UM DEDO ROMANO NO BOLO DAS ORIGENS JUDAICAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

UM DEDO ROMANO NO BOLO DAS ORIGENS JUDAICAS

JÔNATAS FERREIRA DE LIMA SOUZA Aluno do Curso de Letras (Português- Hebraico) DRE N° 115044769

Análise textual apresentada ao curso de Teoria Literária I da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito de nota para o vigente semestre, sob orientação da professora Raphaella Lira.

Rio de Janeiro Setembro de 2015

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 2 1 CAPÍTULO 2 DO LIVRO V: UM DEDO ROMANO NO BOLO JUDEU .................... 3 1.1 OS IDEOS COMO A CEREJA DO BOLO ...................................................................... 4 1.2 O SABOR DO REINO ETÍOPE NA GARGANTA EGÍPCIA ........................................ 5 1.3 UM IGREDIENTE DO ORIENTE ................................................................................... 6 1.4 NO AROMA DE HOMERO ............................................................................................. 6 1.5 O DEDO AZEDOU O BOLO? ......................................................................................... 8 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 10

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INTRODUÇÃO O autor romano Cornélio Tácito (55-120 de nossa era ou E.C.) escreveu obras consideradas clássicas para os estudos da ciência histórica acerca do Mundo Antigo, em particular, dos romanos. Foi um autor latino autêntico, e suas obras figuraram no período decorrido entre 98 e 117 da nossa era. No caso desta análise, selecionamos a obra Histórias (105 E.C.). Sobre as obras de Tácito e seu estilo, João Ângelo Oliva Neto menciona que Tácito, [...] Historiador, escreveu o Diálogo dos Oradores, Germânia, Vida de Agrícola, Histórias, Anais. Os textos de Tácito, em particular os dois últimos, caracterizam-se pela elocução breve, concisa e assimétrica [...] (OLIVA NETO, Epistolam Taciti – Plinio, o jovem, Carta 20, Livro I, grifos do autor).

De retórica lacônica (não sendo adepto dos grandes discursos da época de Cícero, por exemplo), o autor romano optou por narrar, na sua obra Histórias, os incidentes ocorridos em Roma e em algumas províncias, inicialmente, no ano de 68, logo após a morte de Nero. Esses incidentes tiveram seu clímax no fatídico ano de 69, quando Roma foi governada por quatro generais de províncias – Galba (3 A.E.C. - 69 E.C.), Oto (32-69 E.C.), Vitélio (15-69 E.C.) e Vespasiano (9-79 E.C.). Desses, Vespasiano foi o vitorioso e sua memória, suas ações e carreira militar foram celebradas por Tácito nessa obra. De 70 a 96 durou a dinastia de Vespasiano (os flavianos). No entanto, mais especificamente iremos destacar o quinto livro dos cinco que compõem atualmente essa obra de Tácito (uma vez que os prováveis outros que dariam continuidade ao assunto abordado no final do quinto, até os tempos de Domiciano em 96, estão perdidos há mais de 1800 anos – essa intenção pode ser verificada no seu Prefácio no primeiro livro de suas Histórias). Além disso, a obra latina foi compilada e organizada por Justus Lipsius em 1598; hoje, ela se encontra na Biblioteca Comunale de Empoli na Itália. Nosso interesse está em saber a opinião de Tácito sobre os judeus, sendo que, confessamos, ser essa uma rara opinião que permaneceu até nossos dias. Contudo, deixemos claro que daremos apenas foco ao capítulo 2 desse quinto livro. Acerca da obra latina que utilizaremos nesta análise, trata-se da compilação de 1890 por Alfred D. Godley (1856-1925), da qual faremos uma proposta de tradução para o capítulo utilizado. Nesse quinto livro, Tácito deu destaque à conquista de Jerusalém (na Judeia) pelo general Tito, filho de Vespasiano, e suas legiões. Essa havia sido a primeira vitória significativa dos príncipes emergentes ao trono de Roma. Esse, provavelmente, foi o principal motivo para Tácito dedicar uma narrativa, não

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só sobre o cerco e conquista da cidade de Jerusalém, mas sobre as origens e costumes do povo judeu, este que estava sendo submetido ao jugo dos flavianos, recém conquistadores de Roma em 69-70 da era comum.

