UM \'CRÍTICO\' DE PHOTOGRAPHIA – MANUEL RODRIGUES NO O OCCIDENTE, 1886

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UM ‘CRÍTICO’ DE PHOTOGRAPHIA – MANUEL RODRIGUES NO O OCCIDENTE, 1886 António Barrocas

Em 4 de Abril, de 1886, abre no Palácio de Cristal, no Porto, a Exposição Internacional de Fotografia organizada pela Photographia Moderna1. Esta exposição recebe, ao longo de 1884 e 1885, o apoio e a divulgação na revista A Arte Photographica2. A crítica ou a notícia da realização desta exposição surge no O Occidente, num artigo extenso, desdobrado por alguns números3. Neste artigo Manuel M. Rodrigues4 deixa, explicita e implicitamente, as suas concepções ou ideias de fotografia e são estas que vamos analisar e contextualizar relativamente às principais questões teóricas presentes na cultura visual oitocentista e, particularmente, às questões relacionadas com o processo fotográfico. Muito clara é, como veremos, a sua concepção de retrato.

EUROPA E E.U.A. DE 1839 A 1900. TEORIA DA FOTOGRAFIA E OPÇÕES ESTÉTICAS. O primeiro texto em que se considera haver uma presença de ideias estéticas sobre fotografia é o The Pencil of Nature de Fox Talbot5, de 1844, apresentado cinco anos depois da consagração oficial da fotografia ou da daguerreotipia e, quarenta anos antes do texto de Manuel M. Rodrigues. Em 1850, surge em Nova Iorque The 1 Esta empresa, ocupa em 1883, o atelier da antiga Fotografia Nacional e abre ao público em 11 de Novembro de 1883. 2 As principais referências à revista A Arte Photographica, encontram-se nos incontornáveis e fundadores trabalhos de António Sena Uma História da fotografia. Portugal 1839 a 1991 e História da Imagem Fotográfica em Portugal - 1839/1997 onde lhe são feitas as seguintes referências: “Carlos Relvas participou com Ildefonso Correia na fundação do primeiro periódico de fotografia em Portugal: A Arte Photographica (1884-1885), propriedade da Photographia Moderna de Leopoldo Cirne, no Porto, impressa na tipografia de Arthur José de Souza & Irmão. O preço de cada exemplar era de 200 réis. Apesar de uma provável tiragem reduzida, eram feitas duas edições. Uma contendo fotografias reproduzidas exclusivamente em fototipia e outra utilizando vários processos com originais colados, desde o gelatino-brometo à “photoglytipia” ou “woodburytype”, utilizada pela primeira vez em Portugal por Peixoto & Irmão e, depois, cedida a licença a Ildefonso Correia. Este último processo era considerado o que melhor imita a photographia. Cada número trazia um desses «Specimens», devidamente legendado, de autores como Carlos Relvas, Margarida Relvas (1838-1887), Eduardo Alves, Anthero de Araujo ou Rebello Valente, influenciados pelas teorias de H. P. Robinson.” 3 Os artigos publicados no ano de 1886 encontram-se nos seguintes números: 263 de 11 de Abril ; 264 de 21 de Abril; 266 de 11 de Maio; 268 de 1 de Junho; 269 de 11 de Junho. 4 Manuel Maria Rodrigues (1847-1899) foi, segundo António Sena, um dos fundadores e membros do Centro Artístico Portuense e editor da Revista ARTE PORTUGUEZA. 5 William Henry Fox Talbot (1800-1877), cientista inglês, nasceu em Leak Abbey, Wilthire. Utilizou a camera obscura como auxiliar de desenho e desenvolveu um processo químico de gravação de negativos em papel – o ‘photogenic drawing’.

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Daguerreian Journal: devoted to the Daguerreian and Photogenic Arts e, em 1853, Roger Fenton funda a primeira associação de fotógrafos a Photographic Society de Londres. As opções estéticas relativamente à fotografia formalizam-se nos debates surgidos após a Exposição Universal de Paris de 1851, ou posteriormente, com a criação da Sociedade Francesa de Fotografia, em 1855, e com a Exposição Universal de Paris de 1855, em que se tornam claras duas concepções de fotografia: uma utilitarista, centrada em torno da Exposição Universal e, uma outra de cariz estético, em torno da Sociedade Francesa de Fotografia. Este debate atravessará o século com, entre outros, Charles Baudelaire com o seu texto Le public moderne et la photographie6 (1859) e Disdéri com o seu L’Art de la Photographie (1862). Na imprensa a Sociedade Francesa de Fotografia lança, em 9 de Fevereiro de 1851, o primeiro periódico europeu dedicado à fotografia La Lumière7. A primeira tendência - a utilitarista - realçou os aspectos técnicos da fotografia: primeiro a sua exactidão, o pormenor do detalhe, a reprodutibilidade, a possibilidade de construir séries de imagens em arquivo – serão catalogados tipos de pessoas, paisagens, monumentos, etc. - a aplicação à astronomia, ao microscópio, à medicina. A segunda tendência procurará sempre uma aproximação da fotografia à arte, tanto na utilização de processos das belas-artes, como na procura de uma especificidade própria da fotografia como, por exemplo, o fez Francis Wey (18121882) na revista La Lumière. As ideias e concepções de fotografia que circulam na Europa e nos Estados Unidos, desde meados de oitocentos até ao final do século, facilitam-nos o enquadrar das posições expressas pelos discursos portugueses. Neste conjunto de ideias podemos selecionar quatro textos paradigmáticos na formalização das principais linhas de pensamento teórico sobre a relação geral da fotografia com a arte e com o mundo8.

