Um estudo comparativo das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China

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Mariana Alves da Cunha Kalil

Um estudo comparativo das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China.

Orientador: Diego Santos Vieira de Jesus

Rio de Janeiro 2008.1

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Aos meus pais, pela confiança e amor incondicionais.

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Agradecimentos Ao meu pai pelo inquestionável apoio e dedicação incansável. À minha mãe pela prática cotidiana de alegria estrutural que tanto que inspira. Ao meu irmão pela excelência acadêmica que me desafia e me movimenta. À minha avó Theresinha, “vó-torista”, por ter me conduzido e alimentado durante todos esses anos de formação acadêmica, sempre com muito carinho e disposição. À minha avó Lúcia pela força da oração e pelo carinho muito especiais. À minha Bisa Irene pelo carinho e oração que me protegem e alentam. À minha prima amada Carol por resgatar diariamente a minha essência e por ter me mostrado que o caminho do sucesso é a fidelidade a nós mesmas. À minha amiga-irmã Nathalia Mussi pela alegria que sempre me traz, pela amizade incondicional e por sempre me mostrar o caminho mais fácil (ctrl+L) e divertido. Às minhas amigas cujo companheirismo faz meu Mundo mais doce e feliz. À Camila Machion, amiga e companheira nesses quatro anos de faculdade. Ao meu orientador querido pela paciência, inspiração e indispensáveis conselhos e sugestões não somente neste trabalho, mas durante toda a minha graduação.

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Aluna: Mariana Alves da Cunha Kalil Um estudo comparativo das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China. Orientador: Diego Santos Vieira de Jesus Rio de Janeiro 2008.1

Monografia apresentada ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio) como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Relações Internacionais.

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Resumo O objetivo desta monografia é analisar de maneira comparativa as estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China à luz do neo-realismo defensivo de Joseph Grieco com suporte do argumento de Andrew Hurrell sobre a maximização de poder por meio da geração de riqueza. A hipótese a ser verificada aponta semelhanças e diferenças nas estratégias de inserção econômica internacional brasileira e chinesa de acordo com seus principais objetivos de política externa e com os diferentes status do Brasil, Potência Média, e da China, Grande Potência, no Sistema Internacional. O objetivo mais amplo do Brasil seria ampliar sua oportunidade de voz no Sistema Internacional, enquanto o objetivo mais amplo da China seria racionalizar sua dominância. A fim de analisar o comportamento dos dois atores, serão analisadas as relações internacionais de ambos com os Estados Unidos, os países Africanos e na Organização Mundial do Comércio.

Palavras-Chave Política Externa Brasileira; Política Externa Chinesa; Potência Média; Grande Potência; Estados Unidos; países Africanos; Organização Mundial do Comércio.

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Abstract The purpose of this study is to analyze comparatively the Brazilian and Chinese international economic accession in the first decade of the twenty-first century based on Joseph Grieco’s defensive neo-realism along with Andrew Hurrell’s argument on the maximization of power through the generation of wealth. The hypothesis to be verified points out similarities and differences between the Brazilian and the Chinese international economic accession in accordance with their foreign policy main interests and objectives and in accordance with their different status in the International System in which Brazil is considered a Medium Power and China a Great Power. While the Brazilian’s main purpose would be to increase its “voice opportunities” in the international system, China’s would be to rationalize its dominance, according to Joseph Grieco’s argument. Willing to compare their behaviour, their international relations with the United States, the African countries and inside the World Trade Organization will be analyzed.

Keywords Brazilian Foreign Policy; Chinese Foreign Policy; Medium Power; Great Power; United States; African countries; World Trade Organization.

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Sumário 1 Introdução 1.1 Grande Potência e Potência Média: Definições 1.2 China: Grande Potência em emergência 1.3 Brasil: Potência Média 1.4 Justificativa 1.5 Questões e Hipóteses 1.6 Marco Teórico 1.7 Metodologia 1.8 Plano de Monografia 2 Marco Teórico 2.1 Realismo e suas divisões 2.2 Joseph Grieco e Andrew Hurrell 3 Estratégias de inserção econômica internacional do Brasil 3.1 Relações Brasil – África 3.2 Relações Brasil – Estados Unidos 3.3 Relações Brasil – Organização Mundial do Comércio 4 Estratégias de inserção econômica internacional da China 4.1 Relações China – Estados Unidos 4.2 Relações China – África 4.3 Relações China – Organização Mundial do Comércio 5 Conclusão 6 Bibliografia

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1. Introdução A globalização é um processo que amplia as relações sociais locais para o nível global, estabelecendo novos padrões de atividade e exercício de poder. A esfera econômica não foge a esta tendência. A economia internacional oferece diversas possibilidades de inserção. Tal inserção acontece com fluxos de capital no mercado financeiro global, investimentos estrangeiros diretos, acordos bilaterais e multilaterais muitas vezes no escopo de organizações, outras vezes de maneira independente. No âmbito dos fluxos de capital, o mercado financeiro tem papel importante na credibilidade dos Estados no cenário econômico internacional. Governos adotam políticas com intuito de atrair investimentos estrangeiros diretos, buscando diminuir níveis de violência, por exemplo. Ainda, os Estados buscam interagir entre si, firmando acordos, em nível institucional ou não, que permitam o maior fluxo de bens, serviços e capitais. Esta inserção acontece na medida em que os atores em um sistema internacional anárquico fazem cálculos estratégicos, buscando gerar riqueza. Ao gerar riqueza, inserção econômica internacional resulta na ampliação das capacidades para que se maximize poder e segurança (Grieco,1997, p.163201). Portanto, a participação na economia global passa pela adaptação dos Estados às demandas liberalizantes do cenário econômico internacional e pela diferente participação dos mesmos nas interações econômicas no âmbito de organizações internacionais ou de maneira autônoma, levando em conta as assimetrias de poder (Feinberg, 2003, p.1019-1040). Atualmente, os Estados Unidos, na medida em que constituem o maior mercado consumidor global, são o principal alvo da maioria das economias exportadoras. Ainda, os principais investidores estrangeiros tanto diretos quanto de capital especulativo são norte-americanos. Assim, ter acesso à economia norte-americana, ou seja, ter acesso aos mercados e investimentos norteamericanos significa obter lucro e, com este, investir na maximização de poder e segurança.

