo en cada experiencia nacional9. Observando la dinámica del capitalismo en la región latinoamericana, desde los primeros años de este siglo, se observa la configuración y consolidación de al menos tres tipos de proyectos nacionales de desarrollo que expresan tres proyectos societarios. El primero de ellos, representa la continuidad con las políticas propuestas por el neoliberalismo de los noventa (entre las cuales se destaca las privatizaciones y una política internacional que mantiene como prioritario las relaciones comerciales, financieras y políticas con Estados Unidos). Este proyecto denominado como “Neoliberalismo de guerra”, “neoliberalismo militarizado”, profundizó la matriz extractivista transnacional, militarizando y criminalizando la cuestión social. En esta propuesta se colocan México, Chile, Perú, Colombia y gran parte de los países de América Central. Un segundo proyecto de desarrollo se diferencia de las argumentaciones y orientaciones políticas del neoliberalismo de la década del noventa, construyendo un discurso legitimante asentado en lo nacional-popular contra el capital financiero internacional y algunos sectores oligárquicos. Aquí ubicamos centralmente la experiencia de Argentina, Brasil y Uruguay. Estos proyectos nacionales se definen como “industrialistas”, “neodesarrollistas”. Por último, se registra la experiencia andina, que expresa un proyecto de desarrollo de “cambio constituyente”, “el socialismo del siglo XXI”, el “socialismo comunitario”. Aquí se ubican Venezuela, Bolivia, Ecuador. En los mismos, las argumentaciones anti-neoliberal y anti-imperialista adquieren más densidad y, al mismo tiempo, se plantea una propuesta potencialmente “anti-sistémica”. (GONZÁLEZ CASANOVA P. 2002; BORON, Atilio: 2010, 2013; SEOANE, José; TADDEI, Emilio y Algranati, CLARA, 2010, 2013). R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 375

Silvia Fernández Soto

Además de la preponderancia que es posible observar en las realidades nacionales, estos proyectos en el marco de la dinámica capitalista, expresan intereses de distintos grupos de fuerza y bloques de clase, expresando tensiones y disputas en una misma realidad nacional. Es en este contexto regional de experiencias de contestación e impugnación al neoliberalismo, que a fines del 2001 en la Argentina se expresa de manera generalizada una crisis de representación, de incapacidad de los sectores dirigentes del régimen de recrear las bases del consenso del proyecto hegemónico neoliberal. Como respuesta de salida a la crisis del neoliberalismo emerge en Argentina la configuración de un proyecto neodesarrollista. A partir de aquí se abre un nuevo ciclo en el que claramente se pretenden colocar en el campo estatal a partir de variadas experiencias que se venían desarrollando reivindicaciones y demandas sociales por parte de los sectores populares, en un contexto donde “colapsaban” ante la movilización popular las tradicionales mediaciones político-institucionales, ensayándose desde el campo popular nuevas y creativas prácticas políticas. Al mismo tiempo que se reivindican y ponen en prácticas valores históricos civilizatorios como la autonomía, entendida como la ruptura de todo tipo de tutelaje, habilitando prácticas participativas forjadoras del espacio público destruido por los procesos de privatización y mercantilización; la universalidad en tanto recuperación de la tradición de los derechos sociales entendidos como conquistas históricas alcanzadas en los procesos de luchas sociales desarrollados principalmente a lo largo del siglo XX. La crisis no responde sólo a cuestiones coyunturales; por el contrario, constituye un rasgo específico de la fase capitalista actual, en donde se manifiesta claramente la tendencia creciente a la centralización de la propiedad y de la riqueza en menos manos, la existencia de crecientes masas de población sobrante para el capital y la profundización de los procesos de pauperización y de proletarización de diversas fracciones y capas sociales, con la consiguiente violación sistemática de las garantías sociales conquistadas, se corresponden con un proceso de desciudadanización, una de cuyas manifestaciones es la crisis de las mediaciones políticas existentes. Estas tendencias, tal como lo indicamos, convierten al problema de las garantías materiales de los derechos en una cuestión central de las luchas sociales y de las respuestas estatales pos- 2001. En relación a este proceso de crisis e intentos de ruptura con el orden establecido por el 376 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

proyecto neoliberal, se inicia para la experiencia Argentina, con el gobierno del presidente Néstor Kirchner en el año 2003 un proceso complejo de recomposición de la hegemonía de la clase dominante bajo la configuración “neodesarrollista”. En términos gramscianos el hecho de la hegemonía presupone que se tienen en cuenta los intereses y las tendencias de los grupos sobre los cuales se ejerce la hegemonía, lo cual permite la constitución de un cierto equilibrio de compromiso, es decir, que el grupo dirigente haga sacrificios de orden económico-corporativo (los cuales no conciernen a lo esencial), ya que si la hegemonía es ético-política no puede dejar de ser también económica, no puede menos que estar fundada en la tarea decisiva que el grupo dirigente ejerce en el núcleo regente de la actividad económica. En situaciones en que “el grupo dirigente” no establece “sacrificios” de orden económicocorporativo definiendo “equilibrios de compromiso”, se habilita la posibilidad de los procesos de crisis. En este sentido la experiencia que supone el gobierno de Kirchner está expresando el procesamiento de las tensiones colocadas en la Argentina por la movilización popular precedente y la recomposición de un nuevo orden de situación sobre una redefinición ético-política y un restablecimiento de los compromisos materiales. Esta perspectiva hace hincapié en los procesos, en los movimientos, en las correlaciones de fuerza, en la configuración estatal en término de relaciones sociales. Este proceso conflictivo en el desarrollo del capitalismo nos permite entender la construcción de políticas en el marco del proceso de selectividad estructural del Estado capitalista y la diversificación político-institucional resultante. “El efecto neto de la fragmentación de las instituciones es probablemente facilitar que se alcance la formación y sustitución de equilibrios inestables entre fracciones del capital y entre los dominantes y dominados”. (HARVEY, 2011, 298). La realidad como totalidad concreta, sólo puede ser comprendida observando su movimiento histórico. Así podemos observar inflexiones y continuidades, algunos cambios y permanencias estructurales. En tal sentido los procesos que se despliegan en Argentina pos 2001 expresan al mismo tiempo las impugnaciones al neoliberalismo que brotaron de la lucha social y la recomposición de la acumulación capitalista en el marco de una determinada correlación de fuerzas. La experiencia de “recomposición neodesarrollista” de la Argentina se caracteriza por la aspiración a reconstruir la “autoridad estatal”

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

en la regulación socioeconómica, asumiendo un papel planificador y estratégico en la definición de la obra pública y en la generación de empleo, en el sostenimiento de ciertas actividades industriales y productivas, en la búsqueda de una mejor inserción internacional en el marco de la mundialización capitalista; y al mismo tiempo definir una red de políticas sociales compensatorias de “contención e inclusión social”. Tenemos que volver a planificar y ejecutar obra pública en la Argentina, para desmentir con hechos el discurso único del neoliberalismo que las estigmatizó como gasto público improductivo. No estamos inventando nada nuevo, los Estados Unidos en la década del treinta superaron la crisis económica financiera más profunda del siglo que tuvieron de esa manera. La construcción más intensiva de viviendas, las obras de infraestructura vial y ferroviaria, la mejor y moderna infraestructura hospitalaria, educativa y de seguridad, perfilarán un país productivo en materia de industria agroalimentaria, turismo, energía, minería, nuevas tecnologías, transportes, y generarán nuevos puestos de trabajo genuinos”. Discurso de Néstor Kirchner. Acto de asunción presidencial ante la Asamblea Legislativa, 25 de mayo de 2003. (Kirchner, Néstor. 2003)

Este proyecto de desarrollo se asienta en la idea de reconstruir un “capitalismo nacional”, con un Estado protector que promueva el progreso social. En nuestro proyecto ubicamos en un lugar central la idea de reconstruir un capitalismo nacional que genere las alternativas que permitan reinstalar la movilidad social ascendente. […] Basta ver cómo los países más desarrollados protegen a sus trabajadores, a sus industrias y a sus productores. Se trata, entonces, de hacer nacer una Argentina con progreso social, donde los hijos puedan aspirar a vivir mejor que su padres, sobre la base de su esfuerzo, capacidad y trabajo. Para eso es preciso promover políticas activas que permitan el desarrollo y el crecimiento económico del país, la generación de nuevos puestos de trabajo y la mejor y más justa distribución del ingreso. Como se comprenderá el Estado cobra en eso un papel principal, en que la presencia o la ausencia del Estado constituye toda una actitud política. […] Se trata de tener lo necesario para nuestro desarrollo, en una reingeniería que nos

permita contar con un Estado inteligente. (Kirchner, Néstor. 2003)

Hay un cuestionamiento a la exaltación individualista del neoliberalismo, anteponiéndole los valores de la solidaridad y la justicia social. Para eso se define una actitud reparadora de la acción estatal, inclusiva y generadora de oportunidades. Queremos recuperar los valores de la solidaridad y la justicia social que nos permitan cambiar nuestra realidad actual para avanzar hacia la construcción de una sociedad más equilibrada, más madura y más justa. Sabemos que el mercado organiza económicamente, pero no articula socialmente, debemos hacer que el Estado ponga igualdad allí donde el mercado excluye y abandona. […] el Estado el que debe actuar como el gran reparador de las desigualdades sociales en un trabajo permanente de inclusión y creando oportunidades a partir del fortalecimiento de la posibilidad de acceso a la educación, la salud y la vivienda, promoviendo el progreso social basado en el esfuerzo y el trabajo de cada uno. Es el Estado el que debe viabilizar los derechos constitucionales protegiendo a los sectores más vulnerables de la sociedad, es decir, los trabajadores, los jubilados, los pensionados, los usuarios y los consumidores. (Kirchner, Néstor. 2003)

La restitución de la autoridad Estatal en materia económica y en la definición de la política internacional, también permitiría sostener y promover una generación de políticas sociales compensatorias, de inclusión social. Al mismo tiempo el consumo interno constituirá una de las estrategias del desarrollo. En este marco conceptual queremos expresar los ejes directrices en materia de relaciones internacionales, manejo de la economía, los procesos de la salud, la educación, la contención social a desocupados y familias en riesgo y los problemas que plantean la seguridad y la justicia en una sociedad democrática. Profundizar la contención social de las familias en riesgo, garantizando subsidios al desempleo y asistencia alimentaria, consolidando una verdadera red federal de políticas sociales integrales para que quienes se encuentran por debajo de la línea de pobreza puedan tener acceso a la educación, la salud pública y la vivienda. […] Al contrario del modelo de ajuste permanente, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 377

Silvia Fernández Soto

el consumo interno estará en el centro de nuestra estrategia de expansión. (Kirchner, Néstor. 2003)

A pesar de los cambios sustantivos que pueden registrarse, se observan continuidades estructurales que se manifiestan en el patrón de acumulación capitalista en Argentina. Las inflexiones señaladas han implicado un cuestionamiento discursivo y práctico al Estado neoliberal, a la ausencia de planificación estatal en los procesos de regulación socioeconómicos, a los procesos de privatización desplegados, a la hiperfocalización y multiplicación desarticulada de acción en la pobreza. Desde el 2003 se observa un cuestionamiento de los principios organizadores neoliberales de la política social (privatización, descentralización y focalización). Los cambios han implicado un proceso de re-estatización de los fondos de pensiones, fortalecimiento y creciente protagonismo de las áreas centrales del gobierno para políticas estratégicas como salud y educación, definición de grandes líneas de intervención en el campo de la pobreza, tendencia a la “universalización mínima” de la seguridad social a través de instrumentos que combinan criterios “contributivos” y no “contributivos”. El “modelo” se asienta, para la construcción de aceptación y reconstrucción de la legitimidad social, en un conjunto de procesos que implicaron algunas “mejoras” en relación la profunda crisis capitalista que se expresa con mayor agudeza a fines del 2001. El crecimiento económico que se registra desde el 2003 fue acompañado por una expansión del consumo, cierta recuperación del empleo, la expansión de políticas de transferencia de renta “no contributivas” de carácter centralmente compensatorio, junto con la reducción de la desocupación y la pobreza. Otras “medidas progresistas” que acompañan la reconstrucción de la legitimidad social son la política de derechos humanos, la Ley de Medios, el Matrimonio Igualitario, la estatización de las AFJP y Aerolíneas Argentinas y nacionalización de YPF, y la reorientación latinoamericanista de la política exterior. Estos avances “progresistas” se desarrollan con la permanencia de procesos estructurales nodales que subsisten del proyecto neoliberal y gravitan en la base organizativa de la sociedad. Es observando estas continuidades que es posible advertir los límites estructurales del modelo “neodesarrolista” propuesto y el “techo” y “límites” que representa para el avance de las conquistas populares, en un contexto internacional de predominancia del capital financiero y el despliegue de las lógicas de acumulación 378 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

flexible y por desposesión. El proyecto en marcha, no implicó la reversión de la acumulación por desposesión. La continuidad del carácter extractivista de nuestras “riquezas naturales” (hidrocarburos, minería, pesca). Junto con esto la no reversión de la “primarización” de la economía con la participación del poderoso complejo transnacional del “agro-negocios sojero” (en desmedro de los pequeños y medianos productores locales; implicando desmontes, destrucción de la naturaleza, desplazamiento y repulsión de población, desertificación, extranjerización y concentración de la tierra). El proceso de de trasnacionalización del capital local otorga bases firmes para el fortalecimiento de un patrón de producción que como anuncia Harvey (2004) está centrado en el “saqueo” de los “recursos estratégicos”. En su conjunto las ramas vinculadas a la agricultura, la ganadería, la pesca, la caza y la explotación de canteras y minas duplicaron en una década su participación porcentual en el PBI10. Estas dimensiones del proyecto se asentaron sobre la estrategia de apropiación público-estatal de las ganancias fenomenales generadas por la explotación de los bienes naturales, lo cual se constituyó en palanca de promoción y sostenimiento de otras actividades económicas (sector industrial y obra pública) y la generación de políticas del “piso de protección social” definido11. Se mantiene el elevado grado de concentración y extranjerización de la economía. Los resultados de distintas variables de una encuesta periódica realizada por el INDEC señalan que a lo largo del período 2007-2009 persiste un alto grado de concentración al interior del lote de las 500 grandes empresas. El 20 por ciento de mayor tamaño (100 compañías) explican el 69 por ciento del total del valor agregado en 2009, mientras que las 50 mayores empresas lo hacen con el 54,8 por ciento. En 2009, el 79,3 por ciento del valor bruto de producción del total del panel fue generado por empresas con participación de capital extranjero. Estas compañías explican también el 75,3 por ciento de la utilidad de las 500 grandes. Sin embargo, pese a que las de capital de origen nacional participan sólo en el 18,6 por ciento del valor agregado del total, generan el 36,7 por ciento de los puestos de trabajo asalariados. Extranjerización que, como lo señalan recientes estudios, se extiende también a la tierra, inclusive en zonas de frontera. Al mismo tiempo la permanencia de la Ley de Entidades Financieras de la última dictadura militar, implica una herramienta legal que habilita el predominio de la banca extranjera y del capital financiero en general. Junto con

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

la permanencia de la extranjerización y concentración de la economía no se ha revertido la regresividad del sistema impositivo12. Como muestran los datos, no se ha revertido la precarización laboral, la tercerización, el trabajo no registrado. El crecimiento sostenido mantiene los rasgos estructurales dominantes de la concentración de los ingresos y riquezas, bajo un esquema extranjerizado de la economía y bajo un patrón distributivo que permanece regresivo. En función de las cuestiones indicadas, el proyecto de desarrollo propuesto como salida del neoliberalismo, apela a la idea de progreso y de crecimiento económico, de generación de empleo, de generación de una red federal de políticas sociales que garanticen “inclusión” y la superación de la línea de pobreza de vastos sectores trabajadores. Para ello se potencia desde la “autoridad estatal” en el ciclo de crecimiento económico las ventajas “naturales” regionales en la coyuntura internacional, dando continuidad a la acumulación por desposesión de los bienes naturales, justificando dicha estrategia en función de los imperativos reparadores de justicia social en la cuestión social. Es en este contexto socioeconómico particular que debemos entender las políticas sociales que se definen pos 2001, en particular la política de asistencia social. El cuestionamiento a la propuesta neoliberal se centran en la configuración de un Estado “ausente”, “que elude sus responsabilidades”, al sentido de las políticas, “focalizadas”, “residuales”, “fragmentadas” que se asientan en la noción de “ayuda a los merecedores” de la asistencia, sujeto que se torna en “beneficiario pasivo” de la intervención social. La política social que venimos elaborando desde el comienzo de esta gestión, tiene eje en la persona, la familia y el territorio, tendiendo al desarrollo humano y buscando la reconfiguración del tejido social, mirando al individuo como parte de una sociedad que lo contiene. Las políticas sociales actuales apuntan a la inclusión social, son integrales y reparadoras de las desigualdades sociales. Además, reconocen a los ciudadanos como protagonistas de cambio social y no como meros beneficiarios pasivos de la asistencia. Hoy podemos decir, con orgullo, que ya no hablamos de necesidades sino de derechos, y hablar de derechos es decir que todos somos ciudadanos de un país que garantiza el acceso a bienes y servicios de calidad para la salud, la seguridad social, procurando la participación para la

construcción de ciudadanía (Kirchner, Alicia, 2010, p.44).

Desde el año 2003, con inicio del gobierno de Néstor Kirchner como presidente y de Alicia Kirchner como Ministra de Desarrollo Social, se propusieron cambios respecto de los lineamientos de la política social asistencial sostenidos hasta el momento. Se genera una revisión crítica de las políticas sociales de corte neoliberal que se estaban implementando desde la década del ´90. Se cuestiona desde la perspectiva oficial, la lógica de focalización13, la perspectiva asistencialista divorciada de la garantía de derechos y la extensa fragmentación de las políticas sociales. La Política social se organiza bajo tres ejes de acción (alimentario, transferencias monetarias condicionadas14 y economía social), intentando unificar la pluralidad de programas existentes con anterioridad. Desde el 2003, podemos reconocer distintos momentos planificadores de la política social: 1-emergencia social y respuesta a la crisis del 2001 a través del plan jefes y jefas de hogar desocupados ; 2- salida del plan jefes y jefas de hogar desocupados y reclasificación de la pobreza a partir de los criterios de “empleabilidad” y “vulnerabilidad”; 3- extensión del sistema “no contributivo” de protección social. El proyecto nacional asumido por el Gobierno a partir del 2003, emprendió el camino de la recuperación política, social y económica del país, de la mano de un Estado activo, presente y promotor del desarrollo con equidad social, a través de la política como principal herramienta para la transformación de la sociedad. En este marco el Ministerio de Desarrollo Social impulsa políticas sociales inclusivas para el desarrollo integral de las personas, su familia y su entorno, fomentando la participación y organización popular. Dos ejes centrales guían la implementación de estas políticas en todo el territorio argentino: la familia y el trabajo. (MDS, 2013)

Este tercer momento de reconfiguración de la política de asistencia social en el “período kirchnerista” se relaciona con la coyuntura política caracterizada por la derrota oficialista en los comicios de mediados del año 2009. En este contexto el gobierno impulsa dos programas sociales que participan en la construcción del consenso social, en un contexto de disputa y conflictividad social: 1 - “Argentina trabaja”, 2 - La Asignación Universal por hijo para protección social. “Argentina Trabaja”, junto con “Familia ArR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 379

Silvia Fernández Soto

gentina”, constituyen los dos grandes ejes bajo los cuales que se organiza el MDS, asumiendo la perspectiva de “economía social” e “inclusión social” de los grupos “vulnerables”. En el marco del Eje Ministerial Argentina Trabaja, se incorporan un conjunto de componentes de promoción y fortalecimiento de la acción cooperativa y emprendedora: Marca Colectiva (Ley 26355), Microcréditos (Ley 26117), Monotributo Social (Leyes 25865 y 26233), Talleres familiares y de Grupos Comunitarios, Proyectos integrales socioproductivos, Comercialización y Compre Social, Sistema de Identificación Nacional Tributario y Social (SINTyS), Programa de ingreso social con trabajo (cooperativas que agruparán a 60-70 personas, que realizarán trabajo comunitario, centrado en la obra pública) (KIRCHNER, Alicia, 2010). En el marco del eje “Familia Argentina” el Ministerio “trabaja en la protección y la promoción de la familia como eje fundamental de las políticas públicas destinadas a impulsar la integración social, la protección de los derechos, el desarrollo pleno de todos sus miembros y la inclusión social”. Para ello define un conjunto de líneas de acción referidas a Niñez y Juventud (en el marco de la Ley 26.061, de Protección Integral de los Derechos de Niños, Niñas y Adolescentes, 2005), Adultos Mayores, Puebos Originarios, Pensiones no contributivas, Comunidad, Seguridad Alimentaria (Ley 25724), Deporte y recreación. Además de esta cartografía de programas sociales del Ministerio de Desarrollo Social, se suma desde fines del 2009 la Asignación Universal por Hijo para protección Social. A través del Decreto Presidencial (DNU) Nº 1602 del 29 de octubre de 2009 se incorpora al Sistema de Asignaciones familiares el Subsistema no Contributivo de Asignación Universal por hijo para Protección Social15 (AUH). La confirmación de la Asignación Universal por Hijo ha concretado la incorporación de amplios contingentes de población a uno de los beneficios del régimen de asignaciones familiares, definido históricamente bajo un esquema contributivo, sólo vigente precedentemente para los trabajadores empleados en relación de dependencia16. En tal sentido la instauración de la AUH por parte del Poder Ejecutivo determinó la ampliación hacia todos los menores de 18 años cuyos padres o tutores se encuentren desocupados, sean monotributistas sociales o se desempeñen en la economía informal o en el servicio doméstico, siempre que perciban remuneraciones inferiores al Salario Mínimo Vital y Móvil (SMVM). El decreto parte del reconocimiento de la permanencia de “situaciones de exclusión de 380 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

diversos sectores de la población que resulta necesario atender” (DNU 1602-2009). Persiste y se consolida en Argentina a fines de la primera década del siglo XXI e inicio de la segunda, aún luego varios años de crecimiento económico y creación sostenida de puestos de trabajo, una alta proporción de trabajadores con formas de inserción laboral precarias e inestables, tornándose este movimiento de las condiciones de trabajo en un rasgo estructural. Ello es resultado de un deterioro de varias décadas de la situación y condiciones de los trabajadores. La AUH, al ampliar la cobertura del sistema de seguridad social, implica el desarrollo de políticas para este sector de la clase trabajadora. Es una política que, tal como lo explicita en sus considerandos el decreto presidencial, no pretende “garantizar la salida de sus beneficiarios de la pobreza”, se coloca como una política paliativa que supone “más dinero en los bolsillos de los sectores más postergados” (DNU 1602-2009). Si bien no modifica las causas estructurales de la pobreza y empobrecimiento se ha constituido en una medida que tiene un impacto significativo en la reducción de los índices de indigencia y de pobreza. La asignación otorgada a través de la AUH consiste en una prestación monetaria no retributiva de carácter mensual que se abona a uno de los padres o tutor por cada menor de 18 años que se encuentre a su cargo, o por cada hijo sin límite de edad en el caso de tratarse de un hijo discapacitado. La prestación que otorga la AUH se fijó en un monto equivalente al que corresponde a la mayor asignación por hijo del régimen de asignaciones familiares contributivo nacional17. Esta prestación se abona por cada menor acreditado por el grupo familiar hasta un máximo acumulable al importe equivalente a cinco menores. Para acceder a estos beneficios deben ser cumplir un conjunto de requisitos: “hasta los 4 años controles sanitarios y del plan de vacunación obligatorio. Desde los CINCO (5) años de edad y hasta los DIECIOCHO (18) años, deberá acreditarse además la concurrencia de los menores obligatoriamente a establecimientos educativos públicos” (DNU 1602-2009). Estos requisitos son reforzados por el hecho de que se cobra mensualmente sólo el 80% del monto previsto, mientras que el 20% restante se retiene para ser abonado una vez al año a principios del período lectivo, contra la presentación de la libreta sanitaria y de asistencia escolar. El incumplimiento de los requisitos no sólo determina la imposibilidad de cobrar el 20% acumulado sino que además implica la pérdida del beneficio a partir de ese

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

momento18. Estas condicionalidades sanitarias y educativas que deben realizar los trabajadores incluidos en el régimen de asignaciones familiares no se encuentran vigentes para los trabajadores formales cubiertos por el sistema contributivo. 4 CONCLUSIONES La política social constituye una mediación institucional político-económica resultado al mismo tiempo de las contradicciones y reivindicaciones emanadas de las luchas de clases y de la lógica de acumulación capitalista. Es un proceso dinámico que se explica en el movimiento histórico de la sociedad. Esta perspectiva de totalidad nos permite comprender el sentido político y social de la política social, en relación a los procesos de acumulación, a los procesos de organización del trabajo y a la configuración de los sistemas de protección social. La crisis económica, política y social de los años 2001-2002 generó la redefinición de los ejes de la política social, impugnando los criterios neoliberales. Se definen un conjunto de medidas, centralmente de corte asistencial, con el objeto de “contener” el conflicto social, “reparar” y constituirse en “paliativo” de la grave situación social. De esta manera participan en la ardua tarea de recomposición hegemónica, en el marco de las correlaciones de fuerza vigentes. Se combina desde el 2003 políticas sociales nacionales dirigidas a la desocupación y la pobreza, con programas alimentarios (centralmente de los niveles gubernamentales provinciales y municipales). Uno de los movimientos que se observan es el pasaje de la hiperfocalización de la década del noventa a la masificación de la asistencia pos 2001. En la crítica discursiva del gobierno a las orientaciones neoliberales se señalan los fracasos en la solución de la desocupación y el la superación de la pobreza, quedando las políticas encorsetadas en la perspectiva del ajuste estructural. En contraposición formulan una argumentación asentada en la perspectiva de los derechos sociales y en la meta de crear ‘empleo genuino’. Al mismo tiempo debían definir políticas capaces de morigerar la conflictividad social. La masividad, la trasferencia de renta a los sectores con ingresos insuficientes y las condicionalidades empiezan a definir el modelo de inclusión social propuesto en Argentina pos 2001. Bajo las “recomendaciones” del Banco Mundial, en el 2004, el gobierno define por decreto la clasificación de la pobreza, organizando de forma diferencial las intervenciones públicas según los tipos de población a ser atendida,

clasificada en base a criterios de “empleabilidad” y “vulnerabilidad”. Esta clasificación pone en activo las exigencias de las condiconalidades para los sectores considerados vulnerables, no empleables (principalmente mujeres, a quienes se les exige el cumplimiento de la escolaridad y salud de sus hijos, bajo la argumentación de la superación intergeneracional de la pobreza). Para los sectores considerados aptos para reingresar al mercado de trabajo se implementó, el Seguro de Empleo y Capacitación con condicionalidad laboral. Es a partir del 2009 que quedan configurados los ejes que organizan la política social y la definición de la batería de líneas de acción definidas. Argentina Trabaja, Famila Argentina y Asignación Universal por hijo (dirigido a los jefes de hogar con trabajo informal cuyo ingreso no supere el Salario Mínimo Vital y Móvil), configuran la estrategia gubernamental de “inclusión social” propuesta. Sin ser universal, el programa incorporó a un importante contingente de niños/as de las clases trabajadoras (en 2013 permanece con 3 500 000 de perceptores de la asignación). Dada la inestabilidad e insuficiencia de los ingresos laborales del sector de la clase trabajadora al cual va dirigido, las transferencias monetarias del programa constituyen la principal (y/o única) protección “estable” y previsible para las familias involucradas. Si bien los ingresos son insuficientes, son “regulares”, “seguros” en un contexto de inestabilidad, informalidad y precarización estructural. Se construye paradójicamente una “seguridad mínima”. Esta propuesta, su morfología y contenido, pone a la luz las tensiones entre una retórica asentada en los derechos y una práctica que si bien es masiva y muestra avances con el esquema anterior, no se constituye en garantía universal. “Esta situación nos señala el problema de la desigualdad y la protección social. Desde una perspectiva universal la preocupación se centra en cómo hacer de estas políticas el piso y no el techo máximo a alcanzar para que no se cristalicen como un sistema de protección para pobres, coexistiendo así un sistema de protección “de primera”, para trabajadores formales, y otro “de segunda”, para quienes no pueden acceder al primero. Es decir el problema sería cómo no consolidar una estrategia político-económica que acompañe y reafirme la informalidad y precarización estructural.” (Fernández Soto, 2013) Las condicionalidades ponen en tensión la perspectiva individualizante de control social en la que se asientan con una perspectiva basada en la garantía de derechos universales. DesR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 381

Silvia Fernández Soto

de la perspectiva del Banco Mundial, quien ha justificado y promovido la implementación de este tipo de programas, la introducción de condicionalidades en los planes de transferencia de ingreso a la pobreza exige el cumplimiento de ciertas pautas por parte de los beneficiarios (como la obligatoriedad de la asistencia escolar de los niños, la realización de controles médicos periódicos o el cumplimiento de determinados requerimientos nutricionales), bajo el supuesto que estas condicionalidades pretenden generar incentivos a la formación de “capital humano”, promoviendo una mayor inversión en educación, salud y nutrición, que según sostienen redundará en el futuro en la “superación intergeneracional de la pobreza.” Esta creciente importancia asignada a la noción de “capital humano”, se centra en una concepción individualista de la sociedad. Imputan a los pobres un comportamiento que deben modificar para mitigar la pobreza, en tal sentido sostienen que la política social debe generar incentivos para que esos cambios se produzcan. Se exigen condicionalidades para la recepción de los bienes que implican la modelación de los comportamientos sociales. De esa forma los pobres son definidos por su situación de carencia económica y también por sus carencias actitudinales y formativas que los inhabilita para su desarrollo. En tal sentido la red de protección para pobres tendida, coloca esfuerzos en el desarrollo de habilidades o capacidades a través del entrenamiento educacional. Los cambios pasan por la disposición y experiencia individual de los pobres, por el “empoderamiento” que logren. Es decir, se torna central para mitigar la pobreza que los mismos pobres asuman la responsabilidad de hacer frente a las dificultades. La exigencia del cumplimiento de estas condicionalidades activa una dimensión punitiva-moralizante de control “de buenos comportamientos” de los pobres. En relación a esta concepción, los organismos internacionales, construyen una batería de términos de profundas implicancias prácticas, por ejemplo la noción de “Estado Motivador”, “Estado Incentivador”, “Estado Promotor”. De esta manera se deja de lado el debate sobre la necesidad de transformaciones estructurales e institucionales para la superación de la pobreza. Se coloca a los pobres como “protagonistas instrumentales” de un proceso de superación de la pobreza, asegurando mínimos básicos de necesidad. Asimismo no se cuestiona ni propone alterar las causas que producen la desigualdad y la pobreza, sino que se las naturaliza y las reproduce. Tampoco se registra un debate e interpela382 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

ción sobre la calidad y tipo de las prestaciones que se exigen condicionalidades. El esquema individualizante de auto- responsabilidad, desplaza el foco desde las garantías materiales y las relaciones sociales fundamentales y lo coloca en la voluntad de superación de los individuos. Si bien en el discurso se apela a nociones de derechos y a un horizonte universal permanecen en la práctica nociones minimalistas de la pobreza, combinando distintas modalidades de asistencia alimentaria con planes de transferencias condicionadas de ingresos, organizados bajo principios clasificatorios que contemplan para la calificación la situación de “empleabilidad” y “vulnerabilidad” de los beneficiarios. En este sentido se ha avanzado poco en revertir la desigualdad. Sin embargo la materialización de estos programas, contribuyen a volver menos dramáticas las condiciones de vida de este sector de la clase trabajadora, instalan una “noción de derecho”, de “garantía” y de universalización que es diferente al tratamiento dominante de la hiper-focalización de la década anterior y habilita potencialmente un camino de exigencia de cumplimiento de estas garantías. Pone a la luz las disputas de proyectos de sociedad que se quiere construir. El resultado de estas disputas se materializa en las mediaciones político-económicas que condensan esas tensiones. Los cambios ocurridos consideran parcialmente las demandas históricas colocadas en el movimiento histórico de protesta social. A pesar de que expresan avances relativos sobre la situación crítica de comienzos del período (2001-2), mantienen los ejes estructurales del proyecto neoliberal. El proceso en marcha muestra que si bien hay avances en la definición de un “piso de protección”, se está muy lejos de avanzar en la construcción de un proyecto social asentado en la igualdad social. Bibliografía ANDERSON, P. La trama del neoliberalismo. EUDEBA, Bs. As. 1999. ANTUNES, Ricardo. ¿Adiós al trabajo?. Buenos Aires: Herramienta, 2003. ANTUNES, R. Adeus al trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez Editora/ UNICAMP. 1995. ANTUNES, R. El trabajo entre la perennidad

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

y la superfluidad: algunos equívocos sobre la deconstrucción del trabajo. In: FERNÁNDEZ SOTO, S.; TRIPIANA, J. (Comp.). Políticas sociales, trabajo y trabajadores en el capitalismo actual. Buenos Aires: Espacio. 2009. ANTUNES, Ricardo. El trabajo entre la perennidad y la superfluidad. Algunos equívocos sobre la deconstrucción del trabajo. In: FERNÁNDEZ SOTO, S.; TRIPIANA, J. (Comp.). Políticas sociales, trabajo y trabajadores en el capitalismo actual: Aportes teóricos y empíricos para una estrategia de emancipación. Buenos Aires: Espacio. 2009. ARGENTINA, ANSES. Inclusión y previsión social en una Argentina responsable, presentación ante la Cámara de Senadores de la Nación de D. Bossio y A. Boudou, julio 2010a. ARGENTINA, ANSES. Asignación Universal por Hijo para Protección Social: una política de inclusión para los mas vulnerables. Realizado por Equipo de Trabajo Gerencia Estudios de la Seguridad Social. Mayo 2010b. Disponible en: < http://observatorio.anses.gob.ar/files/subidas/Cuadernillo_AUH.pdf>. ARGENTINA, ANSES. Fuentes De Financiamiento De Los Sistemas De Seguridad Social En Países De América Del Sur. Serie Estudios Especiales Gerencia Estudios De La Seguridad Social. ANSES. Observatorio de la Seguridad Social. Noviembre 2010c. ARGENTINA, ANSES. Asignación Universal Por Hijo Para Protección Social: una política de inclusión para los más vulnerables. Equipo de trabajo gerencia estudios de la seguridad social, gerente estudios de la seguridad social vanesa d’elia. Grupo de Trabajo: Sergio Rottenschweiler, Alejandro Calabria, Analía Calero, Julio Gaiada. Observatorio de la Seguridad Social. ANSES. Julio de 2011a. ARGENTINA, ANSES. La Inclusión Social Como Transformación: políticas públicas para todos. Observatorio de la Seguridad Social. ANSES. Julio 2011b. ARGENTINA, Calvi, G., E. Cimillo & H. Chitarroni. Alcances y límites de la AUH en los primeros meses de su implementación. ASET. Nro. 10 Congreso Nacional de Estudios del Trabajo: Pensar un mejor trabajo, Acuerdos Controversias y Propuestas. Buenos Aires. 2011 ARGENTINA. Decreto Presidencial (DNU)

Nº 1602 del 29 de octubre de 2009 ARGENTINA. Decreto Presidencial (DNU) Nº 446/2011, mayo del 2011 la Asignación Universal por Embarazo para Protección Social (AUE). ARGENTINA. Decreto Presidencial (DNU) Nº 897/07.Fondo de Garantía de Sustentabilidad del Sistema Integrado Previsional Argentino. ARGENTINA. Ley 23849. Aprobación de Argentina de la Convención Internacional de los Derechos del Niño. ARGENTINA. Ley 26.425-08, Sistema Integrado Previsional Argentino (SIPA). ARGENTINA. Ley 26061 (21/10/2005): Ley de Protección Integral de los Derechos de las Niñas, Niños y Adolescentes de la República Argentina. ARGENTINA. Ley Nº 24.714/1996. Régimen de asignaciones familiares ARGENTINA. MDS. Kirchner, A. Políticas Sociales en Acción. La Bisagra, Ministerio de Desarrollo Social de la Nación, Buenos Aires, 2007. ARGENTINA. MDS. Kirchner, A. Políticas sociales del Bicentenario: Un Modelo Nacional y Popular. Tomo I., Ministerio de Desarrollo Social de la Nación, Buenos Aires, 2010. ARGENTINA. MDS. Ministerio de Desarrollo Social. Disponible en: . Acceso en: oct. 2013. ARGENTINA. ME. Ministerio de Educación. Análisis y evaluación de los aspectos educativos de la Asignación Universal por Hijo (AUH). Informe elaborado por el Ministerio de Educación en base a los estudios realizados por universidades nacionales. Noviembre 2011. Ministerio de Educación, Presidencia de la Nación. 2011. ARGENTINA. ME. Ministerio de Educación. Análisis y evaluación de los aspectos educativos de la Asignación Universal por Hijo (AUH). Informe elaborado por el Ministerio de Educación en base a los estudios realizados por universidades nacionales. Noviembre 2011. Ministerio de Educación, Presidencia de la Nación. 2011. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 383

Silvia Fernández Soto

ARGENTINA. MEYF. Ministerio de Economía y Finanzas Públicas. Nota Técnica Nº23 La Asignación Universal por Hijo en Argentina, perteneciente al Informe Económico Nº70 del cuarto trimestre del 2009.

Chesnais, F.: (1994) A mundializacao do capital. Xamá Editora, Sao Paulo, 1996; Duménil, G. y Lévy, D. (2004): Capital Resurgent: The Roots Of The Neoliberal Revolution. Harvard. Harvard University, 2004.

ARGENTINA. MEYFP. Ministerio de Economía y Finanzas Públicas. Nota Técnica Nº23 La Asignación Universal por Hijo en Argentina, perteneciente al Informe Económico Nº 70 del cuarto trimestre del 2009. Disponible en: . 2009.

CIFRA. DT Nº 9 El nuevo patrón de crecimiento y su impacto sobre la distribución del ingreso. 2011. MARZO DE 2011. Centro de Investigación y Formación de la República Argentina. Buenos Aires, Argentina. Disponible en: . 2011.

ARGENTINA. MTEYSS. Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social: Ampliación del Sistema de Protección Social en Argentina. 2010.

CIFRA. Informe de Coyuntura Nº 12. CIFRA - Centro de Investigación y Formación de la República Argentina. Buenos Aires, Argentina. Disponible en: . 2013.

ARGENTINA. Resolución N° 393/2009 de la Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES). Norma reglamentaria de la AUH.

D´AGOSTINO, H. Neoliberalismo: Raíces y expansión, Realidad Económica. n. 203, IADE, Bs. As. Mayo de 2004

BASUALDO, E., et al (2010). La asignación universal por hijo a un año de su implementación. CIFRA. Disponible en: .

DUMÉNIL, G.; LÉVY, D. Capital Resurgent: The Roots Of The Neoliberal Revolution. Harvard. Harvard University, 2004.

BERTRANOU, F. Aportes para la construcción de un piso de protección social en Argentina. El caso de las asignaciones familiares. Buenos Aires, Organización Internacional del Trabajo. 2010. BORON, Atilio. La coyuntura geopolítica de América Latina y el Caribe en 2010. En Cuba Debate (14 de diciembre de 2010).

EDI. Afloran los límites del modelo. Un balance de los Economistas de Izquierda. REBELIÓN. Abril 2012. Disponible en: . Acceso en: oct. 2012. EZCURRA, A. M. Qué es el neoliberalismo: evolución y límites de un modelo excluyente, Lugar Editorial IDEAS, Bs. As. 1998.

BORÓN, Atilio. América Latina en la geopolítica del Imperialismo. Buenos Aires: Ediciones Luxemburg. 2013.

FÉLIZ, M. Un estudio sobre la crisis en un país periférico. La economía argentina del crecimiento a la crisis, 1991-2002. Buenos Aires: El Colectivo. 2011.

CALVI, G., E. Cimillo & H. Chitarroni. Alcances y límites de la AUH en los primeros meses de su implementación. ASET. Nro. 10 Congreso Nacional de Estudios del Trabajo: Pensar un mejor trabajo. Acuerdos Controversias y Propuestas. Buenos Aires. 2011.

FERNÁNDEZ SOTO, S. La poítica social y la recomposición material del consenso. La centralidad de los programas de Transferencia de Renta Condicionada: el caso argentino, Revista Serviço social & sociedad, n.113, marzo de 2013. São Paulo: Cortez Editora. 2013.

CEPAL. Panorama Social de América Latina, 2011. Naciones Unidas. Acceso en:< www. eclac.cl.>. 2011

FERNÁNDEZ SOTO, S. El concepto de la pobreza en la teoría marxista”, en en Revista Serviço social & sociedad, Nº 73, marzo de 2003. São Paulo: Cortez Editora. 2013.

CEPAL . Panorama Social de América Latina 2012. Naciones Unidas. Acceso en: . 2012. 384 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

FERNÁNDEZ SOTO, S.; TRIPIANA, J. (Comp.) Políticas sociales, trabajo y trabajado-

POLITICAS SOCIALES Y PROYECTODOS DE SOCIEDAD: crisis, neoliberalismo y reconfiguración “neodesarrollista” em Argentina em El siglo XXI.

res en el capitalismo actual: Aportes teóricos y empíricos para una estrategia de emancipación. Buenos Aires, Espacio. 2009. FERNÁNDEZ SOTO, Silvia. Cuestión social y política social en el capitalismo contemporáneo: Tendencias y sentidos políticos. Reflexiones a partir de la experiencia reciente Argentina, Revista De Políticas Públicas. Programa de Pos graduaçào em Políticas Públicas Mestrado e Doutorado. EDUFMA, Brasil. 2011. FERNÁNDEZ SOTO, Silvia. La política social y la recomposición material del consenso. La centralidad de los programas de transferencia de renta condicionada: el caso argentino. Revista Serviço Social & Sociedade, n. 133. Revista Quadrimestral de Servico Social marco 2013. São Paulo: Cortez Editora. 2013. GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo. Democracia, liberación y socialismo: tres alternativas en una. Revista OSAL, n. 8. CLACSO: Buenos Aires. 2002. GOUGH, Ian. Economía política del Estado de Bienestar. H. Blume Edic. Madrid. 1978. GOUGH, Ian. Capital global, necesidades básicas y políticas sociales. Niño y Dávila- ciepp. Bs As. 2003. GRAMSCI (1949) Notas Sobre Maquiavelo, Sobre la Política y Sobre el Estado Moderno. Editorial Nueva Visión, Buenos Aires, sexta edición, 1998. GRAMSCI, A. Cuadernos de la Cárcel, n. 3, México, Era. 1975. HARVEY, David. El neoliberalismo como destrucción creativa, Disponible en: . 2008. HARVEY, David. La condición postmoderna. Buenos Aires-Madrid, Amorroutu [1ra. Edición 1990], 2004. HARVEY, David. Breve historia del neoliberalismo. Madrid, Akal, 2007 [2005]. HARVEY, David. El nuevo imperialismo. Madrid, Akal. 2007. HARVEY, David. Espacios del capital. Hacia una geografía crítica. Akal. Madrid, España. 2011.

KIRCHNER, Néstor. Discurso de Acto de asunción presidencial ante la Asamblea Legislativa DELA República Argentina, 25 de mayo de 2003. KLIKSBERG, B. El Estado no es una abstracción, el Estado son los funcionarios: en Sindicadora General de la Nación. Disponivel en: < http://www. sigen.gov.ar/novedaddetalle.asp?nro=234>. Acesso en: nov. 2013. MARX, K. El capital. México, FCE, 1973; tomo 1. MODONESI, Mássimo. Crisis hegemónica y movimientos antagonistas en América Latina. Una lectura gramsciana del cambio de época. Peripecias. Revista Contra corriente. Universidad Autónoma de la Ciudad de México y Universidad Nacional Autónoma de México. v. 5, n. 2, Winter 2008, p. 115-140). Disponible en: Consultado en . Acceso en: 12 nov. 2011 O’CONNOR, J. Crisis De Acumulación, Península, Barcelona, 1987. Observatorio de la Deuda Social. Informe final. In: Disponible en: . 2013. Mayo. OIT. Panorama Laboral 2011. América Latina y el Caribe. Disponible en: . 2011. PANITCH, Leo; GINDIN, Sam. El liderazgo del capital global, New Left Review Nº35, noviembre-diciembre, p. 47-67. 2005. POULANTZAS, Nicos. Estado, Poder y Socialismo, Siglo XXI, México. 1979. RAMERI, Ana; RAFFO, Tomás; LOZANO, Claudio. Sin mucho que festejar: radiografia actual del mercado laboral y las tendencias postconvertibilidad, Instituto de Estudios y Formación, Central de los Trabajadores Argentinos, 15 de Mayo, Buenos Aires. 2008. REPETTO, Fabián. Protección Social en América Latina: la búsqueda de una integralidad con enfoque de derechos, en Revista del CLAD Nº 47. Disponible en: . 2010. SEOANE, José; TADDEI, Emilio; ALGRANATI, Clara. El concepto ‘movimiento social’ a R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 385

la luz de los debates y la experiencia latinoamericana recientes. In: González Casanova, Pablo (Coord.), Proyecto “Conceptos y fenómenos fundamentales de nuestro tiempo”. UNAM: México. 2008. SEOANE, José; TADDEI, Emilio; ALGRANATI, Clara. Recolonización, bienes comunes de la naturaleza y alternativas desde los pueblos. IBASE: Río de Janeiro, 2010.

3

Al mismo tiempo la pobreza afecta más a la niñez, las mujeres y las poblaciones indígenas en términos comparativos con otros sectores de la sociedad. Repetto (2010). Para el caso argentino véase Fabio M. Bertranou y Damián Bonari (coords.) Protección social en Argentina. Santiago, Oficina Internacional del Trabajo, 2005

4

Datos oficiales, del Instituto Nacional de Estadísticas y Censos. Otros trabajos, académicos y de estudios privados, dan cuenta de una realidad distinta. Por ejemplo, para el Observatorio de la Deuda Social de la Universidad Católica Argentina la pobreza hacia fines del 2012 alcanzaría al 16,9% de los hogares y al 26,9% de las personas. Observatorio de la Deuda Social. Informe final.Mayo de 2013, em .

5

Como se puede ver, en la fuente utilizada está calculado sobre la región Gran Buenos Aires y no sobre el total de aglomerados urbanos. De todos modos, el movimiento tendencial, así como los números índices para cada año, son muy similares dada la magnitud poblacional de la región considerada.

SEOANE, José; TADDEI, Emilio; ALGRANATI, Clara. las disputas sociopolíticas por los bienes comunes de la naturaleza, In: Borón, Atilio, América Latina en la geopolítica del Imperialismo. Ediciones Luxemburg. Buenos Aires. 2013. Notas Los cambios operados en las condiciones generales de producción se expresan en el incremento en volumen y cambios cualitativos en la composición de la masa trabajadora y explotada. Como tendencia general se hace observable la constitución de una masa de población sobrante para las necesidades de fuerza de trabajo del capital este movimiento tendencial de la sociedad capitalista es analizado en Marx, K.: EL CAPITAL, FCE, Buenos Aires, 1986; Tomo I, Cap. XXIII. Para un análisis contemporáneo donde se analiza la relación entre cambios tecnológicos, productividad del trabajo y tasas de ganancias, véase Mandel, E: MARX Y EL PORVENIR DEL TRABAJO HUMANO, Cuadernos de Mientras Tanto N° 1, Ediciones Mientras Tanto, Buenos Aires, 1982. 2

El saqueo de los bienes comunes implica el modo privilegiado de participación en el mercado mundial. “Por una parte las exportaciones se concentraron básicamente en productos primarios (commodities) y sus manufacturas alcanzando en 1998 el 56,8% del total. La década de los noventa vio fortalecerse el aprovechamiento capitalista de la posibilidad de generar (y apropiar privadamente) rentas extraordinarias a partir de la explotación y exportación de las riquezas naturales y bienes comunes (convertidos en recursos naturales). Por otra parte, esos años fueron testigos del proceso de privatización de los espacios públicos. Se privatizaron o cedieron en concesión para uso privado: la provisión de agua, gas, luz, telefonía, el espacio radioeléctrico, etc.; a la vez que se promovió la defensa del derecho privado sobre el software, el conocimiento científico, la biodiversidad, etc. a través de patentes y derechos de autor.” (Féliz, 2011, 74).

386 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

6

En Argentina, durante la última década ha sido significativa la consolidación de la fractura del mercado laboral iniciada en los ’90, no sólo entre los trabajadores formales e informales, sino también al interior de la estructura formal. “Siendo que la precarización se extiende por el conjunto. Mientras que el 20% de los trabajadores mejor remunerados del sector privado capta el 52% de la masa salarial, el 20% ubicado en la base percibe el 5,2% de ese total.” (EDI, 2012)

7

La renta financiera queda exenta de obligaciones tributarias al igual que la transferencia de activos de sociedades anónimas, en cambio una parte creciente de los asalariados debe pagar el impuesto a las ganancias al tiempo que la vigencia del IVA encarece la canasta básica de alimentos, afectando centralmente a los sectores de menores ingresos.

8

En México, al final del gobierno del presidente Salinas de Gortari, en enero de 1994, emergió el movimiento zapatista, que se ha venido desarrollando desde entonces. Hay consenso en ubicar esta fecha como el comienzo explícito de resistencia anti-neoliberal. En Venezuela se produjeron movilizaciones populares contra los gobiernos de Carlos Andrés Pérez y de Rafael Caldera; los partidos políticos tradicionales colapsa-

ron y se organizó y desarrolló el movimiento bolivariano, en el gobierno desde 1998. En Brasil el presidente Collor de Mello fue destituido con movilizaciones populares cuya consigna principal era “Fora Collor”, denunciando la corrupción del gobierno. En Ecuador las movilizaciones populares provocaron la caída de varios gobiernos, siendo allí fundamental el papel del movimiento indígena y campesino, a través del Pachacutik. En Perú, el presidente Fujimori renunció y debió irse del país, luego de importantes movilizaciones populares, como las Marchas de los Cuatro Suyos. En Bolivia, debió renunciar Sánchez de Losada (2003) en medio de una intensa movilización popular encabezada por distintas organizaciones campesinas, indígenas y obreras y posteriormente Carlos Mesa (2005). En Argentina, a fines del 2001, renuncia el presidente De la Rua, en el marco de movilizaciones populares con la consigna “que se vayan todos”. A estos procesos destituyentes de movilización popular expresados en la región latinoamericana, podemos señalar también ; la multitudinaria caravana zapatista “por la dignidad indígena” en México (2001), la resistencia popular victoriosa al intento de golpe de estado en Venezuela (2002) y la confrontación que posteriormente le siguió y, en el plano continental, la derrota “relativa” del proyecto del ALCA en la III° Cumbre de las Américas (2005) en Mar del Plata (Argentina). 9 Observando la dinámica del capitalismo en la región, parte de la literatura especializada ha conceptualizado la pugna de tres proyectos societarios, “neoliberalismo de guerra” (México y Colombia), el “neo-desarrollismo” (Argentina, Brasil) y los modelos sociales de “cambio constituyente” (Venezuela, Bolivia, Ecuador). Además de la preponderancia que es posible observar en las realidades nacionales, estos proyectos en el marco de la dinámica capitalista, expresan intereses de distintos grupos de fuerza y bloques de clase, expresando tensiones y disputas en una misma realidad nacional. Ver González Casanova, Pablo, “Democracia, liberación y socialismo: tres alternativas en una”. En: Revista OSAL, n° 8. CLACSO: Buenos Aires, 2002; Boron, Atilio, “La coyuntura geopolítica de América Latina y el Caribe en 2010”. En Cuba Debate (14 de diciembre de 2010); Seoane, José; Taddei, Emilio y Algranati, Clara, “El concepto ‘movimiento social’ a la luz de los debates y la experiencia latinoamericana recientes”. En: González Casanova, Pablo (coord.), Proyecto

“Conceptos y fenómenos fundamentales de nuestro tiempo”. UNAM: México, 2008; Seoane, José; Taddei, Emilio y Algranati, Clara, Recolonización, bienes comunes de la naturaleza y alternativas desde los pueblos. IBASE: Río de Janeiro, 2010. 10

Pasaron de representar el 6.7% del PBI en 1998 al 12.5% en el 2008 (Féliz, 2010, p.2).

11

Al respecto, en una conferencia brindada por Bernanrdo Kliksberg (asesor del ministerio de Desarrollo Social de la Nación) señala: “Argentina está dentro de los países con más desarrollo social… La valorización de la soja podría no haber significado nada en política social… La diferencia entonces la hizo la decisión política porque se pueden decir muchas cosas pero lo importante es hacer y se está haciendo… No basta con los discursos… La decisión ha dinamizado todas las áreas de la política social…”. (Kliksberg, B, 2013)

12

La renta financiera queda exenta de obligaciones tributarias al igual que la transferencia de activos de sociedades anónimas, en cambio una parte creciente de los asalariados debe pagar el impuesto a las ganancias al tiempo que la vigencia del IVA encarece la canasta básica de alimentos, afectando centralmente a los sectores de menores ingresos.