6 Charles Baudelaire ‘Le public moderne et la photographie’ in Curiosités esthétiques et autres écrits sur l’art, Paris, Hermann, 1968. 7 La Lumière publicou-se até 1867. Na França surgem em seguida outros periódicos que se dedicam à fotografia: Cosmos (1852); Le Propagateur (1853); Le Bulletin de la Société française de photographie (1855); Le Photographe (A. Herling, 1855) ; La Revue Photographique (1855) ; Le Spectateur (1856) ; Le Photographe (Édouard de Latreille, 1857) ; Le Moniteur de la photographie (Ernest Lacan, 1861), cfr. André Rouillé La photographie en France. Textes et controverses : une anthologie 1816-1871, Paris, Macula, 1989, p. 7. 8 Foi uma opção por aqueles textos que apresentavam claramente a problemática dos aspectos criativos envolvidos no processo fotográfico e da relação da fotografia com a arte.

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Em 1860, C. Jabez Hughes propôe uma divisão da fotografia em três classes: “... Mechanical photography, Art-photography and, or want of a better term, High-Art photography”9. A primeira refere-se à ‘simples representação de objectos’, a segunda a imagens onde o artista modifica aquilo que vê e, por último, a fotografia artística (‘art-photographs’) cujo objectivo, como refere este autor, “... is not merely to amuse, but to instruct, purify, and enoble.”10. A fotografia pode ser considerada arte desde que pressuponha a existência de uma intenção moralizadora, num sentido lato, numa leitura estética que privilegia o aspecto utilitário. Um ano antes, em 1859, Francis Frith (1822-1989) publica o seu Art of Photography11. Partindo da referência a uma exposição que visita, em 1851, fala-nos de uma determinada secção a ‘Class A’ onde segundo ele, se encontram objectos considerados prometedores (‘promising’) que descreve como “... to be mechanically constructed landscapes, we believe, by Mr. Fox Talbot.”12. Estes objectos causam-lhe espanto e piedade – compara os negros das provas com café derramado. Embora para ele a fotografia tenha passado a fronteira do mero interesse científico e alguns a coloquem lado a lado com a litografia e a pintura, Frith considera que a fotografia se encontra ainda numa fase de ‘infância’. Não esconde que ela possui “... its own peculiar charms and beauties, and it possesses certain qualities, to be discussed hereafter, both in its practice and results, which are altogether its own.”13. Apresenta então aquilo que considera a especificidade da fotografia enquanto ‘pictorial art’. Um dos elementos desta especificidade é a veracidade (‘truthfulness of outline’) do desenho da perspectiva e da luz /sombra. Esta veracidade é associada por Frith, a uma qualidade divina14, tornando-se particularmente importante na representação: “Every stone, every little perfection, or dilapidation, the most minute detail, which, in na ordinary drawing, would merit no special attention, becomes, on a photography, worthy of careful study.”15. Esta verdade terá características especiais, pois partindo

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Citado por Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 116. 10 Op. cit.. 11 Francis Frith, fotógrafo de origem britânica, dedicou-se à fotografia de paisagem, na época do collodio. Foi editor de ‘vistas’ realizadas na Grã-Bretanha e no Oriente (Egipto, Síria, Líbano). É membro fundador da Royal Photographic Society, em 1853. 12 Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 116. 13 Op. cit.. 14 “... since truth is a divine quality, at the very foundation of everything that is lovely in earth and eaven; and it is, we argue, quite impossible that this quality can so obviously and largely pervade a popular art, without exercising the happiest and most important influence, both upon the tastes and the morals of the people.”, op. cit., p. 117. 15 Op. cit..

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da frase ‘a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade’ Frith opta pelos primeiro e último termo. A obtenção do efeito artístico tem uma dimensão aleatória: “... it is a marvel, an accident, a chance of a thousand, when a picture ‘turns out’ as artistic, in every respect, as his cultivated taste could wish.”16. Outras características são o seu funcionamento mecânico e a rapidez de obtenção de resultados, contribuindo as duas para a popularidade e democratização da fotografia. No entanto, Frith considera que uma distinta prática da arte (‘to practice Art with distinction’) – a única que lhe interessa – não se confunde com uma ‘simples ciência mecânica’. O conjunto de pessoas que praticam a fotografia são muito diferentes dos ‘antigos artistas’. No entanto, se um artista se tornar fotógrafo ele será um dos melhores fotógrafos e poderá aplicar à fotografia as mesmas regras que utiliza na arte. Um outro texto que consideramos fundamental, no entendimento da fotografia como arte, é o The Annals of My Glass House de Julia Margaret Cameron (18111879)17, uma ‘amadora’ inglesa que deixa estas notas, escritas em 1874. Refere as reacções às suas fotografias e à sua maneira de fotografar designando os seus trabalhos como ‘my out-of-focus-pictures’. Ao contrário da tendência habitual no fotógrafo de focar com um máximo de nitidez esta fotógrafa utiliza o mecanismo de focagem como instrumento na obtenção de efeito que pretende - o de captar uma determinada visão da beleza18. Todo o seu texto realça esta defesa de uma visão pessoal da fotografia e de um entendimento dela como criação ao fixar a sua visão das coisas e das pessoas. Recusa a prática da fotografia como simples mimésis – o que acontece, por exemplo, quando recusa uma encomenda de um retrato de uma senhora referindo, ironicamente, que não sendo uma fotógrafa profissional “(...) she was not able to “take her likeness” (...)”19. Julia Cameron assume que pretende através da fotografia representar algo que se encontra para além do visível e está implícito na sua relação com o modelo, o que se torna muito claro na seguinte referência feita sobre o momento em que fotografa Carlyle: “When y have had such men before my camera my whole soul has endeavoured to do its duty towards them in recording faithfully the

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Op. cit.. Utilizámos o texto apresentado por Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York: Museum of Modern Art, 1980, p. 135-139. Este texto é publicado pela primeira vez, em 1890, no Photo Beacon de Chicago. 18 “... that when focussing and coming to something which, to my eye, was very beautiful, I stop there instead of screwing on the lens to the more definite focus which all other photographers insist upon.” In Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 136. 19 Op. cit., p. 137. 17

