‘’UM ANEL PARA A TODOS GOVERNAR’’: uma leitura do Direito a partir da representação do Poder na obra de Tolkien

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FACULDADE DE DIREITO SANTO AGOSTINHO – FADISA AMANDA MUNIZ OLIVEIRA

‘’UM ANEL PARA A TODOS GOVERNAR’’: uma leitura do Direito a partir da representação do Poder na obra de Tolkien

MONTES CLAROS/MG 2013

AMANDA MUNIZ OLIVEIRA

‘’UM ANEL PARA A TODOS GOVERNAR’’: uma leitura do Direito a partir da representação do Poder na obra de Tolkien Monografia apresentada à Faculdade de Direito Santo Agostinho – FADISA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Rodrigues.

MONTES CLAROS/MG 2013

Prof.

Rodrigo

Cavalheiro

FACULDADE DE DIREITO SANTO AGOSTINHO – FADISA

A Monografia “UM ANEL PARA A TODOS GOVERNAR”: uma leitura do Direito a partir da obra de Tolkien apresentada pela acadêmica Amanda Muniz Oliveira como exigência para obtenção do grau de Bacharel em Direito, foi julgada _____________por todos os membros da Banca Examinadora e ___________________em sua forma final, pela Coordenação de Monografia.

Montes Claros – MG, Abril de 2013

___________________________________________ Izabela Alves Drumond Fernandes Coordenadora de Trabalho de Curso

Banca Examinadora

_________________________________________________ Presidente: Professor Rodrigo Cavalheiro Rodrigues

__________________________________________________ Membro: Liz Helena Silveira do Amaral Rodrigues

______________________________________________ Membro: Wendell Lessa

Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam que o Direito é muito mais do que um emaranhado de leis.

Agradecimentos Este trabalho não foi realizado sozinho. São muitos os que direta ou indiretamente me auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa, seja em debates acadêmicos intermináveis ou em agradáveis noites regadas de cerveja e boa filosofia de boteco.

Agradeço a meu orientador, Prof. Rodrigo Cavalheiro Rodrigues, cujo entusiasmo em orientar tão peculiar tema transformou uma simples ideia em pesquisa acadêmica. Agradeço também à Prof.ª Liz Helena Rodrigues, pelas dicas e críticas construtivas ao que esteve a ponto de se tornar mais um tratado marxista do século XIX.

O meu obrigado também se dirige à Rodolpho Bastos, que dotado de paciência oriental me auxiliou na revisão final do texto, sempre de forma atenciosa e carinhosa.

Não posso me esquecer da minha querida Sociedade do Anel, meus amigos “M.O.N.S.T.R.O.S.”, responsáveis em grande parte pelas ideias que permeiam esta pesquisa. Nada disso teria sido possível sem os trabalhos prévios dos sábios magos Leandro e Igor e dos debates travadoS por Ricardo, teimoso como um anão. Agradeço em especial ao meu querido amigo hobbit, Guilherme Monção, cujo bom humor sempre iluminou meus dias, aliviando tensões e renovando esperanças.

Agradeço à Bruno pelos debates jurídicos e não jurídicos; aos meus pais e a Andressa pelo entusiasmo compartilhado. Agradeço também a todos aqueles que demonstraram algum interesse neste trabalho, estranho em meio ao rigor tecnicista das análises de códigos e processos, tão recorrentes no ambiente jurídico.

A todos vocês, o meu sincero obrigado.

Eu não acho que você percebe, eu não acho que qualquer um de nós percebe, a força, a força inspiradora que os grandes mitos e lendas possuem. [...] Eles são como um explosivo: pode ir cedendo calor de forma lenta para as mentes criativas, mas se de repente detonado, pode produzir uma explosão: sim, pode produzir uma grande perturbação no mundo real primário. (J. R. R. Tolkien)

RESUMO

Em tempos passados, o homem das leis também era considerado o homem das letras. Com o advento do chamado positivismo jurídico, as matérias estritamente legais são isoladas das demais áreas do conhecimento humano, inclusive da literatura. Todavia, com a superação da ideologia positivista, procura-se uma reaproximação do Direito para com as ciências humanas, inclusive a arte literária. Neste contexto, surge nos Estados Unidos o movimento Law and Literature, que defende a utilização da literatura como instrumento de estudo do jurista. Seguindo os fundamentos de tal proposta, procura-se nesta pesquisa estudar o Direito a partir de uma perspectiva literária, de livre interpretação. Para tanto, elegeu-se à obra de J. R .R. Tolkien, amplamente estudada na Europa e na América do Norte, no intuito de realizar analogias referentes ao poder estatal. Ocorre que a obra de Tolkien trata de forma peculiar a temática do Poder, explicitando seu lado negativo e explorando as consequencias de seu desmesurado. Procura-se relacionar o Direito com o Um Anel criado por Tolkien, responsável por fortalecer um poder repressivo, defensor de seus próprios interesses. Destarte, objetiva-se demonstrar que a literatura é uma ferramenta a ser utilizada pelos estudiosos do Direito, vez que livre do rigor técnico de análises puramente normativas, o jurista possui melhores condições de refletir criticamente sobre o mundo que o cerca. Palavras-Chave: Direito, Literatura, Poder, Tolkien.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ...................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 - DIÁLOGOS ENTRE DIREITO E LITERATURA ................................... 11 1.1 O Direito e a Literatura .................................................................................................... 11 1.2 O Direito nas obras literárias ........................................................................................... 14 1.3 As estórias de fadas ......................................................................................................... 17

CAPÍTULO 2 - O PODER E A OBRA DE TOLKIEN ........................................................ 22 2.1 Breves considerações sobre o poder ................................................................................ 22 2.2 As origens do Anel .......................................................................................................... 24 2.3 O Senhor dos Anéis ......................................................................................................... 29

CAPÍTULO 3 - UM ANEL PARA TODOS GOVERNAR: UMA LEITURA DO DIREITO A PARTIR DA REPRESENTAÇÃO DO PODER NA OBRA DE TOLKIEN ................... 32 3.1 O Estado Sauron e o Anel Direito ................................................................................... 32 3.2 Conhecimento, Liderança e Ordem: O Direito de muitas cores ..................................... 37 3.3 O Direito nas Fendas da Perdição .................................................................................... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 52

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Introdução

Estudos interdisciplinares sobre Direito e Literatura não eram raros em tempos antigos. Todavia, com o advento do Positivismo Jurídico, que buscou o isolamento do Direito das demais ciências humanas e sociais, este contato foi perdido e pouco estudado. No século XX, nos Estados Unidos, um movimento composto por diversos juristas passa a defender o resgate dos estudos interdisciplinares entre Direito e Literatura, defendendo diversas formas de explorar em conjunto estes ramos do conhecimento. Uma vertente em especial merece atenção: trata-se dos estudos do Direito na Literatura, que propõe uma análise das relações jurídicas a partir de obras literárias fictícias, que, de alguma forma, relatem temas referentes ao cotidiano dos juristas. Todavia, nada impede que obras de caráter fantasioso sejam utilizadas como instrumento de análise do Direito, vez que por mais fictícias e equidistantes que estas narrativas possam parecer, encerram em seus bojos muito dos valores, crenças e reproduções de conduta social que permeiam o mundo real. Nesta perspectiva, propõe-se um estudo das relações de poder instrumentalizadas pelo Direito a partir da obra de J. R. R. Tolkien, romance fantástico escrito no século XX. Tolkien escreve sobre o maligno Anel de Poder pertencente ao vilão Sauron, objeto capaz de controlar e subjugar todos os povos livres da Terra. Ocorre que Sauron, em uma antiga batalha contra humanos e elfos, perde seu poderoso Anel, sendo que este é posteriormente encontrado pelo hobbit Bilbo e repassado a seu sobrinho, Frodo. Nenhum dos personagens sabe sobre a verdadeira identidade do Anel, que é tomado como um objeto simples e comum, até que Gandalf, o mago cinzento, descobre toda a verdade. Uma vez revelada a identidade do Anel, os povos da Terra-Média ponderam o que fazer com tão poderoso instrumento, chegando a ser sugerido que o utilizem como arma contra Sauron, que está se reerguendo. Após inúmeros debates, fica decidido que o Anel deve ser destruído, levando os personagens a uma aventura pela Terra-Média. Ocorre que a luta pelo poder, representado pelo Um Anel, remete às fraquezas e virtudes concernentes ao ser humano. Faz-se necessário que os personagens resistam a sua ganância pessoal e evitem a utilização do poder em benefício próprio, tudo por um bem maior. Assim, compreende-se o Um Anel como a corporificação de um poder pleno, capaz de ditar ordens e de legitimar ações. Neste sentido, pretende-se buscar uma correlação entre o Anel criado por Tolkien e o Direito, vez que este é responsável por legitimar o poder oriundo do Estado. Em um

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Estado Democrático de Direito, as leis são responsáveis pela legitimação do poder estatal; porém, tais leis não raras vezes permitem que atitudes contrárias ao bem comum do povo – objetivo precípuo da entidade estatal – sejam efetivadas. Assim, através de uma análise literária, busca-se demonstrar o caráter dúplice do Direito, que embora possua como teleologia a paz social, permite, por vezes, a preponderância de certos interesses alheios sobre o interesse da coletividade.

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CAPÍTULO 1

Diálogos entre Direito e Literatura

Afinal, o Direito e a poesia se levantaram juntos de um mesmo leito. (Jacob Grimm – Da poesia no Direito)

1.1 O Direito e a Literatura

A relação entre Direito e Literatura foi tema constante na tradição do ocidente em tempos passados, vez que o homem das leis também era o homem das letras. A busca por um Direito mais racional, burocrático e positivista é apontada como causa da cisão entre estas áreas do conhecimento humano, pois, de acordo com Godoy (s.d.), a Literatura foi transferida ao estético puramente artístico, enquanto o Direito foi reservado ao formalismo técnico. O processo de industrialização e urbanização originou, no âmbito científico, uma lógica formalista que, segundo Wolkmer (1994, p.59), foi “pautada na materialidade, na ordem, na segurança e no progresso”. De acordo com Siqueira (2011), percebe-se um nítido propósito positivista de consolidação social e política de uma burguesia em ascensão. Tal positivismo converte-se em um sistema de valores que, utilizando-se do apelo ao técnico e ao racional, procura ocultar a subjetividade do indivíduo, bem como acalmar os apelos sociais. O positivismo no âmbito das ciências jurídicas, para Siqueira (2011), foi responsável pelo rígido formalismo legalista, capaz de ocultar quaisquer resquícios de manifestações econômicas, políticas e sociais presentes no ordenamento jurídico. Desta forma, consolidaram-se valores dogmáticos e estáticos, estagnados no tempo, dito como objetivos e impessoais. Para Siqueira (2011, p. 32), os reflexos do positivismo foram amplamente refletidos por Kelsen, que

defende que a ciência produz seu objeto ao enxergá-lo como uma totalidade significativa, racional e livre de influências empíricas. Ao afirmar que juízos valorativos não são próprios da ciência, consagra a teoria do direito num caráter eminentemente formal capaz de agregar tudo o que o direito possui de universal e tornando-o legítimo em qualquer contexto ou ordenamento.

Ocorre que o chamado Positivismo Jurídico procurou esvair do Direito as matérias que não fossem estritamente jurídicas. Para Kelsen (1999), principal expoente do Positivismo

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Jurídico, se fazia necessário retirar da órbita jurídica quaisquer conceitos sociológicos, antropológicos e filosóficos, para que o direito se tornasse uma ciência pura. Tal fato acabou por legitimar verdadeiras atrocidades, vez que por mais esdrúxulas que as normas positivas se apresentassem, possuíam validade, devendo ser, portando, cumpridas. O movimento pós-positivista contrapôs estas hipóteses, partindo do pressuposto de que, se uma norma fosse destituída de princípios valorativos (e portando de matérias pertinentes às ciências sociais e filosóficas), poderia ser considerada injusta, não devendo, portanto, ser aplicada. Com efeito, Hesse (1991, p. 26) acredita que a ciência jurídica

não é mera ciência normativa, tal como imaginado pelo positivismo formalista. (…) [É] condicionada tanto pela grande dependência que o seu objeto apresenta em relação à realidade político-social, quanto pela falta de uma garantia externa para a observância das normas constitucionais. Em verdade, esse fato mostra-se mais evidente na Ciência do Direito Constitucional do que em outras disciplinas jurídicas. A íntima conexão, na Constituição, entre a normatividade e a vinculação do Direito com a realidade obriga que, se não quiser faltar com o seu objeto, o Direito Constitucional se conscientize deste condicionamento da normatividade. Para que as suas proposições tenham consistência em face da realidade, ele não deve contentar-se com uma complementação superficial do “pensamento jurídico rigoroso” através da adoção de uma perspectiva histórica, social, econômica ou de outra índole. Devem ser examinados todos os elementos necessários atinentes às situações e forças, cuja atuação afigura-se determinante no funcionamento da vida do Estado. Por isso, o Direito Constitucional depende das ciências da realidade mais próximas, como a História, a Sociologia e a Economia.

Destarte, infere-se que não apenas para o âmbito do Direito Constitucional, mas para todos os demais ramos das ciências jurídicas o auxílio de disciplinas diversas é crucial. Todavia, a literatura em especial ainda se mantém afastada, quase não recebendo a devida atenção dos operadores do Direito. Para Siqueira (2011, p.32), esta suposta separação entre juízos valorativos e ciência jurídica contradiz a própria natureza cultural da linguagem, que faz de cada norma um tipo de narrativa, por si mesma indissociável de valores e julgamentos. A aproximação do direito à literatura explicita essa natureza comum das assertivas jurídicas ao colocá-las em paralelo com as demais produções escritas de uma sociedade através do estudo de sua estrutura e da interpretação comum.