13

“Hoy hablamos de políticas sociales integrales, pues las políticas sociales altamente focalizadas terminan siendo reduccionistas. Mostraron su carácter restringido, discriminatorio y de exclusión, que terminaba dejando un “estigma social”, que atentaba contra los derechos humanos y sociales. La focalización terminó siendo un reciclaje estructural en un mundo dinámico donde el sistema público era sólo para los pobres estructurales. Fue una expresión evidente de que las políticas neoliberales respondían más a políticas económicas de ajuste.” (Kirchner, Alicia: 2010)

14

En los últimos años, los programas de transferencias condicionadas han cobrado centralidad como herramienta de política social en distintos países de América Latina, entre los cuales se encuentra Argentina. Estos programas se caracterizan por asistir directamente a una población objetivo compuesta por familias en situación de “alta vulnerabilidad económica y social”, con insuficiencia de ingresos monetarios. En la mayoría de los casos, la ayuda que brindan consiste en un subsidio monetario que busca sostener el ingreso familiar, algunos de estos programas

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013 387

Silvia Fernández Soto

además otorgan suplementos alimentarios, medicamentos, atención sanitaria y apoyo educacional, entre otros. Son iniciativas “no contributivas”, de alcance masivo, dirigidas a una capa de la clase trabajadora. El objetivo de combinar transferencias monetarias y condicionalidades es el de “aliviar” la pobreza de esta población. Prevalece una concepción individualista asociado al “capital humano”, una noción de pobreza reduccionista, que no contempla las relaciones sociales fundamentales que explican la emergencia y dinámica de la misma en la sociedad capitalista. 15 Posteriormente su implementación se reglamenta mediante la Resolución N° 393/2009 de la Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES), organismo responsable del pago de la prestación. En dicha reglamentación se establece quienes podrán ser beneficiarios de la asignación, os requisitos a cumplir para acceder a la misma, las fuentes de datos que se tomarán para determinar los beneficiarios y los medios y fechas de pago a los beneficiarios. Para facilitar la gestión operativa, en dicha resolución se estableció la conformación de un Comité de Asesoramiento integrado por representantes de los Ministerios de Desarrollo Social, Trabajo, Empleo y Seguridad Social, Salud, Educación e Interior. El régimen de asignaciones familiares (Ley Nº 24.714/1996) alcanza a los trabajadores que prestan servicios remunerados en relación de dependencia en la actividad privada cualquiera sea su modalidad de contratación laboral (exceptuando a los trabajadores del servicio doméstico); a los beneficiarios de la Ley sobre Riesgos de Trabajo y del Seguro de Desempleo; a los trabajadores del sector público nacional y beneficiarios del Sistema Integrado Previsional (SIPA) y del régimen de pensiones no contributivas por invalidez. Los alcances y limitaciones vigentes de esta ley constituyen parte de los considerandos del Decreto presidencial al definir: “Que, en el régimen establecido por la ley citada se encuentran previstas, entre otras, la asignación por hijo consistente en el pago de una suma mensual por cada hijo menor de 18 años que estuviere a cargo del beneficiario, así como la asignación por hijo con discapacidad. Que en el mencionado Régimen de Asignaciones Familiares no se incluye a los grupos familiares que se encuentren desocupados o que se desempeñen en la economía informal.” (Decreto 1602/2009)

16

Quedan excluidos de este sistema, por lo tanto, los trabajadores desocupados que no cobran seguro de desempleo, aquellos que se desempañan en la economía informal y los empleados 388 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 367 - 388, jul./dez. 2013

inscriptos en el régimen de servicio doméstico. Contingentes que se aspiran incluir con la nueva normativa. 17

En un principio dicho monto fue de $ 180 mensuales por cada menor de 18 años y de $ 720 por cada hijo con discapacidad. En septiembre de 2010, aumentó a $ 220 mensuales por menor y $ 880 para cada hijo con discapacidad. En octubre de 2011 pasó a ser de $270 por hijo, y de $1.080 por discapacitado. En septiembre de 2012 alcanzó los $340, y $1200 por hijo con discapacidad; y en mayo de 2013 el monto se actualizó, siendo ahora de $460 y $1500 respectivamente.

18

En el artículo 6 inciso f) del decreto 1602 señala: “El titular del beneficio deberá presentar una declaración jurada relativa al cumplimiento de los requisitos exigidos por la presente y a las calidades invocadas, de comprobarse la falsedad de algunos de estos datos, se producirá la pérdida del beneficio, sin perjuicio de las sanciones que correspondan.”

Silvia Fernández Soto Assistente Social Doutora En Servicio Social pela Pontificia Universidad Católica de São Paulo (PUC-SP) Profesora Titular regular e Directora Del PROIEPS en la Facultad de Ciencias Humanas de la Universidad Nacional Del Centro de La Provincia de Buenos Aires - UNICEN. E-mail: [email protected] Universidad Nacional Del Centro de La Provincia de Buenos Aires (UNICEN) Gral. Pinto 399, C.P. B7000GHG, Tandil Bs. As. Argentin

A QUESTÃO DO NEODESENVOLVIMENTISMO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ENTREVISTA ESPECIAL COM RODRIGO CASTELO Entrevistadora: Raquel Raichelis1 - PUC-SP Realizada em novembro de 2013. Rodrigo Castelo formou-se em economia na UFRJ e fez toda a sua pós-graduação em Serviço Social na UFRJ. Durante o período do doutorado, pesquisou as ideologias do bloco de poder dominante no Brasil nas últimas décadas, com destaque para o social-liberalismo e o neodesenvolvimentismo. Atualmente é professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Em 2010, organizou uma coletânea chamada Encruzilhadas da América Latina no século XXI, sobre o novo desenvolvimentismo e, em 2013, a editora Expressão Popular lançou o seu livro O social-liberalismo: auge e crise da supremacia burguesa na era neoliberal. Entrevistadora - Para começar, seria oportuno que você explicitasse o que é o “novo desenvolvimentismo” e por que ele surge na América Latina, no final do século passado e ganha foros de um novo projeto de desenvolvimento para os países da periferia capitalista, inclusive no Brasil? Rodrigo Castelo - O novo-desenvolvimentismo tem uma curta e recente história na América Latina. Surge no início do século XXI - mais precisamente no Brasil com os escritos de Luiz Carlos Bresser Pereira e alguns documentos do empresariado nacional - como uma suposta alternativa à crise do neoliberalismo. Nasce, portanto, como uma tentativa das classes dominantes e seus ideólogos orgânicos de traçarem uma terceira via de desenvolvimento, criticando tanto o neoliberalismo do Consenso de Washington quanto o socialismo do século XXI. Rapidamente grupos ligados à social-democracia brasileira, que então passaram a ocupar palácios, parlamentos e conselhos de administração de estatais e do grande capital, juntaram-se ao novo-desenvolvimentismo e passaram a disputá-lo, visando dar um caráter “social”, “estatista” e “nacionalista” à nova ideologia. Criaram uma falsa disputa entre burguesia produtiva e burguesia rentista, Estado e mercado, nacional e estrangeiro, intervencionistas e privatistas, e foram pautados política e ideologicamente pelos antigos neoliberais. Continuaram hegemonizados pelas antigas

frações dominantes do bloco de poder e passaram a ser linha auxiliar do status quo, influenciando aqui e acolá decisões do governo sem, entretanto, mudar o essencial. Diante dos recentes protestos populares, perderam toda a credibilidade que porventura acumularam nos últimos tempos e hoje buscam se endireitar. Mas ainda deverão permanecer no poder, por conta de ausência de alternativas concretas tanto pela direita quanto pela esquerda. Como principais propostas, o novo-desenvolvimentismo defende: (1) complementariedade da atuação de um Estado forte nas falhas de mercado, com o objetivo de fortalecê-lo, leia-se fortalecer o atual padrão de reprodução do capital imposto desde os anos 1980/90 e aprofundá-lo e consolidá-lo no século XXI; (2) na política econômica: responsabilidade fiscal, superávit primário, metas inflacionárias, câmbio flutuante e tributação regressiva, com intervenções pontuais no câmbio e nos juros; (3) incentivos fiscais, tributários e subsídios para conglomerados do capital monopolista aumentarem suas taxas de lucro, sob o manto de uma política industrial e de inovação tecnológica, a chamada política de “campeãs nacionais”; (4) aumento da massa salarial e do crédito para ampliação do consumo do mercado interno e; (5) nas expressões mais agudas da “questão social”, a política social de transferência de renda de larga abrangência e focalizada nas camadas mais miseráveis da nossa sociedade. Pode-se perceber, em suma, que grande parte da agenda do novo-desenvolvimentismo é, com ligeiras mudanças, uma apropriação consciente das antigas e desgastadas medidas neoliberais, destacando-se as garantias de reativação das taxas de lucro do grande capital e de transferência de quase metade dos recursos do orçamento público para as frações rentistas das classes dominantes. Entrevistadora - É possível traçar um paralelo entre as propostas atuais e o nacional desenvolvimentismo do período de 1950/1960/1970? Ou o debate atual é apenas retórico e ideológico? Rodrigo Castelo - O debate atual tem uma forte base retórica, mas vale lembrar que toda ideologia - por mais alienante e mistificadora que seja - tem um fundamento na atuação concreta de grupos e classes sociais. O novo desenvolvimentismo almeja se legitimar na batalha das ideias como um resgate do nacionaldesenvolvimentismo, mas é tão somente uma pálida sombra do passado. Sua existência está muito fragilizada porque não conta com uma R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 389 - 393, jul./dez. 2013 389

efetiva base social, que foi solapada pelas recentes manifestações massivas de junho/julho. Arrisco dizer que o novo-desenvolvimentismo não irá se recuperar deste duro golpe. Talvez tenha entrado na sua crise terminal... No passado, o nacional-desenvolvimentismo fez a cabeça de amplos setores da esquerda brasileira. Defendeu que a industrialização impulsionada e planejada pelo Estado em comunhão com o grande capital nacional seria capaz de romper com a inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho, desenvolver nossas forças produtivas, gerar emprego e distribuir renda e riqueza com ganhos para capitalistas e trabalhadores. No plano político, mobilizou, de fato, amplas camadas populares, com setores organizados da classe trabalhadora e camponesa voltados para profundas reformas de base. O resultado foi bem diferente e mais amargo: o capital estrangeiro dominou o nacional, a dependência aprofundou-se e a distribuição de renda e riqueza agravou-se junto com a superexploração do trabalho, mas, pelo menos, importantes batalhas foram travadas em nome dos trabalhadores da cidade e do campo. Hoje nada disto está em questão. Nenhuma reforma foi aprovada nos últimos 25 anos, nem sequer foram pautadas pelos governos do PT e seus aliados quando estes ainda ocupavam a esquerda da cena política. Importantes organizações da classe trabalhadora e da juventude ficaram ainda mais passivas e cooptadas, sem capacidade de mobilização, tendo se tornado inclusive gestores dos fundos de pensão e consultores e lobbistas de grandes empresas. A indústria sofreu duros golpes pela competição externa e os setores de ponta foram descontruídos. Na última década decidiram apostar no agronegócio e na mineração como a melhor forma de inserção na nova divisão internacional do trabalho. Os usineiros foram declarados ”heróis nacionais”, abandonou-se a reforma agrária, diminuiu-se drasticamente a demarcação de terras indígenas e criaram-se marcos regulatórios mais flexíveis com a destruição ambiental. Por fim, o Estado brasileiro continuou um processo de privatização dos bens públicos na forma de parcerias público-privadas, concessões e venda direta do patrimônio, abdicando da sua capacidade de planejamento da economia nacional. Ora, se o critério da verdade é a prática, como nos ensinam as Teses sobre Feuerbach, isto em nada se assemelha ao nacional-desenvolvimentismo. É, no fundo, uma decadência ideológica do pensamento social brasileiro e um oportunismo político de setores que antes 390 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 389 - 393, jul./dez. 2013

formaram parte da esquerda. Tenho consciência que este balanço é duro, mas devemos exercer o pessimismo da razão, conjugando-o ao otimismo da vontade de mudar a nossa realidade a partir de uma militância orgânica em partidos políticos, movimentos sociais, associações profissionais e sindicatos, cooperativas, conselhos etc. Entrevistadora - Você considera viável a retomada de teses desenvolvimentistas em um contexto de crise da hegemonia neoliberal, mas com o capital financeiro e globalizado seguindo seu rumo sem amarras e sem controle social? Rodrigo Castelo - Nos anos 1950/60/70, algumas frações das burguesias latino-americanas, com um relativo apoio popular, tentaram construir os modelos desenvolvimentistas de soberania nacional. Defendeu-se um processo de industrialização - o modelo de substituição de importações - sob hegemonia do capital industrial e com ações coordenadas pelo planejamento do Estado, que seria então dirigido por uma burocracia progressista supostamente acima dos interesses das classes sociais. O crescimento econômico e o aumento da massa salarial derivados da industrialização atrairiam o apoio de setores da classe trabalhadora, que dariam uma base popular aos projetos de desenvolvimento nacional. No Brasil, Argentina e México, em especial, estes projetos tentaram alçar voo, mas foram abatidos por forças conservadoras internas e externas, tanto do latifúndio quanto do imperialismo, além do empresariado industrial no qual se depositaram falsas esperanças. A autocracia burguesa espalhou-se por toda a América Latina, sepultando a via nacionaldemocrática de transformação social. Houve um massacre às organizações e militantes que resistiram. Esta foi uma das grandes lições daquela conjuntura e não devemos esquecê-la jamais, pois é impossível se confiar no papel progressista da burguesia. Esta classe quando consolidou a sua supremacia tornou-se conservadora e, no caso brasileiro, acentuou o seu caráter reacionário. Por que agora, em pleno século XXI, com o aprofundamento do imperialismo, da dependência, do latifúndio, da expropriação dos meios de produção dos povos originários e dos camponeses, da superexploração da classe trabalhadora, seria possível retomarmos a antiga tragédia do nacional-desenvolvimentismo? Primeiro, o contexto histórico é totalmente

diverso e a história não se repete, a não ser como farsa. Fica no ar uma sensação de saudosismo sem fundamento histórico. Segundo, o antigo projeto se mostrou baseado em ilusões políticas, como os mitos da burguesia nacional, da burocracia estatal neutra e acima das classes, do capitalismo regional autônomo do imperialismo. Ora, o sujeito histórico fiador do nacional-desenvolvimentismo - a “burguesia nacional” - se mostrou, nos dizeres de Vânia Bambirra, como uma classe dominante dominada, isto é, aliada do imperialismo e do latifúndio, nunca tendo lutado de fato pelos interesses dos trabalhadores. E o Estado, nos momentos de agudização das lutas sociais, afirmou - como sempre faz, ontem e hoje! - seu caráter classista da supremacia burguesa. Por fim, o imperialismo, após a Revolução Cubana, fechou todas as portas do desenvolvimento autônomo e passou a atuar enfaticamente contra todo projeto nacional-popular com tendências socialistas, como ocorreu no Chile, Nicarágua, El Salvador e Granada. Ou seja, as classes dominantes sequer permitem uma agenda reformista na América Latina. Por isto temos que queimar a etapa democrático-burguesa e passar direto à socialista com hegemonia do proletariado, tratando as questões nacionais, democráticas, agrárias, etc, como elas merecem e os trabalhadores necessitam. Por estes motivos, não creio que seja possível - nem desejável - ressuscitarmos ou reeditarmos as vias nacional-democrática e democrático-popular. Estas, ou foram derrotadas nos anos 1950-70, ou se mostraram um fracasso no poder com os governos do PT. É preciso ir além deste nível de consciência e organização e retomar o debate do caráter socialista da revolução brasileira, sem repetirmos os erros do passado de uma postura sectária e dogmática. Entrevistadora - Qual é a crítica marxista ao chamado mito do desenvolvimento capitalista? Que autores marxistas mais contribuem para uma análise crítica deste projeto? Qual a importância da retomada do pensamento social brasileiro e latino-americano para este debate? Rodrigo Castelo - A crítica marxista ao chamado mito do desenvolvimento capitalista começou com o “esboço genial” de crítica à economia política de Engels em 1844 e prosseguiu com seu livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Depois Marx seguiu as trilhas do companheiro de lutas e traçou um ambicioso plano de estudos, que deságua no livro I de O capital, obra finalizada com três capítulos primorosos de crítica ao desenvolvimento

capitalista: lei geral da acumulação capitalista, a chamada acumulação primitiva e teoria moderna da colonização. Entre estes momentos da juventude e da maturidade, Marx e Engels, ainda marcados por um eurocentrismo muito forte, fizeram leituras muito instigantes sobre o desenvolvimento capitalista em regiões periféricas do mercado mundial, como Alemanha, Índia, Irlanda e Espanha. Já no final da vida eles escreveram sobre a Rússia e reavaliaram muitas das suas antigas posições teóricas e políticas, admitindo a possibilidade da revolução socialista em regiões de baixo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Duas gerações seguintes, um conjunto de revolucionários comunistas se apropriou com muita criatividade das três fontes do marxismo e fez análises concretas de situação concreta do desenvolvimento capitalista na periferia que ainda hoje tem validade, desde que façamos as devidas mediações históricas. Me refiro a Lenin, Rosa Luxemburgo, Bukhárin, Trotsky, Gramsci, Julio Mella, Mao Tse-Tung, José Carlos Mariátegui, Mário Pedrosa, Caio Prado Jr. e outros. Com a vulgata estalinista, muitos destes revolucionários foram esquecidos ou apagados, e leituras esquemáticas e evolucionistas do desenvolvimento capitalista prevaleceram dentro da tradição marxista. É preciso retomar tal tradição para entendermos a nossa peculiar forma de desenvolvimento histórico, que mescla modos de produção diversos dominados pelo capitalismo. Nos anos 1960/70, surge uma terceira geração de revolucionários aqui na América Latina que resgata tais reflexões no marxismo para entender a nossa situação de dependência interna e externa e os caminhos da revolução. Podemos evocar os nomes de Fidel Castro, Che Guevara, Carlos Marighella, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Florestan Fernandes, Jacob Gorender e autores socialistas como André Gunder Frank, Clóvis Moura, Darcy Ribeiro, Francisco de Oliveira, Octávio Ianni, Pablo González Casanova e tantos outros. Resumidamente, tais autores identificam algumas linhas mestras sobre o desenvolvimento capitalista: (1) a pobreza não é ausência de riqueza, mas sim resultado de como a riqueza é produzida, distribuída e consumida numa sociedade baseada na propriedade privada e na exploração da força de trabalho - ambas, riqueza e pobreza formam contrários de uma mesma unidade; (2) o mesmo se aplica ao sudesenvolvimento e a dependência. Estas não são ausência do desenvolvimento capitalista na periferia, mas justamente a forma como se R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 389 - 393, jul./dez. 2013 391

conforma o capitalismo nas regiões dependentes e exploradas. Portanto, socialistas e comunistas não devem contribuir com a burguesia (ou qualquer outra classe dominante) nas suas tarefas de desenvolver o capitalismo, para depois, então, pautarem a transição socialista. Ademais, as classes dominantes estão historicamente vinculadas ao imperialismo e nunca construíram um projeto nacional, muito menos democrático. Quando surgiram movimentos revolucionários e reformistas, estes foram sufocados por contrarrevoluções e revoluções passivas brutais. Entrevistadora - Quem são os novos intelectuais do novo-desenvolvimentismo no Brasil e seus principais espaços acadêmicos e políticos, ou em termos gramscianos, os aparelhos de hegemonia, que difundem hoje as ideias e propostas políticas deste projeto? Rodrigo Castelo - O novo-desenvolvimentismo comporta algumas subdivisões internas. Não é um bloco ideológico homogêneo, embora se possa identificar uma hegemonia do chamado social-desenvolvimentismo. Mas vamos começar pela corrente da macroeconomia estruturalista do desenvolvimento: neste grupo despontam Luiz Carlos Bresser Pereira e seus assessores e discípulos, na sua maioria ligados à Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a Revista de Economia Política e a Associação Keynesiana Brasileira, bem como a outros centros universitários espalhados pelo país (e mundo afora). São politicamente próximos do PSDB e de outros grupos de centro-direita, mas não são quadros partidários. Sua força não deve ser desprezada, pois conseguem, a partir de seus aparelhos privados de hegemonia - financiados com recursos de grandes empresas e com apoio de oligopólios da mídia - exercer influência em setores do empresariado, governo, intelectualidade e “opinião pública”. Em segundo lugar, temos o autointitulado social-desenvolvimentismo, com destaque para professores universitários dos Institutos de Economia da Unicamp e UFRJ, tais como os decanos Maria da Conceição Tavares, João Manuel Cardoso de Melo e Luiz Gonzaga Belluzzo, e seus antigos estudantes e hoje personalidades públicas, como Luciano Coutinho, Marcio Pochmann, Ricardo Bielschowsky e Aloisio Mercadante. Eles têm uma ampla organização em aparelhos privados e estatais: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rede Desenvolvimentista, Fundação Perseu Abramo, ministérios governamentais e, principalmente, o BNDES. São 392 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 389 - 393, jul./dez. 2013

próximos do empresariado paulista, de sindicatos e de partidos políticos, em especial o PT, e tem ampla entrada com setores da mídia brasileira. Por terem parte do controle sobre o BNDES - um dos maiores bancos de desenvolvimento capitalista no mundo, com desembolsos anuais na casa de R$ 150 bilhões -, conseguem exercer uma relativa influência sobre os rumos da política econômica. Neste caso, a ideologia ganha materialidade e interfere, inclusive, no padrão de reprodução do capital, o que não é pouca coisa. Muitos queriam ocupar postos-chave neste aparelho coercitivo de espoliação. Houve no início do novo-desenvolvimentismo uma terceira corrente, a pós-keynesiana, mas esta me parece que foi incorporada pela macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. Sempre foram posições muito similares e decidiram cerrar fileiras para disputar a hegemonia no bloco ideológico do novo-desenvolvimentismo, ainda sem conquistas expressivas. Por fim, vale destacar que existem fricções políticas entre tais correntes e elas sobem de tom de acordo com uma conjuntura mais intensa como a atual, mas não se discute o essencial: o caráter capitalista do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção e reprodução do capitalismo dependente brasileiro. Ambos os grupos defendem o mesmo projeto estratégico, com diferenças táticas, de ajuste de uma curva macroeconômica (ou micro) qualquer em 2 graus para lá, 2 para cá. Nada muito substancial que leve a uma avaliação de que o novo-desenvolvimentismo estaria em disputa. Entrevistadora - Qual é, na sua visão, a importância da apropriação deste debate para a análise das políticas sociais implementadas pelo governo brasileiro a partir do governo Lula? Elas poderiam ser chamadas de neo-desenvolvimentistas ou são mais uma expressão do social-liberalismo a brasileira? Rodrigo Castelo - No caso das políticas sociais, o atual padrão de intervenção do Estado na “questão social” é fundamentalmente baseado na ideologia do social-liberalismo. O neodesenvolvimentismo segue a cartilha neoliberal da equidade, da igualdade de oportunidades e dos programas de transferência de renda de alívio da pobreza, tal qual defendem o Banco Mundial e outros organismos multilaterais desde os anos 1990. Os neodesenvolvimentistas corroboram a assistencialização das políticas sociais e silenciam sobre a privatização da previdência, saúde e educação superior, marcos

do social-liberalismo. O neodesenvolvimentismo vê a redução das desigualdades sociais e o combate ao pauperismo por um viés economicista, de geração de renda nas camadas pobres voltada para a formação de um mercado de massas. O objetivo é gerar uma base econômica de venda interna das mercadorias, portanto, de realização da mais-valia. As principais apostas são no crescimento econômico, na geração de empregos formais, nos aumentos dos salários e do crédito e na alocação de recursos nas políticas de transferência de renda. Ou seja, o mercado é tido pelo neodesenvolvimentismo como o principal meio de melhorar o bem-estar da população, com uma ação auxiliar do Estado no alívio da extrema pobreza e outras expressões mais agudas da “questão social”. Durante um período, as apostas econômicas citadas acima tiveram determinado efeito concreto e os ideólogos neodesenvolvimentistas souberam capitalizar os indicadores sociais. Mas ocultaram o essencial: o crescimento era efêmero e hoje exibe taxas pífias, dignas dos governos FHC; os empregos tinham baixíssimos salários, condição alienante precarizada e a maior taxa de rotatividade do mundo; a dívida contraída nos crediários consome boa parte da renda dos trabalhadores, direcionando frações crescentes dos salários para os rentistas; e os recursos das políticas de transferência de renda não são capazes de atender necessidades humanas de forma humanista. Não devemos naturalizar que benefícios sociais na faixa dos 80, 90, 100 reais per capta irão promover melhorias efetivas na vida de um ser humano. E não estamos falando de um país pobre, sem recursos, pois o Brasil é a 6ª maior economia do mundo. No nosso país, não há uma escassez natural, mas sim uma escassez socialmente produzida para mais de uma centena de milhões de brasileiros que não acessam a

riqueza nacional, concentrada nas mãos de um punhado de famílias abastadas. É preciso lutar arduamente contra as novas formas históricas que a lei geral da acumulação capitalista assume no Brasil dependente do século XXI, e não geri-las por meio de políticas econômicas e sociais implementadas nos últimos 10-20 anos. Nada mais atual do que a luta contra o neoliberalismo, que vive uma crise mundial mas ainda mantém a sua supremacia no Brasil (e tantos outros países!), recorrendo cada vez mais a medidas coercitivas. A esperança desta luta contra o neoliberalismo renasceu com as recentes manifestações populares no mundo inteiro. Espero que tais levantes representem o início do fim do neoliberalismo. NOTA: 1 Possui graduação, mestrado e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-Doutora pela Universidade Autônoma de Barcelona/UAB (2012-2013). É professora assistente doutor da PUC-SP, foi coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social (20092011; 2011-2013). Foi vice reitora acadêmica da PUC-SP (2000-2004). É pesquisadora da Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais (CEDEPE-PUC-SP). Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Trabalho e Profissão, com produção nas áreas de fundamentos do Serviço Social, trabalho, política social, gestão pública, política de assistência social, SUAS, democratização e controle social. Autora de livros e artigos publicados em revistas especializadas de Serviço Social e Ciências Sociais. É pesquisadora do CNPQ, com bolsa produtividade 1D.

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 389 - 393, jul./dez. 2013 393

RESENHA POCHMANN, Marcio. Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil. São Paulo: Cortez, 2010, p. 191. Franci Gomes Cardoso Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Uma nova ilusão de desenvolvimento? Marcio Pochmann possui graduação em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas ( UNICAMP). Atualmente é Professor Livre Docente da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Politicas Sociais e do Trabalho, atuando principalmente no tema: politicas de trabalho. Autor de mais de 30 livros sobre os temas do desenvolvimento, economia do trabalho e política social. Ocorridos os 35 anos de publicação do estudo de Miriam Limoeiro Cardoso sobre a ideologia do desenvolvimento1, a retomada do pensamento da autora é fundamental para a análise crítica dessa questão na atualidade. Desse modo, ancorada nesse pensamento, parto das seguintes premissas, para elaboração desta resenha: 1) “a crença no mito do desenvolvimento desvia-se da produção do conhecimento das relações essenciais para a organização e para a transformação desta sociedade”. (CARDOSO, M. L. 2013, p. 210). Sob a ideologia do desenvolvimento, a discussão da natureza das relações sociais dá lugar à reflexão sobre o que possa impedir ou impelir o “desenvolvimento”; 2) “a ideologia do desenvolvimento inculca tão profundamente o crescimento econômico como valor primeiro na sociedade, que nesta sociedade se passa, em geral, a acreditar que este é o “seu destino” promissor sempre deslocado para o futuro” (CARDOSO, M. L. 2013, p. 210). Orientada por esses pressupostos e seguindo a trilha percorrida por Pochmann em seu estudo sobre: Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil, priorizo para a análise crítica da obra de Pochmann, os seguintes eixos: a perspectiva ideológica de desenvolvimento presente nas formulações do autor; a concepção do autor sobre a natureza da crise do capitalismo contemporâneo; os desafios e perspectivas apresentadas para o enfrentamento dessa crise. O autor parte da ideia de que o desenvolvimento nacional não se apresenta por meio 394 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013

de uma simples sucessão evolutiva, mas por oscilações complexas nem sempre previsíveis; e observa, ainda, em sua reflexão sobre o desenvolvimento, “que o desempenho econômico e social recente evidencia novas perspectivas para o Brasil” (p. 9). Para exemplificar essas novas perspectivas evidenciadas pelo desempenho econômico e social recente, o autor faz, inicialmente, uma retrospectiva histórica remetendo-se à década de 1960, destacando que: nessa década, “a expectativa de vida do brasileiro não ultrapassava os 55 anos (18 anos a menos do que atualmente); o ensino superior abriga 93 mil graduandos, representando somente 1% da juventude entre 18 e 24 anos de idade (hoje se encontra ao redor de 13%); e em todo o território nacional os brasileiros encontravam-se distantes de condições de vida e trabalho decentes. Enquanto 82% das oportunidades estavam concentradas no centro-sul brasileiro, o restante da população podia se contentar, no máximo, com o pau de arara de caminhões a desbravar significativa parcela de estradas esburacadas com o intuito de encontrar mais do que luzes nas grandes cidades do país” (págs. 9 e 10). O autor avança na recuperação de outras décadas até os dias atuais e parece lamentar não ter sido mantido o ritmo econômico e social evidenciado até a década de 1970, pois, se assim fosse, o Brasil seria hoje a 3ª potência do mundo. Ressalta que não foi isso o que ocorreu, pois o Brasil ainda se encontra submetido à nona potência mundial. Embora o autor não se refira, nesta obra, ao desenvolvimento enquanto ideologia, é importante lembrar que na década de 1970, destacada por ele, há o esgotamento da perspectiva do desenvolvimentismo, mas a ideologia do desenvolvimento permaneceu e ainda permanece. Esta ideologia impõe a centralidade das discussões e análises nos determinantes que impelem ou dificultam o “desenvolvimento”, ao invés de centrar essas análises nas determinações constitutivas da sociedade, ou seja, na natureza das relações sociais. Quanto ao desenvolvimentismo que se esgota em 1970, sua proposta era “crescimento econômico acelerado que garantiria prosperidade para todos no futuro; [...] o crescimento econômico seria garantia de segurança nacional, bem conforme as concepções anticomunistas da Guerra Fria”. (CARDOSO, M. L. 2013, p. 210) Essa vinculação entre desenvolvimento e segurança se explicita no Brasil do governo JK, de acordo com CARDOSO (2013), instalando-se, posteriormente, na ditadura com

o golpe de 1964. Entretanto, desde o início, a proposta desenvolvimentista propunha mudanças dentro da ordem, para mantê-la. Ressalvadas as diferenças das determinações históricas constitutivas da sociedade capitalista hoje, mas não é o caso discuti-las neste momento, entendo que é na direção da ideologia do neodesenvolvimentismo ou “novo desenvolvimentismo” como é chamado pelo próprio autor na orelha do seu livro, objeto de discussão, que a reflexão de Pochmann se desenvolve. Para ele, nos dias atuais, para superar os desafios do desenvolvimento brasileiro, o planejamento deve ser recuperado a partir de quatro níveis: o primeiro refere-se ao engajamento político-social comprometido com a participação e o envolvimento democrático das forças vivas, incluindo especialistas e gestores públicos capacitados; o segundo diz respeito à articulação institucional e coordenação geral das diferentes ações do Estado e de todos aqueles envolvidos em torno de uma perspectiva clara a médio e a longo prazo; o terceiro é relativo à combinação da prospecção de futuro com a proposta de mudança da realidade, à medida que ela se mostre incompatível com as pretensões da sustentação do desenvolvimento econômico-social e ambiental; o quarto nível do planejamento precisa estabelecer associação entre a escolha de estratégias e a trajetória ordenada pelo Estado compatível com o desenvolvimento para o século 21. Pochmann entende que “o atual processo de soerguimento do Estado se mostra fundamental e imprescindível, inclusive para que o país possa superar a maior crise dos últimos sessenta anos por meio da construção de novas bases de desenvolvimento” (p. 12). O autor aponta que, no Brasil, após muito tempo a base da pirâmide social não arcou com o maior peso da crise internacional de 2008, favorecendo o despertar do componente diferenciador e indispensável para a saída rápida da recessão. Ressalta, aqui, que na crise econômica, mais de meio milhão de pessoas saíram da condição de pobreza e houve decadência da desigualdade de renda no trabalho. Entende que a força do Estado, com a mediação da opção governamental de viabilizar a ação das instituições bancárias públicas e de protagonizar políticas anticíclicas, implicou ao país melhores condições do que aquelas que predominavam no período pré-crise. Conclui essa reflexão afirmando que “o novo ainda não está maduro, tampouco o velho disse adeus, mas os sinais que se tem atualmente antecipam o quanto o rumo parece estar correto” (p. 14). Para o autor, já existe no país a base para

construção de seu futuro. A possibilidade de garantia do bem-estar do povo depende das decisões sensatas e humanas com base no planejamento e do apoio de uma nova maioria política. Nessa reflexão que o autor desenvolve, exposta até aqui, estabelece nexos entre políticas sociais, desenvolvimento e a crise contemporânea do capitalismo, e apresenta com clareza a perspectiva do novo desenvolvimentismo, que se funda “no equilíbrio entre o crescimento econômico e desenvolvimento social, adjetivados de autossustentáveis econômica, social e ambientalmente” MOTA (2012, p. 34), pela mediação da intervenção do Estado e por meio do planejamento com apoio estatal. A reflexão de Pochmann é coerente com os dados oficiais que ele apresenta ao longo dos cinco capítulos que estruturam o seu livro, ora em discussão, e com a perspectiva ideológica que fundamenta a análise desses dados e as perspectivas novas que ele apresenta para o Brasil, em alguns dos desafios que o autor aponta como circunscritos ao desenvolvimento brasileiro no começo do século 21. Esses desafios são apresentados no capítulo 5, a partir de uma análise detalhada que Pochmann desenvolve sobre a temática do desenvolvimento brasileiro, considerando diferentes dimensões históricas nacionais. Sobre essas dimensões, Pochmann distingue dois padrões de desenvolvimento no desempenho econômico e social: a sociedade agrária com predominância até o século 18; e a sociedade urbano-industrial. Sobre o primeiro padrão, o autor expõe no capítulo 1 - A longeva sociedade agrária no Brasil - uma recuperação histórica dos principais aspectos que marcaram a experiência da sociedade agrária no Brasil, com duração de 430 anos, durante os regimes Colonial (1500/1822) e Imperial (1889/1930). Ainda nesse capítulo faz uma breve reflexão sobre o período de transformações na construção da sociedade urbano-industrial, entre a Revolução de 1930 e a crise da dívida externa (1981/1983), destacando aspectos essenciais desse processo, como o aprisionamento da pauta de exportação do Brasil, na sociedade agrária, a produtos primários exportados; e apresenta como exemplo que: “entre 1927 e 1929, o café representou quase 72% do total dos produtos exportados, enquanto entre 1821 e 1823, somente o algodão, açúcar e café significavam quase 70% do total de exportação nacional”. Em consequência desse quadro, segundo análise do autor, os países submetidos à Divisão Internacional do Trabalho na condição R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013 395

de exportadores de produtos primários eram os portadores de sociedades agrárias extremamente primitivas. Nesses países havia uma minoria, a ínfima elite, como denominada por Pochmann, cercada pela maioria da população em condição de pobreza absoluta. Naqueles países em transição para a sociedade urbano-industrial, a produção e exportação da manufatura se desenvolviam com maior produtividade e possibilitavam a formação de uma nova estratificação. Daí, o surgimento das massas trabalhadoras e da classe média não proprietária, indicando a complexidade e a superioridade da nova sociedade urbano-industrial frente ao agrarismo. No Brasil, os ciclos econômicos da sociedade agrária passam pela cana-de-açúcar no nordeste, pelo ouro nas Minas Gerais, e pelo café no sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro). Segundo análise do autor, uma das limitações da sociedade agrária se expressou pela baixa produção da produtividade do trabalhador ocupado. Isto porque, em geral, a produtividade se expressa pela relação da produção de bens e serviços por unidade de tempo, de acordo com o conjunto de fatores envolvidos na produção (máquinas, trabalhadores, matéria-prima, entre outros). Desse modo, a produtividade acaba por depender, também, “do grau de inovação tecnológica do parque produtivo, da qualidade e quantidade da força de trabalho e das matérias-primas envolvidas, bem como da divisão do trabalho e da organização e gestão da produção” (p. 31). A evolução da relação entre a produção total por trabalhador ocupado sofreu duas grandes alterações no Brasil, desde o último quarto do século 19. A primeira, a partir de 1930, no período de transição do Brasil da economia primário-exportadora para a sociedade urbano -industrial, tendo o mercado como centro dinâmico de acumulação do capital. A partir dessa passagem, entre 1930 e 1980, os ganhos de produtividade por trabalhador ocupado foram multiplicados por cinco vezes, enquanto no período de 1872 a 1930, a produtividade manteve=se praticamente estagnada. A segunda alteração se processou a partir da crise da dívida externa (1981-1983) com baixo dinamismo de produtividade registrado no país e expressiva oscilação da economia em curtos espaços de tempo. No capítulo 2 - Rápida e selvagem transição para a sociedade urbano-industrial -, o autor retoma a discussão da passagem da sociedade agrária para urbano-industrial, apontando que a mesma representou, em qualquer país, a 396 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013

possibilidade de acesso à condição socioeconômica superior, determinado pelo avanço da industrialização. Tal avanço, “implica construir nova base material necessária à superação de obstáculos, como por exemplo, a fome e a pobreza, que eram marcas inefáveis do primitivismo progresso das sociedades agrárias” (p.45). Nessa direção, o autor destaca que o desenvolvimento urbano-industrial não se deu espontaneamente como interpretava o pensamento liberal, mas a partir do compromisso de uma maioria política com a mudança econômica e social. Essa maioria política constituída por uma ampla frente ideológica foi gerada em 1930, mas já vinha se constituindo desde o final do século 19, a partir dos fracassos das forças progressistas compostas pelo conservadorismo da República Velha. Nesse mesmo período, outros movimentos se mostraram importantes, em face da capacidade crescente de mobilização social nos centros urbanos do país, tendo destaque, como exemplo, “a emergência do operariado concentrado nas primeiras indústrias, ampliação contida da classe média assalariada nos serviços públicos, o movimento cultural da semana e da arte moderna e as mobilizações militares” (p. 49). Desde a Revolução de 30, as principais transformações no Brasil ocorreram, fundamentalmente, nas cidades, uma vez que o meio rural permaneceu prisioneiro da tradição de velhas lideranças agrárias de característica escravagista, por um período mais prolongado. Conforme análise do autor, considerando que a nova maioria política não demonstrou força suficiente para transformar o agrarismo antiquado, as inovações e reformas se deram no meio urbano, onde a população se mostrou crescente. Pochmann acrescenta, ainda, que no referente às grandes regiões do país, a transição do agrarismo para a sociedade urbano-industrial reforçou a importância relativa do sul-sudeste que liderou o movimento da industrialização nacional. Em 1980, “as regiões sul-sudeste responderam por quase 60% do total da população, enquanto que em 1872 representavam menos de 46%. Para o mesmo período de tempo, a região nordeste perdeu 18,1 pontos percentuais em relação à sua participação relativa no total da população nacional” (p.50). No período entre 1930 e 1980, o autor ressalta que a produção nacional multiplicou-se em 18,2 vezes, o que permitiu uma nova estrutura econômica nacional necessária à conformação de sistema avançado de proteção social e trabalhista. Mas em que pese a sua

transformação, o Brasil não se mostrou suficiente para apresentar níveis de pobreza, homogeneização de mercado de trabalho e grau de desigualdade social, comparáveis a países com desempenho econômico similar. O ingresso na sociedade urbano-industrial não impediu reproduzir situações próprias da sociedade agrária. Isto é, o expressivo crescimento econômico não levou naturalmente à construção de uma sociedade justa, democrática e socialmente menos desigual” (p. 62). Desse modo, durante cinco décadas de duração da passagem para centro urbano e industrial no Brasil, foi consolidada uma sociedade com os extremamente ricos, a classe média não proprietária e ampla maioria da população na base da pirâmide social. A seguir, no capítulo 3 - Ciclo de financeirização e polarização social, Pochmann se refere a um período histórico que se sucede ao esgotamento do projeto de industrialização nacional nas duas últimas décadas do século 20 e centra a sua reflexão em três eixos: o primeiro se refere aos sinais de decadência nacional, a partir do final do desenvolvimentismo, na década de 1970; o segundo diz respeito ao que o autor denomina “hegemonia de curtoprazismo e asfixia estatal”; e o terceiro, também denominado pelo autor como “rumo à sociedade dos dois quintos”. Na abordagem do primeiro eixo, Pochmann refere-se ao esgotamento do padrão de financiamento do ciclo de expansão das economias capitalistas desde o segundo pós-guerra mundial, colocado em evidência pela crise econômica de 1973. Destaca, em relação a esse esgotamento, o agravamento do ritmo inflacionário, do baixo dinamismo e do desarranjo das finanças públicas provocado pelas políticas de corte keynesiano, voltadas tradicionalmente à reativação econômica, as quais não produziram, em geral, os mesmos resultados esperados na década de 1970. Aponta, ainda, a revisão do Estado provocada pela adoção de políticas neoliberais no início da década de 1980, bem como a elevação na taxa de juros e a abertura comercial financeira, ambas determinadas, também, pelo neoliberalismo. Aqui, considero importante destacar que essa revisão do Estado apontada por Pochmann se constitui a estratégia do grande capital de “redução do Estado”, corporificada pelo programa tatcherista num processo de ajuste que objetiva diminuir o ônus do capital no esquema geral da reprodução da força de trabalho. Não há, portanto, apenas uma revisão do Estado sem consequências significativas para as classes subalternas.

Assim, como assinala o autor, com a reestruturação econômica dos Estados Unidos, foi possível, não apenas o “ajustamento do conjunto das economias capitalistas, que foram impelidas a se reposicionar no mundo, como ocorreu, ao final da década de 1980, a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética, passando os Estados Unidos a exercer um papel de império no mundo. A economia estado -unidense só sofreu sinais de decadência que tendem, segundo o autor, à constituição de um mundo multipolar, com a crise de 2008, que se caracteriza como uma crise capitalista de grande dimensão. Esse quadro, como é destacado por Pochmann, tem seu início a partir do final da década de 1970 com a opção dos Estados Unidos pelo receituário neoliberal. Isto resultou na adoção de um conjunto de medidas macroeconômicas que deu lugar ao avanço da globalização financeira, conforme análise do autor, e de uma nova divisão internacional de trabalho, a partir do deslocamento de parte da produção dos países ricos aos não desenvolvidos, por intermédio de grandes corporações transnacionais a operarem em redes e com tecnologias inovadoras de informação e produção. Essas medidas de reestruturação econômica, em particular a elevação na taxa de juros, implicaram, nos países periféricos, constrangimentos crescentes ao avanço do endividamento externo estabelecido até então associado ao impulso interno da produção de bens e serviços. Desse modo, “os países endividados passaram a gerar alguns saldos no comércio externo (exportação menos importação) capazes de prover recursos geralmente compatíveis com o cronograma de pagamento gradual do estado da dívida, em conformidade com o receituário do FMI. Esse resultado se mostrou extremamente favorável aos interesses dos Estados Unidos” (p.84). No Brasil, esse quadro geral dos países endividados refletiu diretamente, desde a década de 1980. Conforme análise de Pochmann, o país conviveu entre os anos de 1981 a 1983 com forte recessão interna, destacada pelo autor como a primeira após a grande Depressão de 1929. Conforme essa análise, na mesma proporção em que a recessão implicou a queda do consumo interno, acompanhada da reorientação para exportações, houve, em consequência, o abandono progressivo das possibilidades de continuidade do projeto de desenvolvimento fundado na expansão do mercado nacional. Assim, além do constrangimento do dinamismo econômico nacional evidenciado a partir de 1981, no Brasil, Pochmann registra, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013 397

por consequência, o aparecimento de problemas econômicos sociais que se agregaram às velhas mazelas do país. “O surgimento do desemprego urbano em massa ampliou decisivamente o excedente de mão de obra, especialmente juvenil, recolocando adicionalmente maior vulnerabilidade a diferentes segmentos sociais” (p.86, 87). O autor ressalta, ainda, que a persistência da imposição do ajuste exportador desencadeou um longo processo de desajuste econômico e social. A implantação desse ajuste, para o enfrentamento da crise da dívida externa, continuada por políticas de estabilização monetária desfavoráveis à volta do crescimento do mercado interno sustentado durante a década de 1990, evidenciou a continuidade dos sinais de decadência nacional registrados a partir de 1981 no país. No segundo eixo, o autor aponta os compromissos do país com as altas finanças internacionais e que, à medida que foram atendidos, os fundamentos internos da economia brasileira foram sendo profundamente fragilizados. Desse modo, o Brasil ingressou ao final do século 20, em um contexto de mais de duas décadas de baixo dinamismo econômico, alta inflação e desorganização das finanças públicas, cabendo ao Estado o maior peso do ajuste econômico, desde a crise da dívida externa. Nessa condição, chamada pelo autor de asfixia estatal, o Estado foi guiado por dois grandes eventos: o primeiro relacionado a desenvolvimento de uma macroeconomia financeira para dar conta à crescente perspectiva de taxa de lucro do setor privado; e o segundo relacionado às exigências da conquista do regime democrático, desde o estabelecimento da Nova República, em 1985. Tal regime pressupõe o atendimento mínimo dos interesses populares, como se verificou como parte das demandas sociais, especialmente com a Constituição Federal de 1988. Para Pochmann, o movimento de redemocratização política, simultâneo à adoção do ajuste exportador, no início da década de 1980, possibilitou o avanço das políticas sociais. Pois, apesar do dinamismo econômico medíocre, o peso do gasto social em relação ao produto interno cresceu de forma inequívoca no Brasil. Segundo o autor, “em grande medida, a Constituição de 1988 estabeleceu novas bases para o desenvolvimento do Estado de bem-estar social mediante a diversificação dos atendimentos, a sofisticação dos conteúdos das políticas públicas e a ampliação da cobertura nos benefícios e na prestação dos serviços direcionados cada vez mais à universalização” (p. 99). 398 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013

