TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS INTERMEDIADAS POR JOGOS ONLINE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE DIREITO

WILLIAM BRAGA SALVIONE

TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS INTERMEDIADAS POR JOGOS ONLINE

VIÇOSA (MG) 2015

WILLIAM BRAGA SALVIONE

TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS INTERMEDIADAS POR JOGOS ONLINE

Monografia

apresentada

ao

Departamento

de

da

Direito

Universidade Federal de ViçosaMG como requisito para aprovação na

disciplina

Monografia Orientador: Silveira.

VIÇOSA (MG) 2015

DIR II.

Gláucio

499



Professor Inácio

da

William Braga Salvione

Tutela Jurídica dos Direitos da Personalidade nas Relações Interpessoais Intermediadas por Jogos Online

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal de Viçosa, como requisito parcial para a aprovação na disciplina DIR 499 – Monografia II.

APROVADA: ___ de _____________ de 2015.

Prof. GLÁUCIO INÁCIO DA SILVEIRA Orientador

Prof.(a) Universidade Federal de Viçosa

Prof.(a) Universidade Federal de Viçosa

RESUMO

Este trabalho monográfico enfrenta o problema da existência de tutela jurídica para as relações interpessoais nos jogos online. O motivo: a inferiorização e infantilização indevidas do fenômeno dos jogos digitais pela sociedade e pelos tribunais. A pesquisa girou em torno dos direitos da personalidade, em função da grave fama desrespeitosa do jogador digital brasileiro, que tem se espalhado pelo mundo. As relações desenvolvidas no âmbito dos jogos digitais foram o foco da pesquisa. Como cada jogo apresenta notáveis peculiaridades, escolheu-se adotar como parâmetro dois sucessos nacionais: o MMORPG Ragnarök Online e o MOBA League of Legends. As hipóteses que nortearam a pesquisa previam que as empresas não assegurariam a correta garantia dos direitos da personalidade; que a jurisprudência seria cega aos diversos problemas advindos das relações interpessoais que se desenvolviam nos jogos digitais; existiria preconceito acerca do assunto na jurisprudência, conduzindo a decisões equivocadas; e que, apesar de tudo, o ordenamento jurídico pátrio, aliado a princípios e à doutrina, se encontraria suficientemente apto a tutelar os direitos da personalidade nas relações interpessoais entre jogadores digitais. Para o desenvolvimento da pesquisa, abordou-se brevemente a história dos jogos online e dos direitos da personalidade, apresentou-se diversos dados empíricos que demonstravam a dimensão atual do fenômeno dos jogos, estudou-se os pontos de encontro entre direitos humanos, dignidade humana, direitos fundamentais e direitos da personalidade, bem como estudou-se três direitos da personalidade que demandavam tutela nas relações digitais: direito ao nome, direito à imagem e direito à honra. Subsequentemente, apresentou-se a compreensão jurisdicional do assunto e como a sociedade estaria organizada em torno do assunto dos jogos. Em sede de conclusão, todas as hipóteses foram confirmadas e atingiu-se o objetivo geral: intermediados pela doutrina, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Código Civil Brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Penal Brasileiro são capazes de assegurar tutela efetiva aos direitos da personalidade nas relações interpessoais entre jogadores online. PALAVRAS-CHAVE: direitos da personalidade – jogos online – direito ao nome – direito à imagem – direito à honra.

ABSTRACT

This monographic work faces the problem of the existence of judicial protection to the on-line interpersonal relationships on games. The reason: the inappropriate inferiorization and infantilization of the phenomenon of digital games by society and by the courts. The research revolves around the personality rights, due to the serious disrespectful fame of the Brazilian digital player, which is being spread all around the world. The relationships developed in the environment of the digital games were the focus of the research. As every game presents remarkable peculiarities, two national successes were chosen as parameter: the MMORPG Ragnarök Online and the MOBA League of Legends. The hypothesis that guided the research foresaw that companies would not assure correctly the personality rights; that the jurisprudence would be blind to several problems from interpersonal relationships developed in digital games; that there would be a prejudice about the subject in jurisprudence, leading to misjudgments; and that, despite of all that, the national legal order, allied to principles and doctrine, would be prepared enough to protect the personality rights at interpersonal relationships among digital game players. To develop such research, the history of on-line games and of the personality rights were approached briefly, several empiric data that demonstrated the current dimension of the games phenomenon were presented, the contact points among human rights, human dignity, fundamental rights and personality rights were studied; and three personality rights which demanded protection in digital relationships were studied: the right to a name, the right to image and the right to honor. Subsequently, the juridic comprehension on the subject and how society would be organized around games were presented. In conclusion, all hypothesis were confirmed and the general objective was achieved: intermediated by the doctrine, the Constitution of the Federal Republic from Brazil of 1988, the Brazilian Civil Code, the Code of Consumer Defense and the Criminal Code of Brazil are able to effectively protect the personality rights in interpersonal relationships among players on-line. KEY-WORDS: personality rights – on-line games – right to a name – right to image – right to honor.

SUMÁRIO

1. Introdução.............…………..................................................................................................6 2. Jogos Online – Breve Apresentação Histórica..................................…………………..…..12 3. Direitos da Personalidade – Breve Apresentação Histórica...............................……...........35 4. O Encontro de Duas Realidades: A Proteção aos Direitos da Personalidade nas Relações Interpessoais nos Jogos Online.................................................…………….............………...39 5. Dimensão Atual do Fenômeno dos Jogos Online no Brasil – Dados Empíricos.….............41 6. Direitos da Personalidade, Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Dignidade da Pessoa Humana………………....................................…................….............................…....53 7. Direitos da Personalidade…………………………………………………………….…….64 8. Direito ao Nome nas Relações Interpessoais nos Jogos Online……………………….…...80 9. O Direito à Imagem nas Relações Interpessoais nos Jogos Online………………………..94 10. Direito à Honra nas Relações Interpessoais nos Jogos Online………………………...…...101 11. A Jurisprudência e os Jogos Online………………………………………………….…..107 12. Estado, Sociedade e Jogos………………………………………………………….……112 13. Conclusão………………………………………………………………………….…….113 14. Referências Bibliográficas……………………………………………………….……...116

6 1. Introdução

Tem-se operado um encontro, ainda que pouco reflexivo, de duas realidades: a proteção aos direitos da personalidade, a qual abrange todas as relações interpessoais, independentemente do meio em que ocorram; e o desenvolvimento de jogos cada vez mais interativos, não apenas entre máquina e jogador, mas entre os diversos jogadores que se encontram diariamente para compartilharem momentos de entretenimento pela rede mundial de computadores. É inegável que os jogos virtuais constituem uma forma comum de interação humana. Amizades e inimizades surgem nesse ambiente, bem como situações inusitadas e inéditas. Existe uma grande dificuldade em abordar cientificamente o campo dos jogos eletrônicos ou jogos digitais1. Uma visão preconceituosa impregnou-se nas pessoas – talvez resultante até de um processo histórico que forçou os jogos a ganharem forma e aspecto de brinquedos para manterem-se atrativos no mercado – de que tratam-se de meios de entretenimento inferiores, mesmo infantis. As discussões a respeito dos jogos giram em torno, majoritariamente, de possíveis efeitos negativos deles advindos, a maioria fruto do senso comum e sem qualquer espécie de comprovação com o necessário rigor científico, como o caso do controvertido estímulo à violência. Ocorre que a percepção do cientista que aborda o tema pode ser completamente alterada se ele se imerge na sistemática dos jogos que analisa, tornando-se um jogador. Não há como separar o jogo de sua jogabilidade, pois jogos constituem processos, não objetos estáticos2. Interações pesquisador-jogo, no entanto, acabam sendo raras, preferindo muitos analisarem-nos guardando certa distância, especialmente quando a produção do conhecimento guarda laços mais firmes com uma ciência diversa. Exemplos em tribunais são abundantes. Abarrotados de processos e com uma escassa produção científica abordando a matéria, diversos juízes enfrentam os casos guiados meramente pelo que dos autos conseguem inferir, 1

2

"[t.en: Games] Os Jogos Digitais é (sic) a definição adotada pelo MEC e pelo Governo Federal. Os chamados games tão (sic) são traduzidos no Brasil como videogames, devido ao seu uso da (sic) televisão junto as Consoles. Em Portugal, a tradução de games é videojogo. A decisão do MEC parece ser, apesar de tudo a mais coerente, dado que todos os games são necessariamente digitais na sua base computacional. Entretanto não se deve censurar, de modo algum, os usos de videogame e mesmo game para jogo digital, dado que ambos os termos estão dicionarizados na língua portuguesa.". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 113. MÄYRÄ, Frans. Chapter 16: Getting into the Game – Doing Multidisciplinary Game Studies. In: PERRON, Bernard (COORD.);WOLF, Mark J. P. (COORD.). The Video Game Theory Reader 2. Routledge Taylor & Francis Group: Nova Iorque e Londres, 2009. Pgs. 316-317.

7 em meio a um ambiente impropício de preconceito e inferiorização do fenômeno dos jogos eletrônicos. Assim, verifica-se no mundo jurídico, quando o discurso existe, um relacionamento, não da realidade com o Direito, mas de ideias do que seja um jogo e das relações destas com o Direito. O risco da análise é ainda maior se se considerar que uma análise do fenômeno dos jogos só pode ser tratada enquanto uma ciência humana, não exata. Será a interação das pessoas com os jogos que produzirá os mais diversificados efeitos jurídicos que interessam ao Direito, não a mera aquisição, como se produto estático fosse3. Assim, essa pesquisa consiste em um árduo trabalho, uma vez que inexiste uma forte produção científica própria aos jogos eletrônicos. Os estudos a respeito geralmente se vinculam a diversas áreas de ciências outras, não havendo um conhecimento puro a respeito. Segundo Frans Mäyrä, os estúdios de jogos têm uma curta história de vida. Os trabalhos acadêmicos que os abordam, assim, necessitam se valer de abordagens e descobertas provenientes de campos acadêmicos diversos. Para o autor, embora a situação tenha apresentado rápida mudança, já tendo tido início a produção de trabalhos conceituais, teóricos e metodológicos do próprio campo, a principal fonte de trabalhos acadêmicos continua a ser graduados de disciplinas outras4. Essa pesquisa monográfica lança um olhar sobre “jogos online” para identificar a problemática de tutela aos direitos da personalidade no ambiente eletrônico, com foco nas relações que se estabelecem entre os jogadores no mundo virtual, a partir do tema: A Proteção aos Direitos da Personalidade nas Relações Interpessoais entre Jogadores na Rede Mundial de Computadores. Serão abordados os direitos da personalidade inatos, com foco nas relações interpessoais que ocorrem em ambiente virtual. Para a análise, foram escolhidos duas obras de sucesso no Brasil: Ragnarök Online e League of Legends, cada qual representante de categorias diversas de estilos famosos jogados no país. Não deixar-se-á, entretanto, de realizar alguns apontamentos de aspectos interessantes aos direitos da personalidade que permeiam o campo dos jogos em suas relações que extrapolam o campo intra-jogo. Serão abordados, preponderantemente, aspectos cíveis e constitucionais dos direitos da personalidade, dada a limitação de abrangência necessária ao trabalho monográfico. Alguns apontamentos consumeristas e penais serão pertinentes, mas apenas em caráter 3 4

MÄYRÄ, Frans. Chapter 16: Getting into the Game – Doing Multidisciplinary Game Studies. In: PERRON, Bernard (COORD.);WOLF, Mark J. P. (COORD.). The Video Game Theory Reader 2. Routledge Taylor & Francis Group: Nova Iorque e Londres, 2009. Pg. 318. MÄYRÄ, Frans. Chapter 16: Getting into the Game – Doing Multidisciplinary Game Studies. In: PERRON, Bernard (COORD.);WOLF, Mark J. P. (COORD.). The Video Game Theory Reader 2. Routledge Taylor & Francis Group: Nova Iorque e Londres, 2009. Pgs. 313-314.

8 complementar à pesquisa e, portanto, sem aprofundamento. Enfrentar-se-á o problema da existência de tutela jurídica para as relações interpessoais nos jogos online. Explica-se: a cultura da inferiorização dos jogos digitais e de seus jogadores procura compreender o fenômeno dos jogos eletrônicos de forma excessivamente abstrata e reducionista. Os tribunais, refletindo essa ideia preconceituosa, julgam conhecer as complexas relações que podem se desenvolver nos jogos online, reduzindo-os, quando muito, a uma prestação de serviço incapaz de ocasionar qualquer dano moral. Do abismo entre a compreensão jurisdicional basilar e ainda fraca e a necessidade de tutela das diversas situações que surgem no contexto dos jogos online, exsurge a necessidade de abordar o tema de forma mais aprofundada, para verificar se a tutela aos direitos da personalidade é possível e necessária. Dessa ausência de tutela jurisdicional adequada, aliás, emerge uma liberdade demasiado extensa, possibilitando que as empresas administrem os jogos online da forma como consideram correto e justo. O consumidor, já reconhecidamente o elo mais fraco e vulnerável da cadeia de consumo, fica ainda mais fragilizado, sem ter a quem recorrer, restando-lhe apenas submeter-se aos ditames das empresas. Não apenas as empresas, mas os próprios jogadores maliciosos acabam aproveitando-se dessa liberdade. O jogador brasileiro é conhecido pela sua falta de modos em quase todo o mundo, mas principalmente em seu nicho. Desinibidos, ofendem gravemente a honra de outros jogadores em situações corriqueiras, acreditando estarem acobertados pelo manto do anonimato. Com isso, reina a sensação de injustiça, insegurança jurídica e impotência, que o Direito não pode admitir. Por outro lado, hoje a indústria de jogos se tornou tão relevante e ampla que já existem, inclusive no Brasil, jogadores profissionais, que querem ser reconhecidos como esportistas. Também surgiu, nos últimos anos, um discurso feminista de interessante análise, que busca refletir os efeitos negativos da produção de jogos com estereótipos femininos que estimulariam a misoginia, o sexismo e o preconceito. Além disso, como reconhece a doutrina moderna que trata dos danos morais, a patrimonialização da indenização tem se mostrado insuficiente para a compensação de um dano que não possui esse cunho, porquanto não auferível pecuniariamente. Diante do exposto, esse trabalho monográfico buscará o exame das seguintes hipóteses: 1) as empresas que disponibilizam jogos on-line no Brasil não possuem preocupação em assegurar os direitos da personalidade nas relações dos jogadores, tutelando de forma irrefletida, internamente, todos os problemas daí advindos, causando sérios prejuízos

9 aos direitos imanentes da personalidade; 2) a jurisprudência é cega aos problemas advindo dos jogos online, operando um juízo simplista e se recusando a compreender, de fato, as circunstâncias do caso concreto, que não lhe são familiares, para solucionar o litígio, permitindo que os abusos das empresas prossigam e até se intensifiquem ao negarem a tutela jurisdicional, a qual seria meramente compensatória, uma vez que o dano moral é irreparável; 3) existe um preconceito generalizado, no mundo jurídico, decorrente da absoluta ignorância da realidade fática que vem se construindo no Brasil através dos jogos eletrônicos, resultando no tratamento dos jogos eletrônicos como infantis e inofensivos, indignos de atenção ou tão dignos quanto qualquer relação consumerista sem o dinamismo de jogos online, o que dá amplíssimo espaço de liberdade às empresas para que determinem as medidas aplicáveis aos atos que consideram puníveis, sempre preservando a própria empresa de eventuais responsabilizações; 4) e os princípios, a doutrina, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e mesmo a legislação infraconstitucional, analisada à luz das outras fontes, estão preparadas para enfrentar e tutelar, hodiernamente, os direitos da personalidade em relações interpessoais nos jogos online, havendo diversos instrumentos que possibilitam a tutela desses direitos, os quais merecem maior atenção jurisprudencial para que se tornem, de fato, efetivos. O objetivo central da pesquisa é identificar e/ou buscar estabelecer parâmetros que permitam evidenciar, em relações interpessoais em jogos online, circunstâncias em que os direitos da personalidade se manifestem, buscando traçar possibilidades de violação e como sua tutela jurídica seria possível e eficaz. São, ainda, objetivos específicos da pesquisa, dos quais é possível extrair os pontos de estudo: 1) Expor uma análise histórica dos direitos da personalidade e dos jogos eletrônicos no Brasil; 2) Detectar o ponto de encontro das duas realidades históricas, apresentando o início aproximado e a intensificação de interações pessoais intermediadas por jogos online; 3) Investigar a ocorrência factual de violações aos direitos da personalidade em relações interpessoais nos jogos online, em nossa história mais recente; 4) Apresentar as possíveis abordagens jurídicas, a partir do ordenamento jurídico pátrio, para tutelar as circunstâncias práticas identificadas; 5) Expor dados que demonstrem a atualidade e importância em abordar a temática; 6) Identificar o arcabouço principiológico que deve nortear a interpretação das normas destinadas a assegurar a proteção aos direitos da personalidade; 7) Apontar a legislação específica e o entendimento doutrinário mais apropriado para a tutela dos direitos da personalidade nas relações interpessoais em jogos online; 8) Investigar a existência de associações ou grupos organizados no Brasil voltados aos jogos online; 9) Tecer uma análise reflexiva acerca de possíveis direitos da personalidade que

10 poderiam decorrer do específico objeto de estudo das relações interpessoais em jogos online; e 10) Analisar criticamente a forma como a jurisprudência tem lidado com a resolução de casos que envolvam direitos da personalidade. O desenvolvimento dessa análise terá como marco teórico de referência a obra Direitos da Personalidade, de Anderson Schreiber, na qual o autor, através de diversos exemplos esclarecedores, procura demonstrar a necessidade de reflexão em cada caso concreto para que seja possível a correta proteção aos direitos da personalidade nas mais diversas relações humanas. A partir de sua abordagem, será possível aprofundar os estudos no tema de direitos da personalidade, de modo que se possa vislumbrar a inflexão desses direitos nas relações interpessoais em jogos online. Para a análise, partir-se-á, num primeiro momento, da utilização do método históricoempírico para reconstruir a realidade atual e possibilitar que perspectivas sejam lançadas acerca de um tratamento do tema a partir das experiências passadas. Além disso, tal análise permitirá demonstrar a importância em não permitir que os jogos online se desenvolvam em ampla e irrestrita liberdade, em decorrência das explorações potenciais que a própria abordagem histórica dos direitos da personalidade permitem reconhecer. Entretanto, o método predominante será o dedutivo, porquanto será apresentada a forma de compreensão dos direitos da personalidade trabalhada pelos doutrinadores, para buscar elementos imanentes dessa universalidade na individualidade dos casos concretos mais comuns de interações pessoais intermediadas por jogos online, os quais representem verdadeira manifestação da personalidade do ser humano, fazendo jus à tutela jurisdicional em caso de abuso ou violação. Deste modo, parte-se de uma análise genérica para uma específica, de forma expositiva, mas também reflexiva. Ainda buscar-se-á, através da reflexão operada nos casos concretos, vislumbrar nelas uma generalidade aplicável a todas as circunstâncias, ou seja, se de tais interações surge um novo direito da personalidade que demande reconhecimento e tutela jurisdicional. Dessa forma, se identificada a possibilidade de fazê-lo, será adotado o método indutivo para, das essências pontuais dos casos concretos, identificar uma generalidade. Os estudos se desenvolverão, assim, por meio de pesquisa majoritariamente bibliográfica, no tocante aos direitos da personalidade. Entretanto, não tendo-se encontrado doutrina que operasse uma reflexão jurídica acerca dos jogos online e sendo a jurisprudência superficial, serão desenvolvidas pesquisas empíricas, a partir de notícias, vídeos de comentaristas críticos de jogos, entrevistas e interação com os jogadores para buscar compreender e analisar sua realidade e suas vivências.

11 Em primeiro lugar, a pesquisa apresentará um esboço histórico do jogos online e dos direitos da personalidade, para identificar o momento atual e o ponto de encontro das realidades. Em seguida, serão expostos dados empíricos que demonstram a importância de abordar o tema hodiernamente. No capítulo subsequente, serão apresentadas definições e o contato entre os direitos da personalidade, os direitos humanos, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Então, serão apresentados os direitos da personalidade que têm pertinência com as relações interpessoais nos jogos online, quais sejam, o direito ao nome, o direito à imagem e o direito à honra, abordando-os de forma mais aprofundada. Em sequência, algumas considerações acerca da jurisprudência serão apresentadas, identificando alguns julgados que tenham relevância com o tema abordado. Subsequentemente, identificar-se-á eventos, associações e outros espaços no Brasil em que o discurso dos jogos online encontram lugar para discussão e aprimoramento. Coletados e apresentados todos os dados necessários, serão apresentadas as conclusões.

12 2. Jogos Online – Breve Apresentação Histórica

O primeiro jogo eletrônico de que se tem notícia foi o criado pelo físico Willy Higinbotham, como forma de chamar a atenção dos visitantes ao laboratório em que trabalhava, em Nova Iorque. O jogo data de 1958 e jamais teve fins comerciais, porquanto seu potencial mercantil foi totalmente ignorado. O cientista, que permaneceria conhecido como um dos contribuintes para a invenção da bomba atômica, deixou-nos essa pequena obra eletrônica, que serviria de inspiração a outros jogos, tempos depois.5 Alguns consideravam, antes da descoberta de seu precursor, que o primeiro jogo teria sido o Spacewar!, desenvolvido por Steve Russell, auxiliado por Dan Edwards, Alan Kotok, Peter Sampson e Martin Graetz, em 1961, no Massachusetts Institute of Technology (MIT)6. O objetivo foi similar ao de seu predecessor: prender a atenção daqueles que visitavam o MIT. Em ambos os casos, houve sucesso no que pretendiam os inventores. 7 O jogo ainda encontrase disponível em site do MIT, e ainda pode ser acessado através do link: http://spacewar.oversigma.com/. Seu conceito é bem simples, mas foi capaz de fascinar na época: no centro da tela, existe uma estrela que atrai duas naves, uma em cada extremidade da tela. Se nada é feito, ambos, atraídos para o mesmo local, colidem e são destruídos. Cada jogador pode atirar e girar a nave, além de poder acionar propulsores, podendo mover-se livremente. Ao destruir a outra nave, o jogo acaba e recomeça. Eis que um dos primeiros jogos eletrônicos já gerava interação entre jogadores. Em 1967, o inventor e engenheiro alemão, Ralph Baer, desenvolveu um jogo simples de “Ping Pong”, mas com um grande diferencial: valendo-se de um aparelho, que viria a ser denominado console8, qualquer um poderia utilizar esse programa para jogar através de 5 6 7 8

TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. UOL. A História do Videogame. Disponível em . Acesso em 30 de setembro de 2015. TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. "[t. e.: Console] Unidade computadorizada e especializada que é dedicada a execução de jogos de uma determinada plataforma (Wii, Xbox, PS3, PS4, etc). Os consoles são computadores dedicados e que possuem características próprias, bem como sistema operacional dedicado. Jogos desenvolvidos para um determinado console não são possíveis de serem jogados em outro console, a não ser quando realizada a sua portagem pelos desenvolvedores. Os consoles ainda não divididos em gerações, tais como PS2, PS3 e PS4. Via de regra, jogos desenvolvidos para uma geração do console não rodam na geraçãosuperior nem inferior. Os requisitos para esta situação eram inicialmente comerciais, mas hoje, na passagem do PS3 para o PS4, também são técnicos. O termo utilizado em Portugal é Consola. O termo inglês console não deve ser traduzido como Caixa, pois ele significa console [de nave, espaçonave, o qual deriva de consola: aparelho

13 televisores domésticos comuns. Após patentear a ideia, Baer desenvolveu, em 1968, um videogame chamado “Brown Box”, com jogos de tiro, futebol e vôlei. Esse foi o primeiro aparelho de videogame comercializado, e o foi por grandes empresas norte-americanas como a Magnavox, a qual lançou no mercado o primeiro console de videogame, qual seja o Odyssey 100, que chegou às lojas em 1972.9 Apesar de parecerem já desenvolvidos, na verdade os jogos sofriam grandes limitações. Sendo insuficiente a tecnologia para gerar todos os pontos de identificação dos elementos do jogo no televisor, era necessário colar na TV cartões plásticos que simulavam os campos em que os jogos ocorreriam, como um campo de tênis ou de futebol. Apesar da necessária complementação, o produto foi, a princípio, um sucesso de vendas, que não vingou por muito tempo10. A popularidade dos jogos só teria início em 1972, por iniciativa de Nolan Bushnell, que juntamente ao amigo Ted Dabney desenvolveu a famosa Atari, nome que reproduz a expressão utilizada ao encurralar um oponente no jogo de tabuleiro denominado “GO”, originário do Japão. Similar, portanto, ao sentido de “xeque” ao Xadrez. A empresa comercializou um console de um único jogo, chamado PONG, que reproduzia a ideia de jogo de Ping Pong dos seus predecessores. Inicialmente como arcade - ou seja, como aparelho eletrônico instalado em lojas de entretenimento, como ainda hoje existe em alguns estabelecimentos, similar, visualmente, a caça-níqueis – e posteriormente com aparelhos domésticos (consoles) de um único jogo, uma grande popularidade desse aparelho digital emergiu, chamando a atenção do mercado para o potencial dos jogos eletrônicos. Parte desse sucesso, inclusive, pode ser atribuído à “pirataria”. O plágio do aparelho para sua comercialização fez sua fama espalhar-se de forma muito mais efetiva.11 Ideias desenvolveram-se, posteriormente, para diversificar a indústria de jogos, como a criação do Zircon/Fairchild Channel F, que inovou ao possibilitar a troca simples de cartuchos – dispositivo móvel com o programa de determinado jogo eletrônico, o qual, concebido para o desfrute de videogames (ver jogo), painel do automóvel ou aeronave a partir do qual ela é controlada. Ambos os termos, console e consola se encontram dicionarizados na língua portuguesa. ". (comentários em colchete e parêntesis do autor). Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 99. 9 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 10 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 11 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015.

14 conectado ao aparelho doméstico, possibilitaria, de fato, jogar, como ainda hoje ocorre, mas por outros dispositivos - para acessar jogos diversificados. 12 Em 1979, a Milton Bradley desenvolveu o primeiro console portátil da história, com muitas características até hoje mantidas por esses jogos, como tela de cristal líquido, uso de baterias e cartuchos, assim como botões embutidos no aparelho. Este aparelho serviu de inspiração para o famoso Game Boy, da Nintendo.13 No Brasil, desenvolveu-se, entre 1977 e 1991, uma política direcionada a todos os produtos envolvendo a área denominada “informática”, tendo por base a reserva de mercado para empresas de capital exclusivamente nacional. Era a chamada Política Nacional de Informática, que pode ser compreendida em 03 (três) fases básicas: entre 1979 e 1984, houve a fase de institucionalização da política, com a criação da Secretaria Especial de Informática em 1979, e promulgada a Lei 7.232/84, que disciplina a política; entre 1985 e 1989, houve a fase de implementação da aludida lei; e entre 1990 e 1991, houve a fase em que a política passou a ser abandonada.14 Com a vigência Lei 7.232/84, proibiu-se a importação dos jogos, por se tratarem de equipamentos considerados relacionados à computação. Do mesmo modo, empresas estrangeiras do ramo não poderiam ingressar no país até que o mercado interno estivesse suficientemente preparado para o comércio internacional. Mesmo em 1977, entretanto, ingressavam no país os primeiros jogos eletrônicos de que se teve notícia.15 Embora, a princípio, a reserva de mercado decorrente da Política Nacional de Informática se dirigisse a microcomputadores e minicomputadores, os videogames, assim como qualquer produto equipado com microprocessadores ou microcontroladores, sofreram igual intervenção.16 Os motivos são facilmente verificáveis no teor da palestra sobre informática proferida pelo General-de-Exército, Joubert de Oliveira Brízida, na 26ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal de São Paulo, em 06 de abril de 1983, enquanto Secretário de Informática da Secretaria Especial de Informática: 12 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 13 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 14 IKEHARA, Hideharu Carlos. A Reserva de Mercado de Informática no Brasil e Seus Resultados. In: Akrópolis – Revista de Ciências Humanas da UNIPAR. v. 5, n. 18, 1997. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015. Pg. 07. 15 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pg. 21. 16 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pg. 23.

15 O mundo testemunha, nos dias de hoje, uma brusca transição nas tecnologias de Informática, e isto deve ser considerado como uma oportunidade para os países menos desenvolvidos porque os nivela temporariamente com quem tem tradição tecnológica, (sic) é mister que essas sociedades se conscientizem para o fato de que, em tempo de revolução tecnológica, quem é fraco deve tornar-se inovador. (…) A atuação da SEI [Secretaria Especial de Informática] é pautada em onze diretrizes enunciadas pelo Presidente da República que, em essência, expressam as seguintes orientações: Em primeiro lugar, deve ser perseguido o objetivo de capacitar o País para desenvolver e produzir equipamentos, “software” e serviços de informática, assim como seus insumos essenciais – particularmente os componentes eletrônicos – viabilizando, com isto, a indústria brasileira do setor. 17

Segundo avaliação do secretário, em mesma oportunidade, a Política Nacional de Informática vinha alcançando seus objetivos, como demonstrariam os diversos dados por ele apresentados: A SEI procura induzir as empresas consumidoras de produtos e serviços de informática à preferência pela empresa e pela tecnologia brasileiras. O saldo de tais medidas pode ser avaliado com (T-5) os seguintes números: Em 1976, a participação da indústria brasileira no mercado era praticamente nula. Quatro anos após, em 1980, de 8.800 (oito mil e oitocentos) computadores instalados no País, 17 por cento já eram brasileiros. Em 1981, as máquinas existentes subiram para 14.249 (catorze mil, duzentos e quarenta e nove) e a fatia ocupada pela indústria nacional também subiu: 42 por cento. Em 1982, os dados ainda não tabulados mostram que o parque cresceu para aproximadamente 23.000 (cinte e três mil) máquinas, metade das quais fabricadas pela indústria brasileira. Em valor, o salto também foi expressivo. Em 1980, para um parque de 1,65 bilhões (sic) de dólares, a participação da indústria brasileira chegou a 7 por cento. Em 1981, o valor do parque chegou a 2,14 bilhões de dólares e a indústria nacional participou com 14 por cento. Os primeiros dados de 1982, mostram que o valor do parque ascendeu a 2,5 bilhões de dólares e que a participação nacional subiu para significativos 20 por cento. A SEI já tomou a iniciativa de introduzir os fabricantes nacionais a promoverem o salto tecnológico que os permita produzir em nosso território equipamentos de porte maior que os atuais. Espera-se, com isso, ocupar a faixa internacionalmente conhecida como dos “Superminis”. Em junho, a SEI receberá os projetos e realizará a pré-qualificação das empresas; dois meses depois, espera-se ter a totalidade das informações para a decisão final.18

À época, a Política Nacional de Informática ainda não era regulamentada por lei. 17 BRIZIDA, Joubert de Oliveira. Palestra – Informática: Modelo Institucional Brasileiro. D.O.E. Seç. 1, São Paulo. 93 (066), sábado, 9 abr. 1983. Disponível em . Acesso em 02 de novembro de 2015. Pg. 26. 18 BRIZIDA, Joubert de Oliveira. Palestra – Informática: Modelo Institucional Brasileiro. D.O.E. Seç. 1, São Paulo. 93 (066), sábado, 9 abr. 1983. Disponível em . Acesso em 02 de novembro de 2015. Pg. 26.

16 Passou a sê-lo com a edição da Lei 7.232/84, vigente até os dias atuais, mas não mais com uma série de dispositivos que tornavam clara a intenção de proteger o mercado interno, fortalecendo-o, em tese. A maior parte desses dispositivos foi revogada em 1991, pela Lei 8.248/91, que dispõe acerca da capacitação e competitividade nos setores de informática e automação. Talvez os dispositivos mais emblemáticos dessa política sejam os 9° e 11° daquela lei, porquanto exprimiam a intenção de tratamento diferenciado do setor privado, bem como dos entes públicos, para com a contratação junto ao setor privado, possibilitando proteção e desenvolvimento das empresas nacionais19. É ainda pertinente abordar outros de seus dispositivos revogados. O artigo 13° permitia a concessão isolada ou conjunta das sete modalidades de incentivos que trazia em seus incisos, incluindo a isenção ou redução, parcial ou total, das alíquotas do Imposto sobre a Importação de diversos insumos necessários para a criação de produtos classificados como de informática; a isenção ou redução, parcial ou total, das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros; assim como a isenção do Imposto sobre a Exportação. O artigo 14 previa que as empresas nacionais produtoras de determinados insumos eletrônicos, além dos benefícios do artigo 13, ainda poderiam ser agraciadas com uma redução do lucro tributável para efeito do Imposto sobre a Renda. De forma similar, o artigo 15 determinava essa mesma redução para empresas nacionais que desenvolvessem softwares20 de relevante interesse para o sistema produtivo brasileiro. Para além disso, o artigo 21 definia que, dos exercícios financeiros de 1986 a 1995, qualquer pessoa jurídica poderia deduzir até 1% do Imposto sobre a Renda se a importância equivalente fosse revertida em novas ações de empresas nacionais com atividade única ou principal de desenvolver bens e serviços na área de informática. Já o artigo 22 excepcionava o atendimento a condições trazidas no artigo 12, mesmo valendo-se de tecnologia proveniente do exterior, para hipóteses em que o mercado interno não fosse capaz de atender as suas 19 BRASIL. Lei n° 7.232, de 29 de outubro de 1984. Dispõe sobre a Política Nacional de Informática e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 07 de setembro de 2015. 20 "[t.en: Software] Neologismo que designa um programa computacional construído para realizar determição (sic) ações em colaboração com o seu usuário ou não. Softwares são: editores de texto, planilhas de cálculo, calculadoras, modeladores tridimensionais, editores de imagens e pintura digital, etc. Via de regra, todo programa de computador é um software quando em execução: plug=ins e até vírus são softwares. Neste caso, os própiros Motores de Jogos recaem sob este conceito, ainda que sejam tratados diferenciadamente. Ainda: software é considerado tecnicamente qualquer conjunto de instruções legíveis por uma máquina que é controlada por um processoador a fim de realizar operações específicas. Uma combinação de hardware e software constitui um sitema de computação utilizáveis.". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pga. 129-130.