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Destarte, interpretar a linguagem como fonte do direito e da literatura é uma forma de demonstrar a falha da separação entre ciência jurídica e juízos de valor, proposta pelo positivismo. Para Siqueira (2011, p. 35)

A valoração intrínseca a qualquer construção linguística, imbuídas de significações e carga descritiva, leva à inevitável constatação de que o direito é, essencialmente, interpretação. A análise do direito a partir dessa perspectiva resgata-o de seu isolamento frente a outros campos de conhecimento e o coloca numa perspectiva de contínua narratividade, determinada pela transição jurídica e social de suas significações.

A aproximação entre o estudo do direito e da literatura ganha importância a partir da década de 60, nos Estados Unidos, com o surgimento de um movimento conhecido como Law and Literature, que defendia a utilização da literatura como ferramenta analítica do Direito. Segundo Siqueira (2011, p. 36)

Essa proposta surgiu como uma das várias tendências antipositivistas do mais amplo movimento “direito e sociedade”, atuando na formação do profissional do direito de forma a resgatar aspectos humanísticos de que as carreiras jurídicas se afastaram. A centralização do direito no positivismo kelseniano levou à redução gramatical de seus enunciados e à análise estritamente sintática e semântica de suas normas, tornando-o incapaz de atender as demandas sociais postas ao direito.

Tal movimento ganhou notória repercussão após a publicação do livro The legal imagination, de James Boyd White. Segundo Siqueira (2011), White acreditava que os tanto os textos jurídicos quanto os literários eram fundamentados pelas identidades de seus personagens e pelos significados de seus conceitos. Desta forma, a literatura possibilitava ao jurista uma nova abordagem da ordem legal estabelecida, bem como uma nova visão a respeito do ordenamento jurídico vigente. Para Siqueira (2011, p. 39), a “arte literária torna-se mais filosófica do que a própria história na medida em que descreve inúmeras alternativas disponíveis para o homem”. Aristóteles (1996) já afirmava esta ideia. Na sua obra A Poética, o referido filósofo defende que a diferença entre um historiador e um poeta está no fato de que o primeiro conta fatos reais ocorridos, e o último, fatos que poderiam vir a ocorrer. Devido a este caráter geral e hipotético, Aristóteles (1996, p. 39) defende que a poesia contém mais filosofia do que a própria história.

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Não é em metrificar ou não que diferem o historiador e o poeta; a obra de Heródoto podia ser metrificada; não seria menos uma história com o metro do que sem ele; a diferença está em que um narra acontecimentos e o outro, fatos quais podiam acontecer. Por isso, a Poesia encerra mais filosofia e elevação do que a História; aquela enuncia verdades gerais; esta relata fatos particulares. Enunciar verdades gerais é dizer que espécies de coisas um indivíduo de natureza tal vem a dizer ou fazer verossímil ou necessariamente; a isso visa a Poesia, ainda quando nomeia personagens. Relatar fatos particulares é contar o que Alcibíades fez ou o que fizeram a ele.

Neste mesmo diapasão, Amado (2003, p.366), afirma que:

É nas humanidades, e particularmente na literatura, onde podemos recuperar uma perspectiva integral do ser humano, de sua natureza, suas necessidades, seus desejos, seus medos, etc., e a partir desta perspectiva podemos dar valor assim como criticar as insuficiências e os defeitos do direito e seu ponto de vista míope e cúmplice das opressões sociais mais diversas1.

Ost (2005), por sua vez, defende a literatura como liberadora dos possíveis caminhos disponíveis ao indivíduo frente à realidade codificada do direito. Embora o direito e a literatura descrevam as relações humanas, a literatura o faz livre das amarras impostas pelo tecnicismo formal arraigado no direito. A liberdade formal e material de que goza a arte literária pode ser utilizada como força renovadora do direito. Tal renovação ocorre com o choque entre a narrativa jurídica e a narrativa literária, que possibilita uma discussão acerca das questões fundamentais do direito, como a ordem social, as leis e o poder. Segundo Siqueira (2011), diversos foram os estudos acerca da interseção entre Direito e Literatura: o direito como literatura, a literatura como instrumento de mudança do direito, hermenêutica, direito da literatura, direito e narrativa, apenas para citar alguns. Dentre eles, um estudo em particular merece atenção: o direito na literatura. Sobre esta ótica, indaga-se o jurista: de que forma é possível empreender uma análise jurídica em textos literários?

1.2. O Direito nas Obras Literárias

O direito na literatura investiga as questões jurídicas que permeiam as narrativas literárias. Segundo Gonzáles, (apud SIQUEIRA, 2011) esta abordagem possui um caráter 1

Traduziu-se do original: “Es em las humanidades, y muy particular em La Literatura, donde podemos recuperar uma perspectiva integral Del ser humano, de su naturaleza, sus necesidades, sua apetências, sus miedos, etc., y desde esa perspectiva podemos valorar y criticar lãs insuficiências y defectos Del derecho y de Du punto de vista míope y cómplice de las opreciones sociales más diversas.”

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instrumental, vez que trata o direito enquanto recurso literário e a literatura, por sua vez, como recurso de compreensão do direito. A leitura crítica de obras literárias auxilia na formação sociológica e filosófica do jurista, revelando uma verdadeira função pedagógica, fruto da interseção entre as duas disciplinas. De acordo com Aguiar e Silva (apud SIQUEIRA, 2011), o estudo da literatura torna o jurista mais apto a lidar com sua própria realidade, vez que instiga um senso de alteridade e sensibilidade, e porque não, o despertar de uma visão crítica acerca do mundo que o cerca. As obras literárias estão carregadas de valores, significados e sentidos, sendo diretamente influenciadas pelo contexto histórico-social em que foram escritas. As relações sociais são abarcadas pela literatura e ali retratadas, transmitindo emoções, sentimentos, críticas e mesmo reflexões sobre temas diversos. Sendo o Direito um fenômeno essencialmente social, é inquestionável a possibilidade de encontrar em textos fictícios a interpretação do autor sobre os fenômenos jurídicos ocorridos ao seu redor, seja de forma mais direta e clara, como em O Processo, de Kafka, seja de uma forma mais velada, como em 1984 de George Orwell. Fruto da ação humana, a atividade literária encerra em si ideias e significados passíveis das mais diversas interpretações que terão um impacto sobre a realidade e, independentemente de sua magnitude, poderão ser abordadas pelo Direito. Neste diapasão, compreende-se a obra literária como verdadeira testemunha da realidade social na qual está inserida a realidade jurídica. Os mais diversificados gêneros literários atentam-se a demonstrar um retrato social pautado no particular e no específico, permitindo uma abordagem não normativa do direito. De acordo com Siqueira (p.49, 2011):

A característica de denúncia da literatura tem poder de atuar, portanto, como força recriadora de mudanças sociais e jurídicas, sendo capaz de contribuir diretamente à formulação e à elucidação das principais questões relativas à justiça, à lei e ao poder.

Ademais, ao analisar o direito na literatura, o leitor da obra fictícia é transportado a uma situação completamente distinta da sua própria, o que permite o entendimento das relações sociais e jurídicas a partir da ótica de um terceiro, autor e/ou personagem. Assim, segundo Siqueira (2011), obtêm-se uma troca de visões acerca do mundo jurídico em diversas épocas e contextos sociais. De acordo com Godoy (s.d.), os estudos de direito na literatura foram iniciados pelo professor norte-americano John Henry Wigmore, que, dentre outros livros sobre o tema,

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escreveu A List of One Hundred Legal Novels, obra que propõe a leitura de uma centena de romances úteis à ciência jurídica. Segundo Godoy (s.d.), Wigmore acredita que o operador do direito busca a literatura como forma de aprender sobre o mundo jurídico. Para tanto, as obras indicadas, além de selecionadas com rigor, deveriam ser lidas por juristas e não por leigos. Certos autores, como Dickens e Conan Doyle, deveriam ser leitura obrigatória para os estudantes de Direito, vez que para Wigmore (apud GODOY, p.10, s.d.) “uma coisa é saber que a prisão por dívidas foi abolida; e algo totalmente diferente é conhecer os livros de Dickens, que colaboram para um Direito mais humano.” Ocorre que, ainda segundo Wigmore (apud GODOY, p.10, s.d), a literatura apresenta ao jurista uma vasta gama de atores sociais, de diferentes etnias, credos e classes sócioeconômicas, em diferentes contextos e situações. Desta forma, infere-se que os problemas enfrentados pelos personagens literários são questões pertinentes ao ser humano, que interessam e preocupam os operadores do direito. Importante ressaltar, todavia, que o potencial pedagógico não encontra termo na simples instrumentalidade das narrativas literárias para o direito. A simples apresentação de uma narrativa em nada contribui para o estudo do direito. Faz-se necessário mais. Para Siqueira (2011, p. 108), é de suma importância um estudo crítico e uma construção de significados que permeiam as obras literárias a serem analisadas, no intuito de aproveitá-la ao máximo:

A análise das obras literárias, portanto, pode representar uma rica possibilidade de discussões de entendimentos jurídicos, ainda que dependa da disponibilidade reflexiva de seu leitor. O cuidado que se deve ter é não restringir-se a uma leitura superficial e ilustrativa, somente a título de exemplificação para o direito.

A reflexão proposta ao se estudar o direito na literatura permite um autoconhecimento por parte do leitor, que o instiga a pensar sobre a posição e o sentimento por ele tomados na obra apresentada, o que possibilita toda uma revisão de seus próprios valores e posicionamentos. Todavia, para que tal fato ocorra, a obra literária não deve ser estudada como mera ilustração de questões jurídicas. Aguiar e Silva (apud SIQUEIRA, 2011) afirmam que tal estudo é capaz de contribuir para um aprimoramento da capacidade de atuar em sociedade de maneira desvinculada e reflexiva, no intuito de questionar os dogmas fortemente absorvidos pelos leitores. Isto ocorre devido ao fato de que a literatura favorece o pensamento de que o mundo

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pode ser imaginado de forma diversa, permitindo o reconhecimento do caráter artificial das construções sociais, tais quais o universo jurídico-político. Siqueira (2011, p. 109) aduz que esta reflexão crítica libertária por parte do leitor

Dá-se visando superar a relação de distância e de dominação existente no conhecimento, como ressalta Michel Foucault. O agente do direito deve buscar adequar-se ao objeto de modo a assimilar as questões de luta e poder que o envolvem. A literatura pode atuar nesse propósito ao horizontalizar os campos de conhecimento, assim como a relação entre seus personagens, libertando o agente do direito de suas amarras hierárquicas e ideológicas.

Feitas estas considerações acerca do modo de leitura das obras literárias, tem-se como importante mencionar de que forma tais obras devem ser selecionadas. Wigmore, como já citado, fez uma lista de romances a serem estudados pelos juristas. Segundo Siqueira (2011), ele os distingui da seguinte forma: a) Romances com cenas de julgamento ou interrogatórios; b) Romances que descrevem atividades típicas dos operadores do direito; c) Romances que descrevem métodos de processamento e punição dos crimes; d) Romances que afetam direitos ou tenham algum assunto jurídico marcado na conduta de seus personagens. Siqueira (2011) afirma que Wigmore preferia os clássicos como Charles Dickens, Arthur Conan Doyle e Mark Twain. Sem sombra de dúvida, as obras clássicas gozam da vantagem de serem atemporais, podendo ser estudadas por indivíduos de diferentes épocas, culturas e contextos sociais. Todavia, nada impede que obras regionais e específicas sejam objeto de análise do jurista. Para Siqueira (2011, p. 113) “importa que o livro desperte a capacidade interpretativa de seu leitor, instigue suas experiências reflexivas e que o incite interpelar diferentes narrativas da forma mais hábil possível.” Assim, ao discutir quais livros deveriam ser objetos de estudo de direito na literatura, Siqueira, Zambonato e Caume (2009, p. 155) oferecem a seguinte resposta: “aqueles que despertarem a leitura responsável do seu leitor.” Neste diapasão, indaga-se: é possível depreender uma análise de direito na literatura em obras de literatura fantástica?

1.3 As estórias de fadas

Em 1939, na Universidade de St. Andrews, Escócia, o professor Tolkien, proferiu uma palestra sobre a importância dos contos fantásticos na modernidade. Esta palestra foi

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posteriormente publicada como ensaio filosófico na coletânea de textos Tree and Leaf, sob o título On fairy-stories2. Segundo Lopes (2006, p. 35) trata-se de um texto “programático”. Nele, Tolkien disserta sobre os valores e possibilidades vislumbrados nas estórias3 de fadas, bem como os papéis destas narrativas na sociedade. Importante ressaltar que, enquanto obras literárias que são, as estórias de fadas também podem contribuir ao estudo do Direito, se analisadas através da perspectiva adequada. Segundo Lopes (2006, p. 51) Tolkien se limita a caracterizar o gênero estórias de fada como sendo uma história “que toca ou usa Feéria4, qualquer que seu próprio propósito central possa ser: sátira, aventura, moralidade, fantasia” acompanhados de um final surpreendentemente feliz, que o autor denominou de “eucatástrofe”. Percebe-se uma clara tentativa realizada por Tolkien no sentido de corrigir a ideia que o imaginário popular detém acerca das estórias de fadas. Exemplo deste imaginário equivocado é a representação de elfos e fadas como criaturas diminutas, habitantes de um reino mágico, associados às superstições. Segundo Colbert (2002) as fadas e os elfos eram originariamente representados em mitologias diversas como seres altos, belos e imponentes, detentores de grande sabedoria – uma raça intermediária entre a humanidade e as divindades nórdicas. Todavia, com o advento do cristianismo, essas criaturas perderam sua importância, passando a serem associados com temáticas infantis. Para Tolkien (2006, p.179), o maior culpado desta distorção, fora Shakespeare:

Além disso, agora lamento profundamente ter usado Elfos, embora esta seja uma palavra em ancestralidade e significado original suficientemente adequada. Porém, a desastrosa depreciação dessa palavra, na qual Shakespeare desempenhou um papel imperdoável, realmente a sobrecarregou com tons lamentáveis, que são muitos para se superar.