Ainda sobre a redemocratização política, o autor ressalta que o resultado da constitucionalização dos direitos se expressou na ressignificação dos princípios da justiça e solidariedade, permitindo que o gasto social avançasse relativamente ao produto interno bruto (PIB) e passasse a apresentar resultados de melhoras importantes no bem-estar geral da população. Por outro lado, o autor aponta que nos anos 1990, os avanços do total dos gastos sociais em relação ao PIB foram bem menores (aumento de 2,6%) dos observados durante as décadas de 1970 (3,6%) e 1980 (36,6%) e de 2000 (15,9%). Ainda neste segundo eixo o autor faz uma reflexão importante sobre a expansão do gasto social em plena vigência do neoliberalismo no Brasil. Segundo ele, inicialmente, pela modernização e concentração das políticas econômicas em torno de diversos instrumentos de gestão monetária, fiscal e financeira voltados para o aperfeiçoamento da máquina pública; acrescenta, ainda, que outros avanços foram alcançados na organização das finanças públicas, por meio de capacitação de quadros e órgãos de fiscalização, do acompanhamento e controle de processos e de transparência no uso dos recursos. Ou seja, a racionalização da máquina pública, concomitante com a elevação da arrecadação fiscal. O terceiro eixo de discussão do autor, sobre o ciclo de financeirização e polarização social é centrado na questão da inclusão dos brasileiros aos frutos do crescimento econômico, evidenciada pelo capitalismo do país, por meio da mobilidade social ascendente, embora em um contexto de extrema desigualdade. Nessa perspectiva, o autor registra em sua análise, que “o avanço da inclusão social, especialmente em termos de incorporação no sistema social, terminou sendo fortemente contido a partir da crise da dívida externa” (p. 109). Pois, até então, houve avanço econômico, materializado pela ampliação dos empregos formais, permitindo assegurar, minimamente, alguma forma de proteção social ou trabalhista. Entretanto, pondera o autor, nas duas últimas décadas do século 20 a mobilidade social perdeu efeito, enquanto a sociedade entrou numa fase de congelamento da estrutura social. Ainda na mesma direção de análise, Pochmann se refere à perda do dinamismo econômico durante as duas últimas décadas do século 20, indicando que dentre as suas implicações negativas para o funcionamento do mercado de trabalho, a principal foi a insuficiente abertura de novas vagas, que ficou aquém do ingresso da mão de obra no interior

do mercado de trabalho. Além da elevada taxa de desemprego o autor aponta, ainda, o comportamento desfavorável do rendimento do trabalhador. Principalmente em relação à evolução do PIB, que cresceu 2,8% ao ano, o rendimento médio real do ocupado aumentou somente 1,1 ao ano em média entre 1976 e 2006. Paralelamente ao avanço do desemprego é observado, ainda, segundo análise do autor, o avanço da precarização do trabalho. Como síntese de sua reflexão sobre essa questão, o autor afirma que “as opções tomadas pelo Brasil durante as duas últimas décadas do século 20 terminaram por reduzir a capacidade de inclusão social. O congelamento da estrutura social indicou o quanto as famílias privilegiadas pelo ciclo de financeirização da riqueza foram beneficiadas pelo rentismo no topo pirâmide social, a tal ponto de restabelecer o avanço da imensa horda de serviçais” (p. 115). O desemprego pressiona parcela da força de trabalho sobrante a submeter-se a atividades para famílias ricas por remuneração extremamente baixa. Como consequência desse quadro, o autor aponta uma “conformação de uma sociedade composta por um arquipélago de ilhas de famílias rodadas por legiões de prestadores de serviços pessoais.” Um verdadeiro exemplo de polarização social evidenciado pelas possibilidades de constituição de um país para somente 2/5 de sua população. Os capítulos 4 e 5 referem-se, respectivamente, à emergência do social-desenvolvimentismo e ao desenvolvimento do limiar do século 21. Sobre o social-desenvolvimentismo, as reflexões de Pochmann estão centradas em três eixos: despertar de uma nova maioria política; da financeirização ao produtivismo e a efervescência na base da pirâmide social. No primeiro, parte da ideia do descrédito do projeto de desenvolvimento brasileiro ancorado no neoliberalismo, desde o início do século 21, apesar de segmentos da elite persistirem prisioneiras pelos pressupostos constituídos, segundo ele, “por quem não existe mais”. Aqui o autor deixa claro a sua visão quanto à ausência do ideário neoliberal no Brasil contemporâneo. Com base nessa premissa e concebendo a transição socioeconômica atual como sistêmica e estrutural, por atingir a estrutura da base sobre a qual se erige a sociedade capitalista no Brasil, considera que as medidas adotadas no século passado jamais terão sucesso no século atual. Destaca, nessa direção, que o avanço tecnológico combinado com a difusão de múltiplas cadeias de produção em

redes planetárias possibilita a distinção entre trabalho de concepção e trabalho de execução. Ainda nessa trilha de raciocínio, é destacada a conformação de uma nova divisão internacional do trabalho concentrando a concepção, sobretudo em países ricos, e a execução em países pobres. A concepção, com exigência de qualidade compatível com remuneração e condições de trabalho menos incivilizadas; e a execução geralmente pouco qualificada, sub -remunerada e com condições de exploração comparáveis às da flexibilidade laboral do século 19. Desse modo, na análise do autor, diversos organismos governamentais e instituições não governamentais com vínculos a grandes grupos econômicos transnacionais ainda defendem ações estatais somente pontuais e focalizadas na regulação social competitiva. Daí a proposta do autor de uma nova agenda civilizatória que, segundo ele, “permite ser defendida a partir de uma maioria política travestida pela coalizão interclasses sociais, capaz de compreender - no plano nacional- a reunião desde as famílias de maior renda plenamente incluídas no atual padrão de produção e consumo, até os segmentos extremamente miseráveis da população” (p. 121) No segundo eixo é retomada a forte crítica ao pensamento neoliberal, sobretudo em relação às finanças que, segundo o autor, a partir da redução do Estado, passaram a funcionar como um fim em si mesmo, como se a riqueza pudesse ser criada sem passar pela economia real. Chama a atenção, ainda neste eixo, que ao contrário do paradigma anterior de mudanças, que exigia o afastamento do Estado para o pleno funcionamento dos mercados, prevalece a atual força da realidade. Isto é, a pressão das forças de mercado para que o Estado avance mais e de forma mais rápida frente à emergência da crise internacional. O Estado forte torna-se amplamente compatível com a força do mercado, indo de encontro “à máxima do pensamento neoliberal de que menos Estado representaria mais mercado e vice-versa”. O cerne de análise desse eixo constitui-se, portanto, à relação entre Estado, sociedade e mercado, na perspectiva do reposicionamento dos mesmos em face das mudanças em curso no conjunto da sociedade e construção de um Estado forte, nessa relação. Nessa perspectiva, o autor retoma alguns momentos históricos já analisados em capítulos anteriores, enfatizando aspectos fundamentalmente econômicos, articulados ao uso das finanças do Estado e às políticas econômicas e sociais e conclui a reflexão, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013 399

neste eixo, apontando que “a base da pirâmide social brasileira conta atualmente com uma rede de garantia de poder de compra originária nos programas de transferências condicionadas de renda [...] e que o Brasil conta atualmente com 34,1% da população, sobretudo a de menor rendimento, protegida com algum mecanismo de garantia de renda, o que constitui algo inédito em relação a outros períodos de forte desaceleração econômica do país”. O terceiro eixo trata da efervescência na base da pirâmide social, dando continuidade à análise das inflexões ocorridas nos diferentes períodos históricos objetos de reflexão do autor, centrando a discussão em torno do movimento de ascensão social, caracterizado por meio da identificação do crescimento da renda individual relacionado à renda per capita nacional. Destaca que as importantes modificações na estrutura social brasileira estão diretamente relacionadas à recente trajetória de ascensão social. Acrescenta nessa direção da análise que, “entre 2001 e 2008, o movimento de ascensão social apontou relativamente maior diferenciação na passagem para o terceiro estrato de renda no Brasil para os indivíduos detentores de telefone e máquina de lavar quando comparado com aqueles que passaram para o nível de rendimento intermediário. [...] Essas informações apontam para o retorno da mobilidade social ascendente no Brasil”. O capítulo 5 desdobra-se em três subitens que tratam, respectivamente, da “crise de 2008 e nova fase de acumulação capitalista”; dos desafios ao necessário reposicionamento brasileiro; e as tarefas dos progressistas. Trata a crise de 2008 a partir da premissa de que as crises periódicas de capitalismo são momentos históricos em que antigas formas de valorização do capital sinalizam certo esgotamento, enquanto as novas formas não se apresentam plenamente maduras na dinâmica mundial. Assim, em 2008, a crise do capitalismo globalizado evidenciou “os limites do modelo da sociedade com a concentração de riqueza entre poucas famílias e a monopolização dos meios de produção em mãos em não mais de 500 grandes corporações transnacionais” (p. 159). Nessa mesma trilha de análise da crise mundial, na primeira década do século 21, o autor concebe que referida crise poderá ser identificada, no futuro, como as bases de uma nova fase do desenvolvimento capitalista, uma vez que a crise atual é apresentada como a primeira no contexto do capital globalizado. Pois “as grandes depressões anteriores, de 1873 e 1929, ocorreram num mundo ainda constituído por 400 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013

colônias ou pela presença de experiências nacionais de economias centralmente planejadas” (págs 160 e 161). Ainda neste 1º subitem do capítulo 5, o autor estabelece comparações entre o “modelo de globalização neoliberal ‘anterior à crise’ e o ‘contexto pós-crise’” e conclui a sua análise comparativa afirmando que “a ruína da crença neoliberal explicitada pela crise atual tornou profundamente desacreditada tanto a viabilidade dos mercados desregulados como a suficiência do sistema financeiro internacional aventado dos derivativos” (p. 162). O 2º subitem deste capítulo aponta alguns dos principais desafios circunscritos ao desenvolvimento brasileiro no começo do século 21. Para o autor, a nova fase do desenvolvimento do capital tende a depender da reorganização do capitalismo, pois “os quatro pilares do pensamento único (equilíbrio de poder aos Estados Unidos, sistema financeiro internacional fundado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados) tornaram-se cada vez mais desacreditados”. Desse modo, conforme análise do autor, o capitalismo mundial pós-crise deve apoiar numa nova dinâmica o seu processo de reorganização. A partir da análise do descrédito do neoliberalismo e dos pilares do pensamento único são apresentados no 2º subitem deste capítulo alguns dos principais desafios circunscritos ao desenvolvimento brasileiro no começo do século 21. As principais questões apresentadas como “desafios ao necessário reposicionamento brasileiro” são as seguintes: 1) A questão demográfica nacional, tendo em vista que nas próximas duas décadas o Brasil deverá alcançar o teto de sua população estimado em 207 milhões de habitantes e não mais 240 milhões como evidenciaram as projeções anteriores, a queda na taxa de fecundidade entre 1992 e 2008 e, consequentemente, o aumento do envelhecimento da população, considerando a elevação na expectativa de vida e a menor presença relativa de segmentos mais jovens; 2) a promoção do desenvolvimento em conexão com a sustentabilidade ambiental; 3) a situação regional brasileira; 4) a retomada dos investimentos públicos e privados que, a partir de 2004, passou a crescer acima da produção, considerada pelo autor como uma questão decisiva para o reposicionamento do desenvolvimento brasileiro. O último subitem deste último capítulo trata das “tarefas dos progressistas”, indicada pelo autor, a partir de uma revigorada reflexão sobre a economia brasileira e sua trajetória privatista e

de inserção externa subordinada aos interesses dos países ricos dos anos 90. Assim, uma tarefa urgente é a refundação do Estado como meio necessário para o desenvolvimento do padrão civilizatório contemporâneo em conformidade com as possibilidades do século 21. Nessa perspectiva, três grandes eixos são destacados como estruturadores do novo Estado: o primeiro refere-se à constituição de novas institucionalidades na relação do Estado com o mercado; o segundo deve resultar da revolução na propriedade que impulsiona uma relação mais transparente, democrática e justa com toda a sociedade; e o terceiro e último eixo, que reside na profunda transformação da gestão pública. Para Pochmann, “muito mais do que anunciar as dificuldades da crise global, cabe ressaltar as oportunidades que dela derivam, como a realização de uma profunda reforma do Estado que viabilize o alcance das condições pós-crise para sustentação do novo desenvolvimento ambiental, econômico e social” (p. 179). Concluindo, devo ressaltar que a obra de Pochmann sobre “Desenvolvimento e perspectivas novas para o Brasil” instiga o leitor para sua análise, pela sua densidade histórico-conceitual e pelo rigor teórico-metodológico do autor, bem como pela sua clareza na exposição da trajetória de diferentes momentos históricos do desenvolvimento da sociedade brasileira, permitindo o acesso amplo a diferentes segmentos da sociedade, com formações diversificadas. É uma produção acadêmica política de grande relevância para o debate universitário como também em outros espaços organizativos da classe trabalhadora e da sociedade como totalidade. Faz uma abordagem séria e sistemática, apresentando uma riqueza de dados sobre a realidade brasileira, os quais podem ser analisados em diferentes perspectivas teórico-metodológicas e político-ideológicas. Não obstante a valiosa contribuição de Pochmann para o debate acadêmico-político da questão do desenvolvimento na atual crise do capitalismo, dentre outros aspectos relevantes, já destacados sobre a obra, considero, também, importante, ressaltar algumas tendências do autor na análise que desenvolve dos diferentes momentos históricos do país, bem como dos desafios apresentados e do que ele denomina como “novas perspectivas para o Brasil. Na minha leitura desta obra, observo algumas tendências do autor para: 1) priorizar a reflexão sobre o que possa impedir ou impelir o desenvolvimento, em detrimento da produção de conhecimento sobre as relações essenciais para a organização e transformação da sociedade capitalista; 2) realçar o crescimento econômi-

co como valor primeiro, na suposição da garantia progressiva de prosperidade para todos e de que este implicará, inexoravelmente, ao desenvolvimento social; 3 ) atribuir grande relevância ao planejamento, bem como às políticas sociais mediadas pelo Estado, sem levar em conta, pelo menos explicitamente, o caráter compensatório dessas políticas; 4) o não reconhecimento da crise contemporânea do capitalismo como uma crise sistêmica, mas como uma crise cíclica ou uma das crises periódicas próprias do capitalismo em momentos de profunda reestruturação. Tais tendências me impelem a: 1) reafirmar que a perspectiva política ideológica do autor é o neodesenvolvimentismo, perspectiva adotada pelo governo brasileiro, sustentada pela combinação de financeirização, crescimento econômico e políticas sociais compensatórias; conceber que os desafios e propostas apresentadas pelo autor para o enfrentamento da crise, podem se constituir propostas ilusórias, haja vista a apologia ao neodesenvolvimentismo que se apresenta insustentável e sem consistência para o enfrentamento de uma crise de natureza sistêmica que se manifesta envolvendo toda a estrutura da ordem do capital. REFERÊNCIAS CARDOSO, M. L. Entrevista: A Ideologia persistente do desenvolvimento. Em Pauta Crise e Desenvolvimento. Revista da Faculdade de Serviço Social do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 1. sem. 2013. MOTA, A. E. Redução da Pobreza e aumento da desigualdade social: um desafio teórico-político para o Serviço Social. In: MOTA. A. E. (Org.). Desenvolvimento e Construção da Hegemonia: crescimento econômico e reprodução da desigualdade social. São Paulo: Cortez, 2012. Notas 1

CARDOSO, Miriam Limoeiro: Ideologia do desenvolvimento, Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

Franci Gomes Cardoso Assistente Social Doutora em Serviço Social pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP Professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Cidade Universitária do Bacanga Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga, São Luís - MA CEP:65080-580. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 394 - 401, jul./dez. 2013 401

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do Programa de Volta para Casa Andréia Cristina Barreto Centro Universitário UNA Raquel Garcia Gonçalves Centro Universitário UNA

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa Resumo: Desenhado em torno do tema da avaliação da política da criança e do adolescente, o presente artigo tem como objetivo apresentar os principais resultados encontrados na pesquisa de mestrado sobre a parceria entre Estado e Organizações Não Governamentais (ONGs) na execução do programa De Volta Para Casa. Para a análise do problema apresentado, foi feita uma pesquisa qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas, e uma minuciosa análise documental dos relatórios de gestão dos anos de 2008 a 2010. Conforme mostra a pesquisa, as dificuldades na gestão, especialmente no monitoramento e avaliação, interferem diretamente na qualidade das ações e nos resultados alcançados. Os dados apontam que as atividades de avaliação têm importância significativa nos problemas de gerenciamento das políticas e programas sociais. Além disso, sinalizam a complexidade do tema da avaliação no campo social, especialmente, no seu caráter técnico/instrumental para atuação na prática. Palavras-chave: Gestão Social, Avaliação, Organizações Não Governamentais. EVALUATION OF PUBLIC POLICIES: An analysis of the Program “De Volta Para Casa” (Back Home) Abstract: Developed around the theme of politics evaluation of the children and adolescent, the present article has as an objective to introduce the best results found in master degrees research around the theme of partnerships between Government and Non-governmental Organizations (ONGS) in the execution of the program “De Volta Para Casa” (Back Home). For the analysis of the mentioned issue, it was made a qualitative research, with semi-structural interviews, and a strong documental analysis of the 2008 to 2010 management reports. As the research shows the difficulties in the management, specially in rating and monitoring impact directly on the quality of the actions and in the achieved results. The data shows that the activities of evaluation have significative importance at the problems of management of the politics and social development programs. Beyond that they show the complexity of the subject of evaluation in the social field, particularly in its technical character / instrumental in practice Keywords: Social management, Evaluation, Non-Governmental Organizations. Recebido em: 28/02/22013. Aprovado em: 06/11/2013. 402 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa

1 INTRODUÇÃO O presente artigo é originário da dissertação do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA (Belo Horizonte - MG). Enredado em torno do tema da avaliação das políticas sociais, faz uma breve reflexão das parcerias entre Estado e Organizações Não Governamentais (ONGs) na execução da política da criança e do adolescente no contexto do Programa De Volta Para Casa no estado de Minas Gerais. Partindo do trabalho realizado, o objetivo é apresentar um recorte da pesquisa de mestrado, a fim de proporcionar uma discussão sobre a importância da avaliação dentro da perspectiva da gestão social, trazendo alguns elementos que possam suprir o déficit de avaliação nessa área. Destaca-se que, nos últimos anos, aumentou consideravelmente a demanda por métodos que permitam avaliar a eficiência do gasto público. Os acentuados interesses pelos processos e técnicas de avaliação de projetos, programas e políticas sociais possuem múltiplos determinantes, dentre eles o grande volume de recursos públicos que, nas três esferas de governo, tem sido investido em programas e projetos em parceria, que exigem a sistematização das informações e, consequentemente, uma avaliação. Desse modo, o artigo apresenta, na primeira parte, uma breve exposição do arcabouço teórico sobre o tema da avaliação, ressaltando a variedade de conceitos e metodologias utilizadas pelos estudiosos da matéria. A seguir, apresenta uma visão do contexto da política para infância e adolescência no Brasil, e, por fim, um recorte da pesquisa realizada com o Programa De Volta Para Casa e os resultados encontrados, fazendo uma reflexão a partir da teoria, como se dá na prática a avaliação de Políticas Públicas. 2 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Remonta aos anos de 1930, nos Estados Unidos, uma das primeiras referências sobre avaliação de políticas públicas1. Trata-se de um estudo desenvolvido por Ralph Tyler, para avaliar um programa de ensino sobre rendimento escolar, sendo considerado o marco das avaliações naquele país. Na França, as referências em relação à experiência com avaliação de políticas públicas datam de meados de 1960, quando a administração pública tentou estabelecer indicadores de custos e dos efeitos previsíveis dos progra-

mas administrativos. Gradativamente, a França incorporou, em sua gestão, a avaliação que se desenvolveu no campo das ciências sociais e no vocabulário da administração. Em 1980, instaurou-se no país um marco para as avaliações de políticas públicas que, em meio ao contexto de crise econômica, tornou-se uma peça importante para controlar os custos com as ações sociais. No contexto da América Latina, segundo Mokate (2002), “a partir de 1990, inicia-se um questionamento sobre o papel e a eficiência do setor público.” Esse questionamento possibilitou abrir novas iniciativas para planejar e colocar em prática processos eficazes de avaliação. No Brasil, particularmente, não havia, até meados da década de 1980, uma tradição de avaliação de políticas e programas sociais. Essa prática é relativamente recente e desponta após o período de redemocratização do país e do boom dos movimentos sociais em prol dos direitos sociais, da maior transparência e do controle social. Há cerca de quinze anos, as organizações que atuam no campo social no Brasil, influenciadas em grande medida pela cooperação internacional, começavam a se deparar com questões relativas à avaliação de seus programas e ações. Igualmente, os governos brasileiros também atentam para o assunto que historicamente foi deixado de lado. Contudo a preocupação com as melhorias da gestão do setor público sempre esteve muito mais voltada para os processos de formulação do que para a avaliação propriamente dita. As evidências apontam que esse desinteresse histórico começa a mudar a partir da década de 90, cunhado especialmente pelas reformas no setor público, com a adoção dos princípios da eficiência e eficácia. Além disso, o alto investimento nas políticas sociais chama a atenção do mundo e cresce o interesse de pesquisadores. Nessa conjuntura de reforma do Estado e ajuste econômico, a descentralização juntamente com a abertura para a participação da sociedade civil na execução dos programas e projetos sociais passa a ser uma das características marcantes do impulso dado à avaliação no país. Para Faria (2005), entre as décadas de 80 e 90, a avaliação das políticas públicas foi colocada a serviço da reforma do setor público. Entretanto, em que pese o grande impulso experimentado pelas iniciativas de avaliação das políticas públicas, as iniciativas na área social R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013 403

Andréia Cristina Barreto, Raquel Garcia Gonçalves

foram ainda mais lentas e os seus resultados pouco têm produzido modificações significativas nos rumos das políticas e programas.

[...] há uma dificuldade de incorporação dos resultados da avaliação nas decisões governamentais, no sentido de orientarem ou reorientarem o planejamento e a execução das ações. Com efeito, especialmente no Brasil, dada à falta de tradição e de uma cultura avaliativa, os produtos das avaliações costumam ser, na maioria das vezes, engavetados, servindo muito mais para atender às exigências pré-estabelecidas pelos organismos financiadores e de controle. (FARIA, 2005, p.60)

Faria assinala, ainda, que o momento da reforma do setor público tem a prerrogativa de dois supostos básicos: A adoção de uma perspectiva de contenção dos gastos públicos, de busca de melhoria da eficiência e da produtividade, de ampliação da flexibilidade gerencial e da capacidade de resposta dos governos, bem como de maximização da transparência da gestão pública e de responsabilização dos gestores, em um processo no qual o “consumidor” dos bens e serviços públicos estaria, supostamente, em primeiro plano. O segundo propósito ou expectativa é de que tais reformas pudessem contribuir para uma reavaliação da pertinência das organizações governamentais preservarem todo o seu leque tradicional de atribuições, prevalecendo um contexto de valorização da provisão privada de bens e serviços. (FARIA, 2005, p.99)

Dessa forma, a demanda por avaliação emerge dos financiadores, das organizações e dos governos que passam a compreender que prestar contas de sua atuação vai além da utilização do recurso financeiro. A sociedade exige mais transparência, e o impacto das ações torna-se cada vez mais essencial de ser demonstrado com dados e informações verificáveis. Avaliar políticas e programas sociais tornou-se um desafio, um dever ético dos dirigentes e governantes, uma ação estratégica e imprescindível para a captação de recursos. Nesse contexto, cresce a demanda por avaliações, apesar de ainda serem sutis as publicações brasileiras encontradas, havendo muitas traduções norte-americanas e adaptações no campo da administração. Também são frágeis as experiências concretas, nas quais a 404 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013

avaliação faz parte de todo o ciclo dos programas e projetos sociais. Logo o tema ganha espaço no discurso dos profissionais, nas discussões cientificas e metodológicas. É verídico que as ações sociais tomaram outro formato e saem do campo das “boas intenções” para uma ação mais profissional e preocupada com resultados. No entanto o que se percebe é que a prática ainda está longe do discurso. Os relatórios e documentos brasileiros revelam que a função da avaliação nas políticas sociais do país foi incorporada a um modelo inovador de planejamento e gestão pública e tem apresentado uma grande variedade de conceitos e abordagens em relação à função de avaliar, especialmente no contexto da experiência de planejamento, em gestão governamental e em desenvolvimento de programas sociais em nível federal. Não obstante isso, as experiências de avaliação ainda são insuficientes e insatisfatórias, marcadas pela descontinuidade e pouca sistematização dos resultados. Além disso, as avaliações de políticas e programas sociais no Brasil enfrentam outro desafio: a complexidade de uma realidade de pobreza, desigualdade e exclusão social, que superam, muitas vezes, a capacidade de respostas desses programas. 2.1 Conceitos a partir de um arcabouço teórico Para iniciar esta discussão, uma pequena definição do termo avaliação apoia e norteia os caminhos que serão percorridos daqui em diante. De acordo com o dicionário Aurélio2, avaliação é o valor determinado por peritos, uma apreciação. No sentido lato, avaliar é atribuir valor a algo, em que, baseado em critérios, medem-se os méritos. De um modo geral, sinaliza uma forma de conhecer e orientar as ações, portanto, tratase de uma prática sistemática que está longe da ideia do senso comum de punição. Conforme Belloni (2001, p.14), “avaliação é uma ação corriqueira e espontânea realizada por qualquer indivíduo acerca de qualquer atividade humana”. Quanto à avaliação, no que concerne às políticas, programas e projetos sociais, sem muita pretensão de indicar um conceito único, pois o conceito admite inúmeras definições, serão apresentadas, logo a seguir, considerações que facilitarão atingir o propósito deste trabalho. Não obstante, também nos determinantes

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa

do processo de avaliação, pode-se perceber que o tema da avaliação, quando relacionado a projetos, programas ou políticas sociais, de acordo com Almeida (2008), precisa ser analisado sob a ótica de um referencial mais amplo que inclui temas como políticas públicas; controle social; gestão democrática; entre outros. Por sua vez, esses temas podem ser analisados, segundo distintas perspectivas teóricas que orientam diferentes métodos e instrumentos de análise. Ala-Harja e Helgason (2000) indicam que não existe consenso quanto ao que seja avaliação de políticas públicas. Não há consenso quanto ao que seja avaliação. O conceito admite múltiplas definições, algumas delas contraditórias. Isso se explica pela variedade de disciplinas (economia, formulação de políticas e procedimentos administrativos, estatística, sociologia, psicologia, etc.), instituições e executores, além da gama de questões, necessidades e clientes abrangidos. (ALA-HARJA; HELGASON, 2000, p.7).

Igualmente, nesse universo das avaliações, Ala-Harja e Helgason (2000, p.8) afirmam que: “o termo compreende a avaliação dos resultados de um programa em relação aos objetivos propostos”. De acordo com Garcia (2001) e Aguilar e Ander-Egg (1994), avaliação: É uma operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa organizacional, a partir de um quadro referencial ou padrão comparativo previamente definido. Pode ser considerada, também, como a operação de constatar a presença ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de uma ação empreendida para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de aceitabilidade pretendidos. (GARCIA, 2001, p.31) A avaliação deve ser fruto de um processo sistematizado a partir de valores ou julgamentos por parte daqueles que buscam estimar determinada ação ou programa, pois com ela é possível identificar problemas e corrigi-los. (AGUILAR; ANDER-EGG, 1994, p. 31-32)

Já no entendimento do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE3, citado por Mokate (2002, p.4), “o propósito da avaliação é

determinar a pertinência e alcance dos objetivos, a eficiência, efetividade, impacto e sustentabilidade do desenvolvimento”4. Ainda, segundo Mokate (2002), a avaliação deve proporcionar informação que seja factível e útil para permitir ser incorporada na experiência e no processo de tomada de decisão. Nas Políticas Públicas, em especial nas políticas sociais, a avaliação é um elemento importante que gera aprendizado e a busca de soluções para os problemas e desafios, além de aprofundar o conhecimento nas estratégias, na realização dos objetivos e fornecer dados verificáveis que aumentem a transparência e tornem públicos os efeitos e impactos. Conforme Ander-Egg (1994), as atividades de avaliação propiciam o comprometimento e responsabilização (accountability) dos atores e agentes em torno de objetivos a serem partilhados e conjugadamente alcançados. Para Januzzi (2005), a avaliação de uma política pública precisa ser um dos estágios de sua execução. Como instrumento de gestão, a avaliação deve integrar a política como atividade constante que englobe todas as fases, desde a identificação do problema até a análise das mudanças sociais advindas da intervenção. Olhando por essa ótica de Januzzi (2005), a avaliação tem duas dimensões que são tratadas por Lima (2010), como Dimensão Técnica e Dimensão Política. Na perspectiva da dimensão técnica, segundo Lima (2010), a avaliação visa a dar subsídios à decisão dos formuladores da política quanto à pertinência e à adequação dos programas/projetos diante da realidade que eles pretendem modificar. Ademais, ainda segundo a Lima (2010), na dimensão política, a avaliação tem um papel de socializar informações sobre o desenvolvimento e os resultados dos programas/projetos implementados, para que possa subsidiar a sociedade em suas lutas em prol de direitos e na formulação e encaminhamento de novas demandas à agenda pública. Dessa forma, são múltiplas as concepções a respeito do que é avaliação de políticas e programas e projetos sociais. Nessa perspectiva, as premissas gerais que parametrizam o processo de avaliação aqui analisado partem do pressuposto que avaliar significa estabelecer uma relação de causalidade entre um programa e seu resultado. É consenso, entre os autores citados, que a avaliação tem como principal objetivo estabelecer um valor ou julgamento sobre o significado e efeitos das políticas sociais e só tem sentido, se seus resultados forem utilizados para aperR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013 405

Andréia Cristina Barreto, Raquel Garcia Gonçalves

feiçoar a política. Além disso, a avaliação passa a configurar um mecanismo de controle do Estado que precisa prestar contas e ser mais eficiente com os gastos públicos. 2.2 Política da criança e do adolescente A infância e a adolescência têm sido, ao longo da história, foco de intervenção do Estado e da sociedade, com ações que ora se transformam em políticas públicas, ora são isoladas e de efeito paliativo. Entre os estudos realizados no campo das políticas públicas no Brasil, há um número considerável de trabalhos que falam sobre a política da criança e do adolescente. Uma das áreas de maior atuação governamental e não governamental na atualidade foi marcada no passado pela marginalização de uma infância pobre engendrada pelo Estado e pela igreja com atendimento assistencialista e caritativo e pela ausência de prioridade na agenda política dos governantes. O preceito histórico e social dos serviços de proteção à criança e ao adolescente, no Brasil, sinaliza como a realidade socioeconômica e cultural traçaram a questão da infância no país, com evidente inexistência de um sistema que garantisse a efetiva proteção aos meninos e meninas. A luta pelos direitos da infância e adolescência orientava-se até o final da década de 1980 com o objetivo de superar a concepção restritiva das políticas públicas que lhes era atribuída devido a não maioridade (SPOSITO; CARRANO, 2003). Em 1988, com a Constituição Federal, a sociedade viu-se mobilizada para propor ações que pudessem superar as situações excludentes e, como fruto dessa participação, deu-se a redação do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA, lei federal de número 8.069, promulgada em 13 de julho de 1990: A partir do ECA, crianças e adolescentes passam a ser vistos como sujeitos de direitos. No Brasil, o Código de Menores, legislação que antecedia o Estatuto, não os reconhecia como sujeitos - para a legislação, vigente naquela época, crianças e adolescentes eram delinquentes e carentes, o que encobria as reais causas das dificuldades vividas por esse público. Foi preciso um tratado internacional: a Convenção Internacional dos direitos da criança - CDC, para introduzir essa discussão no mundo. O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direito mudou o marco de referência legal. A prioridade absoluta no 406 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013

atendimento aos seus direitos, garantida em lei, impôs ao Estado e à sociedade uma série de obrigações, regulamentando a ação das políticas públicas para esse público. Sem dúvida, as políticas públicas têm um papel crucial para efetivar direitos, o que não é diferente com as crianças e adolescentes. Para a efetivação e implementação de políticas voltadas para a proteção integral dessas crianças e adolescentes, o ECA determina em seu Art. 86 que: A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, 1990)

É importante registrar que, paralelamente ao processo de elaboração e implementação das políticas sociais destinadas à criança e ao adolescente, acontecia no Brasil o período de redemocratização, com características importantes para a política pública como: a reforma administrativa do Estado, a descentralização e a municipalização de políticas públicas, a institucionalização do controle social, a cogestão política, bem como a mobilização e participação social de diversos setores da sociedade civil. Assim, sob essa ótica, a política da criança e do adolescente estruturou-se, com um importante destaque para a presença da sociedade civil, realizando o atendimento direto, apoiando a reorganização dos serviços e complementando a intervenção estatal, conforme estabelece o ECA - uma nova atuação da sociedade civil no processo de formulação e execução de políticas públicas voltadas à população infantojuvenil. Ressalta-se que, como as políticas públicas referem-se aos serviços que concretizam os direitos garantidos em lei, elas são os mecanismos utilizados pelos governos para solucionar os problemas vividos pela população. Elas permitem o alcance da cidadania, a superação das desigualdades e a obtenção dos direitos consagrados nas leis e documentos internacionais. Sua essência é constituída por objetivos e diretrizes que se desdobram em planos, programas e projetos que, quando bem formulados e implementados, propõem e utilizam mecanismos de monitoramento e avaliação. As mudanças no perfil das políticas sociais no Brasil nas últimas décadas, o fortalecimen-

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa

to de canais democráticos de participação e o crescente debate sobre resultados baseados na eficiência do gasto público promoveram o desenvolvimento de experiências inovadoras na gestão das políticas. Para isso, são necessários mecanismos de fortalecimento da articulação entre as diversas secretarias e ministérios, bem como com a sociedade, organizações sociais e mercado. Torna-se cada vez mais claro que o modelo de fornecimento de políticas sociais em que o Estado desempenha todas as funções está sendo substituído por ações em parcerias que sinalizam um gerenciamento compartilhado e o equacionamento dos problemas sociais. Como diz Comerlatto (2007, p. 266), “as relações partilhadas entre Estado e sociedade passam a determinar mudanças na cultura das instituições públicas e de seus agentes nas capacidades propositivas”. 2.3 O objeto de estudo - Avaliação do programa De Volta Para Casa: metodologia e resultados. O processo de avaliação implantado durante a pesquisa de mestrado, que dá direcionamento a esse artigo, buscou discutir a eficiência do programa De Volta Para Casa5 no contexto da parceria Estado e ONG - Casa Novella. O exercício de pensar em avaliação de eficiência na área social é quase sempre assustador e desafiante. Assustador, porque existe uma prerrogativa de que os resultados e impactos não podem ser expressos em termos de valor financeiro; desafiante, pois há, cada vez mais, uma pressão por maior eficiência, sem repetir a lógica do mercado em detrimento da gestão social. Atualmente, é de fundamental importância para a sobrevivência das instituições e de qualquer política pública dar ênfase na eficiência da gestão e, por conseguinte, na oferta dos serviços com menos custos e mais impactos. Cabe afirmar que, para se discutir a temática em questão, o termo eficiência, que será usado, fundamenta-se na equação entre os resultados e os custos financeiros, conforme adotam Romera e Paulilo (2003, p. 19). A avaliação da eficiência é o estudo entre os recursos ou insumos empregados na implementação de uma política social pública ou um programa, os resultados alcançados e impactos produzidos. Posto Isso, vale um destaque sobre o programa De Volta Para Casa (DVPC), cenário da pesquisa. O programa surgiu, em 2007, em

uma visita técnica da equipe da CEPCAD (coordenadoria Especial da Política Pró-Criança e Adolescente) ao município Teófilo Otoni (MG), em que se constatou a existência de uma unidade de acolhimento institucional nos moldes das antigas FEBEMs (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) com 180 crianças e adolescentes institucionalizados, oriundos de diversos municípios do Estado de Minas Gerais. A partir dessa visita, verificou-se a necessidade de uma proposta para reordenamento daquela instituição. Desde então, a proposta foi aperfeiçoada e ampliada até culminar no programa De Volta Para Casa6. Com o objetivo principal de proporcionar o reordenamento das Unidades de Acolhimento Institucional (UAI), o programa iniciou-se em 2008, contemplando oito municípios mineiros. O programa teve, como principal estratégia, fortalecer os abrigos com um conjunto de ações voltadas à reestruturação familiar, possibilitando o fortalecimento dos relacionamentos e da responsabilização com relação ao núcleo familiar, a superação das situações de risco e a reinserção familiar da criança ou adolescente. Além disso, o DPVC também previa a assessoria e capacitação dos atores envolvidos no Sistema de Garantia de Direitos (tais como conselhos, juizes, promotores, gestores municipais, técnicos dos serviços de assistência social do município), com vistas ao reordenamento dos abrigos de forma a melhorar a assistência à criança e adolescente em situação de risco. Dessa forma, o programa de Volta Para Casa foi pensado e estruturado dentro do Plano Nacional de convivência Familiar e Comunitária (PNCFC)7. Com o plano, os abrigos tornam-se medida de caráter provisório e a criança e o adolescente passam a ser concebidos como integrantes do seu contexto familiar e comunitário.  Além disso, é importante destacar que o documento nacional estabelece indicadores quanti-qualitativos de avaliação dos programas, que foram utilizados na análise dos resultados da pesquisa para comparar com os indicadores e resultados do programa DVPC. Dito isso, para executar o Programa De Volta Para Casa, foram realizados 03 (três) contratos, chamados de convênios, com a Associação Casa Novella8, organização da sociedade civil, sediada em Belo Horizonte (MG). As ações envolveram os abrigos e as casas lares de vários municípios mineiros, e a metodologia previa oficinas de trabalho voltadas para gestores e técnicos das secretarias muniR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013 407

Andréia Cristina Barreto, Raquel Garcia Gonçalves

cipais, conselheiros tutelares, conselheiros de direitos, profissionais das Unidades de Acolhimento Institucional, dos Centros de referência da Assistência Social (CRAS) e demais atores do Sistema de Garantia de Direitos. De uma forma sintética, o programa De Volta Para Casa envolveu, de 2008 a 2010: I) acompanhamento de famílias de crianças abrigadas através de visitas domiciliares; II) acompanhamento de famílias de crianças abrigadas através da supervisão da visita feita aos abrigos pelos pais e responsáveis ou através da realização de grupos educativos; III) assessoria à equipe técnica dos abrigos na discussão de caso das famílias acompanhadas, bem como na elaboração da proposta de acompanhamento familiar e no acompanhamento do processo da criança ou adolescente no juizado; IV) elaboração de um software a ser implantado em todas as instituições para coleta e sistematização das informações das famílias e das atividades de acompanhamento familiar; V) elaboração de uma proposta de implantação definitiva do acompanhamento familiar pelos abrigos participantes. Para a execução do programa, segundo dados dos relatórios disponibilizados pela CEPCAD, foram investidos em recursos financeiros, ao longo de três anos, de 2008 a 2010, R$ 1.046.940,00 (Um milhão quarenta e seis mil novecentos e quarenta reais), valores esses repassados com recursos de ementa parlamentar, fundo estadual da infância e adolescência, Petrobrás e Governo do Estado de Minas Gerais. Vale destacar ainda que, para o funcionamento do programa, um conjunto de parcerias, que não envolveu recursos financeiros, foi fundamental para o andamento do mesmo. Por fim, com grande importância para este trabalho, o tema do monitoramento e avaliação do programa aparece sem muito destaque no plano de trabalho e relatórios. No entanto, a proposta do plano de trabalho da casa Novella apresenta uma matriz do Marco Lógico com os objetivos, metas, indicadores e resultados bem definidos, um excelente instrumento de monitoramento e avaliação, mas que foi pouco utilizado nos relatórios e documentos do programa. 2.3.1 A metodologia da pesquisa Durante a pesquisa, foram utilizados três instrumentos, conjugando entrevistas semiestruturadas, questionário autoaplicável e análise documental. A coleta de dados deu-se através dos gestores e técnicos das Unidades de Acolhimento Institucional, da ONG executora e do 408 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013

Governo do Estado, além de parceiros estratégicos como Conselho de Direitos e Promotoria da Infância. Participaram, como sujeitos desta pesquisa, dez (10) pessoas9, entre eles: os coordenadores dos abrigos, a coordenadora da Casa Novella, a coordenadora da CEPCAD e do Centro de Apoio Operacional às promotorias de justiça da infância e juventude de Minas Gerais. Todos estavam envolvidos com as atividades do programa entre os anos de 2008 e 2010. Seus depoimentos contribuíram para vislumbrar o processo de avaliação de eficiência do programa DVPA, fornecendo instrumentos importantes de gestão e avaliação, com vistas à sistematização das informações necessárias para uma melhor gestão social. O material, ao qual se teve acesso, foi analisado e utilizado para corroborar evidências e/ ou acrescentar informações coletadas nas entrevistas. Os documentos forneceram “pistas” sobre outros elementos, como a dificuldade de articulação com a rede de atendimento, a falta de avaliação do programa e a “ausência” do Estado na execução, informações essas que foram confrontadas com as entrevistas. Dessa forma, as entrevistas semiestruturadas compuseram o conjunto metodológico utilizado nesta pesquisa e, somadas à análise documental, serviram de base para a análise do conteúdo apresentado, a seguir, e o entendimento dos resultados alcançados. 2.3.2 Resultados Como era esperado, as dificuldades e desafios de discutir esse tema foram grandes. Não se pode falar de eficiência sem analisar custos financeiros, e o tema do orçamento ainda é um mito nas organizações e governos. As indagações centrais que guiaram o estudo resumem-se em duas perguntas: as ONGs são mais eficientes que o Estado na execução de políticas sociais? Existem indicadores e avaliação de eficiência das ações que as organizações estão executando, para que possam ir às ‘mesas de negociação’ com o Estado, municiadas com resultados concretos de seu trabalho? As limitações de informações encontradas, tanto nas entrevistas quanto nos documentos, provocaram um prejuízo na análise. Com exceção da organização executora do programa e do Gestor (CEPCAD), todos os outros envolvidos na pesquisa responderam que não conheciam o orçamento e nem os resultados do DVPC. Essa informação, apesar de limitar a análise proposta, abre um leque de discussão extremamente pertinente para a gestão das Políti-

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa

cas Públicas. É preciso sobrepujar urgentemente as dificuldades de construir indicadores e superar o discurso do social deslocado da discussão de orçamento. A resposta de todos os entrevistados pertencentes ao grupo classificado como UAI, quando questionados se a executora havia utilizado os recursos de forma apropriada e se tinha conseguido alcançar um bom custo/ beneficio do programa, foi afirmativa. Disseram que, mesmo sem conhecer o orçamento, puderam supor, pelas experiências acumuladas na parceria com o poder público, que, mesmo diante das limitações de recursos e os constantes atrasos nos repasses, a Casa Novella conseguiu atingir um alto número de abrigos, com qualidade nas capacitações, importante trabalho de reordenamento e considerável número de crianças reintegradas ao núcleo familiar. Essa junção de pensamentos referenda a ideia de que a eficiência denota competências para se produzir resultados com dispêndio mínimo de recursos e reafirma a fala dos gestores a seguir: Entrevistadora: Você conhece o orçamento e a prestação de contas do programa? Acha que ele foi eficiente? - Sim, foi baixíssimo o custo, né, se você fizer uma análise fria, uma análise orçamentária, é... você vai ver que o custo da Casa Novela é baixíssimo, por isso que o Estado jamais poderia fazer dessa forma [...] a prestação de contas que a gente viu foi uma coisa criteriosíssima, que eu tenho pena da pessoa, do diretor que faz convênio com, que tem que apresentar aquelas metas fininhas, com números, aquilo tudo, somar centavos... foi rigorosíssima. A aplicação de recursos da Casa Novela foi assim... é... foi perfeita. Eles contrataram os profissionais pelo preço exato que o sindicato paga. (ENTREVISTADO 1)

Concomitante à tentativa de desvendar os custos em comparação aos benefícios, foi perguntado o impacto do programa, o que o investimento trouxe de benefícios para as unidades de acolhimento institucional e para a vida das crianças. As respostas sugerem uma boa relação custo/benefício, um investimento de aproximadamente um milhão de reais e mais de três mil crianças e adolescentes beneficiados, quase oito mil atores capacitados e uma taxa de 54% de crianças e adolescentes reintegradas às famílias ou adotadas. -O programa fez diferença [...] pode

parecer simples essa tecnologia, que realmente reuniu fatores de garantia, de chamar o Ministério público, mas isso teve um impacto, teve uma força muito grande. O programa tem uma força mobilizadora, é... um poder avassalador muito grande, um poder de mudança muito grande. (ENTREVISTADO 3) - Eu acho que ele conseguiu ter um impacto, mas que, se esse impacto a cada ano que vai passando que não tem uma continuidade dessa ação, esse impacto se perde. Ele acaba voltando à estaca zero. [...].Então, o número de crianças que voltaram para casa foi maior do que a gente pensava. E aí eu fico pensando: como que uma ação que ainda tem um monte de falhas, que ainda teve um monte de fragilidades conseguiu esse impacto? Tantas crianças saíram, imagina se fosse mais consistente, mais pontual, mais articulada mesmo? (ENTREVISTADO 1)

Apesar das respostas de que o programa foi eficiente, os dados não são suficientes para afirmar categoricamente que sim. No entanto, pode-se observar que os entrevistados afirmam que o Estado não conseguiria com os mesmos recursos alcançar tanto impacto. Teodósio consegue apresentar uma boa visão a esse respeito, que resume as questões aqui levantadas. Sendo assim, percebe-se que, em muitos casos, as organizações do Terceiro Setor alcançam metas gerenciais que são centrais para a iniciativa privada, visto que conseguem operar com estruturas reduzidas - devido à carência de recursos financeiros e humanos -, além de gozar de uma sólida imagem institucional junto à comunidade. (TEODÓSIO, 2002, p. 110)

Passando da análise das entrevistas que foi limitada ao requisito eficiência e analisando os documentos e o relatório final, é possível ressaltar dados relevantes e apresentar algumas conclusões. A primeira delas é que falar de custo/beneficio na área da criança e do adolescente é restrito pela dificuldade de monetização dos resultados e pela ausência de indicadores na política que tratam dos benefícios e impactos na vida desse público. Outra conclusão de destaque é a dificuldade de comparar o DVPC com outros programas da mesma natureza, pois não foi encontrado,

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013 409

Andréia Cristina Barreto, Raquel Garcia Gonçalves

nas pesquisas documentais, outro projeto/programa com o mesmo objetivo, com o qual se pudesse fazer uma comparação e dizer se foi ou não eficiente. Com base nas informações encontradas nos relatórios analisados, pode-se concluir que os resultados quantitativos são significativos, se comparados aos números gerais do Brasil. Em três anos de projeto, 3.216 (três mil duzentas e dezesseis) crianças e adolescentes foram beneficiados pelo programa. Destes, 1.478 (um mil quatrocentos e setenta e oito) foram reintegrados às suas famílias de origem e 248 (duzentas e quarenta e oito) crianças e adolescentes foram encaminhados para a adoção. Além disso, foram capacitadas 7.870 (sete mil oitocentos e setenta) pessoas. Dessa forma, apesar de todas as limitações, é possível apontar um indicador de desempenho, fazendo uma relação numérica simples, envolvendo os custos financeiros gastos e os resultados quantitativos obtidos, ou seja, um sistema simples de entradas e saídas, que transforma recursos (entradas) em resultados (saídas). Vale destacar que esse indicador expressa uma parte pequena de um todo bem maior que envolve os resultados qualitativos do programa De Volta Para Casa. Assim, de uma forma bem simplista, na relação orçamento/crianças e adolescentes beneficiados, chega-se a números que podem ser interpretados como uma boa execução e como baixo investimento, nos quais a maior eficiência, dados os recursos, significa também uma maior efetividade. Os números finais apontam que o programa gastou cerca de R$ 325,54 (trezentos e vinte e cinco reais e cinquenta e quatro centavos) por criança beneficiada e R$ 606,57 (seiscentos e seis reais e cinquenta e sete centavos) por criança para reintegração à família de origem ou adoção (proposta principal do DVPC). O relatório final do programa relata ainda que: Considera-se que o maior indicador de impacto do DVPC está contido no número de crianças e adolescentes que retornaram para a família de origem ou para família extensa. O que foi observado em razão da compreensão adquirida dos atores sociais, enquanto componentes da rede do Sistema de Garantia de Direitos intimamente implicados na garantia do direito da criança e do adolescente. Isso sem sobrepor ações, garantindo a provisoriedade, a excepcionalidade da medida protetiva e o acolhimento institucional movido pelos motivos imbricados na lei 410 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013

ECA, e antecedidos de estudo de caso. (CASA NOVELLA, 2010).

Com base na análise dos dados coletados mediante a pesquisa empírica, teórica e documental, o que se pode afirmar é que, apesar do programa não ter indicadores de eficiência e modelos matemáticos para comprovar a razão de investimento versus beneficio/impacto alcançado, é possível indicar que a parceria com a Casa Novella trouxe, ao programa, significativos impactos e uma boa relação custo/ beneficio. Prova disso foi o reconhecimento do programa ao receber o prêmio Rosani Cunha10, ficando classificado em terceiro lugar como Prática Estadual. 3 CONCLUSÃO É sabido e repetido quase como um clichê que o monitoramento e avaliação devem ocorrer em todas as etapas de um programa/ projeto social. No entanto poucas são as políticas, os programas e projetos que preveem, em seu escopo, a avaliação, e muito menos destinam recursos financeiros para tal. Um processo de avaliação é uma importante ferramenta para o gestor da política que tem em mãos a possibilidade de analisar os processos e procedimentos; aferir os resultados quanti-qualitativos; mensurar o impacto social; identificar os pontos fortes e fracos; e reorientar as ações. Para isso, é fundamental estabelecer, desde o início, um sistema de informações com indicadores válidos que permita o acompanhamento das ações, processos e resultados. A avaliação de um programa ou de uma política, segundo Januzzi (2005, p. 19): Requer indicadores que possam dimensionar o grau de cumprimento dos objetivos dos mesmos (eficácia), o nível de utilização de recursos frente aos custos em disponibilizá-los (eficiência) e a efetividade social ou impacto do programa.

Em qualquer tipo de avaliação, para se medirem os efeitos, é preciso pensar em indicadores que possibilitem dimensionar o que se busca conhecer. Um dos apontamentos que a pesquisa trouxe é o grande desafio em encontrar indicadores na medição da eficiência e, no caso específico desta pesquisa, encontrar indicadores que possibilitem avaliar os serviços oferecidos a crianças e adolescentes, minimizando os esforços, as despesas e os recursos

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa

humanos, porém produzindo os resultados desejados. Outro fator desafiador para a avaliação de políticas e programas/projetos sociais no Brasil, reafirmado na pesquisa, é a deficiência na elaboração de objetivos claros e mensuráveis, além da carência de literatura e de recursos que permitam adotar práticas avaliativas ao longo da execução. Os resultados refletem o que foi abordado no referencial teórico: é nítido o interesse crescente na eficiência do impacto do gasto público, o que faz com que o processo de avaliação nas políticas sociais ganhe força e relevância. No entanto, como mostra a pesquisa, apesar de ONG e Estado saberem da importância da avaliação, ela ainda é tímida no escopo dos programas e das políticas na área da criança e do adolescente. O pensamento a respeito da avaliação da eficiência das ONGs na execução de políticas sociais, como discutido neste artigo, não é algo fácil ou prático, como nos manuais que ensinam a avaliar projetos sociais. Sem dúvida, o princípio da eficiência é um importante instrumento para se exigir a qualidade das ações públicas, contudo não pode se tornar um elemento tecnicista, puramente gerencial, burocrático, sem se levar em conta a participação dos envolvidos e o contexto. Nessa linha, a pesquisa realizada confirma que uma ONG com credibilidade na sua atuação, quando conhece sobre a temática com a qual trabalha, faz diferença na execução de um programa/projeto, provendo mais eficiência, eficácia e efetividade. Na análise da execução do programa De Volta Para Casa, ficam evidentes as virtudes da Casa Novella nesse aspecto. No entanto há lacunas a preencher na parceria Estado e ONGs na execução de um programa/projeto e uma delas é a avaliação, seja ela de eficiência, de impacto ou de qualquer outro tipo. O estudo dos processos e dinâmicas do programa De Volta para Casa foi fundamental para discutir se a execução conjunta Estado e ONGs torna a política da criança e do adolescente mais eficiente. Como a avaliação de políticas sociais na área da criança e do adolescente é uma prática ainda muito nova e em construção, as informações coletadas levam a crer que organizações bem estruturadas, com instrumentos de gestão social na sua prática e com autonomia financeira, têm mais chances der ser mais eficientes na execução da política. Vale ressaltar que não há modelo ou receita do melhor ou mais eficiente sistema de ges-

tão a ser aplicado nas políticas públicas É fato consolidado a importância da avaliação. Parece que já não é mais preciso advogar pela relevância da avaliação das políticas sociais em seus projetos e programas, no entanto ainda é importante observar para que finalidade ela tem sido utilizada e se tem se configurado como instrumento significativo para a verificação dos resultados de programas e políticas da criança e do adolescente, pois, por meio dessas avaliações, é que se pode mensurar a sustentabilidade da política e as mudanças efetivas que podem ocasionar na vida do beneficiário. Conforme aponta a pesquisa desenvolvida, as dificuldades na gestão, especialmente no monitoramento e avaliação, interferem diretamente na qualidade das ações e nos resultados alcançados. Os dados da pesquisa apontam que as atividades de avaliação têm importância significativa e acentuada nos problemas de gerenciamento das políticas sociais. As informações contidas nos depoimentos e documentos remetem, quase sempre, à complexidade do tema, especialmente, no seu caráter técnico/instrumental para atuação na prática. Dessa forma, fica evidente a importância de se instaurar, no âmbito das políticas sociais, um processo de gestão democrática que planeje mudanças sustentáveis e resultados possíveis, por meio de um gerenciamento propositivo. Para tanto, depende, dentre outros fatores, de uma maior profissionalização e especialização de pessoas para atuarem na área. Cumpre frisar, ainda, que o gerenciamento de programas e projetos é um tema fundamental que está diretamente associado ao crescimento do país e esse é, sem dúvida, um amplo campo de estudo e intervenção para a universidade, a qual pode contribuir com métodos e técnicas de gestão, além de favorecer a reflexão conjunta a respeito de políticas mais inclusivas e eficientes. REFERÊNCIAS AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Trad. Jaime A. Clasen e Lúcia Mathilde E. Orth. Petrópolis: Vozes, 1994. ALA-HARJA, Marjukka; HELGASON, Sigurdur. Em direção às melhores práticas de avaliação. Revista do Serviço Público, Brasília - DF, v. 51, n. 4, p. 5 - 59, out./dez., 2000. ALMEIDA, Suely S. de et al. Perspectivas Teóricas de Avaliação de Políticas Sociais: parR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013 411

Andréia Cristina Barreto, Raquel Garcia Gonçalves

ticipando do debate, In: Da avaliação de programas sociais à constituição de políticas públicas: a área da criança e do adolescente - Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

SPOSITO, Marília Pontes; CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventude e políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação. n. 24, p. 16-39, set./out./nov./dez., 2003.

BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor de; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia de avaliação em políticas públicas. 2. ed., São Paulo: Cortez, 2001.

TEODÓSIO, Armindo dos Santos de Souza. Organizações não governamentais entre a justiça social e a eficiência gerencial. Armadilhas, perspectivas e desafios da modernização das políticas públicas locais. Civitas - Revista de Ciências Sociais, ano 2, n. 1, p.97-121, jun., 2002.

BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Brasília - DF, 1990. CASA NOVELLA, Relatório final do programa De Volta Para Casa. Belo Horizonte, 2010. 75p.

Notas

COMERLATTO, D. et al. Gestão de políticas públicas e intersetorialidade: diálogo e construções essenciais para os conselhos municipais. Revista Katal, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 265271, 2007.

Política pública é uma expressão polissêmica que tem sua origem nas ciências políticas, definida aqui como o conjunto de ações ampliadas e articuladas, com recursos financeiros e humanos, que tem por finalidade garantir a todo cidadão os seus direitos, permitindo o acesso aos bens e serviços coletivos.

FARIA, Carlos A. P.. A política da avaliação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 59, p. 97109, out., 2005. GARCIA, R. C.. Subsídios para organizar avaliações da ação governamental. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília - DF, n. 23, p. 7-70, jan./jun., 2001. JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores e a gestão de políticas públicas. 2005. Disponível em . Acesso em 21 de fev. de 2011 LIMA, V. F. S. de A.. Tendências da avaliação no âmbito das políticas públicas: desafios e perspectivas. I Seminário Internacional & III Seminário de Modelos e Experiências de Avaliação de Políticas, Programas e Projetos. 2010. MOKATE, Karen Marie. Convirtiendo el “monstruo” en aliado: la evaluación como herramienta de la gerencia social. Revista do Serviço Público, Brasília - DF, v. 53, n. 1, p. 89-131, jan./mar., 2002. ROMERA. V. M.; PAULILO. M. A. S.. Avaliação em políticas sociais dimensões constituinte e constitutiva. Revista Ágora Políticas Públicas e Serviço Social. ano 2., n. 4, 2006. Disponível em < http://www.assistentesocial.com.br>. Acesso em 20 de maio de 2012. 412 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013

2

FERREIRA, Aurélio Buarque de H. Dicionário Aurélio Eletrônico.

3

OECD. Comité de Asistencia para el Desarrollo. 1991. Principios de Evaluación de Asistencia para el Desarrollo. París: OECD.

4

Tradução das autoras.

5

Posteriormente o programa será apresentado

6

As informações aqui apresentadas estão baseadas nos documentos e relatórios cedidos pela CEPCAD.

7

BRASIL, Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006.

8

A Casa de Acolhida Novella tem como missão contribuir para a defesa dos direitos da criança, sobretudo o direito à convivência familiar.

9

O grupo que participou da pesquisa está identificado como G e UAI. O grupo G é composto pela Coordenadoria Especial de Política Pró-Criança e Adolescente (CEPCAD/SEDESE), pela ONG executora do Programa Casa Novella e pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais (CAO IJ). Já o grupo UAI é composto por técnicos e coordenadores representantes das Unidades de Acolhimento Institucional que responderam

AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: uma análise do programa de volta para casa

a um roteiro de entrevista diferenciado. 10

O “Prêmio Rosani Cunha de Desenvolvimento Social”, doravante chamado de Prêmio Rosani Cunha, é uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS que, no ano de 2009, teve como tema “Ações Integradas para a Proteção e Promoção Social”.

