UCRÂNIA – RÚSSIA O Redefinir das Relações Leste – Oeste

May 30, 2017 | Autor: Raul Cunha | Categoria: Russian Studies, Relações Internacionais, Ucrania
Share Embed


Descrição do Produto

UCRÂNIA – RÚSSIA O Redefinir das Relações Leste – Oeste

RAUL LUIS DE MORAIS LIMA FERREIRA DA CUNHA

Lisboa, Agosto, 2016

UCRÂNIA – RÚSSIA O Redefinir das Relações Leste – Oeste 1. Introdução – Ucrânia (Україна, Ukrayina) A Ucrânia está localizada na Europa Oriental, sendo o segundo maior país do continente, depois da Rússia. Tem as suas fronteiras terrestres com a Bielorrússia a norte (1.111 Km), com a Rússia a leste (1.944 Km), com a Moldávia e a Roménia a sul (1.202 e 601 Km), com a Hungria a sudoeste (128 Km), e com a Eslováquia e a Polónia a oeste (97 e 535 Km), sendo banhada, a sul, pelos mares Negro e de Azov.1 O seu território tem uma área de 579.330 Km2, pelo que é o maior país totalmente no continente europeu. Está administrativamente dividido em 24 províncias e uma república autónoma, que entretanto proclamou a sua secessão (a Crimeia). A sua capital e maior cidade com um estatuto especial é Kiev, com cerca de 2 900 000 habitantes.2 A sua população é de cerca de 44,4 milhões de habitantes (Julho 2015), 77,8% dos quais são ucranianos étnicos (embora cerca de 20% destes sejam de origem polaca, habitando sobretudo nas suas províncias junto à fronteira com a Polónia), com minorias de russos (17,3%), bielorrussos, moldavos e romenos. A língua oficial é o ucraniano (67,5%), sendo também falada a língua russa (29,6%). A religião dominante é o cristianismo ortodoxo oriental.3 A Ucrânia é uma república com um sistema semipresidencial havendo separação dos poderes legislativo, executivo e judicial.4

5

Mapa da Ucrânia mostrando os países de fronteira, os mares Negro e de Azov e a península da Crimeia a Sul, entre esses mares 1

CIA, “The World Fact Book”: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/up.html

2

Ibid. Ibid. 4 https://en.wikipedia.org/wiki/Ukraine 5 http://emigrerennaar.net/wp-content/uploads/2012/01/Emigreren-naar-Oekraine.jpg 3

1

O termo “ukrayina” quer dizer ‘na fronteira’ ou ‘nos confins’, o que obviamente se relativiza com o império russo. A Ucrânia é portanto um país situado numa encruzilhada de impérios e ao combinar várias identidades está assim sujeita a que ocorram imensos problemas; na Ucrânia Ocidental subsiste uma herança austríaca e há uma forte ligação cultural e económica com a Polónia; a Ucrânia Oriental é russófona e está profundamente ligada à Rússia; o “país central”, onde está Kiev, é uma mistura disso tudo. Embora se verifiquem diferentes identidades culturais tal não significa que não exista uma identidade nacional, pois apesar de serem patentes os contrastes da Ucrânia há entretanto uma grande interdependência entre as regiões. O Donbass, coração do Leste ucraniano, quer manter laços estreitos com Moscovo, mas não quer ser integrado na Rússia. A região ocidental que, inversamente, deseja que a Ucrânia se afaste de Moscovo, não ambiciona a secessão. E tudo isto se reflete no conflito. 2. Breve Apontamento Histórico da Região A Ucrânia é uma nação jovem, mas com uma história milenária. Kiev é considerada a pátria dos povos eslavos. Nos séculos X e XI, a Ucrânia foi um polo de cultura para os eslavos do leste, conhecida como a “Rus Kievana”, o maior e mais poderoso estado na Europa. Enfraquecida por querelas internas e pelas invasões mongóis, a Rus Kievana foi incorporada no Grão-Ducado da Lituânia e, posteriormente, na Comunidade PolacoLituana. O legado cultural e religioso da Rus Kievana lançou as bases para o nacionalismo ucraniano ao longo dos séculos subsequentes. A meio do século XVII foi criado um novo estado cossaco após uma revolta contra os polacos. Apesar de uma contínua pressão por Moscovo, esse estado conseguiu manter-se autónomo por cerca de 100 anos. Durante a última parte do século XVIII, a maior parte do território etnográfico ucraniano foi absorvido pelo Império Russo6, tendo a nação permanecido dividida até à sua consolidação como uma das repúblicas soviéticas no século XX, quando em 1922 foi fundada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) Nos anos trinta, o governo soviético empreendeu uma política de rápida industrialização e coletivização da agricultura na República Soviética da Ucrânia. Sob a tutela de Estaline, foi estabelecido um programa de coletivização da agricultura pelo qual o Estado combinava as terras e os rebanhos dos camponeses em fazendas coletivas. O processo foi assegurado pela atuação dos militares e da polícia secreta: os que resistiam eram 6

CIA, “The World Fact Book”: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/up.html (tradução

livre do autor)

