TUTELA COLETIVA DE DIREITOS E DEMOCRACIA: O MICROSISTEMA BRASILEIRO E A AMPLIAÇÃO DAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

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TUTELA COLETIVA DE DIREITOS E DEMOCRACIA: O MICROSISTEMA BRASILEIRO E A AMPLIAÇÃO DAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 1 COLLECTIVE PROTECTION OF RIGHTS AND DEMOCRACY: THE BRAZILIAN MICROSYSTEM AND THE EXPANSION OF FORMS OF POLITICAL PARTICIPATION Vinicius Barbosa de Araújo2

Resumo: O artigo intenta discutir a relação entre democracia e tutela jurisdicional coletiva a partir da noção de participação política. A partir de um panorama geral das formas de participação no direcionamento do poder estatal, surgidas principalmente após crise do welfare e da democracia liberal meramente representativa, concentra-se na conformação que a democracia e a participação política apresentam no Brasil após a Constituição de 1988, especialmente quando da formação de um microssistema de tutela jurisdicional coletiva. Assim, partindo-se das noções de instrumentalidade e efetividade do processo, vislumbra-se a necessária correlação entre consolidação do regime democrático e ampliação da legitimidade na tutela jurisdicional sobre interesses coletivos. Palavras-chave: Democracia. Participação política. Tutela jurisdicional coletiva. Abstract: This paper intent to debate the inner relation between democracy and collective jurisdictional procedure trough the notion of political participation. From the perspective of a general panorama of political participation forms in state power’s direction, emerged especially after welfare and merely representative liberal democracy’s crises, our paper focus on the conformation democracy and political participation presents in Brazil after the Constitution of 1988, specially with the emergence of a collective jurisdictional procedure’s microsystem. Making use of notions such as procedure’s instrumentality and effectiveness, the indispensable relation between democratic regime and legitimacy’s amplification in collective interests’ jurisdictional procedure. Keywords: Democracy. Political participation. Collective jurisdictional procedure.

Introdução

Com o intuito de se discutir a correlação entre o processo coletivo e a consolidação da democracia, é mister partir de um panorama mais genérico a fim de vislumbrar-se laconicamente o processo de formação dos direitos coletivos no cenário sócio-histórico e 1

Título original: TUTELA COLETIVA DE DIREITOS E DEMOCRACIA: A FORMAÇÃO DO MICROSISTEMA DE TUTELA COLETIVA NO DIREITO BRASILEIRO E A AMPLIAÇÃO DAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA COMO PILARES DE EFETIVAÇÃO DA ORDEM DEMOCRÁTICA VIGENTE 2 Graduado e mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) e graduando em Letras - Inglês da Universidade de Brasília (UNB).

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político das sociedades industriais capitalistas a partir do séc. XIX. Assim, há de lembrar que a clássica teoria dos direitos fundamentais (1) associa o conteúdo de tais direitos aos lemas da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – e concebe seu processo de formação e constitucionalização como gerações ou dimensões (2): os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos e sua constitucionalização está vinculada às origens constitucionalismo e à sua consolidação no séc. XIX; os de segunda são os direitos sociais, vinculados a diversas coletividades, decorrentes da ação reivindicativa destas e constitucionalizados a partir da primeira metade do séc. XX; os de terceira são os direitos coletivos de aspecto mais abrangente, como os direitos ao meio ambiente, à paz, ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e à comunicação, havendo ainda quem cogite de direitos de quarta geração, os quais coroariam o processo de objetivação e universalização dos direitos fundamentais. Nesse período, mais precisamente os sécs. XIX e XX, o processo histórico de reprodução das sociedades integradas ao capitalismo ocasionou na esfera jurídico-política uma sucessão de modelos estatais: da crise do Estado liberal clássico, emergiu o Estado de bem-estar social e da crise deste, o atual modelo, que oscila entre a concessão ao ideário neoliberal e a conservação de diversos instrumentos de democratização surgidos sob a égide do welfare. Cotejar o processo de constitucionalização das dimensões de direitos fundamentais com essa problemática possibilita vislumbrar, na relação entre Estado e sociedade civil (ou entre ente político e cidadão), pontos de tensão social e tendências distintivas (3): sob o Estado liberal, as tensões sociais concentram-se, para o cidadão, no estabelecimento dos direitos de primeira geração (em especial direitos negativos) e, para o ente político, no poder Legislativo; sob o Estado de bem-estar, as tensões concentram-se, para o cidadão, na constitucionalização dos direitos de segunda geração e, para o Estado, no poder Executivo; com a crise do Estado providência, as tensões migraram, do ponto de vista do cidadão, para a constitucionalização de direitos de terceira e quarta geração e, para o Estado, para o poder Judiciário. Nesse contexto, a urgência de novas formas de tutela jurisdicional aflora, uma vez que a emergência dessas novas dimensões de direitos fundamentais põe em xeque o modelo jurisdicional individualista típico do liberalismo clássico, ainda vigente e defendido por setores sociais pouco interessados na ampliação do regime democrático.

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1. Legitimidade e participação

Com a complexificação das sociedades a partir da ascensão do capitalismo e sua forma própria de clivagem entre as esferas privada e pública da vida social, o instituto da representação tornou-se o principal instrumento de participação política dos cidadãos nos regimes ditos democráticos, ainda mais quando da generalização do sufrágio universal e do modelo liberal de Estado, não coincidentemente no mesmo período de estabelecimento dos direitos de primeira geração (4). Entretanto, a representação política vem dando claras mostras da sua insuficiência como instrumento de legitimação dos poderes estatais, situação que se tornou patente principalmente a partir do reconhecimento pelos entes políticos dos direitos de segunda e terceira geração, produto da dinâmica histórica deflagrada a partir das tensões sociais havidas entre diversos grupos particulares das sociedades civis nacionais e entre esses grupos e o poder político. Em suma, ante a fragilidade e parcialidade das formas e instituições democráticas experimentadas pelos diversos Estados, demandavam-se formas de participação que extrapolassem a participação indireta no legislativo via representação, isto é, demandava-se garantir uma maior legitimidade ao Estado no desempenho de suas demais funções, a administrativa e a judicial, alargando-se a ideia de representação rumo a abranger instrumentos processuais e modalidades de participação administrativa (5). A participação política, assim, há de ser vista como forma de integração entre indivíduo e ente político; logo, a ampliação das formas de participação implica o alargamento do conceito de cidadania para além do indivíduo titular de direitos políticos. Daí a necessidade de se distinguir entre um conceito restrito de cidadania, típico do liberalismo político clássico, e um conceito amplo: a cidadania em sentido estrito é o status do indivíduo integrado à sociedade estatal e titular de direitos políticos (direitos fundamentais de primeira dimensão, como alistamento eleitoral e possibilidade de votar e ser votado); a cidadania em sentido amplo corresponde à condição de titularidade de direitos civis, políticos e sociais, individuais ou coletivos, oponíveis ao próprio ente político e a outros concidadãos, isto é, titularidade de direitos fundamentais de segunda e terceira dimensão. A ordem constitucional brasileira vigente, inaugurada em 1988, alberga uma concepção ampla de democracia, pois, embora não apresente uma definição dos limites