Andréia Cristina Barreto Psicóloga Professora do Centro Universitário UNA Coordenadora da agência de cooperação Kindernothilfe. Mestre em Gestão Social Educação e Desenvolvimento E-mail: [email protected]

Raquel Garcia Gonçalves Professora do Centro Universitário UNA e da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Doutora em planejamento urbano e regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. E-mail: [email protected] Centro Universitário UNA Avenida João César de Oliveira, 6620, Beatriz Contagem - MG CEP 32040-000 Universidade Federal de Minas Gerais Avenida Presidente Antônio Carlos, 6627 - Ventosa, Belo Horizonte - MG, CEP: 31270-901

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 402 - 413, jul./dez. 2013 413

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS Lucimare Ferraz Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Maia Elizabeth Kleba Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Fátima Ferretti Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Natacha Luana Pezzuol Frank Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS Resumo: A avaliação é uma importante ferramenta da atenção básica, devendo subsidiar a organização e orientação dos serviços de saúde, a partir de lógicas mais centradas no usuário. Este artigo tem por objetivo apresentar a ótica dos usuários sobre os serviços de saúde inseridos no território de um núcleo de apoio à saúde da família. Os dados provêm de um estudo quantitativo-descritivo desenvolvido com 1023 famílias, cadastradas pela Estratégia Saúde da Família. Os resultados revelaram que 89,3% das famílias utilizam serviços do centro de saúde, tendo como principal motivo a busca por assistência em situação de doença ou dor (76,3%). Já no que tange a resolutividade, somente 9,1% relataram que quase nunca têm seu problema resolvido e 51,1% consideram bom o atendimento no centro de saúde. O artigo destaca, ainda, a satisfação do usuário como dimensão relevante na avaliação da atenção à saúde para o aprimoramento dos serviços e das políticas públicas em saúde. Palavras-chave: Avaliação de Serviços de Saúde, Atenção Primária à Saúde, Satisfação do Paciente. EVALUATION OF HEALTH SERVICES IN THE USERS’ VIEW Abstract: The evaluation is an important tool of the primary care that should subsidize the organization and orientation of health services, from logics more centered in the user. This article aims to present the users’ perspective about health services included in the territory of a core of support for family health. The data comes from a quantitative-descriptive study developed with 1023 families registered by the Family Health Strategy. The results revealed that 89,3% of families use services from the health center, having as it’s main reason the searching for assistance in situations of illness or pain (76,3%). Regarding the resolution, only 9,1% reported that they almost never have their problem solved and 51,1% considered good the care at the health center. The article still highlights the user satisfaction as a relevant dimension in the evaluation of health care for the improvement of services and public health policies. Keywords: Evaluation of Health Services, Primary Attention to Health, Patient Satisfaction. Recebido em: 28/02/2013. Aprovado em: 06/11/2013. 414 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS

1 INTRODUÇÃO Em 1986, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, foram lançados os fundamentos para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), instituído,em 1988, como um conjunto de ações e serviços que visam, entre outros, prestar assistência integral às pessoas por meio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. O SUS possui como alicerce o conceito global de saúde e a garantia de igualdade e universalidade de acesso aos serviços de saúde (MENDES, 1999). Para orientar a reorganização da Atenção Básica, surge em 1994 a Estratégia Saúde da Família (ESF), denominada inicialmente de Programa Saúde da Família (PSF), como modelo de assistência que visa favorecer a reorientação do processo de trabalho de acordo com os preceitos do SUS, ampliando a resolutividade e o impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, no nível de atenção primária (BRASIL, 1994; BRASIL, 2011a). Com a implantação da ESF, o Ministério da Saúde buscou viabilizar uma organização dos serviços e ações em saúde mais coerente com o conceito ampliado da saúde, com o objetivo de substituir o clássico modelo assistencial, que tinha como foco o cuidado hospitalar, meramente curativo, individualizante e médico-centrado, implicando em alto custo para o sistema de saúde e baixa resolutividade (VASCONCELOS, 2000). A ESF tornou-se, desde então, a porta de entrada preferencial para a Atenção Básica (AB), com o estabelecimento de equipes multiprofissionais para atuar na unidade de saúde e na comunidade, responsáveis por um número determinado de famílias localizadas num território (BRASIL, 2012b). Desde sua criação, a cobertura da ESF vem se expandindo expressivamente. Segundo dados mais recentes do Departamento de Atenção Básica, até o ano de 2009 já haviam sido implantadas 30.328 equipes de saúde da família, o que correspondia a 50,7% da população brasileira atendida pela estratégia, cerca de 96,1 milhões de pessoas. Este avanço na assistência à saúde tem contribuído com a produção de resultados positivos nos principais indicadores de saúde, melhorando a qualidade de vida das famílias assistidas (BRASIL, 2012c). A priorização e o maior investimento público na ESF justificam a necessidade de se realizar estudos que revelem seu potencial na efetivação dos princípios do SUS. Para melhorar esses indicadores foram criados em 2008 os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) com o objetivo de ampliar os

serviços da atenção básica e de incorporar à Equipe de Saúde da Família profissionais de diferentes áreas do conhecimento, tais como assistente social, educador físico, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, entre outros. Ressalta-se que o NASF não se constitui porta de entrada do sistema para os usuários, mas sim de apoio às equipes de Saúde da Família. Os processos de trabalho do NASF devem ter como foco a ampliação das ações da Atenção Básica, no território sob sua responsabilidade, priorizando o atendimento compartilhado e interdisciplinar, com troca de saberes, capacitação e responsabilidades mútuas, para incrementar não só a integralidade, mas também a resolutividade e a qualidade do cuidado (BRASIL, 2010). Considerando que há um amplo debate sobre a necessidade de atender os princípios do SUS e que os estudos avaliativos são importantes ferramentas para detectar informações que nos permitam replanejar as ações com vistas a melhorar as práticas de atenção e, que a opinião do usuário é fundamental nesse processo, o presente estudo, teve por objetivo apresentar a ótica avaliativa dos usuários sobre os serviços de saúde desenvolvidos pela atenção básica no território de um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), na perspectiva de ampliar o debate sobre as contribuições da ESF na qualificação do serviço e na resolutividade das políticas de saúde. 2 AVALIAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE A definição do termo avaliação de políticas, programas e ações não possui um consenso e, tem sido utilizada sob várias perspectivas. Para Patton (1997), a avaliação pode ser designada como uma atividade focada para utilização, devendo-se levar em consideração o modo de execução, com vistas à orientação e reorganização das ações. Nessa perspectiva, Contandriopoulos (et al. 1997) compreende a avaliação como o julgamento sobre a forma de conduzir as ações, e também as intervenções feitas. A avaliação de um programa justifica-se para se ter conhecimento acerca da real situação encontrada, se os objetivos inicialmente propostos foram alcançados, além de servir como base para a reorientação de mudanças no serviço (McLAUGHIN; JORDAN, 1999). No contexto da avaliação em saúde, muitos são os desafios encontrados. Inicialmente por esta área ser de natureza complexa e receber influências de vários fatores, o que dificulta a delimitação dos objetos a serem avaR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013 415

Lucimare Ferraz, Maia Elizabeth Kleba, Fátima Ferretti, NATACHA LUANA P. FRANK

liados, além de conter uma porção subjetiva referente aos componentes relacionais, o que interfere na definição de consensos. Ainda pode-se apontar como desafio, a necessidade de contextualização para a aplicação da pesquisa, sendo inevitável a abrangência das particularidades de cada programa. Isso justifica a necessidade e a relevância de instituir processos de avaliação permanente dos sistemas de saúde, considerando especificidades locais e a perspectiva dos sujeitos envolvidos, para aprimorar o serviço ofertado e promover melhorias na qualidade de vida dos usuários (MEDINA et al., 2005). As iniciativas de avaliação, tomando como matéria-prima a perspectiva do usuário, difundiu-se a partir dos anos 60 na Europa e nos EUA com um foco inicial na adesão ao tratamento. Nos anos de 1970 e 1980, essa prática passou a ser incorporada na avaliação da qualidade dos serviços de saúde, ganhando, no Brasil, destaque a partir da segunda metade da década de 90 (GOMES et al., 2011). Entre os estudiosos desta temática, Donabedian (1978) produziu importantes publicações na área de avaliação da qualidade dos serviços de saúde. Segundo ele, o objetivo da avaliação da qualidade é estabelecer o nível de êxito das profissões na área da saúde em se autogovernarem, para assim evitar o abuso ou a incompetência. Por outro lado, o objetivo da monitorização da qualidade é exercitar a supervisão constante, para que, quando surgirem anormalidades, as reparações sejam imediatas. Tal avaliação dos serviços abrange duas dimensões: a primeira o desempenho técnico, que se caracteriza pelo emprego do conhecimento e tecnologia médica, para o bem-estar do paciente. A segunda, a relação pessoal com o paciente, respeitando preceitos éticos, desejos e necessidades do paciente, que implica em elementos comportamentais. No Brasil, a fundamentação do objetivo de avaliar o Sistema Único de Saúde (SUS) baseia-se em dar suporte às decisões que serão tomadas, reconhecer os problemas e conduzir os serviços e ações a serem desenvolvidos, além de verificar o impacto do serviço de saúde sobre a população (BRASIL, 2005; BRASIL, 2011a). Nessa perspectiva, “institucionalizar a avaliação deve ter sentido de integrá-la em um sistema organizacional [...] ligando necessariamente as atividades analíticas às de gestão das intervenções programáticas” (HARTZ, 2002, p. 419), lembrando que, na saúde, a avaliação visa melhorar as práticas de atenção e gerar processos condizentes com os preceitos do SUS, como equidade, resolutividade, 416 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013

universalidade, integralidade, acessibilidade e participação social (FELISBERTO, 2004). Para o Ministério da Saúde (MS), a institucionalização da avaliação precisa estar associada à formação de uma política de avaliação no contexto do SUS, na qual a Atenção Básica (AB) deve estar inclusa neste processo, englobando todas as pessoas envolvidas (usuários, gestores, profissionais de saúde, pesquisadores), suas respectivas funções e método de financiamento (BRASIL, 2005). A avaliação na AB, e mais especificamente na ESF, é referida como importante recurso de reconhecimento das necessidades de organização e reorientação das ações e serviços por lógicas mais centradas no usuário. Cabe a toda equipe da ESF, participar do acolhimento dos usuários, realizando a escuta qualificada de suas necessidades em saúde para proporcionar atendimento humanizado e viabilizar o estabelecimento do vínculo. O MS refere vínculo como relações de afetividade e confiança, construídas entre usuário e trabalhador, que permitem aprofundar o processo de corresponsabilização pela saúde (BRASIL, 2011a). No entanto, apesar dos avanços na metodologia dos processos avaliativos, observa-se que a opinião do usuário sobre o sistema de saúde não tem sido valorada devidamente. Sem dúvida, o usuário dos serviços de saúde é um avaliador em potencial, pois é o principal envolvido nas atividades desenvolvidas pela equipe da ESF e vivencia o cotidiano dos serviços quando procura pelo atendimento na unidade de saúde. A avaliação na área da saúde não deve ser apenas o monitoramento das ações e normas, mas também uma forma democrática de empoderamento dos cidadãos na confirmação de seus direitos, pois o usuário caracteriza-se como mais um dos atores corresponsáveis. Este direito confere ao cidadão a participação na tomada de decisões, sendo importante ter cuidado em relação à diversidade dos sujeitos e suas respectivas especificidades, de forma a incluir desejos e necessidades expressadas por cada um dos atores envolvidos (PINHEIRO; MARTINS, 2011). O caráter subjetivo da avaliação agrega diferentes sentimentos e emoções, delimitando, assim, as expectativas dos usuários. Quando busca uma avaliação centrada na integralidade do cuidado e prevenção, a participação comunitária no processo avaliativo é fundamental (AYRES, 2004). A atividade conjunta de todos os atores do sistema de saúde (profissionais de saúde, gestores, técnicos e usuários) fortifica a rede social, ampliando o cuidado em saúde e diminuin-

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS

do o sofrimento e adoecimento dos usuários. Assim, acredita-se que, a maior comunicação entre os atores nas instituições de saúde, melhora o acolhimento e supressão das necessidades da população assistida, adequando assim, o oferecimento de serviços voltados à demanda existente. Como destaca Gomes (et al. 2011), a opinião do usuário para além de constituir-se como indicador sensível da qualidade do serviço prestado é uma categoria considerada estratégica para uma maior adequação dos serviços às suas demandas, fator fundamental para a efetivação dos princípios do SUS. 3 METODOLOGIA O estudo teve uma abordagem de caráter exploratório-descritivo com delineamento de um estudo transversal, sendo desenvolvido durante o primeiro semestre de 2011, no território de um dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) do município de Chapecó/SC. Esse território foi definido, em diálogo com o gestor municipal, como espaço prioritário para desenvolvimento dos projetos aprovados em 2008 pela Unochapecó em parceria com a Secretaria da Saúde do município no Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde). A população do estudo foi constituída por famílias cadastradas pelos centros de saúde inseridos no referido NASF, num total de 13.866, de acordo com os dados do SIAB de fevereiro de 2011. A amostra selecionada foi de 1.133 famílias, com erro amostral de 3% e proporção de perda em 10%, das quais 1.023 foram efetivamente incluídas. Os domicílios foram selecionados aleatoriamente por meio das fichas A dos cadastros dos agentes comunitários de saúde (ACS) pertencentes aos centros de saúde já referidos. Num primeiro momento foram reunidos os prontuários das famílias de acordo com sua microárea de residência, sendo então todos os prontuários agrupados em uma única pilha; em seguida foi selecionada a oitava família (número sorteado pela equipe de pesquisadores) e, a partir dessa, as próximas subsequentes com intervalo de 12 prontuários, até atingir a valor da amostra determinado para cada centro de saúde. Na terceira etapa, houve a confirmação com o ACS responsável pela família, se a mesma ainda residia no endereço registrado e se havia restrição de horário para a visita/entrevista, procedendo-se, neste caso, sorteio de nova família. A coleta de dados foi realizada por meio de

um questionário estruturado com perguntas sobre uso e acesso aos serviços de saúde, entre outros. O questionário foi construído com a participação de profissionais ligados à gestão da saúde, em especial a gerência da Atenção Básica, buscando contemplar questões que pudessem contribuir com a qualificação do planejamento das equipes da ESF do município. A equipe de trabalho foi composta por 108 acadêmicos, 48 profissionais da saúde (preceptores da Secretaria da Saúde de Chapecó) e 14 docentes dos programas Pró-Saúde, Pet-Saúde e Pet-Visa1 (12 tutores da Unochapecó, e dois coordenadores dos programas). Os acadêmicos foram os principais coletores dos dados, supervisionados pelos profissionais de saúde. A análise dos dados ficou sob a responsabilidade dos docentes dos programas sob a supervisão das coordenadoras da pesquisa. Para o tratamento dos dados foram utilizadas técnicas próprias para um estudo descritivo, as quais informam sobre as médias e a frequência (absoluta e relativa) da distribuição de um determinado evento na população em estudo. Os dados coletados foram codificados, tabulados e digitados em bancos de dados, especialmente construídos no programa Statistical Package for Social Science (SPSS). Após a digitação, os dados sofreram o processo de controle de qualidade com análise de coerência e consistência. Após a correção de erros de digitação procedeu-se a análise estatística dos dados. Com relação aos aspectos éticos da pesquisa, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Comunitária da Região de Chapecó sob Parecer 001/2011. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO O município de Chapecó, situado na região oeste de Santa Catarina, conta atualmente com aproximadamente 180 mil habitantes. Em sua rede de saúde, dispõe de 26 Centros de Saúde, com um total de 32 equipes da ESF, o que corresponde a mais de 75% de cobertura da população. Em 2010, o município instituiu quatro Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), sendo que o selecionado para este estudo integra quatro Centros de Saúde, somando oito equipes da ESF. Neste estudo, constatou-se que 89,1% (n=911) das 1.023 famílias entrevistas utilizam os serviços do centro de saúde do bairro, demonstrando uma cobertura da ESF acima das médias nacional. Entre as famílias do estudo que possuem plano de saúde (31,2%), destas, 20,7% utilizam ainda o serviço de saúde públiR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013 417

Lucimare Ferraz, Maia Elizabeth Kleba, Fátima Ferretti, NATACHA LUANA P. FRANK

co (Unidade Básica de Saúde) do seu território de moradia. Estes números podem indicar, por um lado, limitações relativas a oferta e/ou ao acesso ao serviços dos planos de saúde e, por outro lado, maior facilidade e/ou acesso aos serviços públicos no município. Conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, até setembro de 2012 o índice de abrangência da população brasileira beneficiária de planos privados de saúde é de 25,1% (BRASIL, 2012a). A pesquisa realizada por Turrini, Lebrão e Cesar (2008) em cinco municípios do estado de São Paulo, por meio de inquérito domiciliar para população atendida pela ESF, encontrou prevalência de 64,1% dos entrevistados como dependentes do sistema público de saúde, e 35,5% possuíam plano privado de saúde. Santos (1995) ressalta a questão econômica como forma determinante para a escolha entre o serviço de saúde público e o privado, mas afirma que o atendimento médico é semelhante em ambos os serviços, tendo como variantes a rapidez e agilidade no acesso ao serviço privado. Ainda aponta que a oferta de medicamentos sem custo adicional na rede pública é um fator que determina a escolha por este serviço, principalmente, por aqueles que possuem dificuldades financeiras para sua aquisição. No estudo realizado verificou-se que em 76,3% das famílias, algum membro procurou o centro de saúde nos três meses anteriores à pesquisa por algum problema de saúde, sendo apontado, como principal motivo, (apontado) a doença ou a dor, e em segundo lugar realização de consulta de rotina, como mostra a tabela 1. TABELA 1: Motivo principal da procura pelo atendimento em saúde dos integrantes da família nos últimos três meses (a partir de novembro de 2010), Chapecó-SC, 2011.

Motivo pela procura de atendimento em saúde Doença ou dor Para fazer consulta de rotina Atendimentos preventivos Atendimento enfermagem Atendimento odontológico Pré-natal Acidente ou lesão Atestado de saúde Total

N 459 165 42 41 23 20 20 11 781

% 58,8 21,1 5,3 5,2 3,0 2,5 2,5 1,4 100,0

Fonte: elaboração própria a partir do relatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2012).

418 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013

De acordo com Siméant (1984), existem dois tipos de demanda na atenção básica: a espontânea, que surge conforme necessidades constatadas, e a induzida, que resulta da mobilização do Estado por meio de programas preventivos de saúde. No estudo realizado evidenciou-se que a maioria das famílias corresponde à demanda espontânea na procura por atendimento na UBS. Em estudo realizado por Paiva, Bersusa e Escuder (2006) em uma UBS para avaliar o serviço de saúde ofertado sob a percepção do usuário, notou-se que pacientes com doenças crônicas degenerativas necessitam de maior investimento do serviço de saúde, principalmente no âmbito de ações preventivas e de promoção à saúde, e como há um aumento da demanda por essas doenças, sugere-se que a atenção básica faça uma adequação da oferta do serviço a esta população para abranger suas necessidades de saúde. Alguns fatores influenciam a utilização dos serviços públicos de saúde. Para Turrini, Lebrão e Cesar (2008), a busca por atendimento no sistema de saúde depende do acesso e do acolhimento dos usuários, do número de serviços ofertados e da disponibilidade de profissionais, da necessidade do usuário de ausentarse do trabalho para receber atendimento, de questões financeiras, sendo ainda relevante a concepção do indivíduo sobre o processo saúde-doença. Travassos et al. (2000) reiteram estes fatores, e acrescentam o cenário geográfico, a cultura e a visão dos usuários sobre o sistema como fatores relevantes. Quanto às dificuldades vivenciadas pelos integrantes da família no que tange à procura pela assistência, observa-se que 60,9% relataram não ter nenhum tipo de problema em buscar os serviços de saúde. Entre aqueles que mencionaram dificuldades, 40,17%, destacase a crença na indisponibilidade de consulta médica como o fator mais limitante, e a dificuldade financeira foi mencionada em 23,93%. Diante do cenário encontrado na pesquisa sobre o índice de famílias que acreditavam não ter consulta acessível, vale ressaltar que o Ministério da Saúde estabelece como parâmetros para a cobertura da atenção básica duas formas para organizar a procura por atendimento médico: o agendamento e a demanda espontânea, distribuindo a assistência médica em 16 consultas por período de quatro horas, sendo 12 para agendamento e quatro para livre demanda (BRASIL, 2002). Puccini e Cornetta (2008), com o objetivo de avaliar o serviço da atenção básica por meio de evento sentinela - que na área da saúde

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS

identifica um fato que não deveria acontecer se o funcionamento da atenção básica fosse adequado, resultando em falha deste nível de atenção -, analisaram quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS) cuja população fazia uso do Pronto-Socorro da cidade como serviço de referência e os resultados obtidos sobre o motivo pelo qual a UBS não foi procurada, apontaram que 47,8% dos entrevistados tiveram dificuldade em conseguir vaga no dia, 11,5% mencionaram a falta de médicos, e 7,1% o problema na obtenção de agendamento das consultas. Em outro estudo, Frez e Nobre (2011) também identificaram como principal problema no que tange ao acesso à atenção básica, a dificuldade em marcar consultas. A Organização Mundial da Saúde preconiza que a atenção básica deve exercer papel de porta de entrada do sistema de saúde, possuindo capacidade para resolver pelo menos 80% dos agravos à saúde da comunidade abrangente (MADUREIRA; DE CAPITANI; CAMPOS, 1989). A habilidade resolutiva varia conforme a quantidade e distribuição de profissionais para absorverem a demanda encontrada. Esta é avaliada pelo número de usuários acolhidos sobre aqueles que solicitaram atendimento, sendo o critério de mensuração o porte de demanda reprimida (SIMÉANT, 1984). Por outro lado, a resolutividade não se restringe à quantidade de consultas oferecidas ou ao acesso a consultas médicas, mas abrange o conjunto de ações desenvolvidas pela equipe no sentido de oferecer respostas adequadas e satisfatórias aos problemas de saúde referidos pelos usuários e identificados em diagnósticos mais abrangentes junto à comunidade. Nesse sentido, a Portaria da Atenção Básica (2011) refere entre suas funções, a de: [...] coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e gerir projetos terapêuticos singulares, bem como acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre os pontos de atenção das RAS. Atuando como o centro de comunicação entre os diversos pontos de atenção, responsabilizando-se pelo cuidado dos usuários em qualquer destes pontos [...] com o objetivo de produzir a gestão compartilhada da atenção integral. Articulando também as outras estruturas das redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais. Para isso, é necessário incorporar ferramentas e dispositivos de gestão do cuidado, tais como: gestão das listas de espera (encaminhamentos para consultas especializadas, procedimentos e ex-

ames), prontuário eletrônico em rede, protocolos de atenção organizados sob a lógica de linhas de cuidado […] (BRASIL, 2011b, p. 4).

Em nosso estudo, os membros das famílias quando questionados sobre a resolução dos problemas de saúde após a procura pelo atendimento no centro de saúde do seu bairro, a maioria relatou que seus problemas foram resolvidos, como mostra a tabela 2. TABELA 2: Resolutividade autopercebida pelas famílias sobre o atendimento na unidade de saúde, Chapecó-SC, 2011. Resolução do problema de saúde

N

%

Sempre/quase sempre

541

52,9

Ás vezes

317

31,0

Quase nunca

93

9,1

Não se aplica

58

5,7

Ignorado

14

1,4

1023

100,0

Total

FONTE: elaboração própria a partir do relatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2012).

Em um estudo executado por Medeiros et al. (2010) em uma UBS de um município de médio porte no Brasil, o índice de satisfação dos usuários do sistema de saúde quanto à resolutividade foi de 79,2%. Já noutra pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul, a percentagem da resolutividade apontada por usuários da ESF foi de somente 34,4% sempre que estes utilizavam o serviço, 26,9% na maioria das vezes, e 32,3% às vezes (ROSA; PELEGRINI; LIMA, 2011). Por outro lado, a pesquisa produzida em cinco municípios do estado de São Paulo por Turrini, Lebrão e Cesar (2008), através de inquérito domiciliar para população atendida pela ESF, encontrou uma taxa de resolutividade do serviço de 97,8%. Essas disparidades de resultados demonstram a necessidade de se instituir uma cultura de avaliação nos serviços de saúde, em que haja uma maior padronização dos modelos e protocolos, para que assim, tenha-se mais informações sobre a satisfação e resolutividade dos serviços e políticas de saúde, pois não se concebe hoje um trabalho sério de cuidados à saúde sem esse diagnóstico, que envolve a participação popular, o diálogo intersetorial e a descentralização da política de saúde, a fim de planejar as ações de acordo com as condições e necessidades locais existentes. Nesse sentido, avaliar o sistema, por meio de estudos que identifiquem a qualidade do R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013 419

Lucimare Ferraz, Maia Elizabeth Kleba, Fátima Ferretti, NATACHA LUANA P. FRANK

serviço ofertado aos usuários, torna-se essencial para promover as mudanças necessárias. Para tanto, torna-se imprescindível consultar a população, que é um ator importante dos avanços alcançados pela ESF, mas que às vezes atua passivamente neste processo (MISHIMA et al., 2010). Nesse sentido, Costa et al. (2008) ressaltam a importância de utilizar métodos avaliativos que deem voz à comunidade, pois as contribuições e o olhar que o usuário dará sobre o sistema ou serviço serão fundamentais para compreender as dificuldades e potencialidades de efetivação das ações e políticas e contribuirão para o processo de reorganização dos serviços.

A análise dos dados coletados no estudo revela que 51,1% das famílias entrevistadas consideraram o atendimento como bom, conforme apresentado na tabela 3. TABELA 3: Avaliação do atendimento realizado no centro/posto de saúde do seu bairro segundo opinião das famílias entrevistadas, Chapecó-SC, 2011. Atendimento no centro de saúde N % Bom 523 51,1 Regular 311 30,4 Ruim 122 11,9 Ignorado* 67 6,6 Total 1023 100,0 * O membro respondente absteve-se de conceder a informação. FONTE: elaboração própria a partir do relatório da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2012).

Muitas vezes, a insatisfação do usuário pode estar associada ao seu desconhecimento sobre a organização do serviço de saúde, pois ao não conhecer as normas de funcionamento da UBS, podendo gerar a ideia de atendimento inadequado (MISHIMA et al., 2010). Na pesquisa realizada por Trad et al. (2002), a satisfação do usuário perante o sistema de saúde foi correlacionada à oportunidade de acesso aos profissionais, além das atividades de saúde, de maneira diferenciada do padrão centrado na enfermidade como era o modelo biomédico. Outro fator que cabe destacar é que pelo fato de o Brasil ser um país em desenvolvimento e a obtenção de um serviço de saúde com qualidade ser uma prerrogativa de poucos, espera-se que os índices de satisfação quanto aos serviços de saúde sejam diminuídos (ESPERIDIÃO; TRAD, 2005). No entanto, observa-se que diante do reconhecimento da atuação da ESF como uma estratégia política que norteia o cuidado voltado à família, reorientando a dinâmica da organização das ações e substituindo o clássico modelo

420 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013

curativo e individualizado, é possível verificar o avanço ocorrido na assistência à saúde, evidenciando pontos positivos na análise feita pelos usuários do sistema. Contudo, reforça-se a importância da constante avaliação da atenção à saúde para o aprimoramento do serviço e a melhoria da qualidade de vida das famílias. Sobre esse aspecto, ressalta-se que a avaliação das políticas e serviços de saúde deve ser pluralista, consistindo numa abordagem coletiva, envolvendo os diversos atores parceiros da política avaliada. Nessa metodologia “um dos efeitos esperados é desenvolver nos participantes a capacidade de assimilação dos resultados da avaliação pluralista, além de aumentar a possibilidade de adoção das medidas proposta” (TINÔCO; SOUZA; BARBOSA, 2011, p. 311). Além disso, a avaliação deve ser considerada como um recurso técnico e político pela busca de reorientação das práticas (e da promoção) em saúde. Igualmente, a avaliação deve transcender a finalidade técnica das práticas em saúde, em sua condição limitada a produção objetiva de produtos do trabalho em saúde, definindo critérios avaliativos referentes à escolha, o desejo, o projeto de felicidade dos envolvidos no processo de cuidado á saúde (AYRES, 2004). Vale ressaltar, que a avaliação não é neutra, pois expressa percepções de mundo e objetivos distintos, sendo comum instituir-se em um fim próprio, e não como uma forma estratégica de compreender as consequências das ações públicas (TINÔCO; SOUZA; BARBOSA, 2011). Para tanto, avaliar dando voz aos atores sociais envolvidos nas ações e serviços de saúde, bem como garantir sua participação na definição das prioridades e no acompanhamento do processo avaliativo torna-se imperativo quando o objetivo é qualificar serviços com vista a promover saúde e melhorar a qualidade de vida da população. 5 CONCLUSÃO Este estudo evidenciou que 89,1% das famílias utilizam os serviços do centro de saúde do bairro, demonstrando uma cobertura da ESF acima da média nacional, e que em 76,3% da família algum membro procurou o centro de saúde nos três meses anteriores à pesquisa por doença ou dor, reforçando o paradigma de que a procura pelo atendimento se dá por meio de um sintoma ou processo patológico. Ainda, 60,9% dos usuários relataram não ter problemas para buscar os serviços de saúde e que em 52,9% das situações em que procuraram

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS

os serviços, sempre ou quase sempre, tiveram seus problemas de saúde resolvidos. Já no que tange à satisfação das famílias em relação aos serviços de saúde, 51,1% consideraram o atendimento bom. O estudo demonstrou satisfação da população de quatros territórios em relação aos serviços ofertados pela atenção básica, bem como evidenciou a efetividade destes pelo olhar do usuário. Ao considerar a opinião do usuário como indicador sensível da qualidade dos serviços de saúde, e que esta pode contribuir efetivamente para uma maior adequação dos serviços às demandas da população de cada território, reconhecendo-se que se torna imprescindível incorporar a avaliação na prática cotidiana do trabalho das equipes de saúde, ouvir e se fazer ouvir, passa a ser fundamental para a efetivação dos princípios do SUS. Ao final, resgatando o objetivo desse estudo - apresentar a ótica avaliativa dos usuários sobre os serviços de saúde- sugere-se que as estratégias e ações de saúde sejam permanentemente avaliadas pelos usuários dos serviços públicos. Além disso, que o planejamento das definições de objetivos, políticas e ações em saúde necessitam ser compartilhada com a população. Para tanto, os profissionais dos serviços devem problematizar as condições de saúde e doença com a comunidade, diagnosticando coletivamente os problemas e pactuando soluções, numa gestão democrática. Outrossim, sem temer a críticas, deve-se possibilitar a participação dos usuários no processo de avaliação das políticas e serviços de saúde, numa perceptiva de estimular o controle social comunitário e, também, promover um elo de comunicação e integração entre a população, profissionais e gestores em saúde. Portanto, acredita-se que avaliação em saúde necessita ser baseada no pluralismo, reconhecendo a complexidade dos determinantes e condicionantes do adoecimento, dos interesses (vontades) e das responsabilidades de cada um, tendo por escopo a saúde. E que, o planejamento e a implementação de um processo avaliativo contínuo, realizados pelo conjunto de atores do sistema de saúde (profissionais de saúde, gestores, técnicos e usuários), de forma compartilhada, ampliarão a efetividade do cuidado em saúde e a adequação dos serviços voltados às demandas existentes.

no contexto da promoção da saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 583-92, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência a Saúde. Saúde da família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1994. BRASIL. Portaria n. 1.101/GM, de 12 de junho de 2002. Estabelecendo os parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação de Acompanhamento e Avaliação. Avaliação na Atenção Básica em Saúde: caminhos da institucionalização. Coordenação técnica: Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia e Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2010. BRASIL. Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação inter federativa, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2011a. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011b. BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2012a.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Departamento de Atenção Básica. Atenção básica e a saúde da família. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012b.

AYRES, J. R. C. M. Norma e formação: horizontes filosóficos para as práticas de avaliação

BRASIL. Departamento de Atenção Básica. Números. Brasília, DF: Ministério da Saúde, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013 421

Lucimare Ferraz, Maia Elizabeth Kleba, Fátima Ferretti, NATACHA LUANA P. FRANK

2012c. CONTANDRIOPOULOS, A. et al. Avaliação na área de saúde: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz/Hartz Z. A., 1997. p. 29-48. COSTA, Glauce Dias da et al. Avaliação em saúde: reflexões inscritas no paradigma sanitário contemporâneo. Physis, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 705-26, 2008. DONABEDIAN, A. The quality of medical care. Science 200, 1978. ESPERIDIÃO, Monique; TRAD, Leny Alves Bomfim. Avaliação de satisfação de usuários. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2005. FELISBERTO, Eronildo. Monitoramento e avaliação na atenção básica: novos horizontes. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 4, n. 3, p. 317-21, 2004. FREZ, Andersom Ricardo; NOBRE, Maria Inês Rubo de Souza. Satisfação dos usuários dos serviços ambulatoriais de fisioterapia da rede pública. Fisioter. Mov. (Impr.), Curitiba, v. 24, n. 3, set. 2011.   GOMES, R. et al. A atenção básica à saúde do homem sob a ótica do usuário: um estudo qualitativo em três serviços do Rio de Janeiro. Ciênc. Saúde Coletiva, v. 16, n. 11, p. 451321, 2011. HARTZ, Zulmira M. A. Institucionalizar e qualificar a avaliação: outros desafios para a atenção básica. Ciência e Saúde Coletiva, v. 7, n. 3, p. 419-21, 2002. MADUREIRA, Paulo Roberto de; DE CAPITANI, Eduardo Mello; CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Avaliação da qualidade da atenção à saúde na rede básica. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, jan. 1989. McLAUGHLIN, J. A.; JORDAN, G. B. Logic models: a tool for telling your program’s performance story. Evaluation and Program Planning, v. 2, p. 65-72, 1999. MEDEIROS, Flávia A. et al. Acolhimento em uma Unidade Básica de Saúde: a satisfação do usuário em foco. Rev. Salud Pública, Bogotá, v. 12, n. 3, jun. 2010. MEDINA, M. G. et al. Uso de modelos teóricos na avaliação em saúde: aspectos conceituais e 422 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013

operacionais. In: HARTZ, Z. A.; VIEIRA-DA-SILVA, L. M. (org.). Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. MENDES, E. V. Uma agenda para a saúde. São Paulo: Hucitec, 1999. MISHIMA, S. M. et al. A assis­tência na saúde da família sob a perspectiva dos usuários. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 18, n. 3, jun. 2010. PAIVA, Daniela Cristina Profitti de; BERSUSA, Ana Aparecida Sanches; ESCUDER, Maria Mercedes L. Avaliação da assistência ao paciente com diabetes e/ou hipertensão pelo Programa Saúde da Família do Município de Francisco Morato, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, fev. 2006.  PATTON, M. Q. Utilization-focused evaluation. The new century text. Thousands Oaks, London, New Delhi: SAGE Puublications, 1997. PINHEIRO, Roseni; MARTINS, Paulo Henrique Novaes. Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. Rio de Janeiro: CEPESC/IMS-UERJ; Recife: Editora Universitária UFPE; São Paulo: ABRASCO, 2011. PUCCINI, Paulo de Tarso; CORNETTA, Vitória Kedy. Ocorrências em pronto-socorro: eventos sentinela para o monitoramento da atenção básica de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 9, set. 2008.   ROSA, R. Borba; PELEGRINI, A. H. Weis; LIMA, M. A. Dias da Silva. Resolutividade da assistência e satisfação de usuários da Estratégia de Saúde da Família. Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 345-51, jun. 2011. SANTOS, M. P. Avaliação da qualidade dos serviços públicos de atenção à saúde da criança sob a ótica do usuário. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 48, p. 109-19, 1995. SIMÉANT, S. Capacidad resolutiva de la demanda de atención de morbilidad a nivel primario. Bol Oficina Sanit Panam, v. 97, p. 114-25, 1984. TINÔCO, Dinah dos Santos; SOUZA, L. M.; BARBOSA, Alba de Oliveira. Avaliação de políticas públicas: modelo tradicional e pluralista. Revista de Políticas Públicas (UFMA), v. 15, p.

AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NA ÓTICA DOS USUÁRIOS

305-13, 2011. TRAD, Leny Alves Bomfim et al. Estudo etnográfico da satisfação do usuário do Programa de Saúde da Família (PSF) na Bahia. Ciênc. Saúde Coletiva, São Paulo,  v. 7, n. 3, 2002. TRAVASSOS, Cláudia et al. Desigualdades geográficas e sociais na utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2000. TURRINI, Ruth Natalia Teresa; LEBRÃO, Maria Lúcia; CESAR, Chester Luiz Galvão. Resolutividade dos serviços de saúde por inquérito domiciliar: percepção do usuário. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, mar. 2008. VASCONCELOS, E. M. A priorização das famílias nas políticas de saúde. Revista de Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, v. 2, n. 4, p. 20-8, 2000. Notas: 1

De 2005 a 2012, a Unochapecó aprovou projetos em três editais do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e em quatro editais do Programa de Educação pelo Trabalho (PET), estes com foco na Saúde da Família, Vigilância à Saúde e Saúde Mental.

Lucimare Ferraz Enfermeira e Professora do Programa Stricto sensu em Ciências da Saúde da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECO Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. E-mail: [email protected] Maria Elizabeth Kleba Enfermeira Professora dos Programas Stricto sensu em Ciências da Saúde e em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECO Doutora em Filosofia pela Universidade de Bremen-Alemanha E-mail: [email protected] Fátima Ferretti Fisioterapeuta. Professora do Programa Stricto Sensu em Ciências da Saúde da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECO. Doutora em Ciências da Saúde pela Unifesp E-mail: [email protected] Natacha Luana Pezzuol Frank Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECO. E-mail: [email protected] Universidade Comunitária da Região de Chapecó Av. Senador Attílio Fontana, 591 - E Efapi - CEP: 89809-000, Chapecó - SC

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 414 - 423, jul./dez. 2013 423

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal Janaína Lopes do Nascimento Duarte Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal Resumo: Na dinâmica contemporânea de crise e reestruturação do capital, ganha fôlego, no atendimento às necessidades sociais, a partilha de responsabilidades entre Estado, Mercado e “Terceiro Setor”. Na Política de Assistência no Brasil, mesmo com o SUAS, a ênfase na participação da sociedade civil se intensifica com a prestação de serviços por meio das entidades beneficentes e de assistência social. O objetivo principal deste ensaio é problematizar o significado atual das entidades beneficentes, no contexto do SUAS, em tempos de privatização e assistencialização de políticas sociais. Sem esgotar o tema, o texto desenvolve alguns aspectos: conjuntura e proteção social no Brasil, sob o comando do pluralismo de bem-estar e do manejo do risco social; Política de Assistência Social, a partir do SUAS, e a tendência de privatização e assistencialização; tensão entre o público e o privado no âmbito da PNAS, considerando o significado das entidades beneficentes da assistência social. Palavras-chave: Proteção Social, Assistência Social, Entidades Beneficentes. BETWEEN THE PUBLIC AND THE PRIVATE: Reflections about the meaning of the Beneficent Entities in the SUAS context Distrito Federal Abstract: In the contemporaneous dynamic of the capital’s crisis and restructuration, the process of division of responsibilities between State, Market and “Third Sector” take breath in order to attend the social necessities”. In the Social Assistance Politics in Brazil, even with the SUAS, the emphasis in the civil society participation it intensifies with the services made by beneficent entities and the social assistance. The main objective of this article is to show the problem of the current meaning of the beneficent entities, in the SUAS context, in times of privatization and assistencialization of the social policies. Without finalizing the subject, the text develop some aspects: conjuncture and social protection in Brazil, under the command of the pluralism of welfare and of the social risk manage; Social Assistance Politic, from the SUAS, and the tendency of privatization and assistencialization; tension between the public and the private under PNAS scope, considering the meaning of the beneficent entities of social assistance. Keywords: Social Protection, Social Assistance, Beneficent Entities. Recebido em: 28/02/2013. Aprovado em: 06/11/2013. 424 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal

1 INTRODUÇÃO A dinâmica contemporânea dos países capitalistas é protagonizada por um contexto de crise e reestruturação do capital, pós-1970, culminando com a alteração das relações estabelecidas entre o Estado e a Sociedade, particularmente no âmbito da proteção social, sob o comando do neoliberalismo. No âmago deste processo, um determinado padrão de proteção social se intensifica no mundo capitalista (dependendo do contexto e das relações sociais de cada país) configurando um sistema plural de política social, o chamado Pluralismo de Bem-Estar, cujo aspecto central é a divisão de responsabilidades no atendimento às necessidades sociais: entre o Estado, o Mercado e o chamado “Terceiro Setor”1. No Brasil, este processo ocorre de forma mais contundente a partir dos anos 1990, marcado pela redefinição de estratégias de acumulação e pela contrarreforma do Estado. Destacamos aqui o processo de retração de políticas sociais públicas, com transferência intensificada de responsabilidades para a sociedade civil no enfrentamento das expressões da questão social2 , com estímulo à solidariedade, ao voluntariado e à responsabilidade social, ou seja, a lógica da “cooperação” entre governos, setor privado, organizações voluntárias, comunidade e família no atendimento das necessidades sociais. O campo das políticas sociais passa, então, a ser marcado por tensões e disputas entre o público e o privado na prestação de serviços e concessão de benefícios sociais. Em meio a este cenário complexo e como resultado de lutas sociais, a Assistência Social ganha status de política pública, compondo o tripé da seguridade social na Constituição de 1988, posteriormente sendo regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, culminando com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, e o estabelecimento de um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para todo o território brasileiro. Entretanto, a garantia legal da Assistência Social como política pública não consegue “frear”, no seu acesso, as tendências privatizantes, focalizadoras e seletivas que impregnam o sistema de proteção social no Brasil. Inclusive tais normatizações enfatizam a participação da sociedade civil na prestação de serviços, particularmente por meio das entidades beneficentes e de assistência social3. Diante do exposto, alguns questionamentos emergem: como fortalecer a Assistência Social

como política pública, sob a primazia do Estado, na perspectiva do direito social, sob alicerces contemporâneos pautados pela tensão entre público/privado, a partir do modelo plural de implementação de serviços socioassistenciais, com ênfase na transferência de responsabilidade estatal para as entidades beneficentes/ filantrópicas? Seria possível garantir direitos a partir do estímulo ao privado, inclusive legitimado pelo próprio Estado por meio de normatizações e financiamento direto deste às entidades do “Terceiro Setor”? Nesta perspectiva, nosso objetivo principal neste ensaio4 é problematizar o significado atual das Entidades Beneficentes no sistema de proteção social brasileiro, especialmente no contexto do SUAS e da sua implementação marcada pela tensão entre o público e o privado, em tempos de privatização e assistencialização de políticas sociais. Sem a pretensão de esgotar “um tempo” tão complexo e contemporâneo, sobretudo, diante das limitações de um artigo, buscaremos desenvolver este texto a partir de alguns aspectos: a) a conjuntura que sustenta a adequação do Brasil às determinações e exigências atuais do capitalismo central, com destaque para a lógica da proteção social sob o comando do pluralismo de bem-estar e do manejo do risco social, bem como seus desdobramentos com a contrarreforma do Estado brasileiro; b) a Política de Assistência Social a partir do SUAS, avanços e limites, com ênfase para a tendência de privatização e assistencialização da proteção social; c) a tensão entre o público e o privado a partir do debate das entidades beneficentes da assistência social, inseridas no cenário mais amplo do “Terceiro Setor”; e d) com o intuito de indicar elementos finais de reflexão, buscaremos abordar o significado atual das entidades beneficentes, particularizando a localidade do Distrito Federal. 2 CONJUNTURA CONTEMPORÂNEA, SEUS FUNDAMENTOS POLÍTICO-IDEOLÓGICOS E DESDOBRAMENTOS PARA O BRASIL A realidade societária atual é resultado de um dos processos de crise do capital5 que se desencadeia a partir de 1970. Esta crise refere-se ao momento sócio-histórico de saturação dos mecanismos de acumulação e hegemonia, obrigando os países capitalistas (centro e periferia), sob a égide neoliberal, a redefinir estratégias e, assim, reestruturar o seu modo de produzir, acumular e se reproduzir. No diálogo crise e reestruturação, “a reação R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013 425

Janaína Lopes do Nascimento Duarte

burguesa, em busca da retomada da taxa de lucros em detrimento de necessidades sociais” (BEHRING, 2004, p. 162), reorganiza relações e funções sociais para o Estado, para a sociedade civil e para o mercado, tornando exponenciais as contradições entre as classes e redefinindo a gestão da força de trabalho e o sistema de proteção social, com diferenciados impactos para as classes sociais. O modelo definido no pós-guerra, o Welfare State6, entrava-se em colapso a partir de fins dos anos 1960, e não mais atendia aos interesses do capitalismo e de sua classe dominante, iniciando um movimento de “virada” política, econômica, cultural e social pautada em ditames neoliberais, com sérios desdobramentos para as políticas sociais, sob os fundamentos do Pluralismo de Bem-Estar, da falência do Estado e da sociedade de risco. Segundo Behring (2004) e Pereira (2004)7, este processo contemporâneo é captado pelo conceito de Pluralismo de Bem-Estar ou de Welfare Mix: cooperação de vários setores sociais para a realização do bem-estar dos cidadãos, na constituição de um sistema plural ou misto de proteção social. Para Pereira (2004), falar de Pluralismo de Bem-Estar é falar de uma fase do processo de transição do padrão de proteção social que vigorou entre os anos 1945-75 (Welfare State) para outro padrão que passou a vigorar, a partir de meados dos anos 1970, nas sociedades capitalistas centrais, em substituição ao modelo keynesiano8/beveridgiano9 de bem-estar para outro modelo, pós-keynesiano/beveridgiano. O novo modelo visava quebrar a centralidade do Estado, estimular a participação do mercado e dos setores não governamentais e não - mercantis da sociedade (o “Terceiro Setor”) nas tomadas de decisão e na prática da política social: esta fórmula se constituía como o Pluralismo de Bem-Estar, em que nenhuma instância teria a primazia no trato de “novos e velhos riscos sociais”. Nesta concepção, para a operacionalização das políticas compareceria: a) o Estado com seu recurso de poder; b) o mercado com o dinheiro; e c) o “Terceiro Setor” com a solidariedade. Assim, tal estrutura instituiria uma coalizão de forças capazes de enfrentar com maior eficácia e abrangência dois principais problemas que afligem a ordem capitalista contemporânea: 1) os crescentes níveis de desemprego estrutural e, consequentemente, de pobreza; e 2) a ameaça que isso representa para a coesão social (ABRAHAMSON apud PEREIRA, 2004, p. 136). Apoiando-se em valores liberais e no discurso da recusa ao Estado como única fonte de 426 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013

autoridade, constitui-se a “divisão da responsabilidade pelo bem-estar entre quatro setores chaves, a fim de diminuir o peso do Estado e ampliar a atenção social” (JOHNSON apud PEREIRA, 2004, p. 139-141): 1) setor informal a partir da provisão da assistência por parte dos grupos primários de pertença dos indivíduos, como a família, amigos e vizinhos (movidos por sentimentos subjetivos: dever moral, amizade, companheirismo e cumplicidade); 2) setor voluntário, apresentando-se com maior organização e formalidade que o setor informal, é composto por grupos pequenos, grandes e complexas organizações filantrópicas na prestação da ajuda de forma altruística; 3) setor comercial ou mercantil, considerado espaço mais democrático que o Estado na provisão de bem-estar; e 4) setor oficial, caracterizado pelo Estado, mais precisamente pelos governos, no qual seria o intermediário, buscando o consenso entre os demais “setores”. É oportuno destacar a relevância das políticas sociais como estratégia de preservação do capitalismo, pois, como ratifica Pereira (2004), não deixou de fazer parte do atual ciclo de expansão do capital10. O que ocorreu a partir de 1970, com a necessidade de reestruturação do capital, é que houve um processo de reorganização do “Estado Social”11, por meio de mecanismos restritivos de atenção às necessidades sociais, mas, contraditoriamente, sem abrir mão da Política Social (PEREIRA, 2004). Assim, Pereira (2004, p. 145) elucida que o pluralismo de bem-estar é mais que uma estratégia de reforma ou uma mera alteração na forma de satisfazer necessidades sociais: é “indubitavelmente ideológico e representa uma mudança de fundo da proteção social do pósguerra”. Portanto, consideramos que não há nada de neutralidade neste processo chamado de “plural”, há sim uma forte conotação valorativa, um intenso vínculo com interesses da classe dominante a favor de determinado projeto societário: neoliberal; ou seja, sua principal preocupação é criar consensos em torno da defesa do capital na sua fase contemporânea. Suas teses, ainda que variadas, não levam em conta categorias como justiça distributiva, necessidades humanas e direitos sociais, e seus conceitos de descentralização e participação são sinônimos de privatização das políticas públicas. Aliás, em seus discursos, o termo público é literalmente substituído pelo vago termo plural (PEREIRA, 2004, p. 146, grifos nosso).

No Brasil, a integração ao capitalismo mun-

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal

dializado ocorre em finais dos anos 1980 e no início da década de 1990, sob o comando do capital financeiro e do projeto neoliberal, responsáveis pela redefinição de estratégias de acumulação e pela contrarreforma do Estado12. Seguindo o receituário do capital internacional e a partir de uma escolha político-econômica, o Estado brasileiro inicia um processo de ajuste econômico e retração e focalização de políticas sociais, com forte apelo à participação da sociedade civil; isto porque a crise, iniciada nos anos 1970, seria (no discurso neoliberal) uma “crise fiscal do Estado, uma crise do modo de intervenção do Estado no econômico e no social, e uma crise da forma burocrática de administrar o Estado” (PEREIRA, 1996, p. 9). Descortinando esta concepção satanizada do Estado, Mota (2000) explica que é indispensável constituir uma “cultura política da crise” para sedimentar as reformas, por meio de consensos de classes. O conteúdo ideológico e político dessa cultura é a ideia de que as dificuldades afetam indistintamente o conjunto da sociedade e que sua superação beneficia todos os sujeitos e países. Portanto, o fenômeno real é a crise das formas de produção e acumulação do capital no pós-1970, sendo instalada a cultura da crise para justificar o processo de reestruturação e garantir a adesão da classe trabalhadora: é a “condição para empreender mudanças consentidas [...]” (MOTA, 2000, p. 72). Assim, a contrarreforma do Estado no Brasil estabelece um processo contínuo de desmantelamento da seguridade, a partir da desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social, inaugurando um novo quadro de respostas às expressões da questão social (DUARTE, 2011), em sintonia com a dinâmica do pluralismo de bem-estar europeu. Neste sentido, salientamos a tendência de privatização de políticas sociais, que termina por precarizar e focalizar o acesso aos direitos sociais, a partir especialmente de dois grandes veículos: 1) o mercado, com destaque para as políticas de saúde, previdência e educação, transformadas em espaço mercantil para o financiamento da acumulação capitalista em tempos de crise; e 2) do “Terceiro Setor” e suas organizações, assumindo as respostas às manifestações da questão social, em detrimento do Estado. A regressão de direitos sociais a partir de 1990 (com os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso) tem continuidade, nos anos 2000, com o Governo Lula, a partir da política de estabilização monetária, endividamento externo e financeirização da economia, limitações de recursos para políticas sociais e deslocamento destes para o superávit primário e amortização

da dívida externa. O Governo Lula também privilegia as parcerias com o mercado e o “Terceiro Setor” no trato da questão social, incentivando uma “cultura voluntária”, com medidas de apoio a ação espontânea como a Lei do Voluntariado (Lei 9.608 - 18/02/1998), estimulo à solidariedade e à responsabilidade social, pois “ser voluntário no Brasil passou, repentinamente, a constituir um passaporte para o exercício da cidadania [...]” (PEREIRA, 2004, p. 155). Ou seja: a garantia de direitos tornou-se sinônimo de boa vontade. Nesta direção, e dando sustentação a este contexto, o Banco Mundial (HOLZMANN; JORGENSEN, 2000, p. 2) afirma que, na atualidade, há um “descompasso entre a necessidade de prover proteção social adequada, aos indivíduos considerados muito vulneráveis às crises financeiras, e a falta de recursos públicos”, cujo responsável por esse conflito é em parte: a) a definição tradicional de proteção social, orientada por medidas de intervenção essencialmente públicas; e b) a necessidade estratégica de construir uma perspectiva efetiva de redução da pobreza que incluísse os pobres que não podem participar do processo de crescimento através do trabalho (idem). Assim, como idealizador de uma proposta que operacionaliza o pluralismo de bem-estar em tempos de crise acirrada do capital, o Banco Mundial (HOLZMANN; JORGENSEN, 2000) propõe uma nova definição e um marco conceitual chamado de “Manejo Social del Riesgo”, com o intuito de “permitir un mejor diseño de Programas de Protección Social como un componente de una estrategia revisada de reducción de la pobreza” (idem, p. 3), marcado pela gestão dos “novos riscos sociais”, originários da sociedade contemporânea, e com foco na pobreza absoluta13. Aqui cabem dois comentários: 1) a noção de pobreza contida neste documento desconsidera as relações capitalistas extremamente desiguais, pautadas na relação de exploração da classe dominante sobre a classe trabalhadora, uma vez que articula a pobreza unicamente à noção de vulnerabilidade: “[...] pobres habitualmente están más expuestos a riesgos, pero al mismo tiempo tienen poco acceso a instrumentos adecuados de manejo del riesgo” (HOLZMANN; JORGENSEN, 2000, p. 4); e 2) o modelo de gestão do risco deve: focalizar em um determinado grupo da população, os mais pobres entre os mais pobres14, e partilhar responsabilidades entre o Estado, o setor informal e o mercado, a partir de vários atores: “indivíduos, família, comunidades, ONG, instituições do mercado, governos, organizações internacionais e a R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013 427

Janaína Lopes do Nascimento Duarte

comunidade mundial em geral” (idem, p. 11). Tal proposta do Banco Mundial tem plena sintonia com o debate do pluralismo de bem-estar e com a necessidade atual do capital de investir em novos e velhos espaços de acumulação, assim como de atender ao mínimo para o trabalho (aqueles em condições de extrema pobreza), maximizando o Estado para o capital e reorganizando as relações entre o Estado e a Sociedade na atualidade. Contudo, como afirma Pereira (2004, p. 144, grifos nossos) o grande risco é “este Estado pluralizado tornar-se de bem-estar exclusivamente para os privilegiados e ser, não apenas residual, mas algoz dos pobres, fazendo uma perversa passagem da providência para a penitência”. No Brasil tais influências se desdobram nas políticas de seguridade social. Para Mota (2009a), é uma dinâmica de retração dos direitos sociais que se ampara na expansão da assistência e nas restrições aos sujeitos consumidores, promovidas pela crescente privatização da previdência e da saúde, com a focalização da assistência nos segmentos mais pobres da sociedade (os chamados “vulneráveis” ou em “situações de risco”). Behring (2009) enfatiza que têm presença marcante as ações com estímulo a fundos sociais de emergência, aos programas compensatórios de transferência de renda, e à mobilização da ‘solidariedade’ individual e voluntária, bem como as organizações filantrópicas e não governamentais no atendimento e na prestação de serviços sociais. Nesta direção, cabe refletir um pouco sobre as tendências postas para a Política de Assistência Social com base nesta complexa conjuntura. 3 A ASSISTÊNCIA SOCIAL COM O SUAS: entre avanços e limites Na contracorrente das tendências neoliberais e como resultado das lutas sociais no contexto da redemocratização do Brasil, a Assistência Social confere, tardiamente, a condição de política social pública, a partir do tripé da seguridade social na Constituição de 1988 e, na sequência, com a Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS (1993): “ao instituí-la como política de seguridade social, o Estado brasileiro passa a reconhecer a assistência como parte de um sistema mais amplo de proteção social” (BOSCHETTI, 2003, p. 77). Por outro lado, segundo Boschetti (2003, p. 116), a assistência social convive com uma “dialética situação de originalidade e conservadorismo”, uma vez que as inovações instituídas legalmente no campo jurídico, ainda convivem 428 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013

com características históricas da assistência social no Brasil, tais como: descontinuidade, pulverização, clientelismo nas ações e serviços, fragmentação, nebulosidade entre o público e o privado, este último principalmente no âmbito da atuação de entidades assistenciais que recebem recursos públicos. Não desconsiderando a teia de contradições e interesses que envolvem a política de assistência, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) emerge neste contexto e define as bases para o novo modelo de gestão da política pública: o Sistema Único de Assistência Social15. A PNAS (BRASIL, 2004), em seu texto, mantém e ratifica o que foi aprovado na LOAS e define as bases para a implantação de um sistema único de gestão e controle da assistência. O SUAS caracteriza-se como um modelo de gestão da política de Assistência Social e propõe a regulação e organização das ações sócio-assistenciais em território nacional. Entretanto, Mota (2009b) argumenta que as políticas que integram a seguridade social brasileira conformam, na atualidade, uma unidade contraditória: por um lado avançam a mercantilização e privatização das políticas de saúde e previdência, restringindo o acesso e os benefícios, e por outro a assistência social se amplia “transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil” (idem, p. 134), descolado da efetivação das outras políticas sociais. A autora identifica este processo, já desde a década de 1990, como uma tendência “a privatização e a assistencialização da proteção social no Brasil” (idem, p. 135). Os fundamentos deste cenário aproximam-se (política e ideologicamente) das concepções do pluralismo de bem-estar e do “manejo del riesgo”, cujo discurso se apóia no crescimento da pobreza e na impossibilidade do Estado garantir, ao mesmo passo, o enfrentamento à questão social e o crescimento econômico: por isso, é necessário focar nos mais pobres e promover uma intervenção compartilhada entre Estado, mercado e sociedade. Mota (2009b, p.134) nos adverte que “ao focalizar os segmentos mais pobres da sociedade, imprime outro desenho à política de Assistência Social”, particularmente com sua expansão centrada nos Programas de Transferência de Renda16 para os mais pobres. Na verdade, é necessário legitimar interesses burgueses, consolidar estratégias, sedimentar consensos, garantir alterações não só políticas e econômicas, mas fundamentalmente ideológicas. Segundo Mota (2009b, p. 141, grifos nossos):

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal

Instala-se uma fase na qual a Assistência Social, mais do que uma política de proteção social, se constitui num mito social. Menos pela sua capacidade de intervenção direta e imediata, particularmente através dos programas de transferência de renda que têm impactos no aumento do consumo e no acesso aos mínimos sociais de subsistência para a população pobre, e mais pela sua condição de ideologia e prática política.