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Contudo, a inserção não se restringe às interações com a potência hegemônica. O posicionamento dos Estados como global players e global traders não depende somente das relações com o hegemon. Estados de menor status econômico e político, como os países africanos, são estratégicos para que se ampliem

áreas

de

influência,

conquistando

mercado

consumidor

em

desenvolvimento e matéria-prima, insumos para a ampliação da capacidade econômica e militar. Há, ainda, outra possibilidade de inserção econômica global, que não o estabelecimento de relações bilaterais ou a atração de capital estrangeiro. A Organização Mundial do Comércio (OMC) é fórum de indispensável adesão ao Estado que busca uma posição de global player e global trader no cenário econômico internacional. Desde a elaboração do GATT e, posteriormente, com a institucionalização da OMC, os Estados buscam a inserção na economia internacional, por meio desses mecanismos, ganhando visibilidade no sistema econômico internacional e acesso às regras que o ditam, além dos lucros auferidos com o maior fluxo de bens e serviços advindo da maior liberalização alcançada dentro da Organização. Mais recentemente, na primeira década dos anos 2000, o Grupo dos 20 (G20), liderado por Brasil, Índia, China e África do Sul, vem ganhando bastante peso nas negociações como contraponto às restrições impostas principalmente pelos Estados Unidos e pela União Européia. Contudo, as atenções da comunidade internacional voltam-se, com maior freqüência, para o papel do Brasil e da China na economia internacional e nas negociações da Rodada Doha, rodada em vigência na organização. Se por um lado, o Brasil, como líder do G20, ganha visibilidade, uma vez que é o porta-voz dos interesses do Grupo; por outro, a emergência da China como Grande Potência, no Sistema Internacional, confere visibilidade imediata para a sua simples presença no fórum, além de ampliar o poder de barganha do Grupo. 1.1 Grande Potência e Potência Média: Definições.

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John Mearsheimer, em “The Tragedy of Great Power Politics”, 2001, estabelece critérios para definir os requisitos de poder que tornam um Estado uma Grande Potência. Uma Grande Potência, para o autor, é um Estado capaz de projetar interesses e ações político-militares e econômicos em nível global, não apenas em nível bilateral ou regional, afetando os cálculos estratégicos de outros atores no Sistema Internacional. População e riqueza são as variáveis utilizadas pelo autor, uma vez que têm impacto na capacidade de fazer guerra, são o poder latente de um país. O número de pessoas de um país interfere em seu poder militar, uma vez que pessoas são o ingrediente essencial para a existência de tropas, ferramentas indispensáveis para se fazer uma guerra. Assim, com 1.24 bilhões de pessoas, a China já poderia ser considerada Grande Potência (Mearsheimer, 2001, p. 55-168). A variável riqueza, contudo, tem maior poder explicativo. Durante a Guerra Fria, as populações chinesa e indiana já superavam enormemente a de Estados Unidos e União Soviética, entretanto estavam longe de serem tão ricas quanto estas. Portanto, sozinha, a variável população não é suficiente para explicar o status de Grande Potência. Em compensação, quanto mais forte e economia e mais rico o país, maior a possibilidade de ele ser uma Grande Potência. A riqueza, segundo o autor, diz respeito ao poder latente do Estado. O poder latente compreende as fronteiras de possibilidade de consolidação do Estado como Grande Potência. Um Estado que acumula riquezas, lucros, tem a possibilidade de investir esses excedentes em poder militar. A capacidade de mobilizar a economia em torno do esforço de guerra é, então, essencial para se explicar a emergência de uma Potência. Assim, apesar de a China ter grande parte de sua economia voltada para o setor agrícola, as políticas atuais apontam para uma mudança neste cenário. De acordo com o Banco Mundial, a China, em 2006, tornou-se a quarta economia do mundo com uma reserva de capital estrangeiro que ultrapassa 1.3 trilhões de dólares. Ainda, relatórios do governo chinês não escondem investimentos feitos no desenvolvimento de força militar. Investimentos crescentes em tecnologias ligadas a mísseis balísticos, poder naval, aéreo, terrestre e anfíbio apontam para

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um posicionamento condizente com o de uma Grande Potência (Annual report to Congress, 2007). Pode-se inferir, portanto, que a China obedece a todos os critérios para a definição de Grande Potência. Portanto, utilizarei esta classificação para analisar as estratégias de inserção econômica internacional chinesa. De acordo com Grieco, Estados mais fortes escolheriam a cooperação com intuito de exercer o poder crescente com discrição e legitimidade, racionalizando a sua dominância, evitando resistência substancial. A inserção chinesa no cenário econômico internacional, neste sentido, representa uma decisão de extremo pragmatismo e consciência. É o poder limitando o poder. Como Grande Potência, a China poderia adotar uma postura ofensiva no cenário internacional, todavia ela busca posicionar-se com intuito de racionalizar sua dominância e gerar riqueza para maximização de segurança. Com o estabelecimento de relações cada vez mais sólidas de cooperação com países africanos, visa ao estabelecimento de influência por meio principalmente de suas Empresas Estatais. No relacionamento com os Estados Unidos, busca posicionarse como Grande Potência perante a potência hegemônica, racionalizando sua dominância sem, contudo, deixar de demonstrar seu papel cada vez mais imprescindível no cenário econômico internacional. Ao entrar na Organização Mundial do Comércio, a China pretende obter acesso às normas do sistema econômico internacional com intuito de ampliar acesso aos mercados. Estreitar relações com os países Africanos, Estados Unidos e Organização Mundial do Comércio significa, ainda, gerar lucros e, portanto, aumentar os investimentos, maximizando segurança e poder. Se por um lado a China pode ser considerada uma Grande Potência, por outro, o Brasil encaixa-se na definição de Potência Média. Maria Regina Soares de Lima, 2005, em “A política externa brasileira e os desafios da cooperação sulsul”, 2005, estabelece três fatores que caracterizam uma potência média: capacidades materiais, uma medida de auto percepção e o reconhecimento dos outros Estados, em especial das grandes potências.

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Além disso, são potências regionais que, de acordo com a autora, adotaram o Consenso de Washington, buscando moldar suas economias, de acordo com os pressupostos neoliberais, com intuito de obter apoio dos países desenvolvidos e organizações internacionais, tendo sua credibilidade econômica atrelada à estabilidade macroeconômica e “países que dispondo de recursos e capacidades relativamente limitadas, comparativamente às potências, mas com perfil internacional assertivo valorizam as arenas multilaterais e a ação coletiva entre países similares de forma a exercer algum poder e influenciar nos resultados internacionais (Lima, 2005, p. 24-59, 2005, p. 24-25).”

O Brasil se encaixa perfeitamente na descrição de Maria Regina Soares de Lima. Contudo, a inserção econômica internacional do Brasil como Potência Média visa, ainda, a buscar estabelecer regras e práticas que o dêem oportunidade de voz, de acordo com o posicionamento observado por Joseph Grieco de Estados que detêm menor poder no cenário internacional. Brasil e China buscam posicionar-se como global traders e global players no cenário internacional partindo de bases materiais assimétricas, ou seja, do diferente status do Sistema Internacional de acordo com a distribuição de recursos no Sistema, tendo em vista a diferença na distribuição de capacidades promovida pela anarquia do sistema econômico internacional. O posicionamento como global player e global trader diz respeito à diversificação das relações externas, à opção pela liberalização comercial multilateral em que seus ganhos podem ser maximizados e a inserção com consciência de poder, ou seja, ciente de suas limitações e capacidades, no cenário internacional (Vigevani et al, nov. 2003). O Brasil é uma potência média e a China uma grande potência. Assim, apesar de utilizarem-se do estabelecimento de relações com os mesmos atores internacionais a fim de gerar riqueza para maximizar segurança e ampliar poder, há diferenças em termos de objetivos e limitações, advindas das diferenças de status, motivadas pela assimetria de poder, promovida pela distinta distribuição de capacidades promovida pelo sistema internacional anárquico. 1.2 China: Grande Potência em emergência.

