TUTELAS DAS LIBERDADES PÚBLICAS E A LIBERDADE DE COMÉRCIO E DA INDÚSTRIA NO ESTADO FRANCÊS

October 12, 2017 | Autor: Rodrigo Marinho | Categoria: Direito
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TUTELAS DAS LIBERDADES PÚBLICAS E A LIBERDADE DE COMÉRCIO E DA INDÚSTRIA NO ESTADO FRANCÊS INJUCTIONS PUBLIC LIBERTIES AND FREEDOM OF TRADE AND INDUSTRY AS FRENCH Rodrigo Saraiva Marinho1

Resumo As liberdades públicas são um tema recorrente na França, as quais são aplicadas principalmente nos direitos individuais que tratam os direitos humanos de primeira geração. A sua proteção ou tutela é necessária no sentido de proteger o cidadão contra o Estado, por meio de prestação negativa, qual seja, abstenção ou por meio de prestação positiva, como os direitos sociais. Uma dessas liberdades públicas é a Liberdade de Comércio e da Indústria, que tem por finalidade proteger as empresas e o mercado, permitindo que o cidadão exerça qualquer profissão ou ofício e até mesmo desenvolva a sua atividade empresarial em um mercado livre, em que a concorrência é condição obrigatória. Palavras-chave: Liberdades Públicas; Direitos Humanos; Direitos Fundamentais; Liberdade de Comércio e da Indústria.

Abstract Civil liberties are a recurring theme in France, which are mainly applied on individual rights that address human rights Grandfather, your protection or guardianship is necessary to protect the citizen against the state, by providing negative namely, abstention or by providing positive social rights. One such public freedoms is freedom of Trade and Industry which aims to protect businesses and the market, allowing the citizen to exercise any profession or trade and even develop their business activity in a free market, where competition is condition mandatory. Keywords: Civil Liberties, Human Rights, Fundamental Rights, Free Trade and the hashindustry.

1 INTRODUÇÃO O presente ensaio é elaborado em razão da importância que as liberdades públicas têm nos presentes dias. Esse tema no Brasil é apresentado com outro nome, direitos fundamentais, tendo divergências muito sutis com relação as liberdades públicas francesas.                                                                                                                         1   Advogado. Mestrando pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Especialista pela FESAC/UECE em Direito Processual Civil. Professor das disciplinas de Processo Civil e Direito Empresarial na Graduação e PósGraduação da Faculdade Christus e na Pós-Graduação da Faculdade Ateneu. Professor convidado da Fundação Escola Superior de Advocacia do Estado do Ceará – FESAC.  

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Tal estudo adveio do curso ministrado em Fortaleza pelo Prof. Jean Marie Pontier, o qual tratou sobre esse tema e as suas peculiaridades, bem como sobre a lógica francesa de todo o sistema processual, abordando principalmente as liberdades públicas e a sua aplicação nos dias de hoje. O artigo é dividido em cinco partes, sendo a introdução a primeira parte numerada. Ato contínuo, no capítulo segundo, será destacado os direitos humanos, um resgate histórico e a razão da França ser o berço dos direitos humanos e não os Estados Unidos ou a Inglaterra, países que faziam uso dos direitos humanos, de forma comprovada, e que tiveram leis estabelecidas, antes da revolução francesa. No terceiro capítulo deste ensaio será efetuada uma abordagem geral sobre as liberdades públicas. O que elas são? Qual a melhor definição? São semelhantes aos direitos fundamentais? São sinônimos de direitos humanos? Além disso, serão destacados no referido capítulo as liberdades públicas em espécie e como a doutrina e a jurisprudência francesas as recepcionam, fazendo referência em diversos momentos às decisões do Conselho de Estado e do Conselho Constitucional Francês. No capítulo quatro será abordado as liberdades econômicas, especificadamente a liberdade de comércio e da indústria, porém não há como se falar nessa liberdade, sem falar em propriedade, que também é uma liberdade pública. A propriedade e sua função social serão analisadas e, em seguida, será destacada a liberdade de comércio e da indústria, bem como as suas nuances, destacando como a jurisprudência trata os dois aspectos dessa liberdade: o direito a empreender e o direito à concorrência. Será analisado, ainda, qual a finalidade do direito a empreender, bem como a sua previsão constitucional e como ele se relaciona ao direito da concorrência, permitindo assim uma maior proteção ao mercado e, ainda, permitindo um equilíbrio a seu povo que terá maior liberdade de atuar. No quinto e último capítulo será feita as considerações finais. Para finalizar a presente, vale esclarecer que a França é um país extremamente estatizante, com uma vocação de democracia plural, razão pela qual se faz necessário analisar como as empresas públicas podem atuar e quais os mecanismos de controle para evitar o monopólio e permitir a livre concorrência. 2  