Diante desta dinâmica, o SUAS busca implementar serviços e garantir direitos como política pública, mas em um solo contraditório, nebuloso e de grandes desafios, cujo suporte se encontra nas determinações sócio-históricas atuais de um capitalismo em crise, sob o comando de organismos financeiros internacionais e do apoio da burguesia brasileira. Portanto, são muitos os desafios e limites, mas só a lucidez crítica da totalidade dos fenômenos da realidade pode indicar possibilidades de luta e resistência. Segundo Mota (2009b, p. 142), é necessário recuperar que a seguridade social “é produto histórico das lutas do trabalho na medida em que responde pelo atendimento de necessidades inspiradas em princípios e valores socializados pelos trabalhadores e reconhecidos pelo Estado”; por isso, deve se constituir como pública, compreendendo o público na direção do enfrentamento coletivo da questão social, sendo esta o resultado da exploração e desigualdade de classe na sociedade capitalista. Neste sentido, é fundamental problematizar o movimento atual de privatização de serviços socioassistenciais, por meio do mercado e da sociedade, no qual neste texto particularizamos a intervenção direta das Entidades Beneficentes da Assistência Social. Qual o significado que estas entidades assumem nessa conjuntura adversa? 4 TENSÃO ENTRE PÚBLICO E PRIVADO: desafios e limites das entidades beneficentes da assistência social A trajetória da Assistência Social tem intenso vínculo com a prestação de serviços e benefícios por entidades não governamentais, a partir da lógica da ajuda e da benesse aos pobres, pois, segundo Colin (2010), tal política, tradicionalmente no Brasil, esteve relacionada à caridade e à filantropia institucionalizada em entidades confessionais e leigas. A autora destaca que “em grande parte, a conformação da assistência social foi construída fora do Es-

tado brasileiro, que, de forma tímida, iniciou a sua parceria com a sociedade civil por meio da oficialização da filantropia e a homenagem às ações beneméritas de particulares [...]” (idem, p. 180, grifos nossos). Em tempos de SUAS, a assistência social é ratificada como política pública, cuja responsabilidade é de primazia do Estado, em parceria com a rede de atendimento, buscando uniformizar e universalizar a prestação de serviços, ampliar a proteção social e assegurar direitos socioassistenciais. Todavia, Colin (2010) nos chama a atenção que, na atualidade, coexistem dois modelos de assistência social: como política pública e como filantropia; esta última apoiada na prestação de serviços pelas entidades beneficentes, no qual ambos os formatos engendrados requerem sistematicamente a “presença do Estado, dotado de seus recursos humanos, materiais, físicos e financeiros, mediante cooperação e financiamento direto e indireto” (idem, p. 182). A PNAS (BRASIL, 2004) confirma a tensão e as disputas entre público e privado com a prevalência da prestação de serviços por instituições fora do âmbito estatal, cedendo à pressão dos parâmetros da contrarreforma do Estado e da lógica das políticas sociais plurais. As entidades prestadoras de assistência social (âmbito privado) integram o Sistema único de Assistência Social, não só como prestadoras complementares de serviços sócio-assistenciais, mas como co-gestoras através dos conselhos de assistência social e co-responsáveis na luta pela garantia dos direitos sociais aos usuários da assistência social (BRASIL, 2004, p. 47, grifos nossos).

E sobre o Distrito Federal, o que podemos dizer do centro do poder do país? O Governo do Distrito Federal também implementa a Política de Assistência Social em sistema de parceria com entidades da sociedade civil, por meio de convênios firmados entre estas e a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST), via Editais de Chamamento para Seleção Pública de Entidades e assinatura de contratos, a fim de assegurar a prestação de serviços e a execução de ações de Proteção Social Básica e Especial na área da Assistência Social (DISTRITO FEDERAL, 2008a). De acordo com o art. 1º da Portaria nº 126 do Governo distrital (DISTRITO FEDERAL, 2008b, grifos nossos): Os programas, projetos e atividades, opR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013 429

Janaína Lopes do Nascimento Duarte

erações especiais ou eventos de interesse recíproco da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST) e de outros entes ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, serão realizados por meio de transferência de recursos financeiros oriundos de dotações consignadas no Orçamento Fiscal e da Seguridade Social e efetivadas por meio de convênios, contratos de repasse ou instrumentos congêneres [...].



Tais documentos do Governo do Distrito Federal caminham na direção da partilha e, ao mesmo tempo, ampliação de responsabilidades do privado em detrimento do público, pois como afirma Freitas (2011, p. 55): “As práticas pluralistas acontecem na política de assistência social no Brasil. O Estado reconhece, incentiva as iniciativas plurais [...]”, estimulando o papel dos setores informal e voluntário no direito à assistência social. Este estímulo já ocorre no Brasil desde a década de 1990, com a expansão e legitimação do “Terceiro Setor”. Como fenômeno contemporâneo, de acordo com estudos anteriores (DUARTE, 2007), o “Terceiro Setor” é compreendido a partir de duas tendências predominantes, cujas direções se distinguem e se articulam a projetos societários diferentes: 1) A tendência conservadora que, vinculada aos interesses do capital, compreende o “Terceiro Setor” como “sociedade civil organizada” que busca responder, de forma “alternativa” e mais eficiente, às expressões da questão social a partir do voluntarismo e da solidariedade transclassista; e 2) A tendência crítica e dialética (na qual nos situamos) que busca desvelar o fenômeno como funcional ao processo de reestruturação do capital, inserido nas contradições da sociedade capitalista contemporânea, representando interesses da classe dominante (encobertos pelo discurso atraente da solidariedade e do voluntariado). Portanto, caracterizando-se como estratégia de consenso e hegemonia, já que se revela como “[...] um novo padrão para a função social de dar respostas às expressões da questão social” (MONTAÑO, 2003, p. 22), na qual a comunidade/sociedade se responsabiliza pela questão social gerada pelas contradições entre as classes. Ressalta-se que a ideia dominante de sociedade civil17 como sinônimo do “Terceiro Setor” (DUARTE, 2011), vinculada à lógica conservadora, vem se caracterizando como uma tendência contemporânea que esvazia os interesses de classe, confunde e desarticula o real, comprometendo: o entendimento e a aná-

430 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013

lise da conjuntura de crise e reestruturação do capital, o desvendamento do estágio atual de destruição de direitos sociais e a crítica ao processo de transferência de responsabilidades com a questão social para a esfera privada. O fim último é neutralizar conflitos e apagar diferenças de projetos societários, por meio da passivização e do transformismo. Na verdade, o “Terceiro Setor” é marcado por uma funcionalidade na conjuntura contemporânea que se desdobra em duas dimensões que se articulam: a) na contribuição com o processo de redimensionamento do Estado, minimizando a intervenção deste no enfrentamento das expressões da questão social, estimulando a tensão entre o público e o privado (na direção do pluralismo de bem-estar); e b) na promoção de um clima de aliança e igualdade entre as classes sociais, dimensão esta que obscurece o conflito e fragiliza a luta e a resistência dos trabalhadores. É nesse campo do debate que se inserem tanto atividades por caridade como as instituições que atuam no campo da filantropia, como as entidades da assistência social. Colin (2010) afirma que as entidades da assistência social se inserem dentro do amplo, heterogêneo e confuso universo das entidades sem fins lucrativos, mas o que as particulariza são as “finalidades institucionais perseguidas, ligadas aos objetivos traçados pelo art. 203 da Constituição da República, acrescido do elenco de funções, seguranças e proteções sociais descritas na PNAS/2004” (idem, p. 189). Neste sentido, a autora contribui com o seguinte enunciado: Entidade de assistência social é a pessoa jurídica de direito privado, regularmente constituída, que expresse, em seu ato constitutivo, fins institucionais, natureza jurídica, missão e público-alvo, conforme delineado pela Lei Orgânica da Assistência Social e suas normas operacionais, tendo por finalidade preponderante o atendimento, o assessoramento ou a defesa e a garantia de direitos aos usuários da assistência social, de forma permanente, planejada e contínua (COLIN, 2010, p. 197).

Tais entidades devem ainda garantir a gratuidade do acesso aos serviços, compromisso com a finalidade pública, transparência nas ações, comprovação das atividades por meio de planos de trabalho, adesão ao SUAS, relatórios de atividades ou balanço social ao Conselho de Assistência Social competente (onde obrigatoriamente devem estar inscritas como entidade beneficente18), dentre outros, de acor-

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal

do com Colin (2010). É oportuno ressaltar que estas entidades são financiadas diretamente pelo Estado, por meio de recursos públicos, de forma direta ou indireta. Diversas são as modalidades de repasse dos recursos públicos: “através de subvenções sociais e de transferências de fundo a fundo, ou mediante concessão de exonerações tributárias [...]” (COLIN, 2010, p. 188): é o repasse de recursos públicos, com fins que devem ser públicos, para entidades privadas. Algumas questões se colocam diante deste universo das entidades: será que se tem controle efetivo sobre a amplitude dos recursos públicos repassados? Na relação custo/resultado é possível caracterizar o impacto sobre a vida dos usuários da assistência, na direção do real enfrentamento da desigualdade social no Brasil? É possível ultrapassar os marcos da filantropia que ainda atravessam as ações destas entidades? Assim, podemos afirmar que as entidades se encontram imbricadas pelas tensões e disputas entre público e privado, na medida em que expressam a tendência contemporânea de transferência de recursos públicos para o financiamento de serviços e benefícios sob o viés do “Terceiro Setor” (em escala cada vez mais ampliada), ou seja, constituindo-se como um processo de privatização das obrigações públicas estatais. Na verdade, as entidades são perpassadas por uma série de contradições, na medida em que propagam ações débeis na perspectiva da universalização de direitos, pois frequentemente: caracterizam-se como assistemáticas e descontínuas; não garantem abrangência; realizam ações que tomam como referência os valores e padrões das instituições, por exemplo, por meio da focalização de segmentos e de serviços, muitas vezes a partir de vínculos religiosos19. É importante ressaltar que: “Na esfera do Estado não pode acontecer nenhuma diferenciação sexual, religiosa ou ético-racial” (FREITAS, 2011, p. 51). Boschetti (2003, p. 83), no debate sobre o “binômio seletividade versus universalidade”, destaca que a política de assistência social focaliza a prestação de serviços nas parcelas vulneráveis da população. Complementamos: dentre estes serviços, ainda repassa para as entidades a responsabilidade pela garantia de serviços e benefícios muitas vezes sem acompanhamento e fiscalização do Estado e da própria sociedade. Portanto, é a própria sociedade que deve gerir a pobreza com a ausência do Estado. Freitas (2011, p. 67) nos alerta que a socie-

dade civil vem se afastando do seu “direito à participação enquanto possibilidade de reivindicações e de proposições diretas em espaços que permitam um efetivo controle social sob as políticas públicas”, uma vez que movimentos sociais e políticos (de garantia de direitos) vivenciam um processo de esvaziamento do seu poder de pressão político-ideológico sob o Estado. No cenário atual, a autora ainda conclui que as entidades resumem-se a mecanismos de execução privada de políticas sociais, o que não contribui para a melhoria da qualidade da proteção social no Brasil. As entidades atuam muito mais na lógica da parceira, incorporada na direção da colaboração entre o público e o privado, contribuindo ainda mais para a despolitização das lutas, passivização e naturalização da questão social; a perspectiva da fiscalização, do controle social, da pressão para a garantia real de direitos (a partir de uma lógica pública: universalidade, laicismo, equidade) perde o sentido diante das novas e velhas modalidades de relações entre o público e o privado, com destaque para a assistência social em tempos de “privatização e assistencialização das políticas sociais” (MOTA, 2009b). 5 CONCLUSÃO Na caminhada para a finalização deste texto (e não para o esgotamento do tema), salientamos que a relevância contemporânea da atuação das entidades beneficentes encontra-se no âmbito da dimensão que assumem e dos pressupostos teóricos, ideológicos, éticos e políticos que atravessam suas ações, inclusive legitimadas pelo Estado, em uma conjuntura de larga e densa crise do capital20. Neste cenário, a teoria do pluralismo de bem-estar contribui para a efetivação de uma proteção social de responsabilidade partilhada (de forma desigual, sem controle social, a partir de interesses dominantes) entre o Estado, o Mercado e a Sociedade, com destaque para as diversas organizações do “setor formal”, como as entidades beneficentes da assistência social. O discurso político ideológico que fundamenta a parceria é que não é possível que o Estado sozinho possa promover a proteção social na sociedade contemporânea, marcada por inúmeros desafios e pelas mais distintas expressões da questão social: é necessário o “manejo do risco”; o que também legitima a expansão atual do “Terceiro Setor”. No bojo deste processo, a política de assistência social assume papel fundamental e estratégico, como espaço de política estrutuR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013 431

Janaína Lopes do Nascimento Duarte

rante, central, ao passo que as demais políticas são privatizadas, sendo transferidas para a órbita do mercado ou dos setores informal e formal da “apolítica e homogênea sociedade civil” transmutada de “Terceiro Setor”. Há uma necessidade imperiosa contemporânea de controlar e administrar a pobreza: deslocando a pobreza da relação com a questão social e com seus elementos de gênese e constituição. Na contramão desta conjuntura complexa e contraditória, o SUAS é regulamentado, mas sua consolidação traz avanços e limites que expressam a constante tensão entre projetos societários antagônicos. Ao mesmo tempo em que ratifica a primazia do Estado na garantia do direito à assistência social, estimula o repasse da responsabilidade de serviços e benefícios para a iniciativa privada por meio das entidades beneficentes, cuja particularidade das “isenções tributárias e imunidades concedidas a entidades sem fins lucrativos não respondem a interesses somente de uma classe” (FREITAS, 2011, p. 178). O Estado passa a financiar as entidades para a prestação do serviço socioassistencial. Freitas (2011, p. 179) nos convida a refletir que: “O SUAS permite a participação do setor privado na assistência social [...]”. Na realidade, “o que importa para o SUAS é a oferta de serviços. Não importa o papel que o Estado adota nesse processo, se de executor ou coordenador” (idem, p. 179). O Estado atua como gerente e cumpre obrigações por meio do instrumento do convênio com as entidades do setor privado, não atuando na ampliação dos serviços públicos estatais. No Distrito Federal, segundo pesquisa de Freitas (2011) realizada no período 2007-2010, a participação de entidades privadas na assistência social (mais conhecidas como filantrópicas no DF) acabou sendo necessária para a existência dessa política no Distrito Federal: A quantidade de ações, serviços e programas executados pelo Estado é inferior à executada pelo setor privado. De dez serviços existentes na Proteção Social Especial em 2010, apenas três eram executados pelo Estado. Na Proteção Social Básica essa diferença diminui: de oito serviços, cinco são executados pelo Estado. Verificou-se que não há nenhum serviço ofertado exclusivamente pelo Estado, porém há serviços que são ofertados exclusivamente pelo setor privado. Essa exclusividade do setor privado é permitida e reforçada pelo Estado (idem, p. 182, grifos nossos). 432 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013

Ainda mais perverso é reconhecer que a legitimidade deste processo de privatização avassaladora é concedida pela própria sociedade que se sente contemplada pelo serviço prestado, até pela ausência ou insuficiência de serviços estatais, sem avaliar ou questionar, quem e como o oferece: se é o Estado, o mercado ou as diversas organizações sociais. Como desafio e, ao mesmo tempo, possibilidade, Pereira (2004, p.151) indica que: [...] sem a reconquista dos direitos sociais pelas classes e movimentos sociais e a exigência legítima de que o Estado cumpra papel de garantia desses direitos, torna-se difícil no capitalismo sequer desenvolver políticas sociais plurais, quanto mais públicas [...].

Ao retomar nosso questionamento inicial neste trabalho e sem o intuito de julgar as entidades beneficentes, mas problematizar na atualidade o significado das suas ações inseridas na estrutura do SUAS em tempos de privatização de direitos sociais, podemos inferir que: o campo privado destas instituições atua na direção e perspectiva do mercado, já que detém outra lógica de funcionamento e prestação de serviços, muito distante da concepção do público, do atendimento de necessidades sociais, da garantia de direitos. Assim, a própria lógica e estrutura que fundamentam estas entidades divergem da direção do fortalecimento do SUAS. É essencial considerar que o universo que perpassa tais entidades é marcado pela trajetória histórica da filantropia, bem como por tensões e interesses de classes, pautados em projetos de sociedade em disputa. Portanto, não pode ser viabilizada a garantia de direitos sociais a partir do estímulo ao privado, por meio de financiamento direto e indireto de entidades beneficentes. A classe trabalhadora necessita ficar atenta às armadilhas neoliberais de destruição de conquistas sociais resultado de lutas históricas. REFERÊNCIAS BEHRING, E. R. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. _____. Política Social: notas sobre o presente e o futuro. In: BOSCHETTI, Ivanete et all (Orgs.). Política Social: alternativas ao neoliberalismo. Brasília-DF: UNB/Programa de PósGraduação em Política Social, Departamento de Serviço Social, 2004, p.161-180.

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal

_____. Expressões Políticas da Crise e as Novas configurações do Estado e da Sociedade Civil. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Unidade I: O significado sócio-histórico das transformações da sociedade contemporânea. CFESS/ABEPSS: Brasília-DF, 2009, p. 69-86. BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. Biblioteca Básica / Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2006. BOSCHETTI, I. Assistência Social e Trabalho: Direitos (In) Compatíveis? In: Assistência Social no Brasil: um direito entre originalidade e conservadorismo. 2. ed. Brasília-DF, 2003, p. 63. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME (MDS). Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social: PNAS/2004. Brasília-DF, 2004. COLIN, Denise Ratmman Arruda. A gestão e o financiamento da Assistência Social transitando entre a filantropia e a política pública. In: SYUCHI, Carolina Gabas, et al (Orgs.). Assistência Social e filantropia. Novo marco regulatório e o cenário contemporâneo de tensões entre o público e o privado. São Paulo: Giz editorial, 2010, p. 179-225. DISTRITO FEDERAL. Lei nº 4.176: Política de Assistência Social do Distrito Federal, instituindo o SUAS no Distrito Federal. Brasília: Governo do Distrito Federal, 16 de julho de 2008a. _____. Portaria 126. Brasília-DF, 06 de outubro de 2008b. DUARTE, J. L. do N. O Serviço Social nas Organizações Não-Governamentais: tendências e particularidades. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, UFRN, Natal, 2007. _____. “Telhado de Vidro” nas ONGS: enfrentamento da Questão Social e desafios ao Serviço Social. In: Em Pauta - Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, v. 9, n. 27, jul. 2011, p.91-106. FREITAS, N. E. de. A materialização do SUAS no DF: o Estado garantindo a primazia do setor privado. Dissertação (Mestrado em Política Social), Programa de Pós-Graduação em Política Social, UnB, Brasília, 2011. HOLZMANN, R.; JORGENSEN, S. Manejo Social del Riesgo: Un nuevo marco conceptual para la Protección Social y más allá. Banco Mundial, 2000, p. 2-26. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2011.

IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 11. ed. São Paulo: Cortez; [Lima, Peru]: CELATS, 1996. MONTAÑO, C. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MOTA, A. E.. Crise contemporânea e as transformações na produção capitalista. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Unidade I: O significado sócio-histórico das transformações da sociedade contemporânea. CFESS/ABEPSS: Brasília, 2009a, p. 51-67. _____. A centralidade da assistência social na Seguridade Social brasileira nos anos 2000. In: O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009b, p. 133-146. _____. Cultura da crise e Seguridade Social. Um estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. NETTO, J. P.; BRAZ, M. As crises e as contradições do capitalismo. In: Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2006, p. 156-167. PEREIRA, P. Os falsos dilemas da assistência social: um esforço de compreensão crítica com base em evidências empíricas. In: A Assistência Social na perspectiva dos direitos. Crítica aos padrões dominantes de proteção social aos pobres no Brasil. Brasília: Thesaurus, 1996. _____. Pluralismo de bem-estar ou configuração plural da política social sob o neoliberalismo. In: BOSCHETTI, I.; PEREIRA, P.; CESAR, M. A.; BOMTEMPO, D. (Orgs.). Política social: alternativas ao neoliberalismo. Brasília: Programa de Pós - Graduação em Política Social, SRR/UnB, 2004, p. 135-159. _____. Política Social: Temas e Questões. São Paulo: Cortez, 2008. NOTAS 1 Utilizaremos o termo entre aspas significando que este fragmenta e mistifica a realidade, sendo responsável e útil pelo processo de desresponsabilização estatal no enfrentamento da questão social, em tempos de crise e reestruturação do capital. Maiores explicações ver página 12 deste ensaio. 2 Sobre questão social, Iamamoto e Carvalho (1996, p. 77) explicam: “é a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia”, pois falar em questão social R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013 433

Janaína Lopes do Nascimento Duarte

é discutir luta de classes e apropriação desigual da riqueza socialmente produzida no capitalismo monopolista. 3 É significativo frisar que na PNAS haja um item do texto oficial intitulado “Novas bases para a relação entre o Estado e a Sociedade Civil” (BRASIL, 2004); portanto, na direção da constituição de parcerias e do compartilhamento de responsabilidades com entidades do “mundo privado”. 4 Este texto é resultado das nossas inquietações a partir: da experiência profissional na Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST)/DF, em 2009, da nossa experiência docente na Universidade de Brasília (UnB), bem como das reflexões teórico-metodológicas realizadas na disciplina “Política Assistência Social - Seguridade Social” na Pós-Graduação em Política Social da UnB (2011). 5 Netto e Braz (2006) afirmam que a análise teórica e histórica do modo de produção capitalista comprova que a crise é constitutiva do capitalismo, sendo expressão concentrada das suas contradições. 6 Cabe destacar que o Welfare State, momento caracterizado por um “pacto”, tensionado pela luta de classes para garantir um modelo de proteção social, cuja consolidação esteve amplamente articulada ao keynesianismo/fordismo nos países centrais, não pode ser generalizado, uma vez que ocorreu de forma diversificada em cada país, não tendo assim um percurso linear e uniforme (PEREIRA, 2008). 7 As autoras recuperam este debate a partir de Peter Abrahamson (1995) que realiza um estudo de documentos da ONU, da OCDE e da União Européia no qual identifica uma orientação geral de constituição de uma política social plural, a partir da co-responsabilidade de vários setores sociais. 8 Modelo idealizado pelo economista Keynes propunha, no período pós 2ª Guerra, a garantia do pleno emprego, um sistema de políticas sociais públicas, a proteção dos direitos trabalhistas, a regulação das condições de trabalho, sendo assumidos pelo “Estado Keynesiano”. 9 “Considerado como um modelo assistencial, no qual os direitos devem ser universais, destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, mas garantindo mínimos sociais a todos em condições de necessidade” (BOSCHETTI, 2003, p. 63). 10 Behring e Boschetti (2006, p. 36) ressaltam que as políticas sociais se constituem, na perspecti434 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013

va crítica e dialética, como “processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo [...]”. 11 Segundo Boschetti (2003, p. 59 - nota), o termo “Estado Social é o mais adequado para designar genericamente a ação do Estado capitalista na regulação das políticas sociais”, uma vez que “terminologias como Welfare State, Estado Providência e Estado de Bem-Estar Social referemse a contextos históricos e sócio-econômicos bem específicos, com características próprias aos países a que se referem”. 12 A contrarreforma significou um redimensionamento das funções do Estado, na contracorrente das conquistas sociais históricas da classe trabalhadora, garantidas na Constituição Federal de 1988, o que caracteriza um retrocesso social de natureza destrutiva e regressiva para os trabalhadores (BEHRING, 2003). 13 Conforme Pereira (1996), o conceito de pobreza é complexo, multideterminado e exige cuidadosa qualificação, sendo necessário destacar sua distinção entre absoluta e relativa: “pobreza absoluta constitui uma categoria restrita, consagrada pela ideologia liberal ou neoliberal, a qual justifica e prioriza ações focalizadas e emergenciais, que suprem paliativamente (quando suprem) sintomas de carências profundas” (idem, p. 25); a pobreza relativa amplia o debate, pois “[...] denuncia além da desmonetarização dos pobres e do desemprego, a ausência de políticas públicas adequadas, a falta de investimentos públicos em áreas vitais (saúde, educação, moradia, etc) e desigualdades relacionadas às questões de raça, religião, gênero, idade, nacionalidade, etc” (idem, p. 27). 14 Na verdade, as intervenções mais remotas do Estado, desde a Lei dos Pobres (séc. XVII), não buscam resolver definitivamente a pobreza ou têm o intuito de atender necessidades humanas de forma universal; para tanto, seria necessário alterar as bases da sociabilidade de exploração e domínio hegemônico das classes dominantes, sem contar que a pobreza ocupa papel importante na manutenção dos interesses da burguesia. 15 A Lei 12.435 (publicada em DOU, dia 06 de julho de 2011) altera a Lei 8.742 (LOAS), instituindo o SUAS (ver art. 6º da Lei 12.435). 16 O Programa Bolsa Família constitui-se como central na perspectiva da transferência de renda a nível federal. Para além da relevância do acesso “a algo quando não se tem nada ou qua-

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: reflexões sobre o significado das Entidades Beneficentes no contexto do SUAS no Distrito Federal

se nada”, dentre seus aspectos contraditórios citamos: 1) protege aumentando a responsabilidade da família; 2) preocupação quantitativa e não qualitativa com as condicionalidades para o acesso da população; 3) articulação frágil e formal com outras políticas sociais; e 4) direcionado p/ o consumo da população usuária da política. 17 A partir de Gramsci, compreendemos sociedade civil como uma arena de conflitos, espaço da organização dos interesses de classe (capital e trabalho), atravessada por contradições, tendo em vista a luta pela hegemonia de determinado projeto de sociedade. 18 Sobre a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) ver a nova legislação, a partir do SUAS, com destaque para a Lei Federal 12.101, de 27 de novembro de 2009. 19 Segundo Colin (2010, p. 191) as entidades se constituem como “multiformes em sua vinculação doutrinária, de cunho religioso, empreendedor, revolucionário, entre outras”.

20 Particularizando o nosso país, temos ainda como agravante a tradição histórica marcada pela cultura anti-democrática, de relações patrimonialistas e clientelistas. Para maiores aprofundamentos ver Boris Fausto, Darci Ribeiro, Caio Prado Jr., José Murilo de Carvalho, dentre outros. Janaína Lopes do Nascimento Duarte Assistente Social Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Professora da Universidade de Brasília - UnB. Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Pedro Calmon, 550 - Cidade Universitária, Rio de Janeiro - RJ CEP:21941-901 Universidade de Brasília Campus Universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília - DF, CEP: 70910-900

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 424 - 435, jul./dez. 2013 435

PLANIFICACIÓN Y DESARROLLO TERRITORIAL EN LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas Giselle González1 Universidad Nacional de La Plata y Conicet

Planificación y desarrollo territorial en la Provincia de Buenos Aires: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas Resumen: El trabajo describe y analiza la actuación del Consejo de Planificación Regional de Educación Superior (CPRES) desde la sanción de la Ley 24.521/95 hasta 2011 en base a una indagación de su diseño institucional y el desempeño de sus actores relevantes. Del universo, compuesto a nivel nacional por siete regiones CPRES, se seleccionó el caso de la región bonaerense. Ésta representa, junto con el área metropolitana, uno de los territorios con mayor población y actividad económica de la Argentina. Además, concentra a más de un tercio de las instituciones de educación superior que integran la oferta total del país. El trabajo analizó, en profundidad, fuentes documentales y entrevistas a informantes clave del ámbito académico, técnico y político que participaron del Programa de Reforma de la Educación Superior, iniciado en 1995. Los resultados evidencian que el CPRES se constituye como una estructura de autoridad de nivel intermedio con atribuciones jurídico-institucionales para planificar, coordinar, y regular los procesos de elaboración e implementación de políticas públicas en el marco de un contexto sistémico complejo y de alta diferenciación institucional. Sin embargo, aún no logran constituirse en efectivas autoridades de implementación. Palabras clave: gobierno, poder, territorio PLANNING AND LAND DEVELOPMENT IN THE PROVINCE OF BUENOS AIRES: the role of regional planning council for higher education in educational policy implementation Abstract: The paper describes and analyzes the performance of the Regional Planning Council of Higher Education (CPRES) from its acronym in Spanish) since the enactment of Law 24.521/95 until 2011 based on a survey of its institutional design and the performance of its stakeholders. In a universe, consisting of seven national regions CPRES, the Buenos Aires region was selected. This represents, together with the metropolitan area, one of the areas with the highest population and economic activity in Argentina. Furthermore, concentrated over a third of the colleges that make up the country’s total supply. Documentary sources were analyzed and in-depth interviews with key informants from the academic, technical and political participation of the Reform Program of Higher Education started in 1995. The results show that the ERCP was established as an authority structure intermediate legal and institutional capacity to plan, coordinate, and regulate the processes of development and implementation of public policies in the backdrop of a complex and high systemic institutional differentiation. However, still fail to become effective implementation authorities. Keywords: government, power, territory. Recebido em: 22/08/2013. Aprovado em: 06/11/2013. 436 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013

PLANIFICACIÓN Y DESARROLLO TERRITORIAL EN LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas

1 INTRODUCCIÓN Durante las últimas décadas, en la mayoría de los países latinoamericanos, se han generado importantes transformaciones que han modificado la organización y la forma de gestionar los sistemas educativos. Dichos cambios significaron una fuerte redefinición de los roles que durante tanto tiempo habían desarrollado cada uno de los actores (individuales o colectivos, estatales o sociales) involucrados en la gestión, provisión y regulación de los servicios educativos (GVIRTZ; DUFOUR, 2008; GONZÁLEZ, 2011). Uno de los elementos más visibles de esta redefinición de roles puede notarse claramente cuando se analiza y compara el rol que hasta hace relativamente poco tiempo desempeñaron los estados nacionales y las nuevas responsabilidades que a partir de las reformas debieron asumir las instancias subnacionales (sean regionales o locales) en materia educativa (GVIRT; DUFOUR, 2008; GONZÁLEZ, 2011). En cuanto a la regulación, los sistemas educativos pasaron, en este período, por un doble proceso: por un lado, se produjo una disminución de la cantidad de campos regulados por los Estados nacionales y, por otro, se evidenció un cambio en la naturaleza de las regulaciones, pasando éstas de regular exclusivamente procesos a regular también resultados. En el campo de la provisión, las variaciones tanto en la regulación como en el financiamiento crearon las condiciones de existencia y posibilidad para que nuevos actores estatales y no estatales intervengan en la provisión de servicios educativos (GVIRTZ; DUFOUR, 2008; GONZÁLEZ, 2011). En el nivel superior, los cambios en el esquema de gobierno o conducción del sistema quedaron plasmados con la sanción de la Ley de Educación Superior (LES) 24.521/95. Allí se define al nivel superior como un sistema binario, compuesto por instituciones universitarias y no universitarias, públicas y privadas, y por primera vez se regula el funcionamiento de ambos tipos de oferta dentro de una misma normativa. Además, plantea un nuevo esquema de poder con la creación de nuevas instituciones y la redefinición de misiones para los organismos ya existentes. De acuerdo con ello, corresponde al Ministerio de Educación, a través de la Secretaría de Políticas Universitarias, la formulación de políticas generales en materia universitaria, asegurando la participación de los órganos de coordinación y consulta previstos en la propia ley y respetando el régimen de

autonomía establecido para las instituciones universitarias (GARCÍA DE FANELLI, 2012). Entre los órganos de coordinación y consulta se encuentran los Consejos Regionales de Planificación y Coordinación de la Educación Superior (CPRES), el Consejo Interuniversitario Nacional (CIN) compuesto por los rectores de las universidades nacionales, el Consejo de Rectores de las Universidades Privadas (CRUP) y el Consejo de Universidades, presidido por el Ministro de Educación e integrado por el Comité Ejecutivo del CIN, la Comisión Directiva del CRUP, un representante de cada CPRES y un representante del Consejo Federal de Cultura y Educación (GARCÍA DE FANELLI, 2012). 2 El CPRES: como objeto de estudio El estudio propuesto focaliza en el análisis particular del CPRES, en tanto organismo de coordinación del nivel superior instituido por la vigente LES 24.521 en sus artículos 10,71, y 72 (GONZÁLEZ, 2011). Desde una perspectiva institucional, se interesa por describir y analizar el diseño y modelo de gestión que se esperaba instalar con su incorporación e indagar cuál se ha puesto en marcha efectivamente. En base a la perspectiva institucional, el estudio del sistema de educación superior argentino se apoya además en una perspectiva de gobierno multinivel (GVIRTZ; DUFOUR, 2008; GOMÁ Y SUBIRATS, 1998) que sitúa a la implementación de las políticas públicas como el proceso efectivo donde ocurre la conducción o gobierno del sistema. Allí, los actores establecen “un régimen reglas, decisiones y prácticas administrativas que constriñen o posibilitan el curso de las acciones públicas” (PETERS, 2006). Los actores que ponen en funcionamiento las metas establecidas en el diseño institucional de una política pública, modelan, a partir de sus intereses y comportamientos racionales, la dirección y objetivo(s) que adoptará la misma. A ello se agrega que durante el proceso de implementación política, las circunstancias cambian y las metas se alteran. Estos factores hacen que el tránsito de una meta política a su efectiva puesta en marcha no sea lineal. A partir del “entramado de reglas y prácticas que fijan los límites e incentivos para la constitución, funcionamiento y dirección de las relaciones de poder entre los actores que componen al sistema” (CAMOU; ATAIRO, 2011, p. 67) es posible determinar qué calidad tendrá la acción de gobierno o su grado de gobernabiliR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013 437

Giselle González1

dad2. Desde este punto de vista, la gobernabilidad es una resultante de los conflictos, consensos y equilibrios entre actores derivada del ejercicio de gobierno (la capacidad de dirigir, planear, ejecutar e implementar acciones en el marco de un sistema de decisiones) por parte de las autoridades competentes (CAMOU; ATAIRO, 2011). Esto quiere decir que la gobernabilidad no se considera solo como un atributo de la acción de gobierno, sino que, se asume que “los actores sociopolíticos tienen -en una configuración universitaria dada- capacidades para tomar decisiones con variables grados de autonomía, y que son capaces de transformar creativamente reglas, instituciones y situaciones” (CAMOU; ATAIRO, 2011, p. 68). 3 ASPECTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS Se trata de un estudio descriptivo-exploratorio. Se abordó desde una perspectiva metodológica cualitativa. El análisis integró datos provenientes de fuentes documentales (leyes, decretos, resoluciones ministeriales y dictámenes) y entrevistas estructuradas a actores clave del sistema político y educativo argentino. El tratamiento se ha focalizado en la región bonaerense. La elección del caso se basa en dos razones centrales. Por un lado en el mayor peso relativo de oferta universitaria y no universitaria, pública y privada, de la región en relación al total país. Por otra parte, el CPRES bonaerense es la única región compuesta por una sola jurisdicción: La Provincia de Buenos Aires. Esta particularidad político territorial entra en juego con otra dinámica de tipo político institucional que muestra la concentración relativa de población, actividad económica y educativa en la Provincia de Buenos Aires. 3.1 El diseño institucional del CPRES El CPRES es un organismo de coordinación, consulta y planificación del sistema de educación superior que funciona en la Secretaría de Políticas Universitarias del Ministerio de Educación de la Nación. La LES prevé que el CPRES desarrolle múltiples objetivos: la articulación entre el nivel medio y el superior; la articulación entre el nivel universitario y no universitario; la detección de necesidades de educación superior a nivel regional posibles de atender por el marco institucional, y el ejercicio de coordinación entre universidades. En los artículos 10, 71 y 72 contiene referencias específicas. Según el art. 10 “la articulación a nivel regional estará a car438 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013

go de los Consejos Regionales de Planificación de la Educación Superior, integrados por representantes de las instituciones universitarias y de los gobiernos provinciales de cada región”. El artículo 71 los incluye dentro del conjunto de órganos de coordinación y consulta, expresando que “serán órganos de coordinación y consulta del sistema universitario, en sus respectivos ámbitos, el Consejo de Universidades, el Consejo Interuniversitario Nacional, el Consejo de Rectores de Universidades Privadas y los Consejos Regionales de Planificación de la Educación Superior”. El artículo 72 señala la participación de un representante de cada CPRES -que deberá ser rector de una institución universitaria- en la conformación funcional de Consejo de Universidades (González, 2011). La estructura normativa vigente dispone la organización del CPRES en siete regiones: región Sur, Noroeste, Noreste, Centro oeste, Centro este, Metropolitana, y Bonaerense. 3.2 ¿qué sabemos acerca del CPRES bonaerense? El CPRES bonaerense se ubica geográficamente dentro de la Provincia de Buenos Aires. La Provincia de Buenos Aires se compone por dos jurisdicciones: el Gobierno de la Provincia de Buenos Aires3 y el Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires. En ese marco, responde a autoridades políticas diferentes. Dentro de los límites jurisdiccionales que definen a la Provincia de Buenos Aires, se organizan a su vez dos áreas distintas. Por un lado, el interior de la Provincia y por otra parte, el denominado conurbano bonaerense. El territorio sobre el que se desarrolla el CPRES bonaerense es el área del Gran Buenos o interior de la Provincia compuesta por 110 partidos. Esta área geográfica no incluye a los 24 partidos que componen el denominado conurbano bonaerense. Éstos forman parte -junto a la Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires- de otra región CPRES, la metropolitana. La oferta de educación superior en el interior de la Provincia de Buenos Aires está conformada por instituciones universitarias y no universitarias de gestión pública y privada. En total tiene cerca de 3544 instituciones de educación superior. De éstas, 337 son instituciones terciarias (no universitarias) y 17 son universidades: 11 de gestión pública5 y 6 de gestión privada. Este conjunto de instituciones forma parte del sistema educación superior conformado a nivel nacional por 115 universidades e institutos uni-

PLANIFICACIÓN Y DESARROLLO TERRITORIAL EN LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas

versitarios (55 estatales y 60 privados) y 2.092 institutos de educación superior no universitaria6: 917 estatales y 1175 privados (GARCÍA DE FANELLI, 2012). La población estudiantil en la región bonaerense se concentra en las universidades ubicadas en las ciudades con mayor nivel de urbanización: La Plata, Mar del Plata, Luján, y en menor medida en las ciudades de Tandil y Olavarría. Mientras que el interior de la Provincia de Buenos Aires presenta un déficit institucional debido a que no registra presencia de universidades públicas ni privadas. De acuerdo con los datos que arroja el último Anuario de la Secretaria de Políticas Universitarias (SPU) para carreras de pregrado y grado, la población estudiantil en la Universidad Nacional de La Plata es de 107. 090 estudiantes, en la Universidad Nacional de Mar del Plata de 23.218 estudiantes, la Universidad Nacional de Luján tiene una matrícula total de 16.717 estudiantes, y la Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires un total de 13.591 estudiantes (SPU, 2010). La participación de estas universidades en relación a la población estudiantil de las universidades a nivel nacional es del 12, 20% tal como reflejan los datos aportados por el cuadro 1. CUADRO 1: Población estudiantil según universidad para 2010

Universidad La Plata Mar del Plata Luján Centro de la Prov.

Cantidad de estudiantes 107.090 23.218 16.717

8,14 1,76 1,27

13.591

1,03

%

Total 160.616 12,20% Total nacional de 1.316.119 100% universidades FUENTE: En base a datos SPU (2010) 4 LA ACTUACIÓN DEL CPRES BONAERENSE ENTRE 1996 Y 2011 El CPRES surge de la vigente LES 24.521/95 con una misión específica: ser órgano de planificación, coordinación y consulta del sistema de educación superior. En función de ello, se avanzó en una agenda de trabajo impulsada por la Secretaría de Políticas Universitarias en la que se definió el progresivo desarrollo de comisiones conjuntas. Se trata de las comisiones de a) evaluación permanente, b) articula-

ción de la educación superior c) planificación de la oferta regional, d) formación docente, e) educación a distancia, y f) formación de competencias para el ingreso y permanencia a la universidad. Estas actividades se desarrollan en forma irregular según la región de que se trate y quedan registradas en las actas de las reuniones plenarias y ordinarias. Una de las comisiones con mayor actividad en todas las regiones es la comisión de evaluación permanente, que se encarga de evaluar y supervisar los pedidos de otras instituciones de educación superior de crear nueva oferta fuera de su región CPRES de pertenencia (GONZÁLEZ, 2011). Durante los últimos años, las reuniones de la comisión de evaluación permanente han sido recurrentes, mientras que no ha ocurrido lo mismo con el resto de las comisiones. Desde 2006 hasta 2010 las siete regiones CPRES han producido un total de 178 acuerdos. De éste total 149 corresponden a acuerdos generados en la comisión de evaluación permanente mientras que el 29 restante corresponde al resto de las comisiones. Asimismo, se registra para el mismo período un total de 165 dictámenes. Los dictámenes representan un tipo de resolución que expresan la voluntad de las instituciones parte. Según se evidencia, sólo existe este tipo de producción para la comisión de evaluación permanente. La concentración del CPRES en esta actividad de evaluación de la oferta ha generado cierta polémica entre los actores universitarios en función de la acción restrictiva que tiene este organismo en cuanto a la expansión de la oferta y la ampliación de los límites territoriales. Los actores que conforman el CPRES pueden dividirse en dos grandes grupos. Por un lado, están los actores estatales situados en distintos niveles de gobierno: el Estado nacional, el Estado provincial (el Gobierno de la Provincia de Buenos Aires) y los gobiernos locales que actúan a través de sus Municipios. Otro conjunto de actores lo integran, las universidades nacionales, las universidades privadas, y organizaciones de la sociedad civil (ver tabla 1).

TABLA 1: Actores del sistema Niveles de Actores estatales gobierno Secretaria de Políticas Universitarias/ Nacional Ministerio de Educación de la Nación

Actores sociales no estatales Universidades nacionales Universidades privadas

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013 439

Giselle González1

Dirección de Educación Superior/ Dirección General Provincial de Cultura y Educación/Gobierno de la Provincia

Instituciones de Educación Superior No Universitarias

OrganizaGobiernos locales: ciones de la Municipal Intendencias Sociedad Civil (OSC)

FUENTE: En base a la Ley de Educación Superior N° 24.521

La SPU se encarga de la coordinación general en la tarea de los CPRES a través del apoyo técnico, económico, y político. También, impulsa convocatorias para destinar recursos o financiamiento específico a proyectos presentados por las universidades de cada región. Los funcionarios de la SPU, al ser consultados, señalan un funcionamiento problemático del CPRES en la medida que no logra sostener una dinámica de funcionamiento propio. Esto habilita un rol conductor de la SPU en el desarrollo de sus actividades. No obstante, se observa una lógica de acción corporativa de carácter propositivo por parte de las instituciones universitarias de gestión privada. Así lo expresa un funcionario técnico de la Secretaría Ejecutiva del CPRES en la SPU: No conseguimos, en el CPRES bonaerense, lo que también nos cuesta bastante en el resto de los CPRES y es lograr que tengan una dinámica propia. Si bien hay que reconocer que la Universidad Notarial, que siempre va, me olvide de mencionarla, tiene una muy celosa representante que es muy responsable, y muy trabajadora. Ellos han sido pioneros en el desarrollo de la encuesta para evaluar el estado del arte de la educación a distancia. El modelo que propuso de encuesta la Universidad de La Plata fue replicado luego por el CPRES metropolitano y tomado como modelo de referencia en diferentes CPRES. Eso surgió del bonaerense porque La plata tiene una vasta trayectoria en el tema de educación a distancia. Quilmes también es una universidad que concurre con asiduidad.

En el caso de los niveles subnacionales de gobierno, no se registra una presencia contínua dentro del CPRES bonaerense. Sus representantes no asisten a las reuniones o asisten poco. Esta ausencia es vista como un problema por otros actores del sistema universitario en función de la responsabilidad económica y administrativa que ejerce la Dirección General de 440 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013

Cultura y Educación de la Provincia sobre las instituciones de educación superior no universitarias, en términos de su participación como agente de conducción frente a los procesos de expansión territorial. Según la perspectiva que ofrece la secretaria académica de una universidad privada: la jurisdicción participa de un modo muy discontinuo, son más las ausencias que las presencias […].En muchos casos cuando se debaten temas donde la jurisdicción seguramente tiene algo que decir nosotros decimos justo no hay nadie de la jurisdicción y esas, son cosas que escapan a nuestra posibilidad de decidir. La comisión permanente de evaluación necesariamente debería tener una presencia de la jurisdicción y no la hay. No sabemos bien por qué […]

En el mismo sentido, opina un funcionario técnico de la Secretaría Ejecutiva del CPRES en la SPU al ser consultado por la estructura organizativa del CPRES: […] deberían estar presentes las jurisdicciones provinciales, que en este caso se compone únicamente por la jurisdicción bonaerense [...]. Con respecto a la presencia del gobierno de la jurisdicción, no siempre podemos concitar la continuidad. En la última reunión estuvo presente la Directora de Educación Superior y en la anterior también. Pero han pasado períodos largos en los que en no asisten. Es la pata flaca del CPRES: la presencia de las jurisdicciones. Otro aspecto característico de la Provincia de Buenos Aires surge del crecimiento del sistema universitario sin planificación y/o regulación. Según afirma García de Fanelli (2012, p. 11): […] la creación de nuevas universidades nacionales […] ha sido impulsada por los gobiernos locales y provinciales. Cabe además destacar que 5 de las universidades nacionales creadas en dicho año se ubican en el conurbano bonaerense, ámbito en el cual ya existían 7 universidades nacionales, 4 sedes del Ciclo Básico Común de la Universidad de Buenos Aires, 3 Facultades Regionales de la Universidad Tecnológica Nacional y un Centro Regional, una Delegación y extensiones áulicas de la Universidad de Luján.

5 LAS UNIVERSIDADES NACIONALES

PLANIFICACIÓN Y DESARROLLO TERRITORIAL EN LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas

En el caso de las universidades nacionales se evidencia que, en general, asisten poco o no asisten. Sí asisten, en cambio, cuando las convoca la comisión de evaluación permanente para evaluar los pedidos de nueva oferta educativa. Al decir de un funcionario de la Secretaria de Planificación Educativa de la Provincia: […] las únicas reuniones de las que participan son aquellas que se producen para emitir limites a los movimientos interjurisdiccionales, para cuidar su territorio. Para eso ha servido el CPRES históricamente.

En el campo de la gestión universitaria, otra particularidad de la región bonaerense, es la significativa presencia de Centros Regionales que pertenecen a la Universidad de Buenos Aires (que forma parte del CPRES metropolitano) y un importante número de extensiones áulicas de diferentes universidades públicas que el CPRES no logra registrar porque en la mayoría de los casos no informan la creación de nueva oferta. Las universidades nacionales en esta región han desarrollado dos tipos de estrategias institucionales. Por un lado, se constituyen en los agentes principales en términos de expansión institucional, con la apertura de sedes, subsedes, extensiones áulicas y su asociación con los distintos Municipios u otras instituciones universitarias y no universitarias a través de Centros Regionales que ofertan educación en el nivel superior. Pero a la vez, actúan restrictivamente, limitando la ampliación de la oferta universitaria con la creación de nuevas carreras, sedes, subsedes y extensiones áulicas propuestas por otras universidades. En este marco, las universidades nacionales, siguiendo una lógica de acción corporativa, buscan “proteger” sus áreas de influencia institucional, limitando el desarrollo de nuevas ofertas que pudieran afectar la demanda en su territorio. Según expresan los actores consultados, es poco habitual encontrar en el espacio del CPRES discusiones sustantivas sobre criterios de pertinencia y conveniencia para la creación de nueva oferta universitaria en la región. Al respecto, opina un funcionario de la Secretaria de Planificación Educativa de la Provincia: “el CPRES no se reúne para discutir si las instituciones están pensando en la educación superior ni para pensar en términos de planificación del sistema”. Además, según revelan los actores entrevistados, las decisiones no siempre se generan a través de los mecanismos formales de negociación prescriptos sino que en general predo-

minan las reglas de carácter informal desplegados con la negociación personal en ámbitos diferentes a los previstos normativamente. 6 LAS UNIVERSIDADES PRIVADAS El CPRES aparece como un espacio de diálogo y negociación interesante para el sector privado en su interacción con las universidades nacionales. Esto se evidencia en una frecuente participación de sus rectores en las reuniones plenarias y ordinarias. También, se registra una mayor participación de este sector en el trabajo de organización y formulación de una agenda de trabajo. Presentan una continuidad en la tarea desde 1996 hasta la actualidad y una actitud cooperativa en términos de construcción institucional. Reconocen distintas problemáticas y en sus intervenciones plantean diagnósticos de política y planificación educativa como es, el observar la expansión inercial del sistema y la necesidad de utilizar criterios que se ajusten a la legalidad para la toma de decisiones en todo lo que al tema de expansión refiere. En palabras del Rector de una universidad privada consultado por este tema: Si creo que hay más constancia en la tarea que hacen algunas privadas, sobre todo en el área de evaluación, donde ya han leído muchos casos, que han tenido oportunidad de formar criterio. Entonces, ya se forma una cierta práctica, hay criterios que se van homogeneizando sobre qué se puede considerar una oferta consistente. Qué se puede interpretar como conveniencia de realizar tal o cual oferta. Cuando se interpreta que hay superposición o no. Cuando y hasta qué punto un CPRES puede juzgar respecto de la posibilidad que tiene una universidad de realizar la oferta convenientemente. Porque el CPRES no es otra CONEAU7, entonces no tiene todos los elementos de evaluación que dan sustento a un dictamen de este tipo sino tendríamos multiplicidad de órganos de evaluación con distinto criterio. Sobre todo porque la educación a distancia está imponiendo serios desafíos a la evaluación que hace el CPRES a través del decreto 1047. La educación a distancia que es propuesta tanto por universidades locales como por instituciones extranjeras como Harvard.

