Um cidadão goiano

May 27, 2017 | Autor: Claudia Lessa | Categoria: Economic History, Economía, Principios De Economía
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Um Cidadão Goiano: Do Campo Para a Cidade
A Goiano Man – From the Fields To the City

Claudia Ramos Lessa
Doutoranda em História Econômica FFLCH-USP

Resumo: O texto foi produzido a partir de uma das entrevistas realizadas
para a tese de doutorado em História Econômica. O tema em estudo busca
registrar e analisar os impactos da tecnologia na mão-de-obra rural em uma
cidade do estado de Goiás. O colaborador, Sr. Eurípedes, nascido e criado
na região, demonstrou em sua entrevista, suas impressões com observador e
agente das mudanças advindas com a construção de uma hidroelétrica na
região e da ocupação das fazendas para o plantio de soja. O relato traz
informações sobre a estrutura de vida das pessoas que viviam em fazendas de
auto-sustento e que produziam um excedente de produção para o proprietário
da terra. Essas pessoas, que trabalhavam na terra, mas não eram
proprietários, foram surpreendidas pela venda das tranqüilas propriedades
para grandes empresários dedicados a monocultura e que trouxeram todo um
aparato de tecnologia, dispensando a estrutura e cultura existente. Diante
das mudanças a mão-de-obra saiu à procura de novas oportunidades,
empregando-se nos novos empreendimentos e transformando sua cultura
familiar e vivêncial.

Palavras chave: vida rural, Goiás, 1950.
Abstract: This text was based on an interview made for a doctor's tesis in
Economic History. The subject under study wants to register and analyze the
technology impact on the country man power on a city of Goiás state. The
interviewed, Mr. Eurípedes, was born and grew up nearby, has shown on his
deployment his impressions as an observer and an agent of changes that came
with the construction of a hydro electrical plant on that region and the
occupation of those farms by the soy culture. This story brings us in
formations about people's life style on the farms of self support and they
produce an excess for the land's owner. These people, who works on the
fields but wasn't owners, were surprised to the sold out of these peaceful
properties for some big business men of the soy monoculture that brought
technological instruments rejecting the current structure and culture. With
these changes, the man power looked for new opportunities, being employed
on new enterprises and changing their life and family culture.
Key words: Country life, Goias, 1950
Foi no inicio dos anos 90, cursando as matérias básicas e complementares do
Mestrado em Psicologia Social que fui despertada para a existência de uma
história que ficava fora dos grandes compêndios, mas que integravam o
conjunto da historicidade, podendo chegar a ser a sua maior parte. Minha
confiança de estudante foi surpreendida pela dúvida e nasceu um forte
desejo de busca de relatos do cotidiano para ampliar as fotografias sempre
retocadas dos livros convencionais. O professor Maurício Tragtenberg[1] em
suas aulas e palestras estimulava a reflexão dos alunos sobre o estudo
critico da história e sobre a importância de aprender a ouvir para
reconstruir ou complementar o entendimento dos fatos e imagens,
principalmente do ponto de vista dos vencidos. Já o professor Peter
Spink[2], recém chegado de Tavistok nos anos 80, introduziu em mim a noção
de territoriedade, enquanto enfatizava a importância do pesquisador ir ao
encontro dos fatos na memória e percepção dos atores e agentes sociais.

Os dois mestres despertaram em mim, o respeito e o interesse pela oralidade
como fonte de informação e ambos foram muito rigorosos ao afirmarem a
necessidade de metodologias consistentes para a realização dos trabalhos de
ouvidoria e registro e que as outras etapas, hoje conhecidas como
transcrição e transcriação (pág.30 Oralidades n.1) assegurassem a
fidedignidade das informações encontradas nas fontes. Assim, estimulada
pelo professor Maurício Tragtenberg e orientada pelo professor Peter Spink,
fundamentei minha tese de mestrado.

O artigo que ora apresento "Um cidadão goiano: do campo para a cidade", foi
escrito a partir da primeira entrevista que realizei para meu trabalho de
doutorado, onde busco o entendimento dos impactos da tecnologia no presente
da mão de obra rural. Euripedes, o colaborador dessa pesquisa foi escolhido
por enquadrar-se no perfil desejado para o estudo. Pessoa com mais de 50
anos, nascida e criada no interior de Goiás e que esta vivenciando a
transformação do espaço rural. Ele poderia ter permanecido no campo como
outros o fizeram, deixando de plantar a própria lavoura e se transformando
em assalariado, atuando na operação de maquinas agrícolas ou fiscal de
campo (antigo capataz). Euripedes, assim como seus parentes próximos,
preferiu a vida urbana onde foi aceito por conta da boa escolaridade obtida
ainda na escola rural, mudando o seu padrão sócio-econômico, mas guardando
na memória reminiscências da infância e adolescência vividas no campo, onde
se percebia como feliz.
A entrevista foi agendada por duas vezes sem sucesso a até que por uma
feliz coincidência, tive a oportunidade de viajar com Euripedes de Goiatuba
para Goiânia em um trajeto que dura aproximadamente 3 horas. Munida do
gravador e de roteiro, realizei a minha primeira entrevista para a tese de
doutorado. Duas semanas depois com a gravação textualizada, apresentei o
material produzido ao Euripedes que fez pequenas correções e acrescentou
detalhes, antes esquecido.