2

presos e deportados. Os camponeses viram-se obrigados a lidar com os efeitos devastadores da coletivização sobre a produtividade agrícola e as exigências de quotas de produção exageradas. Como os integrantes das fazendas coletivas não estavam autorizados a receber grãos até completaram as suas inflacionadas quotas de produção, a fome tornou-se generalizada7. Este processo histórico, conhecido como “Holodomor”8, levou a que cerca de 10 milhões de pessoas perecessem de fome. Durante os anos de 1920 teve lugar uma política nacionalista ucraniana, por obra do Partido Comunista local e encorajada pela liderança soviética, dando origem a um renascimento nacional da cultura ucraniana; mas quando essas políticas de nacionalidade foram revertidas no início dos anos 1930, os soviéticos acusaram a elite política e cultural ucraniana de “desvios nacionalistas” e dois períodos de purgas (1929-1934 e 1936-1938) resultaram na eliminação de quase toda a elite cultural da Ucrânia. Fazendo ainda parte da União Soviética, em Abril de 1986 a Ucrânia foi vítima de uma das maiores catástrofes da história: o acidente nuclear de Chernobil. Quando em 1991 se deu o colapso da União Soviética, esse facto permitiu que se realizasse um referendo, do qual resultou a proclamação da independência da Ucrânia. Após isso, o país experimentou uma profunda desaceleração económica. Em 2004, após a “revolução laranja”, subiu ao poder o político pró-Ocidental Viktor Yushchenko. Dois anos depois, o seu opositor Viktor Yanukovych, simpatizante da Rússia, ascendeu ao cargo de primeiro-ministro. A partir daí, as disputas pelo poder aconteceram entre Viktor Yanukovych, pró-russo e Viktor Yushchenko, defensor da adesão da Ucrânia à União Europeia. A desistência de Yanukovych em assinar um acordo de livre-comércio e cooperação com a UE em Novembro de 2013 – em favor de um maior estreitamento dos laços económicos com a Rússia – e a posterior utilização de força contra os ativistas da sociedade civil, que estavam a favor do acordo com a UE, levou a que ocorressem três meses de protestos com a ocupação da praça central de Kiev. Com o tempo, o movimento “Euromaidan” promoveu uma onda de grandes manifestações e agitação civil por todo o país, contexto que evoluiu para incluir clamores pela renúncia do presidente Yanukovich e do seu governo. 7

https://en.wikipedia.org/wiki/Ukraine (tradução livre do autor) A palavra “Holodomor” traduzida literalmente do ucraniano significa “morte pela fome”, ou “matar pela fome, morrer de fome”. 8

3

A violência intensificou-se após 16 de Janeiro de 2014. Os manifestantes anti governo ocuparam edifícios governamentais no centro de Kiev, e os tumultos causaram 98 mortos e milhares de feridos entre os dias 18 e 20 Fevereiro. A 22 desse mês, o Parlamento da Ucrânia destituiu Yanukovych por considerar o presidente incapaz de cumprir os seus deveres e marcou uma eleição para 25 de maio a fim de definir o seu substituto (isto aconteceu, de facto, em violação da Constituição, que requeria uma votação de 75% para a destituição do presidente). O Presidente deposto, Yanukovich, fugiu para a Rússia. 3. A Crimeia A Crimeia era uma república autónoma da Ucrânia, localizada numa península no Mar Negro9. A região passou a pertencer à Rússia, desde a época de Catarina a Grande (séc. XVIII), quando os russos a conquistaram ao Império Otomano10. Foi cedida à Ucrânia em 1954 pelo então líder soviético Nikita Khrushchev, que era de origem ucraniana. Tal como no leste da Ucrânia, a maioria da população na região é de origem russa. Para muitos russos, a Crimeia e a sua “Cidade Heróica” de Sebastopol, da era soviética, sitiada pelos invasores nazis, tem um significado emocional muito forte, por já ter sido parte do país e ainda por a maioria da sua população ser de origem russa.11 Ressalvese, no entanto, que dez anos antes, Estaline tinha deportado toda a população tártara da Crimeia, cerca de 300 mil pessoas, sob a acusação de terem colaborado com os invasores alemães. A península fica numa área estratégica do Mar Negro, muito próxima do sudoeste da Rússia. A maior parte da frota russa do Mar Negro está na Crimeia, com o seu comando e base naval na cidade de Sebastopol.12 Em termos étnicos a sua população compreende 58,3% de origem russa, havendo também 24% de ucranianos e 13% de tártaros. Com o colapso da União Soviética, a Crimeia permaneceu na recém-independente Ucrânia, uma situação ressentida por parte da população maioritariamente russa e causadora de tensões entre a Rússia e a Ucrânia. Com a derrota eleitoral das principais forças políticas radicais nacionalistas da Ucrânia essa tensão foi diminuindo. G1.Globo.com, “Entenda a Crise na Crimeia”, http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/entendacrise-na-crimeia.html 10 http://pt.wikipedia.org/wiki/Crimeia 11 G1.Globo.com, “Entenda a Crise na Crimeia”, http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/entendacrise-na-crimeia.html 12 Ibid. 9