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semânticos do vocábulo “cidadão”, refere-se a essa figura em diversos contextos que não só o da titularidade de direitos políticos, como no art. 5, LXXI, sobre a concessão de mandado de injunção; no art. 58, § 2º, inciso V, ao prever a possibilidade de as comissões das Casas do Congresso Nacional solicitarem depoimento de cidadão; no art. 68, § 1º, I, sobre a vedação da delegação legislativa no tocante a nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; no art. 74, § 2º, em que se registra a possibilidade de qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Diante desses instrumentos e institutos, fica patente o alargamento não apenas do conceito de cidadania, mas da própria noção de participação para além dos limites da atividade legislativa, alcançando a judicial e a administrativa. Também, desse modo, dá-se reconhecimento a grupos sociais particulares da sociedade civil com permitir aos indivíduos nele integrados certas formas de participação em defesa do interesse coletivo: assim se vislumbra o fenômeno de garantia de legitimidade ativa a indivíduos e grupos para a propositura de ações judiciais em defesa de interesses coletivos – a chamada tutela coletiva, de que se tratará com mais detalhes no decorrer do texto. Por ora, há de concentrar-se no binômio “legitimidade e participação”, pois ante a crise de legitimidade do Estado, que deflagrou os patentes limites da participação indireta, formas de participação semidireta do cidadão nos rumos tomados pelo Estado surgiram no séc. XX. Essas formas de participação semidireta também apontam no rumo da extrapolação da democracia formal, centrada nas escolhas eleitorais de representação, em direção a uma democracia mais substancial, em que importa o conteúdo das decisões dos agentes estatais, passíveis de serem contestadas pelos cidadãos. A participação, contudo, exige, para tornar-se possível e efetiva, condições de duas diferentes ordens: institucionais e culturais. As últimas se referem à habitualidade com que os concidadãos recorrem aos instrumentos jurisdicionais e a outros canais próprios à participação política e podem ser traduzidas pela ideia de motivação social, deveras um fator sociocultural a ser examinado por diversas ciências sociais, como a Sociologia jurídica, a Sociologia geral, a Ciência Política etc. As condições institucionais englobam um conjunto de institutos, instrumentos e procedimentos que possibilitem a manifestação válida sobre determinado tema de interesse social e podem ser traduzidas pela noção de admissibilidade. Evidentemente, motivação e admissibilidade complementam-se, uma vez que sem

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motivação social a admissibilidade é inefetiva; sem a previsão e alargamento da admissibilidade, a sociedade não encontra canais institucionais de diálogo com o Estado e há de recorrer a outros meios para realizar sua motivação de participação política. Contudo, advirta-se que a presença de motivação e de admissibilidade, conquanto condições, não garantem uma participação efetiva no exercício do poder estatal, pois a própria dinâmica social pode obstar, como frequentemente ocorre nas hodiernas sociedades pós-industriais, os ânimos de participação de diversos grupos da sociedade civil que se encontram em posições subalternizadas. Em suma, ainda que a crescente oferta de canais institucionais de diálogo e participação seja bem-quista e imprescindível para o desenvolvimento da democracia, há de se considerar a própria dinâmica dada na sociedade civil, espaço da vida social em que os grupos de interesse privado não apenas estabelecem relações econômicas, mas também realizam a vida social e os interesses privados, muitas vezes entrando em choque e em disputa por hegemonia de projetos societários conflitantes. Provavelmente, uma das teorias mais versáteis e profícuas sobre a relação entre Estado e sociedade civil foi elaborada por Gramsci (6) e é pertinente, para os objetivos aqui perseguidos, acercar-se dela a fim de realizar um breve exame da dinâmica social que pode obstar a motivação de participação política. Para Gramsci (7), a existência social sob o capitalismo está cindida em dois campos que se interpenetram – Estado e sociedade civil –, e os conceitos sobre cada um desses dois grandes conjuntos de relações sociais sofre em suas mãos uma elaboração muito particular, uma vez que a sociedade civil, por um lado, não é somente o conjunto das relações privadas de natureza econômica, mas uma esfera superestrutural formada pelo conjunto das instituições responsáveis por representar os interesses dos diversos grupos sociais, elaborar ideologias e difundir valores simbólicos; o Estado, por outro lado, também não se reduz aos aparelhos burocrático-executivos, responsáveis pelas funções sociais de exercer o poder político, por meio do direcionamento social coercitivo (possibilidade intimidatória do uso da força), e a violência institucionalizada por meio de coação e sanções – e Gramsci por vezes designa essa concepção restrita de Estado como “sociedade política” –, o Estado é mais amplo. Na sociedade civil, as relações entre os diversos grupos sociais são mediadas por instituições a que Gramsci designa aparelhos privados de hegemonia, os portadores materiais do poder na sociedade civil, e cuja função é manter certa formação social por meio do consenso e da direção. Em suma, os

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grupos sociais que controlam os mais importantes aparelhos de hegemonia tendem a dispor de maior possibilidade de criarem um consenso social orientado consoante seus interesses, exercendo justamente o tipo de relação social a que Gramsci denominou hegemonia, e inclusive influenciando de modo mais efetivo o Estado, por meio dos canais institucionais disponíveis, e os aparelhos de coerção da sociedade política, que, no contexto dessa dinâmica social, voltam-se ao disciplinamento daqueles que não consentem. A essa conjunção de sociedade política e sociedade civil, Gramsci define como o Estado ampliado e, ademais, do ponto de vista teórico, Gramsci assinala que a divisão entre sociedade política e sociedade civil é meramente metodológica, pois não é possível traçar uma fronteira entre as duas (em verdade, as duas, juntamente à infraestrutura econômica da sociedade, comporiam o que Gramsci designa como bloco histórico). Na realidade histórica e social, essas categorias são qualidades que uma sociedade apresenta de modo mais ou menos pronunciado de acordo com sua formação social global e com o momento histórico. O poder político constrói sua legitimidade na relação com a sociedade civil e conforme sua atuação corresponde aos anseios dos grupos sociais nela existentes, principalmente dos grupos que exercem hegemonia. A legitimidade do ente político se constrói ao albergar os interesses dominantes num dado meio social, constituindo-se como poder legítimo para esses grupos ao orientar sua atuação para a realização desses interesses. Como a sociedade não é um todo amorfo, mas um conjunto de grupos e instituições de interesses geralmente conflitantes, a legitimidade do ente político também depende da formação de um consenso social, gerado no processo de hegemonia, que o reconheça como poder legítimo. A importância da profusão de canais de participação está em tornar o poder político mais permeável a interesses e grupos não hegemônicos, embora, repita-se, a existência desses canais (admissibilidade) e sua utilização (motivação) seja dependente da estrutura social e da dinâmica histórica em que eles se inserem. Neto (8) distingue entre três tipos de legitimidade: legitimidade originária, legitimidade corrente e legitimidade finalística. A primeira se caracteriza como o aspecto subjetivo da legitimidade, isto é, a legitimidade como qualidade do detentor do poder político. Comumente, a legitimidade originária baseia-se em uma presunção de legitimidade baseada na confiança nas tradições políticas (por exemplo, formas de investidura socialmente reconhecidas, como hereditariedade, eleição, aclamação etc.), o que consagra