De acordo com Lopes (2006, p. 35) Tolkien afirma que as estórias de fadas foram excessivamente utilizadas como fonte de informação histórica, o que teria prejudicado a percepção destas como simples contos, frutos “de um impulso humano primordial: o impulso por criar Mundos Secundários, para lidar com a Fantasia.”

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Este ensaio filosófico foi publicado em português pela editora Conrad, no ano de 2010. Todavia, também foi realizada uma tradução deste texto por Reinaldo José Lopes, em 2006, na sua dissertação de Mestrado em Estudos Linguísticos e Literários, sob o título A árvore das estórias, no ano de 2006. 3 Para efeitos deste trabalho, utiliza-se o termo “estórias”, de acordo com a tradução do texto “On fairy-stories” realizada pelo Mestre em Estudos Linguísticos e Literários, Reinaldo José Lopes. 4 Palavra adotada na tradução de Reinaldo José Lopes, em observância ao termo utilizado no original em inglês, Faerie. Refere-se ao reino da fantasia.

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Desta forma, Tolkien (2006) aborda as consequências da sociedade industrial, consequências estas que lhe causam sérias preocupações. Para ele, que lutou na Primeira Guerra Mundial e viu seus filhos serem enviados para batalhar na Segunda, os avanços tecnológicos representavam uma séria ameaça: a escravização tecnológica do próprio homem. Segundo Lopes (2006, p.36), Tolkien acreditava que a fantasia e as estórias de fadas teriam por objetivo o auxílio de escapar desta cilada, pois “com elas, o homem deixa de ser escravo ou tirano da natureza para se tornar seu amante.” Tolkien (2010, p.65) defende que a recuperação é um importante papel desempenhado pelas estórias de fadas. Essa recuperação nada mais é do que a capacidade de refletir sobre o tradicional e trivial, seja para contemplá-lo, seja para criticá-lo, libertando o leitor do estado de inércia conformista imposto pela rotina . A recuperação (...) é uma re-tomada – retomada de uma visão clara. Não digo “ver as coisas como elas são” para não me envolver com os filósofos, embora eu pudesse arriscar dizer “ver as coisas como nós somos (ou fomos) destinados a vê-las” – como coisas separadas de nós mesmos. Precisamos, em todo o caso, limpar nossas janelas; de forma que as coisas vistas claramente possam ser libertadas do fosco borrão de banalidade ou de familiaridade - de possessividade.

Ocorre que a literatura, em especial as estórias de fadas, proporciona verdadeira libertação, causando no leitor, segundo Tolkien (2010, p.66) certa estranheza “de coisas que se tornaram banais, quando elas são vistas repentinamente de um novo ângulo.” Isto porque as estórias de fadas, como os demais gêneros literários, distanciam-se da rigidez técnicocientífica proporcionando uma maior liberdade, não apenas de interpretação como de reflexão propriamente dita. Neste sentido, resgatam-se as lições de Nietzsche (1999, p. 31) vez que o filósofo aborda o caráter escapista da arte. Para ele, os gregos precisavam crer nos mitos para tornar sua existência significativa e suportável, escapando da realidade e encontrando consolo na arte.

O consolo metafísico - em que nos deixa, como já indico aqui, toda verdadeira tragédia - de que a vida no fundo das coisas, a despeito de toda mudança dos fenômenos, é indestrutivelmente poderosa e alegre, esse consolo aparece com nitidez corporal como coro de sátiros, como coro de seres naturais que vivem inextinguivelmente como que por trás de toda a civilização e que, a despeito da mudança das gerações e da história dos povos, permanecem eternamente os mesmos. Com esse coro consola-se o heleno profundo, e apto unicamente ao mais brando e ao mais pesado sofrimento, que penetrou com olhar afiado até o fundo da terrível tendência

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ao aniquilamento que move a assim chamada história universal, assim como viu o horror da natureza, e está em perigo de aspirar por uma negação budista da existência. Salva-o a arte, e pela arte salva-o para si ... a vida.

Nietzsche (1999, p. 49) defende a necessidade da arte para sobreviver em sociedade, vez que para o filósofo, o mundo seria permeado de falsidade. Desta forma, o homem necessita da arte para sobreviver e para fugir desta realidade.

Precisamos da mentira para triunfar sobre essa realidade, essa "verdade”, isto é, para viver ... Se a mentira é necessária para viver, até isso faz parte desse caráter terrível e problemático da existência. A metafísica, a moral, a religião, a ciência - são tomadas em consideração nesse livro apenas como diferentes formas da mentira: com seu auxí1io acredita-se na vida. "A Vida deve infundir confiança”: o problema, assim colocado, é descomunal. Para resolvê-lo, o homem tem de ser mentiroso já por natureza, precisa, mais do que qualquer outra coisa, ser artista. E ele o é: metafísica, religião, moral, ciência - tudo isso são rebentos de sua vontade de arte, de mentira, de fuga da "verdade”.

O filósofo confere à arte um papel central na existência humana, vez que possibilita ao homem enfrentar sua dura realidade. Para Nietzsche (1999, p.50) a arte possui um papel cognitivo, ativo e redentor, que permite reflexão, ação e alívio:

A arte e nada mais que a arte! Ela é a grande possibilitadora da vida, a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida. A arte como única força superior contraposta a toda vontade de negação da vida, como o anticristão, antibudista, antiniilista par excellence. A arte como a redenção do que conhece - daquele que vê o caráter terrível e problemático da existência, que quer vê-lo, do conhecedor trágico. A arte como a redenção do que age - daquele que não somente vê o caráter terrível e problemático da existência, mas o vive, quer vivê-lo, do guerreiro trágico, do herói. A arte como a redenção do que sofre - como via de acesso a estados onde o sofrimento é querido, transfigurado, divinizado, onde o sofrimento é uma forma de grande delícia.

Nietzsche (1999, p.50) afirma que “a arte tem mais valor do que a verdade.” Em que pese os argumentos do referido filósofo, é importante ressaltar que para Tolkien (2010, p.62) o afastamento do racional através da arte não importa em alienação da realidade. Antes o contrário.

A Fantasia é uma atividade natural humana. Certamente não destrói ou mesmo insulta a Razão; e não cega o apetite pela verdade científica, nem obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara a razão, melhor fantasia fará.

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Vislumbra-se aqui o mesmo caráter pedagógico da analise do Direito na Literatura defendido por Wigmore. Todavia, ao tratar de temas como elfos, dragões e fadas, o leitor é transportado a um Universo completamente diferenciado do seu próprio, habitado por povos distintos, com costumes e tradições distintos, mas ainda assim similares. Os anseios, os sentimentos, as tramas experimentados pelos personagens são os mesmos que perseguem o ser humano comum. As estórias de fadas possuem heróis, vilões, donzelas e príncipes, que agem e se orientam sob a mesma perspectiva moral que permeia o mundo real. A ambição é castigada; o bom e o justo são recompensados; os tiranos são destronados. Além disso, o caráter fantástico e mirabolante das estórias de fadas pode proporcionar uma releitura crítica, se trazida ao mundo real. Alguns fatos que ocorrem no cotidiano, especialmente no cotidiano do jurista, nem sempre deveriam ser encarados como normais e aceitáveis. Neste diapasão, Tolkien (apud LOPES 2006, p. 115) acredita que as estórias de fadas podem proporcionar essa visão mais aguçada e detalhista da realidade.

Deveríamos olhar o verde outra vez, e ser assombrados de novo (mas não cegados) pelo azul e amarelo e vermelho. Deveríamos encontrar o centauro e o dragão, e então talvez subitamente contemplar, como os antigos pastores, ovelhas, e cães, e cavalos – e lobos. Essa recuperação as estórias de fadas nos ajudam a fazer.

Desta forma, importante tratar as estórias de fadas como gênero literário a ser estudado pelo jurista, afim de que este, ao vislumbrar as maravilhas e ameaças de terras fantásticas longínquas, saiba perceber os mesmos problemas e virtudes presentes no ambiente jurídico. A literatura é, portanto, um instrumento de compreensão dos fenômenos sociais relevantes ao direito, capaz de auxiliar na interpretação das relações jurídicas e mesmo dos mecanismos jurídicos utilizados por advogados, promotores, procuradores e magistrados. Desta forma, será realizada uma análise das relações de poder instrumentalizadas pelo Direito, a partir da obra de Tolkien. Pretende-se identificar na referida obra a temática do poder, a partir da conduta, ação e fala dos diferentes personagens fantásticos que compõe a narrativa. Procurar-se-á identificar no discurso e nos símbolos utilizados por Tolkien questões pertinentes ao estudo do poder estatal, de sua base e institucionalização, bem como de sua legitimidade concedida pelo Direito.

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CAPÍTULO 2 O Poder e a obra de Tolkien Pois “poder” é uma palavra agourenta e sinistra em todos esses contos. (Tolkien – As Cartas de J.R.R. Tolkien) 2.1 Breves Considerações sobre o Poder Neste segundo capítulo, abordar-se-á a relação entre o poder e a obra literária de J.R.R. Tolkien. Apesar de não admitir que sua obra possuísse um caráter alegórico, Tolkien afirmou que a realidade exerceu sim certa influência sobre seus escritos, não sendo, todavia, seu foco central. Ocorre que há muito para desvelar em seus escritos, vez que a percepção do autor é singular no que diz respeito à temática do poder. Antes de iniciar a abordagem proposta, todavia, faz-se necessário breves considerações acerca do poder. Para efeitos deste trabalho, será utilizada como foco a temática do poder estatal, que emana de um ente soberano, submetendo os indivíduos à suas vontades e legitimado pelo Direito. Nas lições de Ciência Política referentes ao surgimento do Estado Moderno, Dallari (2010, p.119) afirma que este poder pode ser conceituado como uma “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Para se perpetuar, o ente estatal não pode utilizar-se única e exclusivamente da força bruta. Rousseau (2011, p. 19) afirma que “Nunca o mais forte o é tanto para ser sempre senhor, se não converte a força em direito, e em dever a obediência”. Ocorre que, para o referido autor, se o poder fosse fundamentado única e exclusivamente sobre a força bruta, haveria caos. Rousseau (2011, p. 20), explica: Pois logo que a força faz o direito, com a causa muda o efeito, e toda a força que excede a primeira toma o lugar de direito dela. Logo que a salvo podes desobedecer, legitimamente o fazes, e, como tem sempre razão o mais forte, tratemos só de o ser. Qual é pois o direito que resta, quando cessa a força? Se por força cumpre a obedecer, desnecessário é o direito; e se não somos forçados a obedecer, que obrigação nos resta de o fazer? Logo, está claro que a palavra direito nada ajunta à força, e não tem aqui significação alguma. Obedece ao poder; se isto exprime cede à força, bom é o preceito, mas supérfluo, que ninguém o infrigirá.

Neste sentido, Weber (1982) defende que para a existência de um Estado faz-se necessária a submissão de seu povo ao poder estatal soberano. Todavia, para que os dominados obedeçam, é necessário que os detentores do poder possuam uma autoridade

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reconhecida como legítima. Rousseau (2011, p. 20) aduz: “Se o homem não tem poder natural sobre os seus iguais, se a força não produz direito, restam-nos as convenções, que são o esteio de toda autoridade legítima entre os homens.” Weber (1982) acredita que o estado detém a chamada autoridade racional-legal, cujo fundamento é a dominação em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada, por sua vez, em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo se mantém segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de seus poderes são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria ordem. Verifica-se, pois, que o poder soberano necessita de legitimidade para se manter. Tal legitimidade é buscada no Direito, na positividade das normas aparentemente direcionadas e limitadas pelo bem comum do povo. As normas estatais impostas são aceitas com absoluta naturalidade, como se fossem verdades sempre existentes, o que oculta seu caráter impositivo e violento. Através delas, o poder estatal se mantém embasado tanto pelo Direito quanto pela ideologia. A ideologia, para Chauí (2004, p. 82), pode ser definida como: “processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam ideias de todas as classes sociais, se tornam ideias dominantes”. Assim é construído o consenso, responsável por naturalizar as contradições existentes na sociedade. As ideias das classes dominantes são geralmente aceitas com absoluta naturalidade, como se fossem verdades absolutas, o que oculta seu caráter impositivo e violento. A ideologia no Direito faz com que as normas pareçam legítimas, evitando a utilização da violência. Neste mesmo diapasão, Chauí (2004, p. 82-83), afirma que:

Através do Estado, a classe dominante monta um aparelho de coerção e de repressão social que lhe permite exercer o poder sobre toda a sociedade, fazendo-a submeter-se às regras políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o estabelecimento de leis que regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como ‘Estado de direito’. O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom.

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Feitas estas considerações acerca do poder estatal, será abordado de que forma este poder aparece na obra de Tolkien, bem como de que maneira a realidade histórica por ele vivida, o influenciou. 2.2 As origens do Anel5

Inicialmente, importante ressaltar a importância dos estudos a respeito da obra de Tolkien na Europa e América do Norte. Para se ter uma noção, Carvalho (2007, p. 32-33) informa que:

Existem, na Europa, Canadá, Estados Unidos e muitos outros países, sociedades específicas para o estudo das obras e da vida de Tolkien. A primeira dessas sociedades é a Tolkien Society, fundada no ano de 1969, quando Tolkien ainda vivia. O grupo, formado por fãs de Tolkien e acadêmicos que se propuseram estudar o autor e suas obras, persiste até a atualidade e é o órgão que oficializa, no mundo inteiro, os estudos e outras sociedades que se dedicam a Tolkien, ou seja, os grupos associados a esta instituição formam, oficialmente, uma rede mundial de pesquisa sobre a vida e as obras do autor. A universidade de Oxford também possui uma sociedade de estudos da obra de Tolkien, a Taruithorn – The Oxford Tolkien Society que é igualmente filiada à Tolkien Society. Professor reconhecidamente importante e influente na produção literária inglesa, Tolkien é estudado até a atualidade como referencial literário e também na área de linguística, tendo em vista a criação das várias línguas da terraMédia. (...) Há muitos estudos monográficos e teses baseadas nas línguas que Tolkien criou, bem como no mundo fantástico da Terra-Média. A Tolkien Society mantém uma lista de teses, dissertações e artigos que têm como temática principal a vida e a obra de Tolkien e que são enviadas à sociedade para catalogação. Essa listagem apresenta vinte e oito teses e dissertações e quarenta e sete artigos. Tal número representa apenas os trabalhos que são enviados à Tolkien Society, ou seja, que ela tem conhecimento.