Para las universidades privadas el CPRES constituye un espacio de negociación e información insustituible en la medida que las universidades públicas y las autoridades ministeR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013 441

Giselle González1

riales toman nota de sus intereses, demandas y solicitudes. En base a esta interacción con el ámbito público las universidades privadas desarrollan estrategias de conducción corporativa, asociándose entre sí para la resolución de sus cuestiones comunes y para fortalecer su posición frente a situaciones que éstas interpretan como mecanismos de avance y predominio de las universidades nacionales en el funcionamiento del CPRES. Este poder de las universidades públicas en términos de gobierno parece debilitar la utilidad del CPRES como ámbito de construcción político-institucional en la medida que existe un fuerte apego de este sector a los principios de autonomía institucional8 y gestión institucional. Esto dificulta la posibilidad de pensar a la universidad pública como un agente clave en la definición y resolución colectiva de los problemas socio-educativos de cada región. En este sentido, “los amplios márgenes de autonomía con que cuentan las universidades nacionales entran en tensión con las funciones de gobierno y control que ejerce el Estado para dar direccionalidad al sistema de educación superior” (NOSIGLIA, 2011, p. 148). Frente a ello, en el ámbito de la gestión privada9 también aparece una fuerte defensa de intereses corporativos pero con una débil capacidad organizativa para dirigir planes estratégicos de integración regional en el espacio local. 7 FACTORES QUE CONDICIONAN EL DINAMISMO DEL CPRES BONAERENSE Una de las debilidades institucionales que presenta el CPRES surge de la carencia de planificación como instrumento básico de orientación y conducción de su gestión. En opinión de un funcionario de la Secretaría de Planificación Educativa de la Provincia: […] se puede analizar la necesidad educativa, el Estado la puede analizar pero no la analiza realmente. Como por ejemplo decir: basta de abogados en la Provincia de Buenos Aires. Pero eso nadie lo dice, en primer lugar porque al CPRES no se le ha dado ese lugar, por lo tanto, no corresponde […].

La dificultad para avanzar en el desarrollo de esta capacidad institucional ha sido acompañada por otro problema estructural: la ausencia de un presupuesto propio y la necesidad de recurrir a financiamiento externo para la concreción de proyectos definidos por la SPU. También, se evidencia como otra dificultad im442 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013

portante en el desempeño de esta función el poder relativo de los actores del campo universitario para facilitar u obstaculizar la puesta en marcha de los objetivos gubernamentales junto a la incapacidad de conducción política de los distintos actores estatales para ejercer un liderazgo efectivo y orientar el rumbo del sistema en su conjunto. Según reflexiona un funcionario de la Secretaría de Planificación Educativa de la Provincia, uno de los principales obstáculos para la planificación del desarrollo es la tensión que supone la convivencia de tradicionales y fuertes estructuras universitarias con las condiciones reales educativas que plantean las leyes vigentes: Hoy por hoy, normativamente el CPRES tiene el problema de no tener funciones ejecutivas y no tener objetos reales sobre el cual es consultado. Hoy no se lo consulta para planificar […] Discuten, acuerdan y realizan intercambios generalmente centrados en que no se creen nuevas carreras (porque por ejemplo está saturada la oferta de abogacía). Entonces, yo no voy a crear una carrera de abogacía si la región me dice que no. Pero si el CPRES no se reúne para tratar eso o no se reúnen a tiempo es difícil que funcione. Además, asisten universidades pequeñas, privadas y cuando van las universidades nacionales asisten representantes de cuarta línea, no va el rector, no va el secretario del área, sino que va algún técnico de esa secretaria […]. En ese marco, uno de los problemas más importantes a resolver es la tensión entre las condiciones constitucionales de la autonomía de las universidades nacionales y las condiciones reales educativas que establecen las leyes vigentes. Es decir la Ley de Educación Nacional establece que el nivel de educación superior está compuesto por la universidad de gestión estatal, la universidad de gestión privada, las universidades provinciales, los institutos superiores de formación docente, artística, social, técnico profesional y humanística. ¿En dónde concretas esas políticas? […] el CPRES fue pensado para eso. Entonces, si la universidad está imbricada con su entorno y responde a los procesos socio productivo de la región es probable que esa opinión termine impactando en el dictamen que había en el CPRES. Ahora, si esas instituciones no están vinculadas, en el CPRES no van a estar expresadas esas características y si aparte no discutís nada […]

Esta situación ha sido interpelada por otros

PLANIFICACIÓN Y DESARROLLO TERRITORIAL EN LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas

actores estatales y universitarios con la intención de generar una mayor intromisión de los actores que componen el CPRES en la acción pública. En relación a esto, en el año 2002 la Cámara de Diputados de la Provincia de Buenos Aires dirigió una solicitud de informes al Poder Ejecutivo, sobre distintos aspectos ligados a la oferta académica universitaria que posee la Provincia de Buenos Aires. La solicitud se ajustó a nueve temas que demandan una mayor injerencia del CPRES en el desarrollo de su misión y exhibe una preocupación específica acerca de las fuentes de financiamiento de las nuevas instituciones educativas. El informe se ocupa de sistematizar las leyes educativas que rigen en la Provincia de Buenos Aires para subrayar la falta de regulación y planificación por parte del CPRES bonaerense en el marco de una creciente expansión del nivel superior en dicha región.10 Con anterioridad, la Sindicatura General de la Nación (SIGEN) y la Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU) habían reclamado al CPRES una mayor intromisión en las funciones para las que fue creado y el ajuste al criterio legal para el desarrollo de las mismas (González, 2011). 8 CONCLUSIONES El CPRES se crea como un organismo de nivel intermedio con atribuciones jurídico-institucionales para regular las actividades del sistema de educación superior. Sin embargo, este plan inicial fue variando en el curso de la implementación, producto tanto de las condiciones del contexto como de las lógicas de acción de sus actores relevantes. El diseño institucional del CPRES se caracteriza por un esquema de funcionamiento novedoso en relación a las estructuras jerárquicas y de fuerte base burocrática propias de las instituciones de gestión pública. Se instituye como un organismo de carácter regional que reúne a todos los actores del sistema de educación superior11 en una misma mesa de negociación, con igual representación en sus reglas formales de cesión y votación. Se propone como un organismo de coordinación sistémica donde el consenso y el dialogo resultan elementos fundamentales ya que formalmente no existe jerarquía entre sus actores integrantes. De igual manera, su estructura territorial supone tanto la construcción de capacidades institucionales en los niveles subnacionales de gobierno como el empoderamiento de sus actores relevantes para atender las demandas e intereses específicos de cada región y locali-

dad. Esto rompe formalmente, con todo, una tradición de centralización y concentración de poder de las instancias de gobierno. Precisamente, desandar estas tradiciones características de la Argentina y edificar instituciones bajo un criterio de dispersión del poder resulta en sí mismo un desafío en la formulación de políticas públicas para el sector. En este marco el CPRES ha encontrado dificultades estructurales de carácter social, político y cultural para ejercer su misión y funciones específicas. Pero también ha mostrado una débil capacidad institucional para sostener una lógica de funcionamiento propia. Sobre todo desde los niveles subnacionales de gobierno. Antes bien, el CPRES aparece como un organismo sensible en la institucionalización de sus metas y permeable a las decisiones políticas de los distintos gobiernos que han tomado responsabilidad en el CPRES desde que comenzó a funcionar en 1996. En cuanto a las condiciones estructurales se observan tres obstáculos específicos: a) la ausencia de instancias de coordinación permanente que faciliten el establecimiento de acuerdos y contribuyan a modernizar la gestión pública en general y educativa en particular. b) la existencia de una débil cultura interinstitucional limita la posibilidad de pensar el gobierno de la educación superior en términos sistémicos, valorando el dialogo entre las instituciones, la generación de sinergias y formas asociativas de coordinación. En cambio, predomina una lógica de acción corporativa que induce el desarrollo de instancias informales de poder y negociación para la toma de decisiones importantes. c) ausencia de instrumentos de control de carácter horizontal (accountability) para supervisar, coordinar y articular acciones entre los diferentes actores que intervienen en el gobierno educativo. A ello se suma el predominio de estructuras de poder centralizadas y burocráticas en el orden nacional y subnacional. En relación a la dinámica interna del CPRES y la trama organizacional que construyen sus actores relevantes aparecen tres aspectos distintivos de la región bonaerense: 1) un esquema de poder basado en lógicas corporativas que obstaculizan la posibilidad de pensar colectivamente en términos de sistema, 2) la ausencia institucional de las autoridades jurisdiccionales como contrapeso político para atender los intereses y demandas locales del territorio, 3) el problema del gobierno del sistema de educación superior no debería reducirse a la figura del CPRES. Existen múltiples factores que condicionan su desempeño. Por tanto, es preciso R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013 443

Giselle González1

ampliar la mirada y profundizar el análisis de las condiciones político institucionales que sustentan el funcionamiento del sistema político y en el tipo de prácticas y cultura organizacional presentes en las instituciones que componen al sistema de educación superior. REFERENCIAS CAMOU, A. y Atairo, D. La gobernabilidad de las universidades nacionales en la Argentina: escenarios de un paradigma en transformación. Entre la tradición y el cambio. Perspectivas sobre el gobierno de la universidad. Buenos Aires: Colección Educación Superior, Universidad de Palermo. 2011. GARCÍA DE FANELLI, A.M. La educación superior en Iberoamérica 2011. Cinda-Universia-Banco Mundial. Disponivel:. Acesso em: 13 abr. 2012.

G.; PIERRE, J. Handbook of public administration, Londres: SAGE. 2012. Notas 1

Doctoranda en Educación. Instituto de Investigaciones en Humanidades y Ciencias Sociales. Universidad Nacional de La Plata y CONICET. La Plata, Provincia de Buenos Aires, Argentina. E-mail: [email protected]

2

Se entiende por gobernabilidad “una propiedad, cualidad o estado de las relaciones de gobierno, definida como equilibrio dinámico entre las demandas articuladas por los actores universitarios y la capacidad del sistema de toma de decisiones para responderlas de manera colectivamente aceptada (legítima) y eficaz” (CAMOU; ATAIRO, 2011, p. 67)

3

Cabe recordar aquí que la Provincia de Buenos Aires se compone por dos subregiones: 1) el conurbano bonaerense conformado por 24 partidos ubicados en el primer cordón que rodea a la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, y 2) por lo que podría denominarse “interior” de la Provincia o Gran Buenos Aires, conformado por 110 distritos. La composición del CPRES bonaerense remite sólo a esta segunda región (Gran Buenos Aires) y no incluye a los 24 partidos del conurbano bonaerense que junto a la Ciudad de Buenos Aires componen otro CPRES, el metropolitano.

4

No se toman en cuenta aquí las sedes, subsedes, extensiones áulicas, ni Centros Universitarios Regionales que tienen las universidades en ésta región. En ese caso se trataría de un conjunto mayor de instituciones de cerca de 400 sedes.

5

Una de estas universidades es la Universidad Tecnológica Nacional (UTN). La UTN, en el Gran Buenos Aires, se organiza en cinco facultades regionales. Se trata de las sedes: Delta, Pacheco, La Plata, Bahía Blanca, y San Nicolás.

6

Este último sector está compuesto por institutos que brindan exclusivamente carreras de formación docente, institutos técnicos e institutos que ofrecen ambos tipos de formación (GARCÍA DE FANELLI, 2011).

7

Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria

8

La autonomía refiere aquí a la independencia que la institución universitaria y su gobierno requieren para que pueda funcionar adecuadamente y cumplir con su misión y funciones; y para que pueda, de esa manera, hacer las contribuciones que la sociedad espera de ella. Como señala Sánchez Martínez: “esa necesaria autonomía de

GONZÁLEZ, Giselle. La territorialización de las políticas públicas en Argentina. Un estudio acerca del CPRES en el área metropolitana. Revista Iberoamericana de Educación Superior (RIES), México, issue-unam/Universia, v. 2, n. 4, p. 41-61, 2011. Disponivel em: . Acesso em: 15 mar. 2012. GOMÁ, R.; SUBIRATS, J. Políticas públicas: hacia la renovación del instrumental de análisis. In____. GOMÁ, R.; SUBIRATS, J. (Cord.). Políticas Públicas en España: contenidos, redes de actores y niveles de gobierno. Barcelona: Ariel. 1998. GVIRTZ, S.; DUFOUR, G. Equidad y niveles intermedios de gobierno en los sistemas educativos. Un estudio de casos en la Argentina, Chile, Colombia y Perú. Buenos Aires: Aique Editorial. 2008. ARGENTINA. Ley de Educación Superior Nº 24.521, Sancionada el 20 de Julio de 1995. Publicada el 10 de Agosto de 1995. Boletín Oficial Nº 28.204. NOSIGLIA, M.C. (2011) Poder y autoridad: el impacto de la Ley de Educación Superior en el gobierno de la universidad argentina. Entre la tradición y el cambio. Perspectivas sobre el gobierno de la universidad. Buenos Aires: Colección Educación Superior, Universidad de Palermo. 2011. PETERS, G. Concepts and Theories of Horizontal Policy Management. In____. PETERS, 444 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013

PLANIFICACIÓN Y DESARROLLO TERRITORIAL EN LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES: el rol del consejo de planificación regional de educación superior en la implementación de políticas educativas

la institución y de su gobierno no es solamente con respecto al Estado […]. Aunque históricamente ha servido para defender la institución contra intervenciones indebidas de los gobiernos […]”. La autonomía también es respecto de otros intereses provenientes “…de las corporaciones profesionales, de los partidos políticos, de las empresas, de la opinión pública, en ocasiones incluso de la propia sociedad civil” (2011: 58). 9

10

Cabe recordar que la legislación argentina establece que las universidades privadas deben constituirse como entidades sin fines de lucro (fundaciones o asociaciones civiles). Esto quiere decir que las utilidades que hubiere no pueden distribuirse entre los integrantes de tales entidades, sino que deben reinvertirse en el proyecto institucional. Esto marca una diferencia con la política de otros países que hoy en día admiten la existencia de universidades privadas con fines de lucro, pudiendo constituirse como sociedades comerciales.

11

Cabe aquí recordar que el CPRES se compone por un representante el Ministerio de Educación de la Nación, un representante de la jurisdicción provincial en función de la administración que hace del sector no universitario, y un representante de cada universidad pública y privada.

Giselle González Licenciada en Ciencia Política Doctoranda en Educación de la Universidad deSan Andrés, en la Argentina Investigadora del Instituto de Investigaciones en Humanidades y Ciencias Sociales (IdIHyCS) de la Universidad Nacional dela Plata y del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas-CONICET Universidad Nacional de La Plata y CONICET. La Plata, Provincia de Buenos Aires, Argentina. E-mail: [email protected]

El informe completo está disponible en: www.hcdiputados-ba.gov.ar/proyectos/09-10D7660.doc

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 436 - 445, jul./dez. 2013 445

POLÍTICA HABITACIONAL E O CAPITAL PRIVADO EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP Sibila Corral de Arêa Leão Honda Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) 

POLÍTICA HABITACIONAL E O CAPITAL PRIVADO EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP Resumo: Este artigo visa à discussão da implementação da habitação social em cidades médias, no Brasil, na década de 2000, refletindo na produção do espaço urbano. A ênfase encontra-se no papel do Poder Público local e sua articulação com a iniciativa privada para a produção de moradias de baixa renda. Discute a relação entre as políticas urbanas e habitacionais e a implantação de empreendimentos pela iniciativa privada, seus mecanismos e efeitos na produção do espaço urbano, tendo como estudo de caso empreendimentos financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, na cidade de Presidente Prudente, localizada no oeste do Estado de São Paulo. No caso tratado, a política urbana com ausência de diretrizes claras para a política habitacional induz a uma atuação direta do capital privado, que contribui para a produção de espaços segregados e excludentes. Palavras-chave: política urbana, expansão urbana, segregação socioespacial, habitação de interesse social, programa de arrendamento residencial. HOUSING POLICY AND THE PRIVATE CAPITAL IN PRESIDENTE PRUDENTE-SP Abstract: This article seeks the discussion of the implementation of social housing in medium-sized cities in Brazil in the 2000s decade, reflecting in the production of urban space. The emphasis is on the role of Local Government and its relationship with private enterprise for the production of low-income housing. It discusses the relationship between the urban and housing policies and the enterprises implementation by private initiative, its mechanisms and effects on the production of urban space, taking as study case projects financed by the Residential Leasing Program (PAR) of Caixa Econômica Federal, in the city of Presidente Prudente, located in the west of Sao Paulo state. In the case dealt, the lack of urban policy with clear guidelines for housing policy leads to a direct action of private capital, which contributes to the production of exclusive and segregated spaces. Keywords: urban policy, urban expansion, sociospatial segregation, social interest housing, residential leasing program. Recebido em: 22/08/2014. Aprovado em: 06/11/2013. 446 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013

POLÍTICA HABITACIONAL E O CAPITAL PRIVADO EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP

1 INTRODUÇÃO Este trabalho busca compreender a produção da habitação de interesse social no espaço urbano de cidades médias, focando na produção promovida por agentes privados, por meio do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, em interface com a política urbana municipal; considerando o conceito de cidade média segundo Feldman (2003), ou seja, de cidades não-metropolitanas, com população entre cem e quinhentos mil habitantes, que apresentam crescimento populacional sistemático, com nível de serviços públicos satisfatórios. Tem-se como estudo de caso os conjuntos habitacionais construídos, pela iniciativa privada no âmbito do PAR, em Presidente Prudente, município de porte médio do estado de São Paulo, e sua relação com o Plano Diretor municipal então vigente. O intenso processo de urbanização no Brasil, ocorrido principalmente a partir da década de 1960, colocou inúmeros desafios às questões relativas às políticas públicas e às gestão e organização do território municipal. O processo de urbanização brasileiro elevou, ao mesmo tempo, a demanda por moradia, empregos e serviços públicos nas cidades. E a questão da moradia deveria ser encarada como direito básico, integrando o “direito à subsistência, o qual, por sua vez, representa a expressão mínima do direito à vida” (LORENZETTI, 2001, p. 4). Entre os anos de 1970 e 2000, a urbanização fez emergir um conjunto de problemas relacionado à dificuldade de acesso à terra por grande parte da população. E o enfrentamento dos graves problemas que atingem a população requer soluções articuladas de planejamento e gestão urbanos. Nesse contexto, a formulação de políticas públicas municipais adequadas é fundamental, e devem contribuir para a construção de ambientes urbanos equilibrados e justos. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorreu o fortalecimento do Município, com municipalização das políticas urbanas. A política habitacional passou a ser estratégica para o Município, apesar de não ser competência isolada do Poder Público municipal, e sim comum às três esferas de governo. No entanto, após a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1986, numa conjuntura de crise econômica, instala-se no país um período sem políticas claras voltadas à habitação, ocasionando um aumento da necessidade de moradias, repercutida no aumen-

to da quantidade de favelas e outras formas de moradias informais. Além destes fatores, a volubilidade das políticas setoriais que eram alteradas a cada mandato, criando e extinguindo programas habitacionais, também contribuíram para a crise no setor. Dessa forma, as iniciativas em programas habitacionais, por parte de administrações municipais, disseminaram-se. (HONDA, 2011). E, na Presidência de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1995, impulsionada pela Conferência HABITAT II da ONU em 1996, que propunha a promoção social e ambiental por meio do “desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos e a aquisição de abrigo adequado para todos” (ANTONUCCI, 2009, p. 4), a questão habitacional tornou-se foco novamente decorrendo de uma Política Nacional de Habitação (PNH) voltada ao atendimento das diversas necessidades habitacionais. Nessa realidade surgiram novas linhas de financiamento promovidas pelo Governo Federal, a partir da Caixa Econômica Federal, que incluíram a iniciativa privada no projeto e na construção dos empreendimentos habitacionais. E, nesse contexto, o papel do Município como gestor se mostra como essencial na regulação da atuação do mercado imobiliário, em consonância com a política de desenvolvimento urbano e com as diretrizes que vão ao encontro dos propósitos da função social da cidade, com a incorporação dos instrumentos urbanísticos. No âmbito dos programas de financiamento da política nacional de habitação, destaca-se o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado em 1999, em cuja proposta original era voltada à preocupação da fixação da população em áreas com infraestrutura e acesso, tentando proporcionar diminuição dos vazios urbanos e da especulação imobiliária. O projeto e a execução dos conjuntos eram entregues a construtoras privadas, e deveriam ser implantados em áreas prioritárias para a localização habitação de interesse social, definidas pelo Poder Público municipal, em consonância com a política urbana municipal. Nesse contexto, Presidente Prudente, município localizado no oeste do Estado de São Paulo, foi um dos beneficiados pelo programa habitacional. Entre 2003 e 2006 foram executados cinco empreendimentos com características distintas; inclusive com os dois patamares de renda estipulados pelo programa: PAR 1 para renda de até seis salários mínimos; e PAR 2 - para renda de até três salários mínimos. No entanto, a lógica de implementação dos empreendimentos se distanciou das diretrizes R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013 447

Sibila Corral de Arêa Leão Honda

definidas para o PAR quando de sua formulação inicial pelo governo federal. Evidencia-se, no âmbito da política urbana deste Município, que a ausência de diretrizes específicas voltadas para a política habitacional de baixa renda induz a uma atuação direta do capital privado, que contribui para a reprodução de espaços urbanos segregados e excludentes. Diante do exposto, busca-se contribuir analiticamente para a discussão sobre a produção da habitação de interesse social em cidades médias, particularmente aquelas implementadas pela iniciativa privada, com recursos advindos desse importante programa, com estudo de caso em Presidente Prudente-SP. A metodologia seguida nesta pesquisa é qualitativa e está baseada em aprofundamento teórico conceitual; verificação dos loteamentos executados, segundo levantamentos documentais na Prefeitura Municipal de Presidente Prudente e de campo, identificando os projetos arquitetônicos e suas inclusões urbanas, a população beneficiada e sua seleção; e correlação das informações adquiridas e levantadas possibilitando estruturar os resultados verificados.

A compreensão sobre as políticas urbanas na produção da malha da cidade auxilia a estruturação da linha de discussão, assim como a execução de projetos de habitação social no espaço urbano. 2 ESPAÇO URBANO: produção e políticas públicas No contexto das políticas públicas, é crucial a análise e avaliação das políticas urbanas, pois aquelas perfazem conceito baseado nas demandas da sociedade, concretizando os direitos sociais e sua legitimidade (CUNHA; CUNHA, 2002), e sua avaliação e de seus resultados levam à constante adequação da gestão das políticas, pois podem ser observados direcionamentos imprevisíveis, cujos rumos impõem reformulações. Para Alvim, Castro e Zioni (2010), as políticas urbanas podem ser identificadas como políticas públicas voltadas às demandas e práticas sociais locais produzidas no território. Villaça (1999, p.180), afirma que as políticas urbanas “devem referir-se às reais ações e às propostas consequentes de ação do Estado sobre o urbano”. O autor enfatiza que as políticas urbanas estão baseadas nas ações reais e propostas de ação do Poder Público sobre o ambiente urbano. Dessa forma, a política pública urbana está 448 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013

diretamente relacionada com a gestão e o desenvolvimento urbanos, refletindo no processo de produção do espaço urbano, segundo incentivos à expansão, à reprodução, ao adensamento, à segregação do especo urbano, entre outros aspectos. Alvim, Castro e Zioni (2010) apontam que são várias as áreas passíveis de atuação do Poder Público local, por meio de políticas urbanas específicas, como a política habitacional, embora esta política seja concorrente, podendo ocorrer em nível federal, estadual e municipal. Segundo Rolnik et al. (2004), a política habitacional passa, obrigatoriamente, pela esfera municipal, e apresenta grande importância reprodução do espaço urbano. Assim sendo, seu direcionamento deve ser dado com foco na sociedade à que se aplica, na satisfação de suas necessidades e na sua capacidade (econômica e de reprodução). Os autores afirmam que a “política habitacional é instrumento para alcançar o direito à moradia e passa, necessariamente, pela esfera municipal” (ROLNIK et al. 2004, p. 73). No entanto, para alcançar o propósito faz-se necessário que as dimensões política e técnicocientífica estejam alinhadas, revendo e reordenando os instrumentos de planejamento e gestão, com atenção à participação popular, sendo importante considerar quais os agentes e suas reais forças na construção da realidade. A produção do espaço urbano pode ser vista por meio da ação de um conjunto de agentes, como o proprietário, o corretor imobiliário, o Estado e o morador, ou seja, a produção do espaço urbano está intimamente relacionada com jogos de interesse, articulados por agentes que produzem e consomem espaço (VALLADARES, 1983; MARQUES, 2005; CORRÊA, 1999). Marques (2005) identifica a ação dos agentes envolvidos com a promoção imobiliária, que ocupam papéis específicos na cadeia de produção do mercado; sendo que, em um limite do processo, constam os agentes envolvidos com a comercialização no mercado imobiliário urbano, e, no outro extremo, encontram-se os proprietários fundiários. Em posições intermediárias, encontram-se os construtores e os incorporadores; aqueles envolvidos em atividades de transformação de insumos, bens de produção e força de trabalho em mercadoria edificação; e estes articulam os demais agentes, sendo a elaboração do projeto do empreendimento o centro de sua atividade, e é o responsável por definir o produto imobiliário a ser lançado, seu momento e sua localização. O poder público, por sua vez, age direta e indiretamente na produção do espaço urbano. De acordo com Lefebvre (1969), o Poder Público,

POLÍTICA HABITACIONAL E O CAPITAL PRIVADO EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP

embora se apresente como imparcial, visando, em seu discurso, o melhor da sociedade, indica, por meio de suas ações, o beneficiamento a certos grupos, podendo resultar na manutenção da segregação do espaço urbano. Para Caldeira (2003), a segregação socioespacial é uma característica bastante relevante nas cidades, pois as normas e legislações que organizam o espaço urbano estão baseadas em padrões de diferenciação e de separação. A atuação do Estado, por meio de políticas públicas, também pode estimular condições para processos de acumulação e de especulação, levando à segregação socioespacial urbana; que, segundo Santos (2005), o poder público, incapaz de resolver o problema da habitação, empurra a população com menos recursos para as periferias. O processo de produção do espaço urbano no município de Presidente Prudente revela a existência de grande segregação socioespacial principalmente quando se analisa a sua estrutura urbana e a distribuição dos conjuntos habitacionais de baixa renda produzidos, desde a década de 1960, por agentes públicos e privados. Os empreendimentos habitacionais produzidos por meio do PAR, pela iniciativa privada, contribuem para reforçar essa lógica, mesmo num contexto de um novo Plano Diretor elaborado à luz das diretrizes do Estatuto da Cidade. 3 POLÍTICA URBANA E A PRODUÇÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP Presidente Prudente é uma cidade localizada no oeste paulista, e teve sua base de colonização apoiada na produção agropecuária e na implantação da estação ferroviária no início do século XX. A definição de sua estrutura urbana relaciona-se diretamente com a abertura de dois loteamentos: Vila Goulart e Vila Marcondes. Ainda nos primeiros anos, a Vila Goulart assumiu o papel de centro comercial e área residencial das famílias mais abastadas, enquanto a Vila Marcondes passou a atrair as empresas de beneficiamento agrícola ao longo da linha ferroviária e bairro residencial das classes de menor poder aquisitivo. Em 1921, o município de Presidente Prudente foi criado legalmente, como centro político e administrativo regional. Sua expansão urbana sempre ocorreu de forma mais dinâmica na direção sudoeste, como prolongamento da Vila Goulart. Até a primeira metade da década de 1950, a cidade apresentou significativa expansão territorial, sem planejamento e sem regularização legal. A estrutura

política da cidade se formou baseada no coronelismo, apoiada inicialmente nas figuras dos ‘Coronéis’ Goulart e Marcondes, reproduzida ao longo dos anos. O processo de expansão urbana ocorrido em Presidente Prudente até o final da década de 1960 não teve regulação urbanística ou normatização legal, podendo ser verificados vários períodos de ampliação da malha e do perímetro urbano. A partir da mudança do sistema de Governo Federal em 1964, e motivado pela possibilidade de ampliação da arrecadação municipal, o Poder Público municipal incentiva a regularização de loteamentos e lotes (SPÓSITO, 1990). Entre os anos de 1960 e 1970, percebe-se aumento da população, ampliação do quadro industrial e desenvolvimento das atividades terciárias. Em 1968 foi construído o primeiro empreendimento de habitação social na cidade, financiado pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), o Parque Continental, localizado na franja urbana da cidade (SILVA, 2005). Nesse mesmo ano, o município foi objeto do primeiro Plano Diretor, denominado Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), com metodologia especificada pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), desenvolvido pelo Centro de Pesquisas e Estudos em Urbanismo (CPEU) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Marisco (1997) ressalta que o PDDI visava a políticas e diretrizes para todo o município de Presidente Prudente, mas que não foram implantadas. Como decorrência do PPDI foi instituído o primeiro zoneamento urbano prudentino (Lei n°.1.583/1973). O PDDI e o zoneamento urbano ficaram em vigor até meados da década de 1990. Durante a década de 1970, Presidente Prudente apresentou grande expansão territorial urbana, com criação de grandes vazios no traçado da cidade por longos períodos de tempo. A malha urbana praticamente dobrou nesse período. Em 1978, foi aprovado o segundo empreendimento de moradias sociais na cidade, também com financiamento do BNH. Reforça-se o processo de urbanização altamente segregacionista. Nos anos de 1980 e 1981, manteve-se o processo de expansão da malha urbana, com a abertura de vários loteamentos na periferia, a maior parte implantada na região oeste da cidade. Na gestão municipal 1977-1982, houve incremento na produção de conjuntos habitacionais em Presidente Prudente, com execução dez conjuntos. No entanto, a maioria desses empreendimentos não causou a expansão urbana, pois foram implantados em loteamentos R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013 449

Sibila Corral de Arêa Leão Honda

previamente aprovados e abertos na cidade, embora suas localizações tenham servido para estimular a incorporação privada em novas áreas na periferia urbana, principalmente a oeste e norte da cidade, e a segregação espacial. A partir de 1983, com novo governo municipal, ocorreu uma mudança no processo de oferta de lotes e loteamentos, com poucos investimentos públicos e privados no município, caracterizando um período de estagnação. A falta de investimentos também pode ser notada em relação à construção de habitação social na cidade; quando somente dois conjuntos foram construídos: um em 1982, e outro em 1987 (TORREZAN, 1992). A propriedade do solo urbano, em Presidente Prudente, no final da década de 1980, segundo Spósito (1995), apresentava alto grau de concentração nas mãos de grandes investidores, agindo diretamente na dinâmica do mercado e direcionando a expansão urbana, tanto para a ocupação da população de baixa renda, quanto de alta renda. Na gestão municipal 1993-1996, houve concessão de Direito Real de Uso de 4.013 lotes urbanizados, sem participação de Governo Federal ou Estadual. Todos os lotes localizam-se em loteamentos na franja urbana ou no limite do perímetro urbano. No ano de 1990, foi aprovada a Lei Orgânica do município de Presidente Prudente. Com base nessa lei, e decorrente da obrigatoriedade definida pelas Constituições Federal (1988) e Estadual (1989), em 1996, foi elaborado e aprovado o novo Plano Diretor municipal, como Lei Complementar Municipal n°.29/1996. Embora constasse, nesse plano, diretrizes gerais da política habitacional, as políticas eram vagas e imprecisas. Não consta definição de áreas ou regiões prioritárias para habitação social, ou passíveis de aplicação de instrumentos urbanísticos indicados para assegurar a função social da propriedade, ou reduzir a segregação socioespacial urbana. Entre os anos de 1990 e 1993, com a criação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), da Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo, em 1989, foram aprovados e financiados seis conjuntos habitacionais (FERNANDES, 1998), e mais cinco empreendimentos tendo outros órgãos como agentes promotores: dois diretamente com a COHAB CHRIS e três financiados pelo Programa de Ação Imediata para a Habitação (PAIH), do Governo Federal. Somente em 1998, foi aprovada a Lei Complementar Municipal n°.53, que tratava diretamente da instituição de Zonas Especiais de 450 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013

Interesse Social (ZEIS), cuja lei entregou ao proprietário imobiliário urbano a escolha e a permissão de solicitar a alteração do zoneamento de sua área para ZEIS junto à Prefeitura. Durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a Política Nacional de Habitação visava à descentralização da execução dos programas habitacionais, com incentivo a ações dos governos municipais como agentes promotores de habitação social. Em âmbito municipal em Presidente Prudente, na gestão 1997-2000, cinco empreendimentos de habitação social foram executados na cidade, sendo quatro com financiamento da CDHU e um particular. Em 1999, foi editada a Medida Provisória nº 1.823, que criou o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) pelo Governo Federal, nova forma de agenciamento da habitação. Esse programa veio a beneficiar Presidente Prudente com a construção de habitações de interesse social entre os anos de 2003 e 2006. No ano de 2001, foi sancionada a Lei Federal nº 10.257 (Estatuto da Cidade). O município de Presidente Prudente optou em não revisar o Plano Diretor de 1996. Em 2003, uma nova legislação de zoneamento de uso e ocupação do solo urbano foi sancionada, tendo sido incluídos dois instrumentos urbanísticos: o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), e a Outorga Onerosa do Direito de Construir; além de ter incorporado em seu texto a figura da Lei Municipal n°.53/1998, que permitia a criação de ZEIS por meio da solicitação do proprietário imobiliário. Em 2007, ocorreu o processo de revisão e discussão do Plano Diretor, tendo sido aprovado no início de 2008, por meio da Lei Municipal n° 151. Da mesma maneira que o Plano de 1996, não há definição de áreas as quais possam a vir a sofrer a imposição dos instrumentos urbanísticos aprovados. Nessa revisão do Plano Diretor também não faz menção a ZEIS, ainda deixando esse assunto para ser tratado, nos mesmos parâmetros anteriores, na lei de zoneamento de uso e ocupação do solo. Percebe-se a falta de controle eficaz sobre o espaço urbano pelo Poder Público municipal, ficando à mercê do mercado privado de terras. A partir da análise da malha urbana de Presidente Prudente, percebe-se maior interesse nas áreas a oeste e norte para as camadas de menor poder aquisitivo. Mesmo com a definição e aprovação de instrumentos urbanísticos voltados para a justiça social da propriedade e da cidade no Plano Diretor, o processo de expansão urbana da cidade, a manutenção de grandes vazios urbanos e a construção de habitação de interesse social nos limites da cidade têm per-

POLÍTICA HABITACIONAL E O CAPITAL PRIVADO EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP

manecido. A política urbana municipal não tem sido capaz de atuar sobre áreas prioritárias, deixando para a iniciativa privada o papel de definir a localização dos conjuntos habitacionais, que por sua vez reforça a segregação socioespacial, ilustrado a seguir com a análise dos conjuntos financiados pelo PAR. 4 O Programa de Arrednamento residencial e seus efeItos em Presidente Prudente Em 1998, ocorreu a reeleição do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, para o quadriênio 1999-2002. A Política Nacional de Habitação (PNH), em vigor à época, apresentava entre os aspectos básicos, a descentralização da execução de programas de habitação, saneamento e infraestrutura; atentando às diferenças regionais da sociedade e suas demandas. No âmbito dos programas de financiamento da política habitacional, destaca-se o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), instituído pela Medida Provisória n°.1.823/1999, transformada na Lei n°.10.188/2001, e gerido pela Caixa Econômica Federal (CAIXA). Segundo a Caixa Econômica Federal (2008, p. 4), o país apresentava “um quadro de elevada mobilidade/migração da população de baixa renda”, sendo que 65% dos ocupantes, à época da pesquisa, dos imóveis residenciais, financiados pelo banco, não eram mais os adquirentes originais. Dessa forma, as diretrizes do PAR buscaram reduzir problemas habitacionais de famílias de baixa renda, priorizando as que moravam em grandes centros urbanos, por meio do arrendamento residencial, onde os beneficiados tinham opção de compra no final do prazo determinado pelo contrato, que era de quinze anos inicialmente, tentando evitar o quadro citado por Romero e Vianna (2002, p. 214): O subsídio para produzir uma casa barata ou lotes semi-urbanizados, não tem sido suficiente para fixar a população, dando-lhe oportunidade de desenvolvimento e inserção no mercado de trabalho. Ao contrário, com todo o subsídio dado pelos governos, assistiu-se ao longo do tempo o “passa-se uma casa”, semelhante ao passa-se o ponto comercial, com a diferença que, neste caso, trata-se da troca de local ou tipo de trabalho e no primeiro, geralmente, de troca de um abrigo por dinheiro, obrigando assim o ex-mutuário a voltar a morar “embaixo da ponte” e a de novo engrossar a fila dos sem-teto. O PAR também focava em faixa de renda não atendida: da população de até seis salários

mínimos. E podia apresentar diversas modalidades de empreendimentos, mas com preferência para implantação de empreendimentos na malha urbana, com urbanização consolidada, buscando redução de vazios urbanos. A elaboração dos projetos e a execução das obras eram funções das construtoras contratadas. Foram definidos dois patamares para financiamento do PAR, cuja diferenciação baseava-se na faixa de renda do público destinatário como arrendatário: o PAR-1 para renda de até 6 salários mínimos, ou 8, se militares, policiais ou profissionais da segurança pública; e o PAR-2 para renda de até 4 salários mínimos. O envolvimento do Poder Público municipal deveria ser baseado na indicação de áreas priorizadas para implantação e informações sobre demanda, a partir no Plano Diretor aprovado, segundo as áreas caracterizadas como prioritárias ou zonas de interesse social (ZEIS); ou seja, a relação com a política urbana local era essencial, incentivando a implantação de conjuntos menos excludentes e segregadores. Entretanto, em Presidente Prudente, isso não ocorreu adequadamente. Como destacado, o então Plano Diretor vigente não indicava os locais prioritários para a implantação de habitação de interesse social, deixando para a iniciativa privada a localização dessas áreas. Além disso, a candidatura da cidade no Programa foi iniciativa dos agentes privados (construtoras, imobiliárias e proprietários de terras), interessados em investir no mercado de habitação social. Entre os anos de 2003 e 2006, cinco empreendimentos foram aprovados e construídos no âmbito do PAR, com características distintas, e os dois patamares de renda estipulados pelo programa. Em novembro de 2003 foi iniciada a construção do Conjunto Residencial Bela Vista, e, a partir de então, mais quatro empreendimentos aprovados: Conjunto Residencial Atalaia (dez. 2003); Conjunto Residencial Laura (dez. 2003); Conjunto Residencial Esmeralda (set. 2004); e Conjunto Residencial Monte Carlo (out. 2006). Tais conjuntos diferem quanto à tipologia construtiva, área de implantação, quantidade de famílias beneficiadas, valores de financiamento, e relação com a estrutura urbana. A pesquisa apontou que a localização dos conjuntos na malha urbana está baseada na disponibilidade de áreas privadas e baratas, sem relação com déficit habitacional setorizado, disponibilidade de serviços e/ou equipamentos urbanos, ou outro levantamento elaborado. Assim como a faixa de financiamento liberada, relacionada ao padrão de acabamento da obra, R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013 451

Sibila Corral de Arêa Leão Honda

não foi definida por carência de habitação no referido patamar, e sim por disponibilidade de liberação de verba do banco financiador, no caso a CAIXA. A Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, nos processos do PAR, participou apenas com aprovação dos projetos junto à Secretaria de Planejamento, e colaborou com parte dos cadastramentos de interessados, mas não apresenta controle dos empreendimentos executados nem das famílias envolvidas. Observa-se que a reprodução das características de implantação da habitação social nas áreas periféricas da cidade, se mantém nos conjuntos do PAR. Os conjuntos habitacionais executados diferem-se quanto à tipologia construtiva, área de implantação, quantidade de famílias beneficiadas, valores de financiamento, e relação com a estrutura urbana. Mas a reprodução das características de implantação da habitação social em áreas distantes na malha urbana foi mantida nos conjuntos do PAR. Analisando os cinco empreendimentos do Conjuntos Residenciais Bela Vista Atalaia Laura Esmeralda Monte Carlo

tipologia condomínio fechado condomínio fechado condomínio fechado condomínio fechado loteamento

residência unifamiliar residência multifamiliar residência multifamiliar residência unifamiliar residência unifamiliar

FONTE: elaborado pela autora, 2011.

PAR, além da questão da implantação periférica, verifica-se que apesar das localizações diferirem entre si, eles se situam em áreas de concentração de população de menor poder aquisitivo, incluindo áreas na zona leste (Laura), zona norte (Atalaia), zona sul (Esmeralda e Monte Carlo) e região noroeste (Bela Vista). Essas localizações reforçam o processo de segregação socioespacial na produção do espaço urbano da cidade, já deflagrado em anos anteriores. Aliado a estes novos empreendimentos, observa-se a manutenção dos grandes vazios urbanos entre a área central e as periféricas, reforçando a valorização imobiliária destes terrenos, frutos de especulação, bem como a segregação socioespacial urbana. O quadro 1 apresentado a seguir sintetiza as principais características dos cinco empreendimentos. QUADRO 1 - QUADRO SÍNTESE DOS EMPREENDIMENTOS DO PAR EXECUTADOS EM PRESIDENTE PRUDENTE

Respeito à Quant Inserção Diretrizes legislação unid na malha municipais municipal franja 199 sim não houve urbana vazio 176 não não houve urbano franja 176 não não houve urbana franja 158 sim não houve urbana franja 145 sim não houve urbana

A reprodução das características de implantação da habitação social em áreas distantes na malha urbana se mantém nos conjuntos do PAR em Presidente Prudente. Importante destacar também que, em conversas com engenheiros servidores municipais da Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, esses apontaram que o Poder Público municipal não tem intenção de definir áreas para habitação de interesse social (ZEIS), pois considera que haveria diminuição da oferta de moradia popular pela iniciativa privada, além de considerar restrita a sua capacidade de atuação frente ao problema. É válida a comparação entre essa afirmação e a análise de Souza (2007), para quem os problemas urbanos não são decorrentes exclu-

452 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013

Participação ativa da PMPP

Definições por agentes privados

não houve

sim

não houve

sim

não houve

sim

não houve

sim

não houve

sim

sivamente de questões políticas, mas são seus principais obstáculos; sendo eles viabilizados por meio da capacidade dos grupos e classes dominantes em impor sua ideologia, inclusive aos próprios técnicos. Outro fato relevante é que, por obrigatoriedade legal, foi criado o Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social (CMDHIS), cujos membros tomaram posse em meados de 2009, mas até o momento nada foi feito. E o Plano Municipal de Habitação, obrigatório para aquisição de verbas federais para investimentos no setor de habitação de interesse social, ainda não foi concluído. 5 CONCLUSão A análise dos conjuntos habitacionais executados em Presidente Prudente por meio de

POLÍTICA HABITACIONAL E O CAPITAL PRIVADO EM PRESIDENTE PRUDENTE-SP

financiamento do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) possibilitou compreender a ação do Estado e da iniciativa privada sobre a produção do espaço urbano deste município, e parte do percurso histórico de implantação dos vários conjuntos habitacionais na cidade. Por meio da análise dos Planos Diretores pode-se verificar que o município carece de uma política urbana inclusiva, voltada para orientar a produção de habitação social para a população de baixa renda. A pouca clareza das políticas urbanas deixam em aberto muitos caminhos de ação pública, como ocorre também com a política habitacional municipal, que não se mostra inclusiva, e atualmente tem nos agentes privados a base para provisão e gestão da habitação social, que por sua vez, reproduz espaços urbanos segregados, assim como o modelo de empreendimento que contribui para a expansão e fragmentação urbana do território municipal, pois se vincula às localizações mais distantes do centro, junto à franja urbana, e a preços reduzidos. Nesse sentido, pode-se afirmar que a falta de atuação do Poder Público local evidencia uma omissão em relação à pratica dos agentes privados e, consequentemente, à desarticulação entre a política urbana e a produção habitacional para a população de baixa renda, auxiliando no processo de segregação e desigualdade socioespacial. Em sentido inverso, e indo ao encontro dos preceitos das normas federais, sua ação deveria ser pró-ativa, buscando minimizar esses efeitos por meio de políticas ativas de integração espacial e social, pois “[...] dependendo do tipo de política implementada, as iniciativas públicas podem reforçar ou combater a segregação social no espaço” (MARQUES, 2005, p. 52). Da mesma forma, a inclusão de instrumentos urbanísticos no Plano Diretor Municipal, aprovados na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade, possibilita sua aplicação no espaço urbano, que auxiliaria na gestão e planejamento do território, se efetivamente implementados, diminuindo o desequilíbrio social urbano. Por fim, a análise dos empreendimentos residenciais financiados pelo PAR, em Presidente Prudente, possibilitou verificar a ausência de políticas públicas - urbana e habitacional voltadas ao cumprimento da função social da cidade, reforçando o processo de produção do espaço urbano cada vez mais orientado pelos interesses do capital, que contribui para a expansão da malha urbana de forma segregada

e fragmentada. Observa-se, também, que apesar de um busca inicial de inclusão da população carente na estrutura urbana consolidada, segundo diretrizes originais do PAR, a pressão do mercado imobiliário possibilita redirecionamentos dessas diretrizes, efetivando empreendimentos excludentes, reproduzindo a história segregadora do conjuntos habitacionais brasileiros. Portanto, conclui-se que a produção do espaço urbano neste município é produto direto do capital, sem interesse de controle ou direcionamento pelo Poder Público local, fruto da ausência de uma política urbana socialmente justa e includente. REFERÊNCIAS ALVIM, Angélica Tanus Benatti; CASTRO, Luiz Guilherme Rivera de; ZIONI, Silvana Maria. Avaliação de políticas urbanas. In: ALVIM, Angélica Tanus Benatti; CASTRO, Luiz Guilherme Rivera de (org). Avaliação de políticas urbanas: contexto e perspectivas. São Paulo: UPM/MackPesquisa/Romano Guerra Editora, 2010. p.13 - 41. ANTONUCCI, Denise. ONU e 30 anos do Un-Habitat. São Paulo, 5º Fórum de Pesquisa FAU - Mackenzie, 2009. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. ed. 2. São Paulo: Ed.34/EDUSP. 2003. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - Cartilha do PAR - Módulo Arrendamento - junho/2008. Disponível em: . Acesso em: 07 out. 2010. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. ed. 4.São Paulo: Ática, 1999. CUNHA, Edite da Penha; CUNHA, Eleonora Schettini Martins. Políticas públicas sociais. In: CARVALHO et al. Políticas públicas. Belo Horizonte: UFMG/Proex, 2002. p.11-26. FELDMAN, Sarah. Política urbana e regional em cidades não-metropolitanas. In: GONÇALVES, Maria Flora; BRANDÃO, Carlos Antonio; GALVÃO, Antonio Carlos (Orgs.). Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: UNESP/ANPUR, p. 105-112. 2003. FERNANDES, Silvia Aparecida de Sousa. Territorialização das políticas habitacionais em Bauru e Presidente Prudente - a atuação da CDHU, COHAB-CRHIS e COHAB-Bauru. 1998. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 1998. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013 453

Sibila Corral de Arêa Leão Honda

HONDA, Sibila Corral de Arêa Leão. Habitação de Baixa Renda como Produto do Capital - O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) em Presidente Prudente-SP. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011. LEFEBVRE, Henri. O Direto à Cidade. São Paulo: Documentos, 1969. LORENZETTI, Maria Sílvia Barros. A questão habitacional no Brasil. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, junho/2001 (Relatório). Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2010. MARISCO, Luciane Maranha de Oliveira. Contribuição ao estudo do planejamento municipal no Brasil: o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Presidente Prudente (SP) 1969. 1997. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 1997. MARQUES, Eduardo Cesar. Elementos conceituais da segregação, da pobreza urbana e da ação do Estado. In: MARQUES, Eduardo Cesar; TORRES, Haroldo (Org.). São Paulo: Segregação, Pobreza e Desigualdades Sociais. São Paulo: Editora SENAC, p.19-56. 2005. ROLNIK et al. Plano Diretor Participativo - guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília: CONFEA/Ministério das Cidades, 2004. Disponível em: . Acesso em: 01 nov. 2008. ROMERO, Marcelo de Andrade, VIANA, Nelson Solano. Procedimentos metodológicos para aplicação de avaliação pós-ocupação em conjuntos habitacionais para a população de baixa renda: do desenho urbano à unidade habitacional. In: ABIKO, Alex Kenya.; ORNSTEIN, Sheila Walbe (Org.) Inserção Urbana e Avaliação Pós-Ocupação (APO) da Habitação de Interesse Social. Coletânea Habitare/FINEP-1. São Paulo: FAUUSP, p.210-242. 2002. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. ed. 5. São Paulo: EDUSP, 2005. SILVA, Rones Borges. Segregação e/ou integração: o ‘Programa de Desfavelamento e Loteamentos Urbanizados’ em Presidente Prudente. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, 2005. SOUZA, Marcelo José Lopes. ABC do De454 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 446 - 454, jul./dez. 2013

senvolvimento Urbano. ed. 3. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. SPOSITO, Eliseu Savério. Produção e apropriação da renda fundiária urbana em Presidente Prudente. 1990. Tese (Doutorado em Geografia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão. A expansão territorial urbana de Presidente Prudente. Recortes, Presidente Prudente, n. 4, p. 5-40, 1995. TORREZAN, Rosiane Morais. Reestruturação da cidade: localização de conjuntos habitacionais, estrutura e crescimento urbano em Presidente Prudente. 1992. Monografia (Graduação em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 1992. VALLADARES, Licia do Prado (Org.). Repensando a Habitação no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983. VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DÉAK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (Orgs.). O Processo de Urbanização no Brasil. São Paulo, EDUSP, p.169-243. 1999. Sibila Corral de Arêa Leão Honda Arquiteta Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Professora da Universidade do Oeste Paulista Universidade do Oeste Paulista Rua José Bongiovani, 700, Pres. Prudente - SP, CEP: 19050-920

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as políticas públicas ambientais Robson Ivan Stival Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Belmiro Valverde Jobim Castor Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Valdir Fernandes Universidade Positivo (UP)

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as Políticas Públicas Ambientais Resumo: Este artigo situa-se no campo interdisciplinar e trata do instituto jurídico da responsabilidade solidária a partir das perspectivas do Direito Ambiental e das Políticas Públicas. Tem por objetivo destacar a importância da solidariedade, pelo viés jurídico, para as Políticas Públicas ambientais. A pesquisa é teórica, descritiva e exploratória, com análise de dados bibliográficos pelo método dedutivo. São estabelecidas relações entre as Políticas Públicas, os novos paradigmas a partir da questão ambiental e a responsabilidade solidária. Palavras-chave: Direito Ambiental, Políticas Públicas, Responsabilidade solidária. JOINT LIABILITY: an important tool for environmental public policies Abstract: This article lies in interdisciplinary field and deals with the law institute of the liability from the perspectives of environmental law and public policies. Aims to highlight the importance of solidarity, by legal bias, for public environmental policies. The research is exploratory and descriptive, theoretical, with bibliographic data analysis by the deductive method. Relationships are established between public policies, new paradigms from the environmental issue and the joint and several liability. Keywords: Environmental Law, Public policies, Joint liability. Recebido em: 22/08/2014. Aprovado em: 06/11/2013. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013 455