Euripedes ficou emocionado em ouvir a sua voz na gravação e pediu cópia das
fitas para mostrar aos filhos. Ele contou para colegas e amigos sua
experiência e disse ter sido uma forma de desabafo e de se encontrar com a
própria história. Nesse sentido, vejo o entendimento, mesmo que não
consciente, de Euripes se sentir participando e perceber o seu papel como
cidadão.

"A necessidade da história oral se fundamenta no direito de
participação social e nesse sentido está ligada à consciência da
cidadania" (pág.24-Manual de História Oral)

Artigo: Um cidadão Goiano
Descrevo neste artigo a trajetória de Eurípedes, ou tio Eurípedes como é
conhecido por todos na cidade de Bom Jesus, Goiás.

Eurípedes como muitos cidadãos deste Goiás, viajou na história, percorrendo
os movimentos da economia e da tecnologia, mudando o perfil em função da
cultura encontrada na sua escalada de homem nascido e criado no campo e
adotado pela cidade onde chegou em busca de moradia e trabalho, após a
venda propriedade do avô nos anos 70.

A trajetória de uma vida, cantada em versos, prosa ou nas imagens filmadas,
tocam o espectador pelo vislumbre artístico. Ficção ou versão romanceada da
verdade pode parecer mais dura ou mais branda que a própria realidade.
Nesta entrevista, a linguagem simples de um sertanejo retrata a trajetória
vivida e sentida como os traçados das linhas do destino, desenhadas para
testar a força do homem no cumprimento de sua missão no viver. Situações
temerárias da sobrevivência são tratadas como desafios impostos e vencidos
pela sorte ou capacidade de improvisar e encontrar a ferramenta certa para
solucionar os problemas com os quais se deparam do nascimento a morte,
passando pelo sustento conquistado a cada dia seja cortando a terra para
fazer frutificar os germes ou vendendo sua mão-de-obra na busca do salário.



Rotinas da Vida no Campo
Eram 46 alqueires goianos, equivalentes a 250 hectares de terra, lá vivia
seu avô com a mulher e 9 filhos com suas respectivas esposas ou maridos e
uma prole que aumentava todo ano.

A rotina no trabalho da terra era a velha conhecida por todos. Sem marcação
horária a duração do trabalho era do nascimento ao por do sol.

Levantavam ao cantar do galo, antes do sol nascer. Os homens iam tirar o
leite e cuidar das criações domésticas, enquanto as mulheres preparavam a
primeira refeição do dia.

Eram 5 refeições bem servidas em um só dia, segundo tio Eurípedes, que na
entrevista se surpreende e compara com o dia-a-dia na cidade onde é
freqüente as pessoas saírem para o trabalho tendo tomado apenas uma xícara
de café preto, almoçarem coisas leves ou simplesmente tomarem um lanche
rápido no meio do dia e jantarem na frente da televisão – "hoje comemos
muito menos e ficamos mais gordos", observa o entrevistado.

As mulheres dessa fazenda não trabalhavam no campo, fato freqüente no
estado de Goiás, que destina a mulher tarefas ligadas a casa, a criação dos
filhos e atividades como: fiação de algodão; produção de tecidos; confecção
de roupas; e preparo de farinhas e alimentos.

O preparo das quitandas do café da manhã, começava na noite anterior quando
o forno era aceso com angico, madeira seca boa para fogo e ficava queimando
durante toda a noite. Pela manhã tiravam as cinzas e colocavam para assar o
pão de queijo, brevidades e biscoitos de polvilho.

Na grande mesa de madeira eram colocados o café e o leite, melado, queijo,
manteiga e as quitandas, como são chamados os farináceos doces e salgados,
acondicionados em cestas de tabocas, feitas pelo pai ou filhos da casa.

Conforme terminavam de comer, os homens da família pegavam a foice, facão e
enxada para seguirem para a roça.

As mulheres, como foi dito anteriormente, ficavam responsáveis pelos
cuidados da casa, preparo das refeições, trato das criações domésticas e
dos filhos pequenos.

O almoço preparado desde cedo, tinha que chegar à roça até as 9 horas da
manhã, como ainda é costume em algumas lavouras. O alimento era colocado em
caldeirões de 1 litro e meio, tapados e levados pelas crianças para o pai e
irmãos maiores que já tinham terminado a escola. Iam a pé ou se utilizavam
de cavalo quando a roça era distante.

Eram servidos de arroz, feijão, uma carne que podia ser galinha, porco e
raramente vaca, pois por falta de refrigeração exigia um trabalho
complicado para a conservação feita pela salga e em banha, manteiga de
porco como é chamada. A dieta era farta de legumes plantados ao redor da
casa. Abóbora, chuchu, quiabo, jiló, entre outros compunham a refeição da
roça. O queijo era farto, pois eram preparados diariamente para
aproveitamento do leite produzido, além das farinhas de mandioca e milho.