   

2 Dos Direitos Humanos Os direitos humanos surgiram no fim do século XVIII, com a revolução francesa, e foram apresentados como um conjunto perfeitamente coerente, resultado de uma evolução inelutável e puramente racional. (MORANGE, 2004, p.3.) Os direitos humanos foram extremamente criticados e denegridos no início do século XX, podendo até ter desaparecido, porém os direitos humanos voltaram à tona e estão muito bem, sendo estudados em diversas partes do mundo. Os direitos humanos encontraram seu berço na Inglaterra, que em nenhum momento afirmam ser portadores desse direito, porém em razão do "reconhecimento das liberdades era lá, e lá permanece, muito estreitamente vinculado à história do povo inglês e a seu empirismo" (MORANGE, 2004, p. 5). Essa é razão pela qual esse país tem todos os requisitos para ser considerado o início, porém esses direitos foram obtidos do poder real inglês quando a história o permitia, encontrando-se enunciados na Carta Magna de 2015, a Petição de Direitos de 1627, o Bill of Rights (ato de direitos) de 1688 e o Ato de Sucessão de 1701. Porém, segundo Morange (2004, p. 5) "não se encontram, no entanto, na Inglaterra, grandes declarações de princípios, mas procedimentos jurídicos, permitindo preservar tal direito e liberdade”. Esses direitos humanos foram levados aos Estados Unidos em razão da origem dos colonos, os quais eram oriundos da Inglaterra, gozando no seu país de origem de um mínimo de direitos, os quais não gostariam de perdê-los ao imigrar para a América. A declaração de independência americana confirmou os valores trazidos pelos colonos na Declaração de Independência de 4 de julho de 1776, sendo esta uma grande manifestação dos direitos humanos: Nós consideramos ser correto que [...] quando no decurso dos acontecimentos humanos torna-se necessário para um povo dissolver vínculos políticos que os ligaram a uma outra e tomar, entre as potências da terra, o lugar reservado e igual àquele que as leis da natureza e de Deus da natureza lhe dão direito, o respeito devido à opinião da humanidade o obriga a declarar as causas que o conduzem o rompimento.

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Temos por evidentes, por si próprias as seguintes verdades: todos os homens são criados iguais; são dotados pelo criador de certos direitos inalienáveis; entre estes direitos se encontram o da vida, da liberdade e da busca pela felicidade. Os governos estão constituídos pelos homens para garantir esses direitos, e seu justo poder emana do consentimento dos governados. Todas as vezes que uma forma de governo se contra a esse objetivo, o povo tem o direito de mudá-la e de aboli-la e de estabelecer um novo governo, fundando-o sobre esses princípios e organizando-o da forma que lhe parecer mais adequada para dar-lhe segurança e felicidade. A prudência ensina à verdade que os governos estabelecidos há muito tempo não devem ser trocados por motivos levianos e passageiros, e a experiência de todos os tempos mostrou, de fato, que os homens estão mais dispostos a tolerar males suportáveis que a fazerem justiça eles mesmos abolindo as formas às quais estão acostumados. Mas, quando uma longa sequência de abusos e de usurpações, tendo invariavelmente o mesmo fim, assinala o propósito de submetê-los ao depotismo absoluto, é seu direito, é seu dever rejeitar tal governo e providenciar, por novas salvaguardas, sua segurança futura.