17 necessidades efetivas com bens ou serviços considerados relevantes para atividades científicas e produtivas internas. É curioso que uma modalidade de isenção restou vigente. O artigo 26 da referida norma inibe a incidência tributária de alguns impostos em caso de produção ou exportação de bens de informática ou importação de peças de informática em Distritos de Exportação de Informática. Tais distritos, a teor do artigo 25, tratam-se de municípios das áreas da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que sejam indicados pelo Poder Executivo e nomeados dessa forma pelo Congresso Nacional21. Resta claro, portanto, que as medidas de proteção do mercado interno dificultavam sobremaneira o ingresso de jogos eletrônicos no país. Contudo, aparentemente valendo-se do Ato Normativo da Secretaria Especial de Informática n° 022/82, as empresas nacionais de jogos passaram a efetuar cópias da aparelhagem de jogos de outros países, limitando-se a alterar sua denominação e sem pagar qualquer valor a título de direitos autorais. 22 Tal ato normativo regulamentou o sistema de registro de programas de computador, definindo o que se consideraria por “programa de computador”, de forma bastante ampla, em seu art. 1°, §1°, como “um conjunto de instruções que possa, uma vez exteriorizado em suporte físico decifrável por máquinas automáticas de registro e tratamento de dados e informações, fazê-las funcionar de modo e para fins determinados.”23. Com a referida definição, certamente os jogos eletrônicos, que são, por essência, programas, estariam regulamentados pelo ato normativo. Importa, então, verificar a classificação que o ato implicou para todos os programas, subdividida em três categorias apresentadas no artigo 3°: I - CATEGORIA A: os comprovadamente desenvolvidos no País por pessoas físicas aqui residentes e domiciliadas ou por pessoa jurídica que, regularmente constituída no Pais, tenha aqui sede e foro, esteja, em caráter permanente e exclusivo, sob o controle decisório, tecnológico e de capital de pessoas físicas residentes e domiciliadas no Pais. II - CATEGORIA B: os desenvolvidos no exterior, de relevante interesse para o Pais, sem alternativa nacional, cuja tecnologia de programa e direitos de exploração econômica no Pais, assim como as obrigações relativas aos 21 BRASIL. Lei n° 7.232, de 29 de outubro de 1984. Dispõe sobre a Política Nacional de Informática e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 07 de setembro de 2015. 22 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pg. 23. 23 BRASIL. Ato Normativo da Secretaria Especial de Informática n° 022/82. Dispõe Sobre o Registro dos Programas de Computador, de origem interna e externa, postos à disposição do público no mercado interno. Diário Oficial. Seção I. Terça-feira, 7 DEZ 1982. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015.

18 correspondentes serviços complementares (atualização, manutenção etc), consoante contrato apropriado, previamente averbado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, tenham sido efetivamente transferidos a empresas nacionais especializadas e capazes de prestar com pessoal próprio, no Brasil, os referidos serviços complementares e para desenvolver novos programas ou serviços; III - CATEGORIA C: os programas que não se enquadrarem nas categorias anteriores.24

É interessante conhecer a classificação pois o artigo 3°, em seu parágrafo único, alínea “b”, ainda classifica os programas de computador de categoria A, funcionalmente equivalentes a programas de outras categorias, como “alternativa nacional”. Assim também seriam denominados os programas de categorias B e C que, a critério da Secretaria Especial de Informática, fossem adaptáveis ou desenvolvíveis no Brasil. Com esse registro, portanto, assegurar-se-ia a preferência das alternativas nacionais nas contratações junto ao setor público, bem como os benefícios, principalmente tributários, já apresentados. Essa clara intenção pode ser extraída da já aludida palestra do Secretário de Informática, General Joubert de Oliveira Brízida: “Software” Decreto de outubro de 1982 instituiu o registro de “Software” e o Ato Normativo n° 22-82 o Regulamentou. O registro disciplina o uso de programas de computador, particularmente por parte dos órgãos governamentais, com o objetivo de estimular a produção local e gerar economia de divisas. Esse registro é instrumento de controle da comercialização dos produtos e um inibidor do contrabando, já que o “Software”, por ser impalpável e intangível, apresenta características que facilitam sua entrada ilegal no País. Mas o registro é principalmente eficaz no combate à importação redundante e também favorece a produção no Brasil de programas para computadores de fabricação nacional. 25

A um só tempo, o órgão governamental reconhece a existência de contrabando de programas de computador e apresenta um interesse em controlar a produção e comercialização deles no país. De todo modo, com a série de vantagens à fabricação nacional e entraves à estrangeira, os primeiros jogos comercializados legalmente eram fabricados no país. Havia relógios com jogos, como o denominado Casio Game-10, que conquistou considerável 24 BRASIL. Ato Normativo da Secretaria Especial de Informática n° 022/82. Dispõe Sobre o Registro dos Programas de Computador, de origem interna e externa, postos à disposição do público no mercado interno. Diário Oficial. Seção I. Terça-feira, 7 DEZ 1982. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015. 25 BRIZIDA, Joubert de Oliveira. Palestra – Informática: Modelo Institucional Brasileiro. D.O.E. Seç. 1, São Paulo. 93 (066), sábado, 9 abr. 1983. Disponível em . Acesso em 02 de novembro de 2015. Pg. 26.

19 sucesso, bem como os denominados telejogos e alguns jogos de bolso, a exemplo da série Game & Watch da Nintendo. Os dois anteriores visivelmente guardavam traços de semelhança com um jogo denominado PONG, da Atari, criado em 1974, mas foram fabricados parcialmente no país. Os jogos, na verdade, já ingressavam em território nacional totalmente programados, gravados na memória dos aparelhos, motivo pelo qual não havia como incluir neles uma maior variedade de jogos.26 O mais memorável desses jogos foi o Telejogo, lançado pela empresa Ford no país em 1977, através de sua divisão Philco-Ford, ao preço de 1.600 Cruzeiros, algo que equivaleria hodiernamente a cerca de R$ 1.150,00 (mil, cento e cinquenta reais). Esse foi o primeiro “jogo de vídeo” (videogame) lançado de forma oficial no país, dispondo de dois controles e uma variedade de 03 (três) jogos: Futebol, Tênis e Paredão. Já os relógios com jogos passaram a ser comercializados nacionalmente em 1981. O sucesso dos jogos, entretanto, não se manteve apenas entre os legalizados. O contrabando prosseguiu, pois os jogos sofriam constante sofisticação internacionalmente.27 Exemplificativamente, jogos como Space Invaders, da Atari, o qual comercializou 10 milhões de exemplares até 1982, segundo o Guinness World Records Gamer's Edition, ingressaram por contrabando no país, seja por ingresso de turistas com os aparelhos, seja por comerciantes que os adquiriam na Zona Franca de Manaus, nos Estados Unidos da América ou no Paraguai. O Grupo IGB (atual IGB Eletrônica, fundada com o nome Gradiente) encomendou, em 1983, uma pesquisa, segundo a qual haveria, à época, 80 mil consoles de videogame instalados no Brasil.28 A indústria brasileira parecia se dedicar à montagem e adaptação desses jogos. Alguns jogos utilizados necessitavam de uma tecnologia não disponível no Brasil para funcionar em cores. Essa carência de tecnologia levou diversos técnicos a criarem adaptações nacionais para que os jogos passassem a funcionar em cores. Além disso, diversos consoles que se valiam de cartuchos eram comercializados com uma baixa variedade de jogos. Então, empresas como o Canal 3 tiveram de fabricar nacionalmente cartuchos, utilizando-se dos programas de jogo importados para naqueles inserir mais jogos, em dispositivos adaptados para funcionar nos aparelhos aqui disponíveis. Somente assim foi possível atender à demanda nacional, que, em meados da década de 80, girava em torno de 2 mil cartuchos por mês. Em 26 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pg. 25. 27 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 25-30. 28 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 33-34.

20 fevereiro de 1983, a Dynacom alcançou a marca de 10 mil exemplares vendidos mensalmente.29 Como visto, a Política Nacional de Informática acabou não conseguindo vedar a comercialização de produtos ligados a jogos eletrônicos oriundos do exterior. Seu protecionismo acabou gerando a necessidade de que uma espécie de plágio fosse operada por indústrias nacionais para que tais produtos fossem aqui comercializados. A adaptação das empresas nacionais ao mercado externo, no tocante aos jogos, não levou à criação de programas de jogos ou de plataformas originais, mas à adaptação de aparelhos à tecnologia disponível no país para que os jogos aqui fossem funcionais e pudessem ser comercializados. Dois fatores curiosos demonstram isso claramente. O primeiro deles foi a “engenharia reversa” operada aqui por engenheiros e técnicos para descobrir a tecnologia criada pela Atari para aprimorar o sistema de gerenciamento de memória de dispositivos, permitindo a execução de jogos mais complexos, de modo que fosse possível, ao extrair os jogos dos sistemas de armazenamento em que vinham contidos para o Brasil, armazená-los e regravá-los em dispositivos aqui desenvolvidos, adaptados à tecnologia nacional. 30 O segundo diz respeito à prática de registro de marcas estrangeiras no Brasil, ato que, à luz da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, de 1967, segundo o artigo 10° bis, configurariam clara prática de concorrência desleal, especialmente pelo disposto no item 3, subitem 1°, segundo o qual há proibição especial contra atos capazes de causar confusão com outro estabelecimento, outros produtos e outras atividades industriais ou comerciais de um concorrente. Cumpre lembrar que a referida convenção foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico em 1974, pelo Decreto Legislativo n° 78, de 1974. Apesar disso, a prática era corriqueira, como demonstra o seguinte excerto: A marca Atari, por incrível que pareça, já havia sido registrada no setor de marcas e patentes do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). O responsável? O Sr. Joseph Maghrabi do Canal 3. Em entrevista à Jogos 80: “Inclusive, à época em que o Atari Polyvox seria lançado, fui procurado por eles, pois queriam saber se poderiam comercializar o Atari, uma vez que a marca – Atari – estava registrada por mim. Além disso, a Atari Eletrônica Ltda. estava devidamente registrada na Jucesp (junta comercial de São Paulo). Creio que eles temiam uma ação judicial de minha parte”. O Sr. Joseph foi realmente procurado por executivos da Polyvox que propuseram um acordo de cavalheiros a fim de que a marca pudesse ser usada. “Informei-lhes, então, que eu não tinha interesse na fabricação do console. Combinou-se que fabricariam o hardware, e eu, o software. Já tinha mais de 29 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 34 e 37. 30 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pg. 37.

21 oitenta títulos de jogos e a Polyvox tinha cinco ou seis”. De uma maneira interessante, era muito comum à época que brasileiros registrassem marcas de empresas estrangeiras. O exemplo mais famoso talvez seja o do empresário Matias Machline, que registrou o nome “Sharp” e, consequentemente, conseguiu uma parceria com aquela empresa quando os japoneses quiseram entrar no país. (…) A cópia era tão descarada que o próprio engenheiro [da empresa Sayfi Computadores] não se intimidava, e em uma entrevista à revista Veja de 25 de maio de 1983 afirmou: “Faço como os japoneses, copio tudo”. Ainda em entrevista, desta vez à Vídeo News n° 10, o engenheiro comentava: “Desmontamos o Atari e analisamos como funciona. Alguns componentes mandamos fazer aqui, os chips serão feitos por uma empresa americana. Nossa política é igual à dos japoneses: nada se cria, tudo se copia. Se deu certo com eles, por que não daria conosco?”31

Esses fatores pareciam até essenciais para competir no mercado brasileiro, já que iniciativas como a da Bit Eletrônica, com a criação do videogame Top Game, não puderam competir com as demais que plagiavam descaradamente outras marcas. Nem mesmo a iniciativa de criar um adaptador para que jogos de outras empresas nesse aparelho funcionassem foram capazes de garantir sua subsistência no mercado. 32 Com isso, assiste-se à produção de um efeito totalmente antagônico: enquanto pretendia-se possibilitar um mercado autônomo e forte no Brasil, gerou-se, na verdade, um mercado em que só era capacitado para competir quem aderisse à prática, nada controlada, de copiar jogos estrangeiros, ou seja, introduzir produtos estrangeiros no Brasil sob a fachada de marcas nacionais. Consolidado, o mercado diversificou-se. Com a forte indústria de cartuchos “nacionais”, passaram a existir locadoras dos aparelhos e dos próprios cartuchos, também denominadas clubes de vídeo ou clubes Atari. Também passaram a haver pequenas competições, demonstrando que o público, da mesma forma como o interesse, eram crescentes.33 Na mesma época, como se pôde perceber, o mercado de jogos atraiu empresas estrangeiras a comercializarem, aqui, seus produtos, antes que o perdessem para réplicas nacionais de suas marcas e produtos. Isso pois, diversamente do que se possa imaginar, o público dos jogos era, desde então, todo o complexo formado pela família brasileira, contingente bem mais extenso que meramente as crianças e adolescentes desses núcleos de afeto.34 31 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 44-45. 32 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 275-287. 33 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 52 e 56. 34 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pg. 64.

22 Apesar disso, os consoles que tanto sucesso fizeram na década de 80, especialmente das marcas Odyssey, Atari, Intellivision e SpliceVision, perderam espaço, na década de 90, para os microcomputadores, que também suportavam jogos, além de terem diversas outras funcionalidades. Tal fenômeno ficou conhecido como “Crash dos Videogames”, uma linguagem que se reporta ao contexto específico dos jogos. Crash é um termo utilizado, em linguagem comum a ambientes de jogos e computação, quando o computador para de funcionar de forma repentina35. Desse modo, a expressão pode ser entendida como a Quebra da Indústria de Jogos. Os microcomputadores, por não dependerem das limitações do cartucho, suportavam jogos muito mais elaborados. Outro fator que influenciou o fim dos antigos jogos existentes no Brasil foi a chegada de novos aparelhos orientais, especialmente da marca Nintendo, superando a geração de jogos antiga.36 O fracasso da antiga geração de jogos também foi atribuída à gigantesca quantidade de jogos de baixa qualidade no mercado estadunidense. A recuperação desse setor da indústria deu-se justamente por iniciativa da Nintendo. Curiosamente, a empresa tentou, num primeiro momento, vender à Atari seu primeiro console, o Famicom, acrônimo de Family Computer (em tradução livre, computador da família), que havia sido desenvolvido em 1983. Recusada a oferta, a empresa japonesa ingressou no mercado americano para comercializar seu próprio produto. Para garantir maior segurança aos lojistas, ainda temerosos pela quebra da indústria de jogos, a Nintendo criou vários acessórios aos jogos eletrônicos, comercializando-os juntamente a esses, criando como que um misto entre brinquedo e videogame. Além disso, a empresa valeu-se de tecnologia avançada, forte campanha publicitária, variedade de jogos com alta qualidade e times de desenvolvimento altamente qualificados, responsáveis pelo desenvolvimento de grandes sucessos como Mario e Zelda.37 O ingresso dos jogos orientais coincidiu, no Brasil, com a revogação de diversos benefícios, como os já mencionados nesse trabalho monográfico, resultantes da Política Nacional de Informática. A revogação da maior parte dos dispositivos que incentivavam, em tese, a produção nacional se deu pela Lei n° 8.248/91, que dispunha acerca da capacitação e competitividade nos setores de informática e de automação. 35 UNIVERSITY OF OXFORD. Oxford Advanced Lerner's Dictionary. Ed. 7. Brazil: Oxford University Press, 2005. Pg. 358. 36 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 261-264. 37 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015.

23 A referida lei redefiniu empresas brasileiras de capital nacional, qualificando-as como pessoas jurídicas, com sede no Brasil, que estivessem sob o controle efetivo e permanente de titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país, ou entidades de direito público interno. Traçada a definição logo no primeiro artigo, o segundo demonstrou a quebra da exclusividade de benefícios, ao possibilitar que empresas não qualificadas como no dispositivo anterior pudessem gozar dos benefícios legais, contanto que comprovassem contribuir para a capacitação nos setores já aludidos38. Essa lei estendia às empresas nela qualificadas a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), regulamentado pela Lei 8.191/91, bem como determinava a redução de impostos com termo final definido. Apesar disso, diversos prazos limites já foram alterados, para serem estendidos, de modo que algumas reduções de impostos agora vigorarão por mais uma década. As definições dos artigos 1° e 2°, assim como outros benefícios exclusivos a empresas brasileiras de capital nacional, foram revogados apenas em 2001, pela Lei 10.176/01, de forma a manter a outra lei vigente, mas removendo os benefícios exclusivos e muito específicos. Retornando à história dos jogos, viu-se, em 1987, surgir o famoso console portátil Game Boy. O aparelho, no qual surgiu, pela primeira vez, o jogo intitulado Pokémon, o qual se diversificou entre séries de animação, jogos de cartas e diversos outros jogos, existindo até os dias atuais, entrou para o Guiness Book como o videogame mais bem-sucedido e duradouro da história. O console havia se tornado o mais popular do século XX.39 A restauração da indústria de jogos pela Nintendo foi notável. Seu Nintendo Entertainment System, somado a outras iniciativas, chegaram a lhe assegurar 90% do mercado americano.40 Mas isso não arrefeceu o mercado de microcomputadores, aparelhos que também permitem o uso de jogos. Os computadores da série AMIGA41, ou Commodore Amiga, de uma fabricante canadense de nome Commodore (ou Comodore Business Machines), fizeram considerável sucesso em 1985, principalmente na Europa, com conteúdo multimídia e jogos com maior sofisticação. Contudo, essa linha entrou em declínio com a chegada do sistema 38 BRASIL. Lei n° 8.248, de 23 de outubro de 1991. Dispõe sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 39 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 40 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 41 Não se trata de uma sigla e não há notícia de que se reporte à palavra homônima da Língua Portuguesa.

24 operacional Windows ao mercado, comercializado mundialmente já em 1992. A Commodore faliu em 1994, mas o mercado de microcomputadores apenas crescia.42 Foi apenas o Playstation, resultante, por ironia do destino, de um projeto entre a Nintendo e a Sony que foi desfeito antes de seu desfecho, que veio a superar o sucesso dos consoles da Nintendo. A Sony se aproveitou e finalizou sozinha o antigo projeto, passando a ocupar a posição de destaque no mercado de jogos já em 1994.43 A disputa entre empresas também girou em torno de tentativas de monopolização do mercado. Exemplificativamente, em 10 de fevereiro de 2000, foi julgado um recurso pela United States Court of Appeals for the Ninth Circuit (em tradução livre: Nono Circuito da Corte de Apelação dos Estados Unidos), em ação por meio da qual a empresa Sony Computer Entertainment alegava violação a direitos autorais pela Connectix Corp., porquanto esta última criara um adaptador que permitia a funcionalidade de jogos daquela empresa em computadores. O caso, denominado Sony Computer Entertainment v. Connectix Corp., teve decisão favorável à Connectix, pois, conforme o entendimento da egrégia corte, o processo de engenharia reversa, bem como a reprodução de elementos dos jogos da Sony, com a finalidade de desenvolver um produto novo, com funcionalidades diversas, não feriam direitos autorais.44 A corte analisou: a natureza do trabalho protegido pelos direitos autorais, considerando-a diversa da utilizada pelas empresas; quantidade e substantividade da porção do produto alheio utilizada pela Connectix para produção de seu adaptador, concluindo-se pelo uso desnecessário de diversas cópias de peças protegidas pelos direitos autorais, o que pesou pouco em seu desfavor, conforme manifestou-se a corte; o propósito e caráter do uso do produto desenvolvido, que foram considerados diversos se comparados aos da Sony; e o efeito do uso sobre o mercado potencial, reconhecendo que haveria redução da clientela da Sony, mas não por violação aos direitos autorais, sendo, portanto, favorável ao mercado, coibindo o monopólio.45 Dessas conclusões é que resultou a prevalência do pleito da Connectix. Dois fatores interessantes resultaram da decisão: percebeu-se que o processo de engenharia reversa, ao menos no forte mercado de jogos estadunidense, era legal, ainda que os 42 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 43 TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. 44 Estados Unidos da América. Sony Computer Entertainment v. Connectix Corp., 203 F.3d 596 (9th Cir. 2000). Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 45 Estados Unidos da América. Sony Computer Entertainment v. Connectix Corp., 203 F.3d 596 (9th Cir. 2000). Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015.

25 engenheiros reproduzissem diversas vezes as partes físicas dos aparelhos e identificassem a codificação nelas insertas, ainda que ocultas; e concluiu-se que a vedação a esse processo consistia em uma tentativa de monopolizar o mercado. A esse respeito, a corte concluiu, com base em precedente, que a tentativa de monopólio, por meio da impossibilidade de competir, seria contrária ao propósito de promover a expressão criativa. Dessa forma, a resistência ao processo de engenharia reversa não seria capaz de constituir uma base forte e equitativa para resistir à invocação da doutrina de proteção aos direitos autorais.46 No Brasil, mais tempo se passou, até que, finalmente, em 2001, foram anunciados, pela Sony, Microsoft e Sega, jogos online47 para 200248. Com a crescente acessibilidade a computadores e expansão do fenômeno da internet49, possibilitou-se que relações entre jogadores se estabelecessem via console ou microcomputadores, a partir do próprio ambiente doméstico de cada jogador. Isso não significa que o acesso à internet, por tais aparelhos, não fosse possível anteriormente. Contudo, foi preciso que eventos como a superação da crise que os jogos enfrentaram e a aquisição de certa estabilidade das empresas desenvolvedoras de jogos no mercado, bem como a constante demanda por inovações pelos jogadores, todos convergissem para a utilização da internet como meio de conexão dos jogadores aos jogos eletrônicos. A Microsoft cumpre a promessa, disponibilizando a plataforma online50 para sua

46 Estados Unidos da América. Sony Computer Entertainment v. Connectix Corp., 203 F.3d 596 (9th Cir. 2000). Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 47 "[t.en: Game on-line] O termo online já foi dicionarizado e significa na rede, na internet, na WEB – o online tange a ideia de em tempo real, mas nem sempre esta promessa é garantida. Quando dizemos um jogo online, queremos dizer que o jogo está na Web e utilizamos a um site (ou ao jogo na Web) ou cliente (ver Game Client) para jogá-lo. O termo abrange inúmeras situações – estar online em um jogo pode também significar que estou jogando o jogo no modo Stand-alone (na minha máquina), mas conectado online (na rede), em tempo real, com meus companheiros de jogo, em um jogo multijogador – daí o termo MMORPG, jogos de RPG online com multijogadores. (Jogo na Web).". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 114-115. 48 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 49 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 58. 50 "[t.en: Online] Anglicismo dicionarizado na lígua portuguesa. Termo técnico que foi dicionarizado com hífen e sem hífen: online e on-line. De acordo com o novo acordo ortográfico, ele será adotado sem hífen, deixando a sua grafia na forma inglesa: online (ambos as formas, com e sem hífen persistem no inglês). Seu signficiado é: (1) atividade desenvolvida por / por meio / na Internet (que também é chamada de Web ou Rede); (2) programas (Softwares), funções e serviços que são exercidos, acionados ou usados na rede e que nela se situam e os acessamos via navegadores de rede (Browsers).". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 121.

26 linha de console Xbox em 200251. Através dos consoles Xbox, desde que o usuário tivesse conectividade com a internet, seria possível acessar a plataforma, até hoje existente (http://www.xbox.com/pt-BR), para adquirir jogos e jogar juntamente a outras pessoas à distância. Diversos desses recursos são, ainda, exclusivos apenas para os dispostos a contratar serviços onerosos, não disponíveis, portanto, gratuitamente, incluindo o recurso de jogar com outros jogadores (comumente denominado de multiplayer online). A estratégia não serviu apenas para possibilitar um serviço inovador, mas, também, para vigiar e punir condutas que e empresa não admitia, pois, tendo início o serviço em 15 de novembro, a empresa cuidou de banir permanentemente qualquer usuário que acesse o Xbox Live por meio de um console modificado.52 Já a Sony lança, em 28 de agosto do mesmo ano, um adaptador para a conexão do console PlayStation 2 à rede mundial, tanto por conexão discada quanto por banda larga.53 Halo 2, da Microsoft, criado para o console Xbox no fim de 2004, permitia a interação online entre jogadores. O jogo ainda é comercializado, na versão Halo 5, tendo permanecido a possibilidade de jogá-lo online. Contudo, o sucesso avassalador dos jogos online no Brasil ocorreria em decorrência dos jogos Ragnarök Online e World of Warcraft. A empresa Silicon & Synapse, fundada em 1991 na Califórnia, Estados Unidos da América, desenvolveu jogos para console até que, em 1994, após alterar seu nome para Blizzard, lançou um jogo para microcomputadores, o famoso Warcraft: Orcs and Humans. Também se destacou pelas produções para jogos de microcomputadores a empresa Valve, fundada em 1996 por funcionários que haviam deixado a Microsoft, os quais desenvolveram títulos como Half-Life, em 1998, e o famigerado Counter Strike. Foi do sucesso dos jogos da linha Warcraft que resultou aquele outro, o World of Warcraft. Noutra parte do mundo, foi criada a empresa Nexon, em 1995, na Coreia do Sul, que produziu um dos primeiros jogos da categoria MMORPG (Massively Multiplayer Online Role Playing Game), denominado The Kingdom of Winds, já em 199654. O jogo Ragnarök Online, lançado na Coreia do Sul em 31 de agosto de 2002 para o sistema operacional Microsoft Windows, portanto especificamente para microcomputadores, tornou-se um sucesso. Não por outro motivo, o jogo foi disponibilizado para o mercado 51 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 52 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 53 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 54 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 54.

27 estadunidense no ano seguinte, assim como para o público europeu em 2004. No Brasil, entretanto, o explosivo sucesso se iniciou em 2005, quando o jogo desembarcou em nossa pátria. Ao fim do ano, o jogo, lançado em janeiro, já tinha 800 mil usuários cadastrados.55 O jogo World of Warcraft, criado a partir da série de jogos Warcraft, da empresa Blizzard Entertainment, lançado em 2004, fez, de igual modo, sucesso em todo o mundo, chegando à marca de 5 milhões de jogadores ao redor do globo em pouco tempo. Em 2008, esse número já era de 11 milhões de assinantes56. Nesse jogo houve, por longa data, entraves de jogabilidade e linguísticos aos brasileiros, uma vez que, embora acessível do Brasil, seu idioma era o inglês e a localização dos servidores de acesso ao jogo era fora do país. Quanto a esse último fator, é relevante destacar que, quanto mais longe, maior o tempo para que ocorra a “comunicação” entre o microcomputador a partir do qual se acessa o jogo e o servidor da empresa, em que o jogo encontra-se alocado. Como os jogos possuem interação simultânea de vários jogadores, aqueles próximos ao servidor visualizavam tudo ocorrer em “tempo real”, enquanto que, pelo tempo adicional de troca de dados, os jogadores de outros países, inclusive no Brasil, sofriam o que se chama de “Lag” (em tradução livre, atraso). O efeito pode ser exemplificado por aqueles momentos em que um repórter fica parado em silêncio, após a pergunta do apresentador de um programa, esperando que a informação chegue a ele para que possa responder, tempo que é aumentado pelo que a informação leva para retornar ao apresentador. Os jogadores enfrentavam algo parecido. Sem dúvida, esses fatores fizeram o jogo menos acessível e atrativo, até que, em 2011, ele foi oficialmente lançado no Brasil, agora sim com um tempo de “comunicação” razoável e em português. Antes disso, o Ragnarök Online, já em português, disponível com servidores localizados no país desde 2005 e valendo-se de recursos que faziam o jogo relativamente funcional mesmo em microcomputadores antigos e lentos, atingia notável sucesso. Cabe comentar que os últimos dois jogos mencionados enquadram-se na categoria de MMORPGs, sigla para Massively Multiplayer Online Role-Playing Game,57 uma subcategoria 55 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 56 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 07 de outubro de 2015. 57 "Os MMOPRGs são uma subcategoria dos MMOGs [Massively Multiplayer Online Game ou, em tradução livre, Jogo Massivamente Jogado pela Rede Mundial de Computadores] e são jogados simultaneamente por milhares de jogadores pela internet, exigindo que os usuários instalem programas clientes em seus Pcs. As desenvolvedoras passa a ser também prestadoras de serviços, pois mantém servidores que processam todas as entradas dos usuários conectados, garantindo a evolução do jogo". (...) "Em jogos do estilo MMORPG (Massively Multiplayer Online Role Playing Games) jogadores assumem personagens individualizados e

28 dos MMOGs58. Em tradução livre, o termo corresponderia a “Jogos de Faz de Conta (ou de Interpretação) Massivamente Jogados Simultaneamente por meio da Rede Mundial de Computadores”. O termo reporta-se a jogos de RPG (Role-Playing Game), em que grupos se reúnem, assumem papéis de interpretação distintos e interagem em uma história guiada por um sistema pré-estabelecido, em que cada personagem interage com o ambiente fictício segundo as características que escolheu para si (por exemplo, de acordo com sua raça, como elfo e humano; e classe, como bardo ou guerreiro). Conforme sugere a denominação, os MMORPGs aproveitam-se dessa dinâmica em jogos acessíveis pela internet, unindo diversos jogadores simultaneamente em um ambiente fictício. Em regra, nessa modalidade os jogadores selecionam uma personagem e escolhem as características dela, como a raça, classe, habilidades e atributos iniciais, cor da pele, proporções do corpo etc. É com essa personagem que o jogador interage com outros jogadores dentro do jogo e participa das diversas dinâmicas disponíveis. A título exemplificativo, no jogo Ragnarök Online, o jogador cria uma personagem que será sempre da classe aprendiz, podendo distribuir alguns pontos entre as cinco linhas de investimento, cada uma com uma funcionalidade diversa e que demanda estratégia do jogador. São elas: força, destreza, inteligência, sorte e agilidade. Essa personagem, com “nome” determinado pelo jogador, após enfrentar algumas criaturas, comumente denominadas genericamente como “monstros”, receberá pontos de experiência, os quais, acumulados suficientemente, farão com que essa personagem, que se inicia em nível 01, torne-se uma personagem de nível 02, esses denominados níveis de “base”. Quando isso acontece, a personagem ganha mais pontos para investir nos atributos. Também existem no jogo os níveis de “classe”. Enquanto aprendiz, a personagem pode adquirir configuráveis, sob a forma de avatares, que só estarão acessíveis aos demais jogadores uma vez que seu titular esteja conectado e jogando. Um aspecto muito importante desse tipo de jogos é o incentivo que se dá à ação colaborativa, ou seja, os jogadores são incentivados a formar grupos e clãs para evoluir seus respectivos personagens Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 55 e 154. 58 "[MMOGs – Massively Multiplayer Online Games] São Jogos Digitais capazes de suportar alto número de jogadores simultâneos por meio da internet, permitindo que eles cooperem ou disputem entre si em larga escala e em âmbito global, dentro de um mesmo cenário, sob as mesmas condições. Disponíveis também para outros equipamentos, tais como os Consoles (de mesa e móveis), bem como para os sitemas Android e iOS, os MMOs podems ser jogados por meio de uma cópia do jogo instalada em equipamento local conectado à internet, ou ainda diretamente na rede, via browser e streaming. A grande maioria dos jogos MMOs não tem um único objetivo ou roteiro com final estabelecido, possibilitando o jogo contínuo por tempo indeterminado, sempre em transformação pela ação dos demais jogadores conectados. Implementando o conceito de mundos persistentes, a grande maioria dos MMOs continua "rodando" e "evoluindo", guardando as informações das realizações e objetivos atingidos por um jogador mesmo após a interrupção de sua sessão de jogo". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 153.

29 experiência até que seu nível de classe, inicialmente 01, chegue ao nível máximo 10. A cada nível, o jogador ganha um ponto para investir nas habilidades específicas de sua classe. Ao atingir o nível máximo de classe e, em algumas circunstâncias, um determinado nível de base, o jogador pode escolher que sua personagem adquira uma nova classe, mais poderosa e que manterá as características da classe anterior (habilidades de classe adquiridas e pontos de atributo investidos). Essa nova classe, por sua vez, atingidas as devidas condições, poderá adquirir uma nova classe, e assim sucessivamente até uma gama limitada, mas extensa, de possibilidades. As habilidades de diversas classes podem ser combinadas com as mais diversas estratégias para enfrentar os desafios criados pela dinâmica do jogo. Alguns jogadores podem até mesmo escolher meramente atingir o nível necessário para obter especificamente a classe que querem apenas para poder com ela interagir com outros no jogo. Como visto, tais jogos caracterizam-se pela necessidade de estratégias, pela multiplicidade de possibilidades e pelo alto nível de interações, as quais são estimuladas pelas ferramentas disponíveis no jogo. Essa complexidade tornou os jogos de tais categorias muito atrativos, pois enquanto outros jogos têm um final inevitável, nesses jogos online, ainda que alcançado o nível máximo e classes poderosas, é possível interagir de diversas formas com outros jogadores, enfrentando missões e desafios antes impossíveis para classes mais fracas. Somando-se a isso o fato de que o servidor armazena as personagens por anos, os jogadores são estimulados a manterem-se jogando-os por tempo indeterminado. Não por outro motivo há, ainda hoje, jogadores que, desde 2005, jogam com suas personagens o Ragnarök Online. Embora a utilização de consoles não tenha sido abandonada, ainda capazes de gerar vistosos lucros, em 2007 a indústria de jogos viu-se na necessidade de produzir jogos que funcionassem em diversas plataformas. Os jogos criados exclusivamente para funcionarem em um determinado console não mais geravam o retorno financeiro esperado. Jogos de console, assim, passaram a ganhar versões para microcomputadores.59 Noutro vértice, vendo oportunidade nos sucessos online, em 2009 algumas empresas começaram a lançar jogos em redes sociais, como Mafia Wars e FarmVille, no Facebook60. Atualmente, existem diversos sites que contém diversos jogos simples que podem ser acessados diretamente do navegador, ou browser. Alguns deles fizeram sucesso e acabaram sendo difundidos em vários sites desse estilo, a exemplo de Pokemon Tower Defense, que 59 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2015. 60 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2015.

30 rapidamente atingiu a marca de 100.000 downloads pouco depois de seu lançamento. O jogo é gratuito

e

pode

ser

acessado

na

página

de

seu

criador,

através

do

link:

. Isso reflete uma realidade atual bastante interessante: existem hoje diversos produtores individuais de jogos, assim como pequenos times reunidos com esse propósito, os quais criam jogos categorizados como indie games. Indie refere-se a independent, de forma que o termo possa ser traduzido como jogos independentes. Voltando à indústria mais tradicional, viu-se que a Nintendo e a Sony, ignorando o potencial do mercado de jogos brasileiro, apesar de reconhecerem que aqui poder-se-ia desenvolver o maior mercado de jogos da América Latina, alegaram em 2008 que apenas ingressariam no Brasil se a carga tributária deixasse de ser tão elevada 61. Apesar disso, a linha oficial de videogames da PlayStation, da Sony, foi comercializada no país já em 200962. Em 2010, várias empresas já comercializavam consoles e jogos a preço e língua nacionais. E aqui também foram desenvolvidos consoles, a exemplo do Zeebo, produzido pela empresa brasileira Tectoy em parceria com a empresa estadunidense Qualcomm63. Também em 2010, quatro novos jogos do estilo MMORPG foram lançados no país: Fly for Fun e Rappelz, da empresa Gala-Net, assim como Shaiya e Grand Fantasia, da empresa Aeria Games64. Os dois primeiros, em 2011, eram disponibilizados por meio de site denominado gPotato, traduzidos para o português. Essa plataforma não mais existe, em decorrência da aquisição da empresa Gala-Net, junto ao seu portal gPotato, pela empresa Webzen, em 201365. Em seu site, essa última acumula diversos jogos do estilo MMORPG, como MU Online, inclusive os já mencionados, mas aparentemente não mais na versão de língua pátria66. Já os aludidos jogos da Aeria Games preservam a tradução para o português brasileiro, possuindo a empresa, hoje, outros dois títulos da categoria já aludida67. Esses jogos aplicam um sistema bem interessante, também adotado no Ragnarök 61 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2015. 62 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2015. 63 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2015. 64 UOL. A História do Videogame. Disponível em: . Acesso em 09 de outubro de 2015. 65 Luci. Anunciado a venda de gPotato da America do Norte e Europa. In: Portal Csi. Disponível em: . Acesso em 13 de outubro de 2015. 66 WEBZEN. Free to Play MMORPG Portal. Disponível em: . Acesso em 13 de outubro de 2015. 67 Aeria Games. Home Page. Disponível em: . Acesso em 13 de outubro de 2015.