A carne de sol compõe a dieta do goiano, mesmo após a vinda da
refrigeração. São cortes especiais do boi, revestido por sal grosso e
colocados em um varal para secar ao sol, coberto por telas para evitar a
contaminação por insetos. Esse tratamento além de conservar dá a carne um
sabor especial quando preparada na brasa ou mesmo nos guisados. A
conservação da carne de vaca em banha é a chamada carne de lata, ainda é
conhecida na região, não mais como base alimentar, mas como uma gastronomia
típica e especial. O preparo da carne de lata é considerado difícil pelo
trabalho que dá sendo que a população mais jovem, segundo o tio Eurípedes,
mesmo morando na roça, desconhece a prática utilizada por seus avós e pais.


A manteiga de porco ainda é fartamente utilizada na região, para o
cozimento e frituras, mesmo pela população urbana. O preparo da carne de
lata seguia um ritual iniciado na engorda do "capado", porco em que se
retiram os testículos evitando um cheiro e gosto diferenciado a carne.
Nesse processo de engorda busca-se obter a maior quantidade possível de
gordura para transformá-la em banha. A carne de vaca era obtida pelo abate
local de uma rês da criação pessoal ou comprada especialmente para esse
fim. Antes do abate da vaca, se matava o "capado" para a retirada da banha
ou manteiga de porco. A vaca é desossada, cortada, frita na gordura do
porco e depositada em latas, fechadas na solda para conservação. Para o uso
as carnes eram retiradas e aquecidas, sendo uma iguaria especial por ser
muito tenra e de excelente paladar. Cada vaca produzia aproximadamente 10 a
12 latas, consumidas em durante meses, dado custo e tempo de preparação,
era comum às famílias matarem uma vaca a cada semestre, utilizando-se com
freqüência de galinhas e porcos animais criados no quintal na alimentação
cotidiana.

Às 13 horas, as crianças em regime de revezamento levavam a merenda para os
trabalhadores do campo. Era arroz doce, canjica, doces, queijos, quitutes
de merenda. Colocados em tachos ou lavadeiras (bacias de alumínio) e
amarradas com panos brancos e quitandas nos cestos de tabocas.

Às 15 horas voltavam novamente para a roça trazendo o jantar, dieta
semelhante ao almoço servido às 9 horas.

O sol se pondo voltavam os trabalhadores para casa, a pé usando o animal
(cavalo) apenas para carregar as ferramentas.

Chegando em casa era costume se lavar ou tomar banho e depois a ceia
composta de café, leite, quitandas e caldos. Às oito horas da noite já
reinava o silêncio. Todos dormiam.

Nascimentos
Há 8 quilômetros da fazenda morava Maria do Centro Espírita, parteira como
tantas mulheres anônimas que fruíram a luz cidadãos do mundo. Detentoras de
conhecimento e da prática de "cuidadoras ou doulas" ajudam outras mulheres
a parir e cuidar de si e dos rebentos.

O pai de Euripedes, assim como seus tios preparavam dois cavalos logo após
os primeiros sinais ou dores de parto. Seguiam pelas estradas e atalhos mal
conservados na busca da medicina da vida. Dona Maria tomava sua bolsa e
capa Ideal, marca conhecida na região, para proteger dos ventos e da chuva,
montava o cavalo trazido e seguia o marido sem tempo marcado para retornar.

As moradias de pau a pique e telhas de barro eram preparadas pelos maridos
que colocavam forros de cobertas no teto e nas janelas para evitar
respingos e friagem que pudesse comprometer a saúde da mãe e da criança.
Eram 45 dias de resguardo quando a mulher se recuperava do parto
normal/natural e tratava da amamentação da criança. A mãe, sogra ou comadre
deixavam suas casas para cuidar da parturiente. Mulheres da comunidade
seguiam em visita levando caldos, doces e comidas permitidas nesse período.

As galinhas gordas do quintal eram reservadas para a dieta da mulher, assim
como o lombo do porco ressecado eram servidos com farinha de milho, para
assegurar a recuperação e produzir leite gordo para a criança. Sr.
Eurípedes opina – "Por isso as mulheres eram mais sadias". Poucas mulheres
morriam nesse tratamento rudimentar. Na família do Tio Eurípedes sua mãe
teve 5 filhos e suas 8 tias que viviam no local, irmãs ou cunhadas, tiveram
acima de 5 filhos cada uma. Em caso de morte da mãe, a criança era entregue
a uma comadre, irmã ou mulher da comunidade para ser aleitada, já que
mamadeiras eram utilizadas só para animais órfãos ou abandonados pela mãe.

Doenças
Grande parte das doenças eram tratadas com chá e remédios do mato. Alguns
costumes como uso do matruz para combater verme. Ainda hoje há quem tome
abacate batido com matruz pela manhã como fortificante. O avô do tio
Eurípides preparava bala de feijão com matruz. As balas eram preparadas
como um doce e embaladas em palha de milho ou de bananeira e colocadas em
cima do fogão para secar e defumar. Essa bala era oferecida às crianças no
combate a verminose.

Uma doença mais grave se levava ao farmacêutico na cidade mais próxima.
Médicos só nas cidades maiores e era de difícil acesso.

Era comum que pessoas contraíssem maleita, principalmente quando iam para a
beira dos rios pescarem. O diagnóstico era feito em função da febre e
suadeira, a cura era feita tomando os comprimidos doados pelo governo,
disponíveis na casa do fazendeiro.