Apesar do excelente texto, ele não traz qualquer proclamação e justificação, pois não tem qualquer caráter de valor em direito positivo. A Constituição Federal de 1787 não é precedida de qualquer declaração, sendo os direitos e as liberdades mencionados somente nas dez primeiras emendas propostas ao Congresso em 21 de setembro de 1789 e ratificadas em 15 de dezembro de 1791. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 aconteceu após a declaração americana; porém, somente a francesa teve um alcance universal, isso se explica em virtude da França, no final do século XXVIII ser a "primeira potência política "ocidental" por razões demográficas, econômicas e culturais"(MORANGE, 2004, p. 8). A revolução na França teria naquela época enorme repercussão na Europa, a língua francesa era lida e compreendida em todos os meios com instrução, tendo os constituintes franceses o "sentimento de agir em nome de todos os homens." (MORANGE, 2004, p. 8) Os direitos humanos são apresentados em 1789 e reafirmados em 1946 e 1958, pelo Preâmbulo da Constituição Francesa. Segundo Jean-Jaques Israel (2005, p. 6) esses direitos passam a "ter valor de direito positivo, notadamente mediante a Declaração, a cujos princípios "o povo francês" manifestou, por duas vezes o seu apego quando das ratificações referendadas das Constituições de 1946 e de 1958." Os direitos do homem podem ser organizados conforme suas perspectivas históricas em primeira, segunda e terceira geração, "sendo os direitos de cada geração de eficácia plena, formando a base sobre a qual assentam-se novos direitos."(LOPES, 2001, p. 62)

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Com o objetivo de esquematizar, parte-se da noção de direito civis e políticos de primeira geração, que data da Revolução Francesa, quais sejam, liberdade, igualdade e fraternidade. Os direitos de primeira geração aparecem com o Estado Liberal ao fim do século XVIII, sendo estes os primeiros direitos a serem positivados. Esses direitos são, segundo Israel (2005, p. 8): [...] os direitos que garantem a segurança e a autonomia da pessoa humana diante do poder e diante de outros indivíduos. Trata-se, por exemplo, da liberdade de ir e vir ou da liberdade individual. Fala-se, nesse caso, de "liberdade-autonomia; [...] em seguida, de forma mais ampla, estão os direitos que permitem ao indivíduo despertar e desenvolver-se, escolhendo as condições de seu destino. Dele fazem parte, entre outros, a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão e de comunicação, a liberdade de se agrupar, a liberdade de associação, bem como as liberdades e os direitos políticos (notadamente o direito de escolher seus governantes por eleições livres). Fala-se, então de “liberdades-participação”.

A segunda geração agrupa os direitos econômicos e principalmente os sociais. Sendo dois tipos distintos (ISRAEL, 2005, p. 8): [...] os direitos sociais de defesa ou "direitos-resistência, que são entre outros, a liberdade sindical ou o direito de greve; os direito-créditos ou "direitos-exigências". Nessa perspectiva, é possível justificar a existência de tais direitos pelo fato de que a liberdade individual por si só não batas, que exige apenas que nenhuma intervenção do estado represente empecilho a seu exercício, requerendo assim apenas uma abstenção do Estado. É conveniente que a sociedade - por meio de sua personificação, que é o Estado - garanta os indivíduos as condições econômicas e materiais de sua liberdade, ou seja, a satisfação das necessidades essenciais do indivíduo.

Segundo Burdeau (2005, p. 20), "o indivíduo torna-se então "credor" do Estado e o direito, nesse caso, torna-se um crédito do homem aos olhos do Estado e da coletividade", no caso em tela não é solicitada um abstenção do Estado, mas sua intervenção ativa, objetivando garantir a prosperidade econômica e o bem estar social. O direito de terceira geração são os direitos ditos de solidariedade, mais frequentemente com implicação internacional, cujo reconhecimento parece subsequente aos progressos da humanidade. Esses direitos estão ligados à ideia de que a democracia passa pelos direitos do homem e, até mesmo, identifica-se cada vez mais com eles, direitos como o direito ao meio ambiente, o direito à paz e o direito ao desenvolvimento (ISRAEL, 2005, p. 910).

