Ubiquidade do mal na Solução Final: indivíduos, poder e culpabilidade

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Ubiquidade do mal na Solução Final: indivíduos, poder e culpabilidade Fernando Gomes Garcia* O homem e a sociedade: ascenção de Hitler e a construção do Terceiro Reich I Propondo discutir a biografia de Hitler, a intenção é iluminar um debate historiográfico sobre a responsabilidade e culpabilidade da "Solução Final". Diacrônicamente, é impossível não perguntar como ela pôde acontecer. Sincronicamente, dentro das possibilidades que seus biógrafos permitem, é levantar a questão de "como Hitler se tornou uma alternativa possível dentro do contexto do desfacelamento da República de Weimar?", e, conjuntamente, pretende-se ver como o debate sobre a culpabilidade da Solução Final pode ser, por revisionistas, retirada das costas do "Führer". Dando prosseguimento à discussão, o objetivo será demonstrar que apesar de Hitler se esquivar de tomar decisões, ele foi sim responsável pela eliminação de milhões de judeus. Dois são os problemas, como cascatas, onde a resolução de um desemboca no outro; e para responder esse primeiro problema, o de como Hitler alcançou o poder na Alemanha de 30 de janeiro de 1930 até 30 de abril de 1945, partiremos de três perguntas: como o NSDAP chegou a ser o partido mais importante da direita populista; como conseguiu ampliar o seu poder para as massas e como Hitler conseguiu conquistar os detentores do poder, os conservadores que dominavam a Alemanha e pensavam ter "contratado" Hitler. A resposta para todos recai sobre um "poder carismático" que Hitler adiquiriu, superpondo-se ao partido, à sociedade e logo ao Estado. Resgatando de Weber o "poder carismático", encarnado por Hitler, este solapará uma democracia burocrática-racional, antes estabelecida. Tomando Hitler como exemplo de um poder carismático, automaticamente atribuímos-lhe algumas características, sendo a mais importante a construção de uma figura quase mítica a seu respeito, adorado por todos, por um lado, e por outro, um político refratário a tomar decisões impopulares. Ao mesmo tempo em que externamente construia-se sobre Hitler a imagem de salvador da pátria, grande líder que salvará a Alemanha de seus inimigos internos e externos, internamente ele se mostrava avesso à decisões, não gostava de ser pressionado, preferia levar uma vida no campo do que uma vida de Chanceler (e, posteriormente, presidente, em 2 de agosto de 1934, quando eleito em plebiscito após a morte de Hindemburg) sendo cauteloso à tudo aquilo que podia manchar sua reputação de grande líder ou levá-lo à impopularidade. *

Aluno de mestrado na UFMG, sob orientação de José Carlos Reis, com financiamento das pesquisas pela agência de fomento CAPES

Junto com a problemática de como Hitler tornou-se um líder carismático, pretendo mostrar concomitantemente a construção de sua "Filosofia da História", onde o antissemitismo se desenvolveu de uma forma moderna e racista. II – Formação da "idéia" e do "missionário" Em 1918, Hitler, para quem a guerra fora a experiência formadora do seu caráter, foi tomado histeria e decepção com a notícia de que a Alemanha havia captulado diante dos inimigos, ainda no hospital militar, onde recebia tratamento. Após a alta, tomou aulas do Reichswehr de temas como História, Socialismo, Economia e as condições do tratado de paz imposto aos alemães. Foi aluno de Gottfried Feder, que posteriormente se tornou o especialista em economia do NSDAP. Suas opiniões apaixonadas e a força com que as defendia garantiu-lhe visibilidade e logo o próprio Hitler começou a dar aulas para militares egressos da prisão, indignos de confiança. Este foi seu primeiro público. Logo foi apresentado a platéias maiores e, à comando do exército, passou a investigar um grupo político que se reunia na cervejaria Bügerbräukeller, até que se filiou a ele. Desde sua filiação seus discursos dogmáticos garantiram-lhe o papel de um dos fundadores do partido, em 1920, posto que era um membro destacado. Foi aí que Hitler teve seu primeiro contato com a política e deu início à escalada. Sobre o background intelectual de Hitler, além da influência já citada de Feder, cite-se, nos anos em que perambulou em Linz e Viena, o papel que Kurt Lueger, prefeito de Linz, notório antissemita exerceu sobre ele. Em Viena teve acesso a diversos jornais de direita que serviu de manancial para alimentar seu antissemitismo. No entanto, sua idéia inicial de um antijudaísmo focado no controle hebreu do capitalismo internacional foi se moldando a um antissemitismo antibolchevista, o que pode ser percebido nos seus discursos entre 1919 e 1924. Essa alteração aconteceu sob a influência dos "filósofos do nazismo", como se o NSDAP tivesse nascido de um programa feito por intelectuais destacados.1 O que houve foi a influência de Rosenberg e Scheubner-Richter no pensamento de Hitler, que passou a associar antissemitismo e antibolchevismo. Essa transformação foi fundamental na criação de seus novos preconeitos. Hitler, como os demais líderes völkish não perdiam a oportunidade de criticar a política externa de Weimar; porém, agora, os inimigos da Alemanha não eram a Grã-Betanha e a França, vencedoras da Primeira Guerra, mas sim a URSS. O Lebensraum, 1

A noção de filósofo ou teórico nazista deve ser esvaziada de semanticamente, usando-a aqui, mesmo com certa ironia. Sendo o que defendo aqui, inclusive, que a ausência de teóricos e de um programa claro e bem formulado, foi a ausência de coesão e idéias nítidas que permitiu a Hitler exercer o poder carismático dentro do partido e, depois, como Führer do Reich.