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certas instituições e indivíduos como legítimos para o exercício do poder: nesse caso, há coincidência entre legitimidade e legalidade. Todavia, a legitimidade originária pode se estabelecer justamente devido à ruptura com a legalidade e com uma tradição, tornando-se legítimo o novo detentor do poder político ao angariar certos setores ou elementos sociais – assim, impondo-se pela força ou sendo reconhecido – de modo a fundar novas instituições e mesmo uma nova ordem político-constitucional. A legitimidade corrente se refere ao aspecto socioprocessual da legitimidade, pois corresponde ao exercício efetivo do poder político, em constante e presente relação com os grupos componentes da sociedade civil, inserindo-se o Estado legítimo em uma dinâmica social por si só conflituosa. A legitimidade corrente implica em contínua aferição de legitimidade, que se dá com possibilitar canais de comunicação por meio dos quais os grupos da sociedade civil, em disputa por hegemonia, possam ver suas demandas reconhecidas pelo Estado, e o Estado possa tomar conhecimento contínuo das principais demandas, dando-se a opção por priorizar umas em detrimento de outras, ou mesmo de escamotear umas em privilégio de outras, como parte da dinâmica política de uma sociedade conflituosa (9). Atente-se também para a dinâmica entre os aspectos originário e corrente da legitimidade: um governante presumida e originariamente legítimo pode, no exercício do poder, manter a legitimidade, vê-la oscilar e mesmo perdê-la, assim como o contrário é também possível, pois instituições ou indivíduos originariamente ilegítimos podem ver um exercício de fato de poder político adquirir legitimidade concorrente pela adesão majoritária e fundante dos setores da sociedade civil. A legitimidade finalística é aspecto objetivo da legitimidade, pois se refere à destinação ou resultado do exercício do poder, como a realização de um determinado projeto societário, como o consignado em um texto constitucional ou o inspirado por certa ordem de valores desejados, bem como por um ideário político. A legitimidade finalística, do ponto de vista da destinação do poder, confunde-se com a presunção de legitimidade originária, pois se tem o detentor do poder como legitimo e adequado por se considerar que ele realizará o projeto societário almejado; do ponto de vista do resultado do poder, a legitimidade finalística confunde-se como a legitimidade corrente, pois depende da avaliação que o grupo social faz do desempenho do detentor do poder político. E a participação é crucial para a produção e permanência dos três tipos de legitimidade, isto é, a

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participação é irradiadora da legitimidade em todos os seus aspectos – subjetivo, objetivo e processual. Neto (10) reduz ainda a divisão tripartite dos aspectos da legitimidade a uma divisão binária: “a presumida (originária e finalística de destinação) e a real (corrente e a finalística de resultado)”. A participação é também imprescindível à formulação de um regime democrático que, conquanto limitado pela clivagem entre espaço público e privado da vida social emergida com a ascensão do capitalismo e pela dinâmica conflituosa entre as diversas classes e setores sociais da sociedade civil, pretenda dar um passo à frente do esclerosado e cínico regime democrático tipicamente liberal, limitado ao reconhecimento de direitos de primeira geração e à participação por meio da representação política, ainda que essa democracia, desejosa de incorporar uma substancial participação e irradiar legitimidade, sofra todas as limitações de existir sob o capitalismo, isto é, sofra todas as limitações do que se tem chamado de “emancipação meramente política” (11). Contudo, é evidente que, de um ponto de vista político-institucional, a ampliação do rol das formas de participação é uma conquista, não apenas por tornar o Estado mais permeável às demandas da sociedade civil, mas por permitir que grupos e classes sociais não hegemônicos na dinâmica de conflitos de interesses privados possam utilizar tais canais, ainda que de um modo bastante limitado – limites, advirta-se, do próprio Estado ante uma lógica de reprodução social irracional e espoliativa, como a do capitalismo.

2. Democracia e formas de participação na Constituição de 1988

Tema típico da Filosofia política e da Ciência Política, o conceito de democracia também é passível de ser abordado a partir dos construtos teóricos da ciência do Direito, especialmente ao integrar o ordenamento jurídico e compor certa ordem constitucional, como no caso brasileiro. Dessarte, há de se admitir que ao conceber o Brasil como um Estado Democrático, o texto constitucional consagra um ou mais conceitos de democracia com dar-lhes certa operacionalidade jurídica: a constituição não apenas organiza o exercício do poder, como também prevê direitos e obrigações dos indivíduos politicamente associados (cidadãos) perante o ente político, formas de participação decisória, funções públicas fundamentais etc. Em suma, ao constar do ordenamento jurídico, a democracia

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apresenta um significado jurídico: a Constituição estabelece um sujeito para a democracia, um modo de funcionamento das instituições democráticas e uma finalidade a ser atingida por meio dela. As formas de participação política correlacionam-se sobremaneira com o modelo de democracia juridicamente operacionalizado no texto constitucional, pois a previsão de formas de participação política, das suas condições e circunstâncias de admissibilidade e de um rol de legitimados a utilizá-las correspondem, de modo específico, ao sujeito, ao modo e à finalidade da democracia. Ao se atentar ao parágrafo único do 1º da Constituição, depara-se com a seguinte declaração: “todo poder emana do povo, que exerce por meio de representante eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição”. Há de se concluir que se está a consagrar o “povo” como sujeito da democracia, o que leva a estas considerações: quem é o povo, qual o núcleo semântico atribuído a esse significante pela Constituição (12)? Na tradição do pensamento político ocidental, há uma diversidade de concepções sobre a noção de povo e nacionalidade e mesmo que se concentrasse naquilo que foi produzido a partir da Modernidade, quando se inicia o processo de formação do Estado moderno, considerar a temática propriamente exigiria um esforço muito maior do que o possível neste texto. Não obstante, parece possível simplificar tal diversidade em três categorias um tanto quanto abstratas: (a) concepção holista, que aproxima a ideia de povo a um conceito de sociedade como fato natural, fora da qual o indivíduo não pode existir, a não ser como um animal ou um ser sobrenatural, pois que o indivíduo existe na e por meio da sociedade, como singularidade integrada a um todo – nesta concepção talvez seja possível enquadrar pensadores bastante díspares e diversos, tais como Aristóteles (o indivíduo como “animal político”) e Hegel (a família, a sociedade civil, o sistema das necessidades etc.); (b) concepção individualista de povo, bastante teorizada pelo contratualismo moderno, segundo a qual o ser humano é essencialmente associal, sendo a sociedade e sua organização política produto ou da força (Hobbes) ou do consenso (Locke), o que traria a humanidade de um estado de natureza a um estado de sociabilidade em que os indivíduos se relacionam, no mercado e no Estado, buscando sua satisfação individual; (c) concepção comunitarista, segundo a qual a reunião de indivíduos que se identificam mutuamente como partícipes de uma coletividade (e com a formação do Estado moderno essa coletividade