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Na França também se entende como direito de terceira geração os novos direitos, quais sejam, o direito ao aborto e as questões ligadas à reprodução, às experiências médicas, aos implantes de órgãos; eles colocam, de maneira geral, a questão da definição da vida e da morte. (ISRAEL, 2005, p. 11). Dessa forma, ultrapassada a explicação sobre as gerações dos direitos humanos segundo a interpretação francesa, passa-se a definir os direitos do homem. Segundo Mourgeon (2005, p. 12), pode-se dizer, no sentido amplo, que os direitos do homem se definem como "prerrogativas governadas por regras, que a pessoa possui em suas relações com os particulares e com o Poder". Diversas declarações foram elaboradas, porém elas não se tornaram positivadas na Constituição Francesa. Morange (2004, XVIII) defende que "as liberdades públicas da França contemporânea se transformaram numa realidade." As liberdades públicas são direitos de valor constitucional ou legislativo que os franceses gozam, sendo muito semelhantes aos direitos fundamentais brasileiros, porém com algumas diferenças. As liberdades públicas, bem como as diferenças com os direitos fundamentais serão debatidos no próximo capítulo. 3 Das Liberdades Públicas As liberdades públicas são típicas do direito francês, apesar da ideia de liberdade, em si mesma, ser muito maior do que o estado nacional, tendo se espalhado pelo mundo, principalmente após a revolução francesa. A liberdade jurídica aqui tratada é relaciona as obrigações inerentes à vida do homem em sociedade; esta impõe a necessidade de um enquadramento individual, limitando a liberdade do indivíduo ou, ao contrário, criar direitos em seu benefício (ISRAEL, 2005, p. 13). Os comportamentos individuais podem repercutir sobre outrem de forma negativa, ou seja, são liberdades que necessitam da abstenção do estado, como regra. E outros tem o condão de impor um comportamento positivo a outrem, no caso a coletividade que deve satisfazer a necessidade social por prestações. O direito regula a condução do homem na sociedade, definindo as condições do comportamento do indivíduo no exercício de suas liberdades. Desta feita, o direito reconhece, garante e até mesmo limita as liberdades, estando elas "consagradas pelo direito, as liberdades são, então, denominadas públicas." (ISRAEL, 2005, p. 13) 6  

   

As liberdades são a possibilidade de intervenção do poder, do Estado e do Direito. Poderia se pensar que essas liberdades públicas se opõem às liberdades privadas, entretanto isso não ocorre, visto que as primeiras estariam ligadas às relações com o Estado e as segundas com relação aos particulares. Segundo Israel (2005, p. 13), [...] todas as liberdades interessam ao Estado e ao direito, inclusive naquilo que poderia evocar o direito privado; assim, o domicílio privado e a intimidade da vida privada implicam uma proteção pelo direito e pelo estado e são suscetíveis de se opor a este último. As liberdades são, de fato, públicas porque são reconhecidas e protegidas pelo Direito, e isso independentemente do objeto da liberdade. Portanto, o fato de a liberdade sindical ser exercida nas empresas públicas ou privadas não muda nem a natureza da liberdade nem a sua essência, mesmo quando as condições de seu exercício possam diferir nos dois casos para dar conta da diferença da situação jurídica da empresa; mas trata-se sempre da liberdade sindical, liberdade pública.

Desta feita, é necessária a positivação das liberdades públicas, prestigiando e reconhecendo dentro do ordenamento jurídico francês a liberdade pelo Poder, pelo Estado e pelo Direito, fazendo de uma liberdade uma liberdade pública. Mas qual é o conteúdo dessas liberdades públicas? O direito francês usa a expressão, porém não lhe dá o devido conteúdo, tendo sido utilizada a expressão "liberdades públicas" pela primeira vez na Constituição francesa de 14 de janeiro de 1852, o qual tem por guardião o Senado "conservador" (IMBERT, 1988, p. 35-37). As constituições francesas de 1946 e 1958 consagraram o conceito de liberdades públicas, fazendo a distinção com a expressão direito do homem, a qual consta no Preâmbulo da constituição. Porém, ainda falta a definição do conteúdo das liberdades públicas, obviamente tal definição não esgota o tema, podendo ser passível de críticas. Rivero (2006, p. 102) define da seguinte forma: As liberdades públicas são direitos do homem que lhe reconhecem, em vários domínios da vida social, o poder de escolher livremente seu comportamento, poder organizado pelo direito positivo, que lhe concede uma proteção reforçada e o eleva ao nível constitucional no direito interno, ao nível supralegislativo no direito europeu.