espaço vital desejado para o crescimento da nova Alemanha não seria mais buscado nas antigas colônias, mas nas supervalorizadas regiões do Leste, em território russo. E, além dos novos planejamentos para política externa, Hitler começou a enxergar internamente a socialdemocracia como um fermento judeu-bolchevista, que preparava para destruir a Alemanha, tal como havia feito com o Império Russo, transformando-o na União Soviética. O problema judeu não era mais apenas um problema alemão, mas um problema mundial. Duas weltanschauungen se contrastavam, a do bolchevismo judaico que pretendia ser internacional e a do ariano, raça superior que deveria eliminá-lo, em uma Filosofia da História socialdarwinista, um materialismo histórico colocado em termos de raças – onde cabia a raça alemã extirpar o "bacilo judaico" que desde o princípio dos tempos corrompeu as civilizações e as raças mais fortes, pelo sangue, e levando-as à decadência. No entanto, Hitler permanecia era apenas um líder para aqueles que os cercavam, longe de diferenciar-se de outros líderes völkish, e longe de alçar-se às massas. Foi em 1923 que Hitler começou a ter uma aparição mais nacional; seu sucesso foi paradoxal ao fracasso do putsch da cervejaria em 8 e 9 de Novembro, tentativa de derrubar a República. Preso em Landsberg ditou a um companheiero a primeira parte de Mein Kampf, que não era exatamente um programa do partido, mas continha toda a cosmovisão de Hitler sobre o bolchevismo judaíco. A prisão tornou-se uma verdadeira classe para seminários de seu ponto de vista, na medida em que seu restrito grupo o visitava. Durante sua prisão, o NSDAP havia sido proibido. Sem Hitler e seus discursos, nenhum daqueles que disputavam internamente o poder conseguiram confirmar-se como seu líder; a ausência de Hitler entre os fanáticos era sentida. Em 1922 e 1923, Hitler era mais um propagandista do que um "candidato à ditador", falando da importância messiânica deste, vindouro, de alguém com personalidade forte e grande liderança; seu objetivo era preparar o terreno para este didator. Até que, meses depois, vendo sua liderança crescer no NSDAP ele "aceitou" a responsabilidade de ser não apenas "o garoto do tambor", mas o próprio líder a ser seguido; isso, uma vez que voltando ao partido, em 1925, reassumiu a liderança e via que ela era necessária para a coesão interna do partido. A verdade é que enquanto Hitler esteve na prisão, as alternativas para exercer o comando do partido viram todas sofrerem por alguma deficiência2, e quando retornara, seu cativo público

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"Hitler via a si mesmo como a mais raras das combinações: o "idealizador" (ou "teorizador") e o "político" – o executor da idéia. (KERSHAW 1993: p. 36). "Foi a combinação de "profeta" e propagandista que deu a vantagem a Hitler desde o início da década de 1920, sobre todos os outros pretendentes potenciais à liderança na

maravilhava-se com seus discursos e seu livro.3 Assim surgia o "messias" esperado pela "comunidade carimática" mais próxima. III – Aumento da clientela do "messias" À época de Hitler, segundo o especialista Dick Geary, partidos da mesma natureza existiam aos montes pela Alemanha: 73 em toda ela e 15 somente em Munique, área em que este atuava. Se era apenas um entre vários que concorriam entre si, no entanto, era um para matar a fome de tantos fanáticos que já existiam, como esperando por seus discursos calculados e inflamados.4 E foi uma combinação dessa fome por um líder carismático e, no NSDAP, a ascenção de Hitler como um ímã para o crescimento do partido que fez com que o Partido Nazista chegasse à condição de pleitear a chancelaria. Foi mesmo o controle que ele exercia sobre as massas e o crescimento de seu partido que consolidou sua figura no próprio partido, nos demais völkish e, por fim, fez com que as elites conservadoras que detestavam a experiência democrática recorressem a ele para tentar estabelecer um governo "da lei e da ordem".

elite suprema do Partido Nazista. Faltavam a outros nazistas destacados a combinação de seu brilho demagógico, sua capacidade de mobilização e a unidade e a "força explicativa" universal de sua visão ideológica. Comparadas ao talento de Hitler para a simplificação vulgar e o apelo às massas, as preocupações ideológicas de "pensadores" iniciais do Partido, como Gottfried Feder ou Alfred Rosenberg, que estavam mais interessados nas minúcias complexas das idéias do que em sua eficácia políticaou seu potencial de organização eram opacas e limitadas. Feder desapareceu gradativamente numa relativa insiginificância. Os pontos fracos de Rosenberg foram flagrantemente expostos quando ele ficou encarregado dos assuntos do partido enquanto Hitler estava na prisão, em 1924" (KERSHAW 1993: p.37-38). "(...) Rudolph Hess era introvertido, faltando-lhe talento demagógico (...) Julius Streicher não passava de um demagogo racista corriqueiro (...) incapaz de estender seu ódio obsessivo pelos judeus às dimensões de uma ideologia completa. Hermann Göring era mais um homem de ação do que de idéias (...) Ernst Röhm era um militar transformado em paramilitar (...) mas faltavam-lhe tanto a visão ideológica quanto o talento retórico. Gregor Strasser tinha (...) uma capacidade limitada para instigar o fervor das massas. Seu irmão, Otto, era um exemplo típico de várias figuras destacadas iniciais do Movimento que se afastaram de Hitler por sua tentativas de estabelecer uma separação entre uma "idéia" abstrata do nazismo e a personificação dela no líder do Partido. Joseph Göbbels era mais um acólito do que sumo sacerdote (...) Himmler era (...) dotado de uma personalidade fria, desumana e irritadiça, era desprovido de atrativos populares. Hans Frank era (...) emotivo e subserviente. A ênfase diferenciada nas idéias e nas ambições pessoais, nas rivalidades e nas animosidades profundas destas e de outras figuras proeminentes do Movimento eliminou cada uma delas (...) e só se reconciliou na imprecisa mas incontestável visão de futuro incorporado na pessoa do líder supremo e cada vez mais enaltecido, Hitler" (KERSHAW 1993: p. 38). 3 Hans Frank, futuro governador-geral da Polônia, se disse enfeitiçado pelas palavras de Hitler. Schirach, futuro líder da Juventude Hitlerista teve opinião semelhante. Göbbels chegou a escrever em seu diário que amava Hitler e afirmou que seria seu "mais fiel paladino" e via nele "a rara união ... entre o mais agudo pensador lógico e filósofo realmente profundo e o férreo homem de ação"" (KERSHAW 1993: p. 40). 4 Não por aquele "biruta com aquele corte de cabelo e aquele bigodinho" (KERSHAW 1993: p. 58), impressão que ele causou a uma dona de casa – mas por um guia missionário.

