Ultra-sonografia com Agentes de Contrastes por Microbolhas na Avaliação da Perfusão Renal em Indivíduos Normais

July 8, 2017 | Autor: Antonio Nogueira | Categoria: CEP
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Revista Brasileira de Ecocardiografia

ISSN 0103-3395

Artigo Original

Ultra-sonografia com Agentes de Contrastes por Microbolhas na Avaliação da Perfusão Renal em Indivíduos Normais Antônio C. Nogueira, Fernando Morcerf, Álvaro V. Moraes, Márcia Carrinho, Caio Medeiros, Hans Dohmann. Resumo: Com o objetivo de estudar o padrão perfusional normal pela ultra-sonografia de contraste por microbolhas, foram estudados 31 voluntários normais, com média etária de 26 ± 3 anos, todos do sexo masculino. Os critérios de inclusão foram ausência de história, sinais e sintomas de insuficiência renal, hipertensão arterial ou outras doenças sistêmicas e níveis de uréia e creatinina normais. O contraste empregado foi o PESDA, em infusão contínua por veia periférica, utilizando-se imagem harmônica intermitente. As características da opacificação renal avaliadas foram a distribuição e homogeneidade do aparecimento do brilho do contraste no córtex renal. O ultra-som e o estudo Doppler renais, obtidos antes do estudo de perfusão, foram normais em todos os voluntários. Na imagem intermitente, houve aumento do brilho em todo o córtex renal até sua periferia, de maneira homogênea, com delimitação adequada das pirâmides renais logo no primeiro pulso intermitente, em todo o grupo. Conclusão: O método tem grande potencial para a aplicação clínica por poder ser realizado à beira do leito, sem o uso de substâncias radioativas, com obtenção imediata do resultado.

Instituições: Hospital Pró-Cardíaco – ECOR – Rio de Janeiro Rua Jardim Botânico, 468 Rio de Janeiro – RJ CEP- 22461-000 Correspondência: Antonio C. Nogueira Hospital Pró-Cardíaco – ECOR – Rio de Janeiro Rua Jardim Botânico, 468 Rio de Janeiro – RJ • CEP- 22461-000 Descritores: Ultra-sonografia, Contraste, Perfusão renal

A estrutura renal pode ser adequadamente avaliada por meio de exames radiológicos e ultra-sonográficos, no entanto, mais recentemente, técnicas como a cintigrafia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e angiografia digital passaram a ser utilizadas. Elas permitem, além do estudo da estrutura renal e suas alterações, quantificar a perfusão e a função renal. Obstruções maiores de 60% das artérias renais ou ramos, assim como doenças parenquimatosas, podem levar à diminuição progressiva do fluxo 74

sangüíneo renal, com conseqüente redução da perfusão renal 1. A arteriografia, a renografia sensibilizada com captopril e a cintigrafia são os métodos de escolha na avaliação da perfusão renal até o momento 2-6. No entanto, o caráter invasivo e a possibilidade de efeitos colaterais graves da arteriografia, a pouca disponibilidade e o custo elevado dos demais métodos e a impossibilidade dos exames serem realizados à beira do leito, limitam a utilização desses métodos. Os primeiros relatos do uso do ultra-som na avaliação da estrutura renal datam do início da década de 70 7. O surgimento do duplex scan e, posteriormente, do duplex scan colorido contribuiu para a melhora da sensibilidade e especificidade do método. Além do diagnóstico de lesões estenóticas das artérias renais, pela medida das velocidades do fluxo nesses vasos 1, outras medidas como os índices de pulsatilidade e resistividade e a relação de diástole final fornecem dados indiretos sobre a perfusão e função renal 7, porém passíveis de erros1. A utilização de meios de contraste ultra-sonográficos, constituídos por microbolhas de ar ou gases inertes encapsulados por lipídeos ou proteínas, Ano XV • nº 1 • Janeiro/Fevereiro/Março de 2002

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abriu nova perspectiva no estudo Doppler. Por serem altamente refletoras do ultra-som, essas microbolhas são capazes de aumentar, de forma significativa, o sinal Doppler, permitindo a detecção de fluxos não detectáveis pêlos métodos tradicionais 8. O fato de terem o tamanho das hemácias faz com que essas microbolhas penetrem na microcirculação, sendo então detectadas utilizando-se novas técnicas de aquisição de imagens (power Harmonic imaging e imagem intermitente). Estudos experimentais demonstraram que o uso do contraste permite melhor análise do fluxo sangüíneo no parênquima de rins normais e infartados 9,10. No entanto, pouco se sabe de sua aplicação em seres humanos. Nosso objetivo foi estudar o padrão perfusional renal em voluntários normais.