Destacada a importância do autor e sua obra, passa-se a um breve relato da biografia de Tolkien. Nascido em 1892 na África do Sul e criado na Inglaterra, para onde se mudou após a morte de seu pai, Tolkien acompanhou de perto os avanços da sociedade capitalista industrial. Amante da natureza, jamais viu com bons olhos a automação industrial e as maquinarias tecnológicas.

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Importante ressaltar que na obra de Tolkien, o Anel é apresentado como um verdadeiro personagem. Desta forma, quando nada se sabe a respeito de sua natureza, Tolkien o escreve com letras minúsculas, indicando que ele é visto como um objeto comum. Todavia, quando é descoberto tratar-se do Anel, a palavra passa a ser grafada com a primeira letra em maiúscula, indicando o seu papel relevante. Também é comum na obra a utilização de expressões como “o Um Anel”.

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Veterano da Primeira Guerra Mundial, Tolkien também viu seus filhos mais velhos servirem na Segunda Grande Guerra, fato que o marcou profundamente. A busca desenfreada pelo Poder, a destruição de parte da Europa e a tecnologia empregada a serviço da matança são temáticas que refletiram na criação do Senhor dos Anéis; segundo Colbert (2002), alguns chegaram a afirmar que o Um Anel de Poder seria a representação da própria Bomba Atômica. Ocorre que a obra aborda de forma muito pertinente sobre a questão do poder, tratando-o como algo capaz de corromper mesmo os corações sábios e virtuosos. Cronologicamente, a história do Senhor dos Anéis inicia-se em outro livro de Tolkien, O Silmarillion, seguido de O hobbit. Nas palavras de Tolkien (2009b, p.2), os hobbits

são (ou eram) um povo pequeno, com metade da nossa altura, e menores que os anões barbados. Os hobbits não possuem barba. Eles possuem pouco ou nenhum poder mágico, com exceção daquele tipo trivial de mágica que os ajuda a desaparecer silenciosa e rapidamente quando pessoas grandes e estúpidas como vocês e eu se aproximam de modo desajeitado, fazendo barulho tão alto quanto os elefantes, permitindo que eles nos ouçam a mais de uma milha de distância. Eles têm tendência a serem gordos no abdome; vestem-se com cores vivas (comumente verde e amarelo); não calçam sapatos porque seus pés já têm uma sola natural similar ao couro, e também pêlos espessos e castanhos parecidos com os cabelos da cabeça (que são enrolados); têm dedos morenos, longos e ágeis, rostos amigáveis, e dão gargalhadas profundas e deliciosas (especialmente depois de jantarem, o que fazem duas vezes por dia, quando podem).

Escrito como um conto infantil, O Hobbit trata da história do hobbit Bilbo Bolseiro, que na companhia do mago Gandalf e de treze anões, sai, contra a sua vontade, em busca de um tesouro perdido, enfrentando o dragão Smaug e deparando-se com diversas aventuras, encontrando pelo caminho a criatura Gollum e o seu anel. Inicialmente representado como um simples anel de invisibilidade, este objeto adquire grande importância na continuação da história, O Senhor dos Anéis, no qual se descobre sua verdadeira natureza. O livro fez tanto sucesso que seus leitores pediram por mais histórias sobre Hobbits. Porém, Tolkien não estava interessado. Seu objetivo original era escrever sobre uma mitologia complexa, que tecesse minúcias acerca da Terra-Média, mundo habitado por Bilbo e seus companheiros. Tolkien (2006) afirma que ansiava por publicar uma coletânea de textos que começaram a ser escritos nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial em 1917, textos estes que tratavam sobre temas tais quais a criação do mundo, das raças, dos locais, lendas e referências tratadas ao longo do Hobbit.

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Segundo o próprio Tolkien (2006, p. 140), sua intenção era criar uma mitologia para sua pátria, a Inglaterra, pois o autor acreditava que ela era extremamente pobre no que tange a mitos e lendas originais.

desde cedo eu era afligido pela pobreza de meu próprio amado país: ele não possuía histórias próprias (...), não da qualidade que eu buscava e encontrei (...) nas lendas de outras terras. Havia gregas, celtas e românicas, germânicas, escandinavas e finlandesas (que muito me influenciou), mas não inglesas, salvo materiais de livros de contos populares empobrecidos. É claro que havia e há todo o mundo arthuriano mas este, poderoso como o é, foi naturalizado imperfeitamente, associado com o solo britânico mas não com o inglês; e não substitui o que eu sentia estar faltando. (...) eu tinha em mente criar um corpo de lendas mais ou menos associadas, que abrangesse desde o amplo e cosmogônico até o nível do conto de fadas romântico (...), que eu poderia dedicar simplesmente à Inglaterra, ao meu país. Deveria possuir o tom e a qualidade que eu desejava, um tanto sereno e claro, com a fragrância de nosso “ar” (o clima e solo do noroeste, tendo em vista a GrãBretanha e as partes de cá da Europa: não a Itália ou o Egeu, muito menos o Oriente) e, embora possuísse (caso eu pudesse alcançá-la) a clara beleza elusiva que alguns chamaram de céltica (embora ela raramente seja encontrada em antigos materiais célticos genuínos), ele deveria ser “elevado”, purgado do grosseiro e adequado à mente mais adulta de uma terra já há muito saturada de poesia. Desenvolveria alguns dos grandes contos na sua plenitude e deixaria muitos apenas no projeto e esboçados. Os ciclos deveriam ligar-se a um todo majestoso e ainda assim deixar espaço para outras mentes e mãos, lidando com a tinta, música e drama.

Tolkien entregou seus escritos ao editor Stanley Unwin, que, mostrados a um dos leitores externos da firma, conquistou algum interesse. Todavia, os escritos não foram publicados durante a vida do autor, porque, segundo Lopes (2006, p.26) “os editores consideraram-nos desorganizados”. Após a sua morte, em 1973, esta coletânea de textos foi organizada por seu filho Christopher Tolkien e publicada sob o título O Silmarillion. Esta obra é dividida em cinco partes, que versam desde a criação do mundo ao fim da terceira era, o que corresponde ao final do Senhor dos Anéis. Nela, aprende-se mais sobre a história do vilão Sauron e sobre os anéis de poder. Conta-se que Sauron era um dos mais poderosos Maiar, espíritos angelicais criados pelo deus supremo Eru Ilúvatar, dotados de grandes poderes e responsáveis pelo auxílio na criação do mundo. No entanto, Sauron foi corrompido ao mal, sendo derrotado pelos Valar – classe superior de espíritos. Com a derrota, Sauron, inicialmente, mostrou-se arrependido. Todavia, seu orgulho falou mais alto e fugiu do julgamento e da sentença de servidão eterna aos Valar,

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refugiando-se na Terra-Média e lá permanecendo, oculto. Detentor de uma aparência nobre e bela tentou corromper os elfos, anões e homens a seus propósitos malignos. Os elfos, também chamados primogênitos, são os primeiros seres vivos criados por Ilúvatar. São criaturas altas, sábias e poderosas, frequentemente associados à natureza. Detentores de uma bela aparência, são seres imortais; o que, segundo Colbert (2002), descobrem ser algo enfadonho, pois todas as coisas que amam são vítimas do tempo, desvanecendo-se e sucumbindo ao passar dos séculos . Sauron astuciosamente se aproveita de tal fato. Adotando a alcunha de Annatar, senhor dos presentes, tornou-se amigo dos elfos, enganando-os e fazendo com que estes construíssem Anéis de Poder, objetos que segundo Tolkien (2009a, p.367) são responsáveis por aumentar os poderes de seus usuários e, não por acaso, por “afastar os estragos do tempo e adiar o cansaço do mundo”. Assim, diz Tolkien (2009, p. 366) que

Os elfos fizeram muitos anéis. Em segredo, porém, Sauron fez Um Anel para governar todos os outros; e o poder dos outros estava vinculado ao dele, de modo a submeter-se totalmente a ele e a durar somente enquanto ele durasse. E grande parte da força e da vontade de Sauron foi transmitida àquele Um Anel. Pois o poder dos anéis élficos era enorme, e aquele que deveria governá-los deveria ser objeto de potência extraordinária. E Sauron o forjou na Montanha de Fogo na Terra da Sombra. E, enquanto usava o Um Anel, ele conseguia perceber tudo o que era feito pelos anéis subalternos, e ler e controlar até mesmo os pensamentos daqueles que os usavam.

Deste modo, o Um Anel tinha o poder de escravizar quem quer que utilizasse qualquer um dos anéis de poder. Percebendo a traição de Sauron, os elfos recolheram seus anéis, com exceção de três anéis, mantidos por poderosos líderes elfos, jamais tocados pela mão do inimigo. Para Tolkien (2006), ao criarem os anéis de poder, os elfos estariam tentando obter o controle do mundo. Ávidos por compreenderem o funcionamento das coisas, no intuito de modificá-las a benefício próprio (por exemplo, retardando a ação do tempo para que eles usufruíssem melhor do que a Terra-Média tinha a oferecer), os elfos estavam sempre ao lado da ciência. Tolkien (2006) os compara aos cientistas do mundo real, que engajados em pesquisas sobre gases venenosos e explosivos (pesquisas estas não necessariamente malignas) auxiliam, de forma indireta, que malefícios sejam realizados.

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Outra raça habitante da Terra-Média é a dos anões. Estes foram criados por Aule, o Valar Ferreiro, que não suportou esperar o despertar dos elfos. Ilúvatar, embora furioso em um primeiro momento, permitiu que eles adquirissem vida e habitassem Arda. Os anões possuem baixa estatura, longas barbas, habitam cavernas e interiores de montanhas, sendo hábeis artesãos. Possuem uma natureza difícil, caracterizados como teimosos e inflexíveis, embora não sejam malignos. Sauron tentou corrompê-los, e deu aos líderes anões sete anéis. Devido à natureza bruta dos anões, estes não foram escravizados por Sauron; todavia, a sede de riquezas apoderou-se de seus corações, originando diversos malefícios aos povos da Terra-Média. Por fim, a última raça tentada por Sauron, foi a dos humanos. Aos líderes dos homens foram dados nove Anéis, com promessas de poder e dias gloriosos. Porém, tais promessas mostraram-se falsas. Segundo Tolkien (2009, p.368) Os que usaram os nove Anéis tornaram-se poderosos no seu tempo, reis, feiticeiros e guerreiros do passado remoto. Conquistaram glória e enorme fortuna, mas elas acabaram sendo sua desgraça. Ao que parecia eles tinham vida eterna, mas a vida se tornou insuportável para eles. Podiam caminhar, se quisessem, sem serem vistos por nenhum olhar neste mundo sob o sol; e podiam enxergar coisas em mundos invisíveis para os mortais. Mas com enorme freqüência viam apenas os espectros e as ilusões de Sauron. E um a um mais cedo ou mais tarde, de acordo com sua força inata e a bondade ou a maldade de suas vontades no início, eles caiam sob a escravidão do anel que portavam e sob o domínio do Um, que era o de Sauron E se tornavam invisíveis para sempre, menos para ele, que usava o Anel Governante e passavam para o reino das sombras. Os nazgûl eram eles, os Espectros do Anel os mais terríveis servos do Inimigo. A escuridão ia com eles, e seus gritos eram dados com a voz da morte.

Os homens de Tolkien são conhecidos como “o segundo povo”, ou “os sucessores”, por serem posteriores aos elfos. Possuem diversos defeitos e qualidades, fraquezas e forças, mas a mortalidade é sua principal característica. São invejados pelos elfos, pois o escape proporcionado pela morte soa como um tipo de libertação, ao passo que eles próprios invejam os elfos, por sua imortalidade. Por serem menos sábios que os elfos e mais suscetíveis à corrupção dos anéis de poder, são facilmente corrompidos por Sauron. Todavia, uma resistência se forma entre os humanos, no intuito de derrotar o Senhor do Escuro. Aliados aos elfos, os homens derrotam Sauron; todavia, não o matam. Ocorre que Isildur6, um poderoso líder humano, ao derrotar Sauron, se recusou a destruir o Um Anel e 6

Isildur é filho do rei Elendil, do reino de Gondor. São descentendes dos numenorianos, importantes homens do Oeste que outrora tiveram um reino belo e próspero, posteriormente arruinado. Maiores detalhes em O Silmarillion

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este era a fonte da força vital do vilão. Uma vez derrotado, Sauron fugiu e se ocultou do mundo, não sendo mais visto durante longas eras. Quanto ao Anel, este foi reivindicado por Isildur como espólio de Guerra. Ocorre que por trazer em si a essência maligna de Sauron, o Anel desperta desejo e ambição nos corações das criaturas, agindo como se tivesse vida própria, prometendo a quem quer que o possuísse, vida longa, poder e riquezas. Todavia, o objetivo do Anel era retornar à mão de seu mestre, razão pela qual sempre acabava por trair suas promessas e desgraçar a vida de seus portadores. Com Isildur não foi diferente; este encontrou um fim amargo e, desde então, ninguém soube o paradeiro do Anel – até a publicação do Senhor dos Anéis.

2.3 O Senhor dos Anéis

Composta por três volumes, a obra O Senhor dos Anéis narra acerca do destino do Anel. Segundo Coelho (s.d., p. 22-23) trata-se de uma

Metáfora fantástica acerca do mundo real. Muito embora, a ficção (baseada em mitos, lendas e fábulas) transporte o leitor para um tempo e espaço imaginários, a luta pelo poder (ou contra o poder), representado pelo Um Anel, remete nossa atenção às fraquezas e virtudes humanas: os homens desejam ardentemente o poder, e por ele lutam, mentem, traem, manipulam, conspiram, matam... Mas alguns, mesmo sujeitos a sedução do poder, lutam contra seu despotismo, e cultivam a esperança, a amizade, a coragem e a pureza de coração. Todavia, os homens precisam despertar do sono alienante, pois a única medida que os poderosos conhecem é a ambição pelo poder.