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pode ser entendida como a nação) se dá por meio da adesão a um complexo de bens e valores tidos como comuns. Ao referir-se, por exemplo em seu preâmbulo, a valores como “fraternidade”, parece a Constituição privilegiar um conceito comunitarista de povo, como comunidade que se organiza em torno de valores e bens comuns a serem fruídos, partilhados e preservados, sobretudo, por meio das instituições públicas componentes do Estado. Desse prisma, a noção de povo se diferencia sobremaneira da de nação, e essa clivagem está relacionada à distinção entre cidadania e nacionalidade: se, por um lado, a nacionalidade é o vínculo que liga um indivíduo a uma nação e a um território e a cidadania é o status do indivíduo pertencente a determinada comunidade política; por outro lado, a nação é um conceito referido a uma coletividade que compartilha certos construtos culturais, como língua, história, tradições etc., ao passo que povo se refere ao conjunto de concidadãos que, utilizando-se de suas prerrogativas perante o Estado, participam da condução da vida política, o que remete, inclusive, à origem do conceito na Roma antiga: o populus compunha, junto ao Senado (núcleo das famílias gentilícias originárias representadas pelos paires), a civitas romana e, por meio de seus tribunos, exercia a participação nos rumos da República. Em suma, assim como se entende a nacionalidade como pressuposto da cidadania (13), a existência da nação pode ser entendida como condição para a constituição de um povo. Contudo, ao se analisarem em específico as formas e institutos de participação política, verifica-se que ela não se restringe apenas aos detentores do status de cidadania, pois, na sistemática constitucional brasileira, a cidadania, mesmo quando considerada em sentido amplo (14), é compatível apenas com a pessoa natural, uma vez que apenas a pessoa natural, por disposição do art. da CF/88, pode ser considerada nacional – uma vez que, como visto, a nacionalidade é pressuposto da cidadania. Não obstante, atribuem-se os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos não apenas aos cidadãos, mas também às pessoas jurídicas de direito privado e aos estrangeiros residentes no país e, tratando-se de mecanismos de participação política, as pessoas jurídicas também dispõem de legitimidade para utilizarem diversos deles – vide, por exemplo, a legitimidade processual ativa de associações para propor ação civil pública (Lei n. 7.347/, art. 5º, V) ou de sindicatos e partidos políticos para proporem ação direta de inconstitucionalidade (CF/88, art. 103, VIII e IX) ou mandado de segurança coletivo (CF/88, art. 5º, LXX), entre outros exemplos. Assim,

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por mais que deveras deva ser o povo considerado o sujeito da democracia, não pode negar que participam do processo político (e não apenas do social, como seria bastante óbvio) elementos que não compõem propriamente o povo brasileiro (15). O modo como se constitui e se exercita a democracia remete às próprias formas de participação política em particular, isto é, aos modos de participação incorporados e previstos pela Constituição: não apenas no referente aos institutos da participação política, mas às funções estatais em que ela se dá – funções legislativa, administrativa e judiciária – e aos aspectos do processo político em que a participação incide (finalidade da democracia e das formas particulares de participação) – participação na atribuição do poder, no exercício do poder, por meio do acesso à informação, na execução das decisões, por meio da consulta de opinião, na tomada de decisões, na distribuição do poder, na contenção do poder e na detenção do poder (16). O exame dos aspectos do processo político, por mais pertinente que seja, extrapola as pretensões do texto, de modo que se há de concentrar nas funções estatais e nos institutos próprios da participação. Assim, valendo-se de um critério funcional para classificar as formas de participação, depara-se com as seguintes formas: participação legislativa, participação administrativa e participação judicial, cada qual dotada de institutos próprios. A participação legislativa, tendo em vista a história do Estado moderno, pode ser vista como a forma mais antiga e acaba por influir diretamente sobre a legitimidade finalística, pois é por meio dela que se definem, num plano mais genérico, as diretrizes normativas básicas a conduzirem a sociedade política e juridicamente organizada e os próprios objetivos da associação política, isto é, a idealização de um projeto societário a se realizar, ainda que, desse ponto de vista político-jurídico, ignorem-se mais ou menos as condições históricas que permitirão ou não a realização desse projeto. Em suma, a participação legislativa e a produção de um projeto societário por meio de um discurso político-jurídico, conquanto imprescindíveis à instituição da democracia, podem exercer um efeito meramente ideológico e encantatório ao se ignorarem ou escamotearem a dinâmica e a estrutura sociais sobre que se deseja tal projeto incida. A participação legislativa é exercida, sobretudo, via representação no órgão legiferante. Ao se considerar um processo constituinte, a participação popular tem se dado principalmente, em vista da complexidade e volume das sociedades hodiernas, via eleição de representantes; em se tratando de

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processo legislativo ordinário ou mesmo de exercício de poder constituinte derivado, a representação também é o instituto prevalente. Na Constituição, a participação via representação está prevista de forma geral no parágrafo único do art. 1º e no caput do art. 14. Contudo, ante a patente insuficiência da democracia representativa, emergiram, como já explicitado, formas semidiretas de participação no processo legislativo. No plano constitucional, essas formas semidiretas, consolidadas em institutos, também estão previstas no art. 14: plebiscito, referendo e iniciativa popular. A participação administrativa é mais recente historicamente e se desenvolve no contesto do welfare, incorrendo especialmente na legitimidade corrente, voltada aos atos da Administração e, incidentemente, ao controle da legalidade desses atos. A participação administrativa pode dar-se em todos os campos da atividade administrativa estatal, ou seja, externamente (referida ao exercício do poder de polícia, à prestação de serviços públicos, ao fomento público e à ordenação econômica e social) ou internamente (gestão de pessoal, bens e serviços da administração). De modo mais específico, a participação administrativa se dá em quatro estágios ou graus de intensidade: (a) participação informativa; (b) participação na execução; (c) participação pela consulta; (d) participação na decisão (17). Assim, a participação administrativa não é controle apenas da eficiência (ou, se se preferir, da conveniência e oportunidade) dos atos da administração, mas também de sua legitimidade ante o conjunto de concidadãos. Entre os institutos da participação administrativa existentes nos Estados hodiernos, pode-se citar a coleta de opinião, o debate público, a audiência pública, o colegiado público, a cogestão paraestatal, a assessoria externa, a delegação atípica, a provocação de inquérito civil, a denúncia aos tribunais ou conselhos de contas e a reclamação relativa à prestação de serviços públicos. A participação judicial – em que este artigo há doravante de se concentrar – tornouse expressiva no contexto da crise do welfare e do reconhecimento de interesses e direitos coletivos, evidenciando que o ponto de tensão entre sociedade civil e Estado tem se deslocado mais e mais para o judiciário (18). Por mais que esse processo de judicialização traga uma série de inconvenientes e incorra em diversos reducionismos, a dimensão político-institucional expressa na possibilidade de provocação da jurisdição para tutela de interesses coletivos e socialmente relevantes é um canal imprescindível para a substancialização da democracia, ou seja, mesmo com todos os limites que possa apontar, a

