UM DIÁLOGO ENTRE O JONGO/CAXAMBU E O CANDOMBE PARAGUAIO ATRAVÉS DOS SANTOS NEGROS: SÃO BENEDITO E SÃO BALTAZAR

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

JOÃO ALIPIO DE OLIVEIRA CUNHA

UM DIÁLOGO ENTRE O JONGO/CAXAMBU E O CANDOMBE PARAGUAIO ATRAVÉS DOS SANTOS NEGROS: SÃO BENEDITO E SÃO BALTAZAR

NITERÓI 2014

JOÃO ALIPIO DE OLIVEIRA CUNHA

UM DIÁLOGO ENTRE O JONGO/CAXAMBU E O CANDOMBE PARAGUAIO ATRAVÉS DOS SANTOS NEGROS: SÃO BENEDITO E SÃO BALTAZAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharel em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharelado em História.

Orientadora: Juniele Rabêlo de Almeida

Niterói 2014

JOÃO ALIPIO DE OLIVEIRA CUNHA

UM DIÁLOGO ENTRE O JONGO/CAXAMBU E O CANDOMBE PARAGUAIO ATRAVÉS DOS SANTOS NEGROS: SÃO BENEDITO E SÃO BALTAZAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharel em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharelado em História.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Juniele Rabêlo de Almeida – Orientadora – USP

_______________________________________________________________ Prof.ª Dra. Larissa Moreira Viana – Avaliadora - UFF

NITERÓI 2014

Dedico o trabalho de conclusão de curso a toda minha família, as comunidades afro-latino-americanas e meus amigos do Pontão de Cultura Jongo/Caxambu- UFF

AGRADECIMENTOS

Agradecer é algo sempre muito complicado, pois sempre se corre o risco de esquecer alguma pessoa, que tenha sido importante na minha vida. Contudo, irei me arriscar e agradecer algumas pessoas que influenciaram diretamente e indiretamente na construção desse trabalho final de curso. Á minha mãe Marlene de Oliveira Cunha e meus queridos avós Elydia de Oliveira e Djalma Santos da Silva, que não se encontram mais comigo, mas estarão sempre em meu coração e em meus pensamentos; Ao meu querido Tio Maurício Oliveira da Silva e minha querida Tia Luciana Ferreira pelo incentivo e apoio na minha carreira pessoal e acadêmica como também, nos imprevistos que a vida nos proporciona; Á minha querida irmã Janaína Nery Vianna, pelo apoio e por sempre estar do meu lado em minha trajetória; Á minha madrinha Angela Coelho Barbosa pelos conselhos e incentivos para prosseguir nos meus estudos na Universidade; Ás minhas queridas Tias paraguaias Ana Maria Clerici e Marta Ayala pela oportunidade e apoio para pesquisar os afro-paraguaios e conhecer esse lindo e rico país que é o Paraguai; Á

orientadora

Juniele

Râbelo pelo constante incentivo

e

por

compartilhar da mesma alegria e boa vontade pela temática que desenvolvo na monografia; Á minha querida coordenadora Elaine Monteiro que sempre me incentivou, do qual tenho uma grande admiração, respeito e carinho; Á minha querida amiga Mônica Sacramento, que mesmo estando um pouco distante ainda guardo os sinceros conselhos e idéias que traçaram e ainda traçam a minha vida profissional e pessoal;

Ao Professor Julio Tavares pela constante atenção e orientação na pesquisa, e assim, como você e minha mãe foram amigos, espero que sejamos grandes amigos; A professora Martha Abreu pelo convite para trabalhar no pontão de cultura do jongo/caxambu e também, por sempre ser atenciosa com os alunos; Ao coletivo cultura negra na escola pela troca de saberes em relação a cultura afro-brasileira; A minha querida amiga e professora de espanhol Paula Daniela que muito me ajudou na transcrição das entrevistas e na construção da monografia. E por fim, aos meus amigos Nestor Mora e Kristhiano Kolinski pela ajuda e pela contribuição com materiais e textos.

EPÍGRAFE

Cabô, meu pai (letra e música de Moacyr Luz)

O pai me disse que a tradição é lanterna vem do ancestral é moderna bem mais que o modernoso e aí é o meu coração que governa na treva é a luz mais eterna o todo mais poderoso. Também me disse com aquele jeito orgulhoso, que o samba é mais que formoso, que ninguém lhe passa a perna É a marola que vira o mar furioso Netuno misterioso o tesouro da caverna. A jura é pra quem rezar, a reza é pra quem jurar a alma pra sempre é a do Criador. Maré muda como o luar, futuro é pra quem lembrar Se é isso que o pai ensinou... cabo. Cabô, meu pai... Cabô, ô ô ... Cabô, meu pai...Cabô

RESUMO

O presente trabalho é um exercício de compreensão a cerca das continuidades africanas no território americano, resultado das diásporas africanas e, conseqüente, formação das expressões culturais afro-latino-americanas como: o jongo/caxambu e o candombe paraguaio. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa esteve pautado em analisar de forma comparativa as culturas afro-latino-americanas, através, das festas religiosas realizadas para os santos patronos negros, São Benedito e São Baltazar, respectivamente, Brasil e Paraguai. A pesquisa é de natureza qualitativa e foram realizadas entrevistas em comunidades afro-americanas nos dois países latino-americanos. As narrativas dos sujeitos culturais nos apontam para diferentes dinâmicas encontradas nas festas religiosas, que não se resume, apenas, a veneração do santo negro, mas também, um instrumento de reivindicações e lutas sociais, como a própria “africanidade”.

PALAVRAS – CHAVE: Diáspora africana, Afro-latino-americanos, Jongo/Caxambu e Candombe paraguaio.

ABSTRACT

The present work is an exercise in understanding about African continuities in American territory, a result of the African diaspora and the consequent formation of african-Latin American cultural expressions like: jongo / caxambu Paraguay and candombe. In this sense, the objective of the research was guided by analyzing comparatively african cultures-Latin American through religious festivals held for black patron saints, St. Benedict and St. Baltazar, respectively, Brazil and Paraguay. The research is qualitative interviews and african American communities were conducted in two Latin American countries. The narratives of cultural subjects to indicate the different dynamics found in religious festivals, which is not limited only to the black saint veneration, but also an instrument of social demands and struggles, as the "Africanness".

KEY - WORDS: African Diaspora, Afro-Latin American, Jongo / Caxambu and Paraguayan Candombe

LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Foto 1: A mesa de homenagem a São Benedito..................................... 39 Foto 2: O santo patrono da comunidade................................................. 39 Foto 3: A bandeira da Comunidade Jongo Dito Ribeiro.......................... 40 Foto 4: O grupo de jongo/caxambu da comunidade................................ 40 Foto 5: O arraia afro Julino ...................................................................... 41 Foto 6: Caminhada com o santo Baltazar................................................ 54 Foto 7: Caminhada com o Santo Baltazar 2............................................. 55 Foto 8: Apresentação do grupo de ballet Kamba Cuá.............................. 55 Foto 9: Apresentação do grupo de ballet Kamba Cuá 2........................... 56

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

IPHAN - Patrimônio Histórico e Artístico Nacional CREASF - Centro de Referências e Estudos Afro do Sul Fluminense

SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................... 11

Capítulo 1 – Uma breve discussão sobre a diáspora africana......................... 17 1.1.

A diáspora africana presente na américa latina..................................... 17

1.2.

O negro na américa latina...................................................................... 22

1.3.

A história oral e os afro-latino-americanos............................................. 26

Capítulo 2 – As festas religiosas e a cultura afro-latino-americana.................. 31 2.1.

O conceito de festa............................................................................... 31

2.2.

O Jongo/Caxambu e a festa de São Benedito...................................... 36

2.3.

O Candombe paraguaio e a festa de São Baltazar............................... 47

Palavras Finais................................................................................................ 58 Referências Bibliográficas............................................................................... 60

INTRODUÇÃO "E quando você dança jongo Pisa na tradição". (Jongo de Dito Ribeiro/SP)

O ponto de jongo/caxambu da Comunidade Dito Ribeiro expressa profundamente como o ato de dançar simboliza para as culturas afro-latinoamericanas uma forma de reafirmação da sua tradição. A dança, seja, no candombe ou no jongo/caxambu tem sido usada como instrumento capaz de fortalecer uma tradição que vem da África e que todo momento é reafirmada pelos sujeitos de diferentes formas. Servindo como elementos na luta pela propriedade da terra, no combate ao preconceito religioso e o racismo, no fortalecimento da tradição africana, na religiosidade e dentre outros. Segundo, o dossiê do jongo 1 realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) criado em 2007 o jongo/caxambu é uma forma de expressão em que consegue juntar três elementos: os tambores, o canto e a dança. Essa expressão é característica da região sudeste do país e muito praticado no período da escravidão pelos negros de origem étnica “bantu”, nas lavouras de café e de cana-de-açúcar, como lazer e resistência a escravidão e opressão branca. Sendo assim, os saberes, práticas e valores existentes na manifestação foram sendo passados por gerações e ganhando novas apropriações e se tornando símbolos de lutas na atualidade. O jongo tem diversos nomes, ou seja, em algumas regiões ele é chamado de tambu, batuque, tambor e caxambu, como também, são cantados e tocados de diversas formas e maneiras, dependendo da comunidade que o pratica, demonstrando o quanto essa manifestação cultural é múltipla e diversa. Contudo, há traços comuns que são mantidos até os dias atuais, como o respeito a ancestralidade, a valorização dos enigmas cantados nos pontos e na coreografia da umbigada durante a expressão.

1

IPHAN. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=3652. Acessado em 10 de junho de 2014.

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Após o século 20, no sudeste brasileiro em comunidades descendentes de escravos, o jongo/ caxambu começou a desaparecer, tanto pelo movimento de dispersão dos praticantes, que imigravam para áreas urbanizadas, quanto pelo processo de massificação da cultura, que denominar como urbana, através dos meios de comunicação. Mas não podemos também deixar de fora a vergonha motivada pelo preconceito, que ainda está presente na sociedade brasileira sobre as culturas afro-brasileiras. Mesmo com todos os problemas o jongo/caxambu continua vivo em algumas comunidades e é sinônimo de integração, identidade e reafirmação de valores comuns, a partir da memória do sofrimento e da resistência do negro no período da escravidão. O jongo/ caxambu é a memória vida do passado de luta pelos direitos do negro no passado e na atualidade. No entanto, essas lutas pelos direito dos afros na América Latina não estão presentes apenas nessa expressão afro-brasileira, mas também, em outros países como o Paraguai, através, do grupo tradicional Kamba cuá 2 da comunidade afroparaguaia Kamba Kua, que fica na cidade de Fernando de La Mora, próximo de Assunção, capital do Paraguai. Essas ações dos sujeitos africanos através da cultura são o reflexo da diáspora africana, que estão se dando em um sistema de comunicação global, do qual estão presentes fluxos e trocas culturais. As trocas culturais possibilitaram, que as comunidades negras durante o contínuo processo de diáspora africana criassem diversos tipos de cultura, que ultrapassa o sentido de nação e território. Esse cenário de diáspora africana é considerado por Paul Gilroy como a cultura do Atlântico Negro, pois apresenta um caráter que supera fronteiras étnicas. Para, Gilroy não existe uma identidade fixa e enraizada, autêntica e tão pouco estável. Nesse sentido o autor acredita que com as redes transnacionais 2

A tradução do termo guarani Kamba Kua é “buraco dos negros”, no qual o termo Kamba significa pessoa de pele negra ou morena e “kua” significa buraco. É importante notar que no nome do grupo a comunidade utiliza na segunda palavra o “c” em vez do “k”. Pois, a comunidade utiliza a letra “c” para se referir ao grupo, embora, essa letra não seja encontrada no alfabeto guarani. É como se fosse uma forma espanholizada do termo guarani. Fonte: SILVA, Cristhiano Kolinski da. O “grupo tradicional Kamba Cuá” no movimento parguaio: artes performáticas. Política identitária e territorialidade. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 2013.