Além do fracasso das outras lideranças no partido enquanto Hitler esteve preso e da sua liderança alcançada ao voltar de Landsberg, contava a seu favor exatamente o poder retórico de dominar as massas e atrair votos. O NSDAP, com Hitler e posteriormente também com Goebbels fez da política uma peça estética, fator de excepcional alcance para comover as massas: Hitler associava a importância suprema da liderança à agitação, e não a um programa teórico. O grande teorizador, escreveu ele, raramente dava um grande agitador. "Pois liderar significa ser capaz de mover as massas". (...) "Acima de tudo", afirmou Hitler [...] "é preciso descartar sumariamente a postura de que as massas podem se satisfazer com conceitos ideológicos. A compreensão é uma plataforma instável para as massas. A única emoção estável é o ódio". Acrescentou que as massas sentiam a força mais do que qualquer outra coisa, e que o indivíduo numa multidão ficava como "um verme insignificante", (...) vendo 200.000 pessoas, todas lutando por um ideal que, pessoalmente, ele sequer é capaz de compreender, que não tem necessariamente que compreender." (KERSHAW 1993: 57)

A citação permite extrair três coisas importantes: que o partido, para angariar votos e ser vencedor, não precisava de um programa explícito, mas sim de algumas idéias mais ou menos organizadas, com muitas ambiguidades, de preferência; um programa claro e definitivo não era o que convinha às massas (nem à Hitler!), mas sim comícios para massas cada vez maiores, para gente que talvez nem sequer fosse adepta ao partido, mas que através do espetáculo forjado, se convertesse ou se sentisse impelido a apoiar o Movimento. A segunda, é exatamente a importância da grandeza desses comícios e do maior grau de estetização que a propaganda deveria alcançar, pois quanto mais isso fosse conseguido, mais convertidos o partido poderia. E, finalmente, a terceira parte; Hitler se vendo como "teorizador" e "político", a teorização servia mais para seu público cativo, a "comunidade carismática", e o político era mais voltado à agitação de idéias, muitas vezes disparatadas. Por este motivo, tanto em 1920 quanto em 1925, quando da refundação do partido, Hitler abominava uma teorização dos ideais do NSDAP em um programa fixo e claro, para assim conseguir, como grande líder, sua supremacia. Isso permitiu que o partido fosse conhecido como "Partido do Führer". Sob sua liderança, o partido cresceu fantásticamente, possibilitando, no futuro, um percentual considerável entre os votantes.5 Assim a disputa interna por poder foi contida, uma vez que Hitler era o grande atrativo do partido e as diversas alas que nele se encontravam foram

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"Tendo Hitler como "homem de frente" , o número de membros do Partido atingiu 2.000 no final da década de 20" (KERSHAW 1993: 46); "(...) na época do Putsch, cerca de 50.000" (KERSHAW 1993: 47); e em 1929, "o Partido contava com mais de 100.000 membros" (KERSHAW 1993: 52).

obrigadas a demonstrar apoio ao "Führer", que já aí nascia. Sua palavra era autoridade maior do partido e todos deviam obedecê-la; estabeleceu-se um culto à sua imagem.6 Vimos a notória expansão do NSDAP sob o comando de Hitler e suas estratégias para se colocar como uma liderança inquestionável. Com as eleições de 1928 (18,3%) e as duas ocorridas em 1932 (37,3% e 33,1%), o crescimento expressivo de votos do partido fez com que os demais partidos völkish fossem tragados pelo NSDAP. Estava disponível uma liderança carismática para se apegarem. Importa lembrar que nem todos caíam na propaganda de Hitler, muitos o achavam ridículo, o antissemitismo era longe de ser compartilhamento geral, e as questões locais foram mais importantes na decisão do voto do que questões de afinidades ideológicas. O maior sucesso do partido Nazista também ocorreu em áreas as pessoas não mantinham laços com antigas instituições, portanto, um elitorado novo e livre de engajamentos da era de Weimar, segundo Dick Geary; Kershaw considerou o "apoio subjacente" dado à Hitler muito tinha a ver com o caráter do partido para reclamadores de todos os gostos. Mesmo sendo avessos a muito do que os Nazistas pretendiam, sempre se encontrava algo para apoiar suas medidas. Aos poucos a Gleischchaulting, a coordenação das entidades alemãs pelo Governo Nazista e Partido ao mesmo tempo (a tão proclamada construção de uma volksgemeineschaft), foram consolidando o poder do Führer e sua popularidade.7 IV – Contrato com as Elites e Exercício do Poder Com a crise de 1929 a República de Weimar ficou praticamente insustentável, especialmente pelos problemas sofridos pelos latifundiários, dentre os quais figuravam o próprio presidente Hindemburg. Em 1932 o Reichstag estava dividido entre os partidos mais extremistas e opostos entre si, o KPD e o NSDAP, sendo impossível instaurar qualquer governo de coalisão. O medo crescente do poder comunista assustou as elites, e isso num momento em que o desânimo dentro do NSDAP, especialmente pela queda de votos no