31 Online no fim de 2007, consistente na disponibilização de acesso gratuito ao jogo (denominados jogos Free-to-play ou F2P), um forte atrativo para jogadores. Mas esse sistema disponibiliza uma loja eletrônica para itens do jogo, auferindo lucro por meio de microtransações de uma grande escala de itens digitais adquiridos pelos jogadores. No ano de 2014, a Google Inc. destacou, no tocante a jogos, pesquisas realizadas acerca de algumas novidades da época, como Flappy Bird, 2048 e Destiny. Colocados ao lado de dois jogos conhecidos e bastante acessados no Brasil, o Ragnarök Online e o League of Legends, este último do estilo MOBA68, infere-se que esses mantém seu destaque, mesmo frente às famosas novidades69. A esse respeito, a força de diversos jogos massivamente jogados (não necessariamente MMORPGs) tende a preservar-se no tempo, ao menos àqueles de maior destaque. É evidente que sua fama arrefece, mas por tanto tempo quanto consigam perpetuar os jogos que fizeram grande fama, percebe-se que são capazes de manter, como indica a pesquisa, o interesse de diversos jogadores. Que fique claro, no entanto, que não são apenas gráficos melhores e complexidade que atraem jogadores. É o que demonstram os jogos de sucesso do Facebook, como FarmVille. Segundo Brett Camper, desenvolvedores independentes que fogem à indústria tradicional de jogos têm apresentado uma tendência em desenvolver jogos “retrô”, de forma original70. Talvez um notável exemplo disso seja o jogo Realm of the Mad God (em tradução livre: Reino do Deus Louco). Cuida-se de um jogo sem design sofisticado para os padrões atuais,

disponível

mediante

o

simples

ingresso

ao

sítio

eletrônico:

. Tão “leve” que pode ser acessado diretamente pelo navegador, ao contrário de vários jogos atualmente desenvolvidos, que requerem computadores com elevado desempenho para serem acessados e necessitam da instalação de diversos softwares. E, ainda assim, é um grande sucesso e tem entretido diversas pessoas. Já os jogos contemporâneos de console mantêm a mesma estrutura tecnológica elementar de funcionamento: conecta-se o aparelho do videogame (console) a um televisor; o programa do jogo é interpretado por esse, mediante a conexão de um disco compacto ou 68 "Jogos MOBA. Jogo de Multijogadores de Batalha em Arena. [t.en: MOBA (Multiplayer Online Battle Arena)] São jogos do tipo multijogador nos quais os jogadores participam de batalhas em arenas especialmente preparadas para os combates.". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 114. 69 Google Trends. Tendências do Mundo dos Jogos. Disponível em: . Acesso em 14 de outubro de 2015. 70 CAMPER, Brett. Chapter 9: Retro Reflexivity – La-Mulana, an 8-bit Period Piece. In: PERRON, Bernard (COORD.);WOLF, Mark J. P. (COORD.). The Video Game Theory Reader 2. Routledge Taylor & Francis Group: Nova Iorque e Londres, 2009. Pgs. 169-195.

32 mídia de disco de vídeo digital, que é interpretado por um computador básico inerente ao console. O disco contém dados armazenados, como o estágio em que o jogador havia alcançado antes de deixar o jogo, para que possa continuá-lo 71. Então, o usuário pode interagir com o jogo por meio de diversos dispositivos de entrada, como o controlador de jogo, que pode ser um teclado, mouse, joystick (controlador de visual similar a uma alavanca de câmbio de um automóvel), paddle (controlador que possui poucos, ou até mesmo um único botão e, geralmente, uma “roda”), etc. Os mais atuais incluem botões de direcionamento em forma de cruz, denominados D-pad, ou directional pad (em tradução livre: botão direcional; “pad” pode significar almofada, ou bloco) e múltiplos botões. Hoje, o varejo “físico” encontra-se em declínio (desde 2007), havendo indícios de que permanecerá em níveis estacionários até 2017, mas ainda assim entre os níveis de movimentação financeira de 20 a 25 bilhões de dólares. Os fabricantes de console, cientes disso, criaram redes planetárias digitais de comercialização de seus jogos eletrônicos, através da rede mundial de computadores, com destaque a: Nintendo Network, PlayStation Network (PSN) e Xbox Live. Em 2003, a Valve também lançou a plataforma Steam, que foi um marco na distribuição de conteúdo digital de jogos, até mesmo para os desenvolvedores de jogos, expandindo as possibilidades do comércio eletrônico no ramo 72. Por esse sistema, diversos jogos podem ser adquiridos por preços mais baratos que os praticados em lojas físicas, pela comercialização de CDs e outros dispositivos móveis. Após o pagamento, o software do jogo fica armazenado na plataforma Steam, podendo ser acessado, baixado e instalado pelo jogador em quaisquer de seus microcomputadores. A diversidade também marca a atual indústria de jogos. Pesquisa da ABRAGAMES identificou nove tipos de jogos atualmente existentes: consoles, casuais, emergentes, mercado mobile, Could Gaming, jogos por download, mercado “PC caixa” (jogos para microcomputadores distribuídos por meio de mídias físicas), jogos para TV Digital e Serious Games. Reorganizando-os, a pesquisa definiu quatro categorias maiores: jogos web e mobile, consoles e “PC caixa”, distribuição pela internet e, por fim, serious games. Este trabalho focará alguns jogos MMO, que não chegam a abranger completamente alguma dessas grandes categorias, tomando apenas parte da segunda, já que não há como esgotar, nas limitações do 71 MURPHY, Sheila C. Chapter 10 "This is Intelligente Television" – Early Video Games and Television in the Emergence of the Personal Computer. In: PERRON, Bernard (COORD.);WOLF, Mark J. P. (COORD.). The Video Game Theory Reader 2. Routledge Taylor & Francis Group: Nova Iorque e Londres, 2009. Pg. 201. 72 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 58-59.

33 trabalho monográfico, todas essas atuais dimensões dos jogos digitais. Mas essa escolha trará uma vantagem: jogos de MMOs encontram-se em mercados maduros, embora haja fortes barreiras para o ingresso de empresas na categoria, devido às necessidades de investimento e dificuldades na distribuição73. A escolha dessa modalidade também se deve a seu considerável público. Atualmente, o jogo World of Warcraft conta com 8 milhões de assinantes ao redor do mundo. O sucesso mais atual, League of Legends, da empresa Riot Games, conseguiu reunir 3 milhões de jogadores simultaneamente. No Brasil, a principal distribuidora de jogos da categoria MMOG é a empresa filipina LevelUp! Games, que conquistou seu sucesso aqui por meio do jogo Ragnarök Online, um de seus principais serviços até hoje. A última empresa tem intermediado o ingresso de diversos títulos de sucesso no país, como Guild Wars 2, da produtora ArenaNet74. É necessário destacar a expansão de um modelo de lucro dos jogos MMOGs, conhecido como modelo Free-to-Play (em tradução livre, gratuito para jogar). Na verdade, esses jogos possuem, de gratuito, somente o acesso à obra, uma vez que diversas estratégias são aplicadas para reverterem a participação de jogadores em lucro. Cuida-se de uma tática para conseguir captar jogadores casuais, garantindo-lhes acesso quando desejarem, já que os dedicados são em menor número. São estratégias de lucro dos jogos Free-to-Play: publicidade, pois o jogador aceita receber propagandas insertas antes ou no decorrer do jogo; venda de itens do jogo que expandam a experiência do jogador no ambiente digital, principal fonte de rendas da modalidade (entre 50% e 90% do seu lucro total); modelo freemium (mistura de free, ou gratuito, e premium, ou prêmio, referindo-se a “acesso prêmio”, termo utilizado para quem paga por privilégios), em que se cria distinções entre jogadores gratuitos e assinantes no mesmo ambiente de jogo (cerca de 3% a 5% dos jogadores são desse tipo); e acesso restrito, ou seja, disponibilização de apenas parte do jogo para os jogadores gratuitos, sendo as demais partes adquiríveis por compra, tendo duração limitada ou não. Essa última estratégia é perigosa, podendo fracassar se as limitações não forem bem planejadas75. Segundo a ABRAGAMES, esse modelo deve preponderar como o principal 73 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 63-64. 74 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 154. 75 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 181-183.

34 existente, talvez por mais quatro anos. Sua lógica de lucro é contrária à convencional, em que o jogador “paga, fica e joga”. No modelo Free-to-Play, o jogador segue ordem oposta: “joga, fica e paga”76. Um famoso exemplo dessa transição de jogos Pay-to-Play (pago para jogar) para Free-to-Play (gratuito para jogar) foi o Star Wars: The Old Republic. Lançado em 2011 no primeiro modelo, não tardou a adotar, simultaneamente, o segundo, já em 2012, atraindo um maior número de jogadores77. Por fim, é de essencial importância que se perceba que, em tempos atuais, a indústria de microcomputadores disputa espaço na de jogos. Não é por acaso que a Microsoft, responsável pelos sistemas operacionais da série Windows, assim como por programas altamente utilizados como o pacote Microsoft Office, também ingressou no mercado de jogos, desenvolvendo aparelhos de alta qualidade. Pode parecer que ela tenha optado pelos consoles, mas seus jogos podem ser utilizados, também, em microcomputadores. Um jogador, hoje, ao se deparar com consoles que chegam a custar R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ou mais, muitas vezes tem de optar entre esse aparelho e um microcomputador que, também a valores similares, permitirá o acesso qualitativo a jogos que demandem máquinas de alta performance.

76 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 181-183. 77 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 235-236.

35 3. Direitos da Personalidade – Breve Apresentação Histórica

O Direito Romano não tratou dos direitos da personalidade, como hoje compreendidos, embora vedasse a injúria. Permitia ele que qualquer atentado contra quem fosse considerado pessoa à época pudesse ser tutelado pela ação contra a injúria (actio injuriarum). De igual modo, os gregos não tinham os direitos da personalidade como categoria jurídica específica, dentre eles havendo apenas a ação dike kakegoric, por meio da qual punia-se o desrespeito a interesses morais e físicos. Somente a Carta Magna inglesa, de 1215, bem como a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, aduziram claramente valores relacionados à personalidade humana, como a liberdade. Ambas reconheceram, ainda que implicitamente, tutela à personalidade humana78. A Revolução Francesa de 1789, marco da Idade Contemporânea e, dessa forma, também do direito contemporâneo, deu margem ao surgimento do liberalismo econômico, com grande influência na época. Tal liberalismo visava a substituição da forma de governo monarca, através da qual a nobreza e os monarcas cometiam diversos abusos e atraiam para si diversos privilégios, tornando o Estado, aos olhos da burguesia, um verdadeiro Leviatã. Assim, o direito contemporâneo surge com um ideário libertário, como deixa clara a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em seu artigo 4°79: Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.80

Enfraqueceu-se a dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado, o que possibilitou que se estabelece uma liberdade ampla, permitindo aos particulares realizarem suas vontades sem intromissões de ordem pública. A esse respeito, é relevante traçar a definição de ordem pública interna, para aqueles que adotam a classificação de ordem pública em interna e internacional, importando essa última ao Direito Internacional Privado, enquanto 78 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 170-171. 79 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 03. 80 Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão – 1789. Disponível em: . Acesso em 18 de outubro de 2015.

36 princípio limitador da aplicação da lei estrangeira. Sob o prisma interno, a ordem pública é verdadeira limitação da autonomia e da livre manifestação de vontade dos particulares imposta pelo Estado. Dessarte, é visível o motivo pelo qual quis-se, nesse momento histórico, restringi-lo ao máximo. Eis o que a brilhante autora Maria Helena Diniz aponta, a esse respeito: A ordem pública, por ser um critério axiológico, caracteriza-se pela sua apreciação de conformidade com o forum no momento atual. Como a noção de ordem pública é ambígua, imprecisa e variável no tempo e no espaço, ao órgão judicante caberá, caso por caso, averiguar se a ordem pública está ou não em jogo. (…) As leis de ordem pública interna são as que, em um país, estabelecem os princípios indispensáveis à organização do Estado, sob o prisma social, político, econômico e moral, seguindo os preceitos de direito. Como tão bem define Clóvis Beviláqua, fazendo com que todos caiam sob seu comando, por serem leis marcadas pelo interesse público relevante, não permitem que a vontade individual nelas interfira. A ordem pública interna dita normas que não tenham caráter supletivo ou dispositivo, por ser jus cogens, dirigindo-se a todos os cidadãos que não podem subtrair-se ao seu comando, embora os estrangeiros possam escapar aos seus efeitos. 81

Acreditou-se que a vontade dos particulares, com tamanha margem de liberdade de autodeterminação, guiaria os homens a perseguirem a própria felicidade, possibilitando que alcançassem o máximo bem comum. Contudo, o que houve, de fato, foi o desenvolvimento progressivo da degradação do homem por ele próprio82. No decorrer do século XIX, especialmente com o fenômeno da Revolução Industrial, a liberdade foi instrumento de severos abusos, assegurados pelo direito liberal, que garantia o distanciamento entre Estado e as relações estabelecidas entre os particulares. Viu-se, assim, trabalhadores que advinham do campo submeterem-se às situações mais degradantes de labor e de moradia, sendo forçados a aceitarem longas horas de trabalho, para adquirirem uma remuneração insignificante e viverem em casas insalubres. A ordem jurídica entendia tal situação como justa por definição, já que teria resultado da confluência de duas “livres” manifestações de vontade, formalizando um contrato83. Como resultado desse fenômeno, percebeu-se que a liberdade, sozinha, conduziria à prevalência da liberdade dos mais fortes sobre a dos mais fracos, tendo o próprio homem, ao passar a ser o titular do poder, se tornado tão arbitrário como os monarcas e nobres de outrora. Resguardando-se os particulares de qualquer interferência estatal, permitia-se que as “forças 81 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Interpretada – de acordo com a Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Pgs. 457 e 459. 82 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 03-04. 83 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 03-04.

37 econômicas” ditassem as regras de funcionamento da sociedade. Legitimou-se a renúncia aos direitos do homem tão somente por terem resultado de uma suposta “livre” manifestação de vontade. Daí adveio a necessidade, não mais de proteger o indivíduo do Estado, ou mesmo da violação do Direito por outros indivíduos, mas de evitar que o próprio homem dispensasse seus direitos mais essenciais em decorrência de necessidades imediatas. Tratava-se de assegurar direitos protegidos mesmo de seu próprio titular, que fossem indisponíveis, inalienáveis, inatos84. A partir do contexto aludido é que houve o surgimento dos direitos da personalidade, tendo seus primeiros passos ocorrido na segunda metade do século XIX. A expressão foi cunhada por jusnaturalistas alemães e franceses, buscando referir-se a direitos que seriam inerentes ao homem, preexistentes até ao seu reconhecimento por parte do Estado, uma vez que são da própria essência da condição humana e sem os quais sequer se poderia considerar alguém uma pessoa. Seriam direitos absolutos, imprescritíveis, inalienáveis e indisponíveis, protegendo a pessoa, a um só tempo, das arbitrariedades do Estado, de seu semelhante, bem como das contra si próprio85. Esses novos direitos já surgiram enfrentando forte resistência. Os liberais, por óbvio, discordavam de tal interferência na esfera da vida privada, enquanto que importantes juristas como Savigny, Von Thur e Enneccerus consideravam a personalidade matéria de direito civil relativa à capacidade de ter direitos e contrair obrigações, não podendo ser, ao mesmo tempo, objeto de um direito86. Ocorre que os direitos da personalidade possuem dois aspectos, um objetivo, outro subjetivo. Sob o aspecto subjetivo, deve-se compreender a capacidade das pessoas físicas e jurídicas de serem titulares de direitos e deveres, assim como assumirem obrigações. Ou seja, cuida-se da capacidade de direito somada à capacidade de fato. Já sob o aspecto objetivo, a personalidade traz consigo uma série de atributos e características que devem ser tutelados pela ordem jurídica87. A resistência resultou no não reconhecimento imediato dos direitos da personalidade, omitidos, por exemplo, do Código Civil alemão de 1896 e do Código Civil brasileiro de 1916. Apenas na segunda metade do século XX é que vieram tais direitos a ganhar força, quando, entre 1914 e 1945, o mundo assistiu à ocorrência de duas guerras mundiais, o holocausto nazista e a explosão da bomba atômica. Desses eventos, surgiu uma fragilidade demandante 84 85 86 87

SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 04. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 05. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 05. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 06.

38 de novos valores capazes de proteger a condição humana, resultando num sentimento de solidariedade que fez com que a comunidade jurídica internacional buscasse uma atuação conjunta nesse sentido. Com esse espírito foi que nasceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Foi então que a dignidade humana se tornou, internacional e reconhecidamente, “fundamento da liberdade e valor central da ordem jurídica internacional”88. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, foi o reconhecimento constitucional do princípio da igualdade o marco da personalidade enquanto atributo intrínseco à pessoa humana, fazendo com que esse valor possibilitasse o reconhecimento de direitos que emanassem do próprio status de pessoa. É como esclarece: O princípio constitucional da igualdade perante a lei é a definição do conceito geral da personalidade como atributo natural da pessoa humana, sem distinção de sexo, de condição de desenvolvimento físico ou intelectual, sem gradação quanto à origem ou à procedência. O direito romano exprimia a sua aversão ao estrangeiro, freqüente em todos os povos guerreiros, fazendo decorrer a aquisição dos direitos da condição de cidadãos (status civitatis) e sentenciando mesmo que “adversus hostem aeternam auctoritas esto”. Nos dias de domínio do nacional-socialismo na Alemanha e sua expansão pelos territórios ocupados durante o segundo conflito mundial, difundiu-se a concepção racista, que restringia a aptidão jurídica em conseqüência da procedência étnica. Proclamado o princípio da igualdade civil, o nosso direito, por motivos ligados à ordem pública e aos interesses nacionais, sem criar distinção temática entre brasileiros e estrangeiros, admite, em dispositivos constitucionais, restrições ao exercício, por estes, de direitos tanto na ordem política como civil.89

No Brasil, os direitos da personalidade foram reconhecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, assim como pelo Código Civil de 2002, sendo amplamente tutelados jurisprudencialmente e havendo já um forte arcabouço doutrinário construído acerca do assunto.

88 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 06-07. 89 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pg. 204.

39 4. O Encontro de Duas Realidades: A Proteção aos Direitos da Personalidade nas Relações Interpessoais nos Jogos Online

Como visto, os direitos da personalidade receberam tutela jurídica pátria em 1988, por nossa Carta Magna, concretizada parcialmente pelo atual Código Civil, de 2002. Já os jogos objeto do presente exame, quais sejam, os jogos online, despontaram em sucesso nos anos de 2004 e 2005 no Brasil, sendo até hoje um mercado promissor que tem atraído atenção de diversos empresários. Assim, o reconhecimento dos direitos da personalidade antecedeu, em poucos anos, a difusão brasileira dos jogos online. À época, talvez os doutrinadores e magistrados não estivessem suficiente maduros para inter-relacionar os temas, mas tendo a realidade dos jogos online se mostrado contínua e consolidada, abriu-se a oportunidade para que os operadores do direito operem uma análise segura. Muito embora se tenha visto que os consoles e os jogos a esses direcionados alternavam-se em curto período de tempo, sempre com o desenvolvimento de novas técnicas e abordagens, os jogos online, com especial destaque neste trabalho aos MMORPGs, conseguem manter-se vivos por longos períodos de tempo. Até os dias atuais, jogos relativamente antigos como Ragnarök Online e World of Warcraft ainda existem. Há pessoas que possuem personagens com mais de 10 (dez) “anos de idade” neles. É evidente que, para tanto, os jogos não permanecem inalterados, desenvolvendo novidades suficientemente atrativas. Esses jogos recebem atualizações com certa frequência e desenvolvem novas abordagens, mas o fato é que ainda são capazes de conservar sua existência sendo, em essência, os mesmos jogos, justamente por não terem um fim certo e determinado como a maioria dos jogos de console. Costuma-se falar em um número de horas média que um jogo de console possui, tempo esse no qual terá o jogador concluído todas as possibilidades que o jogo lhe possibilita. Ocorre que, em jogos online, essas possibilidades são ampliadas com o decorrer do tempo, mas, mais do que isso, mesmo que exploradas todas as possibilidades, existem diversas alternativas que atraem o jogador a continuar usufruindo o serviço. A título exemplificativo, o jogador pode escolher fazer parte de um clã, que é como comumente se denominam agrupamentos de pessoas, geralmente com uma plataforma especializada para tanto, para fins específicos como destruir castelos, jogar partidas de RPG em ambiente virtual ou encontrar parceiros para enfrentar outros desafios.

40 Dessa forma, não só as atualizações e modificações, mas também os vínculos humanos estabelecidos através dos jogos online servem como importante fator para manutenção dos usuários do serviço. É nesse ponto, de relações humanas, especialmente as duradouras, que atingem interesse jurídico relevante para tratamento específico. Os direitos da personalidade têm notáveis aplicações no campo dos jogos online, em especial quanto aos direitos à honra, imagem e nome, que serão foco das análises desenvolvidas. O desenvolvimento de ambos vêm ocorrendo paralelamente ao longo do tempo e, apesar disso, poucos pontos de contato foram traçados entre eles. Os pontos de encontro entre a matéria jurídica e a realidade fática, embora a pesquisa intente dedicar-se às relações em ambiente eletrônico, importam até mesmo por extrapolarem o próprio ambiente do jogo. Empresas de jogos ao redor do mundo promovem eventos de tecnologia, encontro de fãs e campeonatos que, de igual modo a outras iniciativas, criam vínculos e estimulam os jogadores a permanecerem usufruindo o serviço. Também os jogadores, por iniciativa própria, promovem encontros e até formam vínculos afetivos a partir das experiências nos jogos online. Desse modo, o campo fenomenológico desses jogos encontra-se suficientemente estabilizado para uma análise jurídica segura, evitando-se que a tutela jurídica dessa modalidade de relação seja superficial e insuficiente às problemáticas em jogo.

41 5. Dimensão Atual do Fenômeno dos Jogos On-line no Brasil – Dados Empíricos

Com o intuito de chamar a devida atenção que o tema demanda, apresentar-se-á levantamentos quantitativos da influência e presença dos jogos em nossas vidas. Como a pesquisa brasileira na área ainda inicia o seu desenvolvimento, embora um importante passo tenha sido dado recentemente por diversas publicações da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos – ABRAGAMES, num primeiro momento será apresentada a realidade do país que foi berço dos jogos e tem-nos como tradição em sua cultura, os Estados Unidos da América. Uma pesquisa realizada pela Entertainment Software Association (ESA), intitulada Essential Facts About the Computer and Video Game Industry (em tradução livre, Fatos Essenciais sobre a Indústria de Computadores e Videogames/Jogos de Vídeo), em 2015, põe em destaque a força do setor de jogos nos Estados Unidos da América. A associação, que conduz pesquisas sobre negócios e consumo, dentre outras atividades, objetiva prover suporte a editores de softwares interativos e é composta por dezenas de empresas importantes no ramo, como Disney Interactive Studios INC., Microsoft Corporation, Nintendo of America INC. e Warner Bros. Interactive Entertainment INC. Com a força que possui e pelos interesses envolvidos, fizeram-se os levantamentos que seguem. Há 155 milhões de jogadores de videogame estadunidenses. Em cada lar no qual há jogadores, encontra-se, em média, duas pessoas que jogam. A cada cinco casas, quatro possuem algum dispositivo usado para jogar videogames. 51% dos lares estadunidenses possuem um console de jogos. 42% dos estadunidenses jogam videogames regularmente, ou seja, 3 (três) horas ou mais a cada semana. A idade média do jogador no país é de 35 anos de idade e a divisão de gênero é muito próxima: 56% são homens e 44%, mulheres. Dentre os jogadores, 62% se valem de jogos por meio de computadores, enquanto 56% utilizam consoles.90 Os jogadores que jogam com maior frequência e costumam compartilhar a experiência simultaneamente com outra(s) pessoa(s) gastam cerca de 6,5 horas por semana jogando online. Dos jogadores mais assíduos, 56% jogam com outras pessoas, como amigos (42%), familiares (21%), pais (16%) e companheiro (15%). Ainda sobre os jogadores mais assíduos, 54% jogam no modo “multijogador” ao menos semanalmente e a mesma 90 ESA – Entertainment Software Association. Essential Facts About the Computer and Video Game Industry – 2015 Sales, Demographic and Usage Data. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 01-05.

42 porcentagem se aplica aos que consideram que os jogos lhes ajudem a se conectar com os amigos. 63% dos pais estadunidenses disseram que os videogames seriam uma parte positiva da vida de seus filhos. Por fim, constatou-se que a indústria de jogos movimentou quase 22,5 bilhões de dólares nos Estados Unidos da América apenas em 2014, correspondendo ao conteúdo propriamente dito dos jogos, responsável pela maior parte desse lucro, mas também por hardware91 e acessórios dos jogos92. Partindo para a realidade brasileira, é pertinente que a análise se inicie pelos dados consumeristas. A Secretaria Nacional do Consumidor, embora de forma bastante genérica, realizou um levantamento, referente o ano de 2014, dos atendimentos realizados pelos órgãos do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) em todo o país. Com os dados, elaborou o Boletim Sindec 2014, ou Boletim do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), a partir do qual apresentou-se o que segue. Em 2014, foram registrados 2.490.769 (dois milhões, quatrocentos e noventa mil, setecentos e sessenta e nove) atendimentos. O número foi ligeiramente maior que o do ano de 2013, com cerca de 9 mil atendimentos a mais. A discrepância é maior se comparada a 2012, em que foram registrados mais de quatrocentos e cinquenta mil atendimentos a menos. Do montante de 2014, 3,2% dos assuntos mais demandados foram enquadrados no macro-tópico Microcomputador/Produtos de Informática, com mais de 75 mil atendimentos, sendo o oitavo assunto mais demandado. O décimo segundo assunto mais demandado foi “Internet (Serviços)”, com quase 54 mil atendimentos, 2,3% do total. Os principais problemas registrados no ano de 2014 compunham, na ordem de maior para menor quantidade de atendimentos: problemas com cobrança, problemas na oferta, vício ou má qualidade do produto ou serviço, problemas com contrato, problemas diversos com produtos e serviços93. Os gráficos das pesquisas indicam que sete das oito empresas de telecomunicações mais demandadas tiveram um aumento na quantidade de atendimentos, ou seja, um aumento de “reclamações” consumeristas. São essas empresas: Oi, Vivo, Claro, SKY, TIM, NET, GVT 91 "[t.en: Hardware] Conceito computacional que designa o conjunto de elementos físicos que constituem um sistema de computador. O hardware do computador refere-se às partes físicas ou componentes de um computador, tais como a CPU, placa mãe, placas de vídeo, disco rígido, etc., seus periféricos, tais como mouse, teclado, monitor, scanner, etc. É dentro e suportado pelo hardware que o software irá realizar o seu trabalho.". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 111. 92 ESA – Entertainment Software Association. Essential Facts About the Computer and Video Game Industry – 2015 Sales, Demographic and Usage Data. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 06-13. 93 Secretaria Nacional do Consumidor. Boletim Sindec 2014. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 04-06.

43 e NEXTEL. Enquanto isso, cinco das oito empresas tiveram redução no Índice de Solução Preliminar, em relação ao ano anterior94. Em levantamento realizado para a produção do presente trabalho monográfico, verificou-se que todas essas empresas oferecem serviço de acesso à internet, de modo que as demandas acerca de jogos certamente estão parcialmente envolvidas nesses agrupamentos. Só em Minas Gerais, os atendimentos de 2014 fora 241.096 (duzentos e quarenta e um mil e noventa e seis), cerca de 6 mil a mais que 2013 e 14,5 mil a mais que 2012. O sétimo assunto mais demandado foi “Internet (Serviços)”, responsável por 4% dos atendimentos, ou seja, mais de 8 mil casos; e o décimo mais demandado foi “Microcomputador / Produtos de Informática”, com 3% dos atendimentos, que equivalem a quase 6 mil atendimentos. Das dez empresas mais demandadas em 2014, cinco oferecem serviço de acesso à internet, segundo pesquisa autônoma para este trabalho, sendo elas: Oi Fixo/Celular, com mais de 32,5 mil atendimentos e ocupando a primeira posição dos mais demandados; Claro/Embratel, com quase 12 mil atendimentos, em 2° lugar; Vivo/Telefônica, com mais de 10 mil atendimentos, em 3° lugar; TIM/Intelig, com mais de 8,5 mil atendimentos, em 5° lugar; e SKY, com mais de 7 mil atendimentos, em 7° lugar95. Mais próximos da indústria nacional de jogos são os estudos realizados pela Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES), uma associação civil sem fins lucrativos, com sede em São Paulo, que objetiva a promoção de jogos eletrônicos pelas empresas que se valem dessa atividade econômica, bem como a defesa de seus interesses, inclusive atuando junto a órgãos governamentais para tal. Segundo seus dados, o seguimento mundial de jogos eletrônicos havia ultrapassado o faturamento do segmento de cinema no ano de 2003, com indicativos de que cresceria mais de 20% nos cinco anos subsequentes. A ABRAGAMES afirma que o Brasil, embora não tivesse empresas fortes no setor, gerando resultados não muito expressivos e pontuais, tinha potencial similar ao da Coreia do Sul, que empregava mais de 50 mil pessoas e movimentava 3,3 bilhões de dólares naquele ano96. Entre as décadas de 80 e 90, poucas empresas surgiram no Brasil, sendo incapazes as 94 Secretaria Nacional do Consumidor. Boletim Sindec 2014. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 08 e 51. 95 Secretaria Nacional do Consumidor. Boletim Sindec 2014. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 25. 96 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 04.

44 poucas emergentes de conquistar seguimentos de mercado. Um mercado atuante, com iniciativas internacionais, apenas surgiu no início deste milênio. Já em 2004, 40 empresas dedicavam-se ao desenvolvimento de jogos eletrônicos no Brasil, com 35 obras lançadas ao longo dos dois anos anteriores e com 25 em desenvolvimento. Dentre as principais iniciativas na época, viu-se o lançamento do curso de jogos pelo Ministério da Cultura97. De fato, o Ministério da Cultura anunciou, em notícia de 2008, diversas informações sobre jogos digitais no Brasil, baseadas, em grande parte, justamente em dados da ABRAGAMES. Nela, elenca 17 (dezessete) instituições de ensino superior com curso de jogos eletrônicos e reconhece: todas são particulares98. Para além de buscar articular informações aos interessados, o ministério sinalizava interesse em incentivar o ramo, o que se viu claramente em 2009, por meio do edital BRGAMES, um programa de fomento à produção e exportação de jogos eletrônicos brasileiros. O programa parece ter tido uma iniciativa única, não adotada nos anos subsequentes, mas que ofereceu 07 (sete) contratos de coprodução, no valor de 70 mil reais cada, assim como 03 (três) contratos de produção no valor de 140 mil reais99. Em setembro deste ano, o Ministro da Cultura, João Luiz Silva Ferreira, vulgo Juca Ferreira, anunciou interesse em trabalhar a área de jogos de forma mais consistente, incluindo o assunto na pauta cultural do país, embora não tenha especificado de que forma pretende fazê-lo100. Voltando ao cenário de 2004, a ABRAGAMES identificou que as poucas empresas existentes enfrentavam um mercado sem regras e sem incentivos, de modo que a popularização de seus jogos era difícil. E foi justamente buscando enfrentar essa problemática e superar os desafios que a associação se constituiu no mesmo ano, reunindo os desenvolvedores independentes. Em seu levantamento, desvendaram uma rica gama de áreas de atuação no mercado de jogos. Alguns, voltados para o propósito de propaganda de sua 97 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 06. 98 Secretaria do Audiovisual (SAV). Jogos Made in Brasil. In: Ministério da Cultura. 15/02/2008. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. 99 Secretaria do Audiovisual (SAV). Edital BRGAMES – Programa de Fomento à Produção e Exportação do Jogo Eletrônico Brasileiro. In: Ministério da Cultura. 12/05/2009. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. 100 ZAMBARDA, Pedro. Ministro da Cultura fala sobre projetos de games na TV Brasil, mas iniciativas ainda não decolam. In: Drops de jogos. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015.

45 marca, outros para treinamento e seleção de pessoal. Mas de modo geral, todos os setores enfrentavam grandes entraves. À época, a carga tributária chegava a elevar o preço de consoles em 114%, enquanto que o fenômeno do plágio em jogos (“pirataria”) subtraía 94% dos consumidores, deixando a indústria de jogos privada de 210 milhões de dólares em lucro potencial. Esse substancial fator teria sido o responsável pela demora no ingresso de consoles estrangeiros no país101. O curioso é que a associação dispensa qualquer medida protecionista ou paternalista governamental. Segundo ela, a história demonstrou que essas medidas, vistas na abordagem histórica deste trabalho como isenções desenfreadas e protecionismo do mercado interno, deram azo ao desenvolvimento de uma “cultura empresarial de parasitismo em torno do Estado”, valendo-se as empresas dos benefícios estatais sem que entregassem à sociedade qualquer retorno pelos privilégios102. O Estado, em verdade, melhor faria se protegesse os produtores de efeitos tormentosos como a “pirataria”. Um dado comparativo da ABRAGAMES indica que, enquanto um jogo de sucesso, em 2004, vendia cerca de 1 milhão de cópias, no Brasil ele só venderia 5 mil unidades. Ainda, por inexistirem lojas especializadas de porte robusto naquele momento, os jogos como um todo ocupavam espaço de pouco destaque frente a outros produtos. Isso menospreza o potencial dos jogos. Tomando como exemplo a experiência do jogo Halo 2, da plataforma Xbox, em seu lançamento foram vendidas 2,4 milhões de unidades a 50 dólares cada, arrecadando 120 milhões de dólares e com a expectativa de que outros 380 milhões fossem ser auferidos ao fim da empreitada comercial dessa obra. Enquanto isso, o filme Spider-man 2, sucesso de bilheteria, arrecadou apenas 40 milhões de dólares na estreia103. Do descaso estatal decorre que a indústria brasileira percebeu apenas 17 milhões, dos 7 bilhões de dólares que representavam o lucro do mercado global onze anos atrás. Ou seja, representávamos meros 0,25% do mercado. E, mesmo assim, os impostos apontavam para a proteção de um mercado que não tinha o que ser protegido. Não havia hardwares de jogos, como os consoles, das gerações mais recentes sendo produzidas no país, mas, ainda assim, 101 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 06-10. 102 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 18-27. 103 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 18-27.