Conforme demonstrado, nas liberdades públicas e nos direitos dos homens encontramse essencialmente os mesmos elementos, sendo definidos de forma muito semelhante, podendo se afirmar que existe identidade entre eles, porém se questiona se esses direitos são sinônimos de direitos fundamentais.

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Segundo Israel (2005, p. 20), o Conselho de Estado Francês estabeleceu no dia 13 de agosto de 1947 uma lista de liberdades públicas que é tão somente exemplificativa, não tendo força coercitiva o parecer do citado conselho: [...] o termo liberdades públicas compreende, independentemente da liberdade individual, as grandes liberdades que, não estando limitadas apenas ao indivíduo, se manifestam fora e comportam a ação de co-participantes ou o apelo ao público: consequentemente, fazem parte dessa categoria a liberdade de se agrupar, a liberdade de associação e com ela a liberdade sindical, a liberdade de imprensa e de uma maneira geral, a difusão do pensamento, a liberdade de consciência e dos cultos, a liberdade de ensino.

Acrescente-se a essa lista os direitos fundamentais que são consubstanciais à noção fundamental de liberdade, sendo o primeiro o direito à vida, que não foi citado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1798, porém o mesmo foi aceito pelo Conselho de Estado e, sobretudo pelo Conselho Constitucional Francês.2 Vale ressaltar que o Conselho Constitucional "não se pronunciou expressamente sobre o princípio do direito à vida, mas sancionou o princípio da proteção da dignidade humana, princípio fundador que extrai do parágrafo do Preâmbulo de 1946. O princípio do respeito ao ser humano desde o início de sua vida consta, por sua vez, do título dos princípios que "tendem a garantir o respeito ao princípio constitucional de proteção a dignidade anteriormente enunciado." (ISRAEL, 2005, p. 21). O princípio de igualdade é outro princípio fundador expressamente afirmado na Declaração de 1798 e pela Constituição francesa de 1958, a qual impõe que pessoas que ocupam a mesma situação sejam tratadas de forma igual, o que implica que situações diferentes possam justificar tratamentos diferentes. Tudo é questão de apreciação e cabe ao legislador e aos juízes apreciar as diferenças de situações suscetíveis de justificar tratamentos diferentes. Os direitos políticos também são direitos fundamentais, principalmente o direito dos povos de dispor sobre eles mesmos, ou seja, "o direito que têm os povos de ser independentes e de escolher o seu destino, seus governantes (direito de participação, direito de voto) e seu sistema político, econômico e social."(ISRAEL, 2005, p. 22). Aos direitos da natureza política acrescentam-se os direitos econômicos e sociais.

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CC n. 93-343-344, DC de 27 de julho de 1994, rec. 100, RJC I 592, GD-CC n. 47, p. 847 s.

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Os direitos sociais são: o direito de greve, o direito ao emprego e à liberdade de trabalho, o direito à previdência social e o direito à saúde. Os direitos econômicos são: o direito de propriedade, afirmado desde 1789 e a liberdade de concorrência. Devidamente destacado quais são as liberdades públicas e quais são os direitos fundamento, impõe-se a necessidade de saber se existe distinção entre eles, a partir de um critério distintivo, em seguida, sua importância e, finalmente, seus limites. Conforme Favoreu (1990, p. 81-82), a expressão [...] direitos fundamentais" ou "liberdades fundamentais" qualifica liberdades protegidas contra o executivo ou contra o legislativo, em virtude de textos constitucionais ou internacionais, pelo juiz constitucional (ou o juiz internacional).