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"Um símbolo externo expressivo da supremacia de Hitler foi a introdução da saudação "Heil Hitler" como uma forma compulsória de cumprimento entre os membros do Partido"(KERSHAW 1993: 52). Isto já em 1930, quando o poder do partido já estava consolidado em suas mãos. Em julho de 1933, os servidores públicos e militares também ficaram obrigados de fazer a saudação. 7 Antes disso, no entanto, depois de janeiro de 33, quando Hitler conseguiu o posto de Chanceler, nas últimas eleições multipartidárias realizadas para o Reichstag, o Partido de Hitler conseguiu menos de 44% (março de 1933) dos votos. Nem depois de meses de terror e repressão política, Hitler conseguiu mais da metade dos votos da Alemanha.

último pleito realizado no ano de 1932. Alguns membros se desligaram do partido8 e Goebbels preocupou-se com a queda. Eles já haviam chegado ao auge, mas agora, decaíam visivelmente. A aposta na chancelaria havia sido negada por Hindemburg e isso preocupava. Durante a chancelaria de Brüning, o acesso ao presidente era fundamental para se conseguir governar. Não foi graças a seu talentno que Hitler chegou ao poder, mas graças a falência do capitalismo numa democracia burocrática, onde uma camarilha da elite chegou a aceitar um governo Nazista. Esta não era primeira opção de ninguém, mas sua demagogia levou à suposição de que este era o mais capaz de exercer poder sobre as massas. Durante a chancelaria de Brüning, o risco de uma guerra civil era real, e este se não cosneguiu conter a crise da República. Von Papen o substituiu após forte influência dos latifundiários a Hindemburg – lembrando que o acesso a ele era fundamental para a governabilidade então. Mas tampouco este se mostrou capaz lidar com as crises. À sua queda emergiu o conselheiro de Hindemburg, von Schleicher, que para conter os impulsos da massa associou-se a Gregor Strasser. A aproximação com a esquerda e sindicatos tornaram Schleicher um suspeito, devendo ser substituído. O nome para seu lugar era Hitler. A elite pensou tê-lo encilhado para conter as massas e poderem se refazer dos danos da crise, sem que houvesse uma guerra civil. Os termos para isso era a nomeação de apenas dois ministro Nazistas no governo – Frick, Ministro do Interior e Göring, Ministro sem pasta do Reich e Ministro Interino do Interior da Prússia. Eis feito o pacto com o diabo. Muito sumariamente falando, não apenas os comunistas foram perseguidos, como queriam os conservadores, mas também os antigos partidos burgueses e centrais foram derrotados como inimigos. Em pouquíssimo tempo os indesejáveis já estavam sob custódia. Em fevereiro de 1933 foram proibidas as reuniões públicas e jornais que atacassem o novo governo; Göring assumiu o controle da polícia prussiana, o maior Länder da Alemanha, colocando-a à disposição das perseguições em prática. Enquanto isso nenhnum membro da elite foi afetado. Mesmo não sendo nazistas, a maioria acabava encontrando nele algo de seu agrado, principalmente após a criação das instituições do partido, como a Juventude Hitlerista, a Sociedade das Moças, a Força pela Alegria, e a filiação de cada setor da sociedade em um ramo do partido.

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À essa altura é bom recordar que a parte "socialista" do partido já havia sido parcialmente eliminada com a Conferência de Bamberg, em 1926. A saída dos irmãos Strasser também colaborou para isso, deixando o partido, já há muito, apenas com o "nacional" como operante, sendo seu segundo atributo uma ficção expurgarda. Isso colaborou para eliminar a concorrência dentro do Partido para que Hitler alcançasse seu status dentro e fora dele como grande líder.

Mas foi em 27 de fevereiro de 1933, com o incêndio do Reichstag que o poder autoritário do Führer cresceu. O Reichstagstand foi aproveitado para assinalar que os comunistas estavam prontos para tomar o poder. Em 20 de março Himmler criou o campo de Dachau, onde os inimigos eram colocados sob "custódia protetora". Acabaram-se os direitos. Não eram mais necessários julgamentos, advogados e nem leis nesse período de exceção. Para construir a volksgemeineschaft era preciso destruir os inimigos do povo: judeus, ciganos, homossexuais, associais e criminosos contumazes. A Lei de Ratificação dava esse poder à Hitler e a polícia, agora amalgamada com a SS, setor ideológico mais próximo da weltanschauung de Hitler, poderia prender seus inimigos e exterminá-los. O próprio Ministro da Justiça, Gürtner, deu aval aos atos ilegais de Hitler, com leis retroativas. O poder de Hitler ainda, no entanto, não estava consolidado. A SA, força paramilitar do partido, com seus milhões de homens tendo à frente Ernst Röhm causavam temor no exército. Röhm ainda queria a "segunda revolução" de caráter mais social, sem contar que suas ações eram consideradas vandalismos. Hitler não hesitouem ordenar a morte de um de seus grandes auxiliadores no início do movimento, deflagradas pela SS, em 30 de junho de 1934. Dois exmilitares foram mortos durante a operação, mas o próprio Ministro da Guerra, Blomberg, fez os com que os militares agradecesem publicamente a Hitler pelo ato, e pouco depois, o corpo de funcionários públicos e os soldados alemães, com a morte de Hindemburg e a aprovação do amalgamento entre os dois cargos, de Chanceler e Presidente, fizeram um pacto de lealdade à Hitler. Não a ele como Presidente ou Chanceler, mas à sua pessoa. A legalidade acabou sendo subsumida pela figura do Führer. Isso se vê em eminentes autoridades, tais como Ernst Rudolf Hubber. Para ele a lei era "nada além da expressão da ordem comunitária em que o povo vive e que deriva do Führer". E por o cargo de Führer não ser de origem estatal, mas sim do Partido Nazista e de sua comunidade carismática, não se falava em poder de Estado, mas sim do Führer, e este era o executor da vontade da nação, seu poder era "livre e independente, exclusivo e ilimitado". O Estado se misturava com o Movimento e a palavra de Hitler era a lei.9 Toda a sociedade, de alguma forma, "trabalhava pelo Führer", sem saber ao certo o que isso significava. Esse trabalho era tudo o que se considerava ser sua vontade, sendo ela explicitada ou não. A esta altura já não havia oposição que resistisse o domínio do Nazismo. E mesmo aqueles não eram obcecados na personalidade de Hitler, as conquistas em 9