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“Observe calmly; secure our position; cope with affairs calmly; hide our capacities and bide our time; be good at maintaining a low profile; and never claim leadership.– Deng Xiaoping’s 24 Character Strategy (Annual report to Congress, 2007)”

A China tem se inserido de forma cada vez mais ativa no cenário liberalizante econômico internacional, desde o fim da Guerra Fria. Os números retratam a força da emergência chinesa: nos últimos 20 anos, houve um boom em suas exportações de US$26.1 bilhões, em 1984, para US$593.4 bilhões, em 2004. As importações cresceram tanto quanto as exportações, saltando de US$19.9 bilhões, na década de 80, para US$560.7 bilhões, na primeira década de 2000 (Devlin, 2006). A entrada chinesa na Organização Mundial do Comércio, em 2001, após 15 anos de negociações, demonstra as intenções do país de se inserir na economia internacional. A partir da maior abertura chinesa para a economia internacional, investidores estrangeiros, muito mais aqueles que buscam estabelecer suas matrizes industriais em países de baixo custo e alta escala produtiva do que os que buscam o lucro do capital especulativo, passaram a olhar para a China como uma grande oportunidade. Assim, atualmente, cidades como Guangdong, no sudeste do país, são consideradas o paraíso do investidor estrangeiro direto (Guangdong, Macao and Portugal Economic Cooperation Forum, 2004). Embora o governo chinês esteja longe da transparência democrática, principalmente no que diz respeito ao cumprimento dos direitos humanos, a inserção da China no cenário econômico internacional representa um grande impacto em todo o sistema, já que se está lidando com uma Grande Potência militar e econômica. Inserindo-se no cenário econômico internacional, a China, além de gerar lucros que podem ser revertidos em poder material, legitima-se como Grande Potência e racionaliza a sua dominância, maximizando seu poder de barganha, aumentando a previsibilidade sobre o comportamento de rivais em potencial, auferindo estabilidade nas áreas de influência.

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A relação Estados Unidos – China vem crescendo ao ponto de economistas norte-americanos temerem dependência, por conta da enorme reserva de dólares que os chineses cultivam e da desleal atratividade em termos de investimento estrangeiro direto que estaria levando indústrias dos Estados Unidos à falência. Apesar de os Estados Unidos representarem somente o terceiro maior destino das exportações chinesas, os dois países têm buscado intensificar suas relações comerciais por meio de esforços bilaterais de cooperação econômica como o U.S. – China Strategic Economic Dialogue, anunciado em Setembro de 2006 (Conselho empresarial Brasil-China, 2007). Em relação aos países africanos, a China mostra-se interessada principalmente nas reservas energéticas do continente. Mais uma vez, os chineses posicionam-se de forma pragmática e coerente ao barrar resoluções, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que possam prejudicar governos africanos provedores do petróleo chinês, consolidando paulatinamente a região como sua esfera de influência. A África assume papel de extrema relevância estratégica para o crescimento chinês, na medida em que energia e minérios são essenciais para o crescimento industrial (Annual report to Congress, 2007). Nesse sentido, a região atrai a atividade de Estatais Chinesas que buscam principalmente matériaprima que sustente seus investimentos nos setores produtivo e militar (Le Roux, 2007). A entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, representa a maior tentativa de racionalização de sua dominância cada vez mais explícita. Adaptando-se às regras do comércio internacional, a China ganha legitimidade em suas ações, diminui a possibilidade de balancing e ganha acesso a definição das regras do cenário econômico internacional. Na medida em que é obrigada a abrir seu mercado, a China é obrigada a adaptar suas regras domésticas àquelas da comunidade internacional, melhorando sua reputação auferindo maior legitimidade aos seus pleitos internacionais, diminuindo a possibilidade de acirrar rivalidades. 1.3 Brasil: Potência Média.

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Por outro lado, o Brasil, ao contrário da China, participa há mais tempo na economia internacional, fazendo-se presente nas negociações já a partir da assinatura do GATT, Acordo Geral de Tarifas e Comércio, em 1946. Desde o final da década de 40, as exportações brasileiras cresceram e diversificaram (Amorim, 2005). Após o fim da Ditadura Militar e do processo de substituição de importações, o país buscou consolidar o seu papel de global player e global trader. No início dos anos 90, o Brasil adotou intensas políticas de privatização e liberalização, levando o país a se reinserir no cenário econômico internacional como uma democracia liberal. Nesse momento, a reinserção brasileira estava acontecendo não somente no cenário econômico global multilateral, com a ativa participação brasileira na Rodada do Uruguai, mas também no âmbito regional. As negociações bilaterais com a Argentina que deram início ao Mercosul foram intensificadas e a Alca começou a ser discutida (Averbug, 1999) . Portanto, o Brasil começou a ganhar espaço na definição da agenda econômica global, ampliando seu poder de barganha. Desde o final da década de 90, a política externa brasileira tem buscado a inserção econômica internacional do país por meio do estabelecimento de uma ordem multipolar com a elaboração de normas e padrões com intuito de torná-los mais acessíveis aos países em desenvolvimento e de promover desenvolvimento. Pode-se enxergar grande pragmatismo nesta política. “Nesse sentido, a estratégia para satisfazer o desejo de autonomia percebida como condição de aceso ao desenvolvimento não poderia mais ser pela distância, mas, conforme seus proponentes, pela participação (Pinheiro, 2000).” O Brasil, reconhecendo seu status de Potência Média, recorre às instituições multilaterais para proteger-se das tentativas hegemônicas unilaterais norte-americanas,

que

prejudicariam

a

geração

de

riqueza

brasileira

especialmente em suas crescentes áreas de influência – países do Mercosul, do Cone Sul e da África -, diminuindo seu poder político no cenário internacional.