46 nossos impostos de importação eram (e continuam sendo) muito maiores que o de outros países da América Latina e que os dos Estados Unidos da América, Japão e China, os três gigantes da indústria de jogos. O exemplo mais emblemático disso eram impostos de importação de console para o país. Os impostos de importação de jogos para o Brasil eram de 80%, tanto relativos a produtos vindos dos EUA, quanto do Japão, da China e do México. Enquanto isso, no Chile esses impostos de importação eram de meros 8%, não tendo impostos para importações para produtos advindos do México, no setor de jogos. Assim é que, naquela época, o Brasil, com potencial para ser a maior indústria de jogos da América Latina, perdia à larga escala essa posição para o México, que eliminaria tarifas do Japão no setor já em 2005104. A não combatida “pirataria” também deixou profundas marcas. Na média geral brasileira, 94% dos produtos de jogos adquiridos resultavam de plágio. O console PlayStation 1 chegava ao absurdo de 100% de aquisição de obras plagiadas em 2004. Xbox e PlayStation 2 atingiam a marca de 97%. Criou-se, na verdade, uma cultura de desrespeito à produção autoral. E o Poder Judiciário não muito contribuiu com a disputa justa de mercado, já que, dos 6.248 processos iniciados para combate à pirataria, apenas 17 resultaram em sentença condenatória com pena restritiva de liberdade. Embora as sanções criminais não se restrinjam à privação de liberdade, nesse cenário de alto índice de abuso a resposta punitiva estatal era alarmantemente baixa, para não dizer faticamente inexpressiva e ineficiente105. Apesar disso, instituições acadêmicas davam seu primeiro passo em sentido oposto. Grupos de pesquisa dedicados ao entretenimento digital emergiram na USP, UFPE, PUC-Rio, UNISINOS, UNICAMP, UFPR, UERJ, assim como cursos específicos em diversas universidades particulares, assim como cursos de pós-graduação e extensão na PUC-Rio e UNICENP, ainda em 2004. Também foram realizados eventos específicos para jogos, como Wjogos, GameArt e SBGames. O apoio acadêmico, assim, foi importante fator do desenvolvimento da indústria especializada106. Em 2005, a ABRAGAMES identificou 55 desenvolvedoras de jogos no Brasil, concentradas preponderantemente em São Paulo e no Paraná. Esses estados, juntos, dividiam 104 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 29-32. 105 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 36. 106 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs.44-45.

47 quase metade do faturamento total do país, entretanto em índices próximos ao dos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Dos ramos identificados, 72% das empresas dedicavam-se à produção de jogos mais tradicionais, da categoria de “entretenimento puro”, preterindo sub-categorias como jogos de estratégia de publicidade (advergames107). Naquele ano, viu-se que a indústria privilegiou os jogos para microcomputadores, plataforma de desenvolvimento também mais tradicional, representando 63% das produções, seguido pelo de celulares, com apenas 22%. Apesar de pequena, a indústria de jogos faturou quase 40% a mais em 2004, se comparado ao ano anterior. Mas, o índice de empregabilidade ainda era pequeno: cerca de 15 pessoas por empresa de jogos108. Uma pesquisa de 2008, também da ABRAGAMES, apresentou um olhar ainda mais otimista. O ingresso de estúdios internacionais no país alavancou o desenvolvimento do setor de jogos. Tanto os segmentos de hardware quanto de software elevaram-se a partir de 2006, com indícios de que essa ascensão estaria elevada ainda em 2009. Da produção nacional no setor de software, 43% já era destinado à exportação, enquanto que quase todo hardware fabricado aqui se dedicava ao próprio mercado interno109. Com orgulho, a associação anunciou, em 2015, a terceira realização do BIG Festival (Brazil's Independent Games Festival, ou, em tradução livre, Festival Brasileiro de Jogos Independentes), promovendo palestras, encontros e até rodadas de negócios. O evento contou com 39 convidados internacionais e 84 nacionais, assim como foi a oportunidade em que a ABRAGAMES lançou um selo digital para o setor, lançando com isso uma campanha nacional para promover os jogos eletrônicos110. E enquanto nós ainda enfrentamos um grande preconceito no ramo, crendo serem obras infantilizadas que meramente tomariam dos jovens tempo de estudo e, pior, conduzindo-os a infundados atos de perversão e violência, Estados como o Reino Unido 107 "[t.en: advergame] jogo que possui distribuição gratuita, geralmente no formato online, que tem finalidades publicitárias, em relação a produto, ideia, marca ou conceito. O advergame não vende diretamente, mas divulga, com o jogo, a sua proposta.". Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 94. 108 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). A Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. 109 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). A Indústria Brasileira de Jogos Eletrônicos – Um Mapeamento do Crescimento do Setor nos Últimos 4 anos. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. 110 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). A ABRAGAMES, Associação Brasileira de Jogos Digitais, Comemora Seus 11 Anos de Fundação!. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015.

48 reconhecem que empresas de jogos demandam equipes multidisciplinares, que combinem um nível elevado de sofisticação tecnológica, necessitando de grande criatividade e conhecimentos artísticos, demandando de cerca de 77% profissionais graduados e 33% pósgraduados para exercerem suas funções com qualidade e, em função de sua especialização, fazendo jus à percepção de salários vultosos pelo seu labor111. Foi justamente para combater esse tipo de visão deturpada brasileira, que oprime o potencial do país no ramo, que a ABRAGAMES desenvolveu três primorosos trabalhos em 2014, mostrando que a indústria é séria, merece respeito e produz muito mais que entretenimento, quais sejam: Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais, Proposição de Políticas Públicas Direcionadas à Indústria Brasileira de Jogos Digitais e 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Acerca das obras científicas, seguem alguns inescapáveis comentários. Dentre as alternativas de entretenimento, a categoria de “Jogos Digitais” apresenta uma taxa de crescimento das mais elevadas, sendo suas vendas duas vezes maiores que a da indústria fonográfica e tendendo a crescer mais rapidamente que a média da cinematográfica até o ano de 2018. Mesmo assim, a América Latina engatinha nesse potencial, participando em apenas 2% da indústria global, segundo dados de 2010112. Especialistas apontam que o mercado de jogos da categoria MMO (Massively Multiplayer Online), tanto aqueles para microcomputadores, quanto os para consoles e os por assinatura, encontram-se em estágio de equilíbrio e amadurecidos no mercado, diversamente dos jogos sociais e casuais online, assim como MMOs da subcategoria free-to-play (gratuito para jogar), que aproximam-se do final de sua curva de consolidação. Constatou-se, também, que os jogos para console e os para microcomputadores possuem maior sofisticação técnica, se comparados às outras modalidades, como os jogos feitos para dispositivos móveis, a exemplo do celular. Como reflexo, os preços de produção são maiores e os consumidores, em número mais restrito, apesar de serem mais dedicados a essa modalidade de jogos113. Analistas do mercado de jogos preveem que ocorrerá um fenômeno denominado “clivagem”, que ocasionará a divisão do mercado, dividindo macrogrupos de jogos em dois: 111 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 34. 112 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 34-36. 113 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 37-38.

49 jogos para console e microcomputadores de valor elevado, mas em quantidade restrita, denominados AAA (não se trata de sigla, mas referência à qualidade); e jogos casuais sociais, que, ao contrário, serão em quantidade elevada e custo reduzido114. As pesquisas demonstram que o mercado de entretenimento brasileiro desvaloriza jogos produzidos no país, tendendo a tentar compará-los com sucessos internacionais, atribuindo à produção pátria um nível de qualidade inferior. A comparação é equivocada, tendo em vista que as pequenas produções brasileiras contam com orçamento de dezenas de milhares de reais, enquanto que os jogos AAA têm orçamento de centenas de milhões de dólares, justamente pela alta remuneração, alta tecnologia e a multidisciplinaridade à atividade inerentes, conforme já abordado. Os próprios produtores, em certa medida, contribuem para uma imagem negativa de sua produção, ao privilegiar o mercado internacional, produzindo obras em língua inglesa, o que causa frustração ao público interno115. Embora haja poucas pesquisas com dados públicos acerca do mercado de jogos, dois levantamentos são relevantes: o TGI – Target Group Index do Ibope, em 2011, e o Game Pop, de 2012, também do Ibope. A primeira estimou existirem 35,1 milhões de internautas brasileiros. Desses, 54% jogam online e 23% jogam em redes sociais. Já a segunda pesquisa, no ano subsequente, estimou 80 milhões de internautas brasileiros, sendo que 61 milhões deles jogadores de títulos digitais. Desse grande número de jogadores, 67% valem-se de consoles, contra 42% que jogam em seus microcomputadores. Os jogadores online possuem uma média de horas jogadas maior que a dos que jogam via console, sendo, para aqueles 5h14min diários e, para estes, 3h22min diários. A pesquisa constatou que, apenas em julho de 2012, 25,7 milhões de brasileiros acessaram sites em que se encontravam jogos digitais116. O perfil de usuários brasileiros apresentou-se bastante equilibrado. As mulheres que jogam correspondem a 47% dos jogadores, sendo que 51% delas, equivalentes a 12 milhões de pessoas, integram a classe A, com idades entre 40 e 49 anos. O público feminino prefere jogos das redes sociais e gastam maior tempo neles: 77% delas fazem uso desse serviço, enquanto 55% fazem uso de jogos casuais outros. Das que jogam obras casuais, 59% o fazem 114 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 38. 115 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 39. 116 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 39-40.

50 diariamente, com destaque à preferência por jogos de cartas117. Quanto ao público infantil, a quarta maior atividade do grupo, segundo pesquisa da TIC Kids Online Brasil, foi identificada como “jogar Jogos Digitais e/ou jogar com outras pessoas na internet”. Conforme os dados, 54% das crianças já jogaram esse tipo de produto, 35% jogavam diariamente e 45% jogavam uma ou duas vezes por semana. A “classe social” não foi fator de gigantesca discrepância. Encontra-se público infantil jogador em todas elas, sendo de 63% das crianças das “classes” A e B, 50% das crianças de “classe” C e 44% das de “classes” D e E118. O cenário de desenvolvedores brasileiros mudou. Segundo a nova pesquisa, lideram a localização dos desenvolvedores os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, concentrando-se as desenvolvedoras justamente nas regiões Sul e Sudeste, em decorrência do acesso à rede mundial de computadores mais facilitada, bem como às ferramentas de desenvolvimento e um maior número de oportunidades de negócio. Minas Gerais possui pouco mais de 4% das empresas existentes atualmente. 74% das empresas brasileiras do setor lucraram 240 mil reais em 2013, contra 21,6% que lucrou, no mesmo ano, entre essa quantia e 2,4 milhões. Apenas 4% superam esse último patamar, não lucrando quantia maior que 16 milhões anualmente119. Como a maior parte dessas empresas têm entre 1 e 5 anos de existência, percebe-se que poucas conseguem permanecer no ramo por longa data. O resultado também reflete o interesse na produção de jogos para mobile e web, que são mais baratos e se tornaram tendência a partir de 2009. Entre 2009 e 2013, foram criadas 88 empresas de jogos no Brasil, correspondendo à maioria das existentes. Projeta-se, para 2018, que o mercado por meios de distribuição consistente em “jogos digitais online” crescerá cerca de 50% em relação a 2012. Do total de 133 empresas, 1.133 empregados foram identificados, sendo a média de pessoas por empresa de meros 8, demonstrando um ainda baixo índice de empregabilidade. 85% desses funcionários são homens, mas isso acompanha o cenário internacional, longe de ser nossa peculiaridade. Essas empresas, ao todo, desenvolveram, juntas, 1.417 jogos apenas em 2013, sendo 49,3% deles focados em entretenimento e 43,8% em educação, dentre as diversas 117 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 40. 118 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 40-41. 119 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 43-44, 150 e 198203.

51 outras categorias, como jogos para saúde120. Até abril de 2013, havia 118 milhões de microcomputadores no Brasil. Estima-se que até 2016 esse número atinja a marca de 200 milhões. Para o campo de jogos, os aparelhos mais interessantes são os microcomputadores da modalidade Desktops (em tradução livre, “sobre a mesa” - são computadores maiores, comuns no Brasil, que, em linhas gerais, têm monitor, teclado e gabinete separados em unidades autônomas e que ficam fixos em uma mesa, sendo de difícil deslocamento), devido à facilidade de troca de componentes necessários ao acesso aos jogos mais sofisticados, como memórias potentes e placas de vídeo de última geração. As empresas do ramo com maior participação no mercado são a Positivo, com 15,5% de participação no mercado, e a Lenovo, com 9,7%, valendo menção também a HP, Dell, Samsung, Sony, Apple e Asus, em menores proporções. Os tablets também não são irrelevantes: até abril de 2013, eram em número de 5 milhões no Brasil121. A multiplicidade de sistemas tem feito com que jogos da tradicional linha dos MMOGs passem a preferir formatos cross-platformer (em tradução livre, algo como “atravessador de plataformas”), possibilitando seu acesso tanto por consoles quanto por microcomputadores122. Isso permite aos mercados concorrentes uma maior abrangência de consumidores. No momento atual, a forma de aquisição das obras (jogos online) pode ser descrita, sucintamente, da seguinte forma: A cópia adquirida no varejo é instalada na plataforma PC do cliente, mas para acesso ao ambiente multiplayer o jogador precisa contratar uma assinatura que garantirá acesso aos servidores do jogo, mantidos pelo próprio editor na web. No caso de grandes títulos de abrangência global os editores podem manter múltiplos servidores distribuídos geograficamente para garantir o desempenho ideal e aspectos regionais tais como a linguagem ou outras adaptações localizadas. Uma terceira fonte de receita para os editores/desenvolvedores são as ocasionais expansões do jogo, as quais adicionam novos ambientes, mapas, e recursos comercializados também via redes de varejo ou por lojas de e-commerce123. 120 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 43-44, 150 e 198203. 121 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 204. 122 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 239. 123 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pg. 234.

52 Não se pode esquecer, é claro, que a aquisição de jogos MMOGs se dá pelo ambiente virtual muito mais intensamente, seja pelos sítios eletrônicos das próprias empresas ou por distribuidoras, como a LevelUp! Games, no caso de jogos como o Guild Wars 2. A título exemplificativo, grandes distribuidoras de títulos por meio da internet no país são a Steam e a Nuuvem. Como resultado dos extensos e relevantes levantamentos, a ABRAGAMES elaborou uma lista de Proposição de Políticas Públicas para a Competitividade e a Inovação. Note-se que, em nenhuma delas, sugere-se a exclusiva concessão de incentivos tributários, como isenção de impostos: 1) Prêmios e concursos de Jogos Digitais originais; 2) Subvenção com pequenos aportes, para desenvolvimento de demos (jogos demonstrativos), provas de conceito e protótipos de startups; 3) Programa de avaliação da viabilidade comercial e protótipos por especialistas; 4) Apoio e financiamento de desenvolvimento de protótipos originais até o ponto de comercialização; 5) Criação de programa de atração e retenção de empresas líderes internacionais da indústria; 6) Realização de chamadas específicas para Jogos Digitais no âmbito dos programas existentes de apoio a incubadoras, aceleradoras e parques tecnológicos; 7) Subvenções com exigência de contrapartida (em especial estimulando o Crowdfunding) para empresas em consolidação; 8) Realização de eventos de matchmaking para a aproximação de desenvolvedores (com protótipos) e aceleradoras, publicadoras e investidores, nacionais e internacionais; 9) Empréstimos para contratação de consultorias de suporte como, por exemplo, marketing e utilização de big data; e 10) Criação de um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Jogos Digitais, articulando as principais universidades brasileiras e estrangeiras interessadas no tema com usuários da Indústria Brasileira de Jogos Digitais124. Infelizmente, não há espaço para abordar os aspectos das políticas, mas a mobilização demonstra a relevância que tem alcançado o setor.

124 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Proposição de Políticas Públicas Direcionadas à Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 37-38.

53 6. Direitos da Personalidade, Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Dignidade da Pessoa Humana

O valor da dignidade da pessoa humana encontra-se insculpido em nossa Carta Magna, enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito, logo no artigo 1°, inciso III. Segundo Anderson Schreiber, entretanto, a ausência de sentido com que se emprega o termo “dignidade humana”, somado ao seu uso indiscriminado, têm conduzido esse princípio fundamental à banalização, o que deve ser coibido, ante a sua importância para o ordenamento jurídico pátrio125. Adotar-se-á a compreensão acerca da dignidade humana traçada pelo brilhante autor e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. Segundo ele, a dignidade humana pode ser dividida em três conteúdos mínimos: valor intrínseco, consistente no status especial do ser humano no mundo, segundo o qual, conforme o imperativo categórico kantiano, todo homem deve ser um fim em si mesmo, nunca devendo ser utilizado como meio para alcançar um propósito de terceiros ou alguma meta coletiva; autonomia, que diz respeito ao direito de cada pessoa, enquanto ser moral e indivíduo livre e igual, tomar decisões e perseguir um ideal de vida boa, de autodeterminar-se sem sofrer interferências externas que não sejam legítimas; e em valor comunitário ou social, segundo o qual a interferência social e estatal deve ser legítima para limitar a autonomia pessoal, devendo, dessarte, ser estrita, para evitar os riscos de moralismo e paternalismo. Esses três elementos são capazes de nortear a resolução de casos complexos que perpassarem pela análise da dignidade da pessoa humana126. É para que gere os devidos efeitos que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve obedecer a tais critérios. Assim é que, em obediência ao valor comunitário, o princípio deve ser distanciado de visões de mundo restritivas e que queiram impor ideologias centralizadoras. Segundo o doutrinador e Ministro: A primeira tarefa que se impõe [para dar unidade e objetividade à interpretação e aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana] é afastá-la de doutrinas abrangentes, totalizadoras, que expressem uma visão unitária do mundo, como as religiões ou as ideologias cerradas. A perdição da ideia de dignidade seria sua utilização para legitimar posições moralistas 125 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. 126 BARROSO, Luís Roberto. "Aqui, lá e em todo lugar": A dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso transnacional. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 193-195.

54 ou perfeccionistas, com sua intolerância e seu autoritarismo 127.

Dessa forma, a escolha mais adequada para a preservação da pureza do princípio, tanto quanto lhe for possível, será a pela laicidade. Além disso, também deverá buscar a maior neutralidade no âmbito político, de modo que seja compartilhável entre os diversos posicionamentos econômico-sociais128. Para Barroso, também devem ser universalizáveis, mas, quanto a esse ponto, ousa-se discordar do autor. Tentativas de universalização, como a imposição irrefletida dos Direitos Humanos, têm conduzido ao desrespeito ao espírito de diversos direitos fundamentais, justamente pela tentativa da imposição de um valor que se procura tornar univalente. Buscar uma universalização ao princípio conduziria à unidade ideológica que se apontou como prejudicial à sua aplicação. A universalização tende a considerar critérios que se supõem superiores, num alto risco de adoção de parâmetros evolucionistas que reduzam formas de pensar diferentes a menores, menos relevantes e até piores. Melhores caminhos como a harmonização e a compatibilização seriam mais respeitosos à diversidade cultural e às diferentes formas de pensar o mundo. Como esse não é o foco da pesquisa, a questão não será trabalhada a fundo, sendo limitada a essa ressalva. Quanto ao valor intrínseco, dele extrai-se uma essência que não pode ser subtraída a qualquer pessoa, seja por terceiros ou pelo próprio indivíduo. Essa essência não varia com o diferente nível de capacidade jurídica de fato que a pessoa possa ter. Inclui-se nesse conceito, como não poderia deixar de ser, o direito à vida, causando grandes discussões quando se toca assuntos como pena de morte, aborto e morte digna. Também o direito à igualdade, no seu aspecto material, ou seja, o tratamento igualitário na medida das desigualdades sociais inafastáveis, integra a dignidade humana. Além deles, outros direitos, que interessam muito a esse trabalho, também são valores intrínsecos ao ser humano: direito à integridade física e à integridade moral ou psíquica, direito ao nome, direito à privacidade, direito à honra e direito à imagem129. Com isso, percebe-se que os direitos da personalidade consistem em valores intrínsecos. E não poderia ser diferente, afinal, são esses direitos que definem uma pessoa como tal contemporaneamente. Já a autonomia pode ser compreendida em dois aspectos: privada e pública. 127 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 19-20. 128 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pg. 20. 129 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 23-24.

55 Autonomia privada envolve a autodeterminação, sem que o indivíduo sofra, de forma não legítima, interferências externas. Dessa forma, espelha a igualdade material e integra o conceito de liberdade. A autonomia pública consiste na participação na democracia, permitindo participação ativa na política e o exercício de influência nas decisões tomadas, para além do direito ao voto, promovendo debates e participando de mobilizações130. Para que a autonomia se realize, é indispensável que o mínimo existencial seja assegurado. Sem o mínimo existencial, não há como realizar a cidadania, nem há como sermos, verdadeiramente, livres, iguais e capazes. O mínimo existencial compreende necessidades mínimas para a existência física e psíquica. Não se trata de um princípio expresso, mas implícito da Constituição Federal. De todo modo, é um pré-requisito para o efetivo exercício de direitos individuais e políticos, inclusive a autonomia dignitária. Sua concepção varia com o tempo e o espaço, mas há como incluir em seu conceito, ao menos, os direitos à educação básica, saúde essencial, assistência a pessoas desamparadas e o acesso à justiça131. O valor comunitário possui, como objetivos básicos, proteger o indivíduo contra atos de autodeterminação que violem seus valores mais basilares, proteção contra a ação de terceiros e proteção de valores sociais. Desse modo, serão legítimas restrições à liberdade individual e a imposição de certos e determinados valores sociais com fundamento na dignidade humana. Entretanto, nesses casos, há que existir uma fundamentação aprofundada, para a qual deve haver critérios, como, ao menos: haver um direito fundamental que justifique a imposição restritiva; a existência de um consenso social forte acerca do posicionamento restritivo; e a aferição de um risco ao direito de outras pessoas, justificando a restrição. A título exemplificativo, verifica-se restrições legítimas quando a pedofilia é vedada, ou quando limita-se a liberdade de expressão para inadmitir o hate speech (em tradução livre, discurso de ódio). Assim, o valor comunitário impõe limite às escolhas dos indivíduos para que objetivos sociais se concretizem, ou mesmo restringe o indivíduo para não permitir que pratique atos que firam seus direitos mais elementares. Por isso mesmo é que deve ser sempre muito bem fundamentado e sua ponderação deve ser mais rigorosa132. 130 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 25-27. 131 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 25-27. 132 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 29-31.

56 Ainda conforme Barroso, a dignidade deve ser compreendida, como expressa nossa Constituição, enquanto um valor fundamental presente na origem dos direitos humanos. É um princípio que fornece parte do sentido nuclear dos direitos fundamentais e que funciona como um princípio interpretativo, especialmente a partir dos parâmetros apontados supra, normalmente útil em casos lacunosos, ambíguos e em que existam colisões entre direitos ou entre metas coletivas e direitos. Dessa forma, há que se compreender a dignidade como princípio, não como direito fundamental autônomo. Por meio do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, hoje não mais entendida como garantia de status diferenciado, mas como meio de assegurar o valor intrínseco a todos, será possível que cada um desfrute do nível máximo de direitos atingível, bem como do máximo de respeito e realização pessoal133. Por evidente, a noção do que consiste a dignidade humana sofrerá alterações com o transcurso do tempo e o espaço em que se encontra, influenciado pela cultura, história, política e ideologias. Mas é a dignidade o que justifica moralmente e o que dá fundamento normativo aos direitos fundamentais. Dessa forma, não cabe confundir o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana com os direitos da personalidade, mas o princípio será capaz de guiar a interpretação principiológica que visa a garantia desses direitos. Isso não lhe retira importância, pois, exemplificativamente, foi por aplicação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que a Suprema Corte Estadunidense vedou a execução de pessoas com deficiência mental, assim como de menores de dezessete anos de idade, e determinou que seria inconstitucional que se criminalizasse relações sexuais homoafetivas134. Além disso, dos princípios é possível extrair, de sua essência nuclear, um comando concreto, a exemplo do Princípio da Moralidade e da Impessoalidade, do qual o Supremo Tribunal Federal extraiu a proibição do nepotismo, bem como do Princípio democrático, do qual a corte extraiu a perda de cargo de parlamentar que, após eleito, muda de partido, em decorrência da fidelidade partidária135. Princípios Constitucionais gozam de uma eficácia interpretativa, segundo a qual os valores e finalidades do princípio limitam a abrangência e o sentido das normas jurídicas. O 133 BARROSO, Luís Roberto. "Aqui, lá e em todo lugar": A dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso transnacional. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 193-195. 134 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 06-07. 135 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 12-13.

57 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana funciona como critério para que se opere a valoração de certas circunstâncias, bem como serve para corretamente determinar, às mais diversas situações que demandem ponderação, o peso que cada argumento contraposto deve ter. Por sua aplicação, percebe-se que o uso de algemas só deve ocorrer em situações de risco e que a liberdade de expressão não pode ser restringida previamente, exceto em algumas circunstâncias excepcionais. A eficácia interpretativa que decorre desse princípio limitará o alcance e sentido das normas de forma a fazerem-nas respeitar a dignidade humana136. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana também goza de eficácias negativa e direta. A eficácia direta diz respeito à existência de um núcleo valorativo do qual é possível extrair uma regra que permite sua aplicação de forma imediata. Já a negativa conduz à paralisação de uma regra, por vezes a um caso específico, por vezes de forma geral, sempre que observe-se que a regra incompatibilize-se com a dignidade humana, ainda que em decorrência apenas dos resultados concretos que produz. Essa última eficácia permite a declaração de inconstitucionalidade de uma norma, como nos casos em que o Supremo Tribunal Federal paralisou a incidência da prisão por dívida que se aplicava, em nossa história recente, ao depositário infiel137. Além de não ter caráter absoluto, ou seja, de caber o afastamento de sua aplicação quando outro valor se apresentar de mais relevante aplicação, embora a dignidade humana deva prevalecer na maioria das circunstâncias, o princípio, que não é, em si, um direito fundamental, serve de “parâmetro de ponderação” quando direitos fundamentais distintos aparentemente colidirem138. Cumpre ponderar, também, o que considerar por direitos fundamentais. Nesse ponto, Joaquim Carlos Salgado traça diversos aspectos que conduzem ao delineamento desses direitos. Segundo o autor, o Estado de Direito possui como essência tanto garantir quanto realizar direitos subjetivos que se considerem fundamentais, os quais devem sê-lo a todos que se considerar pessoas. O conteúdo dos direitos fundamentais são os valores que se considerem também essenciais pela cultura em que se os tutela. Direitos fundamentais têm como conteúdo os principais valores culturais e, como forma jurídica, sua positivação, por meio da qual são 136 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 13 e 41. 137 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 14 e 41. 138 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 15.

58 reconhecidos universalmente139. Deve-se ter em mente, para compreender os direitos fundamentais, que os direitos, em sua totalidade, são, de alguma forma, realização da liberdade, que só revela o conceito a ela inerente e apresenta sentido ao concretizar-se como direitos da pessoa. Dessarte, são os direitos fundamentais uma forma que se considera universal e indispensável justamente para a realização da liberdade.140 Ainda, é necessário reconhecer que a constituição política de um povo trata-se do lugar em que os direitos dos seus integrantes são reconhecidos, de modo que, quando são tais direitos declarados, ocorre sua universalização. Portanto, a interpretação de tais normas terá por escopo realizar os direitos que forem efetivamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico. Considerar que as sociedades atuais desejam constituir-se de forma livre e consensual, então, conduz à compreensão de que uma constituição democrática possui o fim primordial de realizar a liberdade. E são os direitos fundamentais o núcleo dessa constituição, pois sua realização fará com que se realize, também, a liberdade e, em decorrência disso, os valores que a esta forem reconhecidos. O Estado que, para além de declarar, efetivamente garante os direitos fundamentais, realizando os valores que os constituem, é o que se pode chamar de democrático de Direito141. Assim é que inexiste obstáculo ou limitação jurídica para que o legislador efetive os direitos fundamentais, nem por ação, nem por omissão. A atividade jurisdicional será a que garantir os direitos fundamentais, cabendo aos poderes Executivo e Legislativo a realização e o respeito a eles, mas não sua garantia, competente ao Poder Judiciário em sua atuação independente142. Para que fique clara a abordagem principiológica, importa ter em mente que o Direito não é composto meramente de normas específicas, explicitamente previstas nos textos 139 SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios Hermenêuticos dos Direitos Fundamentais. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pg. 246. 140 SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios Hermenêuticos dos Direitos Fundamentais. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pg. 246. 141 SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios Hermenêuticos dos Direitos Fundamentais. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pgs. 255-257. 142 SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios Hermenêuticos dos Direitos Fundamentais. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. Pg. 261.

59 legais. Há, também, normas que são genéricas, implicitamente existentes no ordenamento jurídico, quais sejam, os princípios. Assim, normas jurídicas podem ser regras, que possuem um grau de concreção mais elevado, ou princípios, que possuem, ao contrário, um grau de abstração mais elevado. E as regras, embora tragam consigo um pressuposto factual, com a respectiva consequência jurídica, cede espaço aos princípios, que fazem impor a realização de valores que devem preponderar. Países como o nosso, de tradição romano-germânica, tem a Constituição como morada dos princípios jurídicos, que podem ser explícitos no texto constitucional, denominados de princípios constitucionais, ou implícitos ao sistema jurídico, os denominados princípios gerais143. Princípios existem sempre em pluralidade, sendo comum que normas refiram-se a mais de um princípio. Os princípios de caráter constitucional são os mais relevantes, devendo seus valores estarem presentes na aplicação das regras ou de princípios infraconstitucionais. Não raro, é necessário realizar um procedimento de ponderação/balanceamento, já que princípios nunca causam uma exclusão mútua, havendo-se que compatibilizá-los ou atribuir preferência a um deles, face a um caso concreto que demande esse procedimento. Tal abstração não deve ser vista de forma negativa, já que, tanto mais fosse específica, mais se tornaria arbitrária144. Atualmente, os princípios conquistaram hegemonia e compõe a “base normativa do ordenamento jurídico”. Um caso exemplificativo de Maria Celina Bodin de Moraes mostra o motivo disso ser importante: no caso Riggs v. Palmer, julgado no século XIX por um tribunal de Nova Iorque, surgiu a discussão acerca da existência de direito do herdeiro que matou o falecido de receber a sua herança. Mesmo as regras não aduzindo qualquer impedimento para que o assassino herdasse de sua própria vítima, o tribunal deliberou majoritariamente pela não concessão do direito hereditário, em função da aplicação de um princípio geral do direito, que é por nós adotado, segundo o qual “ninguém pode se beneficiar da própria torpeza”145. Direitos da Personalidade, assim, são Direitos Fundamentais, não se limitando esses últimos, é claro, aos primeiros. Sempre que se vislumbrar uma possível violação a um direito da personalidade, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a partir dos critérios de valor 143 BODIN DE MORAES, Maria Celina. A utilidade dos princípios na aplicação do direito. Editorial. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 1, jan.-mar./2013. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. 144 BODIN DE MORAES, Maria Celina. A utilidade dos princípios na aplicação do direito. Editorial. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 1, jan.-mar./2013. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. 145 BODIN DE MORAES, Maria Celina. A utilidade dos princípios na aplicação do direito. Editorial. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 1, jan.-mar./2013. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015.

60 intrínseco, valor comunitário e autonomia devem guiar a interpretação dos valores principiológicos consagrados em nossa Constituição Federal para aferir se o Poder Judiciário necessita agir no sentido de garantir a proteção ao direito, em detrimento de outro. A especificidade de tratamento dos Direitos da Personalidade se deve a uma escolha em tutelar, de forma mais específica, com mecanismos melhor refletidos, alguns dentre os direitos fundamentais que decorrem da própria essência da pessoa humana, sem os quais uma pessoa sequer pessoa seria, segundo nossos valores culturais. No que tange aos direitos humanos, estes surgem, ao menos como hoje considerados, em meados do século XX, respondendo aos absurdos humanitários das grandes guerras, em especial quanto ao nazismo. O movimento buscava garantir que as nações assumissem a obrigação de respeitar os direitos humanos das pessoas146. Foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que marcou o sentido contemporâneo de direitos humanos, enquanto ética universal e consenso de valores que deveriam ser perseguidos por todos os Estados. A declaração marca o sentido de direitos humanos como direitos universais, já que basta ser uma pessoa, um ser humano, para ser titular desses direitos, tendo estes a dignidade humana como fundamento; e como indivisíveis, já que os direitos civis e políticos, os direitos econômicos, os direitos sociais e os direitos culturais formam um uno, resultante da conjugação dos valores de liberdade e igualdade. Os direitos humanos, assim, formariam uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível. A ideia de sucessão geracional dos direitos é abandonada, acolhendo-se a tese de expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos. Assim, os direitos humanos se esvaziam caso não seja assegurada a igualdade, mesmo que assegurada a liberdade, e viceversa, havendo-se que ter ambos garantidos para que os direitos humanos estejam assegurados147. Foi com o intuito de estabelecer normas, procedimentos e instituições internacionais para promoção de respeito e implementação das concepções de direitos humanos no mundo que surgiu o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Segundo esse ramo jurídico, a proteção aos direitos humanos que o Estado individualmente realiza é insuficiente. Assim, não há que se reduzir a jurisdição à doméstica. Disso decorrem duas consequências relevantes: a primeira é que esse ramo sugere a relativização da noção tradicional que vinha sendo empregada para a soberania absoluta do Estado; a segunda, é que as pessoas, na condição de sujeitos de Direito, são consideradas merecedoras de uma tutela internacional de seus direitos, 146 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pgs. 03-08. 147 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pgs. 03-08.

61 ainda que consideradas individualmente e, não, coletivamente148. Da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 se extrai um arcabouço principiológico que norteia a compreensão dos direitos da personalidade. O documento serve de parâmetro para a atuação dos Estados na comunidade internacional149. Já no artigo primeiro, a declaração prescreve a liberdade ao lado da dignidade humana, coadunando com a primeira consideração de seu preâmbulo. O artigo 6° prevê o reconhecimento da condição de pessoa indistintamente no globo e o artigo 3° assegura os direitos à vida, à liberdade e à segurança nacional. No artigo 7°, aduz-se o direito à igualdade perante a proteção legal, vedando a discriminação. Versando diretamente sobre direitos da personalidade por nós tutelados expressamente, o artigo 12 prevê os direitos à privacidade e à honra. O artigo 22 prescreve o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, bem como inclui no conteúdo da dignidade humana os direitos econômicos, sociais e culturais150. Outro importante documento internacional que aduz princípios importantes para a proteção da pessoa é a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, denominada Pacto de San José da Costa Rica, integrada ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto n° 678, de 06 de novembro de 1992. Vale lembrar que os tratados internacionais de Direitos Humanos gozam de status hierárquico supralegal, quando não aprovados com quorum suficiente para terem força constitucional. Assim sendo, na hierarquia de normas, possuem, pelo menos, mais força que as leis, mas menos força que a Constituição Federal. Esse foi o entendimento firmado pelo STF no RE 466.343-SP e no HC 95.967-MS, que resultou, inclusive, na edição da Súmula Vinculante n° 25, que considera ilícita a prisão do depositário infiel, com base no art. 7°, §7°, do pacto supramencionado151. Por meio da declaração, reconhece-se direitos inerentes à pessoa humana, o que justificaria uma proteção internacional dos direitos humanos. Em seu preâmbulo, o documento reconhece a importância do mínimo existencial para a persecução dos direitos humanos. Ao que nos interessa, vale ressaltar alguns de seus dispositivos, como o artigo 1°, §2°, que considera pessoa qualquer ser humano. O artigo 3° atribui a todos o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, da qual, por sua vez, decorrem diversos direitos. O 148 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pgs. 04-05. 149 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pg. 09. 150 Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em 18 de outubro de 2015. 151 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 25. Ementa: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito. Disponível em: . Acesso em 24 de outubro de 2015.