Ocorre que Sauron recupera suas forças, ameaçando escravizar os povos livres da Terra-Média. Contra o Senhor do escuro, erguem-se os Elfos, Homens, Anões e Hobbits. Estes povos se reúnem no Conselho de Elrond (líder dos Elfos de Valfenda) no intuito de decidir o destino do Um Anel, reencontrado pelo hobbit Bilbo Bolseiro na obra O Hobbit, e presenteado ao seu sobrinho Frodo Bolseiro. Frodo foi encarregado por Gandalf (o mago cinzento) de levar o anel até Valfenda. Para esta tarefa foi auxiliado por Sanwise (seu servo e fiel escudeiro), por seus primos Merry e Pippin, e por Passolargo (guardião, cujo verdadeiro nome é Aragorn, descendente de Isildur e herdeiro do trono de Gondor). Durante o Conselho, Boromir propõe a utilização do Um Anel como arma na guerra contra Sauron. Mas os sábios Elrond e Gandalf se recusam: o Anel não obedece ordens e possui desígnios próprios, sendo capaz de corromper o coração de quem quer que o utilize.

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Eis a interpretação de Tolkien sobre o poder: ele é capaz de corromper os nobres e justos, mesmo quando utilizado para propósitos benignos. Fica dedicido que o Anel deverá ser destruído por Frodo, que o levará à Fenda da Perdição, único local onde ele pode ser desfeito. Nesta jornada, Frodo conta com o auxílio de diversos personagens, trilhando um caminho cheio de surpresas e de final surpreendente. Importante salientar que o autor sempre negou qualquer metáfora ou alegoria em sua estória de fada. Na introdução do primeiro volume do Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel, Tolkien (2010a, p. XII-XIII) adverte: Qualquer significado oculto ou “mensagem”, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico nem se refere a fatos contemporâneos (...). Eu cordialmente desgosto de alegorias em todas as suas manifestações, e sempre foi assim desde que me tornei adulto e perspicaz o suficiente para detectar sua presença.

Todavia, em carta para o editor Stanley Unwin, Tolkien (2006, p.45) não descarta a influência que o contexto histórico em que vivia exerceu em sua obra, afirmando que “a escuridão dos dias atuais teve algum efeito sobre ela (sobre a história).” Em outra carta para o referido editor, o Tolkien (2006, p. 120) fala da impossibilidade de não se vislumbrar uma alegoria em uma estória como a sua, chegando a admitir timidamente uma interpretação alegórica da obra:

Naturalmente, Alegoria e História convergem, encontrando-se em algum lugar na Verdade, de modo que a única alegoria perfeitamente consistente é a vida real; e a única história completamente inteligível é uma alegoria. E descobre-se, mesmo na “literatura” humana imperfeita, que quanto melhor e mais consistente for uma alegoria, mais facilmente ela pode ser lida “apenas como uma história”; e quanto melhor e mais intimamente tecida for uma história, mais facilmente aqueles com essa mentalidade podem encontrar alegorias nela. Mas as duas partem de extremidades opostas. É possível fazer do Anel uma alegoria de nossa própria época caso se queira: uma alegoria do destino inevitável que espera por todas as tentativas de derrotar o poder do mal com poder. Mas isso ocorre unicamente porque todo poder mágico ou mecânico sempre trabalha desse modo. Não se pode escrever uma história sobre um anel mágico aparentemente simples sem que isso acabe surgindo, caso realmente se leve esse anel a sério e faça acontecer coisas que aconteceriam se tal objeto existisse.

Importante ressaltar que, embora ausente qualquer intenção oculta por parte dele, Tolkien (2006, p.120) não condena as livres interpretações que os leitores, porventura, façam de seus livros:

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Por não haver alegoria não quer dizer, é claro, que não há aplicabilidade. Sempre há. E visto que não tornei o conflito completamente inequívoco: preguiça e estupidez entre os hobbits, orgulho e [ilegível] entre os Elfos, ressentimento e cobiça nos corações dos Anões, e tolice e perversidade entre os “Reis dos Homens” e traição e sede de poder até mesmo entre os “Magos”, suponho que haja aplicabilidade em minha história aos tempos atuais.

Sobre o que seria esta chamada aplicabilidade, Tolkien (2010a, p. XIII) escreve: “Acho que muitos confundem ‘aplicabilidade’ com ‘alegoria’; mas a primeira reside na liberdade do leitor, e a segunda na dominação proposital do autor”. Negando a presença de alegorias intencionais de sua parte, Tolkien foi indagado por diversos leitores sobre a temática de seus livros. Vez que não se tratava de uma alegoria sobre as Guerras ou de uma crítica à sociedade industrial de sua época, uma leitora arriscou afirmar que a obra seria uma metáfora sobre o Poder Atômico. Em resposta, Tolkien (2006, p. 236) afirmou:

É claro que minha história não é uma alegoria do poder atômico, mas de Poder (exercido para Dominação). (...) (Embora) Não creio que mesmo o Poder ou a Dominação sejam o verdadeiro centro de minha história. Isso fornece o tema de uma guerra, sobre alguma coisa suficientemente sombria e ameaçadora para parecer-se naquele momento de suprema importância, mas é principalmente “um cenário” para os personagens mostrarem-se. O verdadeiro tema para mim é sobre algo muito mais permanente e difícil: Morte e Imortalidade — o mistério do amor pelo mundo nos corações de uma raça “fadada” a deixá-lo e aparentemente perdê-lo; a angústia nos corações de uma raça “fadada” a não deixá-lo até que toda a história deste mundo estimulada pelo mal esteja completa.

Certamente, percebe-se que a temática do poder, embora presente na obra, é um tema adjacente. Tolkien (2006, p.250) afirma que “A história não é realmente sobre Poder e Domínio: isso apenas mantém as rodas girando”. Entretanto, ainda assim é um assunto que merece ser estudado, sendo exatamente este o ponto importante e interessante para esta pesquisa. Tanto pelo fato da possibilidade de analisar o poder estatal em uma obra literária, quanto de proporcionar um afastamento da realidade banalizada, para que se possa vislumbrá-la com um olhar mais crítico e aguçado.

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CAPÍTULO 3 “Um Anel para a todos governar7”: uma leitura do Direito a partir da representação do Poder na obra de Tolkien Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los, Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam. (Tolkien – O Senhor dos Anéis) 3.1 O Estado Sauron e o Anel Direito Este quarto capítulo busca na obra o Senhor dos Anéis, indícios de aplicabilidade sobre o poderio estatal instrumentalizado pelo Direito. Através do que já foi discutido até aqui neste trabalho, em que se partiu dos estudos de Direito e Literatura, bem como de Direito e Poder, é que será traçado um paralelo comparativo entre estas temáticas, sobretudo no tocante às semelhanças existentes entre suas elucidações, para identificar os possíveis apontamentos dos preceitos da natureza do Poder vistos através de uma ótica literária, e, portanto, mais livre e direta. Em capítulo anterior abordou-se a obra em seus aspectos genéricos; faz-se necessário, neste capítulo, uma análise mais sucinta dos personagens a serem estudados, a começar por Sauron, vilão da obra e Senhor do Escuro. No Senhor dos Anéis, Sauron é apresentado como o vilão que almeja dominar a Terra-Média e tornar-se um deus perante os homens. Todavia, é no Silmarillion que está registrada a biografia do personagem. Ocorre que Sauron era na verdade um servo de um Senhor mais antigo e maligno, Melkor também chamado de Morgoth. Diversas são as batalhas e intrigas protagonizadas pelos dois, sendo pertinente destacar a informação passada por Tolkien (2009a, p. 24) de que “Sauron (…) era menos maligno que seu senhor somente porque por muito tempo, serviu a outro e não a si mesmo.”. Neste contexto, pode-se comparar Sauron ao Estado Liberal de Direito. Embora não traia seu mestre e nem usurpe intencionalmente seu poder, havia uma classe superior (Melkor, ou a Aristocracia) que se enfraquece e passa a figurar em papel secundário no cenário político, ao passo que uma nova classe (Sauron, ou a burguesia) se fortalece e passa a

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Esta é parte da frase escrita no Anel de Sauron, na obra de Tolkien. Embora esta frase possa parecer estranha, foi assim traduzida para o português pela editora Martins Fontes, sendo, portanto, adotada neste trabalho.

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concentrar em si o Poder Político. Sobre o Estado Liberal de Direito, Streck (2005, p. 38-39) escreve: o Estado Liberal de Direito é a institucionalização do triunfo da burguesia ascendente sobre as classes privilegiadas do Antigo Regime, onde se produz uma clara distinção entre o político e o econômico, com um Estado formalmente abstencionista, que deixa livre as forças econômicas, adotando uma posição de (mero) policial da sociedade civil que se considera a mais beneficiada para o desenvolvimento do capitalismo em sua fase de acumulação inicial.

Tolkien (2009a, p. 340) descreve um período de dominação de Sauron que pode ser comparada ao Estado Liberal de Direito. Após uma derrota e enfraquecimento de Melkor,

Sauron voltou a se erguer na Terra-Média. Ele cresceu e retornou ao mal no qual fora criado por Morgoth, tornando-se poderoso a seu serviço. (…) E dali em diante sempre lutou pelo domínio da Terra-Média, para se tornar rei de todos os reis e semelhante a um deus perante os homens.

Observe-se que há uma ascensão do poderio de Sauron tal qual uma ascensão do poder burguês. Ademais, se o Estado Liberal caracteriza-se pelo abstencionismo econômico, Sauron também revela uma faceta abstencionista, pois conforme Tolkien (2009a, p.340) ele “não ousou desafiar os Senhores do Mar e se retirou do litoral”. Sauron se abstém da Guerra concentrando esforços unicamente na consolidação de seu poder. Posteriormente, ainda no Silmarillion, conta-se que Sauron, com toda a sua astúcia, aproximou-se do poderoso rei humano da terra de Númenor, Ar-Pharazôn, tornandose seu homem de confiança e soprando artimanhas ao ouvido do monarca. Sauron conseguiu governar através do rei, fazendo valer sua própria vontade sob a máscara da amizade. Corrompeu o coração da maioria dos homens daquele reino aos seus propósitos malignos, fazendo com que se rebelassem contra os Valar, os espíritos angelicais superiores. Desta rebelião culminou a queda de Númenor, pois os Valar detinham força imensamente superior; quanto a Sauron, este fugiu e se refugiou em Mordor, sua terra escura. Neste período, Sauron pode ser comparado ao Estado Social de Direito, abandonando sua posição estática e passando a intervir ativamente no cenário político. Streck (2005, p. 39) define o Estado Social de Direito como:

a institucionalização do capitalismo maduro, no qual o Estado abandona a sua postura abstencionista tomada inicialmente para proteger os interesses da vitoriosa classe burguesa, passando não somente a intervir nas relações econômicas da sociedade civil, como também se converte em fator decisivo nas fases de produção e distribuição de bens.

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Note-se que Sauron, quando corrompe Númenor, pode-se vislumbrar uma relação entre Sauron e o Estado Social de Direito. Tolkien (2009a, p. 349) informa que:

Ar-Pharazôn, Rei da terra da Estrela, chegou a ser o tirano mais poderoso que já havia existido no mundo desde o reino de Morgoth, embora de fato Sauron tudo governasse por trás do trono. Passaram, porém, os anos e o Rei sentiu a aproximação da sombra da morte, à medida que sua idade avançava. Foi dominado então pelo medo e pela cólera. Era agora chegada a hora que Sauron preparara e pela qual vinha esperando havia muito tempo. E Sauron falou com o Rei, dizendo que sua força era agora tamanha, que ele poderia pensar em fazer valer sua vontade em todos os aspectos sem se sujeitar a nenhuma ordem ou interdição.

Sauron sai de seu estado letárgico e passa a disseminar suas maldades, no intuito de defender os seus próprios interesses, passando não somente a intervir no cenário político, como também se transforma em fator decisivo para a tomada de decisões do Rei – tanto que, por sua causa, Númenor parte para a guerra contra os Valar e é derrotada. Com a derrota definitiva de Melkor, Sauron se aproxima dos elfos, simulando arrependimento e boa vontade, e, junto a eles, fabrica seus anéis de poder, dotados de capacidades extraordinárias. Porém, Sauron os engana e cria em segredo o Um Anel governante, capaz de ler e controlar os pensamentos dos usuários dos demais Anéis. Ao fabricar o Um Anel, Sauron imbuiu-lhe com grande parte de sua própria força e vontade, pois os demais anéis eram muito poderosos, sendo necessário um poder extraordinário para subjugá-los. Com a derrota de Sauron e a perda do Um Anel, o Senhor do Escuro, se quisesse recuperar todo o seu poder de outrora, necessitaria de um instrumento: o seu Anel de poder. Nesta perspectiva, pode-se inferir que tal qual Sauron precisa de seu Anel, o Estado necessita do seu ordenamento jurídico. É o Direito que legitima e garante a estabilidade do Estado, pois sem as Leis haveria não apenas caos e anarquia, mas também abusos e revoltas. Neste sentido, Streck (2005, p.40) diz que: “no Estado Democrático de Direito a lei passa a ser uma forma privilegiada de instrumentalizar a ação do Estado na busca do desiderato apontado pelo texto constitucional.”. É neste sentido que se pode comparar o Anel ao Direito. Ambos instrumentalizam um poder extraordinário, poder este que sem o seu respectivo instrumento não se firma. Tolkien (2006, p. 155-156) fala sobre o “simbolismo primário do Anel, como vontade de mero poder, [que] busca tornar-se objetivo por força e mecanismos físicos, e assim, inevitavelmente, também por mentiras.” Da mesma forma, o Estado busca impor sua vontade soberana com o auxílio dos aparelhos ideológicos de Estado, responsáveis por disseminar a ideologia dominante.