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greatness of the inner as well as the features of the outer man.”20. É uma ‘gravação fiel’ não só do que vê, mas do como se vê e do que se conhece ‘the inner... the outer man’. Alfred Stieglitz21 publica, no Scribner’s Magazine de Nova Iorque, em 1899, o texto ‘Pictorial Photography’22. Nele refere que até ao momento em que escreve não existe um movimento artístico no âmbito da fotografia – embora existam imagens de qualidade – incorrendo-se mesmo no erro, do senso comum, de considerar o bom trabalho como ‘profissional’ e as produções mais fracas como de ‘amador’. Stieglitz contesta esta ideia referindo que todo o trabalho de qualidade foi feito ‘(…) by those who are following photography for the love of it, and not to merely for financial reasons. As the name implies, an amateur is one who works for love (…)” 23 . Distingue claramente três tipos de fotógrafos ‘the ignorant, the purely technical, and the artistic’ e, relativamente a este último, descreve-o como trazendo ‘the feeling and inspiration of the artist, to which is added afterward the purely technical knowledge.’ A capacidade de realizar ‘a truly artistic photography’ provém de um instinto artístico (‘artistic instinct’) conjugado com uma longa prática. Exemplo de um destes fotógrafos é, para Stieglitz, Peter Henry Emerson24, salientando a sua importância na construção de uma fotografia pictorialista. Stieglitz compara a pintura com a fotografia concluindo que, no fundo, o que interessa é: “... what you have to say and how to say it. The originality of a work of art refers to the originality of the thing expressed and the way it is expressed, whether it be in poetry, photography or painting. That one technique is more difficult than another to learn no one will deny; but the greatest thoughts have been expressed by means of the simplest technique, writing.”25. A tecnologia disponibilizada pela fotografia é apenas um conjunto de instrumentos utilizados pelo fotógrafo na ‘elaboration of their ideas’ e não prisões que as condicionem. Escolhendo um exemplo, o da revelação de um negativo, mostra

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Op. cit.. Alfred Stieglitz (1864-1946) Estudou química e engenharia com Vogel em Berlim. A partir de 1889 dedica-se exclusivamente à fotografia, nos EUA, defendo o seu carácter artístico. Participa na primeira exposição do Camera Club de Viena, em 1891, exposição que marca o início do Pictorialismo. Stieglitz identifica-se com este movimento. Vai utilizar a goma bicromatada e retocar as suas imagens para conseguir um resultado pictorialista. Em 1896 foi eleito presidente do Camera Club de Nova Iorque, e dirige o Camera Notes. Em 1902 funda o movimento Photo-Secession e começa a publicar o Camera Work. Em 1913, ano do Armory Show, expõe na sua galeria ‘291’. 22 Utilizámos o texto apresentado por Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 163-166. 23 Op. cit., p. 163. 24 Analisaremos no ponto seguinte a obra e os textos deste autor. 25 Art and Theory 1815-1900, Oxford, Blackell Publishers, 2001, p. 933. 21

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como na manipulação dos elementos técnicos são importantes ‘a knowledge of and feeling for the comprehensive and beautiful tonality of nature’26. Continuando a exemplificar, escolhe as técnicas de impressão que utilizam a platina ou a goma27, referindo que elas possibilitam infinitas interpretação do mesmo negativo. Tudo isto permite que os fotógrafos possam exprimir a sua individualidade artística e utilizando Stieglitz uma terminologia própria da pintura : “... in an original and distinct manner, and that photographs could be realistic and impressionistic just as their maker was moved by one or the ther influence.”28. Defendendo o estatuto artístico da fotografia, assume que a chamada ‘fotografia pictorialista’ está perfeitamente aceite e consolidada numa ‘base firme e artística’. No entanto, insiste naquilo que poderíamos designar como uma cultura artística – composição e domínio tonal - que o fotógrafo deve dominar, tal como o pintor. Num texto, também de 1899, Robert Demachy deixa muito clara esta ideia da ‘fotografia artística’ que se distingue pelos valores pictóricos que apresenta 29 , deixando muito do pensamento do princípio e meados de século que associava o ‘artístico’ à exibição de uma verdade seja a da natureza ou de uma utilidade social ou cultural. Anuncia-se o modernismo e o mergulho na especificidade do medium.

PICTORIALISMO, NATURALISMO E SIMBOLISMO Dois autores são fundamentais para a compreensão das ideias utilizadas na teoria da fotografia – enquanto discurso intencionalmente artístico – em Portugal. Eles eram conhecidos pelos fotógrafos portugueses, terão cá estado na Exposição 26

Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 164. Stieglitz é ainda mais preciso quando refere: “As it has never been possible to establish a scientifically correct scale of values between high lights and the deep shadows, the photographer, like the painter, has to depend upon his observation of and feeling for nature in the production of a picture.” . 27 A Platinotipia (1880-1820) é um processo inventado, em 1873, por William Willis que o aperfeiçoa até 1878. O papel é sensibilizado com uma solução de cloro-platinato de potássio e oxalato de ferro. As platinotipias variavam de cor, consoante a temperatura ou a composição do revelador, ou depois da revelação, por imersão da prova em soluções de nitrato de urânio ou cloreto de ouro. Podiam produzir-se tons verde azeitona, vermelhos e azuis, embora os mais comuns fossem os cinzentos. A Goma Bicromatada foi inventada em 1894. Era apreciada pelo alto grau de controle artístico que permitia. O papel é preparado com goma arábica – pigmentada – e uma solução de bicromato de potássio (ou amónio). Depois de exposto ao sol ou à luz ultra-violeta pode ser trabalhado podendo-se controlar as cores, o contraste, a luminosidade. 28 Beaumont Newhall in Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 165. 29 “(...) debemos cambiar la definición de fotografía artística tal como la entienden 9 de cada 10 fotógrafos, y decir que una fotografía es artística cuando su composición e iluminación son correctas, cuando sus valores son verdaderos, su tonalidad acertada y su textura adecuada y, al mismo tiempo, positivada en una superficie que satisface al ojo del artista.”, Joan Fontcuberta estética fotográfica Barcelona: Gustavo Gili, 2003.