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de comunicação criou-se uma nova dinâmica entre as estruturas e as formas de Estado-nação, redefinindo as formas de ligação e identificação do tempo e espaço. Sendo, assim, através da diáspora africana se pode ver formas geopolíticas e geoculturais de vida, que são produtos da interação dos sistemas comunicativos e contextos sociais, que estão em constante modificação e dos quais transcendem. As relações criadas através da diáspora africana possibilitaram a formação de uma rede de comunicação que extrapola as fronteiras étnicas do Estado- Nação, o que possibilitou a interação e as trocas culturais dos africanos, já no próprio, navio negreiro. Oriundas da cultura dos escravos, as expressões artísticas são os verdadeiros produtos dessa diáspora africana, que tem como espaço de comunicação e troca, o navio. Com a restrição de suas liberdades políticas, os escravos buscaram na música e na dança uma válvula de escape contra as repressões sociais que sofriam. Nesse ponto, as expressões culturais compõem toda a base cultural política e histórica dos negros, como também, servindo como bandeira na luta pelos direitos sociais e políticos. Sendo assim, esse estudo esteve pautado em analisar a diáspora africana na América latina em dois países latino-americanos, como o Brasil e o Paraguai, através, das festas religiosas para os santos negros (São Benedito e São Baltazar) realizadas pelas comunidades que praticam o jongo/caxambu e o candombe através da História Oral. Nesse trabalho as fontes a serem analisadas serão as entrevistas que realizei com os membros das comunidades afro- brasileiras e afro- paraguaias. Foram analisadas um total de sete entrevistas, dos quais no Brasil foram analisadas uma entrevista de cada comunidade (Jongo de Dito Ribeiro, Pinheiral e Serrinha) totalizando três entrevistas. Do Jongo da Serrinha entrevistei a jovem liderança jongueira Suellen Tavares de 26 anos. Em Volta Redonda, numa cidade próxima de Pinheiral em julho realizei a entrevista com liderança jongueira Maria de Fátima de 58 anos. Já pelo Jongo de Dito Ribeiro entrevistei a jovem liderança Lucas César Rodrigues de 29 anos.

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Já no caso paraguaio foram analisadas três entrevistas na comunidade Kamba Kuá e todas com a família Medina, que foram os grandes responsáveis pelo retorno da dança conhecida como candombe na comunidade. A primeira entrevista foi realizada com Benito Medina, que possui 60 anos e que é uma das grandes lideranças da comunidade. As outras foram realizadas com Guido Medina de 23 anos e Bárbara Araceli Medina de 18 anos. No intuito de ter um olhar aprofundado a cerca da expressão cultural busquei realizar entrevistas com jovens e adultos, como forma de trabalhar a tradição e a modernidade na temática do trabalho. Para que possamos compreender e entender a especificidade de cada comunidade afro-latino-americana, é importantíssimo um breve histórico de cada comunidade jongueira e candombera. Comecemos, portanto, pelas comunidades afro-brasileiras, e em seguida será apresentada a comunidade afro-paraguia. A comunidade Jongo Dito Ribeiro3 é uma das principais comunidades que cultuam o santo São Benedito no sudeste brasileiro. Formada por um grupo de pessoas e familiares, que desempenham um papel predominante no exercício de memória da cultura jongueira através da figura de Benedito Ribeiro, que era conhecido pela realização de festas e devoto do padroeiro da comunidade. Com o crescimento da adoração a São Benedito e formação da comunidade, foi criada a festa “Arraia Juliano”, que é considerada um momento de adoração ao santo patrono, como também, de intercâmbio cultural entre os visitantes e a comunidade. O jongo de Pinheiral4 é composto pelos moradores da comunidade, que realizam um trabalho de manutenção da expressão afro-brasileira, que é oriunda dos escravos da Fazenda São José dos Pinheiros, que faz parte da história de cidade. O grupo foi fundado em 1996 com o intuito de dançar o jongo e estruturar a biblioteca afro-brasileira e o Centro de Referências e Estudos Afro do Sul Fluminense (CREASF), que faz parte da rede de pontos de cultura, realizando um trabalho de articulação da cultura popular em escolas. 3

Pontão de Cultura Jongo/Caxambu. Disponível em http://www.pontaojongo.uff.br/territoriojongueiro. Acessado em 10 de Junho de 2014. 4 idem

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Outro grupo de destaque é o Jongo da Serrinha 5 que foi fundado há cerca de 40 anos pela Vovó Maria Joana Rezadeira e seu filho Mestre Darcy do Jongo. No intuito de impedir o fim do jongo, o Mestre Darcy e sua mãe levaram as rodas de jongo nos palcos, criando espetáculos para que a expressão afro-brasileira fosse divulgada e conhecida por um público maior. Vale destacar, que o jongo da Serrinha é conhecido por suas inovações como a de permitir a entrada de crianças e jovens na roda, que antes era apenas para os mais velhos. No contexto paraguaio, acredita-se que a origem da comunidade afroparaguaia Kamba Kua se deu através do exílio do general Uruguai José Gervasio Artigas em 1820 do Uruguai, trazendo os negros de seu regimento militar. Esses negros não eram escravos, e devido ás perseguições ao general vieram fugidos junto com o militar para trabalharem na agricultura. Com a guerra da Triplice Aliança 1864-1870, a comunidade foi expropriada de suas terras pelo general Higinio Morinigo. A dança em Kamba Kua tem sido um instrumento de resistência cultural e de luta política, assim, como o Jongo/ Caxambu. A comunidade prática a expressão cultural denominada como Candombe, que é muito dançada no Uruguai e na Argentina. Essa expressão cultural nos apresenta uma forte religiosidade ao Rei Santo Baltazar e a principal festa da comunidade é realizada no dia 6 de Janeiro de cada ano, na própria comunidade, que tem como objetivo realizar apresentações e demonstrar as artes culinárias da região. Sendo assim, tendo as expressões culturais como um reflexo da diáspora africana na América latina, no primeiro capítulo faço uma breve discussão sobre a diáspora africana e a condição do negro no continente americano. Já, no segundo capítulo, inicialmente, é trabalhado o conceito de festas e destaco o significado e apropriações que este conceito pode apresentar, principalmente, no contexto religioso.

Em seguida realizo uma

abordagem a cerca das festas religiosas realizadas para os santos negros católicos realizados por comunidades afro-latino-americanas em que o 5

idem

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jongo/caxambu e o candombe são praticados e encontram-se como principal atração da festa. Nas considerações finais realizo uma comparação entre as festas religiosas, destacando, a sua complexidade e os seus significados, que não são compreendidos apenas num simples olhar. Destaco, também, o constante trabalho de re-significação realizado pelos sujeitos afro-latino-americanos, que podem ser percebidos nas festas religiosas e na própria dança, expressa no candombe e no jongo/caxambu.

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CAPÍTULO 1

A diáspora africana é o ponto de partida para realizarmos a análise comparativa entre duas importantes culturas afro-latino-americanas: o jongo / caxambu (brasileiro) e o candombe (paraguaio) por meio das festividades religiosas realizadas para os respectivos santos patronos negros: São Benedito e São Baltazar. Nesse capítulo pretende-se realizar uma abordagem sobre o atlântico negro perpassando pelo período de chegada dos negros na América Latina e sua inserção na produção colonial por meio da escravidão até sua condição social na atualidade. Ao final do capítulo será discutida a metodologia do trabalho em História Oral afim de que se possa apontar o quanto à análise das narrativas dos sujeitos afro-americanos são um possível caminho de análise das experiências e representações sociais referentes aos santos patronos negros por meio das festividades religiosas.

1.1.

A DIÁSPORA AFRICANA PRESENTE NA AMÉRICA LATINA

É quase impossível propormos um esforço intelectual para a compreensão das culturas afro-latino-americanos sem destacarmos o conceito de diáspora africana no debate acadêmico. O debate a respeito da diáspora africana foi intensamente disseminado por grupos de intelectuais negros ingleses da New left Review 6 tendo como dois importantes representantes: Stuart Hall, em sua célebre obra “Da diáspora: Identidades e Mediações Culturais” e Paul Gilroy com sua obra tão lida no Brasil “O Atlântico negro”. O conceito de diáspora é substancial para compreender as trajetórias, discursos e narrativas dos negros que se encontram na América Latina. Esse termo é oriundo da história de vida dos judeus, entre idas e vindas, em que são encontrados diversos acontecimentos, atos de sofrimento e violência que 6

A New Left Review é uma revista política criada em 1960 no Reino Unido de tendência marxista e predominante no Partido trabalhista inglês.

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tiveram como o ápice da barbárie, o holocausto. Na diáspora africana encontramos também um enredo de sofrimento e violência que se inicia com a escravização dos negros em sua terra natal para o trabalho forçado na América Latina e se completa com a posição marginalizada em que permanece a população afro- latino-americana. O conceito de diáspora africana está pautado nas continuidades relacionadas à África no continente americano, por meio do papel desempenhado pelos negros na cultura, na música, na estética e nas novas formas de se fazer política na pós-modernidade, como o movimento rastafári, hip-hop e outros. Para Hall o momento sócio-político, atual, é de uma remodelação das questões relacionadas ao estado-nação, que antes eram estabelecidas através de mitos fundadores e “comunidades imaginadas”, que estiveram a serviço de políticas nacionalistas e ideais de nação. Os mitos fundadores são “uma concepção fechada de “tribo”, diáspora e pátria” (HALL, 2006: 29), capazes de delinear nossos imaginários e dar sentido a nossas histórias e vida. Nesse aspecto não existem mais fronteiras fixas e sim uma contínua troca cultural e material que superam os limites territoriais e políticos encontrados no estado-nação. Muito dessa situação se deve a globalização, no sentido de que estamos vivendo uma fase transnacional, em que não há apenas um centro cultural, mas sim uma descentralização desses centros culturais. (HALL, 2006). Hall, enfatiza a permanência dos locais de cultura, contudo não é mais possível definir com facilidade a origem deles. Portanto,

O que podemos mapear é mais semelhante a um processo de repetição-com-diferença, ou de reciprocidade-sem-começo. Nessa perspectiva, as identidades negras britânicas não são apenas um reflexo pálido de uma origem “verdadeiramente” caribenha, destinada a ser progressivamente enfraquecida. São o resultado de sua própria formação relativamente autônoma. Entretanto, a lógica que as governa envolve os mesmos processo de transplante, sincretização e diasporização que antes produziram as identidades caribenhas, só que agora, operam dentro de uma referência de tempo e espaço, um cronotopo distinto – no tempo da differance. (HALL, 2006: 36). 18

Nessa citação podemos entender que a cultura está em constante mudança e produção, no qual são produzidos novos tipos de sujeitos, novas identidades, em que ainda encontramos a permanência de elementos do passado, pertencentes à tradição. A compreensão da cultura deve se ao fato de como os sujeitos agem em relação ás tradições e como as identidades culturais vão sendo adquiridas no processo histórico. As sobrevivências africanas, ou seja, a diáspora africana presente na América não pode ser considerada a África dos territórios do período póscolonial, de onde os negros foram escravizados e capturados, nem mesmo a África de hoje em que encontramos diversos países, que pouco se identificam enquanto africanos e estão vivenciando recentemente seus ideais de nação e nacionalismo, construídos durante e depois da independência e que ainda persiste numa amarga miséria. A América negra é o que “... a África se tornou no novo mundo, no turbilhão violento do sincretismo colonial, reforjada na fornalha do panelão colonial.” (HALL, 2006: 39). Tais sobrevivências estão presentes na fala dos afro-latino-americanos como: Fatinha, integrante da comunidade de Pinheiral em entrevista realizada no dia 07 de Julho de 2013; Lucas, integrante da comunidade de Dito Ribeiro, em entrevista realizado no dia 13 de Setembro de 2013 e, por fim, Benito e Medina integrantes da comunidade de Kamba kuá em entrevista realizada no dia 21 de Julho de 2013 na comunidade de Kamba Kuá.

A África pra mim é nossa mãe né, por que tudo que a gente, as nossa tradições, as nossas vivências a gente ainda vive como nossos antepassados viviam. Como eles vieram de lá, sabe é muito forte, sabe a ligação que a gente tem... Brasil África é muito forte é uma coisa assim, inexplicável, que a ligação é, ela é cósmica mesmo. (FATINHA, 08: 51 – 13: 08, 2013).