MÉTODOS De março a julho de 1997 foram estudados 31 voluntários normais. A média etária foi de 26 ± 3 anos (variando de 20 a 36 anos) e todos eram do sexo masculino. Os critérios de inclusão foram ausência de história, sinais e sintomas de insuficiência renal, hipertensão arterial, cardiopatias ou outras doenças sistêmicas capazes de interferir na perfusão renal e níveis de uréia e creatinina normais. Os exames foram realizados em aparelhos da marca ATL (Advanced Technology Laboratories, Bothell, WA) modelo HDI 3000, com transdutores de banda larga P3-2, com freqüência de emissão de 1,67 MHz e de recepção de 3,34MHz. A modalidade de imagem utilizada foi o power harmonic imaging com o ganho variando de 80 a 100%, dynamic range de 50 dB, filtro máximo e freqüência de repetição de pulso de 1500 a 3000Hz. O contraste utilizado foi o PESDA (perfluorocarbon exposed sonicated dextrose albumin)11 que é obtido pela mistura de 8ml de gás decafluorobutano (Fluora Coorporation, EUA), 1 ml de albumina humana 20% e 12 ml de glicose 5%. Essa mistura submetida a sonificação eletromecânica em sonificador durante 80 segundos Ano XV • nº 1 • Janeiro/Fevereiro/Março de 2002

resulta em solução estável de microbolhas com diâmetro de 5,0 + 2,4 µ e concentração de 1,3 + 0,1 x 10 9/ml. Essa solução é misturada na dose de 0,1 ml/kg em 80 ml de soro glicosado 5% e infundida por veia periférica na velocidade de 3 a 3,5 ml/min (60 a 70 gotas/min). As imagens foram obtidas com o paciente em decúbito lateral esquerdo e direito e em decúbito dorsal, pela região lombar realizando-se, primeiramente, o ultra-som renal convencional. A análise da perfusão foi feita a partir dos cortes longitudinais dos rins e a visualização da porção proximal das artérias renais a partir dos cortes transversais da aorta ao nível de sua emergência. Após otimização das imagens iniciou-se a infusão do agente de contraste. Os estudos foram feitos inicialmente em modo contínuo seguido do modo intermitente com intermitência de pulso ultrassonoro a cada complexo QRS (1:1). Todos os exames foram gravados em video-teipe e disco óptico para posterior análise por dois observadores independentes. As características da opacificação renal avaliadas no modo intermitente foram distribuição e homogeneidade do aparecimento do brilho do contraste no córtex renal.

RESULTADOS Em todo o grupo o ultra-som renal mostrou diâmetros, ecogenicidade renal e relação córtexmedula normais. Os índices de pulsatildade e resistividade e as relações sístole-diástole e de diástole final ao Doppler também se encontravam dentro da normalidade A utilização da imagem em modo contínuo permitiu a visibilização adequada dos segmentos proximais das artérias renais em todos os pacientes, não tendo sido observado falha de enchimento desses segmentos em nenhum caso (Figura 1). Na imagem em modo intermitente houve aumento do brilho em todo o córtex renal até sua periferia, de maneira homogênea, com delimitação adequada das pirâmides renais logo no primeiro pulso intermitente (Figura 2) . O tempo médio para a realização do exame foi de 30 minutos. 75

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Não houve discordância entre os dois observadores independentes.

DISCUSSÃO A ultra-sonografia renal tem sido empregada na avaliação de anomalias congênitas, doença isquêmica, doenças parenquimatosas e neoplasias renais possibilitando o diagnóstico de grande parte das doenças acima 7. No que se refere ao diagnóstico de hipoperfusão renal, este baseia-se em sinais indiretos que são evidenciados somente em fases mais avançadas da doença 7. Dentre os parâmetros mais utilizados para a estimação da perfusão renal podemos citar os índices de pulsatilidade e resistividade e as relações sístole-diástole e diástole final 7. Contudo, a simples consideração desses parâmetros tem mostrado baixa sensibilidade 1. O uso do mapeamento com fluxo em cores também é limitada pela pouca sensibilidade desse método na detecção de fluxos de baixas

Figura 1. Imagem dos segmentos proximais das artérias renais direita (A) e esquerda (B) durante infusão de contraste periférico com microbolhas.