4

A Crimeia proclamou sua autonomia em 5 de Maio de 1992, mas concordou mais tarde em permanecer parte integrante da Ucrânia como uma república autónoma. O principal valor estratégico da Crimeia é a sua posição geográfica que lhe confere uma grande relevância para a Rússia, tanto no campo comercial como no militar, pois facilita a movimentação de cargas para exportação e importação e garante o controlo do canal que liga o Mar Negro ao Mar de Azov. Num acordo firmado em 2010, a Rússia pôde manter a sua base naval em Sebastopol, onde a maior parte da população tem passaporte russo. A permanência prevista das forças russas era até ao ano de 2042. No âmbito desse acordo, o governo russo cedeu à Ucrânia 40 biliões de dólares em gás natural. Com a substituição na Ucrânia do presidente pró-russo, a proibição de utilização do russo como idioma e a inclusão no governo ucraniano de elementos neofascistas, a situação imediatamente se agudizou na Crimeia. O parlamento local foi dominado por um grupo pró-Rússia. A nova administração local, considerada ilegal pelo governo central da Ucrânia, determinou que a 30 de março de 2014 se realizasse um referendo em relação à autonomia da região. Com a intensificação das tensões separatistas, o parlamento russo aprovou, a pedido do presidente Vladimir Putin, o envio de tropas para a Crimeia a fim de “normalizar” a situação. A escalada militar fez com que diversos oficiais do exército ucraniano se juntassem ao governo local pró-russo e outros abandonassem os seus postos. No dia 4 de março, o novo governo da Crimeia anunciou que tinha assumido o controlo da península e deu um ultimato para que os últimos oficiais leais à Ucrânia se rendessem.13 O novo governo ucraniano criticou esse movimento separatista e classificou a aprovação da intervenção militar russa como uma declaração de guerra. Após o governo da Crimeia ter anunciado a realização do referendo, no qual, segundo esse governo, cerca de 95% dos votos foram a favor da anexação à Russia, o Parlamento desse território declarou formalmente que a região se separava da Ucrânia e pediu ao Kremlin para a Crimeia ser anexada à Rússia. Ainda segundo as autoridades locais, participaram na votação 83% dos eleitores. O governo da Ucrânia descreveu esse referendo como “um circo” e não reconheceu os resultados. A União Europeia (UE) e os

G1.Globo.com, “Entenda a Crise na Crimeia”, http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/entendacrise-na-crimeia.html 13

5

Estados Unidos afirmaram que essa votação foi ilegal e adoptaram uma série de sanções contra a Rússia. Em 18 de março de 2014, o presidente da Rússia, o primeiro-ministro da Crimeia e o prefeito de Sebastopol assinaram em conjunto um acordo para que a Crimeia e Sebastopol passassem a fazer parte, oficialmente, da Federação Russa.

14

Mapa da península da Crimeia

4. O Leste da Ucrânia 15 Após a deposição do presidente Yanukovych teve também início uma enorme agitação popular nas regiões leste e sul do país. Em várias cidades dessas regiões, como Donetsk e Lugansk, homens armados, que se declararam como sendo uma milícia local, ocuparam edifícios do governo e postos da polícia. Houve conversações em Genebra, na Suíça, entre a União Europeia, a Rússia, a Ucrânia e os Estados Unidos, tendo sido produzida uma declaração diplomática conjunta referida como “o Pacto de Genebra de 2014”, em que as partes solicitaram que todas as milícias ilegais depusessem as suas armas e desocupassem os edifícios públicos tomados, além de se comprometerem a estabelecer um diálogo político que poderia levar a uma maior autonomia para essas regiões ucranianas. No entanto, o conflito tornou-se ainda mais aceso e em 1 de Maio de 2014 já 16 cidades e vilas do leste ucraniano estavam parcialmente ou totalmente nas mãos de grupos

14 15

https://en.wikipedia.org/wiki/Crimea#/media/File:Map_of_the_Crimea.png https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_no_Leste_da_Ucrânia

6

armados pró-russos e no dia seguinte a Ucrânia reconheceria publicamente que a situação nas províncias de Donetsk e de Lugansk estava fora do seu controlo. Nas autoproclamadas Repúblicas Populares de Lugansk e Donetsk teve lugar um referendo no dia 11 de maio, após o qual os rebeldes se declararam independentes do atual governo de Kiev: Este referendo foi marcado por hostilidades no sudeste ucraniano entre civis e as forças militares de Kiev e as potências ocidentais condenaram a sua realização. Em 24 de maio foi anunciada a fusão de Donetsk e Lugansk formando a Novorossia (Nova Rússia). Seguiu-se uma ofensiva do exército ucraniano e das milícias neofascistas e após vários avanços e retrocessos a situação militar estabilizou e foi conseguido um cessar-fogo que, apesar de frequentes violações pelos dois lados, se tem mantido em vigor.

16

5. Os Atores da Crise Não se pode analisar o conflito na Ucrânia sem tomar em atenção os interesses divergentes entre os vários atores que aí intervieram e que, numa listagem que poderá pecar por incompleta, serão os seguintes: a própria Ucrânia e a Rússia, e, no seu conjunto, os EUA, a UE (leia-se: a Alemanha) e a OTAN. Esta análise, neste momento, poderá pecar facilmente por ser incompleta e poderá mesmo vir a revelar-se como inadequada, pois os motivos, as hipóteses e os verdadeiros objetivos dos seus protagonistas ainda estão, em parte, por esclarecer; e o papel concreto dos países e entidades internacionais que se envolveram e as suas manobras nos bastidores da crise ucraniana ainda não são evidentes. Além disso, os acontecimentos continuam a evoluir, dependendo de imensas incógnitas, e os efeitos da crise são ainda difíceis de avaliar em todas as suas implicações.