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Internacional de Photographia de 1886, e um deles, Henry Peach Robinson, viu mesmo excertos da sua obra traduzidos na revista portuense A Arte Photographica. São representantes de duas correntes que coexistem no tempo, que se cruzam e opõem30. A análise deste percurso revela as dificuldades de uma clara distinção teórica entre as duas correntes. Um deles é Henry Peach Robinson31, o seu trabalho teórico mais importante é o Pictorial effect in Photography, de 1869, que conhece um grande êxito e é traduzido em português32 (1884/1885), em francês (1885) e em alemão (1886). Nele defende a fotografia entendida como arte, utilizando a manipulação da imagem “by a mixture of the real and the artificial in a picture” numa colagem à pintura. Em 1884, escreve o texto Picture-making by photography. A sua técnica de trabalho desenvolve-se tendo como base um esboço inicial, desenhado ou pintado, a partir do qual compõe uma representação utilizando uma série de imagens fotográficas que são combinadas. Esta técnica ficou conhecida com o nome de ‘fotografias compostas’33. Uma das suas obras mais conhecidas “Fading Away” (1858) revela bem os traços semânticos do período victoriano: o sentimentalismo e a melancolia dos ambientes familiares. Peter Henry Paul Emerson34 publica, em 1889, Naturalistic Photography for students of the Art onde defende que a técnica fotográfica não necessita de truques, e que não se devem retocar as imagens. Considerava que o pictorialismo se tinha

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André Rouillé e Jean Claude Lemagny introduzem um outro movimento o ‘Academismo’ centrado em torno de Oscar Gustav Rejlander (1813-1875). Como características apresenta um processo criativo em que o ‘desenho anterior’ - a Ideia - configura a imagem a produzir de forma a que os paradigmas da Moral e da Arte predominem [ cfr. Histoire de la Photographie, Paris, Bordas, p. 82].O seu trabalho mais conhecido é o The Two Ways of Life (1857) comprado pela Rainha Victoria. 31 Nasce em Ludlow, em 1830, e aí morrerá em 1901. Pratica desenho e pintura e é influenciado pela leitura de Ruskin. Descobre em 1851-1852 a fotografia e abre um primeiro estúdio em Leamington em 1857. É eleito membro da Photographic Society of London. Em 1858, expõe a sua primeira obra importante “Fading Away” ( Bath, RPS) no Crystal Palace. Trabalha nessa altura com o processo de colódio húmido. Abre um novo estúdio em 1858 em Tunbridge Wells (Kent) e associa-se a Nelson King Cherrill com quem colabora até 1875. É eleito vicepresidente da Photographic Society of London em 1870. No ano de 1888, reforma-se e vende o seu estúdio, dedicando-se à publicação dos seus escritos teóricos e permanecendo na escola pictorialista que se opõe à Royal Photographic Society. É membro fundador do Linked Ring em 1892. 32 Na revista A Arte Photographica de 1884-1885, publicada, no Porto, pela Photographia Moderna. 33 Vários negativos são impressos na mesma prova fotográfica construindo uma cena que transmite sempre uma certa teatralidade, apresenta muitas semelhanças com o trabalho de Oscar Rejlander. 34 Nasceu em Cuba, em 1856, e morre em Falmouth Cormwall em 1936. Passa a sua infância nos EUA e em 1869 passa a viver na Inglaterra onde recebe uma educação científica (medicina e ciências naturais) em Londres e em Cambridge. Começa a trabalhar em fotografia em 1882. Fotografa a vida rural de East Anglia e realiza entre 1886 e 1895 uma série de livros ilustrados “Life and Landscape on the Norfolk Broads” ( 1886) em colaboração com o pintor naturalista T. F. Goodal , “Idylls of the Norfolk Broads” (1888), “Wild Life on a Tidal Water” (1890), “Marsh Leaves” (1895). O seu estilo é marcado pelo impressionismo, e os seus trabalhos aproximam-se dos de Millet, acreditando no poder da luz e dos efeitos atmosféricos para construir a imagem. É inovador nos seus enquadramentos e na graduação tonal (defende a utilização de uma escala ampla de cinzentos ricos em detalhe), e recusa a prática da manipulação na impressão. Os seus trabalhos são impressos utilizando a platinotipia e a fotogravura, pois na sua opinião eram os processo que garantiam pretendida a riqueza tonal. Em 1886, é eleito para o conselho da Photographic Society.

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tornado uma prática mergulhada no sentimentalismo e no artificialismo. Para ele os estudantes de fotografia deviam observar a natureza, em vez de pinturas, utilizando a fotografia por si, e não como cópia de outra arte. Referirá como uma das suas ideias principais “Photograph people as they really are - do not dress them up". No seu texto Photography, A Pictorial Art35 reflectindo sobre o que é ou não é arte, Emerson defende a fotografia contra os seus oponentes. Considera que a fotografia continua uma tradição da pintura de Rousseau, Constable, Corot e Jean François Millet, a tradição de uma escola naturalista. Entende assim a ‘Pictorial Art’ como ‘man’s expression by means of pictures of that which he consideres beautiful in nature’36. Entroncando nesta tradição a fotografia deve utilizar como metodologia os conhecimentos de Hermann Helmoholtz37 que defendia que na pintura se deviam reproduzir os valores de luminosidade presentes na natureza e não apenas imitar a cor através do pigmentos. Fundamental é também o cuidado com a ‘perspectiva aérea’ tendo em atenção a ‘desfocagem gradual’ dos objectos conforme se distanciam dos primeiros planos. Peter Emerson afirmava que o olho humano só focava ao centro o que o leva à defesa das características de ‘suavidade’ no tratamento da perspectiva atmosférica tornando-se esta uma característica da sua estética 38. Interrogando-se sobre a forma como a fotografia pode ser ‘superior’ à gravura, em madeira ou em metal, ou ao desenho a carvão, Emerson refere que “The drawing of the lens is not to be equalled by any man; the tones of a correctly and suitably printed picture surpass those of any other black and white process.”39. Será a descrença nas possibilidades de controlo tonal por parte do fotógrafo que o levará à renuncia das suas ideias iniciais quando publica, em 1890, The Death of Naturalistic Photography40. No entanto, continua a sua obra fotográfica que o vai tornar um percursor e ‘pai espiritual’ do