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Figura 2. Imagem obtida com intermitência 1:1 mostrando a opacificação de todo o córtex renal pelo contraste.

velocidade e amplitude 8. Estudos experimentais demonstraram acurácia de 20% para o diagnóstico de infarto renal parcial pelo mapeamento com fluxo em cores12. O uso do Power Doppler aumentou em 3 a 5 vezes a sensibilidade para a obtenção de fluxos, porém também apresenta limitações. De maneira geral, a atenuação sofrida pelo feixe ultrassonoro a medida que penetra no corpo humano pode, por si só, justificar em parte algumas limitações. Estruturas pequenas, fluxos profundos ou lentos acabam sendo analisados de maneira inadequada. O surgimento de meios de contraste ultra-sonográficos por microbolhas representou um grande avanço nos métodos de diagnóstico por ultra-som 11,13 . Essas microbolhas, injetadas em veia periférica, capazes de atravessar a barreira pulmonar e atingir a circulação arterial sistêmica, possuem reologia semelhante às hemácias e são distribuídas em todos os órgãos, inclusive na microcirculação. Por serem altamente refletoras do ultra-som, estudos prévios demonstraram que o uso desses agentes de contraste é capaz de aumentar, em muito, o sinal Doppler melhorando a sensibilidade do método na detecção de fluxos 8. O surgimento da imagem harmônica contribuiu para a melhor visibilização das microbolhas na grande circulação e cavidades cardíacas, além de reduzir a destruição das mesmas pelo ultra-som 11. A maior persistência da bolha na circulação também pode ser obtida pelo uso de pulsos intermitentes de ultra-som (imagem intermitente), sincronizados com o Ano XV • nº 1 • Janeiro/Fevereiro/Março de 2002

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eletrocardiograma (um pulso a cada um ou mais complexos QRS) 11. A associação da imagem harmônica (melhor detecção das bolhas) com a intermitência (menor destruição com conseqüente aumento de sua concentração na microcirculação) se mostrou adequada na análise da perfusão 14 que pode ser traduzida pelo aumento do brilho no parênquima dos órgãos. O diagnóstico de alteração da perfusão tecidual é baseado na observação de áreas com redução ou ausência de opacificação. Esses achados tem sido bem demonstrados na análise da perfusão miocárdica 15. Vários estudos experimentais tem relatado a possibilidade de estudar a perfusão renal pelo ultra-som com contraste por microbolhas 9. Essa técnica facilitaria a diferenciação entre as áreas normo e hipo perfundidas, otimizando a avaliação de alterações regionais de fluxo 10. O uso da imagem em power harmonic tem sido apontado como a melhor modalidade de imagem para esse tipo de estudo. Em nosso estudo, a seleção de pacientes se baseou na ausência de história, sinais e sintomas de doença renal, assim como de causas sistêmicas e vasculares de alteração da perfusão renal. A uréia, creatinina e o ultra-som renal convencional, realizado sistematicamente em todos os pacientes, também estavam normais. O uso do contraste com a imagem contínua permitiu avaliar melhor a porção proximal da artéria renal, que estava normal em todos os casos, o que excluiu, assim, a eventual existência de anomalias vasculares desconhecidas previamente.

A opacificação completa do córtex renal foi possível em todos os casos, quando usada a imagem intermitente (um pulso a cada complexo QRS) atingindo o brilho máximo logo após o primeiro ciclo cardíaco. Essa opacificação foi homogênea na totalidade dos casos na opinião de ambos os observadores. Esse padrão é comparável aos achados experimentais de Taylor e cols 9 podendo ser considerado como padrão normal. O tempo total do exame não sofreu acréscimo substancial, o que possibilitaria seu emprego rotineiramente. O fato de nenhum de nossos pacientes ter apresentado complicações decorrentes do uso do contraste aponta para a segurança do método.

CONCLUSÃO O presente estudo demonstra que, nesse grupo de indivíduos normais, o padrão perfusional foi de opacificação completa do córtex renal de maneira homogênea, não havendo acréscimo significativo do tempo de estudo e que o PESDA pode ser utilizado com segurança. O método tem grande potencial para a aplicação clínica por poder ser realizado à beira do leito, inclusive de maneira seriada, sem o uso de substâncias radioativas e pela obtenção imediata do resultado. No entanto, por ser uma técnica nova, outros estudos são necessários para determinação de padrões anormais de perfusão e suas sensibilidade e especificidade na detecção dessas anormalidades.

CONTRAST ULTRASOUND IN THE EVALUATION OF RENAL PERFUSION IN NORMAL PATIENTS. Descriptors: Ultrassonography, Contrast, Renal perfusion Summary: Contrast ultrassonography was performed in 31 normal male volunteers (mean age of 26 + 3 years-old) with no history of previous disease and normal creatinine clearance. Doppler ultrasound study before contrast infusion was normal in all subjects. Peripheral continuous infusion of the contrast agent (PESDA) using harmonic intermittent imaging was done to obtain renal perfusion images. An evident and homogeneous contrast enhancement of the whole cortex was considered the normal perfusion pattern and was obtained in all volunteers. Conclusão: Contrast ultrassonography is a useful tool to evaluate renal perfusion with the advantages of doing bed-side examinations with immediate results.

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