16

https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_no_Leste_da_Ucrânia#/media/File:2014_proRussian_unrest_in_Ukraine.png

7

A questão ucraniana esteve sempre implicitamente presente em todos os momentos críticos das relações entre a Rússia e o Ocidente, a partir da queda do muro de Berlim, e era previsível que seria nessa região que o confronto acabaria por se materializar. a. A Ucrânia Em democracia, a vontade soberana dos povos exerce-se em eleições livres e democráticas. Na Ucrânia, existiam um Presidente e um Parlamento eleitos nesses termos. Não se nega que o Presidente ucraniano foi contestado em vários momentos, mas tal é normal e acontece em vários países. No entanto, em Kiev, os manifestantes não foram peticionar eleições antecipadas, foram sim para derrubar o Governo e através de “democracia direta” escolher os ministros em plena praça Maidan, o que nunca seria aceite em qualquer estado de direito. Para esse efeito, os milhares de manifestantes usaram as mais diversas armas “democráticas” – cocktails-molotov, barras de ferro, sabres e armas de fogo de precisão – e entraram em confronto armado com as forças da ordem que os impediam de derrubar “democraticamente” o presidente pela força. Estes combatentes de armas na mão teriam sido apelidados de terroristas em qualquer país democrático, mas os mandatários das principais potências do ocidente logo se mobilizaram para dar todo o seu apoio a essas ações. O novo governo que resultou do derrube do presidente legítimo e que incluía os sinistros elementos neofascistas (sobretudo em posições que permitiram o controlo do Ministério do Interior) rapidamente demonstrou o seu cariz e uma das suas primeiras decisões foi precisamente a de proibir a utilização da língua russa, apesar de na Crimeia e no Leste da Ucrânia a maioria da população falar esse idioma. O presidente eleito só por uma parte da população (o oligarca Petro Poroshenko), em vez de tentar o diálogo com as forças separatistas, enviou o exército com paraquedistas, artilharia, helicópteros de ataque e bombardeiros para combater os insurretos e tentar controlar a situação pela força. O novo primeiro-ministro (“nomeado” por Victoria Nuland, Subsecretário de Estado dos EUA para os assuntos europeus e euro-asiáticos)17 chefia um governo que é tudo menos um governo de unidade nacional, como estava previsto nos acordos de 21 de Fevereiro de 2014 e que se destinavam a tranquilizar a população de língua russa das regiões

17

Numa conversa telefónica revelada ao público, Nuland defendia a mudança do regime e queria que o político ucraniano Arseniy Yatsenyuk fosse o primeiro-ministro do novo governo, o que veio a acontecer.

8

orientais e meridionais. Dos 19 ministros do novo governo, apenas dois vêm do leste e nenhum do sul. Além da questão do idioma, introduziu uma resolução para ilegalizar o Partido Comunista, que teve 13% dos votos em 2012 e que é, de facto, o único partido remanescente na oposição após a dissolução do Partido das Regiões. Entretanto e na repressão aos movimentos divisionistas no leste e no sul as milícias neofascistas logo fizeram ver aos dissidentes do novo regime o que os esperava – em Odessa, 43 manifestantes pró-russos foram queimados vivos – e desse modo conseguiram radicalizar ainda mais as posições. A formação, por essas milícias, de unidades militares com a simbologia nazi, também em nada contribuiu para o acalmar das tensões.

18

b. A Rússia Para Putin, o momento de agir contra a Ucrânia e o Ocidente aconteceu quando o Parlamento da Ucrânia destituiu ilegalmente Yanukovych e o forçou a fugir para a Rússia. Pouco depois de 22 de fevereiro, ordenou que as forças russas tomassem a Crimeia e logo após, incorporou-a na Rússia. Essa ação foi relativamente fácil, por força dos milhares de militares russos já estacionados na base naval do porto de Sebastopol. A conquista da Crimeia também foi fácil, pois os habitantes de etnia russa são cerca de 60% da sua população e a sua maioria queria separar-se da Ucrânia. Em seguida, Putin aplicou uma enorme pressão sobre o novo governo em Kiev para o desencorajar de se aliar com o Ocidente contra Moscovo, deixando claro que iria destruir a Ucrânia como um estado capaz de subsistir, antes de permitir que ele se tornasse numa fortaleza ocidental às portas da Rússia. Para esse fim, concentrou um grande exército na fronteira com a Ucrânia e providenciou conselheiros, armas e apoio diplomático aos separatistas pró-russos no leste da Ucrânia, que conduziram o país para uma guerra civil; 18

https://i.imgur.com/kICjQes.jpg

9

aumentou acentuadamente o preço do gás natural que a Rússia vende à Ucrânia e exigiu o pagamento imediato das anteriores exportações. Para a Rússia o controlo da Bielorrússia e da Ucrânia é fundamental para a sua segurança nacional. Se ficassem sob a alçada dos seus adversários – por exemplo, aderindo à OTAN – esse facto representaria para a Rússia um perigo de morte. Moscovo fica apenas a pouco mais de trezentos quilómetros da fronteira com a Bielorrússia e a Ucrânia está a menos de 300 km de Volgogrado, a antiga Estalinegrado. Contra Napoleão e Hitler a Rússia utilizou uma defesa em profundidade. Sem a Bielorrússia e a Ucrânia, não existe essa profundidade, não sendo possível ceder terreno em troca de tempo, desgastando o inimigo. Para o Ocidente é obviamente impensável que a OTAN represente uma ameaça para a Rússia, mas os russos sabem, por experiência própria, a rapidez com que o absurdo se transforma em realidade. Além disso a Rússia está também consciente que os Estados Unidos e a OTAN têm tentado sistematicamente expandir a sua área de influência, promovendo a adesão à OTAN dos países da Europa Oriental e dos Estados bálticos. Quando os Estados Unidos começaram a tentar recrutar a Ucrânia para a OTAN, os russos imediatamente assinalaram que isso constituiria uma ameaça aos interesses russos e quando a Revolução Laranja parecia prestes a levar a Ucrânia para a NATO, a Rússia acusou os Estados Unidos de a tentar cercar e destruir, pois no seu entender a inclusão da Ucrânia na OTAN seria inquestionavelmente uma ameaça devastadora para a sua segurança nacional. Nessa altura a Rússia não mobilizou o seu exército. Em vez disso, empenhou os seus serviços de informações, cujas encobertas maquinações na Ucrânia produziram excelentes resultados – os russos debilitaram a Revolução Laranja, apostando numa divisão entre o leste pró-russo da Ucrânia e a Ucrânia ocidental pró-europeia, o que provou não ser difícil e rapidamente a política ucraniana ficou paralisada. A Rússia está plenamente convencida que a revolta em Kiev foi fomentada por organizações não-governamentais financiadas pelos EUA e que, sem isso, as manifestações teriam esmorecido e o governo teria sobrevivido. Já quando foi da Revolução Laranja afirmaram que esta tinha as mesmas origens. Embora o Ocidente negue, a realidade é que os russos acreditam mesmo nisso. E tal significa que também acreditam que o Ocidente tem a vontade e a capacidade de desestabilizar outros países na esfera de influência da Rússia, senão mesmo a própria Rússia.