Acho, que a África é nossa mãe, né, não nossa mãe no sentido Brasil-África, mas mãe toda a vida. E eu vejo a África como minha ancestralidade, meus ancestrais vieram de lá e meus ancestrais passaram pela escravidão também e provavelmente na história da humanidade foi o processo mais cruel, que aconteceu e acho que o jongo traz muito da África, sim. Você pega a comparação jongo e 19

capoeira, por exemplo, o jongo você tem muito a pergunta e a resposta, você canta um ponto, ou você ta cantando, você pergunta o coro responde ou você faz uma pergunta na demanda ou você responde, enfim. E a capoeira também tem a pergunta e a resposta nos movimentos da capoeira, né. E isso aí é trazido da África. Então, assim a... a própria questão da metáfora, você pega nos povos bantus, nos povos iorubas, nos gegis, eles tem essa coisa da metáfora, que maior parte do Brasil, vieram dessa região de África dessas etnias, vieram não foram seqüestradas e você pega isso, eles tem muita essa coisa da metáfora, dessa pergunta e resposta, então no jongo acho que a influencia é essa, também, a dança acho que de certa forma tem alguma coisa de África também e veio da África essa umbigada. Então, por mais que seja o jongo, surgiu no Brasil. Ele tem suas heranças de África. (LUCAS, 14: 43 – 17: 00, 2013).

El África es lo más importante, casi tipo que fue llamada de Patria y alguna vez todo afrodescendiente querría volver a su antigua África. Es pulmón de todos los americanos, afro-americanos que existimos, le debemos a África. Yo creo que es la Madre Patria de todos los afrodescendientes, es muy importante. (BENITO, 09: 30 – 09: 57, 2013).7

Es de ahí nuestro origen. Creo que la importancia es muchísima porque... África es nuestro origen y nosotros no podríamos mantener... o sea, nuestra cultura no tendría sentido sin África, está directamente involucrada con África, provenimos de ahí y mantenemos la cultura de África acá en Paraguay, y eso es primordial para nosotros. Nuestra cultura no tendría sentido sin África.8 (GUIDO, 07:19 – 07:55, 2013).

O sujeito afro-latino-americano na contemporaneidade é o produto dessa configuração cultural que foi sendo forjada no navio negreiro e perpassa os períodos de escravidão, colonização, exploração e racialização, culminando nos processo denominado de crioulização, mestiçagem e hibridez. Vale dizer que tais processos fazem parte das trajetórias africanas que hoje são

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A África é o mais importante, quase tipo... que foi chamado de pátria e alguma vez todo afrodescendente queria voltar a sua antiga África. É o pulmão de todos os americanos, afroamericanos que existimos, lhe devemos a África. Eu creio que é a mãe pátria de todos os afrodescendentes, é muito importante. Tradução do autor da monografia. 8

É de lá a nossa origem. Creio que a importância é muitíssima porque ... África é nossa origem e não podemos manter... , ou seja, nossa cultura não tem sentido sem África, está diretamente envolvida com África, provemos de lá e mantemos a cultura de África aqui em Paraguai, e isso é primordial para nós. Nossa cultura não tem sentido sem África. Tradução do autor da monografia.

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importantíssimos elementos na compreensão dessa nova remodelação do nacionalismo cultural e do estado-nação realizados por esses grupos sociais. Essa configuração cultural é denominada por Gilroy como Atlântico Negro. O Atlântico negro é uma conjunção histórica encontrada nas formas culturais bilíngües e bifocais formadas tanto por negros e brancos, que se encontram diluídos na memória e comunicação que foram sendo construídos durante o processo histórico e que marcam as experiências dos sujeitos. (GILROY, 2001). O Atlântico negro é um recurso capaz de compreender a duplicidade, tão presente nos latino-americanos em que apresentam a sua africanidade e sua nacionalidade refletindo no que Gilroy (2001) chama de “dupla consciência”. A dupla consciência não consiste em um inclusivismo cultural e nem tão pouco pretende cair no particularismo étnico. Mas, serve sim para compreendermos como o sujeito latino-americano lida com a questão da etnia e da nacionalidade, ganhando um sentido étnico-histórico. A duplicidade e a mistura cultural presentes na cultura negra na Europa, América, África e o Caribe são percebidas por Gilroy (2001) simbolicamente na imagem dos navios, retratado pelo autor como espaços de movimento e ponto de partida para toda a troca cultural entre os continentes. Nas palavras de Gilroy (2001),

A imagem do navio – um sistema vivo, microcultural e micropolítico em movimento – é particularmente importante por razões históricas e teóricas que espero se tornem mais claras a seguir. Os navios imediatamente concentram a atenção na Middle Passage (passagem do meio), nos vários projetos de retorno redentor para uma terra natal africana, na circulação de idéias e ativistas, bem como no movimento de artefatos culturais e políticos chaves: panfletos, livros, registros fonográficos e coros. GILROY, 2001: 38).

Sendo assim, o navio é um sistema vivo em que as trocas culturais, mesmo sendo realizadas em algum sentido de forma agressiva foram sendo aprofundadas e propiciando a formação de culturas e políticas modernas encontradas no Atlântico negro possibilitando transcender as estruturas do

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estado nação, com a presença da idéia de etnia e do particularismo nacional. (GILROY, 2001, p. 95). O Atlântico negro que se pretende retratar por meio das expressões culturais se dá no processo de crioulização, composta tanto por sujeitos negros, indígenas e brancos. A América negra encontrada nos países sulamericanos se dá nas lutas e reinvidicações, nas religiosidades, musicalidade e etc, sejam no presente como no passado e a todo o momento fixado pela interface memória e oralidade. As formas culturais negras, como a música e a religião são permanentemente inspiradoras, pois estão presentes diversas formas de técnicas e estilos, que supera o essencialismo racial e propõem um pluralismo cultural e múltiplas estéticas. As expressões culturais negras são o reflexo das rotas africanas e a permanência das africanidades no continente americano. Esses elementos podem ser percebidos no jongo/ caxambu no Brasil e no Candombe Paraguai através dos seus respectivos santos patronos. Depois da discussão sobre pontos essenciais a cerca da trajetória do negro para América Latina pretende-se no próximo subtítulo realizar uma abordagem sobre o período de chegada do negro na América latina, a fim de compreender como se deu a sua inserção e a formação cultural do negro em um novo continente, em que estão presentes elementos da musicalidade e da espiritualidade, num diálogo entre o presente e o passado.

1.2.

O NEGRO NA AMÉRICA LATINA

Olha, assim, eu conheci né alguns negros, que era descendente, assim, na linhagem de escravos. Eu convivi com alguns na minha família mesmo e tem a parte que vem dos escravos, assim, minha mãe, minha avó, conta, contavam muitas histórias, então tenho uma lembrança muito forte, do que era a vida deles, sabe, muito forte, forte, mesmo. E a consciência também, né. Por que através dessas histórias a gente cria uma consciência de que a gente tem que lutar sempre por dias melhores, por que a vida deles, a luta deles foi muito difícil. Então, a gente cria essa consciência de que, que a gente precisa, sabe fazer tudo para mudar mesmo, por que ainda hoje é

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muito difícil para nós negros, num é, sobreviver. (Fatinha, 2013, 13: 08 – 14: 20).

Ao analisarmos o artigo desenvolvido por Mintz “África en América Latina: una reflexión desprevenida” encontramos um quadro social, cultural e político de grande relevância para os estudos referentes aos afro-latinoamericanos. Nesse texto são destacados aspectos relacionados ao capitalismo e a escravidão; plantações e feitorias; a escravidão e o passado africano; por fim, a marginalização das populações afro-latinas. O pesquisador nos fornece em termos gerais uma análise dos períodos mais dramáticos e cruéis da humanidade, no intuito de nos oferecer um diferente olhar sobre esse fenômeno global que envolveu milhares de pessoas, continentes inteiros, transformações políticas e econômicas e distintas sociedades e vidas. Assim, Mintz começa sua reflexão sobre a África que se encontra na América Latina destacando o processo e abolição da escravidão em Cuba e no Brasil e os dados estatísticos de africanos que vieram para o Novo Mundo. Em sua análise o descobrimento do novo mundo é considerado o momento de formação dos impérios planetários e a consolidação da moderna economia mundial, que transcendia as fronteiras políticas, definindo o sistema capitalista como protagonista das relações comerciais entre o velho e o novo continente. Contudo, a expansão do capitalismo europeu definiu de forma arbitrária os papéis dos sujeitos sociais, fazendo com que aqueles que não estivessem inseridos no sistema fossem assimilados aos objetivos europeus de dominação e modo de produção capitalista, expressas na escravidão. Nas palavras de MINTZ (1937, p. 381) a escravidão dos africanos:

La esclavitud de los africanos en el Nuevo Mundo no fue ni una retrogradación a Roma y Cartago ni simplemente una “sociedad esclavista” (Genovese 1965) o una “economia de plantacion” (Mandel 1972). Em nuestra opinion fue um componente esencial, intrínseco, del capitalismo europeo.9

9

A escravidão dos africanos no novo mundo não foi nem uma retorna a Roma e Cartago, nem simplesmente uma “sociedade escravista” (Genovese, 1965) ou uma “economia de plantação”

23

A escravidão definitivamente foi um elemento econômico de grande relevância para a impulsão do comércio mundial, fornecendo condições necessárias e importantes para o desenvolvimento da indústria mecanizada na Europa. Vale destacar, ainda, que os escravos africanos estivessem sido empregados em inúmeros serviços no novo continente, a sua mão-de-obra estava ainda concentrada em lugares de obtenção de produtos básicos para os mercados consumidores europeus. Nesse sentido a economia europeia durante o período de escravidão esteve pautada na relação entre o proletariado urbano europeu e os africanos escravizados que trabalhavam nas plantações americanas. O continente americano no que concerne a escravidão nos fornece um múltiplo quadro e de grande amplitude para a análise. Pois, definitivamente as instituições escravistas foram distintas durante diferentes períodos históricos e cada colônia adquiriu certa especificidade em relação ao processo. Assim, à medida

que

o

tráfico

de

escravos

foi

crescendo,

percebe-se

uma

heterogeneidade da população escrava africana que veio para a América, o que nos demonstra as diferentes origens das populações afro-latino-americana, mas

também,

dificulta

a

análise

em

relação

às

continuidades

e

descontinuidades em relação a determinadas sociedades africanas. Sobre a cultura afroamericana MINTZ (1975) nos afirma que:

Tales atribuciones específico-tribales constituyen una cuestionable solución a los problemas del desenvolvimiento cultural afroamericano (Mintz y Price 1975), y parece que adolecen de dos defectos fundamentales: primero, tienden a ser ahistóricos hasta el extremo de que implicitamente mantienen la presunción de que lãs culturas africanas del siglo XX no han cambiado sustancialmente respecto a la etapa del florecimento de la trata, de tal manera que las similitudes reveladas em comparciones entre sociedades afroamericanas y africanas contemporâneas pueden ser interpretadas como segura evidencia de relacion historica; segundo, quizá prestan muy poça atención a los processos de câmbios culturales, a la imensa importância de la inventiva y plasticidad de los esclavos africanos en (Mandel, 1972). Em nossa opinião foi um componente essencial, intríseco, do capitalismo europeu. Tradução do autor da monografia.

24

Nuevo Mundo y a los singulares desafios planteados por el esclavizamiento, trasporte y la necesidad de adaptarse a um medio totalmente desconocido. (MINTZ, 1975: 388).10

A cultura afroamericana é um produto histórico. Fruto da distribuição e diversidade do povo de origem africana, que esteve em constante troca de informações, culturas, tradições, estética, etc. no Novo Mundo. Assim, os sujeitos afroamericanos não desempenharam um papel passivo, mas sim de agentes ativos em suas próprias transformações. Realizando uma integração particular de seus elementos próprios e dando significado simbólico a nova realidade, em que foram inseridos. O passado africano permanece presente e continua sendo fundamental para a recriação da sua cultural e vivência em sociedade. Analisar de forma comparativa as duas culturas afroamericanas (o candombe paraguaio e o jongo/ caxambu brasileiro através dos santos negros) pode ser um interessante exercício intelectual para compreendermos o papel do negro enquanto sujeito ativo de recriação da sua própria cultura e sociedade. No próximo capítulo, proponho um debate a cerca da História oral, que será usada como elemento de análise da cultura afro-latino-americana encontrada no Paraguai e no Brasil.