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abertura desse canal institucional via tutela coletiva pode desempenhar um importante e mesmo imprescindível papel no processo de ampliação e concretização de uma democracia que pretensa superar o paradigma formal e individualista. Isso, pois ao se reconhecer que entre indivíduo e ente político há a mediação de uma série de instituições e grupos, a função jurisdicional pode tornar-se mais efetiva e legítima, pois ao atentar-se aos interesses dos grupos que os cidadãos singulares compõem, torna-se a jurisdição mais permeável aos desejos, valores e projetos que a heterogênea sociedade deseja ver protegidos ou realizados pelo ente político. No contexto de uma sociedade civil em que se contrapõem interesses de grupos privados e de classes sociais, como na formação própria do capitalismo dependente brasileiro, essa permeabilidade da jurisdição é especialmente relevante, pois se não garante a solução dos conflitos sociais – oriundos da lógica de reprodução das relações sociais, um processo alheio ao controle do Estado e ao qual, na verdade, estão a efetividade e a eficácia de suas ações subordinadas –, permite, pelo menos, a publicidade institucional desses conflitos, bem como o planejamento de políticas públicas e a produção de decisões judiciais mais consequentes e atentas à estrutura e dinâmica da realidade social sobre que incidem. Apesar de se poder rastrear institutos de tutela coletiva já na Constituição de 1934, é com a Constituição de 1988 que se cria um clima jurídico-institucional próprio à emergência e regulamentação de diversos institutos de tutela coletiva. Em suma, como bem resumem Viana e Burgos, preocupados em diferenciar a tutela coletiva e a concentração das tensões entre sociedade civil e Estado na função judiciária de fenômenos como a judicialização da política e das relações sociais:

Nessa transição, observável exemplarmente na Constituição brasileira de 1988, o elemento de continuidade tem sido a preservação do direito como medium estratégico na questão social, enquanto o de descontinuidade se vem caracterizando pela crescente ultrapassagem das normas de direito substantivo, características do Welfare State, em favor das normas de direito processual, como se fazem presentes na ação civil pública, no mandado de segurança coletivo e na ação popular. Não se trata mais, no curso dessa revolução processual, de prosseguir com a invasão regulatória da sociedade pelo Estado, mas de possibilitar, mediante a prática de novos procedimentos, que os próprios agentes sociais, em presença de relações responsivas com o Poder Judiciário, sejam capazes de exercer uma autoprodução normativa. (19).

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3. Democracia e instrumentalidade do processo

Para abordar-se propriamente a relação entre democracia e instrumentalidade do processo foi necessário percorrer-se o caminho de algo mais genérico rumo a algo mais específico. Em outros termos, houve de se abordar a relação entre Estado e sociedade civil de forma bastante genérica para, abrindo caminho com os conceitos de participação e legitimidade, chegar-se às formas e institutos particulares de participação, entre os quais se encontram certamente o processo judicial e a jurisdição. Ocorre que ao iniciar o tratamento da temática do ponto de vista estritamente processual, estar-se-ia ignorando uma série de relações sócio-políticas que não estão explicitadas em conceitos como o de legitimidade ativa, jurisdição, provocação etc. Em suma, a teoria tradicional do processo se constitui justamente em abstração dos elementos políticos e sociais que compõe a relação processual, presentes patente e concretamente numa lide, para concentrar-se em seus aspectos jurídico-formais. Não se nega a pertinência desse tratamento jurídico-formal, sem o qual a relação processual restaria incompreensível, mas se assevera a necessidade de complexificarem-se essas relações mais simples com considerar outros de seus aspectos, presentes no todo complexo da vida social, isto é, trata-se de contextualizar sóciopoliticamente a relação processual, caso específico da relação entre elementos da sociedade civil mediados pelo Estado. Assim, as relações entre litigantes são mediadas não apenas pela relação com o Estado, em si já dotada de diversos aspectos que extrapolam o simples âmbito jurídico, mas também por relações que estão conectadas ao todo social e aos grupos que compõem a chamada sociedade civil. Daí a necessidade de percorrer-se tal caminho do genérico ao específico para abordar a questão da tutela coletiva, passando-se agora, anteriormente ao breve exame da formação histórica de seus diversos institutos processuais, ao estudo da relação entre processo e democracia a partir da noção de instrumentalidade. Entre

as funções características do

Estado,

a

jurisdicional,

concentrada

predominantemente no poder Judiciário, tem por finalidade a pacificação dos conflitos sociais por meio da atividade substitutiva do Estado, que impede a autotutela e faz as vezes das partes em conflito (20). A jurisdição se realiza pela interpretação e aplicação das normas jurídicas (função cognitiva) e pela cominação de sanções a serem executadas (função

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executiva) (21). Na lição de Dinamarco (22), podem-se identificar três escopos da atividade jurisdicional: o social, o político e o jurídico. O escopo social seria exatamente a atividade de pacificação dos conflitos no seio de uma sociedade, chamando o Estado, se não a resolver tais contradições, a pelo menos buscar minimizar seus efeitos por meio de uma decisão equânime e justa; o escopo político se relacionaria não apenas com o monopólio estatal do exercício da jurisdição e da culminação de sanções jurídicas, atestando a imperatividade de suas decisões, mas também com as possibilidades de controle democrático desse poderio pela sociedade; o escopo jurídico se vincularia à efetivação do direito material. Concentrando-se no escopo jurídico da jurisdição, Dinamarco (23) vislumbra na história das elucubrações teóricas sobre direito processual três momentos: um primeiro momento de sincretismo jurídico, “caracterizado pela confusão entre os planos substancial e processual do ordenamento estatal” e em que ainda exerciam grande influência o paradigma do liberalismo político e a “actio” romana; um segundo momento de autonomia do direito processual como ciência, ocasionado pelo reconhecimento da autonomia da relação jurídica processual em relação à relação jurídica material, distinta a primeira da segunda “pelos seus sujeitos, seus pressupostos, seu objeto”; e um terceiro momento, de maturidade, a seu ver, caracterizado pela “consciência da instrumentalidade como importantíssimo pólo de irradiação de ideias e coordenador dos diversos institutos, princípios e soluções”. A instrumentalidade, conforme conceituada por Dinamarco, não se refere à manifestação da instrumentalidade do sistema processual, tampouco à instrumentalidade das formas, mas a “uma tomada de consciência de que ele [o processo] não é um fim em si mesmo e portanto as suas regras não têm valor absoluto que sobrepuje as do direito substancial e as exigências de pacificação social de conflito e conflitantes.” (24). A instrumentalidade do processo, assim, comportaria dois aspectos – um negativo e um positivo. De um ponto de vista metodológico, a instrumentalidade não apenas possibilitaria delimitar o horizonte de interesses da ciência processual, impedindo que ela se imiscuísse em campos de estudo próprios de outras ciências (aspecto negativo), como também possibilitaria abri-la tanto quanto possível às conquistas dessas outras ciências – como ciência política, sociologia, antropologia etc. – e a novas problemáticas – como a tutela coletiva –, evitando um corte epistemológico reducionista e reafirmando sua utilidade referente aos seus três escopos: utilidade social, política e jurídica, portanto. O aspecto