10

Nesta altura, quando os russos olham para um mapa da Europa, são confrontados com o seguinte: Os Estados Bálticos estão na OTAN e a Ucrânia alinhou com o Ocidente. O governo pró-russo da Bielorrússia poderá estar em risco, e no caso de alterar a sua lealdade, os potenciais inimigos da Rússia terão penetrado quase tão profundamente em direção ao núcleo da Rússia quanto o fizeram as tropas nazis. Para os russos, a Grande Guerra Patriótica (2ª Guerra Mundial), que causou mais de 20 milhões de mortos á URSS, é uma memória que está bem viva, bem como a traição de Hitler. Ora os russos não são um povo que confie muito nos outros povos e não têm razões para o fazer: Nada no seu passado lhes permite a ingenuidade de acreditar nas boas intenções, seja de quem for. Os recentes acontecimentos também deixaram aparentemente claro que os russos não vão invadir diretamente a Ucrânia. Não se consegue ocupar um país de quase 50 milhões de habitantes com os 50.000 militares que a Rússia mobilizou. Entre o rio Dniepre, que divide o país, e a fronteira russa, vivem cerca de 15 milhões de pessoas – um terço da população da Ucrânia. Uma esmagadora maioria dessas pessoas quer, seguramente, continuar a fazer parte da Ucrânia e por certo iria resistir a uma ocupação russa. Além disso, Moscovo também não está em condições de suportar uma custosa ocupação, pois a sua fraca economia sofreria ainda mais por força das consequentes e inevitáveis sanções. A Ucrânia tem uma importância estratégica fundamental para a Rússia. Mesmo que os separatistas do leste conquistem algum grau de autonomia, a Rússia continuará sempre profundamente apreensiva com a relação entre o resto da Ucrânia e o Ocidente. Embora para os ocidentais seja difícil de interiorizar, a história da Rússia engloba vários estados tampão que salvaram a Rússia de invasores ocidentais. Portanto, a Rússia deseja um acordo em que, no mínimo, a Ucrânia permaneça neutral. c. Os EUA, a UE e a OTAN Quando a Guerra Fria chegou ao fim, os líderes soviéticos e os seus sucessores russos, embora aceitassem a permanência das forças americanas na Europa e que a OTAN ficasse intacta e ativa, não desejavam que esta se alargasse ainda mais e convenceramse que os diplomatas ocidentais entendiam as suas preocupações. Mas a administração Clinton pensava de forma contrária e, em meados dos anos 90, começou a pressionar para a OTAN se expandir. A primeira fase do alargamento ocorreu em 1999 e abrangeu a Hungria, a Polónia e a República Checa. A segunda teve lugar em 2004 e incluiu a Bulgária, a Eslováquia, a 11

Eslovénia, a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Roménia. Desde o início que Moscovo protestou abertamente, mas, nessa altura, os russos não tinham poder suficiente para conseguir suster o movimento para leste da OTAN – o qual, de qualquer modo, não era muito ameaçador, já que nenhum dos novos membros tinha fronteira com a Rússia, com exceção dos pequenos países bálticos. Em seguida, a OTAN começou a dirigir a sua atenção ainda mais para leste. Na cimeira de Bucareste em Abril de 2008, a aliança considerou poder vir a admitir a Geórgia e a Ucrânia e a administração de George W. Bush apoiou essa ideia, mas a França e a Alemanha opuseram-se com receio que esse facto fosse antagonizar demasiado a Rússia. No final da cimeira, os membros da OTAN chegaram a um compromisso e a aliança não iniciou o processo formal que levaria à entrada desses países na organização, mas emitiu uma declaração apoiando as aspirações da Geórgia e da Ucrânia. Contudo, Moscovo não entendeu esse facto como um grande compromisso e Putin afirmou que a admissão desses dois países na OTAN constituiria uma “ameaça direta” para a Rússia, tendo um jornal russo noticiado que Putin, ao falar com Bush, “deu a entender de uma forma muito clara que se a Ucrânia fosse aceite na OTAN, deixaria de existir”. A invasão da Geórgia pela Rússia, em agosto de 2008, deveria ter dissipado quaisquer dúvidas remanescentes quanto à determinação de Putin em evitar que a Geórgia e a Ucrânia ingressassem na OTAN. No entanto e apesar deste claro aviso, a OTAN nunca abandonou publicamente o seu objetivo de incluir a Geórgia e a Ucrânia na aliança. E entretanto, a expansão da OTAN continuou a progredir, tendo a Albânia e a Croácia entrado como membros em 2009. Também a UE tentou progredir para leste. Em maio de 2008, foi dada a conhecer publicamente a sua iniciativa de Parceria Oriental – um programa destinado a promover a prosperidade em países como a Ucrânia e a integrá-los na economia da UE. Tal como seria de esperar, os líderes russos consideraram esse plano como hostil aos interesses do seu país. Em fevereiro de 2014, o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, acusou a UE de tentar criar uma “esfera de influência” na Europa Oriental – para os dirigentes russos, a expansão da União Europeia é o “Cavalo de Tróia” da expansão da OTAN 19. Pouco depois e mau grado as reticências russas, Durão Barroso,