Morte
Os mortos eram velados e enterrados na própria fazenda. O caixão, segundo
tio Eurípedes, era construído por seu avô ou seu pai, em função dos
conhecimentos de carpintaria. Mais tarde foi construído cemitérios e os
mortos eram levados em carro de boi.

Educação
A escolarização no campo era uma opção do fazendeiro. Segundo Euripedes,
ninguém tinha só dois filhos, era de 5 para cima. O avô de Eurípedes
preocupado com o grande número de crianças em sua fazenda contratou um
professor para residir na fazenda, Sr. Manezinho Camilo. Com uma perna só,
muito enérgico e munido de palmatória, decidiu que ficaria se as crianças
fossem liberadas do trabalho no campo estudassem em período integral. Foram
arranjadas duas salas com mesas e bancão de madeira e durante um ano as
crianças estudaram às 07h00min da manhã às 17:00 da tarde com atividades de
escrita e matemática que foi de grande valia para todos que mais tarde
conseguiram se adaptar com facilidade as escolas da cidade.

Na época quatro anos de escola era o que os pais almejavam para os filhos.
Os pais falavam com orgulho que o filho já tinha escola quando sabiam ler e
fazer as quatro operações.

Cooperação e relações comunitárias
Na fazenda do avô do tio Eurípedes viviam 14 famílias. Os avós, seus nove
filhos e os demais agregados. Nos arredores as fazendas dos pequenos
proprietários, se organizavam de forma semelhante. Pais, filhos, parentes e
agregados.

A cidade mais próxima era Cachoeira Dourada e ficava há 6 quilômetros e
como ninguém possuía carro, esse trajeto era feito a pé ou a cavalo. Era
muito difícil as famílias se deslocarem para a cidade. Quando Eurípedes
tinha uns 10 anos surgiram as bicicletas na região, mas as estradas eram
muito ruins. Os homens costumavam ir às compras ou negócios nas cidades
próximas. De Cachoeira Dourada para Itumbiara, a maior cidade da região, se
utilizavam do transporte de uma jardineira, pequeno ônibus e que seguia
pelas estradas e atalhos, atravessando córregos por dentro da água por
falta de pontes. Os horários desse transporte eram irregulares, pois
dependiam do tempo, quando chovia costumava atolar e quebravam com
frequência, a viagem só continuava após o conserto, sempre muito demorado.
Na bagageira traziam sacos de galinhas, queijos e outras produções. – "A
vida era difícil, mas era boa", reforça tio Eurípedes.

As fazendas também eram distantes uma das outras, mas a vida comunitária
era muito rica pelo sentido da cooperação.

As moradias guardavam uma semelhança. Construídas de pau-a-pique, com chão
de terra batida e terra comum. A base era o quarto, onde dormiam o casal e
os filhos menores de 10 anos. A sala que servia como deposito de sacarias e
cozinha com fogão de lenha e uma grande mesa e bancos de madeira. Na frente
uma varanda e nos fundos um puxadinho para a lavagem de louças, roupas,
matança e tratamento dos bichos. Com o aumento da idade dos filhos era
construído o quarto das meninas e dos meninos em separado. O fogão era de
lenha e era comum um bule de café sempre cheio para quem chegasse durante o
dia. Pela manhã ou anoitinha, quando o tempo fica mais frio, as crianças
gostavam de ficarem se aquecendo "esquentando fogo" a beira do fogão. As
mães costumam repreender as crianças dizendo: "saia do rabo do fogão para
não se constipar". Diziam isso por acharem que a diferença de temperatura,
poderia trazer resfriados nos filhos.

Havia uma sobreposição de relacionamentos em um misto de social e
econômico. Cooperação espontânea troca de favores e gêneros. Segundo tio
Eurípedes era freqüente alguém pedir um dia de trabalho em troca gêneros ou
algo que necessitasse. Como exemplo citou a troca de um dia de trabalho por
um litro de banha. Isso ocorria porque a banha era produzida pelo porco e
algumas vezes a banha da casa terminava e o capado, porco destinado à
engorda, ainda não estava gordo o suficiente para ser abatido.

Por ocasião das colheitas costumavam formar mutirão "ajutório" com dia
marcado, ou uma "traição" – grupos de amigos que surpreendiam o outro para
ajudá-lo em uma empreitada difícil ou atrasada por motivos de doença ou
outro qualquer.

Toda família da região que possuísse terra, arrendada ou própria costumava
incluir em sua roça de subsistência o plantio do algodão. Depois de colhido
e seco era feito um mutirão para a fiação.

As mulheres região daquela e outras fazendas, combinavam o dia do mutirão
em domingo ou feriado e seguiam para a casa escolhida levando nas costas a
roda de fiar. Passavam o dia fiando e fazendo novelos de algodão.

Na família do tio Eurípedes, os novelos de algodão eram guardados e a avó
ajudada pelas filhas e noras, tingiam uma parte utilizando urucum e
começavam a tecer tecidos com diferentes texturas para o uso em calças,
camisas, bermudas e colchas. Os tecidos eram crus, alvejados e vermelhos
pelo urucum. Eram tão fortes que, segundo tio Eurípedes, não rasgavam
quando se prendiam em alguma cerca de arame farpado.

O único tecido comprado fora era o "americano". Tecido fino branco e
listrado usados para camisas de trabalho, forro de colchões, e uso
domestico no preparo de farinhas e polvilho.