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negativo do princípio da instrumentalidade compõe-se justamente da “instrumentalidade realçada e invocada como fator de contenção de exageros e distorções” (25), como os que levam a um formalismo inibidor da consecução dos objetivos precípuos do processo de pacificação dos conflitos sociais com justiça e equidade. O aspecto positivo da instrumentalidade, por sua vez, relaciona-se sobremaneira com a efetividade do processo, “expressão resumida na ideia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda plenitude todos os seus escopos institucionais” (26). Na investigação da efetividade como aspecto positivo da instrumentalidade do processo, Dinamarco vê quatro searas ou aspectos do estudo a enveredar nessa direção: (a) admissão em juízo, (b) modo-de-ser do processo, (c) justiça das decisões e (d) utilidade das decisões. Os estudos sobre tutela coletiva de direitos encontram nessa indicação de caminhos de pesquisa uma conceituação profícua, com destaque aqui para o aspecto de admissão em juízo, pois é a partir dele que se vislumbrará a pertinência da adoção de um critério processual para a classificação dos direitos coletivos com base no pedido de tutela formulado, bem como a necessária relação entre ampliação da legitimidade ativa para defesa de tais direitos e participação democrática da população, no que ressoam os escopos jurídico, político e social da jurisdição, todos aspectos convergentes na discussão sobre a efetivação da ordem democrática instaurada em 1988. A admissibilidade em juízo remete ao aspecto jurídico de acesso à justiça. A noção de acesso à justiça, na lição de:

Quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial. Acesso á justiça significa, ainda, acesso á informação e á orientação jurídicas e a todos os meios alternativos de composição de conflitos. (27)

Pode-se afirmar haver três ordens de fatores que obstaculizam o acesso à justiça: os se ordem econômica (alto custo do processo e pobreza da população), os de ordem psicossocial (desinformação e descrença) e os de ordem jurídica (legitimidade ativa meramente individual) (28). No referente aos limites jurídicos, há de se destacar a inadequação da teoria clássica do processo para abordagem da tutela coletiva, pois se tratar

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a atuação dos legitimados ativos como caso de legitimação extraordinária ou de substituição processual só se coaduna com uma sistemática processual que dá primazia aos direitos individuais sobre os coletivos. Assim, os limites à possibilidade de admissibilidade em juízo e à universalização da tutela jurisdicional (29) colocados por um paradigma processual individualizante legado, como visto, pelo liberalismo político hão de ser superados para a consecução de uma efetiva tutela de direitos de terceira e quarta geração, como aqueles que constituem os interesses a serem protegidos por meio de ação popular. É por tal motivo que Streck (1999) considera ter-se descolado o foco de tensão entre Estado e sociedade civil (ou entre ente político e cidadão) para o poder Judiciário, pois a possibilidade de uma tutela jurisdicional eficiente dos interesses coletivos – trate-se de jurisdição contenciosa ou voluntária, utilizem-se as vias judicial ou extrajudicial – tem-se mostrado como o atual campo social em que se pode alargar e aprofundar a vivência quotidiana do regime democrático e do Estado de Direito. Isso, pois é basilar à democracia uma forma de prestação jurisdicional verdadeiramente permeável pelos anseios da sociedade civil, inclusive de modo a fomentar a legitimidade das instâncias públicas.

4. Formação do microssistema de tutela jurisdicional coletiva do direito brasileiro Como dito, é no contexto de constitucionalização dos direitos de terceira geração a partir do período pós II Guerra Mundial que se reconhecem hodierna e institucionalmente os interesses transindividuais e ganha relevância a discussão em torno de sua tutela coletiva (30). No Brasil, a formação do microssistema de tutela coletiva, influenciado pelas “class actions” do direito norte-americano e baseado justamente na possibilidade de alargamento da legitimidade ativa e na noção de representação, milita no sentido de superação do traço individualista do direito processual aqui vigorante. Marco nesse sentido foi, certamente, a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), que regulamentou um instituto previsto no art. 5º, LXXIII, da Constituição vigente e já previsto em Constituições anteriores (1934 e 1946), possibilitando sua efetividade, embora apenas albergasse à época a proteção ao erário. A Lei n. 6.938/81, em que está consignada a Política Nacional do Meio Ambiente, também trouxe em seu art. 14, § 1º, instrumento de tutela coletiva: legitimava-se o Ministério Público a propor ação com vistas à reparação de danos causados ao meio ambiente.

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Grande alento veio com a promulgação da Lei n. 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, que reconhece uma série de interesses coletivos (art. 1º) e elenca um rol de legitimados à propositura de ação para sua salvaguarda (art. 5º). A promulgação da Constituição Federal de 1988 também veio nesse diapasão de fortalecimento da tutela coletiva de direitos, instituindo uma série de instrumentos processuais: mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); possibilidade de associações e sindicatos representarem em juízo seus associados e filiados (respectivamente, art. 5º, XXI, e art. 8º, III); ampliação do objeto da ação popular (art. 5º, LXXIII), para defesa do patrimônio público, entidade com participação estatal, moralidade administrativa, meio ambiente e patrimônio histórico e cultural; aumento do número de legitimados para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103, incisos I a IX); e referência à promoção do inquérito civil e da ação civil pública como funções institucionais do Ministério Público (art. 112, III), sem exclusão dos outros legitimados para a ação (art. 112, § 1º). Por fim, corroborou sobremaneira a formação de um microssistema de ação coletiva a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), em que uma das novidades foi a possibilidade de tutela judicial de danos sofridos individualmente, isto é, tutela dos direitos individuais homogêneos. No contexto da Constituição de 1988 e com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), foi extremamente ampliada a objetividade da ação civil pública, uma vez que o art. 129, III, da Carta Magna e o art. 110 do CDC (este ao acrescentar o inciso IV ao art. 1º da Lei n. 7.347/85) a consubstanciaram em um instrumento processual capaz de abarcar a defesa de qualquer interesse coletivo ou difuso. Ademais, o art. 117 do CDC promoveu a consolidação de um microssistema de tutela coletiva ao determinar que “aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” (30). Grande alento foi trazido pela nova lei do mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) que enfim disciplinou explicitamente o mandado de segurança coletivo. Ainda no tocante à configuração do microssistema de tutela coletiva no direito brasileiro, não se pode olvidar da promulgação da Lei n. 7.853/89 (em defesa dos portadores de necessidades especiais), da Lei n°7.913/89 (Defesa dos Titulares de Valores Imobiliários e Investidores no Mercado), da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), da Lei n°8.884/94 (Defesa da Ordem Econômica e da Economia Popular) e da Lei n. 10.741/03

