Ulrich Beck e o desafio europeu

June 14, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Ulrich Beck, Euro, Alemanha
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Ulrich Beck e o desafio europeu João Pedro Simões Dias – 2014.04.22

Nesta Europa que não raro parece dar mostras de evidente desnorte e de lamentável relativismo ético, filosófico e político, são escassas as vozes que se impõem e que merecem ser escutadas, pelo pensamento estruturado e coerente que produzem, pelos alertas que vão lançando, pelas denúncias que não se cansam de produzir e, mais importante, pelos caminhos de futuro que preconizam, volvendo-se em faróis de esperança para todos aqueles que não se contentam em contemplar a espuma dos dias e pretendem ver para além dela. O fenómeno é transversal, ocorre um pouco em todas as latitudes, e é isso que o torna gravoso e merecedor de reflexão. Entre nós, para além da auctoritas de Eduardo Lourenço ou de Adriano Moreira, raros são – admitindo que existem – as vozes que merecem ser escutadas e que se impõem pela força dos seus argumentos e pela razão da sua palavra. Escasseiam os que sabem falar ao ouvido do principie. Escasseiam os que, um dia, Adriano Moreira qualificou como “projetistas da paz”. Há poucos dias, porém, uma dessas escassas vozes que ainda se ouvem e escutam por essa Europa fora esteve entre nós. Fruto da época, a sua passagem passou quase despercebida e a mensagem que nos deixou ocupou muito menos espaço mediático e muito menos atenção do que aquela que, seguramente, mereceria – referimonos a Ulrich Beck, catedrático na Universidade de Munique e da London School of Economics, que ganhou acrescida visibilidade por ocasião da publicação entre nós do seu último livro com o título em português “A Europa Alemã - De Maquiavel a «Merkievel». Estratégias de Poder na Crise do Euro” [Edição Almedina, 2013]. Ulrich Beck foi a principal presença no VIII Congresso Português de Sociologia, que de-

correu na Universidade de Évora – e, como é seu apanágio e timbre, não deixou os seus créditos por mãos alheias, quer refletindo profundamente sobre a presente realidade europeia quer interpelando diretamente as consciências que os escutaram ou dos que tiveram acesso à sua intervenção. Meditando sobre a realidade que nos cerca, deixou enunciada aquela que talvez seja a mais pertinente das questões que se podem formular à Europa que se está a construir e para a qual ainda não foi dada nem encontrada a resposta adequada: “como pode a Europa assegurar a paz e a liberdade no continente europeu face às velhas e às novas ameaças e, consequentemente, conquistar o apoio dos eurocéticos para um novo sonho europeu?”. Com a terrível simplicidade das coisas complexas – e só os verdadeiros génios conseguem reduzir à sua máxima simplicidade as questões verdadeiramente complexas – Beck pôs o dedo na ferida e identificou na perfeição aquele que é o verdadeiro desafio que a Europa, e sobretudo a Europa da União, tem pela frente: captar e conquistar para o seu projeto e para a sua causa todos aqueles que já nele descreem, que já nele não acreditam, que já dele desconfiam. Este é o desafio que a União Europeia tem pela frente e para o qual urge encontrar uma resposta. De acordo com o velho princípio segundo o qual nenhum projeto político, nenhuma forma política de organização da sociedade, consegue estruturar-se “de cima para baixo”, da cúpula para a base, das elites para os cidadãos. Dito de outra forma: se a União Europeia – esta União tantas vezes apressadamente identificada como herdeira, sucessora ou continuadora do mítico projeto europeu do pós-segunda guerra mundial que nos anos cinquenta do século passado permitiu reconstruir o velho continente dos escombros, e outras vezes que tão rapidamente se pretende 2

coincidente com toda a Europa – pretende permanecer como um projeto de esperança, paz e liberdade e uma referência para o Velho Continente, não pode suscitar a desconfiança e rejeição que continua a suscitar em largas franjas de cidadãos europeus. Os tempos que se aproximam serão, inevitavelmente, tempos de escolha e de opção. E essas escolhas e opções não podem passar ao lado da questão central que serviu a Beck para elaborar o seu diagnóstico sobre a situação atual com que se debate a Europa e, dentro do velho continente, a Europa da União. Também essa questão deverá marcar e ser central no debate que em breve se iniciará a propósito da campanha eleitoral para as próximas eleições para o Parlamento Europeu. O escrutínio a que os programas e as propostas que vão surgir vão ser sujeitos deverão, forçosamente incluir este tema nuclear – como pode a Europa assegurar a paz e a liberdade para os seus cidadãos no continente europeu face às velhas e às novas ameaças e, assim, ganhar os eurocéticos para a causa, o sonho e a nova utopia do projeto europeu? A questão tem tanto de incontornável como de relevante. Da resposta que lhe for dada, nomeadamente por parte dos que vierem a ser eleitos para a próxima legislatura da assembleia de Estrasburgo, irá depender, em grande parte, o sucesso próximo desse mesmo projeto europeu.

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