1 CAPÍTULO 2 DO LIVRO V: UM DEDO ROMANO NO BOLO JUDEU

Para entendermos o profundo impacto dessas informações, que apresentaremos, na vida das pessoas que se propõe a lê-las em nossos dias, necessariamente, elas devem conhecer as informações básicas sobre as origens dos judeus em sua literatura mais acessível: a Bíblia, no Tanach (Antigo/Velho Testamento para o cristianismo, mais especificamente no Pentateuco). Em nosso capítulo de análise, as origens judaicas foram narradas por Tácito, certamente, para mostrar que povo estava sendo dominado pelas legiões de Tito (e o que se conhecia sobre eles). Na história judaica, essa dominação custou a destruição da construção mais significante com relação à presença dos judeus no mundo: o Templo, do qual, hoje, restou apenas o muro ocidental (que o circundava) na parte antiga da cidade de Jerusalém – o muro é conhecido por Muro das Lamentações. No decorrer da presença judaica nas sociedades, sem dúvida, foi a sinagoga (local de reunião, estudo e oração) que tomou essa fama do Templo entre os não-judeus. Vamos ao capítulo 2: 2. Mas neste momento, pois estamos a ponto de relatar o último dia daquela famosa cidade, parece oportuno explicar suas origens. Os judeus, refugiados da Ilha de Creta, haviam se estabelecido em regiões afastadas da Líbia, no momento em que Saturno cedeu seu reinado, pressionado pelo poder de Júpiter. A prova está no seu nome: em Creta se encontra o famoso Monte Ida e os seus vizinhos Ideos, barbarizando esta palavra, chamaram de Iudeos. Para alguns, no reinado de Ísis, estando a população do Egito superabundante, eles foram despejados em territórios vizinhos, sob a chefia de Hierosolymus e Iudas. A maioria deles, dizem, descendentes dos etíopes, sob o medo e o ódio do reinado de Cepheus, foram forçados a mudar de lugar. Alguns mencionam que, os assírios, um povo pobre de campos, tomando parte do Egito, tinham colonizado a terra hebreia com suas próprias cidades e regiões nas fronteiras da Síria. Para outros, a origem dos judeus foi ilustre, os solymos, uma gente celebrada nos cantos de Homero, que do seu próprio nome tinha chamado Hierosolyma a cidade que havia fundado (TÁCITO, Histórias, V, 2).

Tomaremos agora cada elemento do texto e vamos procurar entender o motivo dessas informações serem um tanto destoantes para com a tradição geralmente conhecida sobre os judeus.

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1.1 OS IDEOS COMO A CEREJA DO BOLO

Em suma, qual a origem dos judeus? Oriente Médio? Para Tácito, eles poderiam ser cretenses. Mas que fonte inspirou o autor para que chegasse a essa informação? Nos parece que ele não utilizou os textos de Flávio Josefo como fonte, uma vez que este segue a tradição conhecida. Segundo alguns tradutores da obra do latim para o inglês, como A. D. Godley e George G. Ramsay (1839-1921), Tácito baseou-se, necessariamente, apenas nos contos mitológicos latinos, ou seja, provavelmente tentou inserir os judeus na sua própria mitologia, antes de buscar algo mais aceito por outros autores, isto é, considerado mais verdadeiro (como fez no seu capítulo 3). Na sequência de sua narrativa, Tácito nos informou que os judeus são os descendentes dos ideos, que cultuavam Saturno. A questão é que esse conto sobre Saturno, é originalmente tratado pelos escritores gregos através da relação entre Cronos e Zeus. Em seu livro Descrição da Grécia, o heleno Pausânias (século II E.C.), remete ao Monte Ida (em Creta). Nas proximidades desse monte, segundo o heleno, morava uma família de cinco irmãos: os Dáctilos. Esses cinco irmãos, conta a mitologia, cuidaram de Zeus, que para Tácito era Júpiter. Um dos cinco irmãos era Idas e seu povo eram os ideos (lembrando que existem outras versões para esse mito). Pela crença do romano, os judeus (Iudeos) deviam possuir alguma ligação com esse grupo, que acreditava, serem devotos de Saturno e como Júpiter havia conquistado seu espaço como rei dos deuses, se viram obrigados a deixar a ilha. Para Tácito, como os judeus eram considerados um povo bárbaro (no sentido geral de nãoromanos), com exceção daqueles que conseguiam cidadania (legalmente considerados nãobárbaros), tomaram um termo grego e barbarizaram-no, isto é, adaptaram-no do grego (ou do latim) para seu idioma, acrescentando uma letra. Ainda podemos notar a relação entre os judeus e Saturno. Que tipo de aproximação podemos estabelecer? Os principais devotos de Saturno viviam na região do Lácio na Itália, mas Tácito acreditava que foram primeiramente para a Líbia, na África. Bem, segundo Georges Hacquard (1918-2014), em seu Dicionário da mitologia grega e romana, existiam povos africanos que eram devotos de Saturno, cultuando-o, inclusive, com sacrifícios humanos. Mas, de acordo com Hacquard, na Itália, Saturno representava o descanso, associado ao número sete. Nesse dia (ou semana – saturnália) não eram realizadas atividades militares, nem campesinas. Na época da República Romana, seus devotos organizavam banquetes onde bebia-se e conversava-se muito, além da ocorrência de orgias. Por sua vez, na época do Império, os costumes já eram outros, e estavam associados a sacrifícios envolvendo