Os homens acompanhavam suas mulheres no mutirão de fiação trazendo suas
foices e aproveitavam para bater roça, no que chamava de "ajutório"
cooperação entre amigos. O dia era uma festança, pois enquanto fiavam as
mulheres diziam versos e cantavam. No entardecer acontecia uma festança.
Vinham sanfoneiros, violeiros, batedor de pandeiro, tinha música e baile à
luz de lamparinas, candeias de azeite e lampiões de querosene. Os ritmos
mais conhecidos eram pagodes, rancheira e xote, marchinha, rancheira,
bolero.
São João era a festa maior. Além da fogueira era o dia de batizar as
crianças, assim como São João batizou Cristo, os batismos eram feitos por
um rezador experiente na beira da fogueira.

Eram muitas festas no mês de junho. Começaram elevando o mastro e hasteando
a bandeira dos santos. Começava em Santo Antonio – 13 de junho para se
encerrar no dia 29, dia de São Pedro. As festas eram precedidas das rezas,
um terço religioso para cada santo.

Os casamentos eram realizados na igreja da cidade, a noiva seguia em carro
de boi. Um casamento movimentado contava com 200 a 300 cavaleiros e depois
uma grande festa com comida, música e dança.

Natal e Ano Novo não eram conhecidos e as crianças não costumavam ganhar e
nem tinham brinquedos. Os folguedos infantis eram junto da natureza e
dificilmente uma criança saia do seu habitat. O tio Eurípedes conta que
quando fez 10 anos, seu pai o levou a Itumbiara e na Praça da Republica lhe
disse: "Meu filho hoje vou te apresentar sorvete – você não conhece, mas é
muito bom". Costumava ouvir a expressão mar quando ia à beira do Paraíba,
perto da cachoeira, pois dado o volume de água, os adultos diziam parecer
um mar. Tio Eurípedes, só veio a conhecer o mar em 2006, confessou que
nunca poderia imaginar algo tão grande e poderoso.

Correr pelo cerrado era uma prática dos garotos. Atravessar o cerrado para
levar comida para roça ou afazeres de levar recados e encomendas as outras
fazendas. Isso era feito sem horário, mas tudo durante o dia, pois muitos
perigos espreitavam a região, lardeada por onças, cobras e outros bichos
ameaçadores. Com freqüência se tinha notícias de animais domésticos
devorados por bichos do mato, ou o ataque a pessoas e picadas de cobra,
quando muito bicho e gente morriam por falta de soro e a distância na busca
de socorro.

Desde pequeno as mães orientavam os filhos para os perigos e a arte de se
safar de situações de risco. Como acontecia no tempo das frutas, em que as
mães avisavam que assim como as pessoas gostavam das frutas as cobras
também gostavam e ficavam alardeando o mato.

O cerrado além de arvores com flores de linda coloração como os ipês roxo,
rosa, amarelo e branco, possuem grande variedade de frutos como: pitangas,
mama-cadela, cajuzinho do campo, murici, araticum, entre outras. O cheiro
das frutas é tão forte no cerrado, segundo tio Eurípedes que de longe se
consegue localizar a fonte. Fevereiro e março são as frutas da quaresma.
Gabiroba em setembro e novembro. O articum-cagão tem esse nome, pois quando
comido em quantidade causa diarréia. Nas veredas em lugar de pedra
roladeira crescem muitas frutas de cerrado e entre elas se destaca a
marmelada-bosta-de-cachorro, conhecida pela sua doçura e má aparência.

Jatobás, pau de óleo, guatambu, matambu, pequi, aroeira, pau de jacaré,
mata-paca, bingueiro, são árvores do cerrado.

O canto dos pássaros alegra o cerrado. O jacu, um pássaro muito grande,
jao, juriti e aves que são iguarias na mesa do goiano como o nhambu, a
codorna e a perdiz.

A economia e sistemas de medidas
O proprietário da terra, comprada ou recebida por herança, tinha o cuidado
de zelar e liderar o pessoal. Os proprietários que não apresentavam
liderança sobre a família, logo vendiam pela dificuldade de tirar o
sustento da terra.

Vitalino, o avô do tio Eurípedes, e sua mulher Tomasa, lideravam o trabalho
da terra e a família de 9 filhos, todos casados e compunham com marido ou
mulher 18 pessoas que procriavam anualmente, além de 4 famílias de
agregados, residindo na fazenda.

Os agregados eram contratados ou "tratados" para plantar "a meia". O
fazendeiro definia a área o tipo de lavoura e fornecia os gêneros básicos
de sobrevivência (arroz, feijão, sal, gordura um capado, equipamentos e os
recursos de plantio como sementes). Ao final era contada a produção e
descontadas as despesas com combustível e materiais e equipamentos. O valor
líquido obtido na produção era então divido meio a meio, entre os meeiros e
proprietário. O agregado recebia um alqueire para a construção da casa e
plantio de sua lavoura de subsistência. Existiam meeiros que já tinham um
pequeno terreno, ou casa montada, dessa forma o trato era só o trabalho na
terra sem fornecimento dos gêneros e infra-estrutura. Daí a expressão
meeiro com fornecimento e sem fornecimento.