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Embora busque limitar a influência norte-americana no continente sulamericano, o Brasil reconhece a necessidade de se relacionar com a potência econômica e, principalmente, de se ter acesso aos mercados e garantir investimentos estrangeiros diretos em sua economia, além do capital especulativo que é atraído pelo reconhecimento e relacionamento estável com os Estados Unidos. Nesse sentido, o Brasil tem nos Estados Unidos o principal parceiro comercial. Nossas exportações e importações têm como alvo e fonte principais os Estados Unidos (Exportnews, 2007). Contudo, desde os anos 90, o Brasil tem buscado diversificar seus parceiros internacionais. Desde o início da primeira década dos anos 2000, a diversificação tornou-se um dos principais objetivos da política externa brasileira. Celso Amorim, em “Política externa do governo Lula”, 2005, deixa claro o objetivo de fortalecimento da cooperação sul-sul enfatizando as relações com os países Africanos. Ao fazê-lo, a política externa brasileira evoca laços históricos e culturais buscando moldar os países africanos dentro das regras do comércio internacional e transformá-los em parceiros, consolidando uma zona de influência, utilizando uma retórica de inclusão da erradicação da fome e da pobreza para obter oportunidade de voz no cenário internacional (Amorim, 2005). O posicionamento brasileiro na Organização Mundial do Comércio, além de incluir o Brasil na definição de potência média, demonstra de forma mais explícita o objetivo brasileiro de obter oportunidade de voz. Por meio da liderança no Grupo dos 20, grupo que visa a fazer frente às imposições de barreiras unilaterais comerciais da União Européia e dos Estados Unidos, o Brasil busca promover regras que tornem possíveis seu desenvolvimento, visibilidade e posicionamento como global player e global trader no cenário internacional. Após a obervação crítica do comportamento do Brasil e da China no cenário econômico internacional, o objetivo desta monografia é explicar os elementos de semelhança e diferença nas estratégias de na inserção econômica

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internacional do Brasil e da China, no início da primeira década dos anos 2000. No próximo item, apresentarei a justificativa da relevância da pesquisa para as Relações Internacionais, com intuito de suprir lacunas na literatura. No terceiro item, serão explicitadas questões que procuro responder e hipóteses cuja correção pretendo verificar. No quarto item, será apresentado o marco teórico de referência. No quinto item, buscarei realizar considerações metodológicas, indicando as variáveis consideradas nessa pesquisa, o recorte temporal sobre o qual tal análise será desenvolvida e os principais objetivos na análise das fontes. Serão indicadas e explicadas as escolhas das fontes, das variáveis e dos recortes. No último item, será detalhado o plano da monografia.

1.4 Justificativa Num contexto em que a hegemonia norte-americana é constantemente desafiada, o estudo sobre a inserção de potências emergentes no cenário econômico internacional é de extrema relevância para as Relações Internacionais. Os Estados Unidos, por meio de acordos bilaterais ou do fomento à formação da Organização Mundial do Comércio, estabeleceram uma teia institucional que vinculou

o

desenvolvimento

econômico

à

participação

na

economia

internacional, nos moldes norte-americanos (Feinberg, 2003). Todavia, os instrumentos de retaliação previstos, tanto nos acordos bilaterais, quanto na Organização Mundial do Comércio não impedem que Estados instrumentalizemnas, utilizando-as para obter oportunidade de voz no cenário internacional ou para racionalizar o seu crescente poder, evitando resistência ou ressentimento por parte dos outros atores (Grieco, 1997, p.163-201). A emergência do Brasil e da China enquadra-se no contexto desenhado. A comparação da inserção econômica internacional dos dois países é de extrema relevância para a compreensão das relações internacionais contemporâneas, pois mostra como países de diferentes status, motivados pela distribuição de capacidades no sistema internacional, conseguem posicionar-se como global

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players e global traders, maximizando segurança e buscando ampliar seu poder, num cenário de hegemonia norte-americana. A literatura atual parece restringir-se a temas que analisam o impacto principalmente dos efeitos da inserção Chinesa na economia norte-americana e em países em desenvolvimento como Brasil e México. A literatura sobre política externa brasileira e sua inserção na economia internacional é bastante detalhada, porém peca ao ater-se meramente à descrição, marginalizando abordagens que englobam os ímpetos políticos por trás das interações. Após vasta pesquisa, a literatura a seguir foi selecionada para exemplificar as deficiências da abordagem atual sobre a inserção econômica internacional do Brasil e da China. Faz-se mister notar, no que diz respeito aos temas relacionados à emergência da China no cenário econômico internacional, que prevalece um temor em relação aos impactos dessa emergência principalmente na economia dos países em desenvolvimento. Entretanto, mesmo quando se desvia dessa abordagem, deixa-se de lado as motivações políticas que delineiam as estratégias de inserção econômica internacional chinesa. Já no que diz respeito ao Brasil, a literatura de política externa brasileira parece viciada na descrição dos acontecimentos das relações internacionais do país ou na descrição das estratégias de política externa, deixando de abordar, também, as motivações políticas para a adoção dessas estratégias. Em “The Beijing Consensus”, Joshua Cooper Ramo mostra que há três teoremas sobre como organizar o lugar de um país no Mundo atual. Em primeiro lugar, as inovações devem ser utilizadas para minimizar as perdas das reformas que serão feitas com o ingresso no sistema. Em segundo lugar, o caos não pode ser controlado de cima para baixo, por exemplo, deixar de dar ênfase a medidas como PIB per capita e prestar mais atenção a qualidade de vida. Assim, sustentabilidade e igualdade tornam-se considerações essenciais. Finalmente, o Consenso de Pequim contem a teoria da auto-determinação, esta porém reconhece que usar força para se inserir provoca reações das Grandes Potências. Apesar de tratar de questões políticas e de segurança, principalmente no terceiro axioma, o autor deixa de mostrar os cálculos racionais que os Estados

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fazem ao buscarem se inserir no cenário econômico internacional. Ramo parte da inserção como dado e deixa de lado as motivações políticas que levam os Estados à inserção. Marcelo de Paiva Abreu, de forma semelhante, analisa os impactos da emergência da China na economia global e no Brasil. O autor busca explicar a expansão do papel da China na economia internacional e os impactos da expansão nos fluxos de comércio e investimentos para o Brasil; ainda, Abreu examina a complementariedade entre os fluxos de comércio e investimentos para o Brasil e a China; mais considerações são feitas acerca das políticas brasileiras em relação à China, especialmente as ações defensivas do país em relação às importações chinesas; por último, Marcelo de Paiva Abreu foca nos futuros desenvolvimentos da economia chinesa e como eles podem afetar o Brasil, considerando possíveis desafios e oportunidades para o Brasil como o crescimento chinês. Abreu restringe-se às questões econômicas, descrevendo os impactos da inserção chinesa na economia brasileira e internacional, contudo negligenciando os cálculos de poder feitos pela própria China e pelo Brasil ao se inserirem no cenário econômico internacional. Portanto, o autor deixa de lado a análise dos ganhos auferidos com a inserção. A literatura de relações internacionais que trata do assunto acaba restringindo-se ao mesmo escopo. Analisando as oportunidades e os desafios para a América Latina e o Caribe com a emergência da China, Robert Devlin, Antoni Estevadeordal e Adrés Rodríguez-Clare consideram a questão da ameaça ou dos benefícios que a penetração chinesa nos mercados internacionais constitui para os países latino-americanos. Ainda, os autores insistem nas implicações para os países latino-americanos dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos em direção à China. Os autores Fernando Augusto Albuquerque Mourão, Fernando Jorge Cardoso e Henrique Altemani de Oliveira, no capítulo “As relações BrasilÁfrica: de 1990 a 2005”, em Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas,