Hitler desprezava a lei formal e os legistas, posto que a lei não tinha a vontade, elemento fundamental para que a lei não fosse mera artificialidade, mas sim persecutória de um objetivo. (KERSHAW 1993: pp 82-83).

política internas e externas, estimulavam-nos a darem seu apoio; e a respeito da polícia com seu papel sanitarista, de excluir o "não-alemão" e os elementos "infecciosos" da sociedade, contavam com o apoio da população, para quem a acusação de um inimigo ou desafeto valeria algum ganho pessoal. O apoio plebiscitário de Hitler era sua grande sustentação no poder, e sem esse apoio, perderia seu poder. "Por conseguinte, [Hitler] era nitidamente alérgico ao que pudesse danificar sua posição popular ou solapar seu prestígio" (KERSHAW 1993: 109), e sempre mostrava preocupação com a possibilidade dessa queda de popularidade. Justamente por esta preocupação em aparecer como grande líder dentro e fora do partido, que o "absolutismo de Hitler" e o "trabalho pelo Führer" muitas vezes, senão a maioria delas partiam não diretamente de uma ordem dele, mas sim da interpretação que um ministro ou outro tinha de qual era seu papel no cumprimento da "missão" encarnada por Hitler. O Estado racional e burocrático foi subsumido pela liderança carismática – esse foi o primeiro conflito a ser resolvido quando da ascensão de Hitler.10 Enquanto Hindemburg estava vivo, Hitler comparecia às reuniões e cumpria com seu expediente. Após sua morte, isolou-se, e o acesso a ele tornou-se cada vez mais limitado. Lammers, chefe da Chancelaria do Reich, era quem limitava ou permitia o acesso dos ministros à Hitler, entregando seus memorandos e projetos de lei, inclusive influenciando a opinião do Führer a respeito desses projetos, dependendo da forma que os apresentava. O governo central fragmentou-se em "feudos". Para trabalhar pelo "Führer" era necessário ter seu aval em cada projeto apresentado; mas Hitler, arredio a tomar decisões e a participar do processo de formulação das leis, preferia engavetar esses projetos na maioria das vezes, crendo que os prolemas se resolveriam por si. E dependendo da polêmica gerada entre seus ministros, ao invés de tomar decisões concretas e claras, deixava passar o tempo até que uma ou outra se mostrasse mais viável, mas também sem claro posicionamento. Criou-se uma fragmentação entre os poderosos do Reich, estimulando aquilo que Hitler esperava em sua visão "darwinista" de mundo. Enquanto seus ministros degladiavam para formular uma certa lei, esta ia se aperfeiçoando na mesma intensidade em que algum desses ministros conseguissem colocar sua posição como a mais adequada e um certo consenso fosse atingido. 10

A aversão de Hitler a pôr sua popularidade e "poder plebiscitário" em xeque pode ser verificada em números, apontando as reuniões realizadas com os Ministros desde 1933 até 1938. O número de reuniões em 1933 foram 72; em 1935, apenas 12 reuniões ocorreram; dois anos adiante esse número caiu pela metade; até que no ano seguinte, em 1938, ocorreu a última reunião.

Assim, a "idéia do Führer" era executada, sua "missão" perseguida e sua "vontade" posta em prática sem que ele mesmo a expressasse. Esse tipo de governo, que ao mesmo tempo era multifacetado e trabalhava pelo "Führer" que permitiu a polêmica historiográfica que a ser trabalhada adiante.

Solução Final: fascínoras autônomos ou ação do Führer? Debate entre Irving e Broszat I Entramos agora num debate historiográfico que esse confronto "burocráticocarismático" da maneira de Hitler governar propiciou a eximí-lo de qualquer culpa ou mesmo consciência do extermínio dos judeus praticado por seus subordinados. Segue-se uma discussão sobre esse tipo historiografia irresponsável, tentando demonstrar sues pontos fracos e mostrar como Hitler foi influente na "Solução Final". Outra forma de poder informa esse – o biopoder.11 O extermínio dos judeus não foi algo planejado, mas sim uma tarefa que se acomodava às "necesidades" e oportunidades que a guerra oferecia. A autorização de Hitler para que o maior genocídio da história fosse possibilitada não se deu por ordens escritas, nem oralmente com uma clareza suficiente. Portanto, a Solução Final, tal como ficou conhecida a "resolução da Questão Judaica na Europa" por extermínio "eficiente e discreto", suscitou muitos debates. O papel de Hitler e de seus comandados foi colocado em questão, e mesmo a