John J. Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis Is the West’s Fault – The Liberal Delusions That Provoked Putin”, Foreign Affairs, September/October 2014. (tradução livre do autor) 19

12

ainda presidente da Comissão Europeia, declarou que a UE iria continuar a aproximação à Ucrânia e a prosseguir com as suas iniciativas e assim, em 27 de junho, a UE e a Ucrânia assinaram o acordo económico que Yanukovych tinha rejeitado sete meses antes. O outro processo que o Ocidente utilizou para retirar Kiev da órbita de Moscovo foram os seus esforços para promover a democracia e os valores ocidentais na Ucrânia e noutros Estados pós-soviéticos, num plano que na maioria das vezes implicou no financiamento de indivíduos e organizações pró-ocidentais. Victoria Nuland, Subsecretário de Estado dos EUA para os assuntos europeus e euro-asiáticos, anunciou em dezembro de 2013 que os Estados Unidos tinham investido, desde 1991, mais de 5 biliões de dólares para ajudar a Ucrânia a obter “o futuro que merece”.20 Como parte desse esforço, o governo dos EUA tem vindo a financiar a NED – National Endowment for Democracy. Por sua vez, essa fundação (que, conjuntamente com a OSF – Open Society Foundation, do milionário George Soros, já tinha apoiado o movimento “Otpor!” na Sérvia21, a revolução laranja na Ucrânia22 e a revolução rosa na Geórgia23) financiou mais de 60 projetos destinados a promover a sociedade civil na Ucrânia. Quando Yanukovych venceu as eleições presidenciais da Ucrânia em fevereiro de 2010, a NED decidiu que ele iria provavelmente prejudicar os seus objetivos e portanto intensificou os seus esforços para apoiar a oposição, com os resultados que se conhecem. Estes três processos políticos – o alargamento da OTAN, a expansão da UE, e a promoção da democracia e valores ocidentais – constituíram o corpo de uma crise que a qualquer momento se poderia desencadear. O seu detonar aconteceu em novembro de 2013, quando Yanukovych rejeitou um importante acordo económico que tinha estado a ser negociado com a UE e em seu lugar decidiu aceitar uma contraproposta russa de um empréstimo de 15.000 milhões de dólares. Essa decisão deu origem a manifestações antigovernamentais, com o indisfarçado apoio ocidental (quer das ONG tipo NED que

John J. Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis Is the West’s Fault – The Liberal Delusions That Provoked Putin”, Foreign Affairs, September/October 2014. (tradução livre do autor) 20

“Paul B. McCarthy da sede da NED em Washington afirmou que o “Otpor!” recebeu a maioria dos 3 milhões de dólares gastos pela NED na Sérvia a partir de setembro de 1998 até outubro 2000.” – “Who Really Brought Down Milosevic?” Cohen, Roger. New York Times. (26/11/2000). 21

“A administração Bush gastou mais de 65 milhões de dólares nos últimos dois anos para ajudar as organizações políticas na Ucrânia.” – “U.S. money has helped opposition in Ukraine”, Kelley, Matt. Associated Press. (11/12/2004). 22

“Soros gastou 42 milhões de dólares na preparação do derrube de Shevardnadze.” – “Georgia on His Mind – George Soro’s Potemkin Revolution”, Carlson, Richard W. The Weekly Standard. (24/05/2004). 23

13

pululavam no país, quer mesmo de membros de governos estrangeiros), as quais se intensificaram ao longo dos três meses seguintes e que em meados de Fevereiro levaram à morte de cerca de cem manifestantes e polícias. Em 21 de fevereiro, o governo e a oposição concluíram um acordo que permitia a Yanukovych permanecer no poder até serem realizadas novas eleições. Mas, esse acordo imediatamente se desfez e Yanukovych fugiu para a Rússia no dia seguinte. O novo governo em Kiev passou a ser pró-ocidental e anti russo no seu âmago e dele fazem parte quatro governantes que legitimamente podem ser classificados como neofascistas. 6. Conclusões Os Estados Unidos e os seus aliados europeus tiveram na realidade a maior quota parte da responsabilidade pela crise na Ucrânia. E a principal raiz desse facto foi o alargamento da OTAN e a consequente estratégia de tentar retirar a Ucrânia da órbita da Rússia e integrá-la no Ocidente. Os líderes russos foram sempre inflexíveis na sua posição contra o alargamento da NATO e deixaram sempre bem claro que não deixariam de reagir se o país seu vizinho e estrategicamente fundamental se transformasse num bastião ocidental. Simultaneamente, a expansão da UE para leste e o seu apoio aos movimentos próocidentais na Ucrânia – que começaram com a Revolução Laranja em 2004 – foram também uma sucessão de factos relevantes no antagonizar dos interesses russos. Para Putin, o derrube ilegal do democraticamente eleito e presidente pró-russo da Ucrânia – acção que ele corretamente rotulou de “golpe de estado” – foi a gota d'água. Em resposta e mesmo contrariando a sua própria opinião expressa pouco antes, tomou a Crimeia, pois considerou intolerável a sequência dos acontecimentos e, no fundo, temia que o novo governo concedesse à OTAN a possibilidade de aí estabelecer uma base naval. 24 Por outro lado, é curioso verificar que as potências ocidentais que tanto se empenharam para que o Kosovo, parte integrante da Sérvia, pudesse ser independente, só porque a maioria da sua população era albanesa, agora em relação à Crimeia opõem-se vigorosamente a essa independência. Ora, na Crimeia a maioria é russa e o referendo entretanto realizado confirma esse facto.