O avô possuía 250 hectares alqueires e cada filho ou genro recebia 3
alqueires para uso próprio. Nessas áreas plantavam arroz, feijão, café,
milho, frutas, hortaliças e criavam animais para a subsistência da família.
Reservavam parte do terreno para plantar algum gênero para comercializar. O
pai de Eurípedes comercializava amendoim e gergelim plantados em operação
casada com o arroz e que eram vendidos a cada safra a um comprador que os
procurava periodicamente e dispunha de caminhão para o transporte da
mercadoria. Muitas vezes conseguia vender o excedente de arroz e feijão da
economia de subsistência aumentando seus ganhos.

As frutas, legumes e hortaliças não tinham mercado e eram consumidas pela
família, dadas aos amigos e alimentavam os animais de criação. Ninguém
comprava, pois todo mundo tinha, registra tio Eurípedes.

Os 3 alqueires disponibilizados eram em pagamentos pelo trabalho na fazenda
do avô, pois nenhum filho recebia qualquer salário ou retribuição pela
venda da safra da fazenda do pai. Em uma safra boa o pai costumava
presenteá-los com ferramentas ou animais como um potro, cabra, galinhas,
porco. Qualquer presente era benvindo e motivo de orgulho e elogio a
generosidade do proprietário.

Conhecedor da terra, sua cultura e costumes, o avô de Eurípedes,
considerava 3 alqueires, o suficiente para garantir o sustento de um núcleo
familiar e a prospecção de uma economia pessoal.

O trabalho na grande fazenda, onde se plantava em larga escala arroz,
feijão, milho e algodão para comercializar, contava com a mão-de-obra
masculina existente na propriedade. Todos trabalhavam no cuidado com o
gado, construção e conserto de cercas, abertura de ruas e atalhos, preparo
de solo, plantio, tratos culturais, combate a pragas e colheita. Recebiam o
direito de uso da terra para moradia e plantio a título de remuneração.

Mais tarde Eurípedes, casou-se com a filha de um fazendeiro e a economia
era semelhante.

Ele trabalhava na fazenda do sogro e mantinha arrendada uma área de 10
alqueires avalizada pelo sogro para subsistência e renda.

Ao que tudo indica essa prática econômica de convivência está incorporada
aos costumes da população, pois não existiam queixas ou contestações
aparentes, como hoje ocorre com o movimento dos sem terra, explica o tio
Eurípedes.

O proprietário da terra estabelece uma relação paternalista com a família e
agregados. Distribui as tarefas, avalia os resultados, toma as decisões e
define os direitos e deveres de cada um. O
proprietário generoso costuma emprestar máquinas e equipamentos aos filhos
e agregados, avalizar financiamentos, aconselhar nos negócios e nas
relações familiares.

Entre os filhos, genros e agregados existia uma contabilidade dos dias
trabalhados uns para os outros. Se um usou dias construindo ou reformando a
casa de alguém, essa pessoa ficava devedora do mesmo número de dias e
durante o ano pagava com os serviços que sabia fazer ou dias roça.

Contratação de mão-de-obra
Na falta de mão-de-obra o avô do tio Eurípedes, assim como os demais
fazendeiros da região, costumavam "comprar peão" na pensão do Mane-Peão. Os
"companheiros" – expressão de tratamento, eram buscados no nordeste e
transportados em caminhões – "pau-de-arara" e ficavam na pensão até que um
fazendeiro interessado pagasse as despesas e transporte e hospedagem.
Costumavam ficar 2 a 3 meses na espera. O "companheiro" era levado à
fazenda e só começava a receber após a quitação da despesa. Segundo tio
Euripedes, isso chegava a demorar um ano, portanto só no ano seguinte o
"companheiro" começava a receber. Muitos ficavam só mais 6 meses, outros
mais um ano e outros casavam e se tornavam agregados na região e não mais
voltavam à terra de origem, conforme aconteceu com um "companheiro" que se
casou com uma tia do Euripedes, anos depois ele dizia que não sabia mais da
família deixada e nem se os pais ainda viviam.

Tio Eurípedes disse que quando estudou História e soube do comercio dos
escravos da África, se lembrou da negociação na compra de peões da fazenda.

Os fazendeiros preparavam a habitação dos "companheiros". Eram os chatões –
cabanas baixas feitas de capim, camas de forquilha e colchões de pano
americano cheias de palha de milho.

Padrões de Medida
A região e as fazendas não disponham de balanças e utilizavam os recursos
da região como padrão de medida. Dessa forma eram utilizados os seguintes
padrões de medidas:
2 mãos igual a 1 jacá – 120 espigas de milho
1 mão igual a meio jacá – 60 espigas de milho
Meia mão um jacá pequeno – 30 espigas
Volume saco bandeira 5 a 6 quartas – aproximadamente 60 kilos de arroz
Porcos e vacas comprados por arrobas – 15 kilos aproximadas – sem o
uso de balança
1 carro de boi 44 jacás de 120 espigas
Quarta de feijão, equivalente a 18 litros.
Amendoim debulhado vendido em arrobas de 15 kilos
Caminhão equivalente a 45 sacos bandeira
Vaca boa de 15 litros de leite


Processos e tecnologias
Tudo era aprendido dos mais velhos para os mais novos, disse tio Eurípedes.