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Utilizamos o texto publicado em Beaumont Newhall Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 159- 162. O texto aparece pela primeira vez no The Amateur Photographer, 3, de Março de 1886. 36 Op. cit., p. 160. 37 Hermann Ludwig Ferdinand von Helmoholtz (1821-1894) fisiologista alemão. 38 Estas teorias levarão Paul Emerson a defender que "Nothing in nature has a hard outline, but everything is seen against something else, and its outlines fade gently into something else, often so subtly that you cannot quite distinguish where one ends and the other begins. In this mingled decision and indecision, this lost and found, lies all the charm and mystery of nature", cfr. Robbert Leggat, “Paul Emerson, Dr. Peter Henry” in A History of Photography, 1999. Peter Paul Emerson “(...) élabore un naturalisme photographique visant à reproduire la nature non plus selon la vision mécanique de l’appareil mais selon celle de l’œil humain. Les qualités de douceur dans les rendus et de perspective atmosphérique deviennent alors les caractéristiques de l’esthétique pictorialiste.(…)" cfr. “Pictorialisme” in Dictionnaire de la Photographie, p. 506. 39 Beaumont Newhall Photography essays and images illustrated readings in the history of photography, New York, Museum of Modern Art, 1980, p. 162. 40 Neste texto afirmará a sua descrença nas possibilidades técnicas da fotografia, potencialidades que tanto tinha defendido, um ano antes.

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movimento pictorialista que se produz nos finais do século XIX, e princípios do XX, na Europa e nos EUA. Temos assim dois autores diferentes nas suas opções teóricas e práticas, mas que se inserem numa corrente global, dos finais do século XIX e das primeiras décadas do século XX, que defende o entendimento da fotografia como arte. O pictorialismo, como vimos, assumiu-se como uma prática artística, teve os seus teóricos, H. P. Robinson e em termos globais, pode ser definido como um movimento que assenta nas seguintes linhas gerais: - a produção fotográfica tem a legitimidade das ‘bellas-artes”; - o fotógrafo, tal como o artista, deve ter uma educação plástica (H. P. Robinson); - a imagem final é uma construção (H. P. Robinson); - os aspectos de exactidão e detalhe próprios da fotografia são secundários; - a fotografia revela a subjectividade / o olhar do fotógrafo. O naturalismo fotográfico, apresenta alguns princípios diferentes: - a importância da qualidade na reprodução da gama tonal de cinzentos; - a recusa na manipulação da imagem; - a utilização de uma

teoria da visão que justifica a

utilização de um foco central e a desfocagem das zonas periféricas da imagem. Um outro aspecto, para nós fundamental, será também o do campo semântico preferencial para cada uma destas tendências. Por um lado, o que habitualmente se designa pelo ambiente ou topos vitoriano, a vida doméstica, o interior, a melancolia e a sensibilidade, as cenas familiares, e por outro, o interesse pela vida rural, pela Natureza, por um mundo de camponeses, um mundo em extinção devido ao avanço do progresso. H. P. Robinson e Peter Emerson, além das preocupações técnicas e dos procedimentos fotográficos que os distinguem, têm uma intenção / atenção inicial muito diferente daquilo que querem, no fundo, guardar e mostrar. O discurso mais do agrado da aristocracia inglesa para H. P. Robinson e, uma vertente com preocupações sociais de Peter Emerson, são traços distintivos dentro da corrente pictorialista41. Paul Sternberger no seu estudo sobre e legitimação da fotografia como arte nos EUA42, considera que por volta dos anos 1880-1900, os ‘amadores’ procuram 41

Consideramos que o esclarecimento global destes dois movimentos ainda está por fazer – no caso português claramente – já que o naturalismo fotográfico se tornou uma corrente estética subvalorizada nos estudos de história da fotografia ( no Dictionnaire mondial de la Photographie, por exemplo, não existe nenhuma entrada para naturalismo). Esta desvalorização passa desde logo pela importância dada – nos estudos de fotografia - a Robinson relativamente a Emerson. A proximidade do naturalismo ao realismo (através dos campos semânticos) poderá ter contribuído para este facto. 42 Paul Spencer Sternberger Between Amateur & Aesthtete. The Legitimization of Photography as Art in America 1880-1900, Albuquerque, University of New Mexico, 2001.

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estratégias de legitimação que passam pela modificação da natureza da imagem fotográfica. Recusam, por isso, o detalhe, a profundidade de campo e o uso de uma determinada gama de tons. Para este autor este movimento ainda não é ‘o Pictorialismo’ (movimento que ele situa após a 1ª Guerra Mundial) e denomina-o de ‘antifotográfico’43. Este autor apresenta dois modelos possíveis para as possibilidades da fotografia: ‘invocative photography’ (as imagens tendem a parecer produções de outros processo gráficos, remetem para o uso da ‘moldura’); ‘evocative photography’ (as produções fotográficas não querem parecer arte, mas sim ser arte). Para este último modelo Sternberger apresenta duas tendências que distingue: ‘impressionist photography’44 e ‘naturalistic photography’45. No final de 1880, o desenvolvimento da técnica fotográfica que vai permitir o ‘instantâneo’46, assim como a simplificação das máquinas fotográficas tornam a prática fotográfica acessível a um maior número de amadores. Estes novos amadores têm ambições artísticas e não vão ser bem recebidos pelas primeiras sociedades de fotógrafos, a Royal Society of Photography de Londres ou a Société Française de Photographie de Paris. Vão também lutar contra a preocupação documentalista e a obsessão do detalhe e da minúcia dos ‘profissionais’ e reavivar o debate em torno das potencialidades de médium fotográfico na interpretação da Natureza e na expressão da subjectividade do fotógrafo. Desenvolverão procedimentos específicos, tanto na captação de imagens como na impressão da prova definitiva. O ‘sténopé’ (pin hole)47, objectivas de ‘artista’, processos pigmentários (carvão e goma bicromatada)48 assim como as ‘tintas gordas’. Vão-se sacrificar os detalhes, suavizam-se os contornos e acentuam-se as luzes. Surgem novas sociedades, como o Linked Rink em Londres, em 43