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Todavia, importante ressaltar que, se o Estado precisa do Direito, este último exerce uma forma de limitação do poder do Estado. Burdeau (2005, p. 43) esclarece:

No Estado, o poder não deixa de ser subordinado ao direito, pois, embora a ideia de direito suscite o Poder e o arme de todas as energias que estão nela, ela continua a cumprir o mesmo papel com relação ao poder estatal. Daí resulta que, se o Estado é o titular do poder de dominação, não é seu fundamento. Nessas condições cai a censura mais grave que se possa imputar à ideia de fazer do Estado o titular do poder de dominação: a de tornar inconcebível a limitação do Estado pelo direito. O Estado é limitado pelo direito porque seu poder é juridicamente condicionado pela ideia de direito que o legitima. O Estado não se limita; nasce limitado. Isso não quer dizer, porém, que sua existência paralise os governantes a ponto de reduzirlhes a função à tradução, em formas jurídicas, de princípios e diretrizes incluídos na ideia de direito. Afirmá-lo seria subestimar sua iniciativa e independência. De um lado, a ideia de direito não tem um conteúdo suficientemente preciso para amarrar assim o Poder; do outro, as responsabilidades que competem aos que são encarregados de exercer a função governamental se opõem a que sejam confinados nesse papel passivo de registradores de um dado preexistente.

Da mesma forma que o Direito exerce uma limitação ao poder do Estado, o Anel limita o poder de Sauron. Ocorre que o Anel concentra grande parte do poder do Senhor do Escuro que, assim, limita seu poder à atuação do Anel. Em outras palavras, sem o Anel, Sauron não é tão poderoso. Neste sentido, diz Tolkien (2006, p. 266):

Não se pode exigir muito do Um Anel, pois ele obviamente é um atributo mítico, embora o mundo das histórias seja concebido em termos mais ou menos históricos. O Anel de Sauron é apenas um dos vários tratamentos míticos da colocação da vida ou poder de alguém em algum objeto externo, que assim fica exposto à captura ou destruição com resultados desastrosos para si mesmo. Se eu fosse “filosofar” esse mito, ou pelo menos o Anel de Sauron, eu diria que ele era um modo mítico de representar a verdade de que a potência (ou talvez, melhor dizendo, potencialidade), se for ser exercida e produzir resultados, tem de ser externada e dessa forma, por assim dizer, sai, em um grau maior ou menor, do controle direto do indivíduo. Um homem que deseje exercer “poder” deve possuir subordinados, que não são ele mesmo. Mas ele então depende deles.

Desta forma, embora o Anel de Sauron seja instrumento crucial para exercício do seu poder, tal qual o Direito é um instrumento do Estado, ele não basta. Assim como Sauron necessita de seus exércitos de orcs8, o Estado necessita dos seus governantes. Para Burdeau (2005, p.44) 8

Os orcs são criaturas usadas como soldados pelos vilões da obra de Tolkien.Embora sejam estúpidos, são retratados como seres infelizes e cheios de ódio. São habilidosos em ferir e destruir.

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Os governantes podem influenciar a ideia de direito; o conhecimento que têm dos problemas da vida política, o cuidado que devem ter com o bem comum do grupo criam-lhes um dever de esclarecer a opinião pública, de fazê-la compreender a necessidade de certas medidas que, à primeira vista, pareceriam indesejáveis e, assim, rever a ideia de direito aceita.

Em tese, o papel dos governantes e dos exércitos de Sauron é o mesmo: defender os interesses de seus senhores; no caso dos exércitos de Sauron, estes defendem os interesses do Senhor do Escuro; já no caso dos governantes, estes defendem os interesses do Estado, vez que, em tese, o interesse estatal é o bem comum do povo. Entretanto, a realidade mostra-se divergente. Streck (2005) afirma que no Brasil “ocorre uma disfuncionalidade do Direito e das Instituições encarregadas de aplicar a Lei.” Assim, embora os governantes devam observar as normas legais no intuito de proteger e defender o bem comum do povo, finalidade precípua do Estado, isto não ocorre. Segundo Streck (2005, p. 34-35) a razão disto é que

a dogmática jurídica coloca à disposição do operador um prêt-à-porter significativo contendo uma resposta pronta e rápida! Mas (…) quando Caio (sic) participa de uma “quebradeira” de bancos, causando desfalques de bilhões de dólares (como no caso do Banco Nacional, Bamerindus, Econômico, Coroa-Brastel, etc.), os juristas só conseguem “pensar” o problema a partir da ótica forjada no modo liberal-individualistanormativista de produção de Direito.

Observe-se que, portanto, não há uma defesa real do bem comum do povo. O supracitado autor exemplifica ao falar dos chamados “crimes de colarinho branco”:

os resultado são assustadores, bastando, para tanto, examinar a pesquisa realizada pela Procuradora da República Ela Castilho, cujos dados dão conta de que, de 1986 a 1995, somente 5 dos 682 supostos crimes financeiros apurados pelo Banco Central resultaram em condenações em primeira instância na Justiça Federal. A pesquisa revela, ainda, que 9 dos 682 casos apurados pelo Banco Central também sofreram condenações nos tribunais superiores. Porém – e isso é de extrema relevância – nenhum dos 19 réus condenados por crime de colarinho branco foi para a cadeia! A pesquisa em questão ressalta, ainda, que o número de 682 casos apurados é extremamente pífio, em face dos milhares de casos de crimes do colarinho branco que ocorrem a todo ano no país!

Não há dúvidas de que, embora o Direito limite em parte o poderio estatal, também admite que condutas contrárias ao bem comum do povo sejam realizadas, em prol de interesses privados. Caso um orc do exército de Sauron tivesse oportunidade de utilizar o

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Anel e se impor como governante, ele o faria, utilizando o poder para defesa de benefícios próprios. Tolkien (2006, p. 236) parece corroborar destas ideias. Não sou um “democrata” apenas porque a “humildade” e a igualdade são princípios espirituais corrompidos pela tentativa de mecanizar e formalizálos, com o resultado de que conseguimos não pequenez e humildade universais, mas grandeza e orgulho universais, até que algum Orc apodere-se de um anel de poder — e então recebemos e estamos recebendo a escravidão.

Desta forma, os orcs de Sauron podem ser comparados aos governantes que, por vezes, tendo a chance de utilizar o Direito em benefício próprio, assim o fazem. Neste sentido, interessante destacar outro personagem central na trama de O Senhor dos Anéis: Saruman, o Branco.

3.2 Conhecimento, Liderança e Ordem: o Direito de muitas cores

Saruman, o branco, também conhecido como Curunír, era o chefe da Ordem dos Magos. Acontece que os espíritos superiores, no intuito de auxiliar os povos livres da TerraMédia na luta contra Sauron, escolhem 5 magos (ou Istaris) e os enviam à Terra, no intuito de, segundo Tolkien (2011, p.427), “aconselhar e persuadir os homens e os elfos para o bem, e procurar unir no amor e na compreensão todos aqueles que Sauron (…) tentaria dominar e corromper”. Saruman é apresentado em dois momentos distintos na obra de Tolkien; em Contos Inacabados, o referido autor (2011, p. 427) o descreve como um homem idoso, dotado de “nobre semblante e porte, com cabelos negros e uma bela voz” trajando branco. “Tinha grande habilidade nos trabalhos das mãos, e era considerado (…) o chefe da Ordem.” Nesta apresentação, Saruman não está corrompido pelo poder, mas sim disposto a lutar pelo bem da Terra-Média e cumprir sua missão. Todavia, em O Senhor dos Anéis, Saruman é apresentado de forma diferente, dominado pela ambição. Ocorre que, pesquisando sobre os Anéis de Poder e o Um Anel de Sauron, fica fascinado pelo objeto e passa a desejá-lo para si. Desta forma, cria seu próprio exército de orcs, destrói florestas e corrompe humanos, no intuito de obter o Anel para si e se tornar o novo Senhor. Após ser revelado como um traidor, Saruman é descrito por Tolkien (2010b, p. 184) como

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um velho, vestido num grande manto, cuja cor era difícil de definir, pois mudava se eles mexessem os olhos, ou se ele se movimentasse. O rosto era longo, com uma fronte alta; tinha olhos profundos e escuros, difíceis de se penetrar embora a expressão que agora tinham fosse grave e benevolente, além de um pouco cansada. Os cabelos e a barba eram brancos, mas mechas negras ainda se mostravam na altura dos lábios e das orelhas.

Interessante destacar a mudança de cores que se opera no personagem. Tolkien (2010a, p. 274) descreve um diálogo entre Saruman e Gandalf, o mago cinzento engajado na destruição de Sauron. Gandalf, relando o encontro, assim diz:

- 'Eu gostava mais do branco', disse eu. - 'Branco'!, zombou ele. 'Serve para começar. O pano branco pode ser tingido. Pode-se escrever sobre a página em branco; a luz branca pode ser decomposta'. -'E nesse caso deixa de ser branca', disse eu. 'E aquele que quebra uma coisa para descobrir o que ela é deixou o caminho da sabedoria.

Saruman se revela agora como um traidor. Nunca fora servo de Sauron, sendo na verdade, um inimigo deste, designado para ajudar na derrota do vilão. Porém, Saruman se desvia e passa a cobiçar o lugar de Sauron, almejando tornar-se o novo Senhor do Anel. Tolkien (2011, p. 428) afirma que ele “decaiu da sua elevada missão, e, tornando-se orgulhoso, impaciente e apaixonado pelo poder, buscou fazer sua própria vontade pela força e desalojar Sauron.” (grifou-se). Observe-se que a ruína de Saruman foi sua paixão pelo poder. Ele não almejava aliar-se a Sauron: seu objetivo era destruí-lo e instalar-se como um novo poder. Tolkien (2010a, p. 274) explica tal ambição, em um discurso proferido pelo próprio mago branco:

(...) precisamos de poder, poder para ordenar todas as coisas como queremos, para o bem que apenas os Sábios podem enxergar. (...) Um novo Poder se levanta. (...) Existe esperança por esse caminho. A vitória dele se aproxima, e haverá grandes recompensas para aqueles que o ajudarem. Enquanto o Poder crescer, os que se mostrarem seus amigos também crescerão; e os Sábios, (...) poderão, com paciência, vir finalmente a governar seus rumos, e a controlá-lo. Podemos esperar nossa hora, podemos guardar o que pensamos em nossos corações, talvez deplorando as maldades feitas incidentalmente, mas aprovando o propósito final e mais alto: Conhecimento, Liderança, Ordem; todas as coisas que até agora lutamos em vão para conseguir, mais atrapalhados que ajudados por nossos amigos fracos e inúteis. Não precisaria haver, e não haveria, qualquer mudança em nossos propósitos, só em nossos meios.

Saruman, de fato, acredita ser possível utilizar o Anel de poder para realizar seus propósitos de “conhecimento, liderança e ordem.” Como visto, ele tenta convencer Gandalf de todas as formas para que este se junte a ele em sua ambição. Na continuação do diálogo,

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Tolkien (2010a, p. 275) narra a continuação do diálogo, no qual Saruman questiona ao mago cinzento: “E por que não, Gandalf?”, sussurrou ele. “Por que não? O Anel Governante? Se pudéssemos dominá-lo, então o Poder passaria para nós.” Gandalf recusa a oferta e é aprisionado na torre de Orthanc, morada do Mago Branco. Mas Saruman lança uma importante questão: porque não usar o Anel? Ou ainda, porque não enxergar o Direito como (única e exclusivamente) agente de paz social? Essas respostas são esclarecidas ao longo da obra de Tolkien. No Senhor dos Anéis, ocorre uma reunião, chamada Conselho de Elrond, no qual comparecem todos os representantes dos povos livres para que juntos decidam o que fazer com o Anel. Nesta passagem, Tolkien (2010a, p. 283) diz muito acerca da natureza humana e da sede pelo poder quando escreve o pronunciamento de Boromir, humano filho do regente do importante reino de Gondor, sobre o Anel:

Não entendo tudo isso - disse ele. - Saruman é um traidor, mas será que não teve um lance de sabedoria? Por que vocês só falam em esconder ou destruir? Por que não considerar que o Grande Anel chegou às nossas mãos para nos servir exatamente nesta hora de necessidade? Controlando -o, os Senhores Livres dos Livres podem certamente derrotar o Inimigo. Considero que isso é o que ele mais teme. - Os homens de Gondor são valorosos, e nunca vão se submeter; mas podem ser derrotados. O valor precisa, em primeiro lugar, de força, e depois de uma arma. Deixem que o Anel seja nossa arma, se tem tanto poder como dizem. Vamos tomá-lo e avançar para a vitória!

Tolkien (2010a, p. 283), narra a resposta de Elrond, poderoso Senhor Élfico:

- Infelizmente não - disse Elrond. - Não podemos usar o Anel Governante. Disso sabemos muito bem. Ele pertence a Sauron e foi feito exclusivamente por ele, e é totalmente maligno. A força que tem, Boromir, é grande demais para qualquer um controlar por sua própria vontade, com exceção apenas daqueles que já têm um grande poder próprio. Mas, para estes, o Anel representa um perigo ainda mais fatal. Apenas desejá-lo já corrompe o coração. Considere Saruman. Se algum dos Sábios derrotasse com esse Anel o Senhor de Mordor, usando as próprias artes, então se colocaria no trono de Sauron, e um outro Senhor do Escuro surgiria. E esta é outra razão pela qual o Anel deve ser destruído: enquanto permanecer no mundo, representará um perigo mesmo para os Sábios. Pois nada é mau no início. Até mesmo Sauron não era. Tenho medo de tomar o Anel para escondê-lo. E não vou tomá-lo para fazer uso dele.

Deve-se atentar que na fala do Senhor Elrond, este defende que a maldade é algo posterior e não nato. De fato, o Estado surge para findar o chamado estado de natureza e levar ordem ao caos. Todavia, ele se também passa a atuar como aparelho repressivo.