Assim os jovens aprendiam os costumes de viver e tratar a terra e a
criação. Os pais falavam poucos com os filhos, mas ensinavam todos os
trabalhos e davam exemplos. As mães davam conselhos, mas sem muita conversa
por viverem muito ocupadas.

O trabalho na lavoura contava com poucos recursos técnicos. Usavam o
ferramental básico como enxadas, enxadão, machado, cavoca, facão, matracas,
foices e cutelos.

A área de plantio era definida pelo fazendeiro em função da experiência do
terreno. A leitura da região pela quantidade de chuva, rios, vegetação,
ensolação, textura e cor da terra, substituíam a análise técnica do solo.
As sementes eram selecionadas entre as melhores do plantel e guardadas em
locais especiais para evitar umidade e contaminação.

O mato arrancado no machado e enxadão, retirada da lenha e a queima era a
prática de limpeza do terreno. No enxadão também eram abertos os atalhos e
arruamento da área de plantio. A enxada era a ferramenta mais utilizada no
processo de aragem e capina e a matraca no plantio, assim como a foice e
cutelo na colheita.

Depois de colhido tudo era ensacado e vendido para comprador que vinha
buscar de caminhão.

Durante parte da sua infância, diz Eurípedes, esses eram os equipamentos
vistos. Quando já estava grandinho 7 para 8 anos chegaram à fazenda
plantadeira, carpideira e roçadeira de tração animal em que usavam o cavalo
ou égua para o trabalho.

Pragas do Campo e formas e plantio
Segundo tio Eurípedes, muitas pragas ou eram desconhecidas ou não existiam.
Plantavam sem qualquer adubo, em função da grande extensão. Somente as
hortas domésticas recebiam adubo animal vindo do curral dos bois e cavalos
ou mesmo do galinheiro. Ele percebia que a produção não era tão alta como
se verifica hoje, mas pouco tinham a combater.

Os pássaros eram ameaça ao plantio de arroz. Antes do plantio já preparavam
um espantalho ou judas como chamavam, sempre com algo que movimentasse pelo
vento para evitar que os pássaros comessem a semeadura. Se a área era
grande costumavam soltar foguetes de manhã e no final da tarde, hora que as
aves saem para se alimentar.

As formigas cortadeiras que atacavam principalmente as plantações e arroz e
gergelim eram combatidas com formicida Tatu, produto comprado nas lojas da
cidade e aplicado com bomba. As lagartas e os pulgões eram vencidos com uma
mistura de água e fumo de corda, aspergidas na plantação.

Nas conversas na hora da ceia eram passados ensinamentos da terra como:
Nada que dá dentro da terra pode ser plantado na lua cheia, pois não forma
raiz só rama. A lua nova é a melhor para o plantio do que dá fora da terra.
É a fase ideal para o plantio do arroz, feijão e milho. As melancias têm
grande produção de frutos doces, os jilós são mais amargos, a bananeira dá
cacho mais longo.
As figueiras devem ser podadas na noite escura de agosto (lua nova) para
dar figos doces e em grande quantidade.

Depois do mato alto vem a capoeira lugar de terra cultivável.

Alguns gêneros eram processados artesanalmente como é o caso da produção de
farinhas, polvilhos, rapaduras e até medicamentos domésticos.

O polvilho, produto da mandioca é de fundamental importância na alimentação
do goiano. Com polvilho são produzidos pães, bolos e biscoitos, compondo
parte da quitanda goiana. A produção artesanal do polvilho é muito demorada
e exige conhecimentos para não perder e para que tenha rendimento. O avô de
Euripedes utilizando seus conhecimentos de carpintaria produziu um artefato
que acelerou em muito o processo. Uma roda como as de carroça, girava
próxima a um ralo feito com chapa metálica furada com pregos, onde passavam
as mandiocas descascadas por um mutirão familiar. O coxo tinha uma abertura
para o escoamento da água que era vedada com sabugo de milho, quando
necessitava reter a água, para deixar a farinha de molho. Depois de ralada,
a massa ficava azedando e seu fermento começava a apitar – bolhas de ar que
emitiam um chiado. Nesse ponto era retirada a água e colocado para secar e
armazenar para o uso.

O açúcar branco para as festas era preparado artesanalmente. A calda da
cana engrossada era depositada para secagem em um coxo de madeira que
ficava suspenso do chão e era revestido e coberto de capim jaraguá e barro,
onde ficava até estar completamente branco e seco.

O arroz para o consumo familiar era batido no pilão doméstico, à noite para
ser preparado no dia seguinte. Com o tempo o pai de Euripedes comprou uma
carroça e levava o arroz para bater na máquina da cidade. Essa mudança foi
uma tranqüilidade para a família, pois pisar o arroz era uma atividade
pesada, quando feita no pilão. Essas viagens periódicas a cidade também
trouxeram inovações na dieta alimentar, pois o pai trazia coisas da cidade.
A grande lembrança foi uma lata de bolachas, guloseima desconhecida das
crianças da casa.

A nova economia: Hidroelétricas e Cultura de Soja
Tudo aconteceu junto, segundo Eurípedes. "Nos anos 70 vieram pessoas
oferecendo preço fechado para comprar a fazenda. Nunca tinha acontecido
isso, pois ninguém pensava em comprar e vender. A vida era aquilo e mais
nada. Não sei o que veio primeiro se a soja ou a hidroelétrica, ele se
indaga. Acho mesmo é que vieram juntas". A fazenda foi vendida e o
dinheiro que o avô recebeu em pouco tempo acabou. "Ninguém viu em que".