“I introduce the term ‘antiphotographic’ in order to underscore the fact that these effects were not just the result of altering the focus of the camera but rather were formal manifestations of several distinct theoretical approach’s. More important, I believe ‘antiphotographic’ makes explicit these photographer’s intent to subvert qualities that most photographers considered inherent to the medium.”, op. cit. p.34. 44 “A major focus of the theorization of truth in the antiphotographic was impressionist photography. The term ‘impressionist’ was used by late-nineteenth-century writers in a number of ways, often suggesting quite varied meanings.(…) More often the term ‘impressionism’ was more closely identified with discussions of the dependence of artistic truth on perception. Artistic value resided not in the conventions of art but rather in an appeal to direct human experience.”, op. cit. p.52. 45 “... artists of ‘Naturalistic School’, (...) set themselves to the practice of close observation of nature to gain better knowledge of the infinite mysteries of these phenomena [of light, color, and atmosphere].”, op. cit. 55. 46 É considerada ‘instantâneo’ a imagem conseguida através da utilização de placas mais rápidas que permitem congelar o movimento. 47 Captação da imagem através de uma câmara ( ou uma caixa hermética à luz) sem utilizar nenhum tipo de lente ou objectiva. A luz impressiona a superfície sensível no interior da câmara através do orifício de diâmetro mínimo (pin hole). 48 O processo de Carbono (1860-1940) é patenteado em 1855 por Alphonse Louis Poitevin. Só se tornam acessíveis, em 1864, com o processo e os papéis de impressão patenteados por Joseph Wilson Swan. Os carbonos têm luzes baixas brilhantes e muito densas, negras ou castanho muito escuro. A tonalidade varia de acordo com os pigmentos utilizados.

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Hamburgo a ‘Sociedade de apoio a artistas amadores’, em Viena o Camera Club e o Photo-Club em Paris. Estes novos clubes e associações de fotógrafos estabelecem uma rede de comunicações entre as capitais europeias49criando uma

ligação no

movimento pictorialista. Estes clubes vão também publicar boletins e revistas, organizar excursões, concursos mas principalmente salões internacionais de arte fotográfica. O primeiro destes salões realiza-se em Viena, em 1891, e é pela primeira vez uma manifestação exclusivamente reservada à fotografia artística. A partir deste modelo, o Linked Ring organiza, em 1892, o primeiro salão fotográfico de Londres, repetindo-se depois em Hamburgo ( 1893), Paris (1894), Bruxelas (1895) e Filadélfia (1898)50. Para Anne Hammond e, ao longo dos anos de 1880 e 1890, na Europa, o naturalismo e o impressionismo perdem importância enquanto o simbolismo na fotografia aumenta a sua influência51 . As ideias do movimento simbolista serão divulgadas pelos jornais e revistas Camera Work, Pan (Berlin) e Ver Sacrum (Viena). Os fotógrafos simbolistas, mantendo a importância do aspecto indicial52(ou icónico) da fotografia em relação à natureza, procurarão evocar ‘estados de alma’ através das suas imagens. Irão apropriar-se de temas e motivos da pintura simbolista, como por exemplo, a natureza, o amor, a morte e a beleza, sendo a obra de Whistler uma das mais referenciadas53. No final de século, fotógrafos como o barão Adolph de Meyer, Frank Eugene, Edward Steichen e Clarence H. White produzirão obras simbolistas que surgem muitas vezes integradas na corrente englobante do pictorialismo distinguindo-se, no

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A A Arte Photographica irá publicar nas suas páginas correspondência das suas congéneres europeias. Onde vão estar representados fotógrafos portugueses, nomeadamente Carlos Relvas, a Secção Photographica e outros. Em Portugal realiza-se no Porto, em 1886, a Exposição Internacional de Fotografia, mas não tem um carácter exclusivamente artístico. 51 Anne Hammond “Naturalistic Vision and Symbolist Image. The pictorial impulse” in A New History of Photography, Koln, Konemann, 1998, p. 297. 52 Seguimos o entendimento de ‘índice’ apresentado por Osmar Calabrese na sua obra A Linguagem da ARTE (Lisboa, Editorial Presença, 1986): “O índice é um objecto ou um facto real que se torna signo do seu objecto dinâmico porque está materialmente ligado a este e que se impõe à mente também sem ser compreendido como signo. A relação entre índice e objecto pode ser de natureza dinâmica, óptica ou existencial, e a natureza da relação oferece muitas vezes à consciência uma imagem de alguns caracteres do objecto, através do qual se obtêm informações positivas ou factuais: a fotografia provoca uma aparência, mas graças à conexão óptica com o objecto torna-se claro que tal aparência corresponde à realidade. Mas o índice, tendo em comum com o objecto algumas qualidades, compreende uma espécie de ícone.”, p. 97. 53 Op. cit., p. 307. Alvin Coburn reconhece mesmo na obra de Whistler características fotográficas: “What I try to do is see the little piece that maters in the midst of nature’s massiveness, and (by dint of focal adjustment and o forth) concentrate the interest on that. That done,I use every inch of my knowledge to retain the purely photographic qualities. Of course, by ‘photographic qualities’ I don’t meant hard pure lens work. I don’t mean the sharp shrewish acidity of your ordinary cabinet photograph. I mean photographic in the sense that Whistler was photographic (…)” citado por Mike Weaver in Alvin Langdon Coburn symbolist photographer 1882-1966. Beyond the craft, Aperture Foundation, 1986, p.29. 50

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entanto, pelos temas tratados54. Um dos fotógrafos simbolistas é Alvin Coburn que dedica particular atenção aos aspectos técnicos na elaboração das suas fotografias, especialmente, às objectivas que lhe permitam conseguir o efeito pretendido55. No entanto, o simbolismo na fotografia será um movimento que se desenvolve plenamente após o final do século XIX.