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O conceito de biopoder, tomo de Foucault. Pela primeira vez esboçado no último capítulo de Em Defesa da Sociedade, curso ministrado em 1975-76 no College de France. Em resumo, podemos dizer que o biopoder é a mistura do poder do soberano, de decidir sobre a vida e a morte de seus súditos, ou seja, um poder de fazer morrer, com um outro poder, surgido com o desenvolvimento das sociedades, ou melhor, das populações. Tratase, agora, não de um poder para fazer morrer o súdito, de controle de seu corpo, mas sim de fazer viver a população. A mistura desses dois tipos de poder, ou seja, o exercicio do poder soberano com o aparecimento das populações só se tornou possível com um direito de, a partir do poder de fazer viver, decidir também sobre quem deve morrer. Essa é a sociedade de normalização. "Vocês compreendem, em consequência, a importância – eu ia dizer a importância vital – do racismo no exercício de um poder assim: é a condição para que se possa exercer o direito de matar. Se o poder de normalização quer exercer o velho direito de matar, ele tem que passar pelo racismo. E se, inversamente, um poder de soberania, ou seja, um poder que tem direito de vida e de morte, quer funcionar com os intrumentos, com os mecanismos, com a tecnologia da normalização, ele também tem de passar pelo racismo" (FOUCAULT 1999: p. 306). Do controle do corpo, passamos para o controle da espécie. Isso explica, no século XX, a relação promíscula entre a biologia e o poder. "A guerra. Como é possível não só travar a guerra contraos adversários, mas também expor os próprios cidadãos à guerra, fazer que sejam mortos aos milhões (como aconteeceu justamente desde o século XIX, desde a segunda metade do século XIX), senão, precisamente, o tema do racismo? Na guerra via se tratar de duas coisas, daí em diante: destruir não simplesmente o adversário político, mas a raça adversa, essa [espécie] de perigo biológico representado, para a raça que somos, pelos que estão à nossa frente. (...) No entan, mais ainda, a guerra – isto é absolutamente novo vai se mostrar, no final do século XIX, como uma maneira não simplesmente de fortalecer a própria raça eliminando a raça adversa (...), mas igualmente de regenerar a própria raça. Quanto mais numerosos forem os que morrerem entre nós, mais pura será a raça a que pertencemos" (FOUCAULT 1999: p. 307-308).

irresponsabilidade dos revisionistas, nesse ponto e à essa altura eram interessantes, pois permitiam clarear aspectos da História alemã não muito claros e desagradáveis de se discutir. Temos um "Führer" que não toma decisões e evita até mesmo assinar papéis banais do cotidiano da vida governamental, e ministros cada vez mais independentes para realizar seus projetos, "trabalhando pelo Führer" enquanto em constante disputa entre si. Ele era o centro de todas as decisões, mesmo naõ tomando parte delas. Ou, com o poder concentrado em suas mãos por essa estranha forma "carismática" de governar, Hitler ou foi o mandatário do genocídio, sabia do que estava acontecendo, ou foi simplesmente ignorante a respeito da ação de seus comandados?. É este o debate travado entre Irving e Broszat. Irving publicou em inglês Hitler's War, que antes tentou publicar na Alemanha, mas devido às suas tentativas de aboslver Hitler do Holocausto, teve desentendimentos com o editor alemão e acabou publicando seu título na Inglaterra, em 1977. Hitler, according to Irving, had pursued the aim of making Germany and Europe judenfrei, taht is, clear of Jews; he had not, however, desired de mass murder of the Jews and had not ordered it; this have been instigate by Himmler, Heydrich and individual chiefs of the civilian and securety police in the East. ((org.) 1985: p. 390)

Esse é o mote do livro de Irving, reexaminar a imagem de Hitler, tal como pintada pela historiografia, com a intenção de desdemonizá-lo e mostrá-lo como um ser humano comum, não como um maníaco. A propaganda dos Aliados transformaram Hitler em nãohumano, e desde então os historiadores repetiriam essa versão sobre Hitler. O inglês escreve na esteira de outros revisionistas, mesmo que os encontros possam ser por acaso. Justificar a invasão contra a Rússia como ataque preventivo contra uma invasão já planejada por Stalin; comparar as atrocidades Nazistas antes e durante a guerra com as destruições provocadas pelos Aliados em relação à Alemanha e sua população – são alguns exemplos. Porém, mais do que um sofisma, os argumentos de Irving não encontram respaldo nem em seu desenvolvimento, nem naquilo que os documentos permitem; pois, de longe, o extermínio de judeus, ciganos, homossexuais, "criminosos contumazes" e os programas de eutanásia e de eliminação dos alemães com problemas mentais, ultrapassou e muito a simples violência de uma guerra comum. É perceptivel na argumentação do autor que seu apreço por Hitler e a defesa que dele pretendeu fazer, não passava de um deslocamento de um ódio por Churchill.12 12

(...) the Jews started the war; the enemy was the international Jew; the most deadly of the Bolsheviks, like Stalin's propagandist Ilya Ehrenburg, were Jews: Ehrenburg and the Jew behind Roosevelt were preaching total extermination of the Germman race. The saturation bombing German cities, their blasting and burning, were just

(...) the Jews started the war; the enemy was the international Jew; the most deadly of the Bolsheviks, like Stalin's propagandist Ilya Ehrenburg, were Jews: Ehrenburg and the Jew behind Roosevelt were preaching total extermination of the Germman race. The saturation bombing German cities, their blasting and burning, were just the begining. In his warning to Horthy that 'Jewish Bolsheviks' would liquidate all Europe's intelligentsia, we can identify the influence of the Katyn episode... But the most poisonous and persuasive argument used to reconcile [!] Hitler to a harsher treatment of the Jews was the bombing war. From documents and target maps recentilly found in crashed bombers he knew that British aircrews were instructed to aim only at residential areas (...). Only one race murdered [...] and that was the Jews, who provoked this war ((org.) 1985: p. 428)