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Neste sentido, importante analisar outra passagem em O Senhor dos Anéis. No momento em que os personagens principais chegam à floresta de Lórien, Frodo, portador do Um Anel, oferece o objeto à poderosa Senhora Élfica Galadriel. Tolkien (2010a, p. 388-389) narra as falas do personagem:

- A Senhora Galadriel é sábia, destemida e bela - disse Frodo. - Dar-lhe- ei o Um Anel se assim o desejar. Esse peso é demais para mim. Galadriel riu, com uma risada súbita e cristalina. (...) - Não vou negar que meu coração desejou muito pedir o que está oferecendo. Por muitos longos anos, pensei o que faria, caso o Grande Anel me chegasse às mãos, e veja! Ele está agora ao meu alcance. (...) Você me oferece o Anel livremente! No lugar do Senhor do Escuro, você coloca uma Rainha. E não serei escura, mas bela e terrível como a Manhã e a Noite! Bela como o Mar e o Sol e a Neve sobre a Montanha! Aterrorizante como a Tempestade e o Trovão! Mais forte que os fundamentos da terra. Todos deverão me amar e se desesperar! (...) [Ela] Ficou diante de Frodo e parecia agora de uma altura incalculável, e de uma beleza insuportável, terrível e digna de adoração. Depois deixou a mão cair, e a luz se apagou; e de repente ela riu de novo e eis então que se encolheu: era uma mulher élfica frágil, vestida num traje simples e branco, cuja voz gentil era suave e triste. - Passei pelo teste - disse ela. - Vou diminuir e me dirigir para o Oeste, continuando a ser Galadriel.

Observe-se que nas passagens transcritas a temática central é a corrupção do poder. Personagens poderosas temem os efeitos do Um Anel, pois acreditam não ser capazes de resistir a ele. De fato, Frodo ainda insiste com a Senhora Galadriel, conforme narra Tolkien (2010a, p. 389): “Eu gostaria que a Senhora ficasse com o Anel dele. Poderia pôr as coisas no lugar certo. – Eu faria – disse ela – É assim que tudo começaria. Mas infelizmente não pararia ali.”. Galadriel e Elrond dizem abertamente que não é totalmente impossível que uso do Anel traga boas consequências. O medo das personagens é que infelizmente o uso deste não pararia nas boas ações. Haveria mais. Devido a este caráter dual é que preferem não fazer uso do Anel, pois o preço a se pagar seria demasiadamente alto. Tolkien (2006, p. 316) afirma:

Era parte do engodo essencial do Anel encher as mentes com fantasias de poder supremo. Mas isso os Grandes haviam considerado muito bem e rejeitado, como é visto nas palavras de Elrond no Conselho. A rejeição de Galadriel da tentação foi baseada em pensamento e resolução prévios.

Desta forma, é revelado que os personagens refletiram profundamente a respeito da utilização do Anel como arma. Transferindo esta mensagem para o mundo real, pode-se analisar o Direito. Para tanto, analisar-se-á o (debatido e controverso) conceito e objetivo deste. Nader (2010, p. 44-45) propõe dois conceitos distintos de Direito “Em sua dimensão

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positiva, Direito é o conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os princípios da justiça”. Em sua dimensão subjetiva, o Direito é “poder de agir e de exigir, que o jus positum proporciona ao sujeito ativo de uma relação jurídica.” Quanto a seu objetivo, Nader (2010, p. 46) informa:

A teleologia do Direito é a da garantia das condições básicas de convivência social. Ainda que a função do Direito se amplie atualmente para atender ao bem-estar e progresso dos homens, a sua meta básica é a de promover a ordem na sociedade, e o valor do justo de que se ocupa é o que diz respeito apenas a essa ordem.

Horn (2005, p. 35) parece concordar com esta afirmativa, vez que define o Direito como “a suma das normas gerais garantidas pelo Estado, para a justa regulamentação da vida humana em comum e para o apaziguamento justo de conflitos inter-pessoais de decisão.” Os autores parecem acordar que o Direito é instrumento de paz social, responsável por defender o bem-comum do povo e manter a justiça e a ordem. Em outras palavras, pode-se dizer que o Direito foi concebido para promover boas ações, da mesma forma que o Anel, segundo Tolkien (2009, p. 367), fora forjado com o objetivo aberto de “afastar os estragos do tempo e adiar o cansaço do mundo”. Ocorre que, conforme Galadriel previra, o Direito não para aí. Coelho (2003, p. 343) afirma que o Direito é o “mais eficiente instrumento de controle dos comportamentos sociais no mundo contemporâneo.” Para Coelho (2003, p. 343) o papel do Direito não é a promoção da paz social ou defesa do bem comum, mas:

instrumento de ocultação daquela estrutural real e, mais ainda, de manipulação do imaginário social no sentido de manter como legítima a distribuição de quotas de poder na sociedade, evidentemente, assegurando os privilégios dos segmentos que detêm os instrumentos de produção e distribuição das riquezas sociais, bem como de gozo dos respectivos benefícios.

Importante salientar que, da mesma forma que o Anel tenta os personagens ao longo da narrativa, prometendo-lhes poder, glória e riquezas, o Direito se mantém com o discurso de promoção do bem comum. Entretanto, da mesma forma que o Anel age sob o comando de seu mestre Sauron, o Direito, segundo Coelho (2003 p.349):

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não age por si, em virtude de hipotética potencialidade, mas torna-se instrumento de comunicação normativa, codificando a mensagem dos grupos microssociais hegemônicos e sendo decodificado pela macrossociedade. Muito embora possa considerar-se o direito como produzido por uma estrutura macrossocial, essa produção desdobra-se em outros níveis de produção e reprodução, sendo que a operacionalização desse processo ocorre por meio de atores sociais precisos, que são os magistrados, procuradores, promotores, fiscais, delegados, advogados, etc., apoiados por toda a teia de funcionários da administração pública. Esses operadores são os agentes que manipulam a ideologia jurídica a serviço do poder hegemônico, as mais das vezes inconscientemente.

O Direito age, portanto, em benefício das classes hegemônicas que, por sua vez, formam os verdadeiros representantes do poder do Estado. Assim, através da já abordada ideologia, além de defender interesses estranhos ao bem comum do povo, o Direito adquire validade e legitimidade, na medida em que se porta como fenômeno atemporal, de caráter físico e existência real. Coelho (2003, p. 351) corrobora deste entendimento, afirmando que O direito (…) passa então a constituir um conjunto de mitos elaborados pela doutrina jurídica através da história, consagrados nas normas e aceitos pelo senso comum como se correspondessem à realidade do homem e da sociedade. (…) Assim, o direito e as instituições não são vistos como criações intelectuais, ou mesmo práticas sociais, mas como algo objetivo que em momento algum é questionado em seu verdadeiro ser.

Coelho (2003, p. 352-353) prossegue, exemplificando de que forma os institutos jurídicos legitimam situações que fogem à suposta teleologia da paz social: A empresa, em sentido jurídico, (…) dissimula as condições reais da atividade econômica que só se mantém pela exploração do homem pelo homem e, muitas vezes, manifestam-se sob a forma de escândalos financeiros que privilegiam ainda mais os ricos e poderosos em detrimento do povo. (…) Há o mito da personalidade jurídica, reforçado pelas teorias, grandemente prestigiadas pela dogmática do direito civil, que lhe atribuem a realidade social, como a teoria da instituição e a esdrúxula teoria da realidade técnica. (…) Mas o grande mito do direito privado, que facilmente se presta à manipulação ideológica, é a noção civilista da autonomia da vontade, erigida em princípio geral, pressuposto essencial dos contratos e fundamentos de toda a teoria das obrigações. (…) É evidente que, na civilização capitalista, cristã e ocidental, (…) a vontade individual não é livre, mas influenciada no sentido de consumismo, das cláusulas de adesão, da imposição do preço para atender aos interesses de quem tem o poder de manipular as regras do direito.

Destarte, percebe-se que há muito mais para se ver além das normas positivistas que proclamam a paz social. O Direito possui uma face oculta, que, visando proteger a

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interesses hegemônicos, causa malefícios à sociedade, tal qual o Anel de Sauron. Coelho (2003, p. 355) adverte a respeito deste suposto bem comum tutelado pelo Direito:

uma imagem ideológica comum, a de que o direito é a de que ele consiste em algo que possa ser definido no plano teórico e, mais ainda, de que se trata de algo fundamentalmente bom ou, pelo menos, eticamente inquestionável em seus fundamentos essenciais.

Neste sentido, o Direito se mostra mais perigoso que o Um Anel, pois Tolkien (2006, p. 316) diz que “apesar de Sauron multiplicar (...) o mal, ele deixava o ‘bem’ claramente distinguível dele.” Assim, Tolkien (2006, p. 316) demonstra conhecimento do papel ideológico do poder, de mascará-lo e de fazê-lo parecer algo bom. O autor informa que

Gandalf como Senhor do Anel teria sido muito pior que Sauron. Ele teria permanecido “justo”, mas farisaico. Teria continuado a governar e ordenar as coisas para o “bem” e o benefício de seus subordinados de acordo com sua sabedoria (que era e teria permanecido grande).

Conforme o que foi exposto, compreende-se o porquê da não utilização do Anel como arma, já que, de acordo com Tolkien (2006, p. 95) “Você não pode enfrentar o Inimigo com o Anel dele sem se tornar um Inimigo”. Revela-se o caráter oculto do Direito, que pretende legitimar o ordenamento como algo perpétuo e fundamentado na ideia de bondade intrínseca. Todavia, indaga-se: o que fazer a respeito do Anel? E o que fazer a respeito do Direito?

3.3 O Direito nas Fendas da Perdição

No Senhor dos Anéis, é realizado um Conselho para que os povos livres decidam o que fazer a respeito do Anel de Poder. Após inúmeras sugestões (dentre as quais usá-lo como arma contra o inimigo ou jogá-lo nas profundezas do mar), fica acordado que o Anel deve ser destruído. Ocorre que, além de ser um perigo por si só e impossível de ser utilizado, Sauron jamais esperaria que alguém destruísse o seu Um Anel. Tolkien (2006, p. 150) afirma:

tão grande era o poder de avidez do Anel que qualquer um que o usasse ficava dominado por ele; estava além da força de qualquer vontade (mesmo de sua própria) danificá-lo, jogá-lo fora ou negligenciá-lo. Assim ele pensava.

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Desta forma, fica decidido que o Um Anel deve ser destruído. Todavia, esta não é uma tarefa fácil, pois, como relata Tolkien (2010a, p. 62-63)

quanto a destruir o Anel, a força é inútil. Mesmo que você o pegasse e o martelasse com uma marreta pesada, nenhum vestígio apareceria nele. Suas mãos não podem desfazê-lo, nem as minhas. - Seu pequeno fogo, é claro, não derreteria nem ouro comum. Este Anel já passou por ele incólume, e nem foi aquecido. Mas não há forja de ferreiro neste Condado que possa alterá-lo de forma alguma. Nem mesmo as bigornas e os fornos dos anões poderiam fazer isso. Alguém disse que o fogo dos dragões poderia derreter e consumir os Anéis de poder, mas hoje em dia não sobrou nenhum dragão na terra cujo velho fogo seja quente o suficiente; nem nunca houve qualquer dragão, nem mesmo Ancalagon, o Negro, que pudesse danificar o Um Anel, o Anel Governante, pois ele foi feito pelo próprio Sauron. - Só existe uma maneira: encontrar as Fendas da Perdição nas profundezas de Orodruin, a Montanha de Fogo, e atirar o Anel ali, se você realmente quer destruí-lo, colocá-lo fora do alcance do Inimigo para sempre.

O Anel somente pode ser destruído no local onde fora criado: nas Fendas da Perdição, localizadas em Mordor, terra de Sauron. Desta forma, fica decidido que o Anel deverá ser levado até lá de forma oculta, e assim, lançado ao fogo pelo portador do Anel. Quanto ao Direito, a proposição que se faz é similar. Philippi (apud de Ferrareze Filho 2012, p. 95) diz que:

a única saída para superar a agonia das coisas que se recobrem, das verdades que nunca se deixam tocar, é oferecer-se como objeto de sacrifício. É assim que aqui se quer abanar em despedida ao Direito. Sacrificando-o. Deixando que padeça até que pingue a última gota de sangue e de consciência. Que se faça morte de sua morbidez. E que, ao final, se amenize a angústia.

Destarte, entende-se que o Direito também deve ser “destruído”. Mas não se defende aqui uma destruição vazia, no sentido de uma sociedade anarquista sem Direito ou leis. A destruição proposta é a da antiga ordem, do positivismo, do normativismo e, em seu lugar, a instituição de uma Nova Ordem, um Novo Direito. Ferrareze Filho (2012) aponta sugestões de “destruição” deste Direito alienante e alienado da realidade. Para o autor, o maior problema do Direito é seu racionalismo exacerbado que acaba por tolher a sensibilidade do jurista ao lidar com casos concretos. Assim, Ferrareze disserta (2012, p. 104-105):

Warat afirma que o maior problema do excesso de racionalismo no Direito é a perda de sensibilidade. Uma insensibilidade que toca aquele que julga e seus vínculos. Que torna insensível a percepção do mundo pela frieza da ficção de verdade e que fomenta a fuga alienante que proporciona as

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abstrações e os anseios modernos de universalidade que não permitem perceber o que a rua grita. Tal qual Capra, que fala de uma cultura nascente e vaticina o equilíbrio entre os opostos culturais e psíquicos, entende-se que, no Direito, movimentos como o Direito alternativo, o Direito Achado na Rua e as inovações da resolução n. 9 do CNJ com o horizonte de humanizar o julgador, ainda que incipientes pela desatenção à autoridade constitucional e pela provável dogmatização das disciplinas propedêuticas nos certames para magistratura, são vagos prelúdios que confirmam, no âmbito jurídico, os prenúncios de Capra e a sensibilidade tão reclamada por Warat. Na mesma linha – porém com mais chance de êxito – estão as novas propostas de descentralização e desburocratização do poder jurisdicional por meio da mediação. Sem que aqui se alongue as explicações em torno do “como” fazer ou extrair resultados da mediação, apenas ressalta-se que esta é uma proposta que busca, por meio do resgate da sensibilidade própria do feminino cultural, analisar o tipo de Direito a ser aplicado em sociedades/comunidades determinadas, diferenciado-se, assim, o Direito regulador do Estado deste Direito que emerge da mediação e que tem um caráter emancipatório.