MANUEL M. RODRIGUES E A EXPOSIÇÃO DE 1886 Voltemos a Portugal e à Exposição Internacional de Fotografia organizada pela Photographia Moderna56. Como referimos anteriormente esta exposição recebe, ao longo de 1884 e 1885, o apoio e a divulgação na revista A Arte Photographica57. É no O Occidente, num artigo extenso, desdobrado por vários números58 que Manuel M. Rodrigues 59 deixa as suas impressões sobre a exposição. Manuel M. Rodrigues analisa os trabalhos expostos, trabalhos que pertencem tanto a profissionais como a ‘amadores’. Como veremos, Manuel Rodrigues utiliza o mesmo vocabulário e a mesma exigência tanto para uns como para outros. E, esse vocabulário é aquele que habitualmente utiliza nas suas críticas de pintura. A maioria das questões e opiniões que abordámos no ponto anterior são dele conhecidas60. A análise deste longo texto permite, caracterizar a concepção de fotografia que nele se revela explícita ou implicitamente. Um texto por natureza ‘crítico’, como

54 Cfr. Gilles Mora Photo Speak. A Guide to the Ideas, Movements, and Techniques of Photography, 1839 to the Present, London, Abbeville Press, 1998, p.193. 55 De acordo com um artigo de Charles H. Caffin na Camera Work de 1907, Coburn utiliza objectivas de foco suave (soft-focus) e as impressões em platina, para conseguir um efeito luminoso sem uma focagem rigorosa. Coburn utiliza a objectiva Dallmeyer-Bergheim de 1896. Salientará este aspecto num texto seu: “When the history of Artistic Photography comes to be written, the question of diffusion will assume its real importance, and the Smith Lens will receive the recognition it so fully deserves, for one of the things that makes photography worth while as a means of personal expression, is Lens Quality.” Cfr. Mike Weaver Alvin Langdon Coburn symbolist photographer 1882-1966. Beyond the craft, Aperture Foundation, 1986, p.29. 56 A Photographia Moderna tinha como principais responsáveis Leopoldo Cirne, Ildefonso Correia e Domingos Souto, o primeiro era o ‘sócio financiador’, o segundo o director artístico e o terceiro o ‘operador’ que vinha da casa Fritz / Biel. Quando abre ao público adopta o nome de Leopoldo Cirne & Cª. 57 A ARTE PHOTOGRAPHICA. Revista Mensal dos Progressos da Photographia e das Artes Correlativas surge, na opinião de vários autores, como a primeira revista portuguesa a dedicar-se especificamente à fotografia. Ela é publicada durante dois anos consecutivos, 1884 e 1885. As áreas de interesse e os temas presentes na revista demonstram o leque de interesses do conjunto de pessoas que a produziam, escrevendo textos, traduzindo, recolhendo e organizando toda a informação possível sobre o mundo da fotografia, no final do século XIX, e disponibilizando-a aos leitores portugueses. 58 Os artigos publicados no ano de 1886 encontram-se nos seguintes números: 263 de 11 de Abril ; 264 de 21 de Abril; 266 de 11 de Maio; 268 de 1 de Junho; 269 de 11 de Junho. 59 Manuel Maria Rodrigues (1847-1899) foi, segundo António Sena, um dos fundadores e membros do Centro Artístico Portuense e editor da Revista ARTE PORTUGUEZA. 60 Como referimos na nossa tese de mestrado ARTE DA LUZ DITA. REVISTAS E BOLETINS .TEORIA E PRÁTICA DA FOTOGRAFIA EM PORTUGAL (1880-1900) os círculos ligados à arte e à fotografia, particularmente no Porto, tinham um conhecimento atualizado de grande parte da bibliografia europeia relativa às questões da fotografia.

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diríamos hoje, torna-se um local privilegiado para nos apercebermos das categorias utilizadas pelo autor na análise / classificação / avaliação das obras. Manuel Rodrigues refere a fraca presença na exposição de ‘photographos de profissão’, diz ele, - ‘n’um paiz em que há tantos’-, mas os ‘amadores’ responderam em grande número havendo mesmo entre estes ‘ alguns muito distinctos’ como é o caso de Carlos Relvas e da sua filha Margarida Relvas. Estão assim presentes os dois grandes grupos praticantes e utilizadores da fotografia ‘os que se dedicam por prazer ou por profissão à photographia’. Analisando a utilização das categorias ou conceitos por Manuel M. Rodrigues – aplicados a obras e autores – podemos proceder à sua listagem. Criámos assim dois campos relativamente às obras e aos autores apreciados por Manuel Rodrigues: o das referências positivas e o das referências negativas.