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de Henrique Altemani e Antonio Carlos Lessa, enfocam as interações econômicas entre o Brasil e o continente africano. Apesar de os autores atrelarem a política externa brasileira para a África à um esforço do Brasil para se inserir internacionalmente, no âmbito de uma política de cooperação Sul-Sul, eles não desenvolvem esse argumento, limitandose a meramente descrever os diversos negócios, trocas comerciais feitas entre o Brasil e países como Sudão, Namíbia, Zimbábue, Marrocos, Argélia, Burkina Faso, Moçambique, Uganda, Ruanda, Camarões, Senegal, Gana, dentre outros. Assim, as motivações para o aquecimento das trocas feitas entre o Brasil e estes países ficam marginalizadas. Em “Os cincos “as” das relações Brasil-Estados Unidos: aliança, alinhamento, autonomia, ajustamento e afirmação”, Mônica Hirst estabelece a primeira década dos anos 2000 como um período de afirmação da política externa brasileira em relação aos Estados Unidos. Ela delimita as interações econômicas entre os dois países em investimentos diretos norte-americanos no Brasil, relações bilaterais comerciais deficitárias para o Brasil e as frustrantes e tensas negociações que opõem os dois na Organização Mundial do Comércio. Contudo, Mônica Hirst simplesmente descreve os aspectos supracitados, numa narrativa quase histórica, negligenciando os aspectos políticos como as assimetrias de poder entre os atores, essencial para a análise mais precisa dessa relação, deixando de fora, portanto, as motivações estratégicas para a inserção do Brasil no sistema internacional. Em “O G-3 e o G-20: o Brasil e as novas coalizões internacionais”, Paulo Fagundes Vizentini fala sobre os esforços brasileiros para obter sucesso nas negociações de Rodada Doha, no âmbito da OMC. O autor explicita uma política comercial brasileira afirmativa e de liderança, discorrendo sobre a atuação do país no Grupo dos 20, com intuito principalmente de diminuir barreiras agrícolas dos Estados Unidos e União Européia. Contudo, o autor somente descreve descrevendo as articulações diplomáticas que levaram a formação do Grupo deixando, contudo, de abordar estratégias mais amplas que devem levar em conta

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considerações políticas e estratégicas como as motivações mais amplas para tais arranjos. Como se pode perceber, a literatura pouco se foca em uma abordagem política para a questão da inserção brasileira e chinesa na economia internacional. Assim, este trabalho visa a preencher tal lacuna, adicionando às análises técnicas, estritamente econômicas e a simples descrições, uma análise política que confere maior precisão no que diz respeito às intenções político-estratégicas mais amplas dos atores no Sistema Internacional. Outra questão a ser sanada é a ausência de uma comparação entre a inserção brasileira e chinesa, preenchendo esta lacuna, há a facilitação do aprendizado das relações internacionais atuais e das semelhanças e diferenças da inserção de grandes potências e potências médias no cenário internacional contemporâneo. Portanto, esta monografia tem aspiração à generalidade. Ao mapear o comportamento político-estratégico do Brasil e da China, Estados com nítidas assimetrias de poder, captando semelhanças e diferenças nos seus objetivos e nas suas estratégias, a análise aqui presente possibilitará que se trace o perfil da ação dos demais atores com distribuição de poder semelhante a da China e do Brasil.

1.5 Questões e Hipóteses As estratégias chinesa e brasileira de inserção internacional têm traços de semelhança. A busca pela geração de riqueza e pela conseqüente maximização de poder e segurança são pontos de tangência da inserção dos Estados no cenário econômico internacional. Algumas das semelhanças também dizem respeito à escolha dos parceiros comerciais: Estados Unidos, África e OMC. Contudo, por conta da distribuição de capacidades no sistema internacional, que faz com que o Brasil assuma papel de Potência Média e China de Grande Potência, há diferenças principalmente no que diz respeito às motivações para a inserção. Se o Brasil busca oportunidade de voz e acesso ao estabelecimento de normas, a China busca racionalizar sua dominância. Assim, busco responder a seguinte questão:

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O que motiva as diferenças e semelhanças das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China? Pretendo verificar a correção das seguintes hipóteses: 1. No que diz respeito às semelhanças das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China, o acirramento da competição na anarquia do mercado mundial com a adoção de estratégias comerciais ofensivas dos Estados Unidos e da União Européia , com medidas protecionistas, geram desvios de comércio e prejudicam a posição relativa do Brasil e da China no cenário econômico internacional. Dessa forma, Brasil e China como atores racionais que fazem cálculos baseados em interesses definidos em termos de segurança, ao buscarem responder a essas ameaças inserem-se na economia internacional, por meio da criação de mecanismos comuns para lidar com ameaças sistêmicas comuns, buscando definir as regras do jogo, aumentar possibilidade de exercício de poder, ampliar a geração da riqueza para que assim possam manter os recursos necessários para a consolidação como potência e manutenção do status quo, ampliar a previsibilidade acerca do comportamento dos parceiros e a posição relativa. 2. No que diz respeito às diferenças de inserção econômica internacional do Brasil e da China, esta, dotada de status de Grande Potência, busca a racionalização de sua dominância para tornar seu poder mais discreto, evitando resistência e a acumulação de riquezas para a maximização de segurança e ampliação de seu poder. Assim, por meio de relações com os países africanos, busca consolidar uma esfera de influência contra as influências das Grandes Potências na periferia do cenário econômico internacional; já por meio da inserção da Organização Mundial do Comércio, os chineses buscam ter acesso a formulação de normas e racionalizar a sua emergência como Grande Potência econômica; as relações com os Estados Unidos mostram que os chineses estão

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racionalizando seu poder, ao ceder a pressões principalmente de padrões norte americanos de consumo, contudo sem deixar de estabelecer barreiras a ingerência americana e auferindo lucros que se voltam à maximização de poder. 3. Ainda no que diz respeito às diferenças das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China, o Brasil, como Potência Média dotada de menos recursos que a China e as demais Grandes Potências, tem como interesse a ampliação da oportunidade de voz no cenário econômico internacional, buscando ingerência na confecção das normas internacionais e aumento da riqueza para maximização de segurança. Assim, a política externa brasileira estabelece relações econômicas com os países africanos na busca por diversificar suas relações internacionais, tentando consolidar parceiros e esferas de influência buscando minimizar os obstáculos da influência de Grandes Potências no cenário econômico internacional, uma vez que não consegue competir, gerando riqueza, segurança e poder. Ainda, ao posicionar-se de maneira afirmativa na Organização Mundial do Comércio, o Brasil busca estabelecer regras que diminuam as assimetrias de poder e o protecionismo dos Estados Unidos e da União Européia, dessa forma aumentando seus lucros e maximizando poder. Nas relações com os Estados Unidos o Brasil também busca posicionar-se de forma mais afirmativa reconhecendo suas limitações, contudo buscando quebrar barreiras para inserção de seus produtos no mercado norte-americano, mais uma vez na tentativa de gerar riqueza e maximizar segurança.