10

Tais atribuições específico-tribais constituem uma questionável solução aos problemas do desenvolvimento cultural afroamericano (Mintz e Price, 1975), e parece que adoecem de dois defeitos fundamentais: primeiro tendem a ser ahistóricos até o extremo de que implicitamente mantenham a presunção de que as culturas africanas do século 20 não há trocas substancialmente a respeito da etapa do florescimento do tráfico, de tal maneira que as similaridades reveladas em comparações entre sociedades afroamericanas e africanas contemporâneas podem ser interpretadas como uma evidência segura de relação histórica. Segundo, talvez prestem muita pouca atenção aos processos de trocas culturais, para imensa importância da investida dos escravos africanos no novo mundo e aos singulares desafios representados pela escravidão, transporte e a necessidade de adaptar-se a um meio totalmente desconhecido. Tradução do autor da monografia.

25

1.3.

A HISTÓRIA ORAL E OS AFRO-LATINO-AMERICANOS

Trata-se aqui das questões referentes aos estudos da História Oral, especialmente, no que se refere á ligação entre memória e identidade, o caráter e as limitações da história de vida-biografia, a sua importância para a historiografia e como a definição de História Oral defendida por Alessandro Porteli pode nos direcionar para uma análise das narrativas construídas para compreensão da cultura afro-latina. Quando falamos em História Oral, logo, nos remetemos ao sentido marcado pela memória e a identidade nos trabalhos baseados em fontes orais. Michael Pollak no texto “Memória e Identidade Social” afirma o quanto as entrevistas de história oral, sobretudo, de histórias de vidas são memórias individuais e coletivas, que nos apresentam percepções de uma realidade social. Compartilhando, da concepção de memória de Maurice Halbwachs, ele acredita que a memória deve ser compreendida como um fenômeno, do qual a sua construção se dá coletivamente e está a todo tempo em processo de mudanças. As características flutuantes da memória, tanto no que se refere a seu caráter individual como coletivo, segundo o autor estão presente nos acontecimentos vividos pessoalmente e nos acontecimentos vividos por tabela (vividos pelo grupo). Contudo, a memória não se limita apenas aos acontecimentos, mas está constituída também por pessoas, personagens, e por fim, por lugares de memória, que são importantes na memória e no pertencimento de um grupo ou indivíduo. Como, destaca POLLACK (1992),

“esses três critérios, acontecimentos, personagens e lugares, conhecidos direta ou indiretamente, podem obviamente dizer respeito a acontecimentos, personagens e lugares reais, empiricamente fundados em fatos concretos.” (POLLACK, 1992:202).

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Esses fatos concretos são organizados na memória individual e coletiva de forma seletiva, em que sua estruturação é realizada de acordo com o momento, ou seja, ela se dá a partir do presente para o passado, em que são perceptíveis nas memórias, as diversas preocupações, valores pessoais e políticos. O que faz dela um fenômeno construído em que os modos de construção são consciente e inconsciente, compondo uma história individual e coletiva. A memória é construída na coletividade por meio de valores e discursos que estão em permanentemente disputada pelos diversos grupos políticos e sociais e são ferramentas capazes de despertar diversos sentimentos de identidade. Essa identidade coletiva dada pela memória é o que significa a temporalidade e pertencimento do indivíduo a um determinado grupo social. Como Pollack destaca esse sentimento de identidade é a:

“imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si próprio, para acreditar na sua própria representação...” (POLLACK, 1992:204-205).

Portanto, cabe ao pesquisador, no trabalho em História Oral, compreender essas narrativas, onde estão presentes as identidades e memórias. A respeito disso, destaca-se o trabalho do escritor Alessandro Portelli, um dos mais importantes estudiosos de fontes orais. Para, Portelli o mais interessante nas fontes orais, de fato, são as multiplicidades dos pontos de vistas das pessoas, que estão representadas pelas narrativas e falas. Nessa perspectiva, a História Oral permiti ser analisada por diferentes ciências, o que contribui para o seu enriquecimento. A História Oral trabalhada por Portelli é uma forma interessante de compreender a história, contada através do discurso popular, de pessoas humildes que não tinham espaço e tão pouco eram protagonistas, nos estudos e pesquisas na área de história, que ainda são guiados por uma objetividade excessiva no ensino acadêmico. Como o próprio, Portelli afirma é nesse

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discurso popular, que encontramos significados implícitos e conotações sociais, difíceis de serem reproduzidas por meio da escrita. O caráter primordial das fontes orais são as narrativas. Nas narrativas estão presentes experiências pessoais e coletivas, que constituem uma memória histórica repleta de imaginações compartilhadas e parcialidades, no qual a sua interpretação não se dá através de regras fixas, pois há diversas possibilidades de compreensão do que é dito. É importante para o entrevistador estar sempre atento as entonações, variações na fala e características presentes no discurso da pessoa. Pois, como destaca ALBERTI (2003):

Ao contar suas experiências, o entrevistado transforma aquilo que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido. Esse trabalho de linguagem em cristalizar imagens que remetem a, e que significam novamente, a experiência é comum a todas as narrativas – e sabemos que algumas vezes é bem-sucedido do que outras (assim como algumas entrevistas de história oral são certamente mais bem-sucedidas do que outras). Mas talvez não tenhamos dado ainda a devida atenção para esse trabalho da linguagem nas chamadas “fontes orais”. (ALBERTI, 2003: 1)

Esse trabalho de linguagem são formas de selecionar e significar a sucessões de acontecimentos, preenchida por uma finalidade. Indo além, a subjetividade dessas narrativas são ferramentas importantes para compreender o motivo pelo qual as pessoas constroem e atribuem significados a suas ações, experiências e identidades. Sendo assim, ser possível compreender o contexto histórico como também, o próprio fato histórico, que está sendo narrado. Para Portelli, a subjetividade é a capacidade, que o sujeito tem de ver, interpretar e influir na história. Em que é medida

“(...) não tanto pela reconstrução da experiência concreta, mas pelo delinear da esfera subjetiva da experiência imaginável: não tanto o que acontece materialmente com as pessoas, mas o que as pessoas sabem ou imaginam que possa suceder. E é o complexo horizonte das possibilidades o que constrói o 28

âmbito de uma subjetividade socialmente compartilhada.” (PORTELLI, 1996: 70).

Compreender essa subjetividade socialmente compartilhada encontrada na história oral é fundamental para o historiador não se envolver por algumas narrativas, que são distorcidas pela memória, e que gera diversas versões sobre o evento. Vale destacar que a interação entre entrevistado e entrevistador é importante para o exercício de compreensão e interpretação da subjetividade encontrada na narração. Para Portelli, a percepção do registro oral como construção da realidade é possível tanto para a experiência pessoal como para a memória histórica, pois essas narrativas não nos fornecem puras informações históricas e nos são dadas de forma misturadas. Com isso o importante na análise das fontes orais proposto por Portelli é o fato de que através da verdade pessoal transmitida na entrevista pode-se compreender ou se chegar à imaginação compartilhada em um determinado grupo, percebendo as práticas e as ações desses sujeitos através da narrativa. A chave para analisar a narrativa de História Oral não está na interpretação que o entrevistado dá em relação ao evento, mas sim ao ato interpretativo, ou seja, o que o levou a ter essa interpretação sobre o que ocorreu e também o que o influenciou na construção de uma narrativa de si. A História Oral é repleta de subjetividade e:

“(...) não temos, pois, a certeza do fato, mas apenas a certeza do texto: o que nossas fontes dizem pode não haver sucedido verdadeiramente, mas está contado de modo verdadeiro. Não dispomos de fatos, mas dispomos de textos; e estes, a seu modo, são também fatos, ou o que é o mesmo: dados de algum modo objetivos, que poderiam ser analisados e estudados com técnicas e procedimentos em alguma medida controláveis, elaborados por disciplinas precisas como a lingüística, a narrativa ou a teoria da literatura.” (PORTELLI,1990:64).

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Assim, as entrevistas trabalhadas no campo da História Oral nos ensinam algo a todo o momento e não estão reduzida apenas a mera versão do passado, mas imagens que nos informam sobre a realidade. (ALBERTI, 2003). No próximo capítulo analisaremos a festa do Santo Baltazar no Paraguai e a do São Benedito no Brasil através das expressões culturais afro-latinoamericanas.

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CAPITULO 2

O trabalho de análise das sociedades afro-latino-americanas através das festas religiosas, do qual se têm como destaque os santos patronos negros é de grande relevância para compreender os elementos permanentes e mutáveis na diáspora africana. Nesse ponto o capítulo almeja realizar um breve debate teórico sobre o conceito de festa, no intuito, de compreendermos a complexidade e amplitude de elementos culturais, políticos, sociais e individuais que constituem e compõem a festa em sua totalidade. Tal análise é um primordial ponto de partida para apresentarmos os dois estudos de caso: a festa de São Benedito e a de São Baltazar, respectivamente, no Brasil e no Paraguai.

2.1. O CONCEITO DE FESTA

Ao trabalharmos conceito de festa relacionada à religião é perceptível a vasta bibliografia relacionada à festividade, sem que haja uma problematização em relação ao objeto de estudo, se resumindo, apenas a um caráter descritivo em relação ao evento em si e pautados no uso de conceitos arcaicos como: cultura espontânea e sobrevivência cultural sem refletir sobre o contexto social, político e econômico pelo qual está envolvida a festa (AMARAL, 1998). Portanto, pretende-se nesse subtítulo analisar o significado da festa nos estudos da antropologia da religião, principalmente, relacionada ao ritual e como mediadora cultural. Para compreendermos a festa enquanto objeto de estudo e a sua relação com o ritual, é de grande importância destacar o priorismo de Emile Durkheim no que se refere á temática relacionada aos estudos da antropologia da religião. Em “As formas elementares da vida religiosa” o sociólogo destaca

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que a característica determinante e encontrada em toda religião é o seu caráter “recreativo e estético”. (AMARAL apud DURKHEIM, 1968:542/4). Para Durkheim, as festas são caracterizadas por ser um meio capaz de superar as distâncias entre as pessoas, produzindo nos indivíduos uma “efervescência coletiva”, capaz de romper com as normas sociais. Através do encontro na festa os indivíduos reafirmam o seu caráter enquanto seres sociais, o que contribui para uma reflexão de si mesmo e de sua unidade no grupo, fortalecendo e alimentando os laços sociais, que para o sociólogo, se encontram em risco, devido, ao mal-estar do qual se vivia a sociedade do século XX, em que havia pouca liberdade e grande tensão entre os indivíduos. A festa no entendimento de Durkheim é o lugar ou espaço de fuga da tensão entre as pressões da vida séria e a própria natureza dos seres sociais. Sendo assim, vale destacar que para que a festa tenha uma “efervescência coletiva” impulsionada pela energia coletiva emanada dos participantes, ela deve ter outros elementos presente em todas as festas como: “músicas, bebidas,

comidas

específicas,

comportamentos

ritualizados,

danças,

sensualidade, etc.” (AMARAL, 1998, p. 28). Portanto, podemos entender que a festa para Durkheim é um elemento de estruturação e regeneração da sociedade. Em contrapartida a essa interpretação a respeito das festas religiosas podemos destacar a obra do antropólogo francês Jean Duvignaud, que pensa a festa como uma ruptura, um momento de anarquia total e de poder extremamente subversivo. Assim, pode-se dizer que a festa é a:

“capacidade que têm todos os grupos humanos de se libertarem de si mesmo de enfrentarem uma diferença radical no encontro com o universo sem leis e nem forma eu é a natureza na sua inocente simplicidade.” Esta capacidade estaria, hoje, sendo “vencida” pelo modo de produção capitalista e pelo crescimento industrial.” (AMARAL apud DUVIGNAUD).