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(Estatuto do Idoso). Destarte, não se tem propriamente um sistema formalizado de tutela coletiva, mas a integração entre diversos diplomas legais e institutos em âmbito constitucional e infraconstitucional: daí se falar em microssistema. Segundo Mancuso (1998), há de se conceber a existência de um sistema integrado, formado por um núcleo e um entorno. Hoje, pode-se conceber que o núcleo do sistema de tutela coletiva é formado pela Constituição Federal de 1988, pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Lei da Ação Popular, pela Lei da Ação Civil Pública e pela Lei do Mandado de Segurança. Além de evidenciado tal microssistema no âmbito do direito positivo, fica patente a necessidade de teorização acerca de tal fenômeno bem como a emergência de um novo ramo da ciência processual, o processo coletivo.

4.1. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos: adoção de um critério processual com base no tipo de pedido de tutela

Diante da constituição do microssistema de tutela coletiva, instaurou-se na doutrina celeuma em torno dos critérios pertinentes à classificação dos direitos aptos a defesa coletiva, inclusive tendo por base a clivagem positivada no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (32)

Assim, restava estabelecer se tal distinção se referia ao direito material ou ao direito processual. Daí a importância de se distinguir entre defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos. Pela redação do diploma legal e pela sistemática processual que apresenta, está claro que o dispositivo legal referido não se refere ao aspecto material, mas ao aspecto processual, mais especificamente, ao pedido de tutela formulado, conforme se

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depreende da expressão “defesa coletiva” constante do parágrafo único. Evidentemente, conforme se vem argumentando até aqui, é a relação de direito processual instrumental em relação à relação de direito material e deveras a última precede ontologicamente a primeira; entretanto, disso não se há de aduzir uma necessária prevalência de um critério material sobre um critério processual, tendo em vista inclusive a sistemática do ordenamento. Ademais, ao se considerar que tal clivagem se refere ao direito material, é prejudicado o entendimento do caput do art. 81 do CDC, que se refere à possibilidade de defesa individual dos direitos sujeitos à tutela coletiva. Ademais, se o indivíduo se encontrasse impossibilitado de pleitear individualmente a tutela de direito transindividual, estar-se-ia a criar grande obstáculo em relação ao acesso à justiça e ao direito individual de ação (decorrente do princípio da inafastabilidade da jurisdição, consignado no art. 5º, XXXV, da CF/88). Destarte, exemplo bastante loquaz a tornar patente a inadequação da adoção de um critério material nessa temática é o de um indivíduo buscar a reparação por dano ambiental causado à sua propriedade por uma propriedade vizinha: o direito ao meio ambiente trata-se evidentemente de um direito difuso, uma vez que sua titularidade corresponde a um conjunto indeterminado e indeterminável de sujeitos; contudo, nem por isso ele se vale de um instrumento de tutela coletiva para buscar reparação pelo dano causado. Outrossim, ao se considerar que tal clivagem é de direito material, é-se forçado a considerar os direitos individuais homogêneos como direitos transindividuais, o que legitimaria em todos os casos o Ministério Público a intervir na demanda, o que desvirtua sua colenda atribuição constitucional e suas funções institucionais. Ao se adotar o tipo de pedido de tutela (pedido imediato), um dos elementos constitutivos do conceito de ação, como critério distintivo, torna-se clara a diferença entre tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. Assim, fica evidente que a clivagem entre difusos e coletivos stricto sensu se refere ao aspecto material desses direitos, espécies de direitos transindividuais, ambos indivisíveis, conquanto a titularidade dos primeiros seja indeterminada e indeterminável e a dos segundos indeterminada mas determinável; ainda, quanto à origem, os titulares dos primeiros estão ligados por situação fática, inexistindo vínculo jurídico anterior, enquanto há entre os titulares dos segundos vínculo jurídico prévio. Assim, no referente a tais direitos, trata-se de pedido de tutela coletiva sobre direitos materialmente coletivos, a ser exercida pelos legitimados em cada figura processual da

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tutela coletiva, inclusive pela Defensoria Pública nos casos legalmente previstos. A titularidade dos direitos individuais homogêneos, por possuírem caráter divisível, é de sujeitos perfeitamente identificáveis, ainda que indeterminados durante a cognição. Assim, materialmente, os direitos individuais homogêneos são, pasmem, individuais, isto é, trata-se dos direitos subjetivos clássicos, o que não os exclui da tutela coletiva, pois na sistemática do processo coletivo brasileiro é possível pleitear a sua defesa coletiva. Segundo Marinoni:

A tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos, além de eliminar o custo das inúmeras ações individuais e de tornar mais racional o trabalho do Poder Judiciário, supera os problemas de ordem cultural e psicológica que impedem o acesso e neutraliza as vantagens dos litigantes habituais e dos litigantes mais fortes. (33)

Considerações Finais

A emergência de formas de participação judicial se confunde com a formação do microssistema de tutela coletiva do direito brasileiro, isto é, constituem um mesmo processo, de modo que a noção de participação judicial constitui o seu aspecto políticojurídico e a de tutela coletiva o seu aspecto institucional-processual. O modelo democrático trazido pela Constituição de 1988 proporciona condições institucionais bastante mais favoráveis à participação política, e os institutos processuais que ela consagra são importantes canais que viabilizam a transição de diversos interesses coletivos dados na sociedade civil à apreciação da esfera pública; contudo, há de se salientar que as condições institucionais não desempenham protagonismo em se tratando de participação política e mesmo de direcionamento social, pois o processo de luta por hegemonia entre as classes e grupos particulares da sociedade civil e a dinâmica dos aparelhos privados de hegemonia possuem prevalência não apenas na configuração das condições culturais da participação política, mas na produção dos conteúdos que, encarnados em discursos, aparece como existentes e relevantes à própria consciência social em seus campos privado e público. Em suma, conquanto importante e mesmo imprescindível, a conquista de canais institucionais de participação política e o reconhecimento de direitos coletivos dignos de tutela judicial não são suficientes para resolver os conflitos de interesse e as oposições numa forma societária calcada na produção de riqueza e valor por meio de espoliação e produção de miserabilidade. Nesse contexto, tais institutos podem até mesmo cumprir um papel

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encantatório ideológico, mas rechaça-los é igualmente ignorar as idas e vindas do processo emancipatório em que, hodierna e futuramente, tanto o direito quanto o Estado são e serão ainda relevantes.