62 artigo 7°, em seu §1°, aduz o direito à liberdade e à segurança pessoais. O artigo 8° prevê o direito ao acesso à justiça, sem o qual nenhum dos direitos previstos seria garantido. O artigo 11 aborda a proteção ao direito à honra, que integra a personalidade, prevendo também o direito à dignidade. Do parágrafo segundo deste último, extrai-se também o direito à privacidade. Do mesmo modo, o artigo 18 prevê o direito ao nome, um dos direitos que irradiam da personalidade. Vale destaque também o artigo 14, que prevê o direito à resposta ou retificação, que caberá a alguns casos de violação a direito da personalidade, como a violação ao direito à honra por reportagem jornalística152. É em decorrência dos direitos humanos que se pode compreender a nova faceta do Direito

Constitucional

ocidental

contemporâneo,

por

alguns

denominado

Neoconstitucionalismo. As Cartas Constitucionais, por força da influência dos direitos humanos, passaram a incorporar princípios com forte carga axiológica. Dentre os valores que abarcaram, incluiu-se a dignidade humana, que em nosso ordenamento ocupa lugar de destaque, como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito. Esse princípio foi reconhecido por nós como fundamental, acompanhado por diversos outros elencados na Constituição Federal de 1988, mormente em seu artigo 5°. Assim é que o Direito Constitucional se tornou o mais relevante garantidor dos direitos fundamentais153. Disso extrai-se uma importante distinção entre direitos humanos e fundamentais. Os direitos fundamentais são incorporados ao ordenamento jurídico por sua Constituição. São valores reconhecidos como merecedores desse caráter essencial. Já os direitos humanos, embora tenham a ambiciosa pretensão de se tornarem universais em todo o mundo, não gozam de tal reconhecimento. Dependem, para se tornarem verdadeiramente fundamentais, da incorporação à Carta Magna, de modo que haja um reconhecimento histórico-cultural da pertinência em se proteger esses valores. Os direitos da personalidade (e tratar-se-á deles enquanto inatos) constituem direitos fundamentais e encontrarão, dentre os direitos humanos, algumas disposições principiológicas, reconhecidas em nosso ordenamento jurídico, a guiar sua tutela. A dignidade humana servirá de princípio norteador da compreensão da medida de respeito ou desrespeito desses direitos, já que os direitos da personalidade incluem-se entre os valores intrínsecos ao ser humano. Existe um liame entre os direitos da personalidade e a dignidade da pessoa humana. 152 Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Convenção Americana de Direitos Humanos - 1969 (Pacto de San José da Costa Rica). Disponível em: . Acesso em 24 de outubro de 2015. 153 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Pgs. 340-342.

63 Privacidade, intimidade, honra, imagem e outros direitos são diretamente ligados à dignidade com mais força do que outros direitos. É que a dignidade impõe tanto uma garantia negativa, de não violar os direitos, quanto uma positiva, no sentido de permitir que ocorra o desenvolvimento da personalidade do indivíduo154. Garantir os direitos da personalidade é, assim, possibilitar a própria dignidade.

154 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. Pgs. 67-80.

64 7. Direitos da Personalidade

Primeiramente, Caio Mário da Silva Pereira esclarece que a personalidade não é um direito. Dela, na verdade, irradiam direitos, os quais, para o autor, subdividem-se em duas categorias diversas: os direitos da personalidade inatos e os adquiridos. Os direitos da personalidade adquiridos têm sua existência e dimensão delineadas pelas normas jurídicas, como os direitos autorais. Dessa forma, dependem de lei que os reconheça e regule. Já os inatos são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis e imprescritíveis, com o direito à vida, o direito à integridade física e o direito à integridade moral 155. Esta pesquisa abordará tão somente os direitos da personalidade inatos. Carlos Roberto Gonçalves reconhece a referida divisão e aduz algumas definições desses direitos por outros autores, trazendo a lume o entendimento doutrinário acerca do tema: FRANCISCO AMARAL define os direitos da personalidade como “direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual”. Por sua vez, MARIA HELENA DINIZ, com apoio na lição de LIMONGI FRANÇA, os conceitua como “direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social)”156.

Autores há que adotam uma classificação tripartida, subdividindo os direitos da personalidade em três grupos essenciais, que não limitam, por óbvio, a matéria. A classificação compreende: a integridade física, que abarca os direitos à vida, ao corpo, à saúde, dentre outros; integridade intelectual, que engloba direitos autorais, liberdade de expressão, liberdade religiosa e demais manifestações intelectuais; e integridade moral/psíquica, que abrange os direitos à privacidade, ao nome e à imagem157. Quanto a suas características, o caráter absoluto de tais direitos se deve à sua oponibilidade contra todos, ou oponibilidade erga omnes, de modo que constituam direitos a 155 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pgs.204-205. 156 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 185. 157 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 200-201.

65 que se possa demandar o respeito por todas as pessoas, diferentemente de direitos contratuais, que seriam oponíveis apenas entre as partes contratantes, em regra. São irrenunciáveis, porquanto o titular desses direitos não pode abdicar deles, não lhe sendo legítimo, assim, autorizar o seu desrespeito. A intransmissibilidade versa sobre a impossibilidade de transmitir a outrem seus direitos da personalidade inatos. Não pode alguém, por exemplo, transmitir o seu direito à honra ou à vida, vedando-se, portanto, sua limitação ou admissão de seu desrespeito de forma legítima158. Juntas, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade constituem um caráter de indisponibilidade dos direitos da personalidade - num aspecto mais genérico - não cabendo, dessarte, sua transmissão, renúncia ou abandono159. São, também, imprescritíveis, pois ainda que uma pessoa deixe de utilizar seu direito por longa data, poderá dele se valer, demandando seu respeito. A imprescritibilidade, entretanto, não abrange o direito de ação por um desrespeito determinado 160. Havendo uma violação específica a direito da personalidade, passa a transcorrer o prazo legal para o exercício do direito de ação para pleitar compensação indenizatória, a não ser que o desrespeito não cesse. Assim, enquanto perdurar a violação, poderá ser sempre restringida. Cessada, haverá prazo para que sua compensação seja pleiteada judicialmente. Por força do artigo 206, §3°, inciso V, do Código Civil de 2002, a reparação civil prescreve em 03 (três) anos, ai se incluindo a indenização por eventual desrespeito a dano moral. Carlos Roberto Gonçalves ainda reconhece uma série de outras características, a saber: não limitação, impenhorabilidade, não sujeição a desapropriação e vitaliciedade. São ilimitados porquanto não há, nem poderia haver, uma limitação para os direitos que integram a personalidade. Sendo direitos que variam conforme tempo e espaço, a tendência é a sua expansão, comportando novos direitos em sua acepção. Esse fenômeno decorre até mesmo do surgimento de novas formas de interação que demandem novos direitos, sejam direitos complementares à garantia dos já existentes ou direitos novos, decorrentes de novos valores sociais. Gonçalves reconhece novos direitos da personalidade, como direito aos alimentos, ao planejamento familiar, ao leite materno, ao meio ambiente ecológico, à velhice digna, ao culto religioso, à liberdade de pensamento, ao segredo profissional e à identidade pessoal161. 158 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pgs. 205-206. 159 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 186. 160 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 188. 161 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pgs. 186-188.

66 O aspecto de impenhorabilidade vincula-se à indisponibilidade dos direitos da personalidade. Não se pode deles dispor por qualquer meio, nem mesmo pela penhora, resguardados os reflexos patrimoniais desses direitos. A não sujeição à desapropriação é caráter que diz respeito à impossibilidade de se subtrair da pessoa qualquer de seus direitos da personalidade, sendo irrelevante a concordância ou discordância da pessoa. A vitaliciedade concerne ao caráter da personalidade por nós adotado. Os direitos da personalidade surgem com a personalidade, ou seja, no nascimento com vida, seguindo-se até que a personalidade cesse, com a morte162. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias ainda abordam a característica de extrapatrimonialidade dos direitos da personalidade, ou seja, direitos da personalidade não são direitos patrimoniais, pelo que não podem, por exemplo, ser penhorados. Contudo, admitem compensação indenizatória pecuniária163. Os direitos da personalidade inatos não devem ser confundidos com seus efeitos patrimoniais164. A imagem, enquanto direito da personalidade inato, goza de todos os atributos já apontados. Todavia, vê-se amplamente o uso de imagem de artistas em propagandas. Isso não constitui, necessariamente, uma violação ao direito à imagem. É possível ceder, por exemplo, sem abrir mão do direito ou limitar-lhe, o uso da imagem para fins comerciais, desde que por tempo certo, jamais por prazo indefinido. Entretanto, tratando-se de direito com características tão essenciais, poderá a pessoa escolher não mais permitir o uso de sua imagem comercialmente, gozando do direito de impedir que a sua utilização prossiga, independentemente da existência de qualquer contrato. Isso decorre da imprescritibilidade e intransmissibilidade dos direitos da personalidade. Do contrário, sua essência se perderia, pois os direitos da personalidade surgem num momento histórico em que se percebe que o próprio indivíduo pode colocar-se em uma situação que limite seus direitos mais elementares, de modo que a tutela jurídica deva impedir que, mesmo por ato de vontade consciente, o direito se perca. Deverá, todavia, a pessoa arcar com todos os ônus contratuais decorrentes de sua escolha, como o pagamento de multa por resilição contratual. Qualquer violação (lesão) ou ameaça a direito da personalidade investe seu titular da legitimidade de demandar a tutela jurisdicional para que a prática seja coibida. Cabe que 162 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 189. 163 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 179-180. 164 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pg. 206.

67 sejam requestadas medidas cautelares e punitivas contra terceiros que violem ou estejam na iminência de violar direitos da personalidade. Também pode-se requerer perdas e danos por prejuízos sofridos em decorrência do desrespeito a essa categoria de direitos, o que independerá da patrimonialidade do direito violado165. O direito de ação em face do agressor é do titular do direito da personalidade, por se tratar de direito personalíssimo. Contudo, com a cessação da personalidade do titular, seus direitos da personalidade podem projetar-se em sua família, ocasionando o direito de excompanheiros, viúvos, descendentes e ascendentes em linha reta e colaterais até o 4° grau acionarem o Poder Judiciário para sua defesa. O que existirá, dessa forma, não será o direito da personalidade propriamente dito, mas sua projeção. Ao possibilitá-lo, verifica-se o reconhecimento de um interesse social da proteção dos direitos da personalidade166. A indenização decorrente das perdas e danos, entretanto, deverá seguir a ordem de vocação hereditária167, que na sucessão legítima – regra no Brasil, sendo poucos os casos de sucessão testamentária – segue, em linhas gerais, a ordem elencada no artigo n°. 1.829 do Código Civil Brasileiro de 2002: descendentes, em concorrência com o cônjuge; ou ascendentes, em concorrência com o cônjuge; ou o cônjuge sobrevivente; ou os colaterais até o 4° grau168. A transmissibilidade da compensação pelo dano é regra insculpida no artigo n°. 943 do Código Civil, que estabelece o seguinte: “Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.”169. São direitos da personalidade, reconhecidamente, o direito à vida, o direito à liberdade, o direito ao próprio corpo, o direito à integridade física, o direito à intimidade ou privacidade, o direito à honra, o direito à imagem e o direito ao nome 170. Não se tratam, como se percebe, de direitos que jamais antes foram objeto de tutela jurídica ou reconhecimento. Entretanto, houve uma opção cultural clara, em muitos países ocidentais, em tutelarem com especial destaque e relevância tais direitos, já que considerados inerentes à própria condição de pessoa. 165 EREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pg. 206. 166 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 24-25. 167 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pgs. 206. 168 BRASIL. Lei N°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em 23 de outubro de 2015. 169 BRASIL. Lei N°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em 23 de outubro de 2015. 170 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pg. 206.

68 Ressalvam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias a divergência doutrinária quanto à fonte dos direitos da personalidade. Para os jusnaturalistas, cuidar-se-iam de direitos decorrentes da própria condição humana. A fonte desses direitos seria, assim, suprajurídica. Essa é a posição que prevalece doutrinariamente. Para os positivistas, entretanto, a fonte dos direitos da personalidade seria o ordenamento jurídico, posição com que concordam os autores171. De fato, parece a posição mais adequada. Enquanto direitos fundamentais, apenas o seu reconhecimento constitucional demonstrará que o valor foi consagrado universal e merecedor de tutela. É dos valores reconhecidos na Constituição que deverá partir a compreensão daquilo que se entenderá por direitos da personalidade, com apoio dos princípios constitucionais. Com essa última conclusão parecem concordar os partidários da corrente diversa172, de modo que não haja prejuízo na aplicação dos direitos da personalidade. A partir dessa exposição, será possível perceber uma série de violações aos direitos da personalidade. A título exemplificativo, apresenta-se algumas possibilidades: assédio moral no trabalho, uso de imagem sem autorização, discriminação genética, invasão à privacidade, furto de dados pessoais, agressões psicológicas ou físicas, etc 173. Para coibir essas práticas, o ordenamento jurídico pátrio traz algumas disposições, como no Código Civil de 2002, que dedica um capítulo integralmente aos direitos da personalidade. A abordagem civil é tímida. Visava-se a possibilitar que a doutrina e a jurisprudência consolidassem entendimentos sobre o assunto antes de criar normas mais abrangentes 174. Ainda assim, o código foi inovador, se comparado ao Código Civil de 1916 que o antecedeu, o qual tinha foco essencialmente patrimonialista. Anderson Schreiber, entretanto, considera equivocada a abordagem que o atual código operou, que se apresentou excessivamente rígida e meramente estrutural175. No atual Código Civil, as disposições específicas acerca dos direitos da personalidade encontram-se entre os artigos 11 e 21, compondo o Capítulo II do Título I, no Livro I do referido diploma normativo. O artigo 11 atribui as características de intransmissibilidade e irrenunciabilidade aos direitos da personalidade, ou seja, a sua indisponibilidade, ressalvando os efeitos patrimoniais de tais direitos, que poderão ser objeto 171 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 174-176. 172 Nesse sentido: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: BODIN DE MORAES, Maria Celina. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009; e GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 173 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 09. 174 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg. 190. 175 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 10-12.

69 de cessão temporária e específica. Nesse aspecto, a vedação da autolimitação dos direitos da personalidade deve ser ponderada: se a autolimitação tiver por escopo o atendimento à dignidade humana, segundo verificação do jurista, será admissível. Para auferi-lo, o jurista pode adotar alguns parâmetros: as limitações jamais poderão ser permanentes e irrestritas; as limitações devem respeitar certo grau de intensidade tolerável; deve-se ponderar a finalidade da limitação, evitando-se a admissão de absurdos, de modo que um chip de monitoramento da saúde de pessoa acometida por anomalia grave é admissível, mas um chip para rastreamento dessa pessoa, não. Anderson Schreiber sintetiza em 04 (quatro) os critérios de ponderação da autolimitação: alcance, duração, intensidade e finalidade do ato176. Já o artigo 12 assegura o direito a ver cessada a lesão, ou mesmo a ameaça de lesão, a direito da personalidade, bem como a pleitear perdas e danos, o que não limitará outras sanções cabíveis. No seu parágrafo único, fica ressalvada a projeção dos direitos da personalidade do falecido aos seus familiares mais próximos: cônjuge, parentes em linha reta e colaterais até o quarto grau. Esse dispositivo fundamenta o pleito de perdas e danos por pessoa diversa do seu titular após o óbito deste. O artigo 13 veda a disposição do próprio corpo, assegurando o direito à integridade corporal. Essa proibição é relativizada pelo artigo 14, que permite tal disposição após o óbito, como o caso de doação de órgãos. Já o artigo 15 reforça o 13, ao proibir a realização forçada de tratamento médico ou intervenção cirúrgica que traga risco à vida, de modo que, em regra, deva haver autorização prévia. Extrai-se do artigo 16 o direito ao nome, ou seja, o direito a ter prenome e sobrenome. O direito tem sido visto de forma mais abrangente, como a garantia à identidade e ao conhecimento da ascendência genética. Para proteger o referido direito, o artigo 17 proíbe a utilização de qualquer nome de forma pública, quando utilizado de forma a desprezar a pessoa. De igual modo, o artigo 18 limita a utilização de nome alheio para fins comerciais à prévia autorização. O artigo 19 estende a proteção do nome ao pseudônimo, considerando este inerente ao direito ao nome. O artigo 20 protege o direito à imagem e à honra. Segundo ele, ressalvadas as hipóteses de existência de autorização prévia e/ou de ser necessário o ato por questão de ordem pública ou para correta administração da justiça, é vedada a utilização de imagem, bem como de escritos ou a transmissão de palavra por qualquer meio, que violem a honra, a boa fama e/ou a respeitabilidade da pessoa humana. A mesma proibição se estende, com iguais ressalvas, à utilização comercial da imagem. Já o artigo 21, por fim, tutela o direito à 176 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 26-28.

70 privacidade, determinando ser este inviolável177, cabendo, como a todos os outros direitos da personalidade, a adoção de medidas jurisdicionais para impedir ou fazer com que cesse o ato violador do direito. Importa ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em junho deste ano, proferiu decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade n°. 4.815, por meio da qual atribuiu interpretação conforme aos artigos 20 e 21, por unanimidade, para declarar a inexigibilidade de consentimento prévio do biografado para a publicação da biografia, pois tal prática configuraria censura prévia178. A Constituição da República Federativa do Brasil trata, em seu artigo 5°, de diversos direitos da personalidade, atribuindo-lhes caráter de direitos fundamentais. Os direitos à vida e à liberdade são assegurados no caput do dispositivo, ocupando lugar de destaque, graças a sua importância. Destaca-se, ainda, o inciso X, que classifica como fundamentais os direitos à intimidade, vida privada, honra e imagem, assegurando o direito à compensação indenizatória por qualquer lesão a eles. Como dito alhures, o direito à resposta é assegurado em alguns casos de violação aos direitos da personalidade, quando envolverem desrespeito aos direitos em caráter público. Esse direito à resposta também possui caráter fundamental, já que encontra-se insculpido no inciso V do mesmo artigo. O inciso XXVIII protege a imagem, a voz e o direito autoral, complementando o inciso X. Também cabem ressalvas aos incisos, todos do artigo 5°: XXXII, por meio do qual assegura-se, com destaque, proteção ao consumidor, o que enfatiza sua vulnerabilidade e, portanto, a necessidade de proteção; e o LXXVI, que, para assegurar o direito ao nome, garante gratuidade, aos hipossuficientes, do registro civil de nascimento. Todos os parágrafos do artigo 5° também importam relevante análise. O §1° assegura 177 BRASIL. Lei n°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em 23 de outubro de 2015. 178 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n°. 4815. Decisão Final: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica , declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). Falaram, pela requerente Associação Nacional dos Editores de Livros - ANEL, o Dr. Gustavo Binenbojm, OAB/RJ 83.152; pelo amicus curiae Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, o Dr. Thiago Bottino do Amaral, OAB/RJ 102.312; pelo amicus curiae Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB, o Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho, OAB/PI 2525; pelo amicus curiae Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP, a Dra. Ivana Co Galdino Crivelli, OAB/SP 123.205-B, e, pelo amicus curiae INSTITUTO AMIGO, o Dr. Antônio Carlos de Almeida Castro, OAB/DF 4107. Ausente o Ministro Teori Zavascki, representando o Tribunal no simpósio em comemoração aos 70 anos do Tribunal de Disputas Jurisdicionais da República da Turquia, em Ancara . Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. - Plenário, 10.06.2015. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015.

71 aplicação imediata às normas definidoras de direitos fundamentais. O §2° confirma que os direitos fundamentais inexistem em rol exaustivo, ou seja, cabe a sua expansão, ou seja, cabe o reconhecimento da existência de outros direitos fundamentais. O §3° possibilita que tratados internacionais de direitos humanos tenham força hierárquica de normas constitucionais, desde que aprovados pelo quórum de 3/5 dos membros de cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos. As demais normas internacionais de direitos humanos, aprovadas sem tal quórum ou procedimento, terão força supralegal, mas infraconstitucional, como já dito. Por fim, o §4° submete o Brasil à jurisdição dos Tribunais Penais Internacionais, desde que adira aos tratados que os criarem. Esse parágrafo reconhece, em casos criminais, a tutela internacional dos direitos da personalidade179. Pode-se ainda mencionar a tutela aos direitos da personalidade pelo Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 4° integra à Política Nacional das Relações de Consumo o respeito à dignidade. Além disso, em seu artigo 6°, o diploma normativo assegura, como direitos básicos do consumidor, o direito à vida e à integridade física, bem como o direito à reparação por danos morais, sejam estes individuais, coletivos ou difusos. Esses últimos aspectos encontram-se previstos nos incisos I e VI do último dispositivo mencionado180. Há, ainda, o Marco Civil da Internet, instituído pela Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, que assegura, em seu artigo 2º, inciso II, que o uso da internet terá por fundamento os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais. Em seu artigo 3º, incisos I e II, elenca-se como princípios a regerem a disciplina do uso da internet a privacidade e a liberdade, dois direitos que emanam da personalidade humana. Reforçam a tutela desses últimos direitos, tomados como essenciais para o exercício pleno do direito de acesso à internet, os artigos 7º, especialmente em seus incisos I a III, e 8º181. Nesse tocante, a tutela da liberdade se dá mais fortemente no seu prisma ligado à expressão de pensamento. O artigo 10º, caput, do Marco Civil da Internet, dispõe que a guarda e disponibilização de registros, tanto os de conexão quanto os de acesso a qualquer modalidade de aplicação disponível na internet, deve respeitar os direitos à honra, à imagem, à intimidade 179 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015. 180 BRASIL. Lei n°. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015. 181 BRASIL. Lei n°. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em . Acesso em 30 de outubro de 2015.

72 e à vida privada. Os §§ 1º e 2º do aludido artigo determinam que o acesso a tais dados por terceiros somente poderá se dar mediante ordem judicial, uma grande garantia, pois cede espaço à realização do contraditório e da ampla defesa em procedimento jurisdicional, permitindo que se coíba excessos. Os registros de conexão deverão ser armazenados por empresas que forneçam acesso à internet pelo prazo mínimo de 01 (um) ano, inexistindo prazo máximo, por força do artigo 13. O §2º do último dispositivo autoriza que autoridades policiais ou administrativas, bem como os representantes do Ministério Público, requeiram que tal prazo seja estendido, possibilitando que investigações que demandem maior tempo possam deles se valer182. Aliás, esse parece ser o objetivo da obrigatoriedade de armazenamento desses registros: sendo o anonimato vedado no Brasil, cabe afastar o direito ao sigilo quando outro valor tiver sido violado e for fundamental averiguar, a partir dos registros, a veracidade de comportamentos ilícitos. Já os registros de acesso a aplicação de internet, via de regra, jamais poderão ser armazenados pelos provedores de conexão, seja seu serviço gratuito ou oneroso, conforme o art. 14. Serão os provedores das aplicações de internet que deverão armazenar os dados de suas próprias aplicações por seis meses (ou mais, caso autoridades policiais ou administrativas, bem como os representantes do Ministério Público o solicitem), a teor do art. 15183. Esse diploma normativo ainda dispõe, por meio de seu artigo 11, que as operações que envolvam dados pessoais ocorridas no Brasil deverão submeter-se à legislação pátria. O artigo 18 exime de responsabilidade o provedor de acesso à internet por danos gerados por serviços de terceiros. Só poderá ser responsabilizado, conforme o artigo 19, se, ordenado a remover o conteúdo violador de algum direito, não o fizer no prazo assinalado por ordem judicial específica. Para proteger os provedores de conexão, o §1º do art. 19 determina que a ordem judicial deverá identificar clara e precisamente o conteúdo que infringe norma, possibilitando a localização inequívoca do material que viole direito184. Nos casos de utilização dos dados pessoais, cabe ao juiz determinar segredo de justiça, conforme o art. 23 da Lei 12.965/14, resguardando os direitos da personalidade das 182 BRASIL. Lei n°. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em . Acesso em 30 de outubro de 2015. 183 BRASIL. Lei n°. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em . Acesso em 30 de outubro de 2015. 184 BRASIL. Lei n°. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em . Acesso em 30 de outubro de 2015.

73 partes. Em função da vedação do artigo 16, inciso II, que não permite o armazenamento de dados pessoais excessivos pelos provedores de acesso a aplicações, o texto da norma não trará consequências maiores à análise que se desenvolve, porquanto não é permitido às empresas armazenar, salvo raras e específicas circunstâncias e apenas por requisição das autoridades competentes, conversas e interações entre personagens. Caso esse armazenamento fosse admitido, ou mesmo obrigatório, em função dos direitos à intimidade ou privacidade, que engloba o direito de ter ciência da movimentação desses dados, seria pertinente a abordagem. Mesmo no campo fático, o raciocínio de ocorrência desse armazenamento de forma voluntária se apresenta, pelos dados a que se teve acesso, pouco provável. É muito pouco atraente às empresas o armazenamento de alta quantidade de dados, pois isso demanda investimento constante em ampliação de estruturas para esse fim, o que, para a ainda pequena indústria de jogos brasileira, seria muito custoso. Além disso, traria a essas empresas uma grande responsabilidade, da qual pretendem se eximir para evitar problemas que possam lhes acarretar maiores custos. Ademais, como é possibilitado a qualquer jogador, através dos mecanismos dos microcomputadores, armazenarem esses dados de outras formas, até mesmo pelo recurso “Print Screen”, tecla que permite tirar uma foto da tela do computador, incluso do jogo, é possível às pessoas, individualmente, armazenarem tais dados quando assim desejarem. Vale lembrar, ainda, dos enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que possuem força doutrinária na compreensão dos dispositivos do Código Civil de 2002. Abordam diretamente os direitos da personalidade os enunciados n°.: 1, 2, 4, 5, 6, 139 e 140, 274 a 279, 398 a 405, 531 a 533 e 576. Dada a sua extensão, abordar-se-á tão somente aquelas que interessarem diretamente à análise monográfica. No âmbito do Poder Judiciário, as ações judiciais hábeis a defender direitos da personalidade podem ser divididas em três grupos: preventiva ou cautelar, para fazerem cessar o desrespeito ao direito; cominatória, para evitar que se concretize a lesão ao direito; bem como a repressiva, por meio da qual serão requeridos perdas e danos. Em relação às ações cominatórias, são relevantes as medias previstas nos artigos 287 e 461 do atual Código de Processo Civil, que preveem a possibilidade de aplicação de multa e antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para impedirem o surgimento da lesão. Os dispositivos, de certa forma, foram mantidos no Novo Código de Processo Civil, que passará a vigorar em 2016, pelos artigos 497, 499, 500 e 811 a 823.

74 Concretizada a lesão a direito da personalidade, exsurge responsabilidade civil extracontratual ao agente, que terá praticado uma ilicitude no campo civil185. Da lesão, decorrem duas modalidades de tutela, a reparatória, de caráter repressivo, e a inibitória, de caráter preventivo. Assim, a inclusão indevida do nome de algum credor em órgão de proteção a crédito pode ser repreendida com o pagamento de compensação pecuniária e inibida pela ordem de remoção do nome do rol de devedores186. Para além da multa pecuniária, diversas outras medidas civis podem ser aplicadas, sempre que se apresentarem convenientes no caso concreto, para garantir os direitos da personalidade, a exemplo de busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, requisição de força policial, etc187. Não se deve confundir, entretanto, a lesão a direito da personalidade com dor, vergonha, desgosto, aflição. Esses e outros sentimentos são consequência do dano à personalidade, também denominado dano moral ou dano extrapatrimonial. Assim, será indenizável ainda que a pessoa não tenha expressado qualquer sentimento negativo. Não se busca consequência à violação do direito da personalidade para, só então, puni-lo. Cuida-se de um dano in re ipsa, ou seja, ínsito ao próprio ato violatório188. O dano decorre da simples violação, como o uso sem autorização do nome para fins comerciais, não havendo que se cogitar se isso trouxe angústia à pessoa lesada. O mesmo ocorre com a violação do direito à honra. Não importa se a vítima não se sentiu ofendida, pois o ato de violação será punível de igual modo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado sumular nº. 403, segundo o qual a indenização pelo uso da imagem de forma não autorizada independe de prova de prejuízo189. Tal compreensão afigura-se muito pertinente. Dependessem de sentimentos os danos morais, teriam eles aferição moralmente questionável e faticamente impossível. Pelo contrário, a compreensão do dano moral permite que mesmo uma pessoa em coma possa ter direitos da personalidade, como a honra, violados190. Esse exemplo emblemático demonstra 185 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pgs. 190-191. 186 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 188. 187 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 195. 188 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 189. 189 BRASIL. Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Enunciado Sumular nº. 403 – Ementa: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015. 190 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 17.

75 que, mesmo não sentindo dor ou sofrimento por sua condição fisiológica, haverá dano moral indenizável, o qual, no caso, poderá ser requerido por curador devidamente habilitado. Os danos aos direitos da personalidade ocorrem de forma cumulativa. O mais grave não absorve o mais leve, devendo cada dano diverso ser punido de forma independente, autônoma, excetuando-se a seara criminal, em que, num mesmo contexto, o crime mais grave absorverá o menos grave. Não por outro motivo, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado sumular nº. 387, o qual admite a cumulação de indenizações por danos moral e estético. Do mesmo modo, a violação conjunta de direito à imagem e direito à honra ensejará duas sanções autônomas191. Terminologicamente, embora corriqueiro, deve ser evitado o uso do vocábulo “reparação” ao abordar danos morais. Por não serem patrimoniais, a reparação, ou seja, o retorno ao estado anterior ao dano, é impossível. Um termo mais adequado seria “compensação”, que melhor exprime a impossibilidade de retorno ao status quo ante. Identificada a lesão a direito da personalidade, há que ocorrer a compensação. A compensação dos danos morais ocorre preponderantemente por meio de pecúnia. Entretanto, é necessário expandir as possibilidades de compensação dos danos morais, reconhecendo a existência de outros métodos compensatórios que podem vir a ser mais efetivos e, a depender do caso, podem até ser aplicados cumulativamente. Daí a importância do direito constitucional à resposta, que também é um direito fundamental. Outro relevante exemplo é a publicação da versão verdadeira no mesmo meio. Além disso, cabe a condenação a pedir desculpas, uma importante ferramenta compensatória ainda pouco utilizada. A depender da circunstância, apenas essas compensações, combinadas com a pecuniária, serão suficientes para verdadeiramente compensar o dano de forma efetiva e plena192. A compensação pode ainda ser pela publicação da notícia da condenação nos mesmos meios em que se deu a ofensa à honra 193. Ou, ainda, para desmistificar a possibilidade de enriquecimento ilícito, em causas de defesa dos direitos da personalidade em contextos em que se identifiquem direitos difusos ou coletivos, cabe pleitear que a compensação seja destinada a entidades sem fins lucrativos destinadas à proteção do interesse violado, selecionadas com cautela para que não se destine recurso para fins indevidos. Isso não configuraria bis in idem, pois a compensação não visa a reparação do dano moral, o que é impossível. É um gesto simbólico para coibir a prática e reprimir sua repetição194. 191 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 190. 192 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 17-18. 193 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 80. 194 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 102.

76 É importante que os tribunais se esforcem para admitir e construir novas formas de compensação ao dano moral, que é irreparável. A persistência em apenas condenar a indenizações pecuniárias têm acarretado diversos efeitos maléficos: cria-se a lógica de que danos morais possam ser causados livremente, desde que por eles se pague certa quantia; estimula-se um tabelamento de indenizações, a um dano extrapatrimonial que é diverso para cada caso concreto; precifica-se atributos humanos; e incentiva-se demandas que almejem o enriquecimento a partir de aborrecimentos corriqueiros195. Aliás, é importante ressaltar que as compensações por danos materiais e morais também são cumuláveis. Uma independe da outra e, sempre que o dano extrapolar a esfera patrimonial, atingindo os direitos da personalidade, cabe compensação diversa. É o que determina o enunciado sumular nº 37 do Superior Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”196. A efetividade dos métodos alternativos se deve à peculiaridade do dano moral, que não pode ser desfeito mediante o pagamento de um valor monetário. Isso porque têm sido fixados como critérios para a quantificação das indenizações quatro critérios: gravidade do dano, capacidade econômica da vítima, grau de culpa do ofensor e capacidade econômica do ofensor. Esses critérios focam um dos dois aspectos que vêm sendo atribuídos aos danos morais: o aspecto punitivo da compensação. O outro aspecto seria o pedagógico. Ocorre que o caráter punitivo, sem critérios legais, dá margem muito ampla ao juiz para determiná-lo. Além disso, não há motivo para que se destine a “pena” pecuniária à vítima, podendo ser melhor alternativa a destinação a entidade filantrópica sem fins lucrativos. Isso eliminaria a necessidade de se auferir o grau de riqueza da vítima e do autor da lesão, não havendo-se que considerar suposto enriquecimento ilícito, critério por demais subjetivo197. Por esse motivo, Anderson Schreiber recomenda resistência à importação do instituto estadunidense dos punitive damages, que é critério aplicado de forma distinta da compensação indenizatória, diferentemente do que alguns magistrados têm defendido. Segundo o autor, a única justificativa para a implementação do sistema seriam as baixas indenizações que vêm sendo fixadas, mas isso se resolveria por uma generosidade maior dos tribunais, fundado na singularidade de irreparabilidade do dano moral. Com isso, afastar-se-ia a temerosa prática do

195 SCHREIBER, Anderson. Reparação Não Pecuniária dos Danos Morais. In: Pensamento Crítico do Direito Civil Brasileiro. COORD.: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luíz Edson. Curitiba: Juruá, 2011. Pgs. 329-335 196 BRASIL. Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Enunciado Sumular nº. 37 – Ementa: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015. 197 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 19-21.