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touros ou carneiros e libações (além do combate aos sacrifícios humanos). E os judeus eram devotos de Saturno? Para Tácito sim, pois em seu capítulo 4 (que não vamos trabalhar) fez a associação entre os sábados judaicos e o dia de Saturno, sendo, para ele, um povo que cultuava o ócio, dedicando, além dos dias, um ano inteiro para Saturno (o ano sabático). Poderíamos acrescentar, ainda acerca dos ideos, a observação feita por Tácito no capítulo 3. Retomando a ideia de que os judeus são oriundos de Creta, do Monte Ida e dos ideos, o autor fez a associação final em seu texto, entre Saturno e os devotos do sábado. Tácito lançou a suposição de que os judeus seguiam as tradições e costumes dos ideos, os prováveis, para ele, fundadores do povo, a cereja desse bolo das origens judaicas, além do que, explica o romano, Saturno seria aquele que governava o destino dos homens, sendo o corpo celeste mais elevado em órbita e poder, além de possuir relações com o número sete e seus múltiplos. Não cabe neste trabalho o esclarecimento dessa fala de Tácito acerca de Saturno, mas fica clara a relação deste com o número sete, entre os romanos. Vale lembrarmos que Saturday é o dia sétimo em língua inglesa (dia de Saturno). Para os judeus de língua inglesa, o sábado é, costumeiramente, Shabbos ou Shabbath e não Saturday.

1.2 O SABOR DO REINO ETÍOPE NA GARGANTA EGÍPCIA

Apesar de Tácito ter parecido estar um tanto convencido da origem cretense dos judeus, ele apresentou outras versões, que provavelmente, leu em outros trabalhos sobre esse povo que estava sendo conquistado pelos romanos em sua narrativa. Não menos mitológica, a segunda opção inseriu os judeus no Egito. Segundo o romano, quando a deusa Ísis governava o Egito e os antepassados dos judeus foram expulsos de lá, para diminuir o excesso populacional, sendo guiados por Herosolymo e Iudas, os judeus homenagearam a sua capital (Hierosolyma) e seu povo (Iudaeos) em consideração aos seus dois guias. Parece que, de acordo com o que nos foi passado por Tácito, esses antepassados judeus eram etíopes que haviam fugido do reinado de Cefeu e foram para o Egito. Aparentemente, um gosto amargo para eles. Essa ainda é uma opção dentro dos conhecimentos mitológicos dos romanos, oriundos do contato com a Grécia. Segundo Hacquard, na mitologia grega atribuída aos etíopes (ou fenícios, pois não se trata dos etíopes modernos, na África), Cefeu era o marido de Cassiopeia. Podemos dizer que a personagem mais famosa desse mito é sua filha, a bela princesa Andrômeda. Mas se houve algum autor antes de Tácito que mencionou essa relação dos tempos mitológicos de Ísis com os judeus, foi Queremon de Alexandria (século I E.C.). Menciona