Robson Ivan Stival, Belmiro Valverde Jobim Castor, Valdir Fernandes

1 INTRODUÇÃO Embora as proposições teóricas sobre desenvolvimento sustentável tenham consagrado três, cinco e, em alguns casos, até sete dimensões ou pilares, na prática, ocorre o predomínio da dimensão econômica, colocando em xeque as demais, especialmente a ambiental. Com efeito, o desenvolvimento baseado no modelo econômico decorrente da industrialização e do capitalismo ensejou o aumento desenfreado da produção e do consumo, causando necessidade de grande aumento na exploração dos recursos naturais. Há um pensamento geral no sentido de que os avanços tecnológicos encontrarão uma solução às crises ambientais que já se vislumbram (“tech fix”), apostando-se em “milagres” da tecnologia, embora estejam em disputa valores inestimáveis: a sadia qualidade de vida e as condições de sobrevivência das gerações futuras. 1.1 A importância do Direito Ambiental para a gestão do desenvolvimento As políticas de desenvolvimento geram impactos ecológicos ao fomentar as atividades econômicas que se utilizam dos recursos naturais como matérias-primas. Se os recursos naturais são finitos e há um aumento demográfico, o desenvolvimento chegaria a um limite máximo com o esgotamento dos mesmos. De fato, há um conflito aparente entre o desenvolvimento e a sustentação deste pelo meio ambiente, que num primeiro momento parece ser insolúvel (SACHS, 2007, p. 59). A ideia de “crescimento zero” ou do “nãocrescimento” foi rejeitada pelos países no encontro de Founex, em 1971, e também na Conferência de Estocolmo, em 1972, principalmente por aqueles em desenvolvimento, por razões sociais. “Dadas as disparidades de receitas entre as nações e no interior delas, a suspensão do crescimento estava fora de questão, pois isso deterioraria ainda mais a já inaceitável situação da maioria pobre” (SACHS, 2009, p. 52). Uma melhor distribuição de renda, de fato, se fazia necessária, e para isso o crescimento econômico dos países mais pobres era fundamental (SACHS, 2009, p. 52). De outro lado, criou-se a consciência de que o crescimento econômico ilimitado e “selvagem” não poderia prevalecer, sob pena de se comprometer a natureza e sobrevivência das gerações futuras, pois os recursos naturais são finitos. Nesse contexto, a partir da década de 1970, o pensamento predominante foi o de seguir o 456 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013

“caminho do meio”, de se abandonar o conceito limitado de crescimento econômico para a adoção do conceito mais amplo de desenvolvimento, que engloba a mudança social e a sadia qualidade de vida. O desenvolvimento econômico deve ser “socialmente justo e ecologicamente sustentável” (HOGAN; VIEIRA, 1995, p. 21); “só pode continuar se for politicamente compatibilizado com a sustentabilidade ecológica e com a justiça social” (ZHOURI et al., 2005, p. 41). Entretanto, verifica-se nos dias atuais que a ideologia do desenvolvimento sustentável não identifica o que se deve desenvolver e, além disso, está calcado em diretrizes internacionais subjetivas, situadas além das fronteiras regionais, fazendo com que o capital fique livre de uma regulação política e, com isso, surjam lutas sociais entre os vários agentes que disputam a apropriação dos recursos naturais. Estes agentes (cientistas, jornalistas, ambientalistas, ONGs etc.) rotulam-se de “legítimos” e “responsáveis” pelos recursos naturais, mas agem motivados pelo próprio capitalismo. “Nesse quadro, não haverá mais a possibilidade de qualquer ‘desenvolvimento’ e ainda menos que possa ser politicamente direcionado para qualquer alvo conscientemente prefigurado - menos ainda se esse alvo for a sustentabilidade ecológica” (ZHOURI et al., 2005, p. 41-42). Isso mostra, no plano empírico, que não está sendo possível a ocorrência de um desenvolvimento ecologicamente sustentável dentro do sistema capitalista, ainda que tal conciliação, no plano teórico, venha sendo adotada pelos países como “bandeira” no sentido de se proteger o meio ambiente, e leva à tendência atual de se repensar o modelo do sistema de desenvolvimento, hoje voltado ao viés econômico, para que outro seja construído tendo como elemento central o meio ambiente (LEITE; AYALA, 2010, p. 23). Sendo contestável o conceito de desenvolvimento sustentável para as Ciências Sociais, pois envolve uma pluralidade ou diversidade de definições (critérios multidimensionais), não sendo possível estabelecer definição única e consensual, passe a ter relevância a análise da dimensão normativa do instituto. “Parecenos que uma dimensão central para entender o caráter contestável do conceito e sua importância como conceito para as Ciências Sociais é, justamente, acessar a dimensão normativa que ele traz consigo” (LENZI, 2005, p. 94). Nesse passo, certo é que a sobrevivência humana e os modelos de desenvolvimento geram grande tensão com a natureza, acarretando situações de riscos, e que para regular e re-

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as políticas públicas ambientais

solver os conflitos gerados da relação entre as pessoas, as atividades empresárias e o meio ambiente, emerge a importância do Poder Público, por intermédio do Direito Ambiental, para impor as regras de proteção ambiental que deverão nortear os envolvidos (titulares, gerentes e administradores de empresas, Estado-Juiz e população em geral), em prol das gerações presentes e futuras. O Direito exerce um papel muito importante para a sustentabilidade ecológica do país, ao transformar em regras os valores de uma sociedade. Ele apresenta os mecanismos essenciais a serem utilizados pelo Estado para a proteção e garantia da sustentabilidade1, esta entendida como “preservação da natureza irreversível”, ou seja, “aspectos do ambiente que, uma vez destruídos ou consumidos, não poderão mais ser recriados de modo algum” (LENZI, 2005, p. 97). Por suas peculiaridades, afirma-se que o Direito Ambiental é autônomo e independente dos demais ramos do Direito, tendo características próprias (D’ISEP et al., 2009, p. 209). Isto nem poderia ser diferente, porquanto o meio ambiente é um tema interdisciplinar, refletindo em vários campos ao mesmo tempo. Com efeito, um conhecimento disciplinar não permite a compreensão exata de um tema tão complexo quanto o meio ambiente. Não pode ser enquadrado nem no Direito Privado, nem no Público. Para aquele, tudo o que não seja vedado por lei pode ser praticado; para este, somente se pode fazer aquilo que esteja previsto em lei. Sob o prisma ambiental, nem sempre aquilo que não é vedado por lei pode ser feito, pois pode haver limitações, assim como não basta a permissão do órgão ambiental, por exemplo, para que determinada atividade não possa mais ser questionada. Novos paradigmas2 surgiram ou ressurgiram com características próprias para o Direito Ambiental. Direitos metaindividuais, os princípios do poluidor-pagador, do protetor-recebedor, da prevenção, da precaução e da reparação integral, são alguns deles. O dinamismo do mercado e do sistema capitalista faz surgir novas atividades econômicas, muitas vezes não tratadas pela legislação. Deste modo, as omissões do legislador e as lacunas no ordenamento jurídico devem ser supridas e preenchidas pelos conceitos jurídicos inerentes ao Direito Ambiental, com escopo de se proteger o meio ambiente, que é a essência da sobrevivência da raça humana. Assim, o Estado tem o papel fundamental de se cercar de todos os meios ou mecanismos para garantir a sustentabilidade e afastar

as situações de riscos ambientais, impondo condutas e comportamentos aos cidadãos, por meio do Direito Ambiental. O Direito Ambiental não é a solução milagrosa para a solução dos problemas ambientais, diante da contradição ou incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e o capitalismo, como visto alhures, mas sem dúvida é um forte instrumento das políticas públicas com vistas à sustentabilidade. 1.2 A responsabilidade solidária como instrumento de política pública Enquanto o modelo atual de desenvolvimento (econômico) não é revisto ou modificado, uma das alternativas existentes ao Estado é utilizar o Direito Ambiental como instrumento de proteção ao meio ambiente, mediante a utilização de institutos que foram construídos para isto, como é o caso da responsabilidade solidária. Uma obrigação é solidária, sob o prisma jurídico, quando envolve uma pluralidade de credores (solidariedade ativa) ou de devedores (solidariedade passiva), sendo cada um deles titular da totalidade do crédito, no primeiro caso, ou responsável pela totalidade da prestação, no segundo. Na solidariedade ativa, mesmo havendo vários credores, o devedor tem a opção de pagar toda a dívida a apenas um deles, que repartirá o crédito entre os demais; na passiva, o credor tem a opção de exigir a obrigação de todos ou de apenas um dos codevedores (o devedor que pagar poderá exigir dos demais suas quotas-partes). Em matéria de responsabilidade ambiental, a solidariedade passiva recebe maior relevância. O credor de uma obrigação ambiental é um só, qual seja toda a coletividade (interesse público), representada pelo Estado, Ministério Público, associações, órgãos ambientais, ONGs, etc., ao passo que os sujeitos passivos podem ser vários, todas as pessoas - físicas ou jurídicas - que causaram ou se beneficiaram, direta ou indiretamente, da degradação ambiental. A obrigação é solidária (passiva) porque cada um dos poluidores pode ser compelido a sanar toda a poluição produzida ou a pagar a totalidade dos prejuízos, ainda que não tenha sido o único causador dos danos ambientais. A regra geral é que todos os poluidores são responsáveis pelos eventos ambientais, que tenham tido participação direta ou indireta no evento danoso (princípio do “poluidor-pagador”), ou que tenham se beneficiado, ainda que indiretamente, da atividade nociva ao meio ambiente, cada um deles respondendo pela totaliR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013 457

Robson Ivan Stival, Belmiro Valverde Jobim Castor, Valdir Fernandes

dade da poluição. Há casos, porém, em que se pode exigir de uma pessoa a responsabilidade ambiental, de forma solidária (solidariedade passiva), mesmo não tendo ela tido nenhum envolvimento na degradação ambiental. Enfim, a pessoa não poluiu, nem se beneficiou da atividade poluidora, mas poderá ser obrigada a sanar ou reparar a totalidade do dano ambiental. Deste modo, quanto maior o espectro na responsabilização de pessoas a determinados eventos ou atividades que possam trazer riscos ambientais, maior será a probabilidade de se prevenir o dano ambiental ou de repará-lo. 2 POLÍTICAS PÚBLICAS: o papel do estado no contexto da questão ambiental O Estado manifesta-se administrativa e operacionalmente mediante ações de intervenção direta, física ou financeira (projetos de infraestrutura e de fomento); políticas de indução ou fomento; políticas de inibição de comportamentos; e ações de manutenção (serviços essenciais). O Direito Ambiental, regido pelos princípios da precaução e da prevenção, exerce importante papel para as políticas de inibição de comportamentos, pois estabelece as regras a serem obedecidas na sociedade visando a proteção do meio ambiente (interesse coletivo). Para tanto, o Direito Ambiental serve de instrumento para as políticas públicas. Em outras palavras, o papel do Estado no contexto da questão ambiental é desempenhado basicamente por meio de políticas públicas voltadas à preservação da natureza e da sustentabilidade. Assim como o meio ambiente, a política pública é também um objeto interdisciplinar, pois abrange várias dimensões e interesses. Em linhas gerais, sem preocupação com o enquadramento em áreas específicas do conhecimento, pode-se dizer que políticas públicas consistem em ações do Estado em benefício dos cidadãos, mediante o emprego dos recursos oriundos destes através dos impostos, taxas, tarifas, contribuições, etc., na solução dos problemas sociais, econômicos, ambientais, dentre outros. As políticas públicas podem se manifestar por ações concretas, diretamente praticadas pelos órgãos governamentais, ou por meio da edição de leis (SILVA; SOUZA-LIMA, 2010, p. 4 - 5). A economia costuma ser o principal ponto de partida das políticas públicas. Políticos e governantes preocupam-se com a elaboração e implantação de planos voltados a temas econômicos ou que tenham finalidade econômica 458 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013

preponderante, tais como controle da inflação, equilíbrio da balança comercial, aumento do PIB, garantia de emprego, etc. Parte-se do pressuposto de que o desenvolvimento econômico acarreta, automaticamente, a melhoria de um país em todos os demais aspectos essenciais à coletividade (sociais, culturais, ambientais etc.). Entretanto, tal acepção não pode ser aceita hodiernamente, sem ressalvas. A economia deve ser tratada apenas como um dos aspectos da relação entre o ser humano e a natureza. A natureza não pode ser vista como uma mercadoria. Nas décadas de 1950 e 1960, Furtado (1996, p. 8 - 9) já previa que quanto maior a acumulação de capital, maior é a “inércia do sistema, e as correções do rumo tornam-se mais lentas ou exigem maior esforço” no tocante aos problemas sociais e ambientais. Não bastam apenas políticas públicas econômicas. De nada adianta um PIB elevado e um alto grau de consumo e de índice de emprego, se tais conquistas vierem acompanhadas de graves crises ambientais ou situações de risco, fatores estes que desestabilizam a própria economia. Além disso, medidas e diretrizes no sentido da proteção do meio ambiente trazem limitações à liberdade das pessoas e das atividades empresariais (livre iniciativa), importantes princípios democráticos, fatores estes que dificultam a aplicabilidade e a eficácia das políticas públicas ambientais, principalmente numa sociedade marcada pelo baixo nível de escolaridade e cujas classes sociais menos favorecidas têm enorme ânsia em se inserir no atraente mercado consumidor. Neste contexto, as políticas públicas constituem-se em um importante instrumento do Estado para a proteção do meio ambiente. Se a população não tem consciência dos impactos das atividades econômicas no meio ambiente, devem ser exigidas condutas ambientalmente corretas, e reprimidas atitudes lesivas ao meio ambiente, com efeitos preventivos, punitivos e educativos. 3 NOVOS PARADIGMAS A PARTIR DA QUESTÃO AMBIENTAL A partir da década de 1970, os interesses sobre o tema “ecologia” não se limitavam apenas às academias e aos intelectuais; eles inspiravam comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas a níveis locais e globais. “A discussão ambiental se tornou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização” (PÁDUA, 2010, p. 82).

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as políticas públicas ambientais

Com isso, novos paradigmas surgiram para propiciar maior proteção ao meio ambiente, pois os focados exclusivamente no desenvolvimento econômico não permitem por si só a sustentabilidade do planeta. Enquanto a economia raciocina em termos de anos ou décadas, “a escala de tempo da ecologia se amplia para séculos e milênios” (SACHS, 2009, p. 49 - 50). São identificados abaixo os paradigmas surgidos a partir da questão ambiental, que se constituem nos pilares de sustentação do Direito Ambiental. 3.1 O objeto meio ambiente Não se pode mais compreender a terra apenas a partir do direito de propriedade (garantia constitucional, com destaque à finalidade social - Constituição Federal, artigo 5º, XXII e XXIII); a poluição pode infiltrar nela e adentrar nos lençóis freáticos, contaminando o solo e a água, pondo em risco toda a coletividade. O mesmo ocorre com o rio que corta uma propriedade ou uma floresta existente em área particular. A poluição causada nos mesmos compromete a qualidade de vida de todos. A fauna, a flora, o ar, os rios, a água e a terra formam o meio ambiente, o qual se constitui em um objeto juridicamente tutelado à parte dos interesses ou direitos individuais correlatos, decorrentes do direito de propriedade. Pode-se dizer então que este coexiste com a tutela do meio ambiente; o titular daquele tem a obrigação de proteger e resguardar este, sob pena de sofrer as sanções previstas no ordenamento jurídico. A poluição não traz apenas danos à terra como propriedade, mas também à natureza e, consequentemente, ao próprio ser humano. 3.2 Direito metaindividual O bem ambiental é multidisciplinar, envolvendo o chamado “direito metaindividual”, que abrange os direitos difusos, coletivos “stricto sensu” e individuais homogêneos. Suas características principais são “a indivisibilidade, a indeterminalidade de seus titulares (transindividualidade, metaindividualidade), e, no que tange ao seu objeto, a inter ou multidisciplinaridade” (D’ISEP et al., 2009, p. 207). Não é um bem particular nem público; é um bem de uso comum, de acordo com o conceito contido no artigo 225 da Constituição Federal. Uma poluição atmosférica, por exemplo, afeta o direito de todos que respiram o ar poluído, sejam os moradores de toda uma cidade (direitos difu-

sos) ou os que trabalham na indústria poluidora (direitos coletivos), e pode ser objeto de tutela de interesses individuais homogêneos, consistentes nos danos causados à saúde, e morais causados às pessoas que sofreram prejuízos concretos em sua saúde. Por isso, o dano ambiental é uma “expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses” (LEITE; AYALA, 2010, p. 92). 3.3 A sustentabilidade como fundamento constitucional A principal evidência de que a sustentabilidade é um paradigma no atual sistema jurídico brasileiro é o fato de estar respaldada em fundamentos contidos na Constituição Federal, lei máxima do país. O artigo 3º da Constituição estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, o desenvolvimento nacional (inciso II), a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III) e a promoção do bem de todos (inciso IV). Dentro do Título VIII - “Da ordem social”, a Constituição incluiu o “meio ambiente” em capítulo específico (Capítulo VI), no qual se destaca o artigo 225, preceituando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, impondo ao Poder Público e à coletividade “o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Em suma, o desenvolvimento econômico alcançado sem prejuízo da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente, em outras palavras, a sustentabilidade. O desenvolvimento sustentável nada mais é do que uma proposta de “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (SILVA, 2010, p. 24-25). 3.4 A prevenção ou a precaução A importância da tutela jurídica do meio ambiente exige que se dê mais ênfase à prevenção ou precaução do que à repressão ou punição. O dano ambiental pode ser irreparável e, por isso, deve ser evitado. A preciosidade de tal bem torna imprescindível que se reforcem os meios de se prevenir a ocorrência de danos ambientais; a pena tem o escopo principal de evitar novos atos poluidores. A pena é a “prevenção refletida, que determina a repressão” R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013 459

Robson Ivan Stival, Belmiro Valverde Jobim Castor, Valdir Fernandes

(DURKHEIM, 1984, p. 105). A função precípua da compensação ambiental não é a reparação dos danos causados “voltada para o passado”, própria da responsabilidade civil, mas a prevenção de danos graves e, por vezes, irreversíveis, orientada para o futuro (MOTA, 2009, p. 27). O princípio da precaução é mais restritivo do que o da prevenção. De acordo com o princípio da precaução, a atividade econômica não deve ser permitida se houver a probabilidade de ser poluidora. “É o potencial poluidor que tem o ônus da prova de que um acidente ecológico não vai ocorrer e de que adotou medidas de precaução específicas” (CANOTILHO; LEITE, 2008, p. 42). Para a prevenção, a atividade poderá ser permitida se forem adotadas medidas de cautela, vale dizer, certas limitações. Os princípios da prevenção e da precaução são, pois, pilares do Direito Ambiental, eis que os danos ambientais são geralmente irreversíveis. Estão consagrados no artigo 225, caput da Constituição Federal. É dever do Estado e de todos a preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) também prevê instrumentos que visam a prevenção ou a precaução, como é o caso da avaliação dos impactos ambientais (artigo 9º, III). 3.5 O princípio do poluidor-pagador A legislação atribui aos infratores - agentes poluidores - a responsabilidade pelos danos ambientais praticados. É o princípio do poluidor-pagador, estabelecido pelo artigo 225, §3º da Constituição Federal, artigo 70 da Lei nº 9.605/98 e artigos 4º, inciso VII e 14, §1º da Lei nº 6.938/81. O usuário que se beneficia dos recursos naturais não pode onerar a sociedade com a poluição gerada pela atividade por ele desenvolvida; é como se confiscar o direito de propriedade alheia (MACHADO, 2010, p. 67). 3.6 O princípio do protetor-recebedor A Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e introduziu no sistema o princípio do protetor-recebedor, por meio do disposto no artigo 6º, inciso II. Por tal princípio, quem protege o meio ambiente deve receber incentivos fiscais ou econômicos. Não basta punir o agressor ou o poluidor; é preciso incentivar atitudes de proteção ao meio ambiente. O paradigma do protetor-recebedor é coro460 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013

lário dos princípios da prevenção e da precaução; os mesmos atuam antes da ocorrência dos danos ambientais ou para evitar que estes ocorram. 3.7 O princípio da reparação integral Outro paradigma para a questão ambiental é o princípio da reparação integral, segundo o qual a condenação imposta ao agente poluidor deve ser a mais ampla possível, para que novas condutas lesivas sejam evitadas e afastadas todas as lesões ou ameaças para que, assim, o meio ambiente seja preservado ou restabelecido com a maior amplitude possível. Tal princípio está consagrado pelo artigo 225, §3º da Constituição Federal. Deste modo, além das sanções criminais que preveem penas restritivas de direitos e de liberdade, uma mesma conduta poderá ser objeto, paralela e concomitantemente, de variadas medidas ou consequências nas esferas administrativa ou judicial civil (multas, obrigações de fazer, indenizações, etc.). 4 RESPONSABILIDADE AMBIENTAL A violação de uma conduta regulada pelo direito enseja a aplicação de uma sanção. As sanções variam conforme a gravidade atribuída ao preceito violado, dependendo do grau de importância que o bem jurídico tutelado ocupa na sociedade em determinado momento histórico. A verdadeira função da pena estaria “em manter intacta a coesão social, mantendo toda a sua vitalidade à consciência comum” (DURKHEIM, 1984, p. 103). As sanções podem ser de natureza civil ou penal. As questões ambientais, tendo em vista a importância e a fragilidade do objeto meio ambiente, geralmente envolvem sanções de caráter civil e penal, aplicáveis paralelamente.   4.1 Responsabilidade civil, penal e ambiental A violação de uma conduta regulada pelo direito enseja a aplicação de uma sanção. As sanções variam conforme a gravidade atribuída ao preceito violado, dependendo do grau de importância que o bem jurídico tutelado ocupa na sociedade em determinado momento histórico. A verdadeira função da pena estaria “em manter intacta a coesão social, mantendo toda a sua vitalidade à consciência comum” (DURKHEIM, 1984, p. 103). Na esfera civil, o interesse lesado é o privado. O ato do agente causa prejuízo material ou

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as políticas públicas ambientais

moral a alguma pessoa, que deve ser reparado mediante o pagamento de indenização, com o objetivo de repor as coisas ao estado anterior ao dano. Na seara penal, ocorre a violação de uma norma de direito público, através de um comportamento delituoso, reprovado pela ordem social. A sociedade reage aplicando uma pena ao delinquente, por intermédio do Estado-Juiz. Nessa modalidade, é indiferente que tenha havido ou não prejuízo para a vítima; o dano ocorreu para toda a sociedade, em decorrência da violação de uma norma de ordem pública (RODRIGUES, 1993, p. 5). A responsabilidade ambiental, por sua vez, contém características peculiares, abrangendo tanto a responsabilidade de recomposição do dano (civil) como também a penal. A vítima pode sofrer prejuízos particulares por danos ambientais, que terão de ser indenizados pelo causador do evento danoso; ao mesmo tempo, o dano atinge e prejudica toda a sociedade. O patrimônio ambiental, “por ser coletivo, importando a toda a coletividade, qualquer membro dessa coletividade deve estar legitimado a protegê-lo” (VENOSA, 2004, p. 179). Considerando a autonomia do Direito Ambiental, explorada em capítulo anterior, a nomenclatura utilizada neste trabalho é “responsabilidade ambiental”, englobando os aspectos civis e penais (além dos administrativos), com ênfase à responsabilidade civil em matéria ambiental, porquanto o tema objeto - solidariedade - é instituto de direito civil. 4.2 As funções repressiva, restitutiva e preventiva da responsabilidade em matéria ambiental De regra, há duas espécies de sanções no mundo jurídico, uma denominada repressiva, que consiste numa pena imposta ao agente, tendo por objetivo privá-lo de liberdade ou atingi-lo em sua honra, e outra denominada restitutiva, que não implica necessariamente um sofrimento ao agente, mas a reposição das coisas ao estado anterior. A primeira espécie compreende o direito penal e a segunda os demais ramos do direito (civil, comercial, administrativo, constitucional, etc. (DURKHEIM, 1984, p. 85-86). O Direito Ambiental envolve sanções repressivas e restitutivas, estabelecendo penas que limitam a liberdade do agente ou restringem alguns de seus direitos, bem como medidas que visam possibilitar o retorno das coisas ao status quo ante, seja pela condenação do agente ao cumprimento da tutela específica

da obrigação, seja pela reposição patrimonial equivalente ao dano causado. A proteção conferida pela responsabilização por dano ambiental decorre de uma função preventiva indireta, pois a sanção aplicada a um indivíduo serve como exemplo ou intimidação para que outros não repitam o comportamento danoso (BUCCI, 2003, p. 105). “Muitas vezes não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto” (MACHADO, 2010, p. 361). 4.3 Responsabilidade objetiva O conceito tradicional de responsabilidade civil - marcado pelo pressuposto da existência de culpa, esta abrangendo tanto a culpa propriamente dita (o agente não queria o resultado, mas agiu com imprudência, negligência ou imperícia) quanto o dolo, que é o “pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar” (MONTEIRO, 1989, p. 392) - não é suficiente para assegurar a proteção de certos interesses jurídicos mais vulneráveis. “A deficiência de meios, a desigualdade de fortuna, a própria organização social” acabariam por deixar “larga cópia de danos descobertos e sem indenização” (PEREIRA, 2003, p. 556). A solução técnica encontrada para casos tais, dentre os quais a proteção ao meio ambiente - um bem jurídico de vital importância -, foi o instituto da responsabilidade objetiva, que independe da ocorrência de culpa, pois não se pode dificultar a reparação de tal bem jurídico fundamental, “de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá consequências não só para a geração presente, como para a geração futura” (MACHADO, 2010, p. 362). Basta a ocorrência de um evento, seja lícito ou ilícito, que acarrete dano a um bem jurídico tutelado, para que o agente seja responsabilizado civilmente. A responsabilidade objetiva por danos ambientais decorre do disposto no artigo 225, §3º da Constituição Federal, no artigo 14, §1º da Lei nº 6.938/81 e no artigo 927, parágrafo único do Código Civil. 4.4 Teoria do risco integral Tanto na responsabilidade subjetiva quanto na objetiva deve haver uma responsabilidade atribuída a alguém: na primeira por meio da culpa e na segunda pelo risco, ainda que não tenha havido culpa. Pela teoria do risco integral, adotada pela R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013 461

Robson Ivan Stival, Belmiro Valverde Jobim Castor, Valdir Fernandes

grande maioria da doutrina especializada no tocante à questão ambiental, a indenização é devida independentemente de culpa, não se aplicando, desta maneira, os excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito, a força maior ou o fato de terceiro. O risco integral pode ser interpretado a partir do artigo 225, §3º da Constituição Federal e do artigo 3º, inciso IV da Lei nº 6.938/81. 4.5 Pressupostos da responsabilidade ambiental Para a responsabilização por dano ambiental, devem estar presentes os seguintes elementos: a) a prática de qualquer ato ou omissão, seja lícito ou ilícito; b) a ocorrência de um dano ambiental; e c) o nexo de causalidade entre a atitude e o dano (relação causa e efeito). 4.5.1 Ação ou omissão A definição de ato ilícito, em nosso ordenamento jurídico, é extraída do artigo 186 do Código Civil, segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Venosa (2004, p. 26) refere-se a atos ilícitos como “os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento”. A Lei Federal nº 9.605/98, no capítulo primeiro, define que a incidência das penalidades a que se refere somente se fará na exata medida da culpabilidade, acaso apurada. É o que vem expresso no artigo 2º da citada Lei, que consagra a teoria da culpabilidade (nulla poena sine culpa). Além disso, o artigo 70 da referida norma legal condiciona a ocorrência de infração ambiental à existência de ato comissivo ou omissivo, decorrente de volição humana, “que viole as regras jurídicas de uso, gozo, proteção e recuperação do meio ambiente”. Em se tratando de dano ambiental, o conceito abrange todo e qualquer ato que cause prejuízo ao meio ambiente e seus reflexos na esfera jurídica dos indivíduos, “resultante de atividade praticada por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que direta ou indiretamente seja responsável pelo dano”, ainda que não derive de um ato ilícito, (FIORILLO, 2010, p. 99-100). “Em princípio, deve ser considerada abusiva qualquer conduta que extravase os limites do razoável e ocasione danos ao meio ambiente e desequilíbrio ecológico” (VENOSA, 2004, p. 179). 462 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013

4.5.2 Dano ambiental Leite e Ayala (2010, p. 92) conceituam dano ambiental como sendo uma expressão ambivalente, que designa tanto as alterações nocivas ao meio ambiente - patrimônios naturais, artificiais e culturais - como os efeitos que tais alterações provocam na saúde das pessoas e em seus interesses. É o prejuízo sofrido pelo patrimônio ambiental, comum à coletividade (interesse coletivo e difuso - supraindividual), e os efeitos reflexos ou ricochetes a interesses de um indivíduo ou grupo de pessoas (interesse privado) (LEMOS, 2008, p. 103). A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, amplia o conceito de poluição para alcançar também questões sociais, considerando a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que “prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população” e “criem condições adversas às atividades sociais e econômicas” (artigo 3º, III, “a” e “b”). 4.5.3 Nexo de causalidade É a ligação entre a conduta do agente à produção do resultado (dano). “A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal” (VENOSA, 2004, p. 45). Em decorrência de uma ação, caracterizada por um atuar positivo ou negativo, torna-se possível cogitar de uma relação causal, capaz de estabelecer o liame entre a ação e o resultado. “Considera-se que o dano tenha sido causado pelo agente se foi o efeito necessário da omissão deste e não resultante de concausas sucessivas” (MOTA, 2009, p. 36). Para a responsabilidade ambiental o nexo causal deve ser analisado de maneira mais tênue, ampla e agravada, tendo em vista os reais interesses tutelados pela finalidade da lei (LEMOS, 2008, p. 149). Há uma predisposição à atenuação do nexo causal, pois também coíbe a probabilidade de dano futuro, ou seja, das consequências que o ato poderá causar no futuro, do impacto ecológico que uma atividade possa vir a causar, ainda que os danos não se verifiquem no presente. “Em razão desse aspecto, bem como dos interesses coletivos envolvidos, diminui-se exigência de comprovação do nexo causal“ (VENOSA, 2004, p. 181). Não há fórmulas exatas para a configuração do nexo causal suficiente para a responsabilização ambiental. Somente uma análise detalhada de determinada situação concreta é que permitirá ao operador do direito concluir pela existência ou não de responsabilidade.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as políticas públicas ambientais

5 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM MATÉRIA AMBIENTAL A solidariedade é considerada, neste trabalho, a partir da vertente jurídica, eis que os limites da mesma foram analisados e identificados sob o manto de tal dimensão. Para o Direito, o conceito de solidariedade expressa a ideia de se estar vinculado a um dever, obrigação ou responsabilidade. Denota a ideia de um compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras e cada uma delas por todas. A solidariedade é um instituto de direito civil. O Código Civil conceitua solidariedade “quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda” (artigo 264). Em matéria ambiental, a solidariedade é passiva, eis que vincula os devedores da obrigação, ou seja, daqueles contra quem deveres e sanções poderão ser opostos (Código Civil, artigo 275). A legislação ambiental estabelece a responsabilidade solidária entre os entes que contribuíram, direta ou indiretamente, com a poluição ou degradação do meio ambiente. Cada um responde pela totalidade das consequências do evento. O artigo 3º, IV da Lei nº 6.938/81 conceitua “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. A Constituição Federal, no artigo 225, §3º, sujeita todos os infratores por condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente. Portanto, cada um dos agentes que tenham atuado, direta ou indiretamente, na poluição, responde pela totalidade dos danos e medidas necessárias para a recomposição do meio ambiente, mesmo que não tenha sido o único poluidor “ou ainda quando não se tiver certeza de qual deles - em um rol de possíveis autores - foi o responsável pelos danos, aplica-se esse conceito” (GRANZIERA, 2009, p. 590). A solidariedade se aplica tanto para exigir dos poluidores ou exploradores de determinadas atividades a recomposição do meio ambiente ou o afastamento da poluição ou degradação ambiental, como também para obrigá-los ao pagamento de indenização, na hipótese do retorno ao estado anterior não ser mais possível e, por isso, tornar-se necessária sua conversão em obrigação pecuniária. O artigo 271 do Código Civil dispõe que “convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade”. Quando estabelecido o nexo de causalidade

entre as atuações dos agentes poluidores ou usuários dos recursos ambientais e a poluição ou os danos ambientais, consoante explanado em capítulo anterior, a solidariedade entre eles é imperativa, decorrente da própria lei. Todos os poluidores são responsáveis pelos eventos ambientais, que tenham tido participação direta ou indireta no evento danoso (princípio do “poluidor-pagador”), ou que tenham se beneficiado, ainda que indiretamente, da atividade nociva ao meio ambiente, cada um deles respondendo pela totalidade da poluição. 6 CONCLUSÃO Há dois princípios fundamentais ao ser humano, que foram identificados e reconhecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável produtiva, em harmonia com a natureza (SILVA, 2010, p. 64). A Constituição Federal estabelece um equilíbrio entre as dimensões social, ambiental e econômica. Os tribunais de todo o país adotam este modo de pensar, avaliando sob os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade os benefícios econômicos e sociais que determinadas atividades propiciam, comparando-os aos prejuízos ambientais decorrentes. Os governantes, muitas vezes respondendo à demanda social, formulam políticas públicas pensando na maioria das vezes em crescimento econômico e no aumento do PIB - Produto Interno Bruto, para melhorar o poder aquisitivo das pessoas, como se estas fossem as únicas maneiras de trazer felicidade para a população. Não há como se pensar em crescimento econômico indefinidamente, pois este implica no aumento do consumo e os recursos naturais são finitos. A qualidade de vida deve ser considerada mais importante do que a quantidade de bens ou o poder de consumo. Qualidade de vida não significa apenas o ser humano no centro de tudo, mas sim a mantença de todas as formas de vida que o rodeiam (CANOTILHO; LEITE, 2008, p. 108). É preciso dar menos importância aos aspectos econômicos, ou olhar de forma diferente a economia, considerando-a como expressão da dependência do ser humano em relação à natureza (POLANYI, 1994, p. 92). Enfim, devese pensar na mudança de paradigma, do atual desenvolvimentista para outro da sustentabilidade. O modelo atual de desenvolvimento, impulsionado pelo capitalismo, não será capaz de preservar a qualidade de vida das futuras R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013 463

Robson Ivan Stival, Belmiro Valverde Jobim Castor, Valdir Fernandes

gerações. A interdisciplinaridade exerce papel de relevo neste processo interno de mudança de paradigma. O meio ambiente deve ser visto sob vários ângulos ou aspectos, pois isto melhora a compreensão e solução dos problemas (MORIN, 2000, p. 14). A responsabilidade solidária em matéria ambiental constitui-se em importante mecanismo para as políticas públicas que visem a proteção do meio ambiente e a reparação de danos ambientais, além de se adaptar perfeitamente a um novo modelo de desenvolvimento calcado na sustentabilidade. A legislação ambiental imputa aos agentes e atividades que tenham contribuído, direta ou indiretamente, à produção do dano ambiental, a responsabilidade solidária pela reparação do mesmo. Cada um responde pela totalidade do dano, independentemente de ter agido ou não com culpa ou do grau desta. Para a responsabilização ambiental, deve haver um liame ou nexo de causalidade entre o ato praticado ou atividade desenvolvida e a produção do dano. Tal nexo causal é agravado ou tênue, não se exigindo os contornos mais rígidos daqueles que são inerentes à responsabilidade civil geral ou comum. Não poderá ser responsabilizado apenas o ente que não tiver qualquer relação com o evento danoso; ele não pode sequer ter assumido o risco de que o dano ambiental poderia surgir em decorrência de seu comportamento ou atividade. A verificação do nexo causal somente é possível mediante a análise das situações, comportamentos e circunstâncias que contornam o caso concreto. Não há uma fórmula para a referida constatação. De acordo com o preceito contido no artigo 225, “caput” da Carta Magna, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos cuja preservação é fundamental para a garantia de uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Porém, o meio ambiente não está sendo protegido satisfatoriamente pela aplicação prática do arcabouço jurídico vigente. A legislação ambiental contém brechas, gerando inúmeras discussões nos âmbitos administrativo e judicial, principalmente porque estabelece critérios muito subjetivos para a definição dos responsáveis pelos danos ambientais, obrigando solidariamente, em rápida síntese, apenas as pessoas ou atividades que se beneficiaram ou contribuíram direta ou indiretamente para a produção da poluição. O ideal é que haja clareza acerca dos limites da responsabilização ambiental, para que as defesas e recursos apresentados pelos trans464 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013

gressores, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa (devido processo legal), sejam analisados de maneira mais célere e objetiva, no sentido de se assegurar a aplicação da lei ao caso concreto, e não apenas para servir como meio de se discutir e dirimir incertezas da legislação aplicável. Quanto menor a margem de discricionariedade conferida pela lei, maior será a segurança jurídica e a sensação de justiça, exercendo-se o contraditório e a ampla defesa de maneira mais efetiva. Políticas públicas ambientais precisam surgir para estabelecer novas e concretas situações de responsabilidade jurídica solidária, indicando os entes que serão obrigados à reparação ambiental, independentemente de terem ou não contribuído para a produção dos danos (proprietários, locadores, locatários, produtores, distribuidores, usuários, consumidores, etc.), definindo-se, assim, limites efetivos e empíricos para a solidariedade. REFERÊNCIAS BUCCI, Mário Cesar; FERREIRA, Heline Sivini. Estudos de responsabilidade civil. Doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: Ícone, 2003. v. 1. p. 105. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 42 e 108. Código Civil Brasileiro. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Constituição da República Federativa do Brasil. 7. ed. Curitiba, 2005. D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo; NERY JÚNIOR, Nelson; MEDAUAR, Odete. Políticas públicas ambientais: estudos em homenagem ao professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 207; 209. DURKHEIM, Emile. A divisão do trabalho social. v. 1. Lisboa: Editorial Presença, 1984. p. 85-86, 103; 105. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 99-100. FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 8-9.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: um importante instrumento para as políticas públicas ambientais

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2009. p. 590.

volvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, p. 49-50; 52. 2009.

HOGAN, Daniel Joseph. VIEIRA, Paulo Freire (Orgs.). Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. São Paulo: Unicamp, 1995. p. 21.

________. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, p. 59. 2007.

KUHN, THOMAS S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. p. 218. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 23 e 92. LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 103 e 149. LENZI, Cristiano Luis. Sociologia ambiental: risco e sustentabilidade na modernidade. São Paulo: Edusc, 2006. p. 94, 97 e 119. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 67, 361-362.

SILVA, Christian Luiz da. SOUZA-LIMA, José Edmilson de. Políticas Públicas e indicadores para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Saraiva, p. 4-5. 2010. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, p. 24-25 e 64. 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, p. 26 181. 2004. ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice Barros (Orgs.). A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimento e conflitos socioambientais. São Paulo: Autêntica, p. 41 - 42. 2005. Notas 1

“Em síntese, a sustentabilidade é, ao mesmo tempo, questão de justiça, de democracia e de direitos humanos. Poderíamos dizer, então, que uma Sociologia ambiental fundada no conceito de sustentabilidade é uma Sociologia normativa, que tem nos direitos humanos e na própria ideia de democracia (deliberativa) uma base moral que orienta suas pesquisas e norteia suas orientações práticas para a política pública ambiental” (LENZI, 2005, p. 119).

2

O termo “paradigma” foi utilizado neste tópico como sinônimo de “princípio” ou “premissa”, não tendo um alcance tão profundo como o entendido pelas Ciências Sociais e considerado na conclusão (paradigma como modelo de desenvolvimento). Kuhn (1998, p. 218) considera o paradigma em dois sentidos diferentes. Num primeiro sentido, denominado “sociológico”, os paradigmas decorrem dos valores, técnicas e crenças partilhadas pelos integrantes de uma comunidade. Em outro sentido, considerado pelo autor como “filosoficamente mais profundo”, paradigmas são soluções concretas ou realizações que podem ser utilizados como exemplos.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 5. p. 392. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. ed. 2. São Paulo: Cortez, 2000. p. 14. MOTA, Maurício. Função social do direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 27 e 36. PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, v. 24, n. 68, 2010, p. 82. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 3 p. 556. 2003. POLANYI, Karl. El sustento del hombre. Barcelona: Mondadori, 1994. p. 92. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 4. p. 5. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desen-

Robson Ivan Stival Advogado Mestre em Organizações e Desenvolvimento pela FAE Centro Universitário. Professor da Pontíficia Universidade Católica do Paraná R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013 465

Robson Ivan Stival, Belmiro Valverde Jobim Castor, Valdir Fernandes

PUC/PR. E-mail: [email protected]. Belmiro Valverde Jobim Castor Advogado Doutor em Administração Pública pela University of Southern California. Professor do programa de pós-graduação em Administração da Pontíficia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR e do programa de mestrado interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]. Valdir Fernandes Sociólogo Doutor em gestão ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Professor do programa de mestrado interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário e dos programas de mestrado e doutorado da Universidade Positivo. E-mail: [email protected].

466 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 455 - 466, jul./dez. 2013

Pontificia Universidad Católica de São Paulo Rua Imaculada Conecição, 1155, Prado Velho CEP: 06414-007 Faculdade de Educação da UFMG Av. Antonio Carlos, 6627 - Pampulha Belo Horizonte - Minas Gerais CEP: 31270-901 Universidade Positivo (UP) Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 - Cidade Industrial, Curitiba - PR, CEP: 81280-330

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades Renato Barboza Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades Resumo: O presente artigo discute as políticas públicas em curso no país, nos setores da Educação e da Saúde, destinadas às pessoas com deficiência intelectual, no marco dos direitos sexuais e reprodutivos, a partir da problemática das DST/Aids. Examina a questão da inclusão social à luz da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas, ratificada no Brasil em 2008, além de outros documentos da gestão pública vislumbrando-se a redução de vulnerabilidades nessa população. Aborda o conceito de vulnerabilidade na análise das dimensões individual, social e programática, quanto aos avanços e desafios na implementação de políticas e programas sociais eficazes nesses setores no cenário contemporâneo. Palavras-chave: Direitos sexuais e reprodutivos, deficiência intelectual, políticas públicas. SEXUALITY AND REPRODUCTION AS RIGHTS FOR PEOPLE WITH INTELLECTUAL DISABILITIES AND THEIR INTERFACES WITH THE NATIONAL PUBLIC POLICIES OF EDUCATION AND HEALTH: gaps and possibilities Abstract: The present article discusses the public policies of the Education and Health that are in development in the country for the people with intellectual disabilities in the context of sexual and reproductive rights, from the problem of STD/AIDS. It examines the issue of social inclusion under the Convention on the Rights of Persons with Disabilities of the United Nations Organization, ratified in Brazil in 2008, and other official documents of public policy in the country, to reducing vulnerabilities in this population. It discusses the concept of vulnerability and analyzes the individual, social and programmatic dimensions, about the advances and challenges in the implementation of effective social policies and social programs in these sectors in the contemporary scenario. Keywords: Sexual and reproductive rights, intellectual disability, public policies. Recebido em: 24/07/2013. Aprovado em: 06/11/2013. 1 INTRODUÇÃO R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013 467

Renato Barboza

A questão da deficiência é um fenômeno mundial e representa um importante desafio no campo da gestão das políticas públicas nos setores da Educação e da Saúde. A Organização Mundial da Saúde a partir de um inquérito em 59 países, realizado em 2004, retrata a existência de cerca de 650 milhões de pessoas com deficiência no mundo, ou seja, uma de cada dez pessoas. Nos países desenvolvidos a prevalência foi de 11,8% e nos demais, classificados como baixa renda, esse índice foi de 18%, constatando-se que 82% dessas pessoas estavam abaixo da linha da pobreza, evidenciando a alta vulnerabilidade social desse segmento (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2007). No Brasil, a principal fonte de informações é oriunda do Censo Demográfico realizado em 2000 que registrou 24,5 milhões de brasileiros com alguma deficiência, correspondendo a 14,5% da população. Desses, 15,2 milhões estão na faixa etária entre 15 e 59 anos e 15,1 milhões têm condições de ingressar no mercado de trabalho. Contudo, pouco mais da metade estão empregados e apenas 10,4% com carteira assinada, perfazendo 2% do total de trabalhadores formais. A maior proporção foi constatada na região Nordeste, 16,8%, e no Sudeste a menor, 13,1%. No país, a deficiência visual corresponde a 48,1% das deficiências, seguida pela motora (22,9%), auditiva (16,7%), mental (8,3%) e física (4,1%), evidenciando a heterogeneidade do grupo de pessoas com deficiência (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007). No contexto das políticas públicas voltadas à promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, no período recente, o binômio deficiências e HIV/Aids emerge como um tema importante e que aos poucos começa a ser incorporado à agenda programática dos gestores e das equipes técnicas, em especial nos setores da Saúde e da Educação. Contudo, a observância das necessidades e especificidades das pessoas com deficiência, assegurada na Constituição Federal de 1988 e em várias leis e decretos editados nos últimos anos, ainda precisa ser aprimorada. No estudo sobre Levantamento Mundial do HIV/Aids e Deficiências, recomendado pelo Banco Mundial, conduzido pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Yale, se concluiu que as vulnerabilidades ainda são mais frequentes entre pessoas com deficiências do que a população em geral, tendo como principais fatores de risco associados à infecção pelo HIV, os seguintes: existência de um ciclo 468 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013

de carência e pobreza, que contribui para o aumento da incidência dessas injúrias, associado à má nutrição, a falta de acesso aos cuidados de saúde, aos acidentes de trabalho e à violência; baixa escolaridade de crianças e adolescentes deficientes, por exclusão da educação formal ou dispensa das aulas de educação sexual nas escolas; menor acesso à informação e aos métodos de prevenção para práticas de sexo seguro; risco elevado de serem vítimas de violência sexual e falta de proteção judicial nessas situações; insuficiente qualificação dos profissionais da saúde para reconhecer as necessidades dessas pessoas, fato que interfere no acesso ao diagnóstico precoce do HIV e tratamento da Aids; ao duplo estigma enfrentado por essas pessoas quando portadoras do HIV, sobretudo as institucionalizadas (GROCE, 2003). O estudo conduzido por Groce (2003) também revelou a ocorrência de situações de risco e vulnerabilidades às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) entre pessoas que possuíam algum tipo de deficiência e, identificou uma prevalência de 38% na população feminina e de 35% na masculina dessas doenças. No intuito de problematizar e iluminar as reflexões sobre a sexualidade da pessoa com deficiência intelectual na ótica dos direitos sexuais e reprodutivos adotou-se no presente artigo o conceito de vulnerabilidade de Ayres; França Junior; Calazans (1999, p. 54). Trata-se de uma ferramenta analítica que: [...] visa não a distinção daquele que tem alguma chance de se expor às doenças sexualmente transmissíveis (DST)/Aids, mas sim o fornecimento de elementos para avaliar objetivamente, as diferentes chances que todo e qualquer indivíduo tem de se infectar, dado o conjunto formado por certas características individuais, sociais e institucionais de seu cotidiano julgadas relevantes para maior exposição ou menor chance de proteção diante do problema.

Assim, a análise da vulnerabilidade envolve a avaliação de três dimensões interdependentes: a individual, a social e a programática. Para compreender a vulnerabilidade individual das pessoas com deficiência intelectual, devese considerar os aspectos cognitivos e afetivos que interferem na autopercepção de risco, elementos essenciais para a adoção das práticas e atitudes de prevenção às DST/Aids. Na análise dos determinantes contextuais, a vulnerabilidade social, também, deve ser contemplada, uma vez que expressa as condições políticas,

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades

econômicas e culturais que permeiam e determinam as relações de gênero, a orientação sexual, o ciclo de vida e geração, a escolaridade, a religião, entre outros fatores. Por fim, dada à importância da responsabilização do poder público na implementação das políticas públicas nos setores da Educação e da Saúde, faz-se necessário investigar a eficiência das mesmas, com vistas a promover e assegurar o acesso das pessoas com deficiência aos programas e serviços sociais, objetivando a redução da vulnerabilidade programática. Essa última dimensão refere-se ainda, a existência ou não de recursos sociais direcionados às políticas e aos programas, bem como aos processos de qualificação das práticas profissionais, que, no caso das DST/Aids, podem facilitar o acesso da população às informações técnicas e aos meios de prevenção. Dessa forma, no contexto contemporâneo dos direitos sexuais e reprodutivos, as vulnerabilidades das pessoas com deficiência intelectual, segundo Gil e Sied (2007), representam mais um desafio a ser enfrentado pelos gestores públicos na condução das políticas e das ações programáticas voltadas ao controle da epidemia de HIV/Aids e das outras DST. Nesse cenário, o presente artigo tem por objetivo discutir as políticas públicas em curso no país, nos setores da Educação e da Saúde, destinadas às pessoas com deficiência intelectual, no marco dos direitos sexuais e reprodutivos, a partir da problemática das DST/Aids. 2 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS A PARTIR DO PARADIGMA DA INCLUSÃO SOCIAL NOS SETORES DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO Para se discutir os direitos sexuais e reprodutivos com vistas a inclusão social, requer situar a questão no contexto sócio-histórico a começar da política de segregação e assistencialismo adotada no Brasil no decorrer das primeiras décadas do século XX, que transformou uma parcela considerável de pessoas com deficiência intelectual em seres dependentes e institucionalizados, dificultando a sua inclusão na sociedade. A partir disso, o binômio preconceito-exclusão se constituiu em fator determinante quanto ao aumento de vulnerabilidades entre as pessoas com deficiência intelectual. Esses elementos têm sido problematizados e desmistificados com o apoio e a atuação do poder público, além da pressão dos representantes desse segmento junto às organizações da sociedade civil. Nessa ótica,

[...] a relação entre sociedade e as pessoas com deficiência, marcada pela discriminação e preconceito, sofreu profundas mudanças na sociedade contemporânea, trazendo um cenário aparentemente mais humanizado de convívio social entre os diferentes (SHIMONO, 2008, p.18).

Em razão disso, novos paradigmas do final do século XX ressaltam a importância do desenvolvimento das capacidades, das potencialidades e do meio social, focalizando a importância do entorno dessas pessoas como propício para oferecer diferentes níveis de apoio, que possibilite sua autonomia e independência. Essas ideias referentes à inclusão têm sido difundidas desde 1980 no âmbito dos setores governamentais, ressaltando a experiência da Educação em relação a essa temática. Segundo Sassaki (2003), a história da educação das pessoas com deficiência pode ser compreendida em quatro fases: a primeira, anterior ao século XX, marcada pela “exclusão” das pessoas com deficiência aos sistemas escolares; a segunda, até os anos 50, caracterizada pela “segregação”, cuja atenção aos deficientes se reportava a grandes instituições e, a partir, dos anos 60, por meio de movimentos de pais, surgem as escolas especiais e, posteriormente, as classes especiais, dentro das unidades escolares; a terceira, a partir dos anos 70, é denominada “integração”, marcada por mudanças que proporcionaram a aceitação de deficientes em classes especiais preparatórias e posterior inserção em classes comuns, porém integrando apenas os que se adaptavam ao sistema de ensino estabelecido para a maioria; e a quarta fase, de “inclusão”, a partir de 1985, aperfeiçoada na década de 90, tem como premissa a adaptação da escola às necessidades dos alunos, por meio de um sistema educacional que busca a qualidade para alunos com ou sem deficiências, respeitando a diversidade. Com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, o reconhecimento de que todas as pessoas têm direitos iguais e inalienáveis passou a ser um mote na definição de políticas públicas em vários países. O artigo 2º, dessa declaração, afirma que: [...] todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013 469

Renato Barboza

Assim, cabe destacar dois dos princípios desta Declaração: o princípio da diversidade, no qual os sujeitos de direitos, compreendido em suas particularidades passam a exigir respostas específicas e diferenciadas às suas necessidades e demandas; e o princípio democrático, o qual induz à participação dos beneficiários nas diferentes etapas de implementação das políticas públicas e dos programas sociais. Aliado a isso, a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes de 1975 adverte as especificidades das pessoas com deficiência no item 3º, ao garantir que: [...] qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1975).