77 “tabelamento judicial”198. No caso dos jogos online, a compensação pode se dar por publicação da decisão judicial e de pedido de desculpas no site oficial do jogo e no fórum, dando ampla publicidade, assim como na destinação de pagamento de pecúnia a associações como a ABRAGAMES, dentre outras, que se dedicam a estudar e propor pesquisas sobre jogos, desenvolvimento do ramo e uma indústria que siga rumos éticos. Outra alternativa seria a disponibilização de uma mensagem dentro do jogo. Isso pode ocorrer com a inclusão de uma placa com pedido de desculpas em local movimentado pelos jogadores, ou mesmo por meio de uma mensagem que apareça a todos os jogadores ao entrar no jogo. Além disso, o ambiente do jogo, do fórum do jogo (é comum que as empresas de jogos criem fóruns para que jogadores ajudem uns aos outros e debatam questões referentes aos jogos) e o site oficial por que disponibilizados os jogos podem ceder espaço ao direito de resposta, que deverá buscar a mesma visibilidade que teve o ato que gerou dano moral. Tudo, é claro, quando a vítima não preferir deixar de expor-se, nos casos em que a maior publicização do caso violaria ainda mais seus direitos da personalidade. Nesse caso, entretanto, os pedidos de desculpa podem ser dirigidos em própria audiência, assim como o direito de resposta199. Ademais, se o dano moral ocasiona a perda de algum item digital, esse item digital deve ser reposto. Se o jogador perde acesso ao jogo pelo qual deve pagar para jogar, deverá ganhar tempo de acesso equivalente ao não usufruído. Se perde um evento do jogo, a empresa deve realizar um novo evento em momento extraordinário para compensar seu dano. Todas essas medidas podem ser aplicadas pelo juiz ainda que não requeridas pelo autor da demanda judicial, embora seja altamente recomendável que o requerente faça expressamente tais pedidos, ampliando suas chances de uma compensação efetiva do dano moral. A doutrina processualista admite que o juiz, buscando tutela específica, determine uma providência diferente da requerida, sempre buscando a efetividade da tutela jurisdicional. No caso dos danos morais, isso ganha especial relevo, pois a tutela específica se apresenta melhor alternativa para compensação do dano causado, que não é auferível em pecúnia 200. Em 198 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 19-21. 199 SCHREIBER, Anderson. Reparação Não Pecuniária dos Danos Morais. In: Pensamento Crítico do Direito Civil Brasileiro. COORD.: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luíz Edson. Curitiba: Juruá, 2011. Pgs. 337338. 200 SCHREIBER, Anderson. Reparação Não Pecuniária dos Danos Morais. In: Pensamento Crítico do Direito Civil Brasileiro. COORD.: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luíz Edson. Curitiba: Juruá, 2011. Pgs. 342244.

78 essência, qualquer dessas medidas respeita o pleito, porquanto são formas de compensação diversificadas do dano moral. O tabelamento de indenizações, pelo contrário, é uma ferramenta que serve ao mercado, não à pessoa humana. Com ele, empresas conseguem calcular o custo-benefício do dano moral. Em uma realidade em que poucos consumidores e poucas vítimas buscam soluções judiciais para seus problemas, apresentar-se-á mais conveniente às empresas, tendo como calcular o custo médio da demanda, se isso lhes possibilitarem os tribunais, incluir o custo no preço final de seus produtos e serviços, transferindo à sociedade o pagamento das reparações por suas violações. Essa postura foi adotada, infelizmente, pelo Superior Tribunal de Justiça em 2009, ao reconhecerem seus magistrados o subjetivismo com que vinham fixando danos morais201, ante a inexistência de critérios legais para tanto. Perdeu-se, em verdade, a ótima oportunidade de alternar a destinação de recursos, estipular indenizações mais elevadas em função de lesão a direito fundamental incalculável, mas que, por seu status jurídico, merece proteção especial, bem como a aplicação de métodos alternativos de compensação, cumulados ou não ao pecuniário, a depender apenas do caso concreto. Ainda é importante tecer distinção no trato dispensado às pessoas jurídicas. Conforme explana Anderson Schreiber, é inapropriado considerar que a tutela aos direitos da personalidade se estenda às pessoas jurídicas. O que ocorre é uma tutela diversa e análoga. Pessoas jurídicas não gozam do status essencial dos direitos que irradiam da personalidade da pessoa humana. O artigo 52 do Código Civil, ao referir-se à aplicação dos direitos da personalidade “no que couber” às pessoas jurídicas, deverá ser compreendida como proteção imprópria e análoga, porquanto não atinge-se dignidade humana quando uma empresa, por exemplo, vê desrespeitado seu nome ou imagem, mas, sim, o seu patrimônio. A tutela, nesse caso, será patrimonial, não extrapatrimonial, como o é a danos morais. É equivocado, assim, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em seu enunciado sumular nº 227, que determinou que pessoa jurídica poderia sofrer dano moral 202. Não foi, certamente, essa a proteção que se pretendia aos direitos da personalidade, à luz dos valores que se extraem do texto constitucional, em seu artigo 5º, inciso X, bem como dos direitos humanos já abordados, fonte da qual emanou a constitucionalização de direitos fundamentais como os direitos da personalidade, mormente sob o viés da dignidade da pessoa humana. Suficientemente abordado o caráter genérico dos direitos da personalidade, cumpre 201 Consultor Jurídico. STJ define valor de indenizações por danos morais. In: Revista Consultor Jurídico. 15 set. 2009, 09h. Disponível em: . Acesso em 27 de outubro de 2015. 202 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 13-23 e 94-98.

79 agora analisá-los naquilo que importarem às relações interpessoais nos jogos online. Para que fique claro, as relações analisadas serão as intermediadas pela rede mundial de computadores, operadas por um ser humano e outro(s), por meio das personagens de que se valem no mundo virtual. Portanto, opera-se uma limitação dos campos de abordagem possíveis. Tendo por foco os direitos da personalidade mais abordados pelos autores, bem como os expressamente reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, dispensarão abordagem os direitos à vida, direito à liberdade, direito ao próprio corpo, direito à integridade física e direito à intimidade ou privacidade. Das relações entre personagens eletrônicas não decorre qualquer risco a direito que se vincula a caráter fisiológico. Essas interações, assim, não causam risco à vida ou à integridade física. Ademais, seria preciso operar uma abstração muito elevada e pouco útil para abordar os direitos à liberdade e à privacidade em relações entre jogadores eletrônicos. É importante frisar que os jogos escolhidos para a abordagem, quais sejam, Ragnarök Online e League of Legends, seguem a estratégia de entretenimento com acesso gratuito (Free-to-Play), portanto constituem exemplos do mercado majoritário de jogos e da estratégia de lucro que mais cresce nesse ramo, bem como agregam grande contingente de jogadores e, assim, maior número de relacionamentos. Diante das limitações apontadas, restam analisar, nesses jogos, as abordagens sob o viés do direito à honra, do direito à imagem e do direito ao nome.

80 8. Direito ao Nome nas Relações Interpessoais nos Jogos Online

O nome registral é composto por prenome, também denominado nome individual, que constitui o primeiro nome, o nome que, em nossa cultura, nos designa enquanto indivíduos; e pelo sobrenome, também denominado nome patronímico ou nome de família. O prenome pode ser simples (ex.: João) ou composto (ex.: João Pedro). Além disso, pode ainda o nome contar com agnome, elemento complementar que indica grau de parentesco ou geração, como “Júnior”, “Filho” ou “Neto”. Curiosamente, em caso de gêmeos a que os pais escolham o mesmo prenome simples, deverão os irmãos, por força do artigo 63 da Lei nº. 6.015/73, ter prenomes compostos com o segundo elemento variado, ou com nome completo diverso, para que possam ser individualizados. O sobrenome constitui direito da pessoa, adquirido ipso iure, ou seja, em decorrência do próprio direito, não de qualquer fato específico, sendo vedada qualquer discriminação. Assim, mesmo o filho extraconjugal ou resultante de incesto fará jus a sobrenome, por força do artigo 227, §6º, da Constituição Federal de 1988203. O nome, no Brasil, é encarado como verdadeira questão de Estado. Sendo um misto de direito subjetivo e interesse social, alguns doutrinadores o consideram, a um só tempo, um direito e um dever204. O direito foi regulado, em parte, pela Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), que em seu artigo 55 determina o registro em decorrência do nascimento, conforme apontado pelos pais ou declarante, devendo o oficial de registro civil se recusar a registrar nomes que exponham a pessoa ao ridículo. Assim, a proteção ao nome surge antes mesmo de seu registro. O artigo 56 da mesma lei autoriza a alteração do nome durante o primeiro ano após ter a pessoa completado a maioridade, oportunidade em que dever-se-á preservar os apelidos de família205. A preservação de sobrenome(s) que vinculem a pessoa à família relaciona-se ao direito à identificação social e à individualização em relação aos demais, mas não é absoluto. É preciso verificar se a alteração traz algum risco para o grupo social antes de admitir a mudança, consultando os antecedentes jurisdicionais da pessoa que pleiteia a alteração, assim como se há protesto de títulos e documentos em seu nome. Mas, de todo modo, é admitida sua 203 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 277. 204 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pg. 208. 205 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 187-189.

81 alteração, pois o nome, além de um interesse público, é um interesse individual. Enquanto espaço de autodeterminação, o nome, ou a própria identidade da pessoa humana, pode ser livremente alterado sempre que não se revele o pleito mero capricho ou estratégia para lesar terceiros206, muito embora considere-se que o nome seja, via de regra, inalterável207. Com esse intuito, o artigo 57 da Lei 6.015/73 permite a alteração do nome. O artigo 58 oferece certa resistência à alteração do prenome, que considera “definitivo”. Entretanto, mesmo ele poderá sofrer modificação. Assim é que, não a alteração, mas, sim, a manutenção do nome é que deve ter motivo justificado quando uma pessoa pleiteia sua modificação. Para tanto, deve-se considerar que o nome é tutelado sob três aspectos: o direito a ter um nome; o direito a interferir no próprio nome; e o direito de impedir o uso indevido do próprio nome por terceiros208. No Código Civil de 2002, o direito ao nome é regulado pelos artigos 16 a 20, proteção que abrange os pseudônimos, demonstrando que o nome é protegido enquanto identidade social209. Os artigos vedam o uso de nome alheio especialmente quando utilizado de forma difamatória ou comercial. As hipóteses de utilização indevida devem ser consideradas maiores que as que o código, com timidez, elenca, mas com certa ponderação, pois a mera menção a nome alheio pela imprensa, sem autorização prévia, não poderá ser considerada, de pronto, violação a direito da personalidade, cabendo aferir se no contexto de sua utilização houve realmente alguma violação ao direito 210. Interessante notar que, segundo o enunciado nº 278 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, mesmo a publicação não autorizada de qualidades capazes de identificar uma pessoa viola o direito ao nome, demonstrando o reconhecimento a esse direito enquanto identidade, muito mais que apenas o nome registral211. Para além de um dever para com o Estado e a sociedade, o nome deve ser compreendido enquanto realização da dignidade humana, não devendo servir exclusivamente aos fins de identificação pública. Nesse ponto, interessará às relações interpessoais entre jogadores. 206 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 189-191. 207 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 278-279. 208 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 191-192. 209 BRASIL. Lei N°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em 23 de outubro de 2015. 210 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral de Direito Civil. Vol. 01. 23ª ed. Revista e atualizada por: MORAES, Maria Celina Bodin de. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. Pg. 209. 211 BRASIL. Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Disponível em: . Acesso em 28 de outubro de 2015.

82 Normalmente, em jogos do estilo MMORPG o jogador pode criar uma multiplicidade de personagens. Assim, o jogador, primeiramente, deverá acessar sua conta através do nome de usuário (comumente denominado Login) e sua senha, na qual encontrará suas personagens, cada qual com uma designação diversa (designação essa denominada nickname, ou, em tradução livre, apelido). Há exceções, como o jogo RuneScape, em que cada conta poderá ter apenas uma personagem, com uma única denominação que o identificará entre todos (que pode ser diversa do Login). Nas contas dos MMORPGs mais comuns, no entanto, aparecerão as diversas personagens criadas, avatares diversificados que o jogador tiver criado (e por “criado” entenda-se a customização de cada avatar, escolhendo desde cor da pele a proporções do corpo, até a classe que essa ocupará no ambiente virtual, podendo ser, por exemplo, um guerreiro, um mago ou um arqueiro). Nada impede que o jogador opte por criar apenas uma personagem, ou se dedicar com maior fervor a uma única. Isso ocorre comumente no jogo Ragnarök Online, porquanto apenas uma personagem de cada conta pode ocupar lugar num mesmo clã. Além disso, tais jogos possuem, geralmente, uma Lista de Amigos. Em tal lista, uma personagem pode adicionar outras, utilizadas por jogadores diversos. No Ragnarök Online, um jogo relativamente antigo, diversamente dos MMORPGs mais atuais, não há compartilhamento das Listas de Amigos das personagens de uma mesma conta, o que estimula a utilização preponderante ou exclusiva de uma única personagem, através da qual poderá o jogador entrar em contato com seus amigos ou com seu clã através do jogo, bem como verificar se, naquele momento, a personagem adicionada se encontra no mundo virtual. Os clãs geralmente são aglomerações de jogadores com objetivos comuns, que não necessariamente são os delineados primordialmente pelo jogo. Por exemplo, em Ragnarök Online ocorre um evento, semanalmente, denominado Guerra do Emperium 212. Durante o evento, os Líderes de Clã, que são aqueles que utilizam-se de um item denominado Emperium para criar um clã determinado (cada líder só pode criar um clã), possuem acesso a habilidades exclusivas. Para obter essas habilidades, entretanto, compete a esse líder distribuir as quotas percentuais de doação da experiência que cada integrante do clã obtém ao derrotar uma criatura do jogo, denominadas genericamente de “monstros”. O sistema de experiência é muito comum a jogos do estilo MMORPG. O jogador tem por objetivo primeiro – o qual pode-se optar por não realizar – tornar-se mais poderoso, e, para tanto, precisa adquirir pontos 212 Guerra do Emperium. Level Up! Interactive S.A.. Disponível em: . Acesso em: 05 de junho de 2015

83 de experiência. Os pontos de experiência são adquiridos ao derrotar esses “monstros” e ao completar missões. Ao acumular um número determinado de experiência, o jogador adquire pontos para tornar-se mais poderoso. O mesmo ocorre para as habilidades de clã de Ragnarök Online. Assim, o líder pode, por exemplo, determinar que A doará 100% da experiência que sua personagem obterá ao derrotar monstros, enquanto B doará 50% e C não doará qualquer percentual. Com essa experiência acumulada, por exemplo, podem escolher esses líderes investir os pontos de habilidade, adquiridos após o acúmulo de determinados pontos de experiência, em habilidades do clã, como uma habilidade que aumenta a quantidade máxima de jogadores que um clã comporta. Em seu nível máximo, essa habilidade adiciona em 60 a quantidade máxima de jogadores no clã. O líder também distribui a faculdade de convidar outros jogadores para o clã. Assim, alguns membros poderão convidar outras personagens, a critério do líder. Portanto, visivelmente o jogo procura estimular a atividade em grupo para adquirir experiência, em quotas consideradas justas, para adquirir habilidades exclusivas para a utilização durante o evento mencionado. Isso requer certa dedicação a uma personagem, em regra. O evento Guerra do Emperium consiste, em apertada síntese, em conquistar castelos, derrotando os membros que o haviam conquistado anteriormente e destruindo a Emperium que localiza-se em determinada sala do castelo (ao conquistar um castelo, surge um minério, o Emperium, em uma sala relativamente afastada, a qual consistirá no coração do castelo para o clã que o conquistou). O evento dura duas horas e ocorre duas vezes por semana. Aqueles clãs que, ao final do evento, conseguirem manter um ou mais castelo dominados, terá acesso a uma sala especial, em que obterá itens valiosos, muitos exclusivamente obtidos como recompensa do evento. Além disso, os integrantes do clã passam a ter acesso, até que o evento subsequente se inicie, dias depois, a mapas especiais com “monstros” e missões exclusivos. Diversos clãs se mobilizam de forma muito organizada e estratégica para o evento, demandando inclusive atividades de treinamento dos integrantes do clã. Os melhor organizados conseguem conquistar diversos castelos num único evento. Como o evento mobiliza grandes contingentes no Brasil, já que cada clã pode ter cerca de 60 membros e os benefícios são muito atrativos, não é incomum a dedicação a certas personagens. Isso se deve ao fato de que adquirir os 175 níveis de base de uma personagem é um árduo trabalho, que demanda imensa dedicação e muito tempo. Além disso, tornar essa personagem competitiva contra outras demanda mais tempo ainda, por ser necessário, para tanto, acumular recursos por diversas estratégias para comprar itens poderosos e raros, ou mesmo conseguir esses itens

84 diretamente ao derrotar repetidamente criaturas poderosas, que possuem apenas uma pequena chance de deixarem o item no chão ao serem derrotadas (itens esses comumente denominados drops). Não se quer dizer que seja mais comum que se tenha uma única personagem. Pelo contrário, a regra é diversa. Mas o árduo trabalho de adquirir níveis e equipamentos para tornar uma personagem competitiva acaba conduzindo à dedicação a uma ou poucas personagens em especial. Por outro lado, existem clãs que apenas se organizam para mais fácil contato, ou para atividades diversas, dentre as quais destaca-se: para jogar partidas de RPG no ambiente do jogo, para se organizarem em grupos para adquirir experiências para suas personagens adquirirem níveis, para se organizarem em grupos para derrotar criaturas poderosas, que podem, com algum percentual de chance, ao serem vencidas, deixarem itens de que o jogador pode se valer em suas personagens ou para vendê-las (o que demanda repetidas tentativas, em regra) e, com os recursos, adquirirem outras tantas. Por tudo, sendo corriqueira a dedicação a uma ou poucas personagens e sendo até possível que o nickname dessas diversas personagens siga um mesmo parâmetro, no ambiente de jogos online é comum que o jogador fique conhecido pela designação de suas personagens, não por seu nome registral. Exemplifica-se o que se quis designar por mesmo parâmetro: uma personagem teria o nickname “Mage_Willtcg”; outra, o nickname “Archer_Willtcg”, resultando disso que o apelido do jogador acaba sendo “Willtcg”. Já no jogo League of Legends, o jogador possuirá uma única denominação. Nesse jogo, da categoria MOBA, o jogador escolherá, dentre uma gama enorme de personagens, um para utilizar na batalha de arena. Os jogadores se organizam em times composto geralmente por outros jogadores, contra outro time formado por robôs, ou contra outro time formado também por outros jogadores. Cada time possui cinco integrantes. Em qualquer caso, é a mesma gama de personagens que poderá ser escolhida pelas equipes, com a ressalva de que, para poder escolher uma personagem específica, o jogador deve adquirir a personagem. Isso se dá tanto pelo gasto de pontos que se adquire ao jogar essas partidas, quanto pela aquisição por dinheiro. Semanalmente, a empresa disponibiliza uma certa gama de personagens gratuitamente, tanto para permitir aos iniciantes escolherem alguma para as primeiras partidas, quanto para possibilitar o teste e a propaganda de personagens ainda não adquiridas. De todo modo, o jogador é identificado em todos os jogos e na lista de amigos pela mesma denominação, não importa que personagem escolha. É que, nessa modalidade de jogo, cada personagem é pré-construída. O jogador, ao escolhê-la, terá margem menos abrangente

85 de escolhas que em jogos do estilo MMORPG. Poderá determinar a ordem de investimento nas habilidades, mas há um limitado número destas - no caso do League of Legends, 04 (quatro) - sujeito ainda a algumas regras, porquanto uma dessas habilidades, mais poderosa, é acessível apenas em determinados níveis. Em jogos do estilo MMORPG, diversamente, há dezenas de habilidades e, no caso de Ragnarök Online, as classes mais poderosas adquirem, após muito esforço, pontos disponíveis para investir em apenas algumas delas, jamais todas em seu nível máximo, de forma que tenha que escolher com muita estratégia quais desejará o jogador. No entanto, cada habilidade dos jogos estilo MOBA possui um número determinado de investimentos, cada qual tornando a habilidade mais poderosa. Todas podem ser amplificadas ao número máximo, desde que experiência suficiente seja adquirida e a partida dure tempo o bastante. Quando a partida se inicia, todas as personagens têm o mesmo nível e os mesmos recursos para adquirir itens consumíveis e/ou equipamentos. Conforme derrotem criaturas que surgem no mapa a cada certo período de tempo, ou derrotem as personagens do grupo oposto, adquirem experiência, a qual, após certo acúmulo, atinge um patamar em que o jogador adquire um ponto de habilidade. Com esse ponto, poderá adquirir ou implementar uma de suas limitadas habilidades. O desenvolvimento das dinâmicas que envolvem as personagens, assim, dependem muito mais dos itens que se escolhe adquirir na partida, com os limitados recursos à disposição (conseguidos ao derrotar criaturas e personagens do time oposto); nas habilidades e em que proporção escolher investir primeiro em cada qual; assim como na experiência do jogador na utilização de cada item e cada habilidade da personagem de forma conjunta para derrotar os inimigos. Vence a partida aquele que destruir determinadas estruturas espalhadas em três estradas separadas, que findam na base inimiga, na qual deverá ser destruído o Nexus, estrutura principal de cada base. A equipe que primeiro destrói essa estrutura vence. Diversamente dos jogos de MMORPG, em que o jogador, ao adquirir níveis, recursos e itens, preserva-os para si sempre que acessar o jogo com a personagem com a qual os deixou, ao fim de um jogo do estilo MOBA o jogador não preserva qualquer nível ou item da personagem. Em vez disso, ao fim das partidas ganha pontos para liberar novas personagens ou outras funcionalidades. Em cada batalha de arena, o jogador terá de escolher a mesma ou outra personagem, que iniciará a partida com um nível e recursos limitados. De todo modo, ao que importa ao direito ao nome, em jogos do estilo MOBA, a exemplo do League of Legends, o jogador possui uma denominação comum entre as personagens, por meio da qual será identificável dentre os demais. Já em jogos do estilo

86 MMORPG, como o Ragnarök Online, o jogador terá uma multiplicidade de personagens com denominações diversas. Por esse motivo, jogos mais atuais do estilo formam uma Lista de Amigos una para as personagens, vinculando todas as personagens de um jogador a todas as personagens de jogadores diversos que tiver adicionado a esta. Entretanto, no Ragnarök Online, ainda um famoso jogo do estilo no país, isso não ocorre, forçando um jogador a acessar o jogo por personagem determinada para acessar um clã específico ou os amigos adicionados à lista da personagem. A dedicação mais acentuada, como já assinalado, acaba permitindo a identificação de uma pessoa pelo apelido de sua personagem. Outra funcionalidade torna os jogadores conhecidos por apelidos: em ambos os jogos, ocorrem campeonatos. No Ragnarök Online, como é comum a outros jogos do estilo MMORPG, esses ocorrem internamente com apenas alguns dias ou até horas de diferença. Em jogos do estilo MOBA, como as competições de Arena são constantes, os campeonatos mais relevantes ocorrem uma vez por ano. No caso do League of Legends, em escala mundial, com classificatórias regionais, nacionais e, enfim, o campeonato mundial, com prêmios em dinheiro bastante vultosos. Esses jogos anuais ocorrem em alguns MMORPGs de igual modo, mas não com prêmios tão grandes quanto os atualmente oferecidos pelo League of Legends. Nessas atividades competitivas, se destacam alguns jogadores que desenvolvem habilidades específicas. Tais jogadores, nesses eventos, acabam ficando bastante conhecidos por um grande público pela alcunha que utilizam, e não sem razão: para além do crescente público mundial desses jogos, tais campeonatos mobilizaram empresas a contratar jogadores profissionais para competirem pelos prêmios, bem como para, como em outros esportes, exporem marcas de patrocinadores, especialmente da indústria de jogos no caso em comento. As interações interpessoais em jogos vêm ganhando dimensão tal que a indústria de jogos tem defendido que jogos eletrônicos sejam reconhecidos como categorias esportivas, os chamados e-sports. Iniciativas mais ousadas chegam até a defender a inclusão de competições de jogos cibernéticos nas Olimpíadas. De fato, as semelhanças não são poucas. Já há equipes profissionais de jogadores, patrocinados por diversas empresas, que se empenham em desenvolver táticas e habilidades de jogo e que participam de competições organizadas por essas empresas, o que apenas revela a crescente importância da temática213. Realizado desde 2012 no Brasil, o Campeonato Brasileiro de League of Legends reúne milhares de fãs em partidas ao vivo para acompanharem os classificados que disputam, não apenas o título de campeão brasileiro e prêmio em dinheiro, mas a vaga para o 213 ATTWOOD, Emily. E-Sport Athletes Looking for Recognition. In: Athletic Business, abr. 2015. Disponível em: . Acesso em: 02 de junho de 2015.

87 campeonato mundial, que se realizou no segundo semestre do ano. Apenas em 2013, 8 mil fãs acompanharam, presencialmente, a final nacional em São Paulo, em que a equipe campeã, composta por 05 (cinco) integrantes, seria premiada com a quantia de trinta mil dólares 214. Houve, também, transmissão online do evento para número bem maior de fãs. Mas o prêmio maior que se disputa, para além da taça e o título mundiais, consiste na expressiva quantia de 01 (um) milhão de dólares. Nesse trabalho, destacamos, em especial, as equipes de jogadores profissionais de League of Legends. Esses jogadores possuem uma alcunha fixa, pela qual identificados no campeonato e até mesmo em seu meio social, como ocorre a qualquer outro esportista, a exemplo do Pelé. Assim como ele, portanto, podem os jogadores sentirem que esses apelidos, em determinado momento, passem a integrar a sua identidade. Portanto, do mesmo modo que Pelé, podem esses jogadores se valerem de duas modalidades de alteração de nome para nele fazerem incluir esses apelidos: a possibilidade imotivada de alteração de nome prevista pelo artigo 56 da Lei nº. 6.015/73, em que alguém, entre o momento que atingiu a maioridade até um ano após essa data, poderá ingressar em juízo pleiteando a mudança do nome, inclusive para acrescentar a nova denominação de sua identidade; ou pela possibilidade de alteração do nome por inclusão de apelido público notório, prevista no artigo 56, parágrafo único, da referida Lei, caso em que dever-se-á demonstrar que a alcunha é designativa da pessoa em seu meio social, inclusive profissional215. A equipe profissional brasileira de League of Legends “paiN Gaming”, por exemplo, é integrada por membros que se identificam da seguinte forma: Whesley "Leko" Holler, Thúlio "SirT" Carlos, Gabriel "Kami" Bohm, Felipe "brTT" Gonçalves e Hugo "Dioud" Padioleau216. Entre aspas, identificou-se seus nicknames, apelidos pelos quais referidos os jogadores durante partidas de campeonatos ou mesmo em seu ambiente profissional e entre jogadores. Note-se que, da forma como apresentadas em campeonatos, essas designações já integram seus nomes. Alguns casos podem não admitir o acréscimo ao nome, como “brTT” e “SirT”, que parecem referir-se a palavras ou mesmo frases diversas, ou mesmo “Leko”, a depender do que 214 VINHA, Felipe. League of Legends reúne 8 mil na final do torneio nacional em São Paulo. Techtudo, 22 set. 2013. Disponível em: . Acesso em: 05 de junho de 2015. 215 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 278-282. 216 LEONBUTCHER. Conheça as equipes do CBLoL 2015. In: League of Legends. Disponível em: . Acesso em 30 de outubro de 2015.

88 se demonstre que o termo signifique ou a que contexto se refira. Entretanto, no caso de Gabriel “Kami” Bohm e de Hugo “Dioud” Padioleau, à primeira vista e desde que não seja mero capricho e que não se intencione cometer alguma ilicitude, os nicknames podem perfeitamente serem incorporados aos seus nomes, se considerarem que integram sua identidade, pois tais apelidos são públicos e notórios. A esse respeito, não há que se confundir apelidos públicos e notórios com pseudônimos. Estes são um fenômeno fático que independe de registro, gozando da proteção ao nome, cuidando-se de construções fictícias construídas pela própria pessoa. São livremente alteráveis, enquanto frutos da criação intelectual, e geralmente destinado à utilização em obras de autoria daquele que cria o pseudônimo. Já apelidos geralmente resultam de iniciativa de terceiros, não gozam de proteção legal expressa e específica, bem como podem ser incluídos no nome ou até substituir o prenome, o que é mais incomum 217. Assim, apelidos são criados para fins diversos do pseudônimo. Geralmente, apelidos servem para a identificação da pessoa. Já pseudônimos, ao contrário, destinam-se à não identificação, ao menos num primeiro momento, do autor de uma obra, por fins diversos. Cumpre ressaltar que as legislações não esgotam as possibilidades de alteração do nome. Razões de ordem íntima ou social podem motivar jogadores, ainda que não profissionais, a pleitearem a inclusão, em seu nome registral, de denominação utilizada em jogo, desde que apresentado motivo relevante, distinto de mero capricho 218. Por exemplo, não são incomuns notícias de jogadores que passam a maior parte de seu tempo em determinados jogos, como os do estilo MMORPGs. Notícias já apresentadas alhures demonstram que o jogador estadunidense, assim como o brasileiro, gasta diversas horas semanais jogando. Esses jogadores assíduos podem considerar que o nome da personagem de que se valem nesses jogos passou a integrar sua identidade no meio social eletrônico, de modo que seja justo que tal designação passe a ser parte de seu nome. É o que ocorre no jogo Ragnarök Online. As atividades constantes, especialmente para se preparar para as Guerras do Emperium, gera diversas interações em que o jogador, por longa data, é tratado pelo nickname. Desse modo, as relações interpessoais contínuas em um ou mais jogos online poderão resultar no direito de alteração do nome do jogador que utiliza de uma mesma designação em jogos online, para acrescer ao nome a alcunha pela qual comumente identificado. Esse direito deve ser reconhecido mesmo quando um jogador utiliza a mesma alcunha, com pequenas alterações, em jogos diferentes, pois de todo modo, no ambiente de 217 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 198-202. 218 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 282-284.

89 interação virtual dos jogos, será identificado pelo mesmo nome em essência, já que muitos jogadores jogam mais de um jogo virtual. Por exemplo, se uma pessoa utiliza a alcunha de “Leeroy Jenkins” em um jogo, e “Jenkins~*” em outro, sendo conhecido, em essência, como “Jenkins”, caberá a integração dessa designação ao seu nome, obviamente sem qualquer caractere especial diverso de letras. O exemplo aludido, baseado em fatos reais, poderia acarretar a alteração do nome, no Brasil. Em 2005, um grupo se reuniu no famoso MMORPG World of Warcraft para derrotar algumas criaturas poderosas em determinado mapa do jogo. Enquanto alguns companheiros discutiam estratégias para conseguirem derrotar os monstros, Ben Schulz estava AFK (sigla comumente usada no ambiente de jogos para designar Away From Keyboard, ou, em tradução livre, longe do teclado, designando que a pessoa não está no jogo naquele momento, embora o jogo esteja aberto em seu computador e sua personagem apareça no mundo virtual aos demais). A sua personagem, denominada Leeroy Jenkins, encontrava-se, portanto, inerte. De repente, no meio do árduo planejamento discutido entre os integrantes do grupo, Ben retorna ao jogo e solta um grito enérgico: “LEEEEEERRROOOOYYY Jenkins!”, durante o qual sua personagem ingressa na área em que as criaturas passariam a atacá-lo, antes que seu grupo findasse a estratégia de como derrotá-los. Como resultado, o restante do grupo segue o companheiro, despreparados e surpresos, para tentar ajudá-lo, mas acabam todos sendo derrotados. O registro cômico, divulgado pelo YouTube, se tornou viral e a fama do jogador foi espalhada pelo mundo 219. Até hoje, muitos jogadores conhecem Ben pela alcunha do jogo, tendo ele participado até de encontros de jogadores como convidado especial, repetindo o grito que gerou sua fama. Nesse caso, indubitavelmente o nickname integrou sua identidade, pois por milhares de pessoas em todo o planeta Ben é mais conhecido como Leeroy Jenkins do que por seu nome registral. Além disso, ele parece gostar muito da denominação. Para uma segura determinação da alteração do nome, nesses casos, sugere-se alguns critérios para a ponderação desse direito: 1º) o tempo pelo qual um jogador vem utilizando a alcunha; 2º) a utilização da mesma designação na considerável maioria dos jogos a que se dedica por considerável parte de tempo; 3º) a identificação do(s) jogo(s) em que se utiliza da alcunha como uma das principais atividades da vida da pessoa que pleiteia a alteração do nome; e 4º) a identificação da pessoa pela alcunha, no ambiente dos jogos, por seus conhecidos virtuais, quando não houver grande repercussão extra-jogo da denominação. Os 219 WARNER, Joel. The Legend of Leeroy Jenkins. In: Westword. 08 março 2007. Disponível em: . Acesso em 29 de outubro de 2015.

90 critérios visam a possibilitar a distinção dos pleitos de alteração do nome por mero capricho daqueles que terão real cunho de consolidar a identidade de uma pessoa, refletindo sua realidade fática e garantindo-lhe uma identificação individual e social dignitária. Alguns cuidados adicionais serão necessários. É muito comum que personagens sejam criadas com nomes de artistas famosos, filmes famosos, ou personagens de obras famosas diversas. Outras designações de personagens são trocadilhos cômicos, que podem ser identificáveis apenas com conhecimento de determinadas obras. Assim, é preciso que a origem da alcunha seja identificada no processo, de modo a verificar se a denominação pode gerar resultados indesejáveis, evitando-se, também, a própria ridicularização do nome ou a propagação de um episódio que constrangeu alguma pessoa. Ademais, é preciso averiguar se a designação não se cuida de uma marca pertencente a alguma empresa, o que também não é incomum, bem como se o nickname não constitui, em verdade, uma sigla que designa uma frase ou diversas palavras, casos em que não se trata de partícula designativa que possa ser acrescida ao nome. Isso resulta de costume histórico. Não se atribui uma sigla como nome, em nossa cultura. Mesmo nessas hipóteses em que não seja possível integrar o nickname ao nome registral, caso o contexto da utilização de um nickname permita a identificação de uma pessoa, caberá tutelar a identidade do envolvido. Assim é que, por exemplo, ainda que o apelido “Leko” não possa, em tese, integrar o nome registral de uma pessoa, a utilização dele em propaganda desautorizada, referindo-se a jogador profissional brasileiro com fins comerciais, é vedada e admite a tutela civil destinada ao nome, por força do artigo 18 do Código Civil Brasileiro de 2002. Do mesmo modo, a utilização de apelido ou nome de jogador profissional como domínio de site referente a jogos viola o direito ao nome, assim como a associação do nome ou nickname de um jogador a atividade que não lhe diz respeito, pois existe o direito à correspondência da identificação social da pessoa a sua personalidade220. Por esse mesmo motivo, se um jogador for identificado como participante de evento no qual não esteve envolvido, cabe que pleiteie que seu nickname seja removido desse contexto, para que sua identidade não se veja misturada com circunstâncias das quais não fez parte. De forma similar, um jogador não pode ter seu nickname vinculado a jogo de que o jogador não faz uso. Admiti-lo seria permitir que empresas, maliciosamente, identificassem jogadores como seus clientes até mesmo para o fim de publicidade indireta (jogos com maior contingente são mais atrativos para muitas pessoas). Isso poderia até conduzir os amigos 220 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 195-197.