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Airton José da Silva, em seu trabalho Quem são os Judeus? Falam autores gregos do século IV a.C. ao século I d.C., que esse autor foi um egípcio-heleno que tinha Maneton como fonte. Maneton foi um dos principais autores do Egito sob domínio grego/macedônico no século III A.E.C.. Citado por Josefo em seu Contra Ápio (I, 11, p. 1457), a obra de Queremon (História do Egito), provavelmente era conhecida de Tácito, assim como foi para Josefo (37-100 E.C.). Pela semelhança de informações, Tácito provavelmente teve contato com essa obra, da qual hoje não existe mais com textos na íntegra, apenas fragmentos.

1.3 UM IGREDIENTE DO ORIENTE

Na sequência, o autor romano acrescentou outra origem, e insinuou serem os assírios os antepassados dos judeus. Não são muitos os autores antigos que acreditavam nessa origem, nesse ingrediente oriental. O próprio Flávio Josefo, em Antiguidades Judaicas (I, 3, 7, p. 8290) menciona apenas Nicolau de Damasco (século I A.E.C.), como um autor que defendia, além dele próprio, a origem judaica no Oriente Médio. Lembrando que, segundo Josefo, Nicolau foi conselheiro de Herodes e essa proximidade com os judeus pode o ter influenciado.

1.4 NO AROMA DE HOMERO

Na origem seguinte, sempre indicando que foram informações acreditadas por outros autores, Tácito inseriu os sólimos, personagens devotos do deus Ares, que aparecem nos cantos do poeta Homero (Ilíada, Livro VI; Odisseia, Livro V) considerados bárbaros e belicosos pelos gregos (os sólimos foram derrotados por Belerofonte, no mito grego). Tácito não citou que outros seriam esses que acreditavam nessa versão homérica dos antepassados judeus. Na verdade, não é possível deduzir, segundo o que o autor romano nos informou, em que época se passa cada uma dessas origens. O que podemos abstrair é que ocorreram nos tempos mitológicos, justificados pelas tradições antigas, como o próprio Tácito afirma em seu capítulo 5 do quinto livro (que não abordaremos). Podemos notar que, um dos principais motivos que poderia ter instigado Tácito a ter inserido essa origem homérica, por meio dos sólimos, seria a questão do nome da capital da Judeia (Jerusalém) como o próprio afirma. Hierosolyma é o termo latinizado do grego ιεροσολυμα. Nessa lógica taciteana, é possível dividir os termos hiero (santo/sagrado) e solyma (os sólimos). Lisímaco (século I A.E.C.), também escreveu uma História do Egito e da mesma forma que outros autores, é citado por Josefo no Contra Ápio (I, 12, p. 1458-59).