Por isso, a construção das práticas de inclusão é permeada por discussões acirradas que perpassam vários lócus, como as instituições públicas e privadas, os setores governamentais e não governamentais, envolvendo diferentes categorias profissionais, os pais e as próprias pessoas com deficiência. No país, nas últimas duas décadas, o preparo dessas pessoas tem sido um requisito para que elas desfrutem de uma vida em sociedade e na própria comunidade, de forma que gere o seu reconhecimento como cidadão atuante e sujeito desse direito. Esse novo paradigma valoriza a pessoa com deficiência e procura adaptar e transformar o meio social, com vistas à melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, ao exercício da cidadania. Nessa ótica, em 1994 a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Equidade, realizada na Espanha, ratificou a “Declaração de Salamanca”, estabelecendo linhas de ação para garantir a Educação Inclusiva para todos. O movimento da inclusão na escola está fundamentado em princípios norteadores, tais como: a aceitação das diferenças individuais como ponto positivo; a valorização da diversidade humana; o direito de pertencer; a aprendizagem cooperativa; o reconhecimento das minorias sociais e a busca da qualidade de vida, com o exercício da sua cidadania. Em 2006, a ONU aprovou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no intuito de promover e garantir condições dignas de vida e emancipação. Desde julho 470 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013

de 2008, o Brasil ratificou essa Convenção incorporando-a como emenda constitucional, comprometendo-se com um conjunto de artigos que versam sobre direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e, ainda, com o protocolo facultativo da mesma, estando sujeito a sanções internacionais em caso de violação desses direitos (MAIOR; MIRANDA; BERNARDES, 2010). A concepção sustentadora dessa plataforma defende o respeito, a dignidade, a independência da pessoa, a autonomia individual, a não discriminação e a participação efetiva com oportunidades equânimes para esse segmento. Pode-se afirmar que o processo de inclusão social em nosso país avançou, sobretudo, no que se refere ao desenvolvimento de uma legislação orientada por essa perspectiva, considerando que a construção social do modelo de deficiência, presente na referida Convenção, propôs um novo marco na história das políticas públicas voltadas para essa população, no entanto, Diniz; Barbosa; Santos, (2009, p.73) ponderam que “apenas recentemente as demandas dessas pessoas foram reconhecidas como uma questão de direitos humanos”. Com foco na promoção da igualdade, a concordância do governo brasileiro, à luz dessa Convenção, pressionou o poder público para o aprimoramento das leis e dos decretos, bem como dos processos de gestão e de avaliação das políticas públicas na Educação e na Saúde, além de outras áreas sociais, ancoradas na promoção do respeito e da dignidade desse grupo da população. No cenário nacional, cabe destacar a edição da Lei nº 7.853/89 regulamentada após dez anos pelo Decreto nº 3.298/99 que instituiu a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, definindo responsabilidades intersetoriais na gestão pública para assegurar o direito ao acesso pleno à saúde, à educação, ao trabalho, à habitação, à cultura, ao turismo e ao lazer. Posteriormente, outros instrumentos legais e normativos, também, foram publicados para garantir a cidadania das pessoas com deficiência, a exemplo das Leis nº. 10.048 e 10.098 editadas em 2000, determinando prioridades no atendimento e a promoção da acessibilidade, considerados fundamentais no processo de enfrentamento das vulnerabilidades dessa população1 (BRASIL, 2010). No campo da saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve assegurar a todos os brasileiros o acesso universal, integral e equânime por meio de uma rede de serviços organizada, sob gestão descentralizada, regionalizada e ar-

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades

ticulada entre a União, os Estados e os Municípios. Apesar disso, a Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90 que instituiu o arcabouço ético e as diretrizes operacionais do SUS não menciona a atenção especializada à saúde das pessoas com deficiência (BRASIL, 1990). Na Seção I do Decreto nº 3.298/99, se refere, apenas, que cabe ao SUS promover ações preventivas, com ênfase na saúde do grupo materno-infantil, de modo a gerar prevenção, diagnóstico precoce e referência ao tratamento de doenças metabólicas, entre outras causadoras de deficiências. Determinou ainda, a garantia do acesso à rede pública e privada, o atendimento domiciliar para deficiência grave e o desenvolvimento de programas de saúde que promovam a integração da comunidade (BRASIL, 2010). Em 2002, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 10.060 aperfeiçoando e detalhando um conjunto de ações programáticas no âmbito do SUS voltadas à proteção da saúde e à reabilitação, bem como as interfaces com outros setores governamentais e as parcerias com organizações da sociedade civil, objetivando a inclusão social plena das pessoas com deficiência (BRASIL, 2010). Atualmente, está em vigência o Pacto pela Saúde que, também, contempla o Pacto pela Vida, editado pelo Ministério da Saúde, em 2006, para disciplinar os compromissos e as responsabilidades sanitárias assumidas pelos gestores. Uma das prioridades pactuadas se refere ao fortalecimento da capacidade de resposta do SUS às pessoas com deficiência, enfatizando, assim, o papel da rede de atenção básica, caracterizada: [...] por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde, sendo desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados [...]. É o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde (BRASIL, 2006).

Nesse cenário, o Ministério da Saúde elegeu a Estratégia Saúde da Família (ESF) para reorientar o modelo de atenção à saúde, visando à ampliação e à qualificação do acesso da população aos serviços. No âmbito da ESF, os profissionais atuam em um território assistindo a população adstrita, com vistas à formação de vínculos com as famílias e a comunidade, cujas

ações devem partir do planejamento baseado no diagnóstico local. A interface com outros polos da rede de saúde, como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), criados em 2008, como apoio à equipe multiprofissional, se caracteriza como elemento essencial para a organização dos cuidados preventivos e de reabilitação das deficiências (BRASIL, 2010). Desse modo, a ampliação do acesso da população à rede de saúde se constitui em aparato que possibilita redução das vulnerabilidades programáticas. Envolve a interação entre o usuário e suas necessidades de saúde e a oferta de procedimentos pelos serviços, o que pode resultar em processos que imprimem um maior ou menor grau de facilitação quanto à obtenção dos cuidados em saúde (TRAVASSOS; MARTINS, 2004). Algumas das dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência intelectual realçadas nesse contexto, se referem ao despreparo técnico e ao preconceito dos profissionais da saúde, em relação às práticas de acolhimento, de identificação de prioridades, de organização de um plano de cuidados individualizado, fato que aumenta tais vulnerabilidades. Nessa seara, as iniquidades em saúde reafirmam essas vulnerabilidades e as barreiras de acesso, sejam elas de ordem cultural, técnica, ou até mesmo política, na implementação dos programas de educação sexual no marco dos direitos sexuais e reprodutivos, essenciais para o avanço das ações de prevenção primária e secundária às DST/Aids. Segundo Piovesan (2006), a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos se faz sob dois aspectos complementares. De um lado, se defende o livre exercício das práticas sexuais e da vivência da sexualidade e da reprodução humana, sem discriminação, coerção ou violência; de outro, se enfatiza a participação social e institucional para o avanço do acesso e das políticas nesse campo. No entanto, esses direitos só poderão ser alcançados se materializados por meio da implementação dessas políticas e programas sociais. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde realizou em 2009, a primeira edição de um seminário nacional, para discutir ações capazes de assegurar e promover tais direitos a essa população, mas, ainda, não foram equacionados a contento. Dessa discussão, se propôs no lócus da atenção básica (BRASIL, 2009, p. 68): garantir acesso ao planejamento reprodutivo, baseado na escolha individual e no risco reprodutivo com oferta dos métodos contraceptivos existentes no SUS; assegurar assistência às mulheres com deficiência no pré-natal, parR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013 471

Renato Barboza

to e puerpério, segundo classificação de risco; acessar exames preventivos em saúde sexual e reprodutiva; orientar e informar sobre saúde sexual e reprodutiva, em especial os adolescentes e jovens; além de abordar questões de violência e abuso sexual, por meio de ações intersetoriais, junto aos adolescentes e jovens de instituições socioeducativas de privação de liberdade. Esforços têm sido envidados pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais para incorporar na agenda programática a atenção às pessoas com deficiência. Contudo, ao analisarmos os desafios para redução da vulnerabilidade ao HIV no país, no contexto do balanço das metas e dos compromissos assumidos pelo Brasil na ONU, para prevenção primária e secundária, ainda, se faz necessário aperfeiçoar os modelos e as estratégias adotadas, uma vez que “não se tem informação sobre os processos que permitem observar e analisar a qualidade das ações governamentais de prevenção, nem de como interpretar as mudanças no plano individual e coletivo” (PAIVA; PUPO; BARBOZA, 2006, p. 116). Outro ponto que merece destaque, no âmbito da inclusão, se refere ao protagonismo exercido pelas pessoas com deficiência, pois, nas últimas décadas, em vários países, houve um incremento da sua participação em conselhos, comitês e outros espaços de representação institucional visando o desenvolvimento de ações baseadas em protagonismos, sobretudo o controle e a fiscalização das políticas públicas.2 Participam ativamente e solidariamente com seus pares, identificando problemas e demandas, propondo soluções e contribuindo do ponto de vista técnico e político no processo de desenvolvimento e avaliação das ações de inclusão nas instituições públicas. No cenário brasileiro, nas últimas décadas, observam-se avanços nessa direção, pois as pessoas com deficiência passam a ter voz, vez e até voto no processo democrático e decisório3. Contudo, a atuação dos conselhos de direitos das pessoas com deficiência, nas diferentes esferas governamentais, requer, ainda, mais fortalecimento da entidade de classe, para que possa minimizar distorções sobre a complexidade entorno das deficiências e o seu impacto nas políticas públicas sob a ótica dos especialistas em gestão pública, dos usuários e demais representantes (BERNARDES; ARAÚJO, 2012). Por outro lado, o direito de fazer escolhas dessas pessoas ainda é dificultado por uma cultura de superproteção dos pais e familiares 472 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013

no intuito de protegê-las da rejeição e dos fracassos inerentes à rede de relações sociais. No entanto, quando convivem com seus pares e na comunidade, diversas experiências exitosas demonstram a superação desses impasses. Nessa perspectiva, nas últimas décadas as políticas públicas implementadas nos setores da Educação, da Saúde e do Trabalho fomentaram o desenvolvimento de ações programáticas que privilegiaram um caráter focalizado para a atenção dessas pessoas, processo que vem sendo modificado minimamente, após a incorporação do paradigma da inclusão social. Em que pese as conquistas até então alcançadas, estudos advertem que o caminho que permite “inclusão dos diferentes tipos de deficientes no acesso e consumo de bens e serviços e no mercado de trabalho [...], os resultados nem sempre são satisfatórios” (SOUZA; CARNEIRO, 2007, p.74). 3 SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO CERNE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE E DE EDUCAÇÃO Apesar dos avanços alcançados na área da inclusão social com o incremento de políticas e ações ancoradas no protagonismo das pessoas com deficiência intelectual, o tema da sexualidade ainda permanece obscuro e pouco valorizado pelos gestores e pelas equipes da saúde e da educação. É fato que a produção científica brasileira nesse campo ainda é escassa e os estudos privilegiaram a investigação das representações sociais e das opiniões dos pais e dos profissionais sobre o tema em detrimento dos direitos das pessoas com deficiência intelectual (PINHEIRO, 2004). Bastos e Deslandes (2005) apontam que os preconceitos no campo da sexualidade ainda são intensos e permeados por estigmas que contribuem para reforçar a vulnerabilidade individual e social dos adolescentes e seus familiares. Destacam, ainda, que a invisibilidade do tema e a ausência de programas específicos de educação sexual nas instituições contribuem para uma maior exposição a situações de risco para a infecção pelo HIV e outras DST. Em consonância com as diretrizes dos programas de educação preventiva integral, convém esclarecer que a sexualidade humana não pode ser reduzida a sua função reprodutiva, mas deve ser compreendida como um dos atributos da identidade de uma pessoa, envolvendo, portanto, dimensões afetivas, sociais e culturais. Além da sua natureza biológica ela exerce uma função de prazer, refletindo sentimentos, emoções, valores e um sentido de

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades

intimidade, essencial para o desenvolvimento integral de qualquer pessoa (GUIA..., 1994). O desenvolvimento da sexualidade humana envolve não só a maturação biológica das funções sexuais, mas também as modificações comportamentais, o que implica uma compreensão intelectual dessas mudanças e das reações emocionais decorrentes das experiências afetivas. Há um processo de identificação com padrões de conduta sexual e social que são culturalmente determinados. Daí a importância dos processos de intervenção educacional conduzidos, especialmente, no lócus das escolas e das unidades de saúde para orientar crianças, adolescentes e jovens com deficiência intelectual para uma sexualidade segura e saudável (GHERPELLI, 1996). Em relação ao aspecto biológico, os estudos realizados por Gherpelli (1995) indicam que a estrutura límbica do sistema nervoso está preservada na pessoa com deficiência intelectual, e sua constituição anatômica, processos biológicos, desenvolvimento dos caracteres sexuais primários e secundários, produção hormonal masculina e feminina, menarca ou semenarca, além dos impulsos biológicos, acontecem como em qualquer ser humano. A autora enfatiza que a grande diferença da sexualidade entre pessoas com ou sem deficiência intelectual está associada às condições cognitivas e adaptativas que determinam a capacidade do indivíduo de assimilar, compreender e elaborar códigos sociais e emocionais relativos ao comportamento sexual. Na área da deficiência intelectual enfrentamos um duplo preconceito: a deficiência em si e a aceitação da sexualidade dessa pessoa. A compreensão da deficiência intelectual como um rebaixamento na inteligência que gera limitações no desenvolvimento de sua maturidade emocional e social, mantém essa pessoa em um “status” infantilizado. Considerada como a “eterna criança” sua sexualidade é negada ou suas manifestações percebidas como comportamentos patológicos, reforçando os mitos de que são “seres assexuados” ou “agressivos sexualmente” ou “hipersexuados” (GHERPELLI, 1996). Portanto, a abordagem da sexualidade na deficiência intelectual implica rever as posturas e as atitudes dos profissionais da saúde e da educação, fato que ainda demanda investimentos dos gestores na formação e na qualificação do processo de trabalho das equipes, reduzindo assim, a vulnerabilidade programática. Faz-se necessário desenvolver um novo olhar alinhado às necessidades, demandas e potencialidades vocalizadas pelas pessoas com

deficiência para uma vivência plena e cidadã, contemplando o exercício da sexualidade. Outro ponto que merece destaque refere-se às atitudes das famílias da pessoa com deficiência intelectual, sendo necessário desenvolver processos de aconselhamento familiar nas escolas, nos serviços de saúde e nas instituições especializadas, com o fito de fortalecer os pais, reduzindo medos e ansiedades sobre a vivência da sexualidade dos seus filhos. Essas iniciativas também podem qualificar o diálogo entre pais e filhos, fortalecendo os processos de conscientização sobre o direito à saúde sexual e reprodutiva na contemporaneidade (PINHEIRO, 2004). Comumente a preocupação dessas famílias começa com o comportamento de masturbação da criança mais ou menos aos quatro anos, o que também é observado na população em geral. A diferença está na adequação ou não dessa manifestação e nas dificuldades da família em lidar com esse impulso. Um comportamento excessivo de masturbação pode resultar em lesões nos órgãos genitais por falta de uma orientação educacional, assim como a ausência de normas, limites e regras podem conduzir a um comportamento sexual exibicionista (GUERPELLI, 1995). Na atualidade, a questão do casamento e o direito à reprodução ainda são assuntos considerados polêmicos. Embora autores estrangeiros relatem experiências bem sucedidas de casamento, estudos brasileiros mostram que a mesma pode ser negativa por haver uma relação instável ou rompida precocemente visto a falta de maturidade dos pais para cuidarem da prole (ASSUMPÇÃO JUNIOR; SPROVIERI, 1993). Cabe lembrar que nos Estados Unidos houve uma esterilização maciça de pessoas com deficiência intelectual na faixa etária entre 10 e 18 anos. Essa política não foi monitorada e não se deu atenção às mulheres quanto ao tratamento hormonal. Atualmente, defende-se o acesso aos meios de controle de natalidade com a exigência legal do consentimento informado. É uma legislação que procura assegurar o direito de participação da pessoa com deficiência quanto a escolha, a hora, o lugar e o método, inclusive de esterilização, bem como a recusa do procedimento (ASSUMPÇÃO JUNIOR; SPROVIERI, 1993). O estigma e a discriminação, aliado ao despreparo das instituições especializadas ou não, ainda são desafios a serem enfrentados pela sociedade brasileira, pois contribuem para que as pessoas com deficiência intelectual tenham seus direitos de expressão sexual silenciaR. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013 473

Renato Barboza

dos ou explicitamente negados. É importante salientar que os estudos evidenciam que o conhecimento sobre a sexualidade dos indivíduos com atraso mental é menor em relação aos sem atraso, aumentando a vulnerabilidade nas dimensões individual e social, expondo-os a maior incidência de situações de violência e abuso sexual (TANG; LEE, 1999). Na ótica da educação preventiva integral, [...] essa falta de diálogo [...] pode ser prejudicial não apenas na questão moral de privação de seus direitos, mas pode ser perigoso que uma pessoa não saiba distinguir entre condutas adequadas e inadequadas, sobre sua capacidade de escolher ter relações ou não. Não se trata de despertar essas pessoas para a vida sexual, mas sim ensiná-las informações básicas sobre o que acontece com seu corpo que lhes faz sentir desejo, o que é a masturbação e porque isso lhe dá prazer, falar sobre as possibilidades de gravidez, sobre as doenças sexualmente transmissíveis, etc (BARROS; WILLIAMS; BRINO, 2008, p.107).

Esses elementos, à luz da defesa dos direitos sexuais e reprodutivos reafirmam a necessidade urgente da implantação de programas de educação sexual desenvolvidos a partir das necessidades e da diversidade das pessoas com deficiência intelectual. Cabe, ainda, frisar que a abordagem não deve se restringir aos aspectos informativos de natureza biológica, mas incluir também questões relacionais envolvidas na busca de uma identidade sexual (GUIA..., 1994). Do ponto de vista da educação formal, a inclusão do tema sexualidade ainda representa uma tarefa complexa. Na área da Educação Especial, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Nº 9.394 de 20/12/96 no capítulo V, artigo 59, afirma que “os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades” (BRASIL, 1996). Quanto mais acentuada for à deficiência intelectual, maior será a dificuldade da pessoa para compreender as funções sexuais, de regular e controlar seus impulsos e se relacionar com o meio social de maneira adequada (GUERPELLI, 1995). Para tanto, vários estudos nesse campo, recomendam que os profissionais contemplem nos programas de educação sexual, informações sobre os aspectos biológicos, tais como: corpo humano, higiene, 474 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013

órgãos sexuais e suas funções, menstruação, gravidez, métodos anticoncepcionais, DST/ Aids; e orientações quanto ao comportamento adaptativo, as regras e os limites da conduta sexual, noção de intimidade, masturbação, namoro, fantasias, erotismo e respeito à diversidade sexual (BASTOS; DESLANDES, 2005; PINHEIRO, 2004; GUIA...,1994). Na área da deficiência intelectual, os programas de educação e orientação sexual vêm sendo implantados gradativamente, enfrentando preconceitos e resistências dos pais e dos profissionais. Em relação ao tema da sexualidade, a instituição, especializada ou não, na sua função de formação de sujeitos integrais deve refletir criticamente sobre as práticas pedagógicas e de promoção da saúde para potencializar os esforços e aumentar o alcance das ações preventivas, reduzindo as vulnerabilidades dessa população (SHIMONO et al., 1999). Por fim, cabe ainda ressaltar, que, apesar dos avanços legais conquistados no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, a população de adolescentes e jovens com ou sem deficiência, ainda enfrenta barreiras para exercer a sexualidade no contexto da inclusão social (OLIVEIRA, 2011). 4 CONCLUSÃO A magnitude das deficiências na população brasileira, sobretudo no segmento das pessoas com deficiência intelectual, exige do poder público, nos setores da Educação e da Saúde e da sociedade civil organizada, o aprimoramento das ações de monitoramento e de avaliação das políticas e dos programas de inclusão social que estão em curso em todas as esferas governamentais, em consonância com os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Na gestão pública, a consolidação das políticas e dos programas intersetoriais devem ser priorizados para fortalecer as ações implementadas na Educação e na Saúde com vistas a reduzir as vulnerabilidades nas dimensões individual, social e programática das pessoas com deficiência intelectual. Deve-se dar visibilidade e atenção especial à agenda das políticas públicas para os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência intelectual, ampliando-se os processos de formação dos profissionais da saúde e da educação com vistas à sua qualificação no desenvolvimento de programas de educação e orientação sexual que contemplem a preven-

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades

ção das DST/Aids e das situações de violência e abuso sexual, uma vez que são temas considerados polêmicos e pouco abordados em nosso meio. Nessa perspectiva, se faz necessário apoiar o desenvolvimento de estudos e pesquisas nacionais voltados à compreensão da sexualidade no contexto da deficiência intelectual, subsidiando o desenvolvimento de políticas públicas e programas sociais eficazes. Sugere-se, ainda, a implantação de ações programáticas no âmbito do Sistema Único de Saúde, que permitam conhecer a incidência e a prevalência do HIV/Aids e das outras DST, entre as pessoas com deficiência intelectual em todos os níveis da gestão descentralizada. Por fim, recomenda-se, ainda, o engajamento de todos os atores sociais, governamentais ou não, no enfrentamento e na desmistificação das situações de estigma e discriminação social que interferem negativamente na dignidade e na qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual na contemporaneidade. REFERÊNCIAS ASSUMPÇÃO JUNIOR, Francisco; SPROVIERI, Maria Helena. Deficiência mental, família e sexualidade. São Paulo: Memnon, 1993. AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita; FRANÇA JUNIOR, Ivan; CALAZANS, Gabriela. Vulnerabilidade e Prevenção em Tempos de AIDS. In: BARBOSA, R.; PARKER, R. (Org.). Sexualidades pelo Avesso: direitos, identidades e poder. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 50-72. BARROS, Roberta Dias; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque; BRINO, Rachel de Faria. Habilidades de autoproteção acerca do abuso sexual em mulheres com deficiência mental. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 14, n. 1, p. 93 -110, jan./abr. 2008. BASTOS, Olga Maria; DESLANDES, Suely Ferreira. Sexualidade e o adolescente com deficiência mental: uma revisão bibliográfica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 389 - 397, 2005. BERNARDES, Liliane; ARAÚJO, Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira. Deficiência, políticas públicas e bioética: percepção de gestores públicos e conselheiros de direitos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 9, p. 2435 - 2445, 2012. BRASIL. Governo Federal. Lei nº. 8.080, de

setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 set. 1990. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2013. BRASIL. Governo Federal. Lei nº. 9.394, de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2013. BRASIL. Governo Federal. Portaria nº. 399, de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde e aprova diretrizes operacionais do referido pacto. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Direitos sexuais e reprodutivos na integralidade da atenção à saúde de pessoas com deficiência. Brasília, DF, 2009. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Brasília, DF, 2010. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2013. BRASIL. Governo Federal. Decreto nº. 7.612, de novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 nov. 2011. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2013. DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia; SANTOS, Wederson Rufino. Deficiência, Direitos Humanos e Justiça. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v.6, n.11, p. 6577, dez. 2009. GIL, Marta; SIED, Mário. HIV/Aids e pessoas com deficiência: da reflexão à política, São Paulo: Rede Saci, 2007. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2013. GROCE, Nora. Preliminary Report: Global Survey on HIV/AIDS and Disability. New Haven: Yale School of Public Health, 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2013. GUERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. Diferente mas não desigual: a sexualidade do deficiente mental. São Paulo: Editora Gente, 1995. GUERPELLI, Maria Helena Brandão Vilela. A educação preventiva em sexualidade na adolescência. Revista Ideias, São Paulo, n. 29, p. 61-71, 1996. GUIA DE ORIENTAÇÃO SEXUAL: diretrizes e metodologia. Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, Centro de Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2000. Brasília, DF, 2000. Disponível em: . Acesso em: 5 jan. 2013. MAIOR, Izabel Maria Madeira de Loureiro; MIRANDA, José Rafael; BERNARDES, Liliane. A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência da ONU: reafirmação do direito constitucional à saúde. Saúde e Direitos Humanos, Rio de Janeiro, v. 6, p. 19-28, 2010. OLIVEIRA, Maristela Costa de. Direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes: conquistas e lacunas na política de saúde. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v.15, n. 2, p. 225232, jul./dez. 2011. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: Acesso em: 8 ago. 2013. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. 1975. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2013. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 476 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013

Deficiência. Doc. A/61/611, Nova Iorque, 6 dez, 2006. Disponível em: . Acesso em: 8 ago. 2013. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Datos sobre discapacidad en el mundo del trabajo. 2007. Disponível em: . Acesso em: 5 ago. 2013. PAIVA, Vera; PUPO, Ligia Rivero; BARBOZA, Renato. O direito à prevenção e os desafios da redução da vulnerabilidade ao HIV no Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, p. 109-119, 2006. Suplemento. PINHEIRO, Silvia Nara Siqueira. Sexualidade e deficiência mental: revisando pesquisas. Psicologia Escolar e Educacional, Maringá, v. 8, n. 2, p.199-206, 2004. PIOVESAN, Flávia. Direitos reprodutivos. In: Dicionário de Direitos Humanos - Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília, 2006. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2012. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2003. SHIMONO, Sumiko Oki et al. Programa de Prevenção às DST/Aids em Instituição Especializada na Atenção à Deficiência Mental (DM) em São Paulo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVENÇÃO EM DST/AIDS, 3, 1999, Rio de Janeiro, Anais... Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1999. SHIMONO, Sumiko Oki. Educação e Trabalho: caminhos da inclusão na perspectiva da pessoa com deficiência. 2008. 118 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. SOUZA, José Moreira; CARNEIRO, Ricardo. Universalismo e focalização na política de atenção à pessoa com deficiência. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 16, n.3, p. 69-84, 2007. TANG, C.S.K.; LEE, Y.K.S. Knowledge on sexual abuse and self-protection skills: a study

SEXUALIDADE E REPRODUÇÃO COMO DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS INTERFACES COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE: lacunas e possibilidades

on female chinese adolescents with mild mental retardation. Child Abuse & Neglect, v. 23, n. 3, p. 269 - 279, 1999. TRAVASSOS, Cláudia; MARTINS, Mônica. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, p. 190196, 2004. Suplemento 2.

Renato Barboza Cientista Social Mestre em Saúde Coletiva (CCD/SES-SP) Pesquisador Ciêntífico V do Instituto de Saúde - Secretaria de Estado de São Paulo E-mail: [email protected] Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo Av. Doutor Eneas Carvalho de Aguiar, 188 - SP Cep.: 05403-00

Agradecimentos: Sumiko Oki Shimono, Mestre em Educação e consultora em educação inclusiva na área de deficiências pelos comentários e sugestões para a elaboração desse artigo. Notas Atualmente está em vigência o Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência - “Plano Viver sem Limite”, implantado pelo governo federal em novembro de 2011, envolvendo 15 ministérios, sob a coordenação da Secretaria de Direitos Humanos. Esse plano articula quatro eixos prioritários: educação, inclusão social, acessibilidade e saúde, em consonância com os compromissos assumidos pelo país na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com vistas à ampliação e à qualificação do acesso desse segmento aos programas sociais. Entretanto, a implementação das metas e das diretrizes propostas, depende da adesão dos estados e dos municípios, cuja gestão é descentralizada (BRASIL, 2011).

2

Um exemplo dessas iniciativas é o movimento People First, uma organização internacional de pessoas com deficiência que atuam para autodefesa e promoção da inclusão social.

3

Após a ratificação pelo Brasil da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), esse processo foi fortalecido e o tema da deficiência passou a ser abordado como uma questão dos Direitos Humanos. Nessa trajetória, cabe ressaltar, o envolvimento e a participação ativa das pessoas com deficiência na promoção e defesa do lema “Nada sobre nós, sem nós”.

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 467 - 477, jul./dez. 2013 477

COMUNICAÇÕES UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS





REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RPP POLÍTICA EDITORIAL A Revista de Políticas Públicas (RPP) é uma publicação acadêmica, de periodicidade semestral, destinada a publicar trabalhos científicos produzidos por pesquisadores brasileiros e de outros países, quando consideradas relevantes para o avanço teórico- prático das Políticas Públicas. Tem o objetivo de promover e disseminar a produção do conhecimento, o debate e a socialização de experiências acadêmicas, mediante a publicação de artigos, ensaios, resenhas e entrevistas, assim como criar mecanismos de articulação do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas com outros programas de pós- graduação e com o ensino de graduação em nível nacional e internacional. Cada edição da RPP versará sobre uma unidade temática indicada nos Planos Anuais da Revista, elaborados pela Comissão Editorial, incorporando trabalhos desse dossiê temático e outros relacionados ao campo das Políticas Públicas. Além dos dois números anuais ordinários, a Revista poderá publicar números especiais destinados a divulgar produções relevantes das Jornadas Internacionais de Políticas Públicas e dos grupos e núcleos de pesquisa vinculados ao Programa, quando considerados relevantes para a comunidade acadêmica e para grupos ou populações interessadas na temática abordada. Os que demandam publicar na RPP deverão apresentar trabalhos científicos, contendo informações novas e relevantes, que contribuam para o desenvolvimento científico no campo das Políticas Públicas, não sendo permitida sua apresentação simultânea, no todo ou em parte, em outro periódico. Os trabalhos a serem aceitos pela RPP abrangem as seguintes categorias: •

Artigos: resultados de pesquisa teórica (bibliográfica ou documental), de pesquisa de natureza empírica e relatos de experiência. Devem debater ou fazer indicações para o aprofundamento e reflexão de questões relacionadas ao dossiê temático de cada

478 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 478 - 479, jul./dez. 2013



número da RPP ou de outros temas atinentes ao campo das Políticas Públicas.  Ensaios: textos de caráter opinativo ou que apresentem reflexão para aprofundamento de questões afetas ao dossiê temático do volume correspondente da RPP.  Resenhas: texto elaborado por pesquisador (a) convidado (a) pela comissão editorial da RPP. Deve apresentar análise crítica de livro relacionado ao dossiê temático do volume correspondente da RPP, destacando as contribuições da obra para o debate das Políticas Públicas.  Entrevista: feita através de articulação entre pesquisadores (as) convidados (as) pela comissão editorial da RPP e que apresentem expressivo conhecimento e participação no debate acadêmico em relação ao dossiê temático do volume correspondente da RPP. 

De cada número da RPP constará também um Editorial apresentado pelos editores sobre o conteúdo do periódico e uma seção de Comunicações destinada à publicação de opiniões, lançamentos de trabalhos e eventos relacionados ao campo das políticas públicas. A RPP poderá, ainda, publicar Conferências proferidas em eventos relevantes realizados pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. A RPP tem os seus direitos editoriais reservados, não podendo nenhuma parte de suas publicações ser reproduzida, estocada ou transmitida por qualquer meio ou sistema, existente ou que venha a ser criado, sem prévia autorização, por escrito, da Comissão Editorial, ou sem que conste o crédito de referência, em conformidade com as leis de direitos autorais vigentes no Brasil. Só serão aceitos para publicação trabalhos originais, implicando na transferência de direitos dos(as) autores (as) para a RPP. Para isso, o (s) autor (es) deverá (ão) assinar Termo de Responsabilidade quando do encaminhamento do trabalho para publicação e de Transferência de Direitos Autorais, quando comunicado do aceite do trabalho para publicação, conforme modelos disponíveis na página da Revista. Os trabalhos deverão ser apreciados por dois consultores “ad hoc” e só serão publicados os que receberem pareceres favoráveis consubstanciados dos dois pareceristas. No caso de pareceres discrepantes (um não indicando a publicação e outro totalmente favorá-

vel), o trabalho será apreciado por um terceiro parecerista. Cabe aos pareceristas opinarem pela conveniência, ou não, da publicação dos trabalhos avaliados, bem como condicionarem sua aprovação a modificações de forma, de estrutura ou de conteúdo. Todavia, a decisão final sobre a publicação dos trabalhos recebidos cabe à Comissão Editorial. Após a avaliação final, não serão permitidas alterações ou acréscimos ao texto. As opiniões e conceitos emitidos nos trabalhos e a exatidão das informações neles contidas são de inteira responsabilidade do (s) autor (es), eximindo-se a Comissão Editorial de qualquer responsabilidade.Todos os trabalhos que resultem de pesquisa ou relato de experiência, quando do envolvimento de sujeitos humanos, para que sejam aceitos para publicação, devem mencionar, no último parágrafo da seção sobre o conteúdo metodológico, os encaminhamentos éticos adotados. No caso de autores brasileiros, deverão respeitar as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde n. 196 de 10/10/1996 e 251 de 07/08/1997. A RPP publicará trabalhos nos idiomas Por-

tuguês, Inglês, Espanhol e Francês. Excepcionalmente, poderão ser aceitos trabalhos já publicados, em versão impressa ou virtual, quando acompanhados da autorização escrita e assinada pelo autor (es) e pelo Conselho responsável pelo veículo onde o trabalho foi originalmente publicado. A Comissão Editorial deve garantir o anonimato do (s) autor (es) no processo de avaliação dos trabalhos, bem como deve assegurar aos avaliadores o sigilo de sua participação, propiciando liberdade para julgamentos e avaliações. Os trabalhos submetidos para a publicação, quando não aceitos, ficarão à disposição dos autores. Não será oferecida qualquer remuneração para os autores dos trabalhos, tendo, estes, direito a 02 (dois) exemplares da RPP. O encaminhamento de trabalho para publicação na RPP implica no conhecimento e na concordância, por parte do (s) autor (es), da Política Editorial e das Normas para Apresentação e Aceitação do trabalho, que são disponibilizados no site: www.revistapoliticaspublicas. ufma.br

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 478 - 479, jul./dez. 2013 479

NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RPP Os trabalhos a serem aceitos pela RPP abrangem duas categorias: •

Artigos: com até 20 (vinte) laudas, devem resultar de pesquisa teórica (bibliográfica ou documental), de pesquisa de natureza empírica e relatos de experiência. Devem debater ou fazer indicações para o aprofundamento  e reflexão de questões relacionadas ao dossiê temático de cada número da RPP ou de outros temas atinentes ao campo das Políticas Públicas



Ensaios: textos, com até 20 (vinte) laudas, de caráter opinativo ou que apresentem reflexão para aprofundamento de questões afetas ao dossiê temático do volume correspondente da RPP ou de outros temas atinentes ao campo das Políticas Públicas.

Todos os trabalhos devem ser cadastrados e submetidos à RPP acompanhados de Declaração de Responsabilidade (modelo disponível no site) e, no processo de submissão, devem seguir as orientações constantes do site da Revista no item “Formulário para Cadastro de Artigos”. Em termos da sua forma, os trabalhos devem ser apresentados em papel formato A-4 e digitados com utilização de editores Word for Windows Versão 6.0 ou 7.0, com: a. Fonte arial, corpo 12, para o texto e corpo 10 para o Resumo, Abstract, citações de mais de três linhas e notas;Utilizar margens esquerda e superior de 3 cm; direita e inferior de 2 cm, b. Espaçamento entre linhas 1,5 (um e meio) para o texto, excetuando-se as citações de mais de três linhas, notas de rodapé, referências, Resumo e Abstract que devem ser digitados em espaço simples; c. Utilização de margens esquerda e superior de 3 cm; direita e inferior de 2 cm, d. Utilização de recuo de 2 cm da margem esquerda para parágrafos e 4 cm para citações de mais de três linhas; e. A primeira página do texto deve conter o TÍTULO do trabalho em versal (maiúscula), negrito e alinhado à esquerda e Resumo de, até, 150 palavras em português, acompanhado das PALAVRAS480 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 480 - 481, jul./dez. 2013

CHAVE que identifiquem o conteúdo do trabalho. Em seguida, deve vir o TÍTULO em inglês, em versal (maiúscula), negrito e justificado, o Abstract  e as KEYWORDS. Os textos do Resumo e do Abstract devem ser ajustados a margem, sem parágrafos. O SUBTÍTULO, se houver, deve vir em redondo (minúscula), sem negrito; f. O corpo do trabalho deve começar com a INTRODUÇÃO, seguida das demais seções que constituem o desenvolvimento, enunciadas por títulos digitados em versal (maiúsculas), em negrito e com numeração, ajustados à margem esquerda. A CONCLUSÃO também deve ser antecedida por um indicativo (algarismo) ajustado à margem esquerda. Por fim, devem  vir as REFERÊNCIAS (em versal sem negrito) seguidas das NOTAS com comentários e informações referentes ao texto; g. Os títulos das seções secundárias, também ajustados à margem esquerda, deverão ser digitados com letras minúsculas, em negrito, com o mesmo corpo do texto, exceto a inicial e os nomes próprios que devem ser maiúsculas; h. Os títulos das demais seções (terciárias, quaternárias etc.) deverão ser digitados utilizando outros recursos, tais como: redondo (minúsculas) ou itálico, em corpo menor que o do texto. Deve-se deixar um espaço duplo entre os parágrafos que se seguem aos títulos das seções. No caso de os trabalhos conterem tabelas, gráficos e ilustrações, as mesmas  devem ser numeradas consecutivamente, em algarismos arábicos, conforme o tipo específico das mesmas (quadros, fotos, plantas, etc.). As tabelas devem ser encimadas pelo título antecedido da palavra “Tabela” seguida do número correspondente. As  ilustrações (quadros, fotos, plantas, organogramas, etc.) devem ter o título antecedido da palavra indicativa do tipo de ilustração e o número da mesma, colocados, entretanto, abaixo da ilustração. Cabe à RPP garantir a padronização de tabelas, gráficos e ilustrações. Quando a tabela e/ou ilustração for transcrita de alguma obra, dever-se-á, abaixo da mesma, indicar a fonte. O sistema de chamada deverá ser o autordata, devendo-se no texto indicar junto a cada citação, direta ou indireta, o sobrenome de cada autor pessoal ou nome de entidade responsável, seguido do ano da publicação do do-

cumento e da (s) página (s) da citação, separados entre si, por vírgula, podendo estar tudo entre parênteses ou, caso o sobrenome do autor faça parte da sentença, deve ficar fora deles. Neste último caso, o sobrenome do autor deverá estar só com a inicial em letras maiúsculas, e quando estiver dentro dos parênteses deverá estar em caixa alta. Tratando-se de dois autores, quando fora dos parênteses, deverão ser ligados pela conjunção “e”, mas estando dentro dos parênteses serão separados entre si, por ponto e vírgula, como na referência. Quando houver três autores, é semelhante. No caso de mais de três, fora dos parênteses, deverá colocar-se o sobrenome do 1º, seguido da expressão “e outros”. Estando dentro dos parênteses, dever-se-á, após o sobrenome do 1º, utilizar-se a expressão latina “et al”. As citações indicadas nos trabalhos devem ser pelo sobrenome do autor, seguido da data da publicação e da página consultada, de modo que, quando o nome do autor fizer parte da sentença, somente a data e a página aparecem entre parênteses. Ex.: Silva (1997, p. 32). Quando o nome do autor não estiver incluído na sentença, este é indicado no final da frase entre parênteses. Ex: (SILVA, 1997, p. 78). Quando o trabalho citado pertencer a dois autores, o sobrenome dos dois é indicado separadamente, utilizando o ponto e vírgula. Ex.: (SILVA; COSTA, 1997, p. 34). Quando se tratar de trabalho de mais de três autores, o sobrenome do primeiro é indicado seguido da expressão et al. (Ex.: FERNANDES et al., 1998, p. 3). Quando se tratar de trabalho sem autoria, a chamada é feita pela primeira palavra do título, em maiúsculas, seguida de reticências, data e página. Ex.: (COMUNIDADE..., 1997, p. 89). As citações e referências devem ser elaboradas de conformidade com o disposto na NBR 10520, da ABNT, de agosto de 2002, devendo todo autor citado no texto, constar das REFERÊNCIAS, dispostos em ordem alfabética, pelo sobrenome do primeiro autor. Figuras, tabelas e fotos devem ser bem nítidas, apresentadas em alta definição, somente em preto e branco, devendo constar do original. Se as ilustrações enviadas já tiverem sido publicadas, deve ser mencionada a fonte e apresentada a permissão para reprodução. CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RPP Todos os trabalhos submetidos para publi-

cação na RPP serão avaliados, no seu mérito científico, por membros do conselho editorial e por consultores “ad hoc”, sendo considerados os seguintes critérios: a. Pertinência do trabalho tendo em vista o campo temático das Políticas Públicas; b. Qualidade linguística: clareza e correção na comunicação; c. Conteúdo: fundamentação teórica e contribuição para a produção do conhecimento no campo das Políticas Públicas; d. d) No caso de artigo ou ensaio, a estrutura do texto deve contemplar: introdução, desenvolvimento (desdobrado em itens subsequentes à Introdução e anteriores à Conclusão, devendo cada item receber um título que expresse o conteúdo abordado), conclusão, Resumo, palavras-chave; Abstract e key words; e. Apresentação: obediência às normas para apresentação de trabalho, acima especificadas.

Uma vez aceito o Trabalho para publicação na RPP, o (os) autor (es) serão comunicados e solicitados a encaminhar Declaração de Transferência de Direitos Autorais (modelo fornecido), com assinatura eletrônica pelo e-mail: [email protected] CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: fluxo contínuo A Revista de Políticas Públicas do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão mantém fluxo contínuo para recebimento de trabalhos (artigos e ensaios) para publicação: artigos e ensaios, desde que se situem no campo temático das Políticas Públicas e atendam às normas para apresentação de trabalhos que se encontram neste site (www.revistapoliticaspublicas.ufma.br). Os trabalhos devem ser inéditos, devendo, posteriormente, ser submetidos à avaliação de pareceristas, tendo por referência os critérios para aceitação de trabalhos para publicação, que também se encontram neste site, juntamente com outras documentações pertinentes. Os trabalhos devem ser submetidos pelo site (www.revistapoliticaspublicas.ufma.br) em conformidade com as normas para apresentação de trabalhos. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 480 - 482, jul./dez. 2013 481

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS (RPP): v. 18, n. 1, janeiro/julho 2014 TEMA: ORÇAMENTO PÚBLICO: concepções e desafios para as Políticas Públicas Comunicamos que se encontra aberta a chamada de trabalhos para publicação no v. 18, n. 1/2014 (janeiro/junho) da RPP, periódico científico do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Serão publicados, nesse número, trabalhos inéditos: artigos, ensaios, resenhas e entrevistas no âmbito do tema: “ORÇAMENTO PÚBLICO: concepções e desafios para as Políticas Públicas”, escolhidos dentre aqueles recebidos de pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras. Os trabalhos submetidos à RPP (www.revistapoliticaspublicas.ufma.br), cujo prazo final é o dia 28 de fevereiro de 2014, serão previamente avaliados por pareceristas ad hoc convidados pela Comissão Editorial da Revista. A entrevista e a resenha serão encomendadas pela Comissão Editorial que considerará pesquisadores de renome nacional e internacional da temática, podendo acatar sugestões Além de trabalhos sobre a temática específica do v. 18, n.1, poderão ser publicados artigos e ensaios sobre outras temáticas que se situem no campo das Políticas Públicas, recebidos mediante fluxo contínuo. As normas de elaboração, apresentação e critérios de aceitação de trabalhos devem ser consultadas no site http:// www.revistapoliticaspublicas.ufma.br. CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS (RPP): v. 18, n. 2, agosto/dezembro 2014 TEMA: PODER, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO Comunicamos que se encontra aberta a chamada de trabalhos para publicação no v. 18, n. 2/2014 (julho/dezembro) da RPP, periódico científico do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. Serão publicados, nesse número, trabalhos inéditos: artigos, ensaios, resenhas e entrevistas no âmbito do tema: “PODER, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO”, escolhidos dentre aqueles recebidos de pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras. 482 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 480 - 482, jul./dez. 2013

Os trabalhos submetidos à RPP (www.revistapoliticaspublicas.ufma.br), cujo prazo final é o dia 25 de agosto de 2014, serão previamente avaliados por pareceristas ad hoc convidados pela Comissão Editorial da Revista. A entrevista e a resenha serão encomendadas pela Comissão Editorial que considerará pesquisadores de renome nacional e internacional da temática, podendo acatar sugestões. Além de trabalhos sobre a temática específica do v. 18, n.2, serão publicados, na sessão Temas Livres artigos e ensaios sobre outras temáticas que se situem no campo das Políticas Públicas, recebidos mediante fluxo contínuo.  As normas de elaboração, apresentação e critérios de aceitação de trabalhos devem ser consultadas no site http://www.revistapoliticaspublicas.ufma.br. VERSÃO ON LINE DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS (RPP) Já se encontra disponível para acesso a página eletrônica da Revista de Políticas Públicas (RPP), publicação acadêmica do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). No ambiente eletrônico, é possível acompanhar notícias, fazer download dos artigos publicados nas últimas edições e consultar os sumários de todas as publicações anteriores da RPP que está em circulação desde 1995. O site da RPP dispõe também de informações e orientações a quem deseja socializar experiências acadêmicas por meio de artigos, ensaios, resenhas e entrevistas, tais como chamadas temáticas semestrais, chamada geral, critérios e normas de aceitação e apresentação de trabalhos para a publicação. A página pode ser acessada pelo endereço: www.revistapoliticaspublicas.ufma.br

SUMÁRIO DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS v. 17, n. 1 jan./jul. 2013 SUMÁRIO EDITORIAL Maria Ozanira da Silva e Silva

11

DOSSIÊ: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - teorias e práticas ARTIGOS ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE APOIO À ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS DOS ESTADOS DO CENTRO-SUL DO BRASIL Ana Lúcia Tatsch Marisa dos Reis A. Botelho

15

ANÁLISE ESTRUTURACIONISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: a dualidade da política pública Lucas Canestri de Oliveira José Roberto Pereira Patrícia Aparecida Ferreira

27

ANÁLISE INSTITUCIONAL DO MECANISMO DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS: o Projeto Conservador das Águas em Extrema - MG Rafael Eduardo Chiodi Bruno Peregrina Puga Oscar Sarcinelli

37

A PROBLEMÁTICA DA ÁGUA NA AGENDA GOVERNAMENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (1920-1991) Rodrigo Furtado Eça Ana Paula Fracalanza Pedro Roberto Jacobi

49

AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA AO ESTUDANTE NO CONTEXTO DO PLANO DE EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO MARANHÃO Edna Maria Coimbra de Abreu

59

AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS DO PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA ENTRE OS AGRICULTORES DO ESTADO DO CEARÁ Germano Silva Maia Ahmad Saeed Khan Patricia Veronica Pinheiro Sales Lima

69

EM BUSCA DE REFERÊNCIAS CONCEITUAIS PARA ENTENDER A AVALIAÇÃO DE IMPACTO Maria da Glória Serra Pinto de Alencar

81

ES POSIBLE CONSTRUIR UNA NUEVA PAUTA DE DEBATE PARA LA INVESTIGACIÓN Y EVALUACIÓN DE LAS POLÍTICAS SOCIALES Carola C. Arregui

91

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 483 - 488, jul./dez. 2013 483

Formulação de Indicadores de Impacto para Microfinanças Tania P. Christopoulos Tomás C. A. Marques

105

GASTOS PÚBLICOS E CRESCIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: uma abordagem do teste de causalidade de Granger Rodrigo Vilela Rodrigues Erly Cardoso Teixeira

115

INDICADORES DE POBREZA NAS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS Ana Paula Ornellas Mauriel Caroline Beatriz Rangel Rais

127

LA EVALUACIÓN “TAUTOLÓGICA” DE LOS PROGRAMAS DE TRANSFERENCIA DE RENTA CONDICIONADA Jose Pablo Bentura Alonso Maria Laura Laura Vecinday Garrido

139

O COMBATE À FOME NO BRASIL: uma análise da implantação do Programa Fome Zero em 2003 e 2004 Licemar Vieira Melo Cláudia Regina Paese

149

O DEBATE RECENTE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS: o caso da Intersetorialidade numa perspectiva compreensiva Rafael Nicolau Carvalho Patrícia Barreto Cavalcanti

161

POLÍTICA HABITACIONAL E (IM) PERMANÊNCIA DE FAMÍLIAS REMANEJADAS: estudo sobre o projeto de urbanização Vila da Barca em Belém, Pará Alessandra Kelma de Souza Joana Valente Santana

171

PROGRAMA CHAPÉU DE PALHA: política pública de qualificação para trabalhadores rurais na Fruticultura do Vale do São Francisco Vicentina Ramires Tales Vital

183

PROPOSTA DE AVALIAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO PROGRAMA DE REESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS NA UFPEL João Carlos de Oliveira Koglin Vera Maria Ribeiro Nogueira

193

Sobre os bastidores do processo de formulação de políticas Públicas: considerações acerca da saúde bucal no Brasil Danielle do Valle Garcia

203

ENTREVISTA ESPECIAL COM Mariangela Belfiore Wanderley Avaliação de Políticas Públicas Maria Ozanira da Silva e Silva

211

RESENHA

217

484 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 483 - 488, jul./dez. 2013

MUÑIZ, Arlette Pichardo. Evaluación Del impacto social: o valor de lo humano ante la risis y El ajuste 2.ed.Bueno Aires: Lumen Hvmanitas.1997 Valéria Ferreira Santos de Almada Lima TEMAS LIVRES A CATEGORIA STATUS EM MARSHALL: contribuições para os estudos dos direitos sociais Thiago Bazi Brandão

221

A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA, A AMPLIAÇÃO DO ACESSO À ESCOLA E O SERVIÇO SOCIAL: notas para debate Simone Eliza do Carmo Lessa

229

GESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA: uma análise do programa nacional de incubadoras de cooperativas populares Elisângela Abreu Natividade José Roberto Pereira Vânia Aparecida Rezende de Oliveira

241

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: um estudo junto à realidade do poder judiciário Michele Fank Clarete Trzcinski Sirlei Fávero Cetolin

251

COMUNICAÇÕES

263

POLÍTICA EDITORIAL NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

265

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: fluxo contínuo

267

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.17, n. 2, julho/dezembro 2013

267

VERSÃO ON LINE DA REVISTA DE POLITICAS PUBLICAS

267

VI JORNADA INTERNACIONAL DE POLITICAS PÚBLICAS, São Luis, 20 a 23 de agosto de 2013.

269

SUMÁRIOS DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v. 16, n. 1, 2012 e v.16, n. 2,2012

271

R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 483 - 488, jul./dez. 2013 485

SUMÁRIO DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS v.16, n. 2 jul./dez. 2012 SUMÁRIO EDITORIAL 293 Raimunda Nonata do Nascimento Santana Salviana de Maria Pastor Santos Sousa POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO: impasses e desafios contemporâneos 293 ARTIGOS ACCONTABILITY: Qual o seu significado para servidores de uma instituição federal 297 de ensino? Ricardo Alexandre Batista de Oliveira Júnia Maria Zandonade Falqueto Letícia Lopes Calderan Andrea de Oliveira Gonçalves A CONFIGURAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO 307 BRASIL E O TRABALHO DOCENTE Carlos José de Melo Moreira Michele Borges de Souza Verônica Lima Carneiro A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: reflexões acerca de sua 317 inclusão no contexto universitário Letícia Soares Nunes AS RELAÇÕES ETNICO-RACIAIS E A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM 329 FORTALEZA/ CEARÁ Maria Zelma de Araújo Madeira Renata Gomes da Costa CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA: os arrabaldes da 341 educação superior brasileira Jorge Luiz dos Santos Junior DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSIÇÃO SOCIAL: políticas de incentivo à 353 leitura no espaço rural maranhense Carlos Wellington Soares Martins EDUCAÇÃO SOCIAL NO CAMPO DA POLÍTICA PÚBLICA: Profissionalização e 363 condições de trabalho Roberta de Castro Cunha Rosemary de Oliveira Almeida GESTÃO DE DEMANDAS E DE OFERTAS DE CURSOS TÉCNICOS A DISTÂNCIA EM 377 MINAS GERAIS Maria Janete Velten Lucília Regina de Souza Machado MUDANÇAS NO PENSAMENTO SOBRE DESENVOLVIMENTO: o novo desenvolvimentismo 389 brasileiro Vânia Cardoso da Motta NORMAS E REFORMAS PARA A INCLUSÃO: leituras sobre o ensino médio e a lei 401 486 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 483 - 488, jul./dez. 2013

10.639/2003 Jean Mac Cole Tavares Santos O IMPACTO DO AUMENTO DE RECURSOS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO DA 409 REDE MUNICIPAL DE ENSINO NO ESTADO DO MARANHÃO Jairo Cavalcanti Vieira. Diego Silva Oliveira PROGRAMA ESCOLA INTERCULTURAL BILÍNGUE DE FRONTEIRA: primeiros anos 421 na fronteira Jaguarão/Brasil - Rio Branco / Uruguai Cristina Pureza Duarte Boéssio Bento Selau Yanna Karlla H. G. Cunha TRANSFORMAÇÕES NA CULTURA ACADÊMICA: políticas, impactos e revelações do 433 cotidiano Silvia Alves dos Santos João dos Reis Silva Júnior UNA COMPARACION DE LA INSCRIPCION EN AGENDA DE LA POLITICA DE 443 RECONOCIMIENTO DE TITULOS UNIVERSITARIOS EN EL MERCOSUR Y LA UNION EUROPEA Facundo Solanas ENTREVISTA ESPECIAL COM Dalila Andrade 455 Lélia Cristina Silveira de Moraes RESENHA FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 459 POR QUE CONTINUAR LENDO PEDAGOGIA DO OPRIMIDO? Moacir Gadotti ARTIGOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO PRECOCE NO BRASIL 463 Inaiá Maria Moreira de Carvalho CINEMA: uma forma de reflexão filosófica 473 Tânia Mara De Bastiani Simone Becher Araujo Moraes DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE: o embate teórico e o direito à saúde 481 Vera Maria Ribeiro Nogueira INSTRUMENTOS DE POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM GENÔMICA DO 493 ESTADO DE SÃO PAULO Renan Gonçalves Leonel da Silva Maria Conceição da Costa REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO NA AMERICA LATINA: uma investigação 503 da política nacional de desenvolvimento regional no Brasil Cleidson Nogueira Dias UM CAMINHO A PERCORRER: os desafios da efetivação da política de assistência social 515 no município de recife Salyanna de Souza Silva COMUNICAÇÕES 525 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 483 - 488, jul./dez. 2013 487

POLÍTICA EDITORIAL

525

NORMAS PARA ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

527

CRITÉRIOS PARA ACEITAÇÃO DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

529

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: fluxo contínuo

529 .

CHAMADA DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.17 n.1 janeiro/junho 2013

529 .

VERSÃO ON LINE DA REVISTA DE POLITICAS PUBLICAS

530

VI JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS (VI JOINPP)

531

SUMÁRIOS DE NÚMEROS ANTERIORES DA REVISTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS: v.16, n.1, 2012 e v. 15, n.2, 2011

533 .

488 R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n.2, p. 483 - 488, jul./dez. 2013

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.