1.6

Marco Teórico

Uma vez que o Brasil tem status de Potência Média e a China de Grande Potência, a distribuição de capacidades no sistema internacional anárquico motiva Brasil e China a adotarem estratégias de inserção no cenário econômico internacional com alguns traços de diferença. Enquanto o Brasil busca inserir-se

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com intuito de estabelecer e consolidar regras e práticas que o dêem oportunidade de voz; a China busca inserir-se visando racionalizar sua dominância. Contudo, há também semelhanças na inserção dos dois países. De maneira similar, Brasil e China inserem-se no cenário econômico internacional fazendo cálculos estratégicos que os levam a gerar riquezas maximizando seu poder. O cálculo estratégico feito pelos dois países para a inserção no cenário internacional será analisado a partir das relações bilaterais do Brasil e da China com Estados Unidos e África e a emergência de ambos na Organização Mundial do Comércio. Com intuito de verificar as hipóteses da presente pesquisa, será utilizada a corrente realista das relações internacionais. O realismo busca explicar a decisão dos principais atores do sistema internacional – para eles, os Estados -, sublinhando a importância do sistema anárquico e da competição política pelo poder (Hurrelll, 1995, p.23-59). Há quem diga que os realistas não consideram a cooperação possível, num sistema internacional anárquico, no qual o conflito é inevitável e iminente, com Estados racionais, autônomos e agentes unitários que interagem num sistema de auto-ajuda. Contudo, esta é uma interpretação simplista da teoria. A contribuição da teoria neo-realista de Grieco para esta monografia reside nas considerações que o autor faz ao rebater estas acusações. Para o autor, os Estados cooperariam em determinadas circunstâncias. Ele considera a cooperação possível quando as condições necessárias para a cooperação forem claramente expostas. Ainda, Grieco expõe motivos pelos quais a cooperação, a inserção em instituições internacionais podem ser consideradas estratégias racionais para os Estados. Nesse sentido, a diferença básica da inserção internacional dos Estados teria raiz na distribuição de capacidades no sistema internacional. Estados mais fracos buscariam inserir-se com intuito de equilibrar o sistema. Assim, a cooperação seria uma forma de Potências Médias e de Estados fracos estabelecerem regras e práticas que os dêem oportunidade de voz. No que diz respeito aos Estados mais fortes, eles escolheriam a cooperação com intuito de

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exercer o poder crescente com discrição e legitimidade, racionalizando a sua dominância, evitando resistência substancial (Grieco, 1997, p.163-201). Andrew Hurrelll faz considerações acerca da política de poder e da dimensão econômica. Ele mostra que a aceitação da dependência na área de segurança foi essencial para o exame das relações entre as questões de economia e segurança. Ele mostra que o neo-realismo foca nas pressões de poder político e na concorrência econômica. Contudo, sua contribuição mais explícita para esta monografia reside em sua defesa da inserção econômica como estratégia para a geração de riqueza econômica e, conseqüentemente, de poder político, alegando, portanto, a preocupação inevitável dos Estados com lucros e perdas (Hurrelll, 1995, p. 23-59).

1.7 Metodologia Estas são as variáveis consideradas nesta pesquisa: Variável dependente: As diferenças e as semelhanças das estratégias de inserção internacional do Brasil e da China. Variável independente: A distribuição de capacidades pelo sistema internacional anárquico. Com intuito de verificar a correção das hipóteses, as relações de Brasil e China com Estados Unidos, África e na Organização Mundial do Comércio (OMC) serão discutidas. A escolha dos Estados Unidos diz respeito a sua importância como principal ator no sistema internacional, assumindo caráter hegemônico e a impossibilidade de se ignorar sua presença no cenário econômico internacional. A África foi escolhida uma vez que é área de influência imediata e mercado consumidor promissor do Brasil, além de ser alvo de crescentes investimentos do país. Já em relação à China, o continente Africano foi escolhido por ser alvo de investimentos Chineses e, principalmente, por ser fonte de

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recursos naturais essenciais para a manutenção do crescimento econômico Chinês. A OMC foi escolhida por sua abrangência, por ser a principal instituição econômica e comercial internacional mais abrangente e por permitir acesso ao estabelecimento de regras no sistema econômico internacional. Com objetivo de reconstruir os cálculos estratégicos do Brasil e da China, será analisada literatura que trate da inserção dos dois países no cenário internacional, principalmente no que diz respeito às interações com Estados Unidos, África e OMC. Assim, a delimitação temporal deste estudo comparativo é conseqüência da consolidação dos novos paradigmas de inserção econômica internacional tanto do Brasil, quanto da China. A partir da primeira década dos anos 2000, os Chineses aqueceram sua inserção na economia globalizada cujo ponto de inflexão encontra-se na entrada do país na OMC em 2001. Já o Brasil, na primeira década dos anos 2000, redefiniu seu paradigma de inserção, retomando o pragmatismo desenvolvimentista presente no cerne da política externa brasileira e, principalmente a partir de 2003, com a eleição do governo Lula, quando buscou consolidar sua inserção de maneira afirmativa no cenário econômico internacional.

1.8 Plano da Monografia A monografia será dividida em cinco capítulos. A introdução, a conclusão e os três de desenvolvimento, todos com intuito de verificar a correção das hipóteses e de responder às questões propostas. O segundo capítulo conterá o marco teórico escolhido. Neste capítulo, será exposto como a teoria realista de Joseph Grieco e as considerações de Hurrelll contribuirão para a comprovação da hipótese, corroborando a relevância da monografia que não se propõe a ser mais um estudo meramente técnico ou descritivo da inserção dos dois países na economia internacional, trazendo para a discussão elementos de caráter político como as diferentes e semelhantes motivações para a inserção econômica internacional brasileira e chinesa. Durante

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o capítulo, ficará claro como a teoria de Grieco fornece informações fundamentais para a análise das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China. As considerações de Hurrelll sobre a maximização de riqueza e obtenção de poder são, ainda, componente essencial para a análise proposta por esta monografia. O terceiro capítulo analisará a inserção brasileira no cenário econômico internacional. Serão analisados o posicionamento brasileiro na Organização Mundial do Comércio, as relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos e entre Brasil e África, ressaltando a busca pela geração de riqueza econômica para maximização de segurança e a oportunidade de voz que tais relações constituem para o Brasil, como potência média. O quarto capítulo focará a inserção chinesa no cenário econômico internacional. Serão analisados o posicionamento chinês na Organização Mundial do Comércio, as relações bilaterais entre China e Estados Unidos e entre China e África, ressaltando, assim como feito no caso brasileiro, a busca por geração de riqueza para maximização de poder e, de forma diferente, a racionalização da dominância que tais relações propiciam à China, como Grande Potência. A conclusão tem como objetivo explicitar e resumir as semelhanças e diferenças da inserção econômica internacional brasileira e chinesa, mostrando como potências com diferentes status buscam inserir-se no cenário internacional contemporâneo.