Ao contrário, a expressão liberdades públicas "designa essencialmente liberdades protegidas contra o executivo, em virtude da lei, e pelo juiz ordinário (administrativo ou judiciário)". (FAVOREU, 1999, p. 81-82) Não pode ser dada grande importância à distinção entre os direitos fundamentais e as liberdades públicas, não há uma separação absoluta entre as noções, visto que, de acordo com Israel (2005, p. 25), "poucos autores a fazem". A finalidade de estabelecer a distinção é no sentido de compreender o real sentido dos institutos, sem perder a noção que uma liberdade poder ser uma liberdade pública e um direito fundamental, sendo esse o caso mais frequente, valendo para a liberdade do indivíduo e do direito à segurança. Tendo o presente artigo apresentado os direitos humanos, as liberdades públicas e os direitos fundamentais, serão abordadas, no capítulo seguinte, as liberdades econômicas, dando maior ênfase à liberdade de comércio e da indústria. 4 As Liberdades Econômicas e a Liberdade de Comércio e Indústria O indivíduo é um personagem principal da economia, atuando com uma diversidade de direitos e liberdades que ele pode dispor, mas a economia tem direitos e liberdades inerentes a sua atividade. As duas liberdades econômicas que o estado francês protege é o direito à propriedade e a liberdade de comércio e da indústria, com a finalidade de proteger os interesses privados do país, permitindo que ele se desenvolva e gere emprego e renda aos seus cidadãos. 9  

   

Segundo Pontier (2010, p. 134), a afirmação de propriedade é historicamente ligada, na França, à contestação revolucionária do sistema monárquico no final do século XVIII e do advento do liberalismo econômico, que triunfou no século XIX e que estão associados com o individualismo.

O direito de propriedade é um aspecto da liberdade individual, sendo um princípio basilar do sistema econômico. Destaque-se que essa concepção foi enfocada no artigo 2o. da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: Art. 2o. O fim de toda associação política é conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

A própria declaração estabeleceu limites para o uso da propriedade, situando a sua função social, a qual foi determinada no artigo 17 da citada Declaração: Art. 17o. Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dele privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente reconhecida, o o exige evidentemente e sob a condição de uma justa e anterior indenização.

Fortalecendo a função social da propriedade, o legislador não mais estabeleceu o direito à propriedade como o direito geral e absoluto de outrora, porém continua sendo um direito reconhecido e protegido por disposições constitucionais. Para destacar a informação transcreve-se a alínea 9 do Preâmbulo da Constituição de 1946, a qual integra o bloco de constitucionalidade francês: Todo bem, toda empresa cuja exploração tem ou adquire o caráter de um serviço público nacional ou de um monopólio de fato deve tornar-se propriedade da coletividade.

Tal situação demonstra que "o caráter "absoluto" dos direitos de propriedade já não parece defensável, tal direito é uma lei com base nos requisitos de interesse geral, a variável em momentos diferentes”. (PONTIER, 2010, p. 134). No direito brasileiro, essa disposição iria de encontro ao nosso direito fundamental à livre iniciativa, previsto no artigo 1o., III, da Constituição Federal de 1988, visto que prejudicaria a iniciativa dos empresários que sempre correriam o risco de ter o seu negócio 10  

   

expropriado pelo Estado, tema que será abordado a seguir com relação ao direito de empreender. Ultrapassada que seja a primeira liberdade econômica, passa a se tratar da liberdade do comércio e da indústria, não se perdendo de vista que esse princípio decorre da propriedade e da sua função social. Segundo Israel (2005, p. 616), Não há dúvida que é possível questionar se a liberdade do comércio e da indústria tem sido sempre um princípio fundamental, sobretudo desde a constituição de 1946. Mas esse princípio conservou toda sua força de acordo com a jurisprudência condizente com o Conselho de Estado e com o Conselho Constitucional.