Com base no fragmento de Duvignaud, percebe que a sociedade vive um período de crise no ato de festejar, por causa das forças impostas pelo 32

modo de produção capitalista e pela industrialização. Compartilhando, da idéia de que o ato de festejar encontra-se num período de crise, o antropólogo Mafesolli destaca que o principal motivo da decadência do festejar é o individualismo e utilitarismo, pelo qual passa a sociedade mundial, e o que Durkheim chama de „efervescência”, Mafesolli denomina como o “êxtase”, ou seja, o “ultrapassamento”, a “ transcendência” do indivíduo no interior de um grupo mais amplo, o “eu” que se dilui no coletivo” ( AMARAL, 1998, pg. 32). No entanto, os autores, que destacam a decadência do ato de festejar analisaram em grande parte sociedades simples, em que as culturas privilegiaram o modo de produção capitalista, em que prioriza a racionalização do tempo e da economia dos bens, o que contribuiu, de fato, para o fim de certas tradições. Em alguns países do terceiro mundo, como o Brasil e o Paraguai, que se encontram no processo do desenvolvimento capitalista, não se percebe essa decadência da festa, pelo contrário, pode-se perceber a continuidade das festas populares, e principalmente, as religiosas. Sendo que as festas a todo o momento estão sendo reinventadas pelas massas populares, adequando-as suas condições sociais e econômicas. Sendo assim, a festa nos apresenta situações de mediações estabelecidas em concordância com os momentos vividos pela comunidade, correspondendo a fins específicos, e sempre, criando-se um meio de comunicação com a natureza humana e social. As festas de São Benedito (Brasil) e de São Baltazar (Paraguai) analisada pela monografia estão diretamente ligadas á temática da religião e são festas religiosas realizadas por comunidades afro-latino-americanas de cultura extremamente complexas, em que não se resume apenas a um fenômeno social, mas também é um instrumento de comunicação. Como destaca AMARAL:

A festa é ainda mediadora entre os anseios individuais e os coletivos, mito e história, fantasia e realidade, passado e presente, presente e futuro, nós e os outros, por isso mesmo revelando e exaltando as contradições impostas á vida humana pela dicotomia natureza e cultura, mediando ainda os encontros culturais e absorvendo, digerindo e transformando em pontes os opostos tidos como inconciliáveis. (AMARAL, 1998, p. 52). 33

Assim, podemos entender que a festa nos fornece uma linguagem que possibilita a comunicação entre os diversos tipos de etnias, em que há a ação e participação das comunidades afro-latino-americanas na construção das festas religiosas, como também, na afirmação de sua identidade e luta política. Indo mais além podemos destacar que essas festas se enquadram no que

Duvignaud

definiu

como

“festas de

participação”

e

“festas

de

representação”. As “festas de participação” são cerimônias públicas em que estão envolvidas toda a comunidade, em que a comunidade que participa está consciente dos mitos e dos símbolos e rituais utilizados no desenvolvimento da festa. Agora, as “festas de representação” são compostas por “atores” e “espectadores” que participam do rito, do símbolo e da cerimônia, contudo de pontos de vista diferentes conforme o seu papel atribuído na festa. (AMARAL, 1998). É preciso enfatizar que a participação da comunidade afro-americana se dá de diferentes formas no fenômeno social, no qual estão em jogo valores, símbolos, o sagrado e o profano e dentre outros. As festas de São Baltazar e São Benedito estudadas aqui nesse trabalho fazem parte de uma conquista popular, ou seja, das comunidades afro-latino-americanas e de encontro dos membros de diversas comunidades afro-americanas. Nesse ponto destaca-se a fala de Benito e Guido, integrantes da comunidade afro-paraguaia.

Creo que es muy positiva, porque es una forma de encontrarse todos los afros. Es el único momento en pleno día en que nos reunimos y estamos todos juntos festejando, es muy linda, la fiesta patronal. (BENITO, 11: 48 – 12:26, 2013) 11. La fiesta tradicional en la comunidad es una forma de mantener la cultura. Sin la fiesta tradicional, la comunidad se no identificaría como afrodescendiente. Tenemos nuestra cultura, que la tradición es una cosa fundamental y principal dentro de la comunidad, porque también

11

Creio que é muito positiva, porque é uma forma de se encontrar todos os afros. É o único momento em pleno dia em que nos reunimos e estamos todos juntos festejando, é muito linda, a festa patronal. Tradução do autor da monografia.

34

la comunidad se identifica como una población afroparaguaya. (GUIDO, 09:56 – 10:41, 2013)12.

As festas religiosas, portanto, é um lugar especial para a criação de tradições e a reafirmação de costumes, o que possibilita o contato mais profundo entre as culturas de diferentes maneiras, ou seja, através do lúdico, do religioso e da arte. Nela são construídas linguagens simbólicas que compartilhados, traduzidos transmitidos para os demais membros que recriam novos símbolos, significados e comportamentos culturais. No Brasil, esse debate é destacado pela liderança jongueira Fatinha:

Eu acho bacana, igual que eu te falei, Sábado a gente dançou em Guaratinguetá, uma festa tradicional, lá, de rua ..de terreirão, bacana, lá o jongo de Guará, a nossa que a gente vai fazer no mês de julho, a de Santana é uma festa comunitária também, uma festa que desde que eu era criança essa festa que acontece onde as pessoas dão as coisas para fazer a partilha, depois do terço. Então tem muita comida, muita bebida e todo mundo que ta na festa come. É na rua essa festa e dança, a gente dança jongo. Lá em São José da Serra também, festa que a gente tem acompanhado, muito legal, a gente dança a noite toda. Eu gosto de ir em festa nas comunidades, acompanhar de visitar.. (FATINHA, 2013, 25: 30 – 26: 39).

Assim, dentro da comunidade jongueira de Pinheiral, nós temos as pessoas que são da religião de matriz africana. Tem candomblecistas e temos o pessoal da Umbanda, que não são das mesmas casas, cada um tem seus preceitos e seus santos lá, agora, dentro do jongo de Pinheiral não tem a questão da religião. A gente tem preceitos, mas a gente não tem a questão da religião, nem umbanda e nem candomblé, a gente tem preceitos, muito pelo contrário o santo que a gente cultua lá dentro do jongo são santos católicos. Que nós fazemos a novena de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora Aparecida em Outubro. E agora em julho a gente faz a de Nossa Senhora de Santana, que é a padroeira do nosso jongo, isso dentro da igreja católica. A gente faz a novena, a gente reza o terço, os noves dias, termina em festa no ultimo dia, tem festa, tem comidaria, então são dentro da, mas a gente tem os nossos preceitos, por que o jongo é jongo, tem sua

12

A festa tradicional na comunidade é uma forma de manter a cultura. Sem a festa tradicional, a comunidade não se identificaria como afrodescendente. Temos nossa cultura, que a tradição é uma coisa fundamental e principal dentro da comunidade, por que a comunidade se identifica como uma população afroparaguaia. Tradução do autor da monografia.

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magia, por que quem é jongueiro sabe aonde ta pisando. (FATINHA, 2013 22: 24 – 25: 50).

Outro aspecto importante para se compreender as festas religiosas, especificamente, a festa de São Benedito e de São Baltazar é a forte adoração, que ocorre aos respectivos santos católicos e as representações profanas, que vão sendo estabelecidas e surgindo no decorrer da festividade. Essa prática nos fornece um intercâmbio cultural. Contudo, esse intercâmbio cultural pode se dá também de forma negativa para a comunidade, principalmente, quando a atividade turística é realizada de forma descontrolada e sem um planejamento. Deve-se destacar que as festas de São Benedito no Brasil e a de São Baltazar apresentam como uma das expressões culturais fortes o Jongo/ Caxambu e o Candombe, respectivamente. Em que estão em jogo representações profanas, como os dançarinos, o tambor, a própria dança, que não fazem parte dos valores e normas católicos, mas que foram inseridos, pelos populares na festividade. No próximo capítulo, proponha uma análise da festa de São Benedito e o Jongo/ Caxambu destacando o fato de ser um dos santos patronos e popular em diferentes comunidades jongueiras no Brasil.

2.2. O JONGO/CAXAMBU E A FESTA DE SÃO BENEDITO

Benedito Santo, Filho da Virgem Maria Ó, meu São Benedito Ele é nossa guia Olha que vem lá, É São Benedito Que vem trabalhar, Chegou... olhou... Abençoou quem trabalhou. Ponto de abertura da Comunidade Jongueira de Dito Ribeiro (CAMPINAS/SP) 36

A partir desse ponto de Jongo/ Caxambu se percebe o quanto a religião e a devoção ao Santo São Benedito estão entrelaçados nas vidas e na cultura dos jongueiros do sudeste brasileiro, sendo através da festa religiosa em homenagem ao santo patrono, como também, em espetáculos

13

por todo o

Brasil. Pretende-se, portanto, analisar o jongo/ caxambu através do santo religioso e sua respectiva festa através de entrevistas realizadas com membros de três comunidades jongueiras: Dito Ribeiro / SP, Pinheiral / RJ, Serrinha / RJ. O mouro, negro e etíope conhecido como São Benedito é considerado o santo patrono do jongo/ caxambu em grande parte das comunidades jongueiras do sudeste brasileiro. O santo nasceu na Sicília na província de Sanfratello em 1526, e era filho de Cristovão Monassero e Diana Lercan, negros africanos escravizados oriundos da Etiópia. Durante parte de sua vida foi pastor de ovelhas e lavrador, e depois de um curto tempo foi viver com os monges Eremitas de São Francisco de Assis e em seguida expulso e foi viver no convento dos Capuchos, onde é eleito como superior do mosteiro. (VIEIRA, 2006). São Benedito faleceu no dia 04 de Abril de 1589 e foi canonizado em 1807. A data definida para a comemoração de São Benedito é dia 05 de Outubro. Vale destacar que algumas comunidades jongueiras não seguem essa data. A comunidade de Dito Ribeiro é uma das principais que realiza uma festa para o são Benedito e tem o santo como patrono. Para Lucas, integrante da Comunidade Jongo Dito Ribeiro:

Tem o padroeiro, né, o São Benedito. [João: E se não me engano tem uma festa de São Benedito, né] É o arraial [João: Poderia falar um pouco sobre dela] Sim, o arraial é uma festa que acontece todo o mês de julho. É o arraial afro-julino, que acontece todo segundo sábado de julho e é uma festa pra comemorar, o começo do nosso... do Jongo, por que Alessandra, quando se sentiu tocada pelo jongo ela resolveu fazer uma festa julina e chamando jongueiros e tal, pra comemorar o jongo. E aí o arraial é fruto dessa festa, acho que na primeira vez foram sei lá 200 e tanto pessoas, hoje vão 5 mil pessoas. [...] Mas é feito para São Benedito e é feito também para um encontro entre as comunidade jongueiras pra que role encontro e

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As comunidades jongueiras realizam apresentações em diferentes festas e espetáculos de grande público em todo o sudeste e em outros estados do Brasil.

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além disso outras atrações afro-culturais. (LUCAS, 2013, 21: 25 – 21: 36) [João: Qual o balanço que você tem dessas festas? Você acha positivo? Negativo?] Lucas: Eu acho positivo, por que é uma festa que foca só em culturas negras, então, já é uma forma de nosso povo, de mostrar o quanto o nosso povo tem de cultura tem, por que numa festa que dura 18 horas, rola jongo, rola maracatu, rola capoeira, rola samba de roda, rola rap, rola samba-rock, enfim, rola várias coisas e tudo é fruto do nosso povo, então, acho que, enquanto divulgação, afirmação tudo acho que é interessante, além de rolar jongo a festa inteira. Então, várias comunidades vão e muito jongo. (LUCAS, 2013, 21: 36 – 24:03).

Percebe- se através das falas citadas, acima, que o arraial Afro- Julino ao mesmo tempo, que tem um papel de cultuo ao santo patrono da comunidade Jongo de Dito Ribeiro, que é o São Benedito, ela também funciona como um espaço de promoção do mito fundador da própria comunidade jongueira. Além disso, a festa contribui para troca de culturas e informações com as pessoas que não fazem parte da comunidade jongueira, podendo agir como mediador cultural. Pois, na fala do jovem líder jongueiro, percebemos que ocorre na festa uma rica troca cultural realizada por sujeitos de diversas culturas afro-brasileiras, sendo, um elemento de afirmação e divulgação da comunidade e de sua história e cultura.