NOTAS (1) BONAVIDES, 2006, p. 560 et seq. (2) O uso do termo “geração” é clássico desde a intervenção do jurista Karel Vasak em conferência do Instituto Internacional de Direitos Humanos em 1979, mas, conforme o próprio Bonavides assevera (2006, p. 571-572), “o vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade”. (3) STRECK, 1999. (4) ALVES, 1989. (5) NETO, 1992. (6) COUTINHO, 1996; GRUPPI, 2000. (7) GRAMSCI, 1982. (8) NETO, 1992, p. 25. (9) A partir da legitimidade corrente, ou melhor, de sua ausência, pode-se pensar diversos fenômenos sociojurídicos e juspolíticos como a anomia, a heteronomia e o pluralismo jurídico. Do ponto de vista jurídico, excelente estudo sobre anomia é realizado por José Geraldo de Souza Junior (1994); sobre a heteronomia, consulte-se Neto (1992, p. 42 et seq..); sobre o pluralismo jurídico, Correas (1996, p. 95), Wolkmer (1997) e Santos (1988). (10) NETO, 1992, p. 28. (11) MARX, 2009. (12) Nesse sentido, Friedrich Müller (2003, p. 83) assevera: “quando o termo ‘povo’ em textos de normas, sobretudo em documentos constitucionais, deve ser compreendido como parte integrante plenamente vigente da formulação da prescrição jurídica (do tipo legal), deve ser levado a sério como conceito jurídico e ser interpretado lege artis. Na tradição histórica e (jus)-política [...] do emprego do conceito, o termo ‘povo’ não se reveste de traços inocentes, neutros, objetivos, mas decididamente seletivos”. Nesse estudo, Müller identifica basicamente quatro usos do termo “povo”: o povo como conjunto dos indivíduos politicamente ativos (muitas vezes reduzido à “totalidade dos eleitores”, em uma ótica meramente “representacionista”), o povo como instância global de atribuição de legitimidade, o povo como ícone e o povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado. É justamente pela seletividade que implica o termo “povo”, mormente ao fazer parte de textos normativos e mesmo constitucionais, que ele acaba por se tornar um “conceito de combate”, pois a referida dinâmica de conflito entre as classes sociais e grupos da sociedade civil, entre os grupos componentes da sociedade política e entre sociedade política e sociedade civil resvalam na abrangência semântica da noção “povo”. Outro conceito que se presta a esse tipo de embate, dado pela dinâmica de hegemonia entre as forças sociais, é o de “cidadania”, de modo que mesmo uma operação hermenêutica com vistas a precisar um conceito mais amplo ou restrito de cidadania, conforme operada acima, traz subjacente certas escolhas valorativas e mesmo políticas, sobre o que já alertava Kelsen (1995, p. 387 et seq.) no último capítulo da segunda versão de sua Teoria Pura do Direito. (13) Segundo Silva (2006, p. 246), “a nacionalidade é o conceito mais amplo do que cidadania, e é pressuposto desta, uma vez que só o titular de nacionalidade brasileira pode ser cidadão.” (14) Pode-se dizer que a Constituição de 1988 abriga um conceito amplo de cidadania, sendo esse o status do indivíduo nacional detentor de direitos políticos, civis e sociais, o que contrasta com a cidadania em sentido estrito, típica do liberalismo clássico, como sendo o status do indivíduo detentor de direitos políticos unicamente (mormente os direitos políticos negativos de primeira geração). (15) Uma vez que se apelou à origem histórica do conceito de “povo” na noção de “populus” da antiga república Romana, é interessante notar a diferença entre o “populus” e a “plebis”: em relação ao primeiro, importava a adesão a um mesmo ordenamento jurídico, e em relação ao segundo, a manifesta vontade de conviver. Alerte-se para que tanto a “plebis” quanto o “populus” se opunham à elite romana representada no senado.

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(16) NETO, 1992, p. 81 et seq. (17) NETO, 1992, p. 88. (18) STECK, 1999. (19) VIANA; BURGOS, 2003, p. 382. (20) CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, p. 146. (21) WATANABE, 2005, p. 39 et seq. (22) DINAMARCO, 1990, p. 206 et seq. (23) DINAMARCO, 1990, p. 15-20. (24) DINAMARCO, 1990, p. 379. (25) DINAMARCO, 1990, p. 381. (26) DINAMARCO, 1990, p. 385. (27) MARINONI, 1999, p. 28. (28) DINAMARCO, 1990, p. 392. (29) O patente traço individualista do sistema processual brasileiro hodierno, cuja superação já se iniciou (inclusive institucionalmente, como se verá), tem registro loquaz na regra do art. 6º do ainda vigente Código de Processo Civil: “Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei” (BRASIL, Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973). Esse traço permanece no texto do Novo Código Civil recentemente promulgado (Lei 13.105, de 16 de março de 2015), conforme se depreende do caput seu art. 18: “Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.” O Novo Código Civil passará a viger em 2016, em conformidade com seu art. 1045, atentando-se à disposição do art. 8º, § 1º, da Lei Complementar nº 95/1998. (30) Segundo Nery Júnior (2001, p. 557), “o fenômeno da existência dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) não é novo, pois já era conhecido dos romanos. Nem a terminologia ‘difusos’ é nova. Com efeito, as actiones populares do direito romano, previstas no Digesto 47, 23, 1, que eram ações essencialmente privadas, destinavam-se à proteção dos interesses da sociedade. Qualquer do povo podia ajuizá-las, mas não agia em nome do direito individual seu, mas como membro da comunidade, como defensor desse mesmo interesse público”. Entretanto, a comparação entre esses institutos e os do direito coletivo hodierno só é possível de um ponto de vista científico e histórico caso não se percam de vista todas as diferenças entre o direito e a sociabilidade da civilização romana e das sociedades capitalistas do séc. XXI, isto é, caso não se perca de vista o contexto histórico, social e político em que cada um desses institutos teve ou tem existência. Entre diferenças consideráveis, ainda mais ao se considerar a ação popular, deve-se atentar para que a sociedade romana orientava-se pela noção de “status”, enquanto que as sociedades hodiernas guiam-se pela noção de “direitos”; igualmente, a “popularis actio” do direito romano, embora voltada à defesa direitos da coletividade – o autor não apenas agia pro populo, como, caso vencesse, a litiscontestatio não o transformaria num credor – , pouco pode ser comparada ao instituto da ação popular, ainda mais ao se considerar sua feição positiva atual, pois as noções de “cidadão” e “povo” atuais são pouco comparáveis à de “civitas romanus” e sequer se pode conceber que existisse uma organização política comparável ao Estado moderno surgido com a derrocada do Feudalismo na Europa Oriental e universalizado com a expansão do capitalismo. (31) BRASIL, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. (32) BRASIL, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. (33) MARINONI, 1999, p. 87.

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