91 desse jogador a experimentarem esse jogo. Sempre que for necessário o uso de nome de jogadores para fins comerciais, será necessária autorização, a qual deverá ser específica e pontual, já que nenhum reflexo patrimonial dos direitos da personalidade pode ser limitado indeterminadamente. Se essa autorização for tácita, não expressa, sua interpretação deve dar-se restritivamente, sendo incabível entender de forma ampla que o uso do nome foi permitido para uma grande gama de atividades comerciais, ou se admitiria a deturpação da autorização 221. Assim, se autorizada a veiculação do nome por um jogador em uma entrevista, não pode essa ser publicada acrescendo-se às perguntas elementos não abordados no momento em que o jogador era entrevistado, o que pode acarretar uma interpretação diversa das respostas. É preciso notar, ainda, que nomes, apelidos e mesmo qualidades que permitam individualizar uma pessoa podem ser utilizados como meio para a violação do direito à honra, caso em que a tutela não será, propriamente, ao direito ao nome, que foi instrumentalizado para ferir outro. Isso se deve ao fato de que o uso não previamente autorizado de nome alheio, ou mesmo desautorizado, é legítimo, a exemplo de críticas e citações, em que poder-se-á se referir a diversas pessoas. Mesmo o desprezo público pode legitimar a utilização de nome alheio, ainda que de forma negativa, como a utilização do nome para referir-se a pessoa que comete corrupção e é severamente criticada por seus atos, sendo identificada. Assim, é preciso ponderar os valores de liberdade de informação e proteção ao nome, aferindo a essencialidade de veiculação do nome. Por exemplo, para se referir a um corrupto, seria legítimo expor seu nome, mas para referir-se a um banhista nudista desconhecido, o uso do nome é desnecessário222. Portanto, a utilização alheia de nome para depreciar uma pessoa será, em verdade, uma violação ao direito à honra, sempre que a simples veiculação da identidade não configura violação autônoma. Nesse caso, se uma pessoa não seria identificada indevidamente no contexto, caso não houvesse ofensa à honra, inexiste violação ao direito ao nome, mas, tão somente, à honra. Por exemplo, um jogador que se expõe em um evento fazendo cosplay (abreviação de costume play, utilização de “fantasias” e trejeitos extremamente bem elaborados para representar personagens, seja de jogos, animes, etc.) pode ser identificado numa revista de jogos no contexto em que participou, em caráter informativo. Se, entretanto, nessa reportagem, a pessoa, identificada por seu nome, é ofendida, há violação exclusiva ao direito à honra. O nome, nesse contexto, poderia ser livremente utilizado, não havendo-se que 221 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 197. 222 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 192-194.

92 invocar sua tutela autônoma. Por fim, como é comum a toda relação humana, também nas relações interpessoais entre jogadores, esses podem, entre si, criarem apelidos diversos daqueles vinculados aos nicknames de suas personagens. No Brasil, é muito comum que jogadores, seja de Ragnarök Online ou de League of Legends, valham-se de programas para comunicação simultânea por voz, como o Skype, de modo que não dividam tempo entre a utilização do teclado para conversar por texto nos jogos e a utilização do teclado para operar ações de suas personagens no mundo virtual. Nesse contexto, o jogador pode ser mais conhecido por outro apelido, o qual gerará as mesmas consequências já abordadas, ou pelo próprio nickname da personagem. Esse último caso é bastante comum. Por texto ou por voz, sabe-se que apelidos indesejáveis podem surgir, o que é um uso indevido do nome. Nesse caso, cabe tutela inibitória para forçar que jogadores utilizem-se desse apelidos para referirem-se a outras pessoas. Antes, por evidente, é preciso aferir o potencial ofensivo da alcunha, para que não se incorra em excessos223. Nesse tocante, imperioso dizer que a veiculação de uma pessoa à homossexualidade não configura violação a direito à honra. Em termos jurídicos, ninguém poderá ser, de qualquer forma, considerado inferiorizado ou depreciado por ser vinculado a qualquer orientação sexual. Sugerir que essa tão só prática violaria o direito à honra resultaria em acobertar uma discriminação indevida, porquanto admitir-se-ia, incorretamente, que seria depreciativo dizer que uma pessoa é homossexual. É tão absurdo quanto dizer que referir-se a alguém como heterossexual é depreciativo. O que ocorre, em verdade, é uma clara violação à identidade pessoal, pois a pessoa é retratada com orientação sexual que não lhe é própria. Assim, a tão só veiculação de homossexual como heterossexual ou vice-versa merece tutela jurídica, para que uma pessoa seja identificada pela identidade que reflita sua personalidade224. Por óbvio, se do contexto ficar clara a intenção de ofender a honra de outrem, cabe a tutela ao direito à honra. Entretanto, a simples identificação de uma pessoa como homossexual, sem que o intento ofensivo esteja claro, não restará sem tutela jurídica, por decorrência do direito ao nome. O direito à identidade, assim, supera o direito ao nome registral, expressando a verdade pessoal de cada indivíduo, que jamais deve ser falseada225. Portanto, mesmo a veiculação de um jogador a um jogo de que esse não faz uso viola o direito à identidade, por identificá-lo a obra que não reflita sua realidade social e/ou profissional. É como identidade 223 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 203-205. 224 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 211-213. 225 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 216-217.

93 que o direito ao nome deve ser compreendido, para que assim se tutele corretamente o direito que irradia da sua personalidade.

94 9. O Direito à Imagem nas Relações Interpessoais nos Jogos Online

Imagem é uma manifestação irrenunciável da condição humana226. A imagem, como o nome e a honra, consiste em atributo relacionado à incolumidade moral ou psíquica do ser humano, distinta, assim, da proteção física. A imagem que constitui direito da personalidade não constitui meramente o rosto, mas toda a fisionomia, sensações e comportamentos que individualizam o titular do direito. Por isso, pode-se subdividi-la em 3 (três) aspectos: imagem-retrato, imagem-atributo e imagem-voz227. A imagem retrato consiste em todo o aspecto visual fisionômico da pessoa, que pode ser captado por fotos, pinturas, filmes. A imagem-atributo representa as características de identificação e apresentação sociais de uma pessoa, ou seja, a imagem que a pessoa possui perante a sociedade, resultado de seu comportamento reiterado, como, por exemplo, a imagem de Xuxa como apresentadora infantil. Já a imagem-voz consiste na identificação sonora das pessoas, o timbre e frequência de sua voz. Essa tríade compõe prismas de um único direito, o direito à imagem228. A violação ao direito à imagem se dá pelo simples uso não consentido ou autorizado, por qualquer representação audiovisual ou tátil da individualidade, não dependendo da geração de efeito negativo para que seja indenizável 229, diversamente do que ocorre com o direito ao nome. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto ou mesmo reproduzido sem sua autorização, conforme determinou o Superior Tribunal de Justiça 230. Mesmo com a utilização de tarjas, se a pessoa for identificável, há violação231. A proteção ao direito à imagem encontra-se estampada no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988. No Código Civil de 2002, é o artigo 20 que prevê sua tutela. Segundo este, a utilização da imagem para fins comerciais sem autorização enseja danos morais, mesmo que não ofenda a honra, boa fama ou respeitabilidade da pessoa. Existe, ainda, tutela pela Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a publicação não autorizada de imagem para fins econômicos ou comerciais enseja, por si só, indenização ao 226 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 123. 227 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 234-235. 228 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 234-235. 229 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 105-107 e 123. 230 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. Vol 01. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pgs. 203-204. 231 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 108.

95 titular do direito. Dessa forma, é irrelevante se a pessoa é elogiada, ou se apenas se abordam características positivas dela, porquanto, por ser direito autônomo, haverá violação. O uso da imagem de alguém pode ser cedido, gratuita ou onerosamente, desde que por período e finalidade determinados, dependendo de autorização prévia. A autorização, no entanto, não necessitará ser expressa, admitindo-se que seja tácita, ou seja, uma autorização comportamental232. No último caso, serve de exemplo a autorização da exposição da imagem de jogadores profissionais durante campeonatos, pela transmissão do evento. Uma vez autorizado o uso da imagem, não poder-se-á alegar dano decorrente da exposição. Mas tal autorização de uso deverá ser determinada e específica, jamais genérica e indeterminada. Assim, a interpretação da autorização tácita deverá ser sempre estrita, limitando-se ao contexto mais próximo, ao centro de gravidade da relação que autoriza seu uso233. Assim, também será autorizada tacitamente a captação de imagem durante um evento de encontro de jogadores, em que se tem ciência da captação das imagens para comercialização dos registros dos acontecimentos lá ocorridos entre seus participantes. Entretanto, a exibição da imagem com foco em um jogador específico, extraída desse evento, é clara violação a seu direito à imagem, igualmente indenizável por desvirtuar a finalidade do registro imagético234. Em outro caso, se é retirada uma foto de um jogador profissional para fins jornalísticos, essa imagem jamais poderá ser utilizada para fins comerciais sem uma nova autorização para esse fim específico235. Quanto a isso, deve haver um cuidado especial, pois a mera captação de imagem, ainda que em local público ou de acesso concedido ao público, necessita ser autorizada. Caso contrário, cabe exigir as fotos originais e mesmo os negativos da fotografia 236. No contexto contemporâneo, cabe exigir que a foto digital seja imediatamente deletada, sob a supervisão do fotografado, certificando-se de que nenhuma cópia foi extraída clandestinamente, ou até que o dispositivo móvel em que registrada a imagem seja entregue à pessoa que teve sua imagem captada. A imagem não consiste em bem patrimonial que passa a integrar o patrimônio da pessoa que capta a imagem de outrem, de forma que, mesmo autorizada sua captação, o uso 232 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 239. 233 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pgs. 239-240. 234 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 110. 235 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 240-241. 236 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 240.

96 pode ser acompanhado por quem cedeu a utilização, podendo, a qualquer momento, insurgirse contra excessos e utilizações indevidas237. Três fatores devem ser examinados para determinar se a captação de imagem em lugar público foi legítima: o contexto em que a imagem é captada, a expectativa das pessoas envolvidas nesse contexto em terem sua imagem captada e o grau de individualização de certas pessoas nesse contexto. Ademais, não se deve permitir a confusão de que pessoas conhecidas tenham seu direito à imagem relativizado. Não existem pessoas públicas, pois pessoas são, por definição, privadas. Assim, só quando demonstrado conflito com direito constitucional, no caso concreto, é que caberá uma exposição desautorizada em maior grau 238. Ademais, alguns cuidados simples como ouvir os envolvidos antes da divulgação ou utilizar tarjas já podem reduzir a intensidade de exposição das pessoas a níveis razoáveis239. O direito à imagem tem gerado circunstâncias que valem menção, embora não diretamente relacionadas ao tema em estudo. Em 2009, a cantora Courtney Michelle Love ameaçou processar a empresa Activision, que lançava o jogo Guitar Hero, por alegado uso indevido da imagem de seu falecido marido, Kurt Donald Cobain, nesse jogo 240. O processo acabou não sendo iniciado241, mas tal circunstância poderia ocorrer e, naturalmente, gerar reflexos na compreensão jurisprudencial acerca do tema. É o que de fato ocorreu em outros casos: segundo notícia do jornal The New York Times, do ano de 2010, tem-se desenvolvido diversas disputas judiciais confrontando o direito à liberdade de expressão (“free speech”) e o direito à imagem (“image rights”) no próprio ambiente dos jogos. Observou-se que há uma necessidade pulsante em enfrentar esse tema judicialmente e gerar uma reflexão mais ampla acerca dessa nova mídia eletrônica. Vários famosos buscam defender seu direito à imagem do uso indiscriminado pela indústria de jogos, como contra a empresa Eletronic Arts, abordada na matéria242. A circunstância do uso da imagem de pessoas famosas em jogos já é um hábito. Vários artistas já tiveram suas imagens utilizadas em jogos, como Ellen Page, no jogo

237 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 118-120. 238 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 111-112. 239 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 115-116. 240 MICHAEL. Courtney Love Vs. Activision (Guitar Hero 5). In: SCENE POINT BLANK. 12 set. 2009. Disponível em: . Acesso em 12 de outubro de 2015. 241 GARDNER, Eriq. Courtney Love Looks to Sue Ex-Attorney Over Bizarre Kurt Cobain Estate Fraud Claims. In: The Hollywood Reporter. 17 set. 2013. Disponível em: . Acesso em 12 de outubro de 2015. 242 THOMAS, Katie. Image Rights vs. Free Speech in Video Game Suit. In: The New York Times. 15 nov. 2010. Disponível em: . Acesso em 12 de outubro de 2015.

97 Quantic Dream; Tim Phillipps em Devil May Cry; e Will Yun Lee, em Sleeping Dogs243. No Brasil, uma iniciativa antiga existiu, não ao ponto que existe hoje, com a reprodução imagética dos artistas de forma quase que idêntica na tela do jogo, mas foi ela suficientemente representativa de um grupo de artistas bem conhecido: Os Trapalhões. Aproveitando-se do jogo Pick Axe Pete, que tinha ambiente similar ao do filme “Didi na Mina Encantada”, adaptou-se a propaganda para comercializar o jogo como uma aventura derivada do filme, nas edições do jogo lançadas no Brasil. Com o uso da imagem de uma celebridade local, o jogo fez sucesso, embora não fosse possível identificar graficamente qualquer pessoa que fosse diretamente pelo jogo244. No que tange as relações interpessoais entre jogadores, entretanto, não há como considerar que a imagem dos avatares ou das personagens sejam considerados como integrantes do direito à imagem dos jogadores. Dessa forma, não gozam da proteção dispensada à pessoa dos jogadores. Contudo, é relevante destacar que, na eventualidade de uso da imagem de um avatar para referir-se a pessoa individualizada, identificando-a, poderse-á violar o direito ao nome, ou mesmo o direito à honra, caso se utilize do avatar para depreciar a reputação de uma pessoa. É o aspecto da imagem-voz que poderá sofrer violação nas relações interpessoais entre jogadores. A captação ou a reprodução a outros de conversas de voz gravadas é indevida. Há formas, hodiernamente, de utilizar-se de softwares para, com o uso de uma voz gravada, reproduzi-la, ou seja, utilizar do timbre, frequência e entonação da voz para criar frases diversas com voz similar à da gravação obtida245, o que torna extremamente perigoso o uso indiscriminado de gravações clandestinas em ambiente virtual. Assim, mesmo que a gravação da voz não seja para uso comercial ou para ofender direito à honra, deve ser coibida. Um exemplo de violação à vertente imagem-voz do direito ora abordado consiste na divulgação de gravações clandestinas descontextualizadas. Essa prática pode, ao mesmo tempo, constituir violação ao direito à imagem-retrato. A hipótese já ocorreu: um vídeo, ainda disponibilizado no YouTube246, foi editado para conter os momentos em que mais foi rude um líder de clã durante o evento Guerra do Emperium, no jogo Ragnarök Online. Cuida-se do 243 TORRES, Samir. Video game characters modeled after famous people (gallery). In: Venture Beat. 19 ja. 2013. Disponível em: . Acesso em 13 de outubro de 2015. 244 CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Pgs. 77-78. 245 AMOROSO, Danilo. Seleção: Programas para Mudar a Voz. In: Tecmundo. 07 abr. 2011. Disponível em: . Acesso em 30 de outubro de 2015. 246 Mortyz0r. Líder - Vendetta @bRO-ThoR Guild -. In: YouTube. Disponível em: . Acesso em 30 de outubro de 2015.

98 jogador de alcunha “Tyler Bull”. O jogador, de 43 anos, que vive em São Paulo, joga Ragnarök Online há quase 10 anos247. Atualmente, é líder de um dos clãs mais famosos e bem preparados do jogo. O vídeo não contextualiza como crítica a disponibilização do áudio, nem aponta fonte, autor ou outros recursos que poderiam indicar a iniciativa como uma reportagem reflexiva acerca do comportamento do jogador. Por mais repugnante que pareçam as formas como se refere aos demais, podendo, inclusive, ocasionar dano moral por ofensa à reputação dos membros de seu clã – o que cabe ser analisado caso a caso e desde que adotem essa iniciativa os supostos ofendidos –, a conduta daquele que divulgou a voz foi indevida. No Brasil, não se admite o anonimato, conforme preleciona o artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil. O mesmo inciso, após assegurar a livre manifestação de pensamento, veda o anonimato, já que a liberdade deve vir sempre acompanhada de responsabilidade pelos atos que livremente se pratica. Portanto, ao omitir a autoria do vídeo, viola-se a Carta Magna. Ademais, cumpre ponderar que, assim como no futebol há uso de linguagem de baixo calão durante a partida, o mesmo ocorre nos jogos online, devendo operar-se um juízo de relativização da conduta conforme o contexto, para aferir se houve, ou não, excesso. Após a disponibilização do vídeo, entre os usuários do jogo esse jogador ficou taxado como pessoa rude e insuportável. No vídeo, que tem uma foto de utilização não autorizada do jogador, uma sequência de gritos e xingamentos se segue. São passagens gravadas de diversos eventos de Guerra do Emperium, não mostrando os contextos que resultaram naqueles xingamentos e demonstrando apenas os momentos em que “Tyler Bull” agiu de forma mais enérgica. O uso de imagem e voz não autorizados, suprimindo o contexto em que ocorreram os áudios transcritos, configura dano ao direito à imagem. E se o dano moral já é irreparável, ocorrendo por meio da internet torna-se ainda mais grave e de mais difícil compensação. O titular do direito, e ele apenas, poderá exigir que o vídeo seja removido assim que desejar, porquanto, enquanto estiver no site, gera dano moral, independentemente de ter se sentido o jogador ofendido ou não, assim como poderá ele requerer compensação indenizatória pelo vídeo, que constrói uma imagem descontextualizada e que não reflete a completa realidade dos eventos. Em última análise, o infeliz acontecimento constitui mesmo a iniciativa de desconstruir a imagem-atributo do jogador. Dependendo do modo como afetou a reputação do jogador entre os demais, também poderá ser considerado dano à honra, valendo 247 Lebyda Games. [Ragnarok] Entrevista com Tyler Bull Líder da Vendetta [bRO @Thor]. In: YouTube. Disponível em: . Acesso em 30 de outubro de 2015.

99 lembrar que, nesse caso, os danos à imagem e à honra gerarão, cada qual, uma sanção autônoma. Para além disso, é importante lembrar que a imagem pode ser tutelada de forma coletiva, como deixa claro o artigo 20 do Código Civil, ao invocar a Ordem Pública como possível fator limitante do direito à imagem. Ressalte-se, nesse sentido e com especial destaque, o discurso feminista de Anita Sarkeesian, que critica o caráter imagético a que os jogadores são expostos. Vítima de uma árdua e agressiva crítica, a feminista mantém-se firme no posicionamento contrário ao que acredita ser uma sensualização inapropriada das personagens dos jogos digitais em geral248. A tutela transindividual ao dano moral é admitida em nosso ordenamento jurídico, motivo pelo qual independeria, supondo-se correto o argumento de Anita, de uma mobilização individualizada e que resultasse apenas na tutela de caso específico. A questão ainda é muito controvertida, pois cabe ponderação acerca da sensualização feminina enquanto manifestação cultural dos povos orientais. Por outro lado, jogos como o MMORPG Tera Online apresentam sensualização das personagens femininas e masculinas, não havendo, a princípio, uma inferiorização da mulher, em específico, como objeto de desejo. O discurso feminista parece compreender, entretanto, que estereótipos de mulheres, muitas vezes seguindo um padrão de estética eurocentrista e com proporções que o corpo humano sequer é capaz de suportar, influencia negativamente a forma como pessoas adultas enxergam as mulheres249. Assim, mesmo a instituição de faixas etárias para aquisição de jogos no Brasil seria falha para conter uma versão sensualizada, submissa e misógina das mulheres. Como já dito, no entanto, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em seu aspecto de valor comunitário, demanda que os riscos de paternalismo e moralismo sejam afastados como justificativa para impor restrições na esfera privada. Intervenções restritivas de liberdade como a proibição de jogos com esse tipo de sensualização devem ser vistas com cuidado, pois podem ser um paternalismo indevido do Estado. De todo modo, mulheres jogadoras (ou mesmo homens) que sintam-se vítimas dessa indústria pelo inadmissível uso da imagem feminina podem buscar medidas jurisdicionais para buscar vedar excessos. Na oportunidade, seria altamente recomendável aos magistrados a humildade de reconhecer a complexidade do tema e a necessidade de convocação de uma audiência pública para colher pontos de vista de diversos setores da sociedade, seja de 248 WHEATON, Will. Anita Sarkeesian. In: Time, 16 abr. 2015. Disponível em: . Acesso em 10 de maio de 2015. 249 PERRAULT, Sophie. My Interview with Feminist Frequency's Anita Sarkeesian. In: Text-Appeal. Disponível em: . Acesso em 30 de outubro de 2015.

100 feministas, comunidades de jogadores, empresas de jogos e especialistas acadêmicos, dentre outros. As referidas medidas podem resultar de um dever consumerista de respeito por parte das empresas, inerente aos deveres anexos ao Princípio da Boa-fé Objetiva, sendo, também, direito básico do consumidor, conforme o artigo 6º, inciso VI, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); ou mesmo do direito difuso a ter a imagem feminina respeitada, sob o aspecto de imagem-valor, conforme autorizam os artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor e a Lei 7.347/85, em seu artigo 1º, incisos II e IV, já que acusa-se a exibição sensualizada como responsável por efeitos bastante perversos. No entanto, da forma como se apresentam hoje os jogos online, com respeito tolerável à forma com que se vestem as mulheres, medidas jurisdicionais proibitivas da exibição de personagens femininas sensualizadas consistiriam em um paternalismo exacerbado, devendo esse discurso manter-se no campo da crítica social, até que a sociedade amadureça melhor a compreensão desse assunto e delibere qual o melhor caminho a ser tomado.

101 10. Direito à Honra nas Relações Interpessoais nos Jogos Online

O direito à honra consiste no prestígio social. Volta-se, não apenas a preservar a visão social da pessoa, mas seu sentimento de autoestima. Esse direito pode ser violado por alegações que desabonem a reputação do seu titular ou falsos apontamentos que maculem a boa fama social de alguém. A violação pode ser direta, frontalmente, ou indireta, de forma dissimulada. Nesta última, atinge-se a pessoa através de sua atividade laborativa, de suas atividades estudantis, de sua família250 e, no contexto abordado, através dos jogos que uma pessoa joga. A honra subdivide-se em dois aspectos, um objetivo, outro subjetivo. A honra subjetiva consiste no valor que a pessoa faz sobre si mesma. A honra objetiva consiste na reputação perante a coletividade. Ambos esses aspectos podem ser tutelados enquanto dano moral251. Diferentemente da esfera penal, em que a intenção do agente importa para a condenação, no âmbito civil, a intenção daquele que causa dano moral é irrelevante. Caso o ato gere impacto na reputação da vítima, configura-se dano moral, não importando se o agente queria, ou não, gerar esse dano com o ato252. É preciso lembrar que a violação à honra não se confunde com dor ou sofrimento, então não se está dizendo que o agente não precisa ter a intenção de ofender (nem é preciso cogitar que se ocorreu ofensa para fins de configuração do dano moral, embora caiba essa ponderação para determinar uma compensação indenizatória mais severa, caso o dano moral ocasione sofrimento). O agente, na verdade, não precisa ter a intenção de causar algum dano com o seu ato. Pode ter, simples e ingenuamente, praticado um ato que esperava não ferir a reputação de alguém, mas, ferindo-a, ainda que ela não se sinta ofendida ou intimidada, há dano moral. A tutela à honra dá-se pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, inciso X e, no Código Civil, pelos artigos 17 e 20. O Código Penal também tutela tal direito, em seus artigos 138 a 140, criminalizando as práticas de calúnia, difamação e injúria. Calúnia consiste em imputar a alguém um fato (não uma qualidade negativa) definido como crime, quando o ofensor tiver plena ciência de que a vítima não cometeu o crime. Difamação consiste na imputação de fatos determinados que ofendam a reputação da vítima, não 250 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 254-255. 251 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. Vol 01. 10ª ed. Salvador: jusPODIVM, 2012. Pg. 255-256. 252 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 76-78.

102 importando se verdadeiros ou falsos. Já a injúria consiste em imputar atributos pejorativos, que de alguma forma firam a dignidade ou o decoro da vítima. Em todos os casos, deve haver a intenção de ofender a honra por quem pratica o crime253. Assim, ao chamar alguém de “ladrão”, comete-se o crime de injúria, pois trata-se de atributo, não fato. Já alegar que o jogador “X”, clandestinamente, utilizou-se de artifícios para subtrair os dados de acesso à conta de outro jogador, para subtrair-lhe os itens, sabendo-se inverídico o fato, consiste em crime de calúnia, porquanto a subtração, para si, de coisa alheia móvel constitui crime de furto, conforme o artigo 155 do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei n°. 2.848/40). A difamação pode ser exemplificada por “A” alegar, crendo que o fato seja verdadeiro, que o jogador “Y”, integrante do clã “Z”, infiltrou-se nesse fingindo que queria ser seu membro para, em verdade, extrair estratégias de defesa para clã diverso, ou seja, imputando-lhe fato que macula sua reputação e sequer constitui crime. Até mesmo imputar a alguém fato que constitua crime que a pessoa realmente cometeu pode configurar difamação, se a intenção de quem o faz é de macular a reputação daquele que cometeu o crime. Na esfera civil, a sátira é permitida, mas há critérios para aferir excessos que tornemna abusiva. São eles: finalidade exclusivamente satírica, veracidade do fato que suporta a sátira, propósito de crítica (não diminuição da pessoa) e divulgação da resposta, quando houver, para atenuar o potencial lesivo que a sátira possa ocasionar. Descabe, contudo, aferir o suposto nível ou qualidade do humor, tarefa que não compete ao Poder Judiciário, pois seria discriminatória254. Vale lembrar que cabe o pleito de punição civil, administrativa e penal, cumulativamente. A punição em qualquer delas, individualmente, não afasta as outras. Sempre que cabível sanção nas três esferas, essas podem ser pleiteadas. Assim, a ação que visa a indenização por dano moral não impede que a vítima também noticie a ocorrência do crime. O direito à honra deve ter cuidado especial. A má fama da educação do brasileiro nos jogos online é amplamente conhecida255, inclusive internacionalmente256. Tal é a reputação brasileira que empresas cogitam bloquear o acesso de qualquer jogador brasileiro a alguns jogos, atendendo a demandas de diversos jogadores de outros países. Nos jogos em foco, sistemas foram criados para coibir essa prática, entretanto sua 253 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. Vol. 02. 9ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012. Pgs. 398-452. 254 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pgs. 89-91. 255 BABUWIN. Comportamento dos Brasileiros em Jogos On-line: A má fama dos HUE's. In: Ah Duvido!!. 01 jun. 2013. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015. 256 GreenEyedMonster. An Explanation of Brazilian Online Reputation. In: League of Legends Forums. 24 jun. 2012. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015.

103 eficácia é bastante questionável. O jogo Ragnarök Online disponibiliza um sistema de envio de tickets, mas este dificulta e desestimula a denúncia de más atitudes no jogo, pois jogador deve seguir uma série de instruções para que sua “denúncia” seja considerada, como gravar a imagem da infração no exato momento de sua ocorrência e enviar no mínimo 10 linhas de diálogo com o infrator. Além disso, o sistema para reportar essas atitudes é fora do jogo, demandando abrir o site e ingressar no sistema específico, deixando, para isso o ambiente do digital257. Mesmo que o jogador colete dados suficientes, o impedimento de reportar a atitude negativa no ambiente digital do jogo pode levar o jogador a desistir do burocrático procedimento ou mesmo se esquecer de que coletou os dados e deve se submeter ao procedimento. O principal agravante é que os jogos mais contemporâneos já têm ferramentas internas para isso, facilitando e tornando efetiva a punição de práticas indevidas. Manter tal sistema antigo é, assim, cumprir mal os deveres contratuais para com os clientes e preservar um intolerável desrespeito a direitos fundamentais. Pior: ainda que passando por todos os procedimentos, a empresa Level Up! Games não comunica se o jogador infrator foi punido. Ao enviar a mensagem, o atendimento é encerrado com uma mensagem padrão que informa que o ticket será analisado. É preciso consultar constantemente a lista de punidos para saber se alguma atitude foi tomada, sistema externo ao jogo e que dificulta e desestimula muito a prática de “denúncias” de atitudes irregulares, que poderia ser interno ao jogo e com troca de informações muito mais intensa 258. Essa prática constitui grave violação ao direito de informação, anexo ao Princípio da Boa-fé Objetiva e sem o qual esse não se realiza. Por outro lado, se um jogador é punido indevidamente e integra tal lista, que é pública, há violação a sua honra objetiva, pois sua reputação é afetada em níveis dificilmente aferíveis. Qualquer um que tiver acessado a lista e até mesmo armazenado o dado, saberá da condenação inapropriada. Assim, existe dano moral por dois fatores: afeta o direito ao nome, por não corresponder à correta identificação da pessoa ao fato, bem como o direito à honra, por macular a reputação do jogador. A depender da demonstração do controle de acesso a essa lista pela empresa, pode não caber indenização pecuniária, desde que a empresa demonstre o irrelevante acesso ao arquivo. Entretanto, mesmo nesse caso, cabe compensação não patrimonial ao dano moral. Além de ter de remover o nickname da lista, a empresa deverá publicar pedido de desculpas, publicar a veracidade dos fatos e publicar a sentença que 257 Brasil Ragnarök Online RPG. Denúncia de Violação de Regras. In: LevelUpGames. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015. 258 Brasil Ragnarök Online RPG. Suporte – Lista de Punidos. In: LevelUpGames. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015.

104 determinou que a empresa realizasse tais atos, tanto no site quanto no fórum do jogo, além de publicar, à medida do possível, esses dados em algum ambiente do jogo para que personagens em ambiente virtual possam acessá-los, garantindo a compensação mais efetiva possível desse dano moral, sem que qualquer pecúnia esteja envolvida. Em League of Legends, a situação não é tão diferente. É possível, quando o jogo termina a partida de disputa em arena, que dura algo entre trinta minutos e uma hora, em média, que o comportamento de um jogador seja reportado como inapropriado por meio de um sistema interno ao jogo. Antigamente e por muito tempo, toda a conversa desenvolvida ao longo do jogo, escondendo-se o nickname dos envolvidos, era disponibilizada quando uma conduta indevida fosse reportada, para que a comunidade de jogadores sugerisse uma solução ao problema, entre absolver ou punir, momento após o qual a empresa decidia, seguindo ou não a sugestão, se haveria punição com advertência, suspensão temporária, suspensão permanente ou se haveria absolvição. O sistema brasileiro, entretanto, foi absurdamente falho. Uma interessante pesquisa de um jogador demonstrou que, de uma amostra de 31000 casos, que eram de consulta pública, sempre escondendo a identificação dos jogadores, 80,84% das atitudes denunciadas não foram punidas. Dentre todas as punições, houve uma única suspensão temporária e nenhuma suspensão definitiva de jogador. A pesquisa efetuou uma comparação com o sistema estadunidense, tendo registrado, com igual amostragem, apenas 35,25% casos perdoados (quase que o inverso do Brasil). Lá, houve 9308 suspensões temporárias e 456 suspensões permanentes nessa amostragem259. Isso demonstrou uma grave falibilidade do sistema de punições pela empresa no Brasil, aliada a uma realidade de reconhecida maior violação à honra. Atualmente, esse sistema está sendo reformulado, estando os jogadores submetidos a um sistema temporário cuja eficácia é, de igual modo, desconhecida260. Independentemente de qualquer atitude da empresa, puna ou não o infrator, cabe também medida judicial, especialmente diante das omissões e empecilhos das empresas. A honra é tutelada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que impõe a compensação do dano, de modo que caberá indenização pecuniária, cumulada com pedido de desculpas, publicação da sentença condenatória, além de outras medidas inovadoras que competirem ao caso concreto. Por exemplo, se a ofensa se deu por anúncio público no jogo, é 259 AndrusK2. DENÚNCIA: a verdade sobre o Tribunal. In: League of Legends Fóruns. 14 de jul. 2013. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015. 260 RIOT LYTE. Aprimorando o Tribunal. In: League of Legends. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015.

105 cabível que o pedido de desculpas se dê, também, por anúncio público, além de por outros meios que assegurem que esse tenha a mesma publicidade que teve a ofensa. Além disso, em tutela de direitos difusos ou coletivos, cabe a imposição de um procedimento transparente e facilitado da empresa, inclusive com a divulgação de estatísticas, para que haja imposição célere de sanções que tutelem, efetivamente, a honra no jogo. A honra, em ambiente de jogos, também pode ser violada de formas que demandem a compreensão das dinâmicas do jogo. Em Ragnarök Online, jogadores se organizam e se preparam estrategicamente por dias para o evento Guerra do Emperium. Uma punição indevida da empresa, por uma “denúncia” infundada de um jogador e sem direito de defesa, que resulte na suspensão de um jogador líder de clã, pode comprometer sua reputação perante os outros clãs e os membros do clã, privando a todos de um evento estratégico para o qual estavam preparados. Como consequência, eles podem perder a posse de um castelo que haviam conquistado anteriormente. O próprio clã pode deixar de existir por uma punição aplicada a uma personagem, que seria mais grave ainda, pois passível até de causar desentendimentos entre os membros. Além disso algumas dinâmicas envolvendo castelos demandam meses de dedicação e a árdua manutenção e investimento no castelo, que podem, num único evento, serem completamente perdidos, ocasionando até prejuízos materiais a dezenas de pessoas, aplicáveis até os institutos jurídicos da quebra de expectativa legítima e perda de uma chance para responsabilizarem a empresa a reparar os danos materiais ocasionados, ainda que tal reparação material se dê exclusivamente por meio de itens digitais do jogo. Há, dessarte, no exemplo apontado, violação à honra objetiva do líder do clã, cabendo a indenização pecuniária pela empresa e, talvez, até mesmo por aquele que fez a “denúncia” indevidamente, se por meio de graves acusações que sabia serem falsas. Outras forma de indenização cabíveis seriam a publicação da sentença no site, fórum do jogo e internamente no ambiente do jogo em “local” movimentado (para que alcance a dimensão que teve a notícia da punição indevida do líder do clã), a publicação de pedido de desculpas nos mesmos meios e a devolução da posse do castelo, nos moldes em que se encontrava, a esse clã, devendo, também, compensar o clã que, eventualmente, ficará sem o castelo conquistado, como entregando a esse último as recompensas que teria se fosse possuidor do castelo. Assim, fica claro, pelo exemplo, que afetar um jogador pode afetar toda uma coletividade e destruir meses de árduo trabalho. Ora, pense-se em um jogador de futebol que se prepara por meses e, após intenso treinamento, é impedido de jogar por seu clube por aplicação de uma sanção indevida, manchando sua reputação e impedindo que participe de

106 um campeonato que lhe era extremamente relevante. Obviamente, houve dano moral, que deve ser compensado. Raciocínio diverso não deve imperar em jogos online. Em jogos de MMORPG, o tipo de organização narrada é comum e a personagem do líder de clã tem privilégios dos quais não podem os demais jogador gozar sem a presença dessa personagem em jogo. Sua ausência, assim, é extremamente prejudicial aos demais membros e os danos morais ocasionados, ainda que com as melhores intenções, devem ser compensados. Por fim, os casos de xingamento, racismo e outras ofensas diretas à honra entre os jogadores merecem ser coibidos judicialmente, ante a inércia das empresas. Mesmo não tendo 10 linhas de conversa, um jogador de Ragnarök Online, com uma simples foto da tela identificando o jogador que o ofendeu, poderá pleitear punição judicialmente, civil e criminalmente, porquanto será determinada a quebra de sigilo para que a empresa identifique o infrator. Mesmo em caso do jogador ter se cadastrado com dados falsos, deverão as empresas identificar o endereço IP daquele que acessa a personagem através da qual violado direito da personalidade, dado por meio do qual é possível obter a exata localização da pessoa. Vários sites públicos são capazes de fazê-lo261, atualmente. Basta lembrar que, como dito alhures, inexiste o direito ao anonimato no Brasil. Pelo contrário, ao violar um direito fundamental, cabe a quebra de sigilo para que a impunidade e o anonimato não sirvam de manto à destruição dos valores constitucionais.