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Foto 1: A mesa de homenagem a São Benedito. Tiradas em julho de 2012. Acervo Pontão de Cultura Jongo/Caxambu - UFF

Foto 2: O santo patrono da comunidade. Tiradas em julho de 2012. Acervo Pontão de Cultura Jongo/Caxambu - UFF 39

Foto 3: A bandeira da Comunidade Jongo Dito Ribeiro. Tiradas em julho de 2012. Acervo Pontão de Cultura Jongo/Caxambu - UFF

Foto 4: O grupo de jongo/caxambu da comunidade. Tiradas em julho de 2012. Acervo Pontão de Cultura Jongo/Caxambu - UFF

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Foto 5: O arraia afro Julino. Tiradas em julho de 2012. Acervo do Pontão de Cultura Jongo/Caxambu - UFF

Essa expressão é característica da região sudeste do país e muito praticado no período da escravidão pelos negros de origem “bantu” nas lavouras de café e de cana-de-açúcar, como lazer e resistência a escravidão e opressão branca. Sendo assim, os saberes, práticas e valores existentes na manifestação foram sendo passados por gerações e ganhando novas apropriações e se tornando símbolos de lutas na atualidade. Ampliando o debate sobre o Jongo/ Caxambu é necessário analisar as falas dos jongueiros para compreendermos a amplitude do significado de tal prática e como ela é interpretada. Como destaca, Fatinha:

Pra mim é a verdadeira história do povo negro é o jongo. Por que na época da escravidão, o negro não tinha lazer nenhum, né, ele trabalhava de sol a sol, quando ele chegava a noite na senzala, que ele ia para a roda de jongo, ali ele namorava, ele cultuava os orixás, ele dançava, ele cantava a saudade da África, tudo acontecia na roda de jongo, então, eu vejo que a nossa história está ali. Foi uma forma de luta deles, lazer. Lá trás e pra gente é hoje em dia, por que a gente dança jongo, a gente canta o jongo, mas a gente também, é busca ta dentro do espaço, que não fosse o jongo a gente não 41

estaria. Tipo, de universidades, de escolas, sabe, outros espaços, que o jongo tem nos levado, que não fosse o jongo, a gente nunca viveria isso, por que a situação do negro no Brasil continua a mesma. A gente teve vários avanços, mas a nossa luta ainda é muito árdua. Então, o jongo pra nós hoje em dia, pra além do lazer, de cultura, de contar a nossa história é uma resistência, entendeu? É uma resistência que gente ta furando... o que a sociedade nos impôs durante esses anos todos e nos impõe. (FATINHA, 2013, 05:20 – 07:07).

Segundo, Suellen, integrante do Jongo da Serrinha em entrevista realizada no dia 03 de Julho de 2013:

O jongo é uma dança de roda, de umbigada trazida pelos negros bantus de Angola e que chegou aqui no Brasil e foi cultuado nas lavouras de café. Isso é o que está escrito nos livros, que foi me passado e o que eu li, né. E assim, essa coisa de como é cultuado o tambor, de como é, e o que é a dança, né. Eu acho isso, muito complexo, por que cada um diz uma coisa. Certa vez, eu já ouvi dizer que o Jongo, antigamente era uma dança de sedução, onde o cara entrava com uma mulher na roda e ai a mulher dançava e o cara dançava com todo o glamour e a mulher com todo charme para um tentar seduzir o outro. Já disse que ouvir dizer que o Jongo era uma dança feita porque era muita tristeza e aí para lembrar da sua terra, os jongueiros faziam jongo por isso, já ouvi dizer que o jongo era para festejar e para saudar, enfim... que na verdade é um misto de tudo é tudo junto, tanto que os pontos, a gente tem vários tipos de pontos de jongo para abrir uma roda de jongo. A gente tem um ponto para abrir e um ponto pra fechar. E dentro da roda no decorrer da roda, a gente tem ponto de demanda, a gente tem ponto de visaria, a gente tem ponto de lamento e assim, dentro da roda de jongo, onde tudo acontece, você vai fala da sua vida como está boa, você vai brigar com o cara que está te atormentando, quando te enchendo o saco, você vai falar do dia-a-dia da sua comunidade, você vai debochar da cara de fulano e sicrano, você vai canta o quanto ta feliz. Eu acho que é isso... é não tem uma coisa específica. É o jongo é para briga, o jongo foi feito para entrar ali na roda e desabafa o que tá sentido... (SUELLEN, 2013, 22:30 – 25:00).

De acordo, com as narrativas criadas pelos sujeitos das culturas, o Jongo/ Caxambu não apresenta apenas um significado definido, mas sim uma complexidade de sentidos e símbolos tanto para os que praticam a cultura afrobrasileira e possivelmente, também, para os espectadores que assistem a apresentação. O Jongo/ Caxambu como está destacado na fala de Dona Fatinha, nos apresenta uma mudança de sentido, ultrapassando, o significado de cultura afro-brasileira, mas sendo um mecanismo de resistência encontrado 42

pelos os jongueiros para se posicionarem, enquanto, sujeitos sociais na atualidade. É perceptível na historiografia brasileira, que o jongo e o negro estiveram sempre perseguidos pelos órgãos de repressão do estado brasileiro. O jongo/ caxambu tem diversos nomes, ou seja, em algumas regiões ele é chamado de tambu, batuque, tambor e caxambu. Como destaca ABREU e MATTOS (2007), no século XIX viajantes estrangeiros que viajaram pela corte e áreas rurais, possivelmente, encontraram jongos e caxambus no Brasil. Contudo, como estavam preenchidos de olhares europeus de progresso e de civilização não atribuíram esse nome, e tão pouco se interessaram em saber o nome dado pelos praticantes dessa expressão cultural afro-brasileira. Assim, descreveram a prática com estranheza e repleto de preconceitos. A definição genérica dada à expressão cultural por grande parte dos viajantes, que presenciaram todo tipo de encontro entre “pretos” foi “batuque”. Esse termo é encontrado constantemente nos códigos de repressão e controle e nas repressões municipais de inúmeras cidades brasileiras, como também, em jornais públicos, que reclamavam do barulho que incomodavam a vizinhança. Contudo, devemos também destacar que o batuque, teve muito mais do que um significado de reunião entre grupos, e sim, um papel determinante nas reivindicações, negociações e acordos com as autoridades municipais e a polícia, e em alguns momentos com os senhores de engenho (ABREU; MATTOS, 2007). Sobre o Jongo/caxambu, Fatinha ressalta que:

Bem, a dança ela, no momento que a gente dança, dança o nosso corpo todo, então é uma forma de liberação. Os tambores, além de trazer viva a memória da África, né. É o nosso ponto de energia, né. A energia do jongo está toda no tambor, ali, então é o nosso ponto de energia. E o canto é onde a gente pode fala pra você. A gente pode canta alegria, a gente pode canta luta, canta tristeza através do canto, então, o jongo ele se completa, dança, tambor e canto. (FATINHA, 2013, 07:07 – 08:07).

Como visto no fragmento acima essa expressão cultural nos apresenta uma linguagem própria, capaz de transmitir diversos significados. Não podemos deixar de destacar no jongo o duplo sentido, que é apresentado nos pontos criados e cantados por jongueiros. O ponto de jongo pode apresenta 43

vários significados, pois não se resume apenas a uma simples interpretação. Além disso, tal prática é cantada e tocada de diferentes formas, dependendo da comunidade que o pratica, o que demonstra o quanto essa manifestação cultural é múltipla e diversa. Contudo, há traços comuns que são mantidos até os dias atuais, como o respeito à ancestralidade, a valorização dos enigmas cantados nos pontos e na coreografia da umbigada durante as apresentações na comunidade e fora dela. O duplo sentido no ponto de jongo pode ser compreendido através desse ponto que era cantado nas fazendas de Vassouras e foi gravado por Stanley J. Stein (1949):

Eu pisei na pedra a pedra balanceou O mundo tava torto rainha Endireitou Pisei na pedra a pedra balanceou Mundo tava torto rainha endireitou Não me deu banco pra mim sentar Dona Rainha me deu uma cama, Não me deu banco pra me sentar Um banco pra mim sentar Dona Rainha me deu cama não me Deu banco pra me sentar, ô Iaiá

O ponto de jongo/caxambu citado acima, permanentemente é cantado e lembrado nas rodas de jongo do sudeste e nos apresenta um duplo sentido, que vai além do que está sendo dito num primeiro momento. A mensagem que ele nos traz é do período da escravidão, no qual já estava ocorrendo uma série de

transformações,

fugas,

reinvidicações

feitas

pelos

escravos,

que

contribuíram para o seu fim e a assinatura da princesa Isabel. E, além disso, o ponto nos revela um quadro social, posterior ao fim da escravidão, que é o da exclusão, já que a rainha apenas acaba com a escravidão oficialmente, mas, não dá os direitos sociais, a grande massa de negros livres. Após o século 20, no sudeste brasileiro em comunidades descendentes de escravos, o jongo/ caxambu começou a desaparecer, tanto pelo movimento 44

de dispersão dos praticantes, que imigravam para áreas urbanizadas, quanto pelo processo de massificação da cultura, que denominar como urbana, através dos meios de comunicação. Mas não podemos também deixar de fora a vergonha motivada pelo preconceito, que ainda está presente na sociedade brasileira sobre as culturas afro-brasileiras, principalmente, no que se refere a religiões afro-brasileiras. Como afirma Lucas:

O jongo, ele como qualquer manifestação afro-brasileira ela tem influencia da religião, por que ele tem influencia, não por que ele é religião mas ele tem alguma, cumprimentar o tambor, não se cumprimenta á toa, não vem só do jongo, vem de uma coisa ancestral ao jongo que fala que você tem que cumprimentar o tambor, por que ele é o mais velho. Então, tem sua influência, mas jongo não é religião. São ele tem... como a capoeira ele tem influencia da religião, não se pede licença no pé do berimbau a toa. Tem um porque. E acho que na verdade essa coisa que o pessoal confundi, muito ela é puro preconceito, por que na nossa comunidade, a gente tem pessoas de tudo que é religião, sabe? Desde umbanda, candomblé, católico e evangélico e pra tudo mundo é bem claro. O que que é o jongo, sabe? Então, assim para mim, o pessoal que faz essa confusão e colocando que macumba é uma coisa ruim também, ou seja, e que você macumba e daí também. Mas que já vem com esse preconceito, né, enraizado. Já vem com esse olhar negativo para qualquer coisa que já tenha tambor, já o pessoal já... (assimila) assimila com as religiões afro-brasileiras, né. (LUCAS, 2013, 27: 06 – 28: 57).

Mesmo com todos os problemas o jongo/caxambu continua vivo em algumas comunidades e é sinônimo de integração, identidade e reafirmação de valores comuns, a partir da memória do sofrimento e da resistência do negro no período da escravidão. O jongo/ caxambu é a memória vida do passado de luta pelos direitos do negro no passado e na atualidade, que estão inseridos ao significado de ser jongueiro. Para Suellen, Lucas e Fatinha:

Resistência cultural, eu acho que é isso. O jongo é resistência cultural. É uma afirmação o tempo todo. É dizer eu estou aqui o tempo todo, eu quero ser visto. E pra mim é isso. Quando eu entro ali dentro eu quero resisti a tudo que está acontecendo ali fora eu quero ser vista, entendeu. É isso que eu tenho para mostrar. É tudo que eu sou de fato. (SUELLEN, 2013, 01: 05: 15 – 01: 05: 56).