Além de colocar a culpa da Guerra nos judeus, assim como o próprio Hitler o fazia, em sua argumentação, Irving coloca que Hitler estava preocupado demais com as estratégias e decisões de guerra para se preocupar com "questões internas", como o assassinato em massa de judeus, especialmente em relação ao modo que isso foi feito. Por exemplo, o programa de eutanásia implantado na Alemanha, para ele, foi resultado de questões preementes da guerra. Algo que Hitler foi forçado a fazer, mas jamais desejou. A guerra no front do leste é vista também com bastante entusiasmo, pois seria um ato de vingança contra os bolcheviques instigados por Stalin; e a brutalidade da aniquilação promovida por Hitler é vista como atos de guerra comuns, tirando de Hitler e mesmo do Holocausto sua especificidade de fenômeno excepcional. A tentativa do livro de Irving é normalizar Hitler como um chefe-de-governo e de um comandante-em-chefe da Wehrmacht. Broszat argumenta que "The monstrositi (not the monster of the caricature) revealed by such utterances can in no way be transformed into a image of a normal leader" ((org.) 1985: p.397). A "monstruosidade" de Hitler não deveria ser uma desumanisação de sua maldade ou a criação de um personagem vindo do inferno. Nenhuma análise decente sobre o fenômeno Hitler serviria a contento se não levarmos a dimensão humana de Hitler – mesmo que essa humanidade se manifeste no horror. Para Irving, Hitler não sabia nem emitiu ordens para o assassinato em massa dos judeus; quem tomou parte na decisão do assassinato dos judeus e demais indesejados foram Heydrich, Himmler, Boremann (que sucedeu a Lammers como chefe-de-chancelaria) com seus instrumentos e aparatos de destruição. A decisão de usar gás para o morticínio também era alheio à consciência de Hitler. Algumas "provas" que Irving cita estão em conversas com Hans Frank e outros responsáveis pelas áreas dominadas pelo Reich, onde Hitler fala que "não the begining. In his warning to Horthy that 'Jewish Bolsheviks' would liquidate all Europe's intelligentsia, we can identify the influence of the Katyn episode... But the most poisonous and persuasive argument used to reconcile [!] Hitler to a harsher treatment of the Jews was the bombing war. From documents and target maps recentilly found in crashed bombers he knew that British aircrews were instructed to aim only at residential areas (...). Only one race murdered [...] and that was the Jews, who provoked this war ((org.) 1985: p. 428)

é preciso exterminar" ou que "para lidar com a Questão Judaica, não precisavam de campos de extermínio". Outro argumento do autor estava baseado na linguagem utilizada para tratar da Solução Final. Como não era desejo de ninguém que o extermínio em massa fosse de conhecimento público, seus perpetradores, inclusive Hitler, usavam palavras excusas; uma delas "transportar para o Leste", que significava levar para os guetos e depois para os campos de extermínio lá construídos, para Irving não tinha significado prático nenhum. Com essa ignorância o autor excusa-se de considerar o extermínio dos judeus como uma intenção de Hitler, para quem a única ambição era deixar a Europa Judenfrei, ou seja, apenas uma transição geográfica e demográfica, argumentos insustentáveis pela ingenuidade. Broszat nos lembra: "It was not with Himmler, Bormannn and Heydrich, not even with National Socialist party, that the majority of German people identified themselves, buth rather with Hitler" ((org.) 1985: p. 396).13 Exemplos de frases e discursos de Hitler demonstram claramente sua interpretação racista dos judeus. Em 30 de janeiro de 1939, Hitler proferiu um discurso no Reichstag dizendo que se os judeus os levassem a uma nova Guerra Mundial, o resultado seria a erradicação do povo judeu da Europa. Essa declaração aparece constantemente na argumentação de Broszat contra Irving. Para desbancar as pretensões de Irving, basta citar algumas das referências de Broszat. Ele afirma que o tema da Questão Judaica não foi uma decisão premeditada, antes da guerra ou mesmo durante seu início. Inclusive a susbstância de como seria tratada "essa questão" nem sempre teve as mesmas respostas. Primeiramente a deportação dos judeus parecia algo suficiente, mas não se mostrou assim. A dificuldade de transportar milhares de pessoas para diversos países ou para um território único era patente. Tranpostar judeus vagões de gado e a dificuldade de aporte dos judeus para onde eles eram transferidos, mostram que não havia uma "solução" inicial para o problema, tal qual o extermínio. Tampouco, para a Solução Final podemos encontrar alguma ordem escrita por parte de Hitler; imaginá-lo seria incoerente com a própria forma de governo que ele adotava, distante das decisões legais e raramente dando sua firma em documentos. A ordem para o extermínio dos judeus, certamente, foi oral, o que implica na dificuldade de ver qual o papel efetivo de cada um no 13

E ainda de algo colocado por Irving ao final de seu livro, a última mensagem de Hitler aos seus Gauleiters do partido, em fevereiro de 1945: em face da ruina causada pela guerra e da incapacidade dos alemães derrotarem seus inigmigos, os próprios alemães deveriam perecer. Esta afirmação nos leva diretamente ao conceito de biopoder exposto logo acima. Não apenas os judeus eram considerados, na weltanschauung de Hitler, inimigos da raça ariana, mas também o próprio povo alemão, incapaz de derrotar esses inimigos, deveriam morrer, por não serem puros o suficiente para derrotar os bacilos da humanidade.