261 Meu Endereço IP. Localizar IP. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015.

107 11. A Jurisprudência e os Jogos Online

O Supremo Tribunal Federal não parece ter se manifestado sobre a tutela aos direitos da personalidade nas relações interpessoais entre jogadores, em ambiente digital. O Superior Tribunal de Justiça tampouco o fez. Entretanto, este, no REsp n°.: 861.517-MG 262, determinou que constitui infração administrativa permitir que crianças e adolescentes acessem jogos vedados para sua faixa etária, passíveis de punição conforme os artigos 75 e 258 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Sequer seu ingresso em ambientes nos quais esses jogos são disponibilizados ao público, é admitido. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais segue esse entendimento, conforme se verifica do acórdão proferido na: Apelação Cível 1.0145.03.059548-5/001263. Alguns Tribunais de Justiça, diversamente, tiveram a oportunidade de enfrentar o tema dos danos morais. O Tribunal de Justiça de São Paulo, julgando recurso de Apelação com Revisão nº. 0906299-37.2012.8.26.0037264, negou indenização por dano moral a jogador 262 REsp 861.517/MG Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em 10/02/2009. DJe 11/03/2009. Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 515, §1º, DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ARTIGOS 75 E 258 DO ECA. CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ACESSO A JOGOS ELETRÔNICOS PROIBIDOS POR LEI. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA . 1. Quanto à alegada violação ao art. 515, §1º, do CPC, não houve pronunciamento a respeito pela Corte a quo, inviabilizando a análise do recurso especial quanto a essas normas por ausência de prequestionamento. Incide, in casu, o enunciado 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. Ao permitir que menores de 18 anos tivessem acesso aos jogos Counter Strike e GTA, o responsável pelo estabelecimento em questão deixou de observar o disposto no art. 75 da Lei nº 8.069/90, o que configura a infração administrativa descrita no art. 258 da referida norma. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não-provido. 263 Apelação Cível 1.0145.03.059548-5/001. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 8ª Câmara Cível. Relator(a): Des.(a) Fernando Bráulio. Julgado em 12/12/2005. DJe 29/03/2006. Ementa: ECA - ADOLESCENTES. ENTRADA E PERMANÊNCIA EM ESTABELECIMENTO DESTINADO À EXPLORAÇÃO DE JOGOS ELETRÔNICOS. PARTICIPAÇÃO DE JOGO ELETRÔNICO DENOMINADO 'COUNTER STRIKE', CLASSIFICADO COMO INADEQUADO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES PELAS PORTARIAS Nº 899 E 1.035 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. INFRAÇÃO DOS ARTIGOS 74, 75 E 149, INCISO I, ALÍNEA D, DA LEI Nº 8.069/90. IMPOSIÇÃO DE PENA NOS LIMITES CONSTANTES DO ART. 258 DESSE ESTATUTO. RAZOABILIDADE. A permissão da entrada e da permanência de adolescentes em estabelecimento destinado à exploração de jogos eletrônicos e a sua participação em jogo eletrônico denominado 'Counter Strike', classificado como inadequado para crianças e adolescentes, importa em infração dos artigos 74, 75 e art. 149, inciso I, da alínea d, do ECA, justificando a imposição de pena arbitrada nos limites estabelecidos pelo art. 258 desse Estatuto. Razoável é a manutenção de pena de dez salários mínimos arbitrada pelo MM. Juiz 'a quo' com base na já mencionada norma legal, que prevê, 'in abstrato', a multa de três a vinte salários de referência e o fechamento do estabelecimento por até quinze dias, em caso de reincidência. *O entendimento foi também adotado nas: Apelação Cível 1.0145.02.0511237/001, Apelação Cível 1.0000.00.269617-7/000, Apelação Cível 1.0000.00.350353-9/000, Apelação Cível 1.0000.00.200719-3/000, Apelação Cível 1.0145.03.059255-7/001 e Apelação Cível 1.0145.02.0284009/001. 264 Apelação com Revisão n°. 0906299-37.2012.8.26.0037. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 30ª Câmara de Direito Privado. Relator(a): Des.(a) Marcos Ramos. Julgado em 04 de março de 2015. Ementa: EMENTA: Prestação de serviços Jogos on line Ação de indenização por danos materiais e morais Demanda de consumidor, pessoa natural, em face de empresa - Sentença de parcial procedência para

108 que havia tido sua conta invadida e recursos subtraídos. Em voto vencido, um desembargador alegou vício do serviço, que para ele não forneceu segurança suficiente para o usuário. O tribunal perdeu a oportunidade de realizar uma análise muito mais profunda do caso, tendo, em vez disso, se baseando em juízos de probabilidade, invocando as possibilidades de um vírus ou um descuido ao compartilhar dados de acesso a sua conta como possíveis causas da invasão dessa. A conduta omissiva da empresa não lhe deveria ser benéfica. Entretanto, o foi, por desconhecimento dos desembargadores da dinâmica do jogo. Pior, o tribunal acabou tornando culpado pela conduta o próprio jogador, ao supor que ele teria sido responsável, de algum modo que não ficou demonstrado nos autos, pela perda dos recursos. Com isso, agravou o dano sofrido. In casu, no entanto, não se verifica dano moral necessariamente, mas, sim, patrimonial. Talvez tenha o acórdão sido influenciado por ter o autor se recusado a aceitar acordo proposto pela empresa Level Up! Games, que ofereceu depositar a quantia em Zenys perdida em sua conta. O fato, entretanto, não parece ter abalado sua honra, subjetiva ou objetivamente, não sendo, em tese, passível de configuração de dano moral, conforme decidido. Dano moral, em verdade, pode ter resultado da postura do tribunal, que imputou a suposto descuido do autor a perda dos valores, afetando sua reputação. Em verdade, as empresas possuem o controle de transferência de recursos. Elas possuem meios de identificar qual personagem foi subtraída e qual foi beneficiada e, então, contatar a personagem beneficiada e esclarecer se houve prática indevida ou se a troca se deu de forma justa. Aliás, com esse recurso, a empresa consegue identificar que tipo de troca ocorreu, podendo identificar indícios de ocorrência de prática desleal. No caso, o jogador perdeu 7 bilhões em moeda “Zeny” (moeda utilizada virtualmente no jogo Ragnarök Online para adquirir itens e participar de diversos eventos). Se houve uma troca em que uma personagem não deu item algum e a outra 7 bilhões de Zeny, uma quantia exorbitante para os jogadores e difícil de se conseguir, a empresa deveria, ao menos, ter desconfiado do jogador que adquiriu os recursos, bem como tê-lo consultado a respeito. condenar a ré ao pagamento de indenização por prejuízos de ordem moral Recursos de ambas as partes Parcial reforma do julgado Necessidade Autor que era titular de conta para jogos on line, sendo que, por suposta ação de terceiros em seu computador pessoal, os créditos acumulamos ao longo de anos foram subtraídos Arguição preliminar de cerceamento de defesa Afastamento Ausência de culpa da ré pela perda dos créditos do autor, tendo em vista que disponibilizou a este informações e medidas de segurança compatíveis com a atividade desenvolvida Conjunto probatório a indicar que o autor não adotou todas as medidas de segurança recomendadas, majorando o risco de violação de seus dados - Danos materiais que não restaram caracterizados Créditos virtuais que não ostentam valor econômico Danos morais Inexistência - Ausência do dever de indenizar. Apelo do autor desprovido. Apelo da ré provido.

109 Essa possibilidade resta evidente no acórdão proferido no Agravo Retido de n°. 70064055536265, de 2015, com numeração CNJ: 0090931-20.2015.8.21.7000, em que a Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou por má-fé a procuradora da jogadora que pleiteou danos morais por ter tido sua conta bloqueada temporariamente, em decorrência do auxílio a terceiro que havia fraudado outros jogadores. No caso, um jogador havia fraudado vários outros, utilizando-se de software malicioso para subtrair de diversas personagens itens digitais valiosos. Esse jogador transferiu para a então pleiteante todos esses itens e, por esse motivo, a jogadora foi punida com bloqueio temporário. Ambos os jogadores integravam o mesmo clã, o que tornou muito verossímil o acordo fraudulento. Se decidiram com acerto nesse ponto, falharam miseravelmente noutro: o respeito. A relatora, em seu voto, disse que um jogo online não poderia ser a principal forma de entretenimento de uma mulher de 26 (vinte e seis) anos de idade, um comentário preconceituoso, que demonstra desconhecimento da realidade fática e que apresenta cunho totalmente valorativo e inferiorizante, ofendendo a honra da pleiteante e escancarando o despreparo das cortes do país para abordarem o tema. As Cortes do Rio Grande do Sul também abordaram a temática dos jogos eletrônicos em outras circunstâncias. A Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul reconheceu a complexidade do tema das relações desenvolvidas nos jogos digitais, que demandariam, assim, prova pericial para esclarecimento dos fatos, resultando na acertada incompetência dos Juizados Especiais Cíveis para a questão nos autos n°. 71002522704, de 2010266. A Primeira Turma Recursal Cível, entretanto, nos autos n°. 265 Apelação Cível n°. 70064055536. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 19ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Voltaire de Lima Moraes. Julgado em: 25/06/2015. Ementa: DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRigaÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE DANOS MORAIS. DISPONIBILIZAÇÃO DE JOGOS ON-LINE. FRAUDE PRATICADA POR OUTRO PERSONAGEM QUE BENEFÍCIOU A AUTORA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. AGRAVO RETIDO. O fato de a magistrada sentenciante ter entendido que a autora litiga com má-fé, isso, por si só, não conduz à revogação do benefício da gratuidade da justiça, mormente levando em consideração que inexiste previsão legal para essa situação. A Lei nº 1.060/50 não faz qualquer distinção entre litigante de boa ou má-fé para efeitos do deferimento da gratuidade da justiça. Aagravo retido improvido. mostra-se dispensável a realização da perícia no computador da autora, notadamente porque a prova produzida nos autos, dentre elas inclusive a pericial realizada na sede da empresa que disponibiliza o jogo, já mostra-se suficiente para o deslinde do feito. A prova pericial é conclusiva no sentido de que a autora pertencia ao mesmo clã de um usuário denominado de “matematicas2”, sendo que este transferiu grandes quantidades de “ouro”, obtido por meio de ferramentas ilegais para o jogo, para as contas dele (matematicas2) e da recorrente (WaleriaBR), fato este que justifica a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido. Mantida a condenação da parte autora às penas da litigância de má-fé. Descabido, contudo o sancionamento da procuradora do autor nestes autos, não podendo ser mantida, em relação à profissional, a condenação ao pagamento de multa e indenização por deslealdade processual. Precedente do STJ. Agravo retido improvido. Unânime. Apelação parcialmente provida, por maioria. Vencido o Relator, que a provia em menor extensão. 266 Recurso Inominado n°. 71002522704 2010/Cível. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Segunda Turma Recursal Cível. Relatora Desembargadora Dra. Vivian Cristina Angonese Spengler. Julgado em 27/10/2010. Ementa: CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. USUÁRIO QUE SUPOSTAMENTE TERIA BURLADO A REGRA DO JOGO RISING FORCE ONLINE (RF ONLINE) SENDO PUNIDO

110 71004402012267, de 2013, negou provimento a recurso em que um jogador pleiteava ter garantido o acesso ao jogo após ser banido por uso de software proibido que transformava sua personagem num robô (ou “bot”, derivado de robot, termo inglês para robô), uma prática antiética que torna a competição interna do jogo desequilibrada, já que a personagem derrota monstros e coleta recursos automaticamente, sem a intervenção simultânea do jogador, constituindo um ato que as comunidades sérias de jogadores repelem. De fato, não se pode tolerar que o jogador se beneficie da própria torpeza. Em contrapartida, a Segunda e Terceira Turmas Recursais Cíveis do Rio Grande do Sul deixaram de reconhecer a mera possibilidade do bloqueio à conta de um jogador ocasionar-lhe dano moral, reduzindo o ato, abstratamente, a mero dissabor corriqueiro, conforme decidido nos autos de n°.: 71004351888 268, de 2013, com numeração CNJ: 0011526-17.2013.8.21.9000; e 71004161220269, de 2012, com numeração CNJ: 005822333.2012.8.21.9000. Ao fazê-lo, deixam de reconhecer a necessidade de perícia para que a dinâmica do jogo seja explicada a magistrados que certamente a desconhecem e nega-se tutela COM A SUSPENSÃO PERMANENTE DAS CONTAS UPRISINC, PRINGLES E PROTESE. COMPLEXIDADE DA CAUSA. 1. Relatou o autor na inicial, consumidor do jogo RISING FORCE ONLINE (RF ONLINE) e contratante de serviços de acesso a jogos on-line mantidos e fornecidos pela ré, via página levelupgames.com.br, que teve em 30-11-2007 o bloqueio das suas contas, sem qualquer comunicação prévia ou justificativa. 2. Inconteste que as contas do autor foram suspensas permanentemente, sob o fundamento de que o usuário teria burlado a regra do jogo em questão, sofrendo tal punição. Ocorre que a comprovação ou inexistência da suposta fraude somente pode se dar via prova pericial. 3. Assim, a decisão emanada do juízo “a quo”, de extinção do feito sem resolução do mérito, por incompetência do JEC em razão da necessidade de perícia técnica, deve ser mantida. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. *No mesmo sentido, a Terceira Turma Recursal, também do Rio Grande do Sul, nos autos n°.: 71003714433, de 2012. 267 Recurso Inominado n°. 71004402012. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Primeira Turma Recursal Cível. Relator: Desembargador Dr. Roberto José Ludwig. Julgado em: 18/02/2014. Ementa: RECURSO INOMINADO. consumidor. bloqueio de jogador em jogo interativo on line. perda de itens. punição aplicada por conduta proibida. utilização de programas desautorizados, incorrendo em deslealdade em face dos demais participantes. conduta desleal suficientemente comprovada. punição justificada no caso concreto. ação improcedente. sentença reformada. recurso provido. 268 Recurso Inominado n°. 71004351888. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Segunda Turma Recursal Cível. Relator: Desembargador Dr. Alexandre de Souza Costa Pacheco. Julgado em: 04/09/2013. Ementa: RECURSO INOMINADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BLOQUEIO DE CONTA RELATIVA A JOGO ONLINE, COMO MEDIDA DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO MERAMENTE TEMPORÁRIA, COM A POSTERIOR REATIVAÇÃO DA CONTA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA CONDUTA DA RÉ. VEROSSIMILHANÇA DA VERSÃO TRAZIDA EM CONTESTAÇÃO, QUE APONTA PARA A INOBSERVÂNCIA PELA AUTORA DAS REGRAS DO JOGO. SITUAÇÃO, ADEMAIS, INCAPAZ DE REPRESENTAR LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. MERO DISSABOR COTIDIANO. DANO MORAL INOCORRENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 269 Recurso Inominado n°. 71004161220. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Terceira Turma Recursal Cível. Relator: Desembargador Dr. Carlos Eduardo Richinitti. Julgado em: 27/06/2013. Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. JOGO “ON LINE”. BLOQUEIO DE CONTA DE USUÁRIO. SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DAS REGRAS DO JOGO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO PATRIMONIAL. MERO TRANSTORNO. DANO MORAL INOCORRENTE. PEDIDO IMPROCEDENTE. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 46 DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. RECURSO DESPROVIDO.

111 jurídica específica, demonstrando desprezo por outras formas de entretenimento em que há intensa participação humana, inferiorizando-a por um juízo de valor que não devia ter espaço em cortes de Estados Democráticos de Direito. Disso resulta a seguinte constatação de Anderson Schreiber, da qual não há como discordar após apresentar os dados supra: Tribunais de todo o mundo têm se deparado com um número cada vez maior de conflitos decorrentes das relações virtuais. É o que ocorre também no Brasil. Nascidos e formados em tempos anteriores ao advento da internet, a maioria dos Desembargadores e Ministros dos tribunais superiores não tem, naturalmente, grande intimidade com o universo virtual. Isso não impede que sejam capazes de se informar sobre as tecnologias envolvidas em cada caso concreto e decidir com prudência e acerto. Alguns precedentes têm revelado, contudo, certo despreparo do Judiciário brasileiro para lidar com os novos desafios cibernéticos.270

Exemplo marcante desse despreparo foi quando o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o bloqueio do site YouTube por exibição indevida de vídeo de uma modelo, ignorando que diversas pessoas tiram seu sustento de vídeos que fazem no site, inclusive a nova profissão de críticos e comentaristas de jogos, que vivem de doações e de propagandas feitos em seus canais no site. A decisão foi reformada pouco depois por meio do acórdão proferido no Agravo de Instrumento 488.184-4/3, para que apenas o vídeo inapropriado fosse removido271. Ressalta-se, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido, excepcionalmente e quando não há outra alternativa, a quebra de sigilo mesmo em processos civis, para evitar que o anonimato impeça a sanção ao desrespeito a direitos fundamentais272.

270 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 125. 271 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pg. 126. 272 BARBOSA, Rogério. STJ autoriza interceptação telefônica em caso cível. In: Consultor Jurídico.Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015.

112 12. Estado, Sociedade e Jogos

No Brasil, o setor do Estado que mais se aproximou das indústrias de jogos, até mesmo por iniciativa das empresas, foi o Ministério da Cultura, que já deu os primeiros passos no sentido de incentivar a indústria e planeja novas ações, embora não especifique claramente quais. Com a base de políticas públicas confeccionada pela ABRAGAMES em 2014, talvez surja uma importante e duradoura relação do Estado com o mercado de jogos, da qual a sociedade muito pode se beneficiar, principalmente pela desconstrução do preconceito que impera, sobre os estereótipos dos jogadores. Existe um número significativo de associações de empresas desenvolvedoras de jogos, valendo a pena sua menção: A ABRAGAMES, Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos, a que se associaram 21,93% das empresas brasileiras; ACIGAMES, Associação Comercial, Industrial e Cultural dos Jogos Eletrônicos do Brasil, com quase 10% das empresas nacionais do ramo; ADJOGOS-RS, Associação dos Desenvolvedores de Jogos Digitais do Rio Grande do Sul, com quase 7,5% das empresas nacionais; ACATE – Vertical Games, Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia; IGDA, International Game Developers Association ou Associação Internacional de Desenvolvedores de Jogos, com repartições em Curitiba (IBDA-Curitiba), Recife (IGDARecife), Rio de Janeiro (IGDA-Rio) e no Rio Grande do Sul (IGDA-RS); e UBV&G, União Brasileira de Vídeo e Games. A maior parte das empresas, entretanto, não integra nenhuma das associações (mais de 35% do total)273. Existem, ainda, eventos nacionais e internacionais que importam àqueles que tenham interesse no assunto. Dentre os internacionais, destacam-se o Game Developers Conference (GDC), GameConnection, Casual Games Association (Casual Connect), VentureBeat (GamesBeat) e Unite. No Brasil, valem menção: Unite Brasil, Brasil Game Show (BGS), SBGames e BIG Festival274. Com isso, resta claro que há mais interações sociais envolvendo jogadores que se imagina. A indústria já tem se organizado e tende a crescer muito, assim como o público com interesse em jogos. Nos próximos anos, nossa realidade pode se aproximar muito da estadunidense, incorporando a realidade dos jogos ao seio cultural. 273 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). 1° Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 41 e 85-89. 274 Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Pgs. 135-139.

113 13. Conclusão

As hipóteses levantadas apresentaram-se, todas, verídicas. Os sistemas desenvolvidos pelos jogos analisados, que possuem grande fama e uma gigantesca quantidade de jogadores, demonstraram-se falhos na tutela dos direitos da personalidade dos jogadores, em especial quanto ao direito à honra, que é violado com maior intensidade em nosso país. Cientes dessa realidade e sentindo-se impotentes, os jogadores acabam desestimulados a buscar, perante as empresas, uma compensação pelos danos sofridos. Com isso, danos irreparáveis restam sem, sequer, uma compensação mínima. Além disso, a jurisprudência tem fechado os olhos aos problemas advindos dos jogos online. Reduzindo as relações interpessoais nos jogos online a uma mera relação consumerista entre cliente e empresa, nega-se tutela aos direitos da personalidade, agravando o dano moral ocasionado e deixando de garantir os direitos fundamentais, tarefa que cabe, justamente, ao Poder Judiciário. Com isso, permitiu-se que a situação de desrespeito em larga escala se perpetuasse e proliferasse, levando pessoas de outras nacionalidades a adotar posicionamentos xenófobos, requerendo que um espaço específico para brasileiros seja reservado aos jogos na expectativa de que, com isso, ao menos eles não sofram os efeitos da cultura de desrespeito que aqui tem-se desenvolvido. O mundo jurídico, ao não se manifestar acerca dos jogos online, deixa claro sua ignorância a respeito do tema. Deixa-se de reconhecer a crescente indústria e as complexas relações humanas delas decorrentes e, pior, preserva-se a cultura que considera infantis e irrelevantes tais interações. Apesar de tudo, o ordenamento jurídico pátrio possui plenas condições de tutelar as relações jurídicas existentes, nem que para isso tenha-se que recorrer até que o caso chegue ao Supremo Tribunal Federal, corte que tem dado a devida importância a temas deixados de lado ou analisados sem a devida reflexão e respeito por cortes de inferior instância. Lá, certamente, a devida tutela aos direitos da personalidade decorrentes das relações interpessoais em jogos online será estudada e aplicada da melhor forma possível. Mais que isso, se adotadas as tutelas não pecuniárias que vêm sendo, aos poucos, admitidas, a compensação aos danos morais será plena e efetiva, pois demonstrará aos tribunais que, mesmo quando seu juízo indique excessiva a condenação pecuniária, haverá alternativas diversas e equilibradas para a garantia, em até melhor grau, dos direitos da personalidade. O problema enfrentado no trabalho monográfico encontra plena solução pelo

114 arcabouço normativo, doutrinário e principiológico já existente. A tutela jurídica para as relações interpessoais nos jogos online se dá na esfera do Direito Civil, do Direito Constitucional, do Direito Consumerista e do Direito Penal. Não existe mera relação de consumo entre o jogador e a empresa que administra o jogo. Os direitos ao nome, ou de forma mais abrangente, à identidade; o direito à honra e o direito à imagem, todos imanentes da personalidade e, também, direitos fundamentais assegurados a toda pessoa, tutelam as relações interpessoais entre jogadores no âmbito dos jogos online, assegurando compensação sempre que o dano moral for causado. As relações entre jogadores no mundo virtual criado pelos jogos online consistem em relações humanas como quaisquer outras. Se dois atores não podem se valer das personagens que interpretam no palco para violar os direitos fundamentais um do outro, não há motivo para considerar menos válida a tutela dos mesmos direitos aos jogadores em ambiente virtual, sob pena de abandonar os jogadores a uma ampla margem de liberdade de atuação por parte das empresas. A história já nos mostrou, mormente por ocasião da Revolução Industrial e das revoluções liberais, que a liberdade em excesso, sem intervenção estatal mínima, admite a prática de abusos intoleráveis, pois permite aos mais fortes (empresas de jogos e jogadores desrespeitosos) o domínio dos mais fracos (jogadores educados, bem comportados e que seguem as regras). Mesmo que exista uma aparente escolha voluntária de se submeter a esses ditames, em verdade ocorrem escolhas não informadas e, portanto, não conscientes de que abre-se mão de direitos fundamentais já tutelados por nosso ordenamento jurídico. Portanto, todo jogador, mesmo no ambiente dos jogos eletrônicos online, que tenha sua imagem, nome ou honra violados, poderá pleitear compensação por esse dano judicialmente, mas não apenas pecuniária. A compensação poderá ser específica ao caso da violação, cumulada ainda com o pagamento de pecúnia, que poderá ser destinada até a associações de jogos sem fins lucrativos, fugindo-se do confuso discurso do enriquecimento ilícito. Dentre as principais formas de compensação, destacam-se o direito à resposta, o pedido de desculpas, a publicação da sentença que demonstra que a vítima do dano moral estava correta e a publicização das compensações na mesma proporção da publicidade que o dano moral atingiu. E os magistrados podem, segundo o entendimento processualista contemporâneo, determinar de que forma a compensação se dará, visando sempre a tutela específica do bem violado da forma mais efetiva possível. Ainda que considere inadequado, assim, que seja a vítima do dano moral indenizada com pecúnia, caberá a condenação individual em dever de pedir desculpas e de publicar a sentença em que se o impôs.

115 Desvencilhar a compensação da patrimonialidade com que se a tem investido é fundamental para a percepção de que medidas outras, ainda mais efetivas que o dinheiro, são capazes de alcançar aquilo que mais se aproxima de uma reparação desse dano. Com isso, o objetivo geral foi atingido. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5°, incisos V e X, o Código Civil Brasileiro, em seus artigos 11 a 21, o Código de Defesa do Consumidor, em especial no artigo 6°, inciso VI, e o Código Penal, por meio dos artigos 138 a 140, foram identificados como os principais dispositivos que dão suporte aos direitos da personalidade nas relações interpessoais em jogos online. Ainda, os direitos humanos consagrados em tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, aliados aos direitos humanos e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagram a relevância dos direitos da personalidade e demonstram que são valores tutelados mesmo na esfera internacional, tão essenciais que se pretendem universalizar e tutelar a todo ser humano no planeta. É inegável: a nova realidade que vivemos compreende uma gama gigantesca de costumes diferenciados. Entre eles, há pessoas que preferem as experiências proporcionadas por jogos online, uma novidade de nossa história recente, como forma preponderante de entretenimento. Longe de causar isolamento social, como antigamente se pensava, os jogos se tornaram ambiente de intensa interação humana. Diversamente dos jogos que precederam a atual realidade, diversas relações, inclusive namoros e até casamentos, surgem das interações dos jogadores em ambiente virtual. Não cabe ao direito aceitar ou não essa realidade, mas tão somente reconhecê-la como legítima, curvando-se a essa nova manifestação da personalidade humana. A única alternativa que o Direito possui é abraçar essa realidade, para que possa cumprir seu dever social de garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados nesse contexto social, que tende a se expandir a níveis ainda mais complexos. Recusar essa tarefa é permitir a prática habitual de abusos que têm se perpetuado e perder a oportunidade de acompanhar e desenvolver-se conforme as mudanças sociais e valorativas demandam.

116 14. Referências Bibliográficas

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117 prova pericial é conclusiva no sentido de que a autora pertencia ao mesmo clã de um usuário denominado de “matematicas2”, sendo que este transferiu grandes quantidades de “ouro”, obtido por meio de ferramentas ilegais para o jogo, para as contas dele (matematicas2) e da recorrente (WaleriaBR), fato este que justifica a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido. Mantida a condenação da parte autora às penas da litigância de má-fé. Descabido, contudo o sancionamento da procuradora do autor nestes autos, não podendo ser mantida, em relação à profissional, a condenação ao pagamento de multa e indenização por deslealdade processual. Precedente do STJ. Agravo retido improvido. Unânime. Apelação parcialmente provida, por maioria. Vencido o Relator, que a provia em menor extensão. Apelação com Revisão n°. 0906299-37.2012.8.26.0037. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 30ª Câmara de Direito Privado. Relator(a): Des.(a) Marcos Ramos. Julgado em 04 de março de 2015. Ementa: EMENTA: Prestação de serviços Jogos on line Ação de indenização por danos materiais e morais - Demanda de consumidor, pessoa natural, em face de empresa Sentença de parcial procedência para condenar a ré ao pagamento de indenização por prejuízos de ordem moral Recursos de ambas as partes Parcial reforma do julgado Necessidade Autor que era titular de conta para jogos on line, sendo que, por suposta ação de terceiros em seu computador pessoal, os créditos acumulamos ao longo de anos foram subtraídos Arguição preliminar de cerceamento de defesa Afastamento Ausência de culpa da ré pela perda dos créditos do autor, tendo em vista que disponibilizou a este informações e medidas de segurança compatíveis com a atividade desenvolvida Conjunto probatório a indicar que o autor não adotou todas as medidas de segurança recomendadas, majorando o risco de violação de seus dados - Danos materiais que não restaram caracterizados Créditos virtuais que não ostentam valor econômico Danos morais - Inexistência - Ausência do dever de indenizar. Apelo do autor desprovido. Apelo da ré provido. Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). A ABRAGAMES, Associação Brasileira de Jogos Digitais, Comemora Seus 11 Anos de Fundação!. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). A Indústria Brasileira de Jogos Eletrônicos – Um Mapeamento do Crescimento do Setor nos Últimos 4 anos. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). A Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (ABRAGAMES). Plano Diretor da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015.

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120 BRASIL. Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Enunciado Sumular nº. 403 – Ementa: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n°. 4815. Decisão Final: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica , declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). Falaram, pela requerente Associação Nacional dos Editores de Livros - ANEL, o Dr. Gustavo Binenbojm, OAB/RJ 83.152; pelo amicus curiae Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, o Dr. Thiago Bottino do Amaral, OAB/RJ 102.312; pelo amicus curiae Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB, o Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho, OAB/PI 2525; pelo amicus curiae Instituto dos Advogados de São Paulo IASP, a Dra. Ivana Co Galdino Crivelli, OAB/SP 123.205-B, e, pelo amicus curiae INSTITUTO AMIGO, o Dr. Antônio Carlos de Almeida Castro, OAB/DF 4107. Ausente o Ministro Teori Zavascki, representando o Tribunal no simpósio em comemoração aos 70 anos do Tribunal de Disputas Jurisdicionais da República da Turquia, em Ancara . Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. - Plenário, 10.06.2015. Disponível em: . Acesso em 26 de outubro de 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 25. Ementa: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito. Disponível em: . Acesso em 24 de outubro de 2015. BRIZIDA, Joubert de Oliveira. Palestra – Informática: Modelo Institucional Brasileiro. D.O.E. Seç. 1, São Paulo. 93 (066), sábado, 9 abr. 1983. Disponível em . Acesso em 02 de novembro de 2015. CAMPER, Brett. Chapter 9: Retro Reflexivity – La-Mulana, an 8-bit Period Piece. In: PERRON, Bernard (COORD.);WOLF, Mark J. P. (COORD.). The Video Game Theory Reader 2. Routledge Taylor & Francis Group: Nova Iorque e Londres, 2009. CHIATO, Marcus Vinicius Garrett. 1983 + 1984: E MAIS! - O LIVRO DIGITAL. São Paulo: Edição do Autor, 2013. Consultor Jurídico. STJ define valor de indenizações por danos morais. In: Revista Consultor Jurídico. 15 set. 2009, 09h. Disponível em: . Acesso em 27 de outubro de 2015. DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Interpretada – de acordo com a Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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123 necessidade de perícia técnica, deve ser mantida. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. *No mesmo sentido, a Terceira Turma Recursal, também do Rio Grande do Sul, nos autos n°.: 71003714433, de 2012. Recurso Inominado n°. 71004161220. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Terceira Turma Recursal Cível. Relator: Desembargador Dr. Carlos Eduardo Richinitti. Julgado em: 27/06/2013. Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. JOGO “ON LINE”. BLOQUEIO DE CONTA DE USUÁRIO. SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DAS REGRAS DO JOGO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO PATRIMONIAL. MERO TRANSTORNO. DANO MORAL INOCORRENTE. PEDIDO IMPROCEDENTE. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 46 DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. RECURSO DESPROVIDO. Recurso Inominado n°. 71004351888. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Segunda Turma Recursal Cível. Relator: Desembargador Dr. Alexandre de Souza Costa Pacheco. Julgado em: 04/09/2013. Ementa: RECURSO INOMINADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BLOQUEIO DE CONTA RELATIVA A JOGO ONLINE, COMO MEDIDA DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO MERAMENTE TEMPORÁRIA, COM A POSTERIOR REATIVAÇÃO DA CONTA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA CONDUTA DA RÉ. VEROSSIMILHANÇA DA VERSÃO TRAZIDA EM CONTESTAÇÃO, QUE APONTA PARA A INOBSERVÂNCIA PELA AUTORA DAS REGRAS DO JOGO. SITUAÇÃO, ADEMAIS, INCAPAZ DE REPRESENTAR LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. MERO DISSABOR COTIDIANO. DANO MORAL INOCORRENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso Inominado n°. 71004402012. Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Primeira Turma Recursal Cível. Relator: Desembargador Dr. Roberto José Ludwig. Julgado em: 18/02/2014. Ementa: RECURSO INOMINADO. consumidor. bloqueio de jogador em jogo interativo on line. perda de itens. punição aplicada por conduta proibida. utilização de programas desautorizados, incorrendo em deslealdade em face dos demais participantes. conduta desleal suficientemente comprovada. punição justificada no caso concreto. ação improcedente. sentença reformada. recurso provido. REsp 861.517/MG Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em 10/02/2009. DJe 11/03/2009. Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ART. 515, §1º, DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ARTIGOS 75 E 258 DO ECA. CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ACESSO A JOGOS ELETRÔNICOS PROIBIDOS POR LEI. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MULTA . 1. Quanto à alegada violação ao art. 515, §1º, do CPC, não houve pronunciamento a respeito pela Corte a quo, inviabilizando a análise do recurso especial quanto a essas normas por ausência de prequestionamento. Incide, in casu, o enunciado 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. Ao permitir que menores de 18 anos tivessem acesso aos jogos Counter Strike e GTA, o responsável pelo estabelecimento em questão deixou de observar o disposto no art. 75 da Lei nº 8.069/90, o que configura a infração administrativa descrita no art. 258 da referida norma. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não-provido. RIOT LYTE. Aprimorando o Tribunal. In: League of Legends. Disponível em: . Acesso em 01 de novembro de 2015. SALGADO, Joaquim Carlos. Princípios Hermenêuticos dos Direitos Fundamentais. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em 20 de outubro de 2015. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. Secretaria do Audiovisual (SAV). Edital BRGAMES – Programa de Fomento à Produção e Exportação do Jogo Eletrônico Brasileiro. In: Ministério da Cultura. 12/05/2009. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Secretaria do Audiovisual (SAV). Jogos Made in Brasil. In: Ministério da Cultura. 15/02/2008. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. Secretaria Nacional do Consumidor. Boletim Sindec 2014. Disponível em: . Acesso em 19 de outubro de 2015. SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. SCHREIBER, Anderson. Reparação Não Pecuniária dos Danos Morais. In: Pensamento Crítico do Direito Civil Brasileiro. COORD.: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luíz Edson. Curitiba: Juruá, 2011. TERRA. A História dos Videogames em 40 Capítulos. Disponível em: . Acesso em 01 de outubro de 2015. THOMAS, Katie. Image Rights vs. Free Speech in Video Game Suit. In: The New York Times. 15 nov. 2010. Disponível em: . Acesso em 12 de outubro de 2015. TORRES, Samir. Video game characters modeled after famous people (gallery). In: Venture Beat. 19 ja. 2013. Disponível em: . Acesso em 13 de outubro de 2015. UNIVERSITY OF OXFORD. Oxford Advanced Lerner's Dictionary. Ed. 7. Brazil: Oxford University Press, 2005. UOL. A História do Videogame. Disponível em . Acesso em 30 de setembro de 2015.

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