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2. Marco Teórico O objetivo deste capítulo é apresentar o marco teórico por meio do qual analisarei as estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China. Assim, utilizarei principalmente o neo-realismo defensivo de Joseph Grieco cujas hipóteses são de extrema utilidade para se entender como Estados com diferentes status quanto à distribuição de capacidades no Sistema Internacional buscam a inserção com diferentes propósitos. Utilizarei, também, nuances da argumentação de Andrew Hurrell acerca das abordagens realistas que ajudará a enxergarmos as semelhanças das estratégias, na medida em que o autor explicita um objetivo constante nas políticas externas dos Estados: a busca de geração de riqueza para maximização de segurança. 2.1. Realismo e suas divisões

O realismo é considerado a tradição teórica de maior influência nas Relações Internacionais, mesmo por seus maiores críticos. A herança filosófica antiga com a influência da obra de Tucídides, o poder de crítica pragmática ao internacionalismo liberal e sua influência na prática da diplomacia têm assegurado sua importância. Nenhuma outra teoria deu tanta forma e estrutura ao estudo da política internacional. Edward Carr e Hans Morgenthau podem ser considerados os founding fathers da teoria moderna e Kenneth Waltz, neorealista, a teoria dominante a partir dos anos de 1980 (Burchill et al, 1996, p.7093). O livro de Carr foi uma crítica ao idealismo utópico do pós 1ª Guerra Mundial, que teria construído as bases de uma teoria. Para Carr, o poder seria o elemento central da política internacional e, para se entender as raízes dos conflitos e da guerra, deve-se entender a distribuição desigual de poder no sistema internacional. Para o autor, utopia e política são antagônicas e os argumentos utópicos desviam as atenções das reais intenções dos Estados detentores de poder. O realismo desvela essas intenções enfatizando os elementos

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pragmáticos das políticas externas dos Estados. Carr destaca conseqüente impossibilidade de cooperação entre as unidades em uma Comunidade Internacional que se baseia no poder. O livro de Morgenthau é uma tentativa de consolidar os princípios do realismo, mas também de prover suporte intelectual para o papel que os Estados Unidos estavam assumindo no mundo pós-guerra. Morgenthau considera que a política é governada por leis objetivas, fundamentadas na natureza humana; que os interesses são definidos em termos de poder; a forma e a natureza do poder dos Estados muda, varia, portanto, um Estado não deve engajar-se em relações ou alianças duradouras; princípios morais universais não guiam o comportamento dos Estados; não há um conjunto universal, consensual de princípios; intelectualmente, a esfera política é autônoma de todas as outras esferas do conhecimento humano, seja ela legal, moral ou econômica. Contudo, a capacidade explicativa do realismo no que concerne a possibilidade de mudança é restrita, já que sua teoria baseia-se em verdades contínuas e recorrentes como a soberania Estatal e centralidade dos Estados no Sistema Internacional; a anarquia do Sistema Internacional; o entendimento acerca do comportamento dos Estados como a busca racional por poder definida pelo auto-interesse. O neo-realismo de Waltz ou o realismo estrutural é uma crítica ao realismo tradicional e uma extensão de uma teoria tradicional que estava enfraquecida pelas rápidas mudanças no contorno da política internacional. Waltz busca responder ao questionamento do porquê de Estados com diferentes sistemas políticos domésticos apresentarem políticas externas similares. A explicação do autor mostra que as restrições do sistema internacional fazem com que os Estados busquem agir de determinado modo e, por isso, Estados Unidos e União Soviética comportavam-se da mesma forma, no mundo pós 2ª Guerra Mundial. 2.2. Joseph Grieco e Andrew Hurrell

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Joseph Grieco é um autor neo-realista que admite as insuficiências da teoria realista, mas mostra que elas muitas vezes advêm de percepções erradas acerca da própria teoria ou de questões colocadas por outros autores de maneira ineficiente. De acordo com Grieco, a teoria realista é de grande utilidade para analisa as relações internacionais contemporâneas, na medida em que analisa as causas da guerra entre as nações e as condições para cooperação e paz entre Estados (Grieco, 1997, p. 163-201). Os realistas constatam o contexto de interação entre os Estados como anárquico, ou seja, um ambiente no qual não há uma autoridade supranacional capaz de controlá-los fazendo com que a previsibilidade fique comprometida, assim como o uso da força seja sempre uma possibilidade. Os Estados vivem, então, em um ambiente de auto-ajuda que os leva a agir de maneira a maximizar seus próprios ganhos em relação aos ganhos alheios, contando somente com suas capacidades. Essa busca pela maximização dos ganhos nos ajuda a compreender que os Estados são atores que visam a objetivos e utilizam, de maneira racional, estratégias para atingi-los. Estados racionais, então, são sensíveis a custos e adaptam suas estratégias de acordo com seus objetivos. Estados desenvolvem estratégias de inserção internacional baseadas em políticas externas pragmáticas. Portanto, a sobrevivência é o objetivo principal desses atores que têm a segurança como principal interesse. Somente se a sobrevivência está assegurada, os Estados conseguem perseguir outros objetivos como lucro e poder (Grieco, 1997, p. 163-201). Sendo assim, os Estados são atores defensivos. Dessa forma, Brasil e China buscam a inserção econômica internacional, em primeiro lugar, visando à sobrevivência no sistema econômico internacional liberal e capitalista que privilegia os ganhos econômicos como aqueles capazes de sustentar a sobrevivência do Estado como ator autônomo e soberano. Andrew Hurrelll faz considerações acerca da política de poder e da dimensão econômica (Hurrell, 1995, p. 23-59). Ele mostra que a aceitação da dependência na área de segurança foi essencial para o exame das relações entre