Parece contraditório no estado francês ser mantido essa liberdade pública, principalmente pela previsão no citado preâmbulo, em virtude da regulamentação de profissões, regimes prévios em alguns casos e proibição em outros. Entretanto, o regime econômico francês é "caracterizado tanto por princípios intervencionistas quanto por princípios liberais. No entanto, o princípio da liberdade do comércio e da indústria subsiste como uma liberdade pública em direito positivo francês." (ISRAEL, 2005, p. 616). A liberdade de comércio e da indústria não foi inicialmente explicitado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, tal situação é questionada por alguns legisladores que não entendem a sua natureza de liberdade pública. O Código Civil francês, o primeiro que destacou que era "qualificado de resultado natural da liberdade do comércio e da indústria", de acordo com Jaques Dupichot, valorando essa liberdade. Em 17 de março de 1791, denominada decreto de Allarde, o qual ainda se encontra em vigor, nunca tendo sido revogado3, em seu artigo 7o., estabelece que "será permitida a toda e qualquer pessoa fazer um negócio ou exercer uma profissão, arte ou ofício que ela considerar conveniente." Israel (2005, p. 618) afirma que "de forma mais direta, existe a liberdade do comércio e da indústria nos textos legislativos como uma lei (denominda lei de Royer) de 1793 sobre as autorizações de urbanismo comercial e notadamente seu art. 1o. (...)"                                                                                                                         3

Conselho de Estado 22 de junho de 1951, Daudignac, GAJA n.78 (a lei de 1.791 é citada nos vistos da decisão). 11  

   

O Conselho de Estado que trata da jurisprudência administrativa determina que seja rechaçado qualquer ato de império que atentem aos direitos dos comerciantes e dos industriais de exercer livremente sua atividade, o Conselho "ainda vai mais longe ao trazer a luz e com frequência a lei de 1.791, o princípio da liberdade do comércio e da indústria."4 A liberdade jurídica que é limitada é a do serviço público industrial e comercial, tendo determinando que o monopólio somente poderá ser criado por lei e a criação deles é estritamente controlada.5 A liberdade de comércio e da indústria é reconhecida simultaneamente como uma liberdade pública e como um princípio geral de direito, tal é a sua natureza e o quão importante é a sua proteção (ISRAEL, 2005, p. 619). O Conselho Constitucional francês entende essa liberdade como um direito garantido pela constituição, porém com as suas devidas limitações: "A liberdade não é geral, nem absoluta e não pode ser exercida senão no âmbito de uma regulamentação instituída por lei”.6 A liberdade de comércio e da indústria possui dois elementos, a liberdade de empresa e a liberdade de concorrência. A liberdade de empreender, que pode ser o sinônimo da livre iniciativa prevista na Constituição da República de 1988, é aquela que permite o acesso a qualquer atividade, podendo a pessoa fazer um negócio ou exercer qualquer profissão, arte ou ofício que julgar conveniente, conforme a lei já citada de 1791. Obviamente essa liberdade possui restrições, necessitando, em alguns casos, de autorizações, como uma carta profissional ou uma licença de exploração, com a finalidade de proteger o usuário, principalmente a saúde pública, farmácias, hospitais, bem como estabelecimentos de crédito, entre outros. A outra liberdade econômica é a de concorrência, a qual permite que a economia funcione em um mercado competitivo, a qual pressupõe a ausência de monopólios públicos ou privados. A livre concorrência não foi diretamente reconhecida como valor constitucional, entretanto por ser um dos elementos da liberdade de empreender que, por sua vez, é constitucionalmente protegida. A concorrência permite que várias pessoas atuem na mesma atividade, essa disputa deverá ser exercida sem qualquer situação constrangedora, devendo a concorrência ser leal e                                                                                                                         4

TC 22 de janeiro de 1921, Société commerciale de l'Ouest Africain, GAJA n. 40, p. 213, ver infra parágrafo 2o. CE 22 de março de 1991, AJ 1991, 650, Théron. 6 CC 27 de junho de 1982, 8 de janeiro de 1991,4 de julho de 1989, 20 de janeiro de 1993. 5