24

John J. Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis Is the West’s Fault – The Liberal Delusions That Provoked Putin”, Foreign Affairs, September/October 2014. (tradução livre do autor)

14

As potências como a Alemanha, a França, a Grã-Bretanha e sobretudo os EUA afirmam que os seus interesses coincidem com os do novo poder em Kiev e que estão totalmente solidárias com ele. Ou seja: a real política do ocidente é que a legitimidade de um regime não advém de este resultar de eleições livres e democráticas, mas sim e apenas do facto de esse regime estar de acordo com os seus interesses. O apoio de Washington e de outras capitais ocidentais permitiu estabilizar para já a cena política em Kiev, mas essa estabilidade é conjuntural e deixou de lado alguns setores importantes da sociedade ucraniana. Embora esteja salvaguardada a “opção europeia”, as aspirações que levaram os ucranianos à praça Maidan continuam ainda sem resposta. Há no entanto que reconhecer que a Rússia tem também interesses no que ao futuro da Ucrânia diz respeito. Esses resultam da ligação que sempre existiu entre a Rússia e a Ucrânia, mesmo antes da URSS, e são consequência de um conjunto de fatores que têm a ver com a própria composição nacional do povo ucraniano. Resultam ainda e sobretudo pela existência da esquadra russa do mar Negro e da longa fronteira ocidental com a Ucrânia, cujo território é para a Rússia uma planície de enorme extensão que serve como um tampão de grande importância estratégica para a sua defesa. 7. Possíveis Cenários e Soluções Na nossa opinião, a Rússia não irá invadir diretamente a Ucrânia, mas também não deixará que esta subjugue pela força os separatistas do leste. Se algum “aventureirismo” (impulsionado ou não pelos conselheiros militares estrangeiros) levar o governo da Ucrânia a tentar fazê-lo, este arrisca-se a perder ainda mais território para o sul, nomeadamente a cidade de Mariupol, que tem um elevado interesse estratégico para os russos, visto facilitar o controlo do Mar de Azov. O mais provável será o conflito no leste da Ucrânia permanecer estabilizado – “Frozen Conflict” – a não ser que alguma pressão (quer sobre a Rússia, quer sobre a Ucrânia) possa levar à concessão de uma larga autonomia às regiões separatistas, aceitando estas o vínculo à Ucrânia. Quanto à Crimeia, parece-nos que da sua anexação pela Rússia não há retorno possível. As próprias potências ocidentais já se abstêm de a mencionar nas inúmeras conversações que têm ocorrido com os líderes russos. No que se refere à aplicação de sanções económicas, mesmo que os Estados Unidos e os seus aliados aprovem medidas ainda mais duras, Putin não irá certamente alterar a sua forma de agir. A história mostra-nos que os países são capazes de absorver mesmo 15

pesadas sanções, quando se trata de proteger os seus interesses estratégicos fundamentais e não há nenhuma razão para pensar que a Rússia represente uma exceção a esta regra. A OTAN, os EUA e a UE terão de refrear de algum modo as suas políticas de expansão para leste, sobretudo em relação à Bielorrússia, cujo desestabilizar irá de novo agudizar as tensões, uma vez que a Rússia não iria tolerar um novo problema e consequentemente poderia reagir de uma forma precipitada e violenta, com o risco de essa reação se transformar numa verdadeira guerra. Para se ter uma ideia precisa sobre o pensamento dominante na Rússia em relação a este país veja-se o que foi publicado no “Pravda” logo após o presidente Lukashenko ter sido reeleito em 2006 com uma confortável maioria (82%): “Mas que estranho! – Houve uma eleição numa ex-república soviética (Bielorrússia, dia 19 de Março de 2006) mas onde estão as ONG, a financiar grupos de subversivos e de vândalos, em oposição às leis e à cultura do país? Não vai haver uma revolução de veludo ou cor de laranja? Onde está a mão de Soros? Onde estão os políticos de segunda-linha, subornados e treinados por Washington? Será que a Bielorrússia não se vai candidatar à União Europeia ou para membro da Organização Terrorista do Atlântico Norte (OTAN)? O que aconteceu com a peça final do “puzzle” no flanco ocidental da Rússia?”25 Para obviar a um maior agravar do conflito, advoga-se algum cuidado na tentativa de englobar a Ucrânia na OTAN, sendo preferível que esta permaneça com um estatuto neutral, idêntico ao da Áustria durante a Guerra Fria, com um qualquer acordo de associação de modo a que não fique abrangida pelas disposições do Artigo 5º do Tratado, pois tal seria considerado pela Rússia como uma provocação, podendo acarretar consequências desastrosas para toda a Europa. O Ocidente deve também procurar ajudar a Ucrânia sob a forma de um plano de resgate económico financiado conjuntamente pela União Europeia, Fundo Monetário Internacional, Rússia e Estados Unidos – o que seria uma proposta que talvez fosse bem acolhida por Moscovo, já que é do seu interesse que exista uma Ucrânia próspera e estável no seu flanco ocidental.26 Entretanto, os EUA e os líderes europeus devem pressionar a Ucrânia para que respeite os direitos das minorias, nomeadamente os direitos linguísticos dos que usam o idioma russo.