Referência Positiva Bonita apparencia Fidelidade de reprodução Detalhe Relevo de modelação Fundos naturaes

Referência Negativa

Harmonia de detalhes Boa disposição das figuras

Imperfeições de cor Incorrecções do desenho

Verdade Demasiado retoque Belos effeitos de natureza Pouca verdade nos tons Escolha de pontos Fundos muito historiados photographados Formoso retrato Retrato brilhante e Falsidade de tom nitidissimo Agradaveis Observação rigorosa do Monotonia geral desenho Observação rigorosa Claro-escuro Brancura desoladora do desenho e no claroescuro Effeitos de luar Primorosas Pouca nitidez Frescura Negridão lamentável Relevo encantador Cor negra de uma dureza aflitiva Nitidez Lambido do toque exagerado Inexcedível nitidez Retrato ampliado...uma bonita aberração, de um producto antíartístico

Como podemos observar, o número de referências positivas excede o de referências negativas. Poderíamos mesmo atrever-nos a construir um retrato robot do que seria uma imagem de qualidade para Manuel Rodrigues: a imagem será harmónica na escala de cinzentos – equilíbrio do claro/escuro – permitindo uma

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correcta modelação dos objectos representados,

apresentando grande nitidez e

fidelidade de reprodução. Isto permitirá representar a verdade e com verdade. Por outro lado, em Manuel Rodrigues detecta-se também um gosto por representações com outras características – aquelas que apresentam os ‘effeitos de luar’ ou, o jogo de sombras. Em termos pictóricos podemos dizer que Manuel M. Rodrigues opta na representação fotográfica pelos traços da pintura naturalista, embora, como veremos mais adiante, desponte um gosto por características que nos parecem ser específicas da linguagem fotográfica e, talvez, de uma maior aproximação ao impressionismo e simbolismo. É, no entanto, o retrato que interessará mais Manuel M. Rodrigues, o que o levou a formular uma ‘pequena’ teoria da construção do retrato fotográfico. Ao retrato não basta, em fotografia, o ser parecido: “...convém não destruir n’elle as minudências da carnação, o modellado, tão fielmante [sic] transmitido pela luz ao cliché. Nos retratos accentua-se a par de uma boa disposição das figuras, a sciência de os tornar de um aspecto delicado, sem se recorrer ao lambido do toque exagerado. O retoque é apenas o indispensável e isto contribue para que a physionomia apresente uma modelação completa e gorda sem desapparecerem os traços de individualisação.”61. Importante a verdade na fotografia: “... desde que falte a verdade na photographia, o retrato deixa de ser uma obra de arte e portanto fica reduzido às proporções de um trabalho material de insignificante valor. Ora reproduzindo a camara escura as fórmas com uma fidelidade extraordinaria, o grande merecimento do photographo está em eliminar da imagem o que seja superfluo sem destruir comtudo o essencial, o desenho.”62.

Mantém-se o desenho como procedimento ‘essencial’, tal como na

pintura. O desenho na fotografia era criado pela luz, mas cabia ao fotógrafo dominálos – o desenho e a luz. Para conseguir esta ‘verdade’ devem-se simplificar os ‘fundos’ do retrato63. Manuel Rodrigues conhece claramente as teorias de Paul Emerson que refere indiretamente64: “Já la vae o tempo em que se julgava que para o retrato ficar bem saliente e bem fixo era necessario collocar o modelo perfeitamente no fóco. Hoje, como é sabido, para que a imagem adquira suavidade e belleza, nos resultados da 61

Op. cit., nº 268, p.123. Op. cit. 63 “Na maior parte d’estes retratos predomina o fundo branco, mais ou menos sombreado, começando-se a abandonar os fundos de scenographia, de composição fantasiosa. A simplicidade do fundo em photographia contribue sempre para o maior realce do retrato.”, op. cit.. 64 Op. cit. 62

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impressão, convem que o modello saia um tanto do fóco, por meio de uma posição adequada.” Aspecto particularmente interessante neste texto - que no fundo é o de um habitual crítico de arte sobre uma nova área (a da fotografia) - é o de uma atenção pelas características específicas da fotografia 65 . É o caso dos ‘effeitos de luar’ presentes em algumas marinhas ou os ‘reflexos prateados da água’ que encantam o autor considerando este que ‘são admiraveis de poesia, como gosto artistico e de nitidez, como trabalho photographico’. Mais à frente referirá ‘dois effeitos de projecções de casas proximas de um caes e de barcos ancorados, sobre a agua, em que todos esses objectos se espalham em tremidos caprichosos, parecendo caracterisa-los’. Acabará por salientar a novidade destes efeitos específicos da fotografia: ‘Sem duvida todos esses effeitos em photographia foram uma novidade entre nós’. As características da representação fotográfica ganhavam assim adeptos entre os observadores mais atentos e Manuel Rodrigues era um deles. Uma certa apetência simbolista detecta-se no comentário às imagens de George Renwick, cinco platinotipias, que segundo Manuel Rodrigues ‘... são interessantíssimas. Grandes pedaços de paisagem cobertas de neve, atmospheras ennevoadas sobre as quaes se destaca o emaranhamento do arvoredo, despido de folhas e debruado de geada, riachos com os seus reflexos escuros, emfim uma série de impressões e perspectivas do effeito mais estranho e encantador [s.n.]...”. Uma referência muito interessante no mostrar de um gosto que se afasta do naturalismo ‘puro e duro’ e se aproxima de algo que mistura um certo ambiente romântico com características que apontam para um gosto simbolista. Manuel Rodrigues deixa-nos assim uma das primeiras críticas de fotografias – pelo menos na extensão do texto e na coerência – centra-se no retrato e apresenta-nos a sua ideia de um retrato fotográfico para o qual uma imagem ‘verdadeira’ é o objetivo e encanta-se, na paisagem, com os ‘effeitos’, aqueles efeitos que a fotografia permite. Efeitos de um universo estranho e ‘encantador’, efeitos de luar, reflexos prateados. Era uma atenção sobre a forma como a luz se distribuía, uma atenção sobre a especificidade da representação fotográfica.

65 O que é particularmente importante, pois estamos num período de criação de um vocabulário próprio para a descrição das imagens fotográficas. É no fundo o primórdio de um meta-discurso específico para a fotografia.

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