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praticada com os meios legais, ainda que não seja possível usar a concorrência de maneira perfeita. Para que haja uma concorrência perfeita, as pessoas públicas não podem exercer serviços industriais e comerciais, visto que teriam extrema vantagem, podendo falsear as regras do mercador, com algumas ressalvas, conforme a decisão do Conselho do Estado de 19307. A atividade industrial e comercial das pessoas públicas não é impossível, mas ela deve ocorrer nas mesmas condições que as dos particulares, caso não fosse assim, a diferença entre o público e o privado seria muito desigual, prejudicando a concorrência. 5. Considerações Finais O presente artigo abordou um tema discutido pelo Prof. Jean Marie Pontier sobre as liberdades públicas no Estado Francês, abordando os direitos humanos, as liberdades públicas e a liberdade de comércio e indústria. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, inicialmente foi uma carta de intenções, política, sem qualquer conteúdo e aplicação jurídica, tendo essa carta sido precedida pelas liberdades do Estado Inglês e pela Declaração de Independência Americana. A Declaração de 1789 nada mais foi do que uma confirmação do que já havia no mundo ocidental, tendo muito mais repercussão por ter sido criada na França em virtude de, naquele momento, ser uma potência política e econômica, sendo sua língua compreendida e falada em diversas partes do mundo. Porém, não só por isso, naquele momento haviam juristas compondo a assembleia, o que pode ser demonstrado pela clareza e qualidade do texto da Declaração dos Direitos do Homem. Entretanto, como já dito, a Declaração era somente uma carta política, não tendo qualquer conteúdo jurídico, esse conteúdo só veio com a terceira república que admitiu o bloco de constitucionalidade, incluindo o preâmbulo da Constituição de 1946 e de 1958 e a Declaração de 1789, com força constitucional.

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Conselho de Estado de 30 de maio de 1930, Chambre syndicale du commerce de détail de Nevers, GAJA n. 48; Conselho de Estado, Assembléia, junho de 1951, Daudignac, precipitado.

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A partir daí, pode se falar em liberdades públicas, que usando o paralelo com o Estado Brasileiro, podem ser equiparadas aos direitos fundamentais, mas com divergências bem sutis, sem perder a qualidade principiológica da norma. Os direitos fundamentais são liberdades protegidas contra o executivo ou contra o legislativo, em virtude de textos constitucionais ou internacionais, pelo juiz constitucional (ou o juiz internacional). Já as liberdades públicas são aquelas protegidas contra o executivo, em virtude de lei, e pelo juiz ordinário. Entretanto, essa distinção não deve ser de forma exagerada, visto que não existe separação absoluta entre as duas noções, visto que uma mesma liberdade pode ser uma liberdade pública e um direito fundamental. As liberdades públicas são o direito à vida, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade, os direitos políticos e os direitos econômicos e sociais, direitos protegidos pela Constituição Francesa. O presente artigo abordou os direitos econômicos, os quais são subdivididos em direito à propriedade e liberdade de comércio e da indústria, porém maior ênfase foi dada ao direito de comércio e de indústria. Fazendo um paralelo com a Constituição Federal de 1988, o direito de comércio e de indústria poderia ser equiparado a livre iniciativa, a qual permite que o indivíduo possa ser o gestor da sua vida. O citado direito é dividido em dois ramos, o direito de empreender e o direito de concorrência. O direito de empreender é relacionado com a liberdade do homem de escolher a sua profissão, abrir uma empresa ou exercer uma atividade artística. Como já demonstrando, esse direito não estava presente na Declaração de 1789, de forma direta, estando presente somente na Declaração de 1791, sendo depois confirmado pelo Conselho de Estado e pelo Conselho Constitucional como uma liberdade pública. Não adiantaria ter-se a possibilidade de exercer o direito de empreender sem se ter a livre concorrência, outro ditame que não estava na declaração, também sendo confirmado pelos referidos Conselhos como uma liberdade pública. Dessa forma, restou finalizada a análise do direito francês sobre as liberdades públicas, fazendo uma sucinta apresentação e um paralelo com os direitos fundamentais brasileiros, bem como estabelecendo as necessárias distinções.

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