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Segundo Josefo, esse autor foi um dos que tentaram explicar as origens dos judeus. Em meio as suas explicações, nos mostrou Josefo, Lisímaco acreditava que o nome grego para a cidade de Jerusalém (que em hebraico bíblico era ‫ירושלם‬, lê-se Yerushalaim), era ιεροσυλα (Hierosyla) significando “despojo de coisas santas”. Segundo Lisímaco, nos contou Josefo, só após o crescimento do povo judeu, é que eles mudaram o nome da capital para Hierosolyma (que certamente significava algo melhor). Nessa lacuna, Tácito não só pode ter tido contato com a História do Egito de Lisímaco, como pode ter proposto um significado para o nome latino de Jerusalém. Mas qual teria sido a proximidade, em si, do povo judeu com os sólimos? Apenas com o nome da capital judaense? Porque os sólimos de Homero têm aroma judaico para Tácito? Será que outro fator poderia estar por trás dessa associação? Por Tácito não é possível estabelecermos outro motivo além do que já mencionamos, mas, uma vez que os sólimos eram vistos na literatura grega como um povo guerreiro, belicoso, devotos de um deus guerreiro (Ares/Marte), autores antigos como Apolônio de Rodes (século I A.E.C.), mestre do orador romano Cícero (106-43 A.E.C.), segundo Josefo (no Contra Ápio, II, 6, p. 1477-78), acreditava que os judeus eram pessoas agressivas, os mais brutais entre os não-romanos (bárbaros), e que nada inventavam de útil para a vida. Não é possível supor o contato de Tácito com essa obra de Apolônio (De Iudaeis, Sobre os Judeus), mas podemos acreditar que essas impressões acerca do povo da Judeia fossem conhecidas entre os escritores do assunto (assim como o próprio Josefo as conhecia, sendo ele judeu). Podemos ainda mostra que, no final do seu capítulo 3, Tácito deixou, assim como Lisímaco (apud JOSEFO, Contra Ápio, I, 12, p. 1458-1459), mais uma evidência, para os romanos, de que os judeus eram realmente ferozes bárbaros (como os sólimos, na mitologia), uma vez que, segundo ambos os autores, expulsaram os habitantes antigos da Judeia, para estabelecerem seu Templo, sua capital e seus costumes – esse elemento político, será retomado por Tácito nos capítulos 8, 9 e 10 de seu quinto livro de suas Histórias. Portanto, em suma, Tácito mencionou que os antepassados dos judeus poderiam ter vindo de Creta (ideos), da Etiópia (fenícios), da Assíria, como invasores de terras egípcias, do Egito, como uma população excedente que foi expulsa, e dos sólimos, um povo guerreiro da literatura homérica. Todas essas origens foram inseridas, pelo autor romano, em tempos antigos, ou seja, tempos em que deuses e homens conviviam, isto é, tempos mitológicos.

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1.5 O DEDO AZEDOU O BOLO? Como já alertamos no início desta breve análise, havia a necessidade por parte do leitor de que procurasse, caso não conhecesse, as informações judaicas acerca de sua própria origem (no Pentateuco), pois, dessa forma, a leitura do texto de Tácito seria mais impactante. Sendo Tácito um historiador romano, ele buscou textos de autores que considerava mais adequados acerca do passado judaico. Claramente sua preferência foi pelos autores de procedência helênica ou românica e que não tivessem um vínculo declarado ao meio judaico, este sendo o caso de Josefo. Tal comportamento indica, por parte de Tácito, alguma aversão aos semitas? Ou aos judeus, mas especificamente? Tácito era antissemita? Os romanos eram antissemitas? Como escritor e etnógrafo romano, Tácito seguia certos modelos de retórica ao remeter-se ao não-romano. Esse sistema foi estabelecido primeiramente entre os escritores gregos, do qual, ao falarem sobre um outro povo, em suma, faziam a distinção entre eles (os gregos) e o outro (o não-grego). Em outra situação, esse não-grego, agora, faz parte do sistema grego, uma vez que foi submetido, subjugado. A retórica dos escritores ao falarem sobre esse não-grego (agora inserido entre os gregos) muda. Ao remeter ao não-grego inserido, dizem agora que estes são contrários aos outros homens, sendo que, esses “outros homens”, substitui “nós, os gregos”. Esse sistema de observação da retórica etnográfica greco-romana é chamado pelo historiador francês François Hartog, de Retórica da Alteridade, em seu livro O espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. O termo antissemita ou antissemitismo data do final do século XIX. Logo, não é possível simplesmente lança-lo no tempo passado, acreditando que está fazendo o correto. Então os romanos eram antijudeus? Falar de antijudaísmo, remete aos costumes judaicos, e no geral, os romanos, até pelo menos estarem sob ideais cristãos, não incluíam o extermínio de povos por serem adversos aos costumes da maioria. Existiram focos de intolerância por parte de alguns imperadores na história de Roma, mas não representava o quadro geral instalado. Vale lembrar que outros povos não-romanos eram bastantes criticados pelos autores latinos que, geralmente, possuíam alguma ligação com a filosofia estoica, oriunda da Grécia. Esse pode ter sido o caso de Tácito, que não seguia filosofias, mas era um tanto admirador dos estoicos (como Seneca, tutor de Nero). Isso significa que os judeus não tinham exclusividade nas críticas, por exemplo – povos africanos, como os egípcios, asiáticos, como persas e chineses, e europeus, como os celtas, também foram alvos dessa retorica da alteridade. Para

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muitos judeus e religiosos atentos, o dedo do romano, parece que azedou sim, o bolo das origens judaicas.