25

Timothy Bancroft-Hinchey, “Bielorrússia – então, onde é que está a revolução?”, Pravda, 20/03/2006. (tradução livre do autor)

26

John J. Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis Is the West’s Fault – The Liberal Delusions That Provoked Putin”, Foreign Affairs, September/October 2014. (tradução livre do autor)

16

Por outro lado, é importante também dar um forte sinal à Rússia que estão atingidos os limites da sua intervenção e para isso muito contribuiria um aumento do poder naval da OTAN no Mar Negro. Para esse efeito será talvez de contemplar o reforço da presença de meios navais da Aliança nessa área com base num porto da Roménia. Na realidade, existem já algumas indicações que esta modalidade de ação irá ser adotada.27 Os Estados Unidos e os seus aliados europeus têm que optar sobre qual vai ser agora a sua atuação em relação à Ucrânia. Podem continuar com a sua prévia política, o que irá agravar as hostilidades com a Rússia e devastar a Ucrânia nesse processo – um cenário no qual todos sairiam a perder. Ou podem alterar alguns aspetos da sua orientação e trabalhar sobretudo para criar uma Ucrânia próspera mas neutra, que não ameace a Rússia e permita ao Ocidente reparar as suas relações com Moscovo.28

27

Ver: George Friedman, “Borderlands: The View Beyond Ukraine”, Stratfor, 10/06/2014.

28

John J. Mearsheimer, “Why the Ukraine Crisis Is the West’s Fault – The Liberal Delusions That Provoked Putin”, Foreign Affairs, September/October 2014. (tradução livre do autor)

17

BIBLIOGRAFIA BANCROFT-HINCHEY, Timothy, “Bielorrússia – então, onde é que está a revolução?”, Pravda, 20/03/2006. BĒRZINŠ, Jānis, “Russian New Generation Warfare: Implications for Europe”, 14/10/2014 BOND, Ian, “Russia's war in Ukraine: Is Minsk the end, or just the start?”, 13/02/2015. CARLSON, Richard W., “Georgia on His Mind – George Soro’s Potemkin Revolution”, The Weekly Standard, 24/05/2004. CIA, “The World Fact Book”: https://www.cia.gov/library/publications/the-worldfactbook/geos/up.html COHEN, Roger, “Who Really Brought Down Milosevic?”, New York Times, 26/11/2000. FÂNZERES, José Manuel Ferreira, “Geopolítica e Geoestratégia da Federação Russa”, Cadernos do IDN nº14, IDN, Lisboa, Outubro de 2014. FERNANDES, Jorge Almeida, “Ucrânia: as três dimensões do conflito”, 23/02/2014 FLEMING-WILLIAMS, Mark, “Seeking the Future of Europe in the Ancient Hanseatic League”, Geopolitical Weekly, 09/12/2014. FRIEDMAN, George, “Russia and the United States Negotiate the Future of Ukraine”, Stratfor, 01/04/2014. FRIEDMAN, George, “U.S. Defense Policy in the Wake of the Ukrainian Affair”, Geopolitical Weekly, 08/04/2014. FRIEDMAN, George, “Borderlands: The View Beyond Ukraine”, Stratfor, 10/06/2014. G1.GLOBO.COM, “Entenda a Crise na Crimeia”, 05/03/2014. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/entenda-crise-na-crimeia.html KELLEY, Matt, “U.S. money has helped opposition in Ukraine”, Associated Press, 11/12/2004. LINDELL, Erik, “NATO, Russia, and the Post-Cold War Settlement”, 12/03/2015 MANDEL, David “Ukraine: ‘Popular Uprising for Democracy’ or ‘Fascist Putsch’”, Global Research, 12/03/2014. MEARSHEIMER, John J., “Why the Ukraine Crisis Is the West’s Fault – The Liberal Delusions That Provoked Putin”, Foreign Affairs, September/October 2014. PEREIRA, Carlos Santos, “UCRÂNIA: Crónica de uma crise anunciada”, Revista de Ciências Militares, Ano II – Vol. II nº 2, pp 337-359, IESM, Novembro 2014 SLIZHAVA, Alesia, “Acuerdos de Minsk II: Su difícil aplicación para Ucrania”, Opinión, 13/03/2015. U.K. Ministry of Defence, “Global Strategic Trends – Out to 2045”, 5th Edition, 30/04/2014. 18

INTERNET: https://en.wikipedia.org/wiki/Ukraine http://emigrerennaar.net/wp-content/uploads/2012/01/Emigreren-naar-Oekraine.jpg http://pt.wikipedia.org/wiki/Crimeia https://en.wikipedia.org/wiki/Crimea#/media/File:Map_of_the_Crimea.png https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_no_Leste_da_Ucrânia https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_no_Leste_da_Ucr%C3%A2nia#/media/File: 2014_pro-Russian_unrest_in_Ukraine.png https://i.imgur.com/kICjQes.jpg

19

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.