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May 22, 2017 | Autor: N. Sutherland | Categoria: Philosophy, Cinema, Cinema Studies, Antarctica, Werner Herzog
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Um encontro no fim do mundo com Werner Herzog

Publicado em www.obviousmag.org

O documentário de 2007 dirigido, produzido e escrito pelo cineasta multifuncional Werner Herzog, Encontros no Fim do Mundo testemunha um cenário árido e desesperador, típico do nosso imaginário de um fim do mundo. A paisagem é como se fosse outro planeta, ou a lua, com nuances românticos de histórias mal contadas e imagens de sonhos de vidas passadas. O documentário evoca as palavras do texto de Elena Glasberg, "Antártica as a Cultural Critique" onde ela cita que o lugar não tem filosofia. A Antártica não tem traços, literalmente. A neve e o vento conspiram entre si para retirarem os traços de qualquer história. Não há descoberta. Não há passado. Não há pegadas nem rastros. Há somente um desejo de achar algo, uma procura constante que é latente em todos os personagens do Herzog, os supostos sonhadores profissionais, part time workers e full time travellers.
Todas essas caricaturas foram influenciadas pelo filósofo britânico Alan Watts, e logo ficamos sabendo que a vida dele é só um ato de muitos em que o universo se percebe. Enquanto assistia o documentário, essa referência do Watts ecoava dentro de mim, e deixei de concentrar nos motifs típicos herzogianos do Novo Cinema Alemão, pois o Watt era bem niilística, considerava o "eu" uma construção social e "o homem nunca conhecia a si mesmo da mesma forma que uma faca não podia se cortar". O apelo que a Antártica tem aos personagens é nítido. É um espaço em branco no mapa. É selvagem e é longe de tudo. É a famosa fuga geográfica. Ou o encontro. É onde tudo pode acontecer, ou nada. Esse espaço perigoso, porém ocupado, contraditório, dinâmico é o que Derrida chamaria de "a ficção do mundo" isto é, a soma de todas as ficções e anacronismos, todos os mitos pioneiros que não conseguimos soltar na nossa compreensão desse espaço. Mas se nós nos aprofundamos mais, veremos que é um ato de repetição: descoberta, exploração e povoação que inspira e forma as ações dos personagens.
 O operador e o linguista descrevem a chegada ao continente da mesma maneira: como se alguém pegou o mundo e chacoalhou, e quem não tinha raízes caiu na Antártica. É simplesmente como cair fora do mapa. As razões são variadas, mas um tema permanece: o escapismo. Pensar nessa fronteira de uma forma utilitarista é o que Herzog está sugerindo (irônico às vezes, à lá Hollywood), mesmo se os personagens não percebem. Herzog não deixa passar que é uma ilusão essa utopia de paisagem vasta branca e intocada. Ao filmar a cidade de McMurdo, ele é rápido para comentar que é mais parecido com um estacionamento, e não esconde a neve suja, nem o barulho das máquinas pesadas nas rochas ao lado.
Certamente na visão herzogiana é um mundo contraditório. O branco titânio puro no chão, e azul glacial que vemos nas imagens no Google, ou no white-out que imaginamos por causa de alguns filmes está em extremo contraste com os experimentos científicos com focas, por exemplo. Um trabalho sujo e triste, que Herzog vê como a instrumentalização sem sentido dos bichos. A explicação banal oferecida para justificar o sofrimento sugere que há um espaço entre o desejo de Herzog de interpretar a ciência conduzida ali como algo externo ao húbris da humanidade, e a decepção na descoberta desse papel na produção desse tipo de húbris.
Na sequencia em que Herzog se dirige a suposta insanidade de certos pinguins, e o desejo de suicídio, vemos um dos cientistas protagonistas com certa dificuldade de manter contato visual com a câmera. A marcha do pinguim até a inevitável morte gera angústia para quem assiste. Gera tristeza, e o mais desconcertante: incerteza. Como de praxe em todas as obras herzogianas, a delicadeza brutal desse animal em um ato singelo reservado até esse momento para humanos, no fim da linha, nós espectadores nos encontramos aqui no fim do mundo. E assim na linha tênue entre o racional e a irracionalidade, nós encontramos o sublime e o abstrato, que é tão próximo do coração do diretor, o impulso por trás de inúmeras pesquisas. Vemos nessa obra, o golfo imenso entre explicar o mundo e ter a experiência em si.


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