Observe-se que Ferrareze Filho (2012) fala a respeito do Direito Alternativo, como forma de contraposição ao Direito estatal hegemônico. Sobre o referido movimento, Coelho (2005) preceitua: “O direito alternativo alude à existência de um ordenamento, inserido ou paralelo ao direito hegemônico, mas que legitima o afastamento, a não observância ou mesmo a violação das normas desse direito.” A proposta do Direito Alternativo se mostra como uma “destruição” abrupta do Direito. Coelho (2003) informa que no Brasil, este movimento ganhou força na década de noventa, chegando a proferir diversas decisões contrárias ao direito positivado. Ocorre que os magistrados, atentando-se as particularidades de cada caso e prezando pela justiça acima da lei, acabavam por embasar suas decisões em teses de justiça, em detrimento das teses puramente legalistas. Coelho (2003, p. 327) exemplifica:

Entre inúmeras decisões contra legem já prolatadas, citam-se a determinação de equiparar os salários entre funcionários municipais aposentados e da ativa, a recusa em aplicar a Medida Provisória n. 227, que regulamenta a locação predial urbana. Quanto a esta, o juiz Scapini, em ação que pedia aumento de aluguel baseada na MP n. 227, sentenciou: “Por que é urgente aumentar o valor do aluguel e não é urgente aumentar o salário de quem paga o alugue?” Outro magistrado, considerando auto-aplicável o parágrafo terceiro do art. 192 da Constituição Federal de 1988, que limita as taxas de juros reais em doze por cento ao ano, condenou o Banco Bradesco a pagar danos morais a uma empresa que emitiu dois cheques sem fundo; o juiz Portanova considerou que o banco havia rompido um acordo de cavalheiros, o de descontar os cheques a vínculo para compensar depois. Tem-se também notícia de que o juiz Roenick, em ação de despejo, embora a lei desse razão ao locador, decidiu em audiência que seria injusto despejar a inquilina viúva com filho doente mental de 28 anos.

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O movimento se iniciou, nas palavras de Coelho (2003, p. 329), a partir da “perplexidade em face da alienação de membros do Poder Judiciário em relação aos problemas sociais decorrentes do Plano Cruzado, no interior do Rio Grande do Sul.” Desta forma, “formaram uma associação dedicada ao estudo da filosofia do direito e solveram adotar posição política, declaradamente em favor dos pobres e oprimidos.” Segundo Coelho (2003, p. 330):

A novidade está nas premissas de tal atitude, em que se reconhece que a lei vem sendo usada como instrumento de dominação, que o Judiciário não é neutro, mas comprometido com o poder, que a lei não exaure todo o direito, e, mais ainda, que existem leis injustas, cuja aplicabilidade pode ser recusada em nome de um compromisso superior com a própria consciência e com a sociedade.

Críticas não faltaram a este movimento. Ascensão (apud Coelho, 2003, p. 331, 332) ressalta que

O direito alternativo tem um preço muito elevado, que é a quebra da unidade do sistema e a criação de uma espécie de loteria judiciária, pela qual a justiça fica assentada sobre um sentimento de agradabilidade; no caso concreto, tudo dependeria da sorte ou azar de ir o processo parar nas mãos de um juiz alternativo e da maneira como ele concebe as relações de classe.

Sobre as críticas, Coelho (2003, p. 329) assevera:

[As atitudes do Direito Alternativo] podem gerar oposição em questões de opinião, pois o direito não é matemática e em direito tudo é discutível, mas jamais o desprezo ou o desrespeito por suas idéias, que, em suma, constituem autêntico corte epistemológico em nossa ciência jurídica tupiniquim.

Coelho (2003, p. 329) destaca ainda o fato de que os magistrados que optavam por aplicar a linha do direito alternativo eram detentores de sólida formação jurídica, sendo muitos portadores de títulos de Mestres e Doutores em Direito, “todos dedicados ao estudo da teoria geral e da filosofia do direito”. Assim, o Coelho (2003, p.336) acredita que

Uma sociedade boa ou má depende de nós. Nós a construímos, matéria e pensamento, corpo e idéia e somos por ela responsáveis e, da mesma forma, um direito justo ou injusto depende da nossa atuação como juristas e membros da comunidade. Daí a necessidade de repensar totalmente a educação jurídica, procurando incentivar nossos jovens a formarem nova

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mentalidade, a não se submeterem a uma visão estritamente profissional de um segmento alheio ao todo e alienado aos problemas sociais.

Destarte, tem-se que Coelho (2003) sugere que a destruição do direito seja realizada através da revolução do ensino jurídico nas faculdades, no intuito de formar juristas aptos ao pensamento crítico do Direito, capazes de sobrepujar os efeitos injustos da norma, destruindo-os e primando sempre pelo princípio da justiça, a exemplo do que fizeram os magistrados vinculados ao Direito Alternativo. Ferrareze Filho (2012) defende de forma mais engajada a mediação como verdadeira “forma de destruição” do Direito estatal. A mediação é definida por Araújo (apud Morais 1999, p. 145) como “um mecanismo para solução de conflitos através da gestão do mesmo pelas próprias partes, para que estas construam uma decisão rápida, ponderada, eficaz e satisfatória para os envolvidos.” Através da mediação, um terceiro desinteressado na controvérsia (o chamado mediador) auxilia as partes a, juntas, encontrarem uma solução para os problemas que as afligem. Entretanto, as partes devem concordar com esta solução, não sendo permitido que o mediador imponha-lhes solução, agindo mais como conselheiro do que como juiz. Neste sentido, Amaral (apud Morais, 1999, p. 146)

[Cabe ao mediador] apresentar algo de novo ou diferente às muitas possibilidades levadas em conta pelas próprias partes, podendo estimular ou mesmo ajudar os próprios interessados para que façam ofertas e propostas como base para chegarem a um acordo. Fica ele diante da necessidade de sugerir soluções para as situações consideradas, às vezes, 'impossíveis'.

Destarte, infere-se que a mediação busca fornecer às partes uma solução que beneficie a ambos. Para Morais (1999, p. 146) Na mediação, por constituir um mecanismo consensual, as partes apropriamse do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal tradicional, onde este poder é delegado aos profissionais do Direito, com preponderância àqueles investidos das funções jurisdicionais.

Não se pretende aqui um aprofundamento detalhado do tema; o objetivo deste trabalho é apenas o de apresentar as formas de possíveis “destruições” do Direito. Todavia, importante ressaltar uma característica central da mediação, qual seja, a reaproximação das partes. Sobre o assunto, Morais (1999, p. 149-150) afirma

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O instituto da mediação, ao contrário da jurisdição tradicional, busca aproximar as partes. Trabalha-se para resolver as pendências através do debate e do consenso, tendo como objetivo final a restauração das relações entre os envolvidos. Não se pode considerar exitoso o processo de Mediação em que as partes acordarem um simples termo de indenizações, mas que não consigam reatar as relações entre elas. Por isso dizer-se que uma das funções do mediador é a de (re) aproximar as partes.

Daí a importância da mediação: promover a verdadeira pacificação social, eis que ao recorrerem a ela as partes são reconciliadas umas com as outras, inexistindo vencidos ou vencedores. Demonstrado que o caminho na obra de Tolkien é o de destruir o Anel, e as propostas de “destruição” do Anel chamado Direito, cabem ainda algumas indagações a respeito do tema. Sendo possível a destruição do Anel, o que há de se fazer com o Direito? E o que acontecerá depois? Utilizando a obra de Tolkien, verifica-se que, apesar de serem poucas as chances de destruição do Anel (faz-se necessário que os protagonistas adentrem, sozinhos, os domínios de Sauron, onde milhares de seres malignos estão à espreita), a missão é completada. O pequeno hobbit Frodo consegue, não sem ajuda, adentrar as terras de Mordor e destruir o Anel, salvando todos os povos da Terra Média. Colbert (2002) afirma que Tolkien intenciona, em O senhor dos anéis, demonstrar a importância dos comuns, não considerados heróis. Para Colbert (2002, p. 41), Tolkien acreditava que “a história não é sempre feita pelos famosos heróis e vilões. Indivíduos desconhecidos, como a maioria dos hobbits, desempenham papéis cruciais. E não há papel mais crucial que portar o Anel.” Da mesma forma, pode-se inferir que apenas com o engajamento dos “pequenos” juristas pode se conseguir a “destruição” do Direito. Como já citado anteriormente, Coelho (2003, p. 336) comunga desta ideia ao firmar que

Uma sociedade boa ou má depende de nós. Nós a construímos, matéria e pensamento, corpo e idéia e somos por ela responsáveis e, da mesma forma, um direito justo ou injusto depende da nossa atuação como juristas e membros da comunidade.

Seja através do engajamento acadêmico capaz de fundamentar teses contra legem, nos moldes do Direito Alternativo, seja pelo ato de apresentar (e propagar) a mediação como uma forma de resolução de conflito verdadeiramente interessada nos problemas das partes, na superação destes e na pacificação social, cabe ao “pequeno” jurista “destruir” o Anel Direito.

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Importante ressaltar que ao fim do Senhor dos Anéis, com a destruição de Sauron, um novo poder emerge. Aragorn, um dos personagens centrais da trama, é coroado rei e passa a instaurar um novo regime monárquico na Terra-Média. Tolkien escreve (2006, p. 307)

Naturalmente não entrei em detalhes sobre a maneira na qual Aragorn, como Rei de Gondor, governaria o reino. Um Rei Númenóreano era monarca, com o poder de decisão inquestionável em debates; porém, ele governava o reino de acordo com a antiga lei, da qual era administrador (e intérprete), mas não o criador. Em todas as questões discutíveis de importância doméstica ou externa, contudo, (…) possuía um Conselho, e ao menos escutava o que os Senhores dos Feudos e os Capitães das Forças tinham a dizer.

Observe-se que nem mesmo o autor detalha a face do novo poder que emerge. Não há garantias de que não haverá corrupção, desvio de finalidade, autoritarismo ou mesmo o retorno a um regime de terror, tal qual fora o de Sauron, por parte de Aragorn ou seus futuros descendentes. Da mesma forma, nada se pode garantir a partir da destruição do Anel Direito. Não há garantias de que os direitos serão efetivados de forma mais eficaz, com a adoção do Novo Direito, bem como não há como afirmar de que a paz social será uma realidade latente e perpétua – não se tem essa ilusão. Todavia, acredita-se que a tentativa de mudança, de abandono do conformismo e emergência de uma nova forma de pensar o Direito faz-se necessária, no intuito de evitar que a injustiça e a alienação da realidade continuem a imperar no cenário jurídico brasileiro. Assim, objetivou-se na presente análise convocar uma reflexão crítica, vislumbrando o Direito a partir de uma ótica literária fantástica e, ao mesmo tempo, próxima à realidade jurídica, no intuito de pensar criticar e oferecer alternativas às chamadas crises do direito.

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Considerações Finais Diante do que foi exposto, depreende-se que a literatura pode ser utilizada como instrumento de análise do Direito, se trabalhada em uma perspectiva adequada, desvinculada de um caráter meramente ilustrativo ou exemplificativo. Em um contexto pós-positivista, no qual se busca a reaproximação das ciências sociais e humanas para com a Ciência Jurídica, os estudos entre Direito e Literatura, em suas várias manifestações, tem muitas contribuições a fazer. A arte literária se lança como um novo horizonte a ser explorado, capaz de trazer ao mundo jurídico uma nova interpretação sobre fatos que, vivenciados de forma trivial, não atraem a devida atenção dos operadores do Direito. É este o objetivo deste trabalho: demonstrar que a literatura pode ser utilizada como instrumento de análise do Direito, capaz de proporcionar uma reflexão crítica do leitor. Ao observar o Direito a partir de uma ótica literária longínqua, em um contexto fictício completamente estranho ao mundo real primário, percebe-se que, apesar dos temas fantasiosos, os personagens sociais e as orientações morais são os mesmos do mundo real. Desta forma, no primeiro capítulo, propôs-se um afastamento da realidade cotidiana jurídica, para que, com o auxílio de uma obra fantástica, fosse possível vislumbrar situações corriqueiras sob o disfarce de vilões, anéis mágicos e poderes destrutivos. Para tanto, foi eleita a obra de Tolkien, que permeia questões relativas ao poder de forma única, abarcando em si diversas possibilidades de análises e interpretações. Apresentada a obra e explicitado de que forma o poder nela aparece, fez-se, no segundo capítulo, um breve estudo das relações de poder instrumentalizadas pelo Direito, desvelando o caráter interdependente entre estes, o que permitiu identificar o Direito como o Anel maligno de Tolkien. Feitas estas breves considerações, analisou-se o direito e o poder na obra de Tolkien, demonstrando de que forma Sauron pode ser comparado ao Estado e o Anel, ao Direito. Posteriormente, identificou-se no terceiro capítulo, o caráter dúplice do Direito, que sob o pretexto de prezar pela paz social, permite que interesses contrários aos do povo sejam defendidos; mostrou-se que este caráter já era conhecido pelos sábios da obra de Tolkien, que compreendiam que sob o disfarce de boas ações, diversos malefícios poderiam ser causados pelo uso do Anel. Por fim, levando em consideração a destruição do Anel de Sauron, defendeu-se a necessidade da “destruição” do Direito em seu estado atual, alienado da realidade, e sua substituição por alternativas mais condizentes com os anseios populares, salientando a

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necessidade de mudança e a tentativa de promoção de um Direito mais justo e próximo da realidade.

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