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Primeiro, uma responsabilidade grande e acho que ser jongueiro, quando você é jongueiro você abre um novo universo para você, um novo, uma outra forma de ver as coisas, uma outra forma de lidar com as coisas. E o Jongo como eu sempre falo, o jongo é transformador. E tenho certeza que tudo mundo que passou pelo jongo, todas as pessoas que passaram pela comunidade. É, mesmo se não ficaram no jongo, mesmo que, sei lá, tiveram que mudar de cidade, foram, se distanciaram, trouxeram alguma coisa boa do jongo, sabe, um... ficou com essa pessoa. E acho que é isso, o jongo é... ele transforma as pessoas. (LUCAS, 2013, 29:00 – 29: 58)

Ah, é tudo na minha vida. Por que é como eu te falei tem mais ou menos trinta anos, que eu faço a coordenação desse grupo. Então, assim, eu vivo o jongo 24 horas, né. Eu vivo o jongo 24 horas, né. Tanto na nossa casa, no ponto de cultura, na escola onde eu trabalho, né. Na escola que eu tô... eu já to até saindo agora que estou aposentando, mas já tem quatro anos que eu tenho um grupo de jongo na escola e as crianças adoram. A gente dançou na festa junina, lá, foi assim um sucesso. Então, eu vivo, o jongo assim, 24 horas. Eu amo, eu adoro uma das coisas que eu mais gosto de fazer é jongo. E sempre andei longe atrás do jongo, adoro. (FATINHA, 2013, 27: 57 – 28: 51)

O sentido do Jongo/ Caxambu está presente na vida dessas comunidades de forma profunda e substancial. E de fato a festa é uma das formas do qual essa expressão cultural encontra espaço para suas reivindicações, lutas, projetos sociais, trocais culturais e dentre outros. Percebe-se que por mais que haja uma diversidade religiosa por parte dos praticantes, o culto aos santos sagrados, ainda é muito forte e o São Benedito permanece como santo patrono da expressão cultural. No próximo subtítulo será apresenta uma segunda cultura afro-latinoamericana, que também cultua outro santo negro e o tem como patrono da comunidade. São Baltazar é um santo negro muito cultuado nas comunidades afro-americanas, especialmente, no Paraguai e na Argentina. Proponha uma análise, novamente, através da festa religiosa, que ocorre no Paraguai na comunidade Kamba Kua em homenagem ao santo negro, em que tem como um dos principais elementos da festa outra expressão cultural, o candombe

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paraguaio, que segundo, a comunidade é oriunda do Uruguai, do qual se acredita ser o lugar em que surge o candombe.

2.3. O CANDOMBE PARAGUAIO E A FESTA DE SÃO BALTAZAR

Escucha el ruego, San Baltazar que no nos falten cosas en este trajinar Donde el tiempo se viene, donde el tiempo se va que no nos falte el fuego para poder tensar El cuero en los tambores que empiezan a sonar Escucha el ruego, San Baltazar, escucha el ruego de los Kamba. Que no nos falte nunca el brillo y el color del rojo y amarillo para vestir mejor Que ritmo siempre tenga su toque de pasión y nuestra danza sea un rito de nación. Escucha el ruego, San Baltazar, escucha el ruego de los Kamba. Que no nos falte el água, que no nos falte el pan, tampoco la semilla de la buena amistad. Que el abuelo Santiago – que está em todo lugar – com Lázaro nos guíen desde la eternidad.14 (Casartelli, Mario, 2013, faixa 9)

14

Ouça a súplica, São Baltazar/ que não nos falte coisa neste movimentado/ Onde o tempo se vem, onde o tempo se vá/ que não nos falte fogo para poder “tensar” / o couro dos tambores que começam a soar Ouça a súplica, São Baltazar / ouça a súplica dos Kamba Que não nos falte nunca o brilho e a cor/ do roxo e amarelo para se vestir melhor/ que o ritmo sempre tenha seu toque de paixão/ e nossa dança seja um rito da nação Ouça a súplica, São Baltazar/ ouça a súplica dos Kamba Que não nos falte a água, que não nos falte o pão/ tão pouco a semente da bonita amizade/ Que o avô Santiago – que está em todo lugar / com Lázaro, no guiem até a eternidade. Tradução do autor da monografia.

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Está música faz parte do cd kamba – Kamba – Homenaje a los Kamba gravada pelo músico, caricaturista e periodista paraguaio Mario Casartelli junto com a comunidade de Kamba Kuá como forma de homenageá-los e enfatizar a importância e relevância cultural da comunidade afro-paraguaia. Para, além disso, a faixa é um exemplo de como a devoção ao Santo Baltazar está presente de forma significativa no modo de viver e se expressar dos sujeitos afro-paraguaios. Portanto, nesse capítulo pretendo discutir a relação entre três elementos encontrados, especificamente, na comunidade afro-paraguaia conhecida como Kamba Kua: o santo patrono negro, o São Baltazar; o candombe e o festival Kambá. No Paraguai existem, segundo o “Manual de los Afrodescendientes de las Américas y el Caribe” do ano de 2006 existem apenas duas comunidades afro-paraguaias: Emboscada e Kamba Kuá. Mas, acredita-se que exista também comunidades nas regiões da Aregua, Paraguarí, Tobatí e Salto del Guairá.(Dados retirados da revista vida, 2014). As comunidades afro-latino-americanas que dançam o candombe em sua maioria cultuam e apresentam santos patronos negros, principalmente, o São Baltazar e o São Benedito.

Como destaca Rubén Carámbula (1995)

através do livro “El candombe” os negros de raiz bantu de origem africana, que se estabeleceram no rio da prata “Desde el puento de vista religioso, constituye um autentico sincretismo entre la religión bantu y la católica. Los negros tenían como santos predilectos a San Benito y, em segundo término, a San Baltazar y San Antonio.”. Em Kamba Kua é perceptível a presença de símbolos religiosos e práticas de rituais afro, que vem ocorrendo em todo processo histórico desde a chegada ao território paraguaio até os dias atuais e que foi sendo incorporado e ganhando novos significados desde o momento em que entrarão em contato com os valores e costumes cristãos. A história do santo negro estão presentes nas falas de Benito e Guido:

Es San... el Rey San Baltazar. San Baltazar es el santo patrono. (João: Podría hablar un poco de la historia, de San Baltazar). Sí, lo 48

que yo conozco de San Baltazar es que es uno de los reyes magos, que es egipcio, verdad? Cuando nació Cristo, Jesucristo, era que vio la luz que le guió, y fueron a llevarle una ofrenda con los tres reyes, Melchor, Gaspar y Baltazar, y eso es un poco de la historia que conozco de San Baltazar. (BENITO, 2013, 10: 40 – 11: 24). A San Baltazar que es rey mago pero no es reconocido por la iglesia católica como santo, sino los afrodescendientes de acá de Paraguay lo adoptamos como un santo, por su color de piel, Baltazar. (GUIDO, 2013, 09:24 – 09:40).

O fato de a comunidade Kamba Kuá ter um santo patrono negro pode ser compreendido como uma forma de resistência clara aos seus costumes e a cultura africana. A promoção do seu culto e adoração, que acredita ter vindo do Uruguai durante o exílio do general José Artigas é ainda mais importante para a realização de ações no interior da comunidade, principalmente, o festival Kambá, que é realizado em homenagem ao Santo Baltazar e comemorado, normalmente, no dia 6 de janeiro que é o dia de São Baltazar. (KOLINSKI, 2013). A comunidade Kamba Kuá formada por afro-paraguaios, atualmente, se encontra entre os limites de São Lorenzo e Fernando de La Mora e possivelmente seus membros podem ter vindo do Uruguai, no século 19, trazidos pelo general José Artigas que se exila no Paraguai durante o período do governo do Dr. Gaspar Rodriguez de Francia. Nas palavras de Benito e Guido:

Kamba Cuá surgió por 1820, cuando el general Artigas, el Uruguayo, fue expulsado de su país y le pide asilo político al.... gobernante de turno paraguayo, Dr. Gaspar Rodríguez de Francia, que le asiló políticamente en el Paraguay. Y Artigas, su venida al Paraguay, fue acompañado por sus más fieles lanceros, negros, que vinieron con todos los familiares, que llegaban a 400 personas, negros, que le acompañaban. Y... se colocaron en este lugar. De ahí el nombre de este campamento, porque en esa época era una loma. Pero Artigas, con su venida al Paraguay, casi llegando a Asunción, gran parte de su gente, Francia le dejó en este lugar, el lugar del campamento. Y ahí el nombre... de nuestro barrio, se llama... no sé el nombre verdadero, es Loma Campamento y ya después surgió, con el tiempo de Kamba Kuá, nos llamaron así, pero el nombre es Loma 49

Campamento. Por acá se “campamentaron” y luego ya el doctor Francia les dejó a gran parte de los afrodescendientes acá en esta comunidad. (BENITO, 2013, 02:40 – 04:05)15.

En la comunidad surgió en 1820 empezó todo, en la venida del general Artigas a Paraguay, en la época del Dictador Supremo, el general Rodríguez de Francia, donde él dio una parcela de tierras que fueron cien hectáreas, más o menos, y se instaló en la parte de … que es Campo Grande, en San Lorenzo, y hoy en día es Fernando de la Mora, en donde una disputa, como dijo Araceli, de territorio, en donde la intendencia de Fernando de la Mora... ganó la disputa entre San Lorenzo y Fernando de La mora. Y Fernando de la Mora ganó la disputa para que Kamba Kuá esté en el territorio de Fernando de la Mora.16 (GUIDO, 2013, 02:45 – 03: 35).

A comunidade afro-paraguaia é parte de uma minoria étnica que permanece não sendo reconhecida pelo congresso nacional do país sulamericano. Vale destacar, que ainda atualmente, pouco se tem feito para que os direitos pela terra fossem cumpridos e cada vez mais se percebe que a comunidade vem perdendo espaço para o crescimento da cidade e, conseqüentemente, encarecimento da terra na região. Como destaca a revista “Vida” distribuída no Paraguai se o lugar onde a comunidade está localizada 15

Kamba kuá surgiu em 1820, quando o general Artigas, o Uruguaio, foi expulso de seu país e ele pede asilo político ao... governante atual paraguaio, Dr. Gaspar Rodriguez de Francia, que o asilo politicamente no Paraguai. E Artigas, sua vinda a Paraguai, foi acompanhada por seus mais fiéis militares, negros , que vieram com todos os familiares, que chegavam a 400 pessoas, negros, que o acompanhavam. E… se colocaram neste lugar. Daqui o nome deste acampamento, porque nessa época era uma “loma”. Mas, Artigas, com sua vinda a Paraguai, quase chegando a Assunção, grande parte de sua gente, Francia o deixo nesse lugar, o lugar do acampamento. E aquí o nome… de nosso bairro, se chama… não sei o nome verdadeiro, é Loma acampamento e já depois surgiu, com o tempo de Kamba Kuá, nos chamaram assim, mas o nome era Loma Campamento. Por aquí se “campamentaron” (palavra criada) e logo já o doutor Francia lhe deixou grande parte dos afrodescendentes aquí nessa comunidade. 16

A comunidade surgiu em 1820, tudo, na vinda do general Artigas a Paraguai, na época do ditador supremo, o general Rodriguez de Francia, onde o deu uma parecla de terras que foram cem hectares, mais ou menos, e se instalo na parte de... que é Campo Grande, em São Lorenço e hoje em dia é Fernando de La mora, onde houve uma disputa, como disse Araceli, de território, em torno da intendência de Fernando de La mora, ganhou a disputa entre São Lorenço e Fernando de La mora. E Fernando de La mora ganhou a disputa para Kamba Kuá esteja no território de Fernando de La mora.

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tornar-se Patrimônio Histórico Nacional permitiria a exoneração de impostos. Mas, que também pode abrir portas para a resolução de outras demandas presentes na comunidade afro-latino-americana. A saída dos afro-latino-americanos do Uruguai para o Paraguai nos fornece um quadro de continuidade da diáspora africana, em que a cultura, o costume, a dança, a religião e etc, ao mesmo tempo, que vão sendo mantidos nesse novo território, elas vem sofrendo constantes re-significações como forma de se adaptar ao novo quadro sócio-espacial que se encontram. Essa dinâmica é perceptível na cultura de Kamba Kuá através da expressão cultural conhecida como “candombe”. Acredita-se que o candombe paraguaio seja oriundo do candombe uruguaio e, portanto, tenha vindo junto os negros uruguaios que vieram com general José Artigas. Segundo, Carámbula a palavra “candombe” surge pela primeira vez numa crônica de título “El recinto y los candombes” do escritor Don Isidoro de Maria, que viveu durante o período de 1808-1829. A segunda aparição da palavra “candombe” está na poesia de Acuña de Figueroa no poema “El Universal”, em 1834. O Candombe em si é um termo genérico para definir todos os bailes de negros, do qual estava envolvida a dança e a prática do ritual entre os afro-latino-americanos. Além disso, podemos destacar que o instrumento que constitui todo o ritmo e a dança do candombe é o tambor (tamboril). E os praticantes dessa expressão cultural afro-uruguaia chamavam os tambores (tamboriles) de tango. Nas palavras de Ruben Carámbula (1995):

Existe la hipótesis de que em época de la colônia, los africanos recién llegados, designaban a los tamborilles con el nombre de “tangó”. Esta expresión debe su origen a la voz onomatopéyica que, foneticamente, imita el sonito del parche de percusión, al ser golpeado sucesivamente con la mano y el palillo. Com este vocablo también llamaban al lugar donde los negros realizaban sus danzas candomberas, las cuales además eran denominadas con este término. Como vemos, con palabra “tango” se designaba el lugar, el instrumento y, por extensión, a la danza de los negros.17(CARÁMBULA, 1995, p. 21).