CONCLUSÃO O autor romano Cornélio Tácito, teve como objetivo em sua obra Histórias, a narrativa acerca do sucesso dos flavianos, em reorganizarem a moral e o moral dos romanos após um ano turbulento de disputas e confusões na cidade de Roma (68-69 E.C.). Seu quinto livro, buscou narrar o início do cerco de Tito Flávio (filho de Vespasiano, o novo imperador) e a conquista de Jerusalém. Para isso, Tácito narrou e teceu alguns comentários sobre as origens judaicas, isto é, do povo que estava sendo subjugado. Acerca dessas origens, pudemos notar que o romano não utilizou qualquer escrito judaico, o que gerou informações que fogem ao que é compreendido geralmente sobre a tradição narrativa hebraica. Nessas narrativas taciteanas do capítulo 2, observamos diversas origens para os judeus: Creta, Assíria, Etiópia (fenícia), os sólimos. Vimos como todas elas estão no campo da mitologia, ou seja, quando deuses e homens conviviam na antiguidade. Para esclarecimento de alguns elementos de sua narrativa, recorremos a outros autores, modernos e antigos. Buscamos investigar o porquê, ou mesmo, os possíveis passos de Tácito na elaboração de suas informações sobre a origem do povo judeu nesse capítulo 2. Assim, concluímos que Tácito recorreu a autores de educação helênica ou românica, que não possuíssem vínculos com os judeus e suas coisas, coletando suas informações, observações, segundo jugou ser necessárias para serem inseridas em sua narrativa. Citamos alguns autores que escreveram informações semelhantes a de Tácito, sobre as origens judaicas, bem como, citamos autores que acreditamos complementar as suas informações. Também concluímos que Tácito (admirador do estoicismo) não era antissemita, ou antijudeu, uma vez que, além dessa não ser uma política romana declarada, e esses termos, principalmente o antissemitismo (pois foi cunhado no século XIX), estarem deslocados no tempo e contexto, o escritor romano seguia o que o historiador francês François Hartog chamou de modelo da retórica da alteridade, no qual o escritor alterna sua retórica ao falar do outro estando, ora fora dos seus domínios, ora dentro dos seus domínios. No entanto, não descartamos que essas informações, destoantes da história judaica tradicional, podem ter sido utilizadas por filosofias políticas posteriores a Tácito, para justificar qualquer aversão a presença judaica (ou de outro grupo) nos territórios do Império,

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que só viria a cair politicamente em 1453 (oriente), ou mesmo nos territórios do Império Romano Católico (ocidente).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fonte TACITO. Historiae Libro V – Il popolo ebraico nelle Historiae di Tacito. Tradução do Livro V para italiano. TÁCITO. Histórias, Livro V, 1-13. (Tradução Nossa). TACITO. Las Historias. In: COLOMA, Don Carlos. Las Historias de Cayo Cornelio Tacito (traducidas al castellano acompañada del texto latino). 2.ed. Madrid: Imprenta Real, 1794. TACITUS. Historiarum. In: GODLEY, A. D. The Histories of Tacitus – Books III, IV, and V. London: Macmillan, 1890. 296 f. (Latin version) TACITUS. The Histories. In: RAMSAY, George Gilbert. The Histories of Tacitus: an english translation. London: John Murray, 1915.

Referências principais

HACQUARD, G. Dicionário da mitologia grega e romana. Lisboa: Edições ASA, 1996. HARTOG, F. O espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus: de Abraão à queda de Jerusalém. Tradução de Vicente Pedroso. Rio de Janeiro: CPAD, 2011. LIMA, Jônatas Ferreira de. Jerusalém: a última fronteira no oriente – a conquista da Judeia (70 E.C.) nas Histórias (Livro V) de Tácito. 2013. 290 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN, Natal, 2013. PAUSÂNIAS. Descrição da Grécia, Tomo V: Elida. PLÍNIO, o jovem. Cartas, I, 20 (tradução e comentários de João Ângelo Oliva Neto) SILVA, Airton José da. Quem são os Judeus? Falam Autores Gregos do Século IV a.C. ao Século I d.C. Ayrton's Biblical Page, 2002.

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