Todos os homens da família de Eurípedes e seus vizinhos de outras fazendas
conseguiram empregos na cidade. Muitos ingressaram na construção das
barragens e hidroelétrica. O avô e o pai eram carapinas, especialistas em
construírem carros de boi, cabo de machado, canga e utilitários de madeira.
O pai fez um curso rápido e empregou-se como carpinteiro. Os tios e primos
foram buscando as novas colocações que abriram na cidade e aprenderam
profissões como: alfaiate, motorista, soldador, operador de maquina e
ajudante de obra. Os mais novos que tinham algum estudo se empregaram no
funcionalismo público e até mesmo no comércio. Com a conclusão das obras
muitos se mudaram de cidade e para outros estados e em pouco tempo a
família se dispersou e hoje ficam anos sem se ver ou falar.

Tio Eurípedes, trabalha como motorista em uma usina de açúcar e álcool na
região e por conta de suas viagens, de longe em longe passa pela região
onde era a fazenda de seu avô. Diz sentir no ar o cheiro das frutas de sua
infância, apesar de tudo ser um mar de soja.

Tem três filhos adultos do primeiro casamento e dois menores do segundo.
Vive em casa própria e tem o conforto de família de classe média. A esposa
é educadora e complementa a renda da casa.

Possui uma chacrinha porque não consegue viver sem a terra onde gosta de
cultivar a horta e um pomar. Fica chocado com o preço das frutas e verduras
encontradas no mercado. Preservou as receitas da avó e da mãe e costuma
preparar quitandas e quitutes para os filhos e amigos.

"Nos tempos da fazenda a vida era comprida – o tempo demorava passar" – Não
existia dinheiro para a gente, mas todos tinham fartura. "Em toda casa
tinha queijo, manteiga, frutas, verduras, legumes e galinhas gordas no
quintal". Hoje tem muito dinheiro, quando comparado a outros tempos, mas
não dá para comprar nada. Tudo é caro, fora aqueles que usam para comprar
roupas e bobagens, deixando faltar coisas essenciais como uma boa comida.

Acredita que se a fazenda não fosse vendida, hoje poderiam estar bem de
vida arrendando a terra para plantio de soja ou cana. Se o dinheiro do
arrendamento fosse bem aplicado poderiam comprar equipamentos e plantarem
diretamente a soja e cana e ganharem muito dinheiro. E o bom seria, segundo
ele, preservar um espaço para horta, pomar e criação.

Sente saudades da organização familiar e do companheirismo desinteressado.
Acha que grande parte dos males de hoje é a desagregação das famílias. A
liderança do pai e da mãe é que define a honradez dos filhos. Não
precisaria ser como antigamente, quando por costume não existia carinho e
dengo para com os filhos. A liderança com os dengos faz os filhos ficarem
ainda melhores e amarem e respeitarem mais os pais.

Hoje segundo ele, existem mais médicos e mais doenças. As pessoas não sabem
cuidar do próprio corpo e não sabem ensinar os filhos esses cuidados. O
pessoal gasta dinheiro comprando xaropes caros por não saber preparar um
simples xarope de guaco para a tosse, ou fazer simpatia para tirar
quebranto e curar verrugas. Dizem que sarampo, catapora e caxumba matam.
Aqui nas terras nunca matou, pois toda avó sabia como cuidar das crianças e
a cada doença infantil a gente crescia e ficava mais forte. Não sabem
cuidar de coisas simples. Para parir tem que ir para hospital e o pior
abrir a barriga.

Percebe que um ano do ensino da escolinha da fazenda era muito melhor que 4
ou 5 nas escolas de hoje. Diz que tudo vinha da liderança do professor para
com o aluno. Às vezes podia ser um pouco bravo, mas todo mundo aprendia,
porque havia dedicação e o professor tinha orgulho de ter ensinado. Tanto
que nas festas às vezes pedia para um menino puxar a leitura e não tinha
maior orgulho para o pai de saber que seu filho podia ler na frente de todo
mundo.

Quem sabia cantiga ensinava. Todos ensinavam todos por camaradagem e por
acharem que a vida é assim.

No passado as igrejas eram distantes, mas a fé em Deus se aprendia desde
pequeno. Tinha sempre um rezador ou rezadeira que deixava essa herança para
alguém com vocação.

A morte era coisa temida, mas respeitada. Quando alguém tava para morrer
vinha gente de longe visitar. Quando morria todo mundo que sabia da morte
vinha ajudar, mesmo que não fosse parente ou conhecido. Fazer o caixão,
cozer a mortalha, o buraco para enterrar, tratar o defunto e até ajudar na
feitura da canja e dos comes para as visitas, o pessoal ajudava.

Segundo Eurípedes ou Tio Eurípedes como é conhecido o mundo mudou e deixou
lembranças e saudades!

Claudia Lessa
Administradora de Empresas
Mestre em Psicologia Social
Doutoranda em História Econômica
Professora em cursos de MBA























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[1] Maurício

[2] Peter
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