cumprimento dessa ordem e a parcela de culpa que cabe a seus perpetradores. Mesmo com a queima de documentos com a proximidade da derrota, ainda sobraram diários daqueles que conviviam com Hitler e estavam diretamente engajados na Solução Final para dar mostra de que Hitler não apenas sabia, mas fora ele quem dera as ordens para a liquidação dos judeus e cumprir sua "profecia". Foi lidando com essas dificuldades e com o decorrer da guerra que as coisas foram tomando forma. Com a expansão para o Leste, criaram-se mais guetos e campos de concentração;14 com a aproximação da derrota, mais esforços foram dedicados "à verdadeira guerra", que era contra o inimigo judeu. Outra solução além dos guetos, foi matar judeus na retaguarda dos combates no Leste, sob a justificativa que eles participavam da guerrilha armada pelos soviéticos. Com a guerra se encaminhando para o fim, começou-se a disponibilizar mais trens para o transporte de judeus e a construir-se mais campos de extermínio. Assim, os "entrepostos" de judeus não ficariam tão cheios, e poderia-se matar em mais larga escala, principalmente com o advento do gás venenoso, uma solução para o assassinato mais rápido e mais limpo. Percebendo os rumos de como o extermínio foi feito e as várias mudanças de planos, vemos que o Holocausto não foi algo previamente planejado, o que abre margem para revisionistas excusarem Hitler de culpa. Apenas depois da Conferência de Wansee, em 20 de janeiro de 1942, a ordem foi dada matar os judeus com gás e cremação. Podemos supor que a ordem não havia partido de Hitler, mas supor sua ignorância sobre os assassinatos em massa é lesa ignorância. Os campos de extermínio do Leste foram construídos às margens da malha ferroviária, para facilitar o transporte dos judeus. Porém como já assinalado, em um primeiro momento houve grande concentração de judeus em certos lugares, como no Governo Geral da Polônia. Não se sabia o que fazer com eles. Era necessário que o transporte ferroviário fosse dedicado a fazer a transição entre estes e os campos de extermínio – e tal jamais seria conseguido, uma vez que a Wehrmacht necessitava deste transporte no esforço de guerra, sendo Hitler, o comandante-em-chefe, o único capaz de destinar mais vagões para esse transporte de pessoas rumo ao extermínio. Assumindo a obscuridade das ordens para a Solução Final, como fizemos, não podemos jamais livrar a culpa de Hitler nisso tudo, pois, como podemos ver em diários, o 14

Nos guetos, com as péssimas condições de vida, com o trabalho forçado e o extermínio dos incapazes de trabalhar, doenças como a tifo viraram epidêmicas. Mas a epidemia não dizia respeieto aos maus tratos dedicados aos judeus e à pulverização de condições humanas de sobrevivência – estava, sim, relacionada aos judeus como vetores de doenças, o que colaborava para o discurso de que deviam ser apartados das pessoas saudáveis.

esforço nessa "outra guerra" era colocado como ordens dele. Goebbels anota em 19 de agosto de 1941 que: The Führer is convinced his prophecy im the Reichstag is becoming a fact: that should Jewry succed in again provoking a new war, this would end with their annihilation. (...) In the Eas the Jews are paying the price, in Germany they have already paid in part and they will have to pay more in the future... ((org.) 1985: p. 401) The Führer is of opinion that the Jews are to be removed from Germany step by step. ((org.) 1985: p. 403)

Em suas conversas de mesa no quartle general, Hitler afirmou: From the rostrum of Reichstag I propheised to Jewry that, in the event of war's proving inevitable (...) the Jew would desappear from Europe. That race of criminal has on its conscience the two million dead of First World War, and now alredy hundreds of tousends more (...) It's not a bad idea, by the way, that public rumour attribut to us a plan to extarminate the Jews.((org.) 1985: p. 410) The Jews must pack up, dissapear from Europe. (...) Where the Jews are concerned, I'm devoid of all sense of pity. They allways be the ferment that moves peoples one against the other. They sow discord everywhere, as much between individuals as between peoples. ((org.) 1985: p. 411)

Penso que estas citações bastam para persuadir qualquer relutante em acreditar na ciência e nas ordens de Hitler para o genocídio. De mostrar como o desenvolvimento da guerra selou ao mesmo tempo o destino da Alemanha e de milhões de judeus. Inicialmente este trabalho mostrar também a resistência dentro do Reich, os setores da população que apoiaram diretamente Hitler e os que simplesmente foram condescendentes com sua política; também, lidar com relatos de sobreviventes e julgamentos, como o de Eichmann, para avaliar como poderiamos pesar a culpabilidade de cada elemento da sociedade alemã em relação ao Holocausto, contrapondo dois exemplos: o da banalidade do mal, exposto por Hannah Arendt e os quatro tipos de culpa categorizados por Jaspers. Como essa tarefa exigiria muito mais laudas, mostrar como Hitler e seus algozes dividiram a culpa na execução da "Solução Final" fosse suficiente para pensar a questão da culpa. A ubiquidade do mal residiria aí, nessa aparende decantação da culpa a ponto dela desaparecer, posta que estava em todos os lugares, e a tentativa seria reconhecer onde ela apareceu e discriminar em graus que seriam cabíveis a cada um, numa sociedade onde o mal era banalizado. O argumento, então, repousou num debate historiográfico sobre o revisionismo do Holocausto. Um possível prosseguimento perguntar: é possível narrar o Holocausto? Como avaliar as querelas historiográficas a seu respeito? Um fenômeno tão único e tão traumático pode ser tema de diversas narrativas? Responder tais questões ficará, pois, para reflexões futuras.

Bibliografia H. W. Koch (org.). Aspects of Third Reich. New York: St. Martin's Press, 1985. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Cia das Letras, 1999. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999. GEARY, Dick. Hitler e o Nazismo. São Paulo: Paz e Terra, 2010. KERSHAW, Ian. Hitler: um perfil do poder. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

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