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Existe a hipótese de que na época da colônia os africanos recém-chegados, designavam os tambores com o nome de “tango”, Esta expressão deve sua origem a voz onomatopéica que,

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A partir dessa citação podemos considerar uma possível influência do candombe a outro estilo musica como o próprio tango, que é tão vendido e disseminado, atualmente, na Argentina e no Uruguai. O candombe paraguaio, considerado pela comunidade Kamba Kuá como pré-candombe, de origem uruguaia nos apresenta diferenças em sua terminologia como também em sua prática musical. Pois, percebe-se uma diferença nos padrões rítmicos e na questão do som e da música. De fato, uma pesquisa mais aprofundada sobre a diferença e semelhança pode ser uma ponte para compreender profundamente a comunidade. Como destaca alguns membros da comunidade, além do candombe, que é dançado, a comunidade pratica mais o pré-candombe, que para eles “es lo que mas se acerca a Africa” (KOLINSKI apud MEDINA, 2013, p.92). A prática do pré-candombe é uma forma de reforçar e enfatizar essa africanidade, no qual para os membros da comunidade o pré-candombe é o mais próximo da África e, portanto, o mais legítimo. Para Benito, Guido,

El candombe es del africano, del Uruguay que vino para nosotros, del candombe yo poco y nada te podría decir. Lo que nosotros hacemos se cree que es pre-candombe, pero el candombe en sí no, no, no sabría decirte (João: E significado de la danza de la comunidad). Primeramente, lo que nosotros tenemos es el ... que es como uma llamada, que le llamamos a la gente a unirse con nosotros, después esta la guarimba galopa, que es la segunda danza donde las mujeres son la principal protagonista de la danza, donde ella muestra todos los atributos del baile como, como un baile sensual que le está invitando al hombre, ... para conquistar al hombre, en una palabra, la segunda danza18. (BENITO MEDINA, 2013, 07:55 – 08:58).

foneticamente, imita o som do “parche” da percussão, ao seu golpeado sucessivamente com as mãos e o palito. Com este vocábulo também chamavam o lugar onde os negros realizavam suas danças camboreiras, as quais ademais eram denominadas com este término. Como vemos, a palavra “tango” designava o lugar, o instrumento e, por extensão, a dança dos negros. 18

O candombe é do africano, do Uruguai, que veio para nós, do candombe, eu pouco e nada te poderia dizer. O que fazemos se crê que seja pré-candombe, mas o candombe em si, não, não, não, não sabia disso (João: E o significado da dança na comunidade). Primeiramente, o que temos é o... que é como uma chamada, que lhe chamamos a gente a se unir com nós, depois esta “garimpa galopa”, que é a segunda dança, onde as mulheres são a principal

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El significado del tambor, el sigificado, cada ritmo que nosotros tenemos, como antes escuchaste, tiene su significado. Uno es el Kuarahy (sol em guarani) que es el que veneramos al sol, que antes escuchamos, el otro el viejito que le veneramos,o sea, que lo hacemos, ellos también tienen derecho a la fiesta a bailar y también San Baltazar, que es conmemoración al rey mago San Baltazar, y pitiki-pitiki (não é um termo guarani), que es un ritmo frenético, todos pueden venir a bailar con nosotros también.19 (GUIDO, 2013, 06:30 – 07:13)

O significado dos ritmos e danças, como também, a sua organização constituem um ritual, que envolve a veneração ao sol e ao Santo Baltazar. A prática musical está inserida de forma aprofundada no ritual, principalmente, através da festa que é realizada para o santo negro Baltazar. Vale destacar que a “festa Kambá” atualmente, devido a grandes proporções tornou-se um “festival Kambá” com diversos tipos de atrações e espetáculos. A comunidade afro-paraguaia hoje apresenta um ballet africano no intuito de ressaltar a africanidade e fortalecer o pré-candombe e o candombe no interior da comunidade e a festa para São Baltazar é o principal meio de reafirmação da identidade e história da comunidade, já que recebe um grande público de fora e representantes do estado paraguaio. Na festa dos Kamba vários valores estão sendo dialogados como: a religião, a crença e práticas rituais afro. Segundo, Cristhiano Silva em sua dissertação de mestrado sobre a comunidade Kamba Kuá, a festa Kamba teve a sua primeira edição em 1991, em que as duas primeiras foram realizadas na Capela San Baltasar, e posteriormente, passou a ser realizada num pequeno estádio conhecido como protagonista da dança, onde ela mostra todos os atributos do baile como, como um baile sensual que ela está convidando o homem... para conquistar o homem em uma palavra, a segunda dança. 19

O significado do tambor, o significado, cada ritmo que temos, como antes se escutava, tem seu significado. Um é o Kuarahy (sol em guarani) que é o que veneramos ao sol, que antes escutamos, o outro o velhinho que o veneramos, ou seja, que o fazemos, eles também tem direito a festa, a bailar e também São Baltazar, que é a comemoração ao rei mago São Baltazar, e pitiki-pitiki (não é um termo guarani), que é um ritmo frenético, todos podem vir bailar conosco também.

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“clube seis de enero”, durante oito anos. As últimas edições vêm sido ocorrida no terreno que será destinado ao projeto habitacional para a comunidade. Nesse ano participei do festival Kambá e presenciei um espaço de resistência afrodescendentes, onde valores culturais, religiosos, artísticos estavam presentes formando e influenciando modo de vida comunitário. No entanto, houve uma divisão na comunidade, do qual surgiu dois grupos de dança: o San Baltasar e o Ballet Kamba Cuá. Essa divisão ocorreu por causa de brigas e desavenças internas na comunidade, que se aprofundaram com a morte de Lázaro Medina, grande liderança da Comunidade Kamba Kuá. Como havia duas festas no mesmo dia e horário, optei pela festa organiza pelo ballet Kamba Kuá que tinha afinidades e realizado entrevistas. Nas fotos abaixo podemos observar a festa:

Foto 6: Caminhada com o santo Baltazar. Tiradas em janeiro de 2014. Acervo pessoal.

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Foto 7: Caminhada com o Santo Baltazar 2. Tiradas em janeiro de 2014. Acervo pessoal

Foto 8: Apresentação do grupo de ballet Kamba Cuá. Tiradas em janeiro de 2014. Acervo pessoal

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Foto 9: Apresentação do grupo de ballet Kamba Cuá 2. Tiradas em janeiro de 2014. Acervo pessoal

Podemos perceber através das ilustrações como a festival dos kambas vem crescendo e se tornando uma festa não apenas para a veneração do Santo Baltazar, mas de fato é um instrumento de luta e reivindicações pela terra em que vivem e pela manutenção e respeito a seus valores culturais e religiosos. Para Benito, Guido e Araceli:

Creo que es muy positiva, porque es una forma de encontrarse todos los afros. Es el único momento em pleno dia en que nos reunimos y estamos todos juntos festejando, es muy linda, la fiesta patronal.20 (BENITO, 2013, 11:48 – 12: 25 ). La fiesta tradicional en la comunidad es una forma de mantener la cultura. Sin la fiesta tradicional, la comunidad (no) se identificaría como afrodescendiente. Tenemos nuestra cultura, que la tradición es una cosa fundamental y principal dentro de la comunidad, porque

20

Creio que é muito positiva, por que é uma forma de se encontrar com todos os afros. É o único momento em pleno dia em que nos reunimos e estamos todos juntos festejando, é muito linda, a festa patronal.

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también la comunidad se identifica como afroparaguaya.21 (GUIDO, 2013, 09:56 – 10: 38).

una

población

Me trae recuerdos lindos el 6 de enero, porque aparte de eso, sentí el cariño de la gente y sentí que ellos también te quieren ver, quieren ver como te destrezás en el escenario y me hace muy feliz, la verdad, porque en esos momentos, no sé cómo explicarte, es una relación muy linda, y aparte, también, es la fiesta de los kamba, de los negros.22 (BARBÁRA ARACELI, 2013, 18:45 – 19: 18).

Através das narrativas dos afro-paraguaios podemos perceber a importância da festa para a comunidade e como ela é um instrumento fundamental para a manutenção da cultura africana e sua tradição em território paraguaio. Sendo assim, nas considerações finais pretendo realizar uma análise comparativa entre o jongo/caxambu, que é uma expressão afrobrasileira e o candombe paraguaio enfatizando o papel dos santos negros nas comunidades afro-latino-americanas e na festa religiosa.

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A festa tradicional na comunidade é uma forma de manter a cultura. Sem a festa tradicional, a comunidade não se identificaria como afrodescendentes. Temos nossa cultura, que a tradição é uma coisa fundamental e principal dentro da comunidade, porque também a comunidade se identifica como uma população afroparaguaia. 22

Me traz recordações lindas o 6 de janeiro, porque a partir disso senti o carinho da gente e senti que eles também te querem ver, querem ver como te “destrezá” no cenário e me faz muito feliz, na verdade, porque nesses momentos, não sei como te explicar, é uma relação muito linda e a partir, também, essa festa dos Kamba, dos negros.

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PALAVRAS FINAIS

Es un orgullo ser afro y de mi parte es una lucha, que tengo que luchar y donde provenir tu raza y también se muestra la danza y la cultura y también para que sea conocida por otras personas. (ARACELI, 2013, 19:45 – 20: 09).

A narrativa citada acima, nos remete a um processo de reafirmação da africanidade no contexto político, social, econômico e cultural na América Latina. Em que as lutas em torno dos direitos para essas comunidades se dão de diferentes formas e maneiras, seja, na apresentação da dança e cultura para as pessoas que visitam a comunidade afro-latino-americana, mas também, como forma de lembrar as continuidades africanas. Vale a pena enfatizar nessa monografia que as expressões culturais de origem africana como o candombe e o jongo, são de fato instrumentos de lutas e reinvidincações das culturas analisadas através das festividades. Assim, no capítulo 1 procurei destacar o papel das trocas culturais e a continuidade da africanidade em território latino-americano, em que, a todo o momento, a cultura vem sofrendo um processo de re-significação. Essa configuração cultural já veio sendo formada no navio negreiro e ultrapassa diversos períodos históricos como a ecravidão, colonização, exploração e racialização, chegando até o que destaco no texto como crioulização, mestiçagem entre as culturas africanas com as que se encontravam na América. Esse processo de crioulização se encontra presente na sociedade afrolatino-americana, do qual a festa é o principal ponto de análise do trabalho abordado. O fato das comunidades analisadas venerarem santos católicos negros, é muito mais do que uma certa mestiçagem cultural, mas sim, um processo mais amplo de re-significação cultural, que deve ser entendida no contexto social em que estão inserida como forma de manter e reafirmar a “africanidade”. No capítulo 2 analiso as festas religiosas em homenagem aos santos negro São Benedito e São Baltazar. Através da análise das festas foi possível perceber que em ambas, a festa para o santo vai muito mais além do que um culto o santo patrono, mas por trás da festividade está inserido valores 58

e significados ainda mais complexos. A festa religiosa em ambos países tem sido utilizadas para as lutas e reinvidicações dos grupos afros como o: direito pela terra, a reafirmação da africanidade, combate ao preconceito religioso, a busca pelo reconhecimento no país e dentre outros. A realização da pesquisa e o processo de escrita do respectivo trabalho foi fundamental para que eu tivesse um novo olhar sobre as comunidades afrolatino-mericanas. Do qual, acredito que devemos ter uma compreensão das diferentes formas de resistência da cultural afro-brasileira nas comunidades, principalmente, através das festas religiosas, que numa primeira olhada nos parece apenas um simples culto ao santo patrono, contudo, nos demanda um constante aprendizado a cerca das comunidades jongueiras e candombeiras. Assim, encerro a minha monografia com uma poesia de Fernando Pessoa sobre o olhar que podemos ter sobre a cultura.

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... De o Guardador de Rebanhos – Alberto Caeiro 23 (Heterônimo de Fernando Pessoa)

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Poema retirado da coletânea Fernando Pessoa – Vozes da Saudade

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BIBLIOGRAFIA

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