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as questões de economia e segurança. Ele mostra que o neo-realismo foca nas pressões de poder político e na concorrência econômica. Contudo, sua contribuição mais explícita para esta monografia reside em sua defesa da inserção econômica como estratégia para a geração de riqueza econômica e, conseqüentemente, de poder político, alegando, portanto, a preocupação inevitável dos Estados com lucros e perdas. Riqueza gera poder, tanto porque vivemos em um sistema internacional capitalista, quanto porque a riqueza gera possibilidade de se ampliar capacidades materiais dos Estados em relação aos outros atores do Sistema Internacional, fortalecendo o status relativo dos Estados no Sistema. Os lucros possibilitam o investimento em setores estratégicos para a segurança como as Forças Armadas. Portanto, um ponto de tangência entre as estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China, dentre outros, seria a busca de ambos pela geração de riqueza econômica. Grieco, neo-realista defensivo, faz considerações, de acordo com a teoria realista, acerca do poder relativo do Estado, uma vez que os Estados tendem a se preocupar com suas capacidades relativas. Na medida em que o cálculo de poder dos Estados leva em consideração os estímulos do Sistema Internacional, os Estados comparam suas capacidades com as dos outros Estados antes de tomar alguma decisão. Sobrepondo esse argumento com aquele que estabelece a anarquia como causa da preocupação estatal com a segurança e sobrevivência, a teoria realista argumenta que a anarquia leva os Estados a serem “posicionalistas defensivos”. Assim, a maioria dos Estados vai buscar um nível mínimo de poder necessário para atingir e manter a segurança e sobrevivência; se um Estado tiver a oportunidade de aumentar seu poder e perceber que isso irá comprometer sua segurança, então o Estado dará preferência a estabilidade em relação à maximização de poder. Os Estados, então, mesmo com autonomia de decisão, uma vez que soberanos e racionais estão preocupados com suas capacidades no sentido de manter seu poder relativo e, então, assegurar sua segurança. O poder de um ator racional contém seu próprio poder para que este não se torne sua própria ameaça. A busca pela maximização de ganhos leva Brasil e China a estabelecer alianças com Estados Africanos, com os Estados Unidos e a

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participar da Organização Mundial do Comércio. A interação com esses três atores, além de maximizar influência, ganhos de Brasil e China, são atos de posicionamento defensivo. As políticas externas brasileira e chinesa buscam a cooperação com esses atores no sentido de aumentar suas capacidades relativas e diminuir as inseguranças causadas pela anarquia do sistema internacional. No que diz respeito aos arranjos possíveis no Sistema Internacional, os Estados tendem a comportar-se de maneira a equilibrar o sistema, ou seja, tendem a agir fazendo balancing e não bandwagoning, o que significa que eles se engajam em alianças defensivas contra o hegemon, na medida em que este representa ameaça para a segurança de todos os outros, e não optam por um comportamento parasita, procurando auferir os espólios da hegemonia alheia. A preocupação primordial dos Estados não é maximizar poder, mas manter suas posições no Sistema Internacional. Se enxergada superficialmente, a inserção econômica internacional brasileira e chinesa por meio da Organização Mundial do Comércio pode influenciar conclusões errôneas sobre uma postura de bandwagoning de ambos os atores. Contudo, o fortalecimento de Brasil e China por meio da consolidação de uma área de influência no continente Africano, assim como a busca por um comércio realmente liberal no âmbito da própria Organização Mundial do Comércio e da negociação bilateral com os Estados Unidos visando a maximizar ganhos demonstram estratégias autônomas e pragmáticas de inserção internacional com políticas externas afirmativas. Portanto, os Estados cooperam formando alianças defensivas com intuito de enfrentar ameaças externas. A cooperação é, para os realistas, variável importante na política mundial. Os realistas constatam algumas restrições à cooperação entre os Estados. O ambiente anárquico de auto-ajuda e a preocupação com os ganhos relativos induziriam políticas externas autônomas e seriam barreias para a cooperação inter-estatal. Contudo, o que se vê na prática é que a auto-ajuda e a preocupação com os ganhos relativos inseridos numa política externa contemporânea e pragmática fomentam a cooperação. Especialmente para China, ator de emergência incontestável no Sistema Internacional, o medo da traição impulsiona a cooperação. Já o medo da

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imposição de regras por meio de acordos bilaterais ou de instituições multilaterais é preocupação essencial no sistema internacional atual, entretanto não impede os atores de cooperarem. Pelo contrário, uma vez que organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, ganham poder, os custos da exclusão crescem. Não é lucrativo manter-se alheio à participação nos lucros crescentes da economia global e os danos à reputação internacional da exclusão incluem, dentre outros fatores, o afastamento do investidor estrangeiro. Assim, fazer parte da elaboração das regras do Sistema Internacional é essencial para que se possa exercer política externa de forma menos restritiva. De acordo com Grieco, se por um lado, há teorias, no âmbito do pensamento realista, que buscam explicar a cooperação econômica com base na liderança hegemônica na economia política, um único Estado, com interesse de manter uma economia internacional liberal, capaz e disponível para investir em recursos e arcar com os fardos associados com a operação de tal ordem econômica pode levar ao sucesso da cooperação (Gilpin, 1986, p. 304-305); por outro, há teorias que justificam a construção institucional como estratégia racional dos Estados. Estas têm vasto poder analítico quando se consideram as estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China. Grieco destaca que Estados relativamente mais fracos, como o Brasil, com intuito de diminuir a dominação exercida por atores mais fortes e de alcançar o equilíbrio contra desafios externos, escolhem cooperar por meio de instituições. A cooperação, então, estaria a serviço da busca por um Sistema Internacional mais equânime, com os ganhos relativos mais equilibrados. Esse argumento tem vasto poder explicativo para a análise da política externa brasileira contemporânea, na medida em que se enxerga a intensa participação do país na liderança de fóruns internacionais. Além disso, de acordo com Grieco, a oportunidade de voz auferida pela participação ativa em instituições internacionais assegura o acesso à formulação das regras e práticas do Sistema Internacional. Esse acesso é essencial principalmente para países relativamente mais fracos no Sistema Internacional como o Brasil. Como Potência Média, o Brasil reconhece-se como tal, reconhece as assimetrias de poder existentes no

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Sistema e a conseqüente preocupação com a ampliação relativa de capacidades materiais (Lima, 2005, p. 24-59). Portanto, ao consolidar e ampliar oportunidade de voz no Sistema Internacional, o acesso a formulação de normas é essencial também para a consolidação de países como o Brasil no cenário econômico internacional. Em relação aos Estados relativamente mais fortes, como a China, Grieco destaca que estes buscam a cooperação como veículo para o exercício do poder crescente de maneira legítima, racionalizando a crescente dominância, evitando resistências substanciais. Nesse sentido, ao emergir no cenário internacional como Grande Potência, a China provocaria reações das outras unidades do Sistema que ameaçariam sua sobrevivência e seu status de Grande Potência. Ao emergir no Sistema Internacional, a China poderia causar uma balança de poder, um balancing, contra seu posicionamento. Em face de possíveis ameaças, então, os Chineses, por meio de uma política externa pragmática e cooperativa, estariam racionalizando sua dominância. As estratégias de inserção econômica internacional de Brasil e China, apesar de diferentes, por conta da assimetria de poder existente entre os dois, têm seus pontos de tangência. O acirramento da competição na anarquia do mercado mundial, com a adoção de estratégias protecionistas ofensivas por parte dos Estados Unidos e da União Européia prejudica a posição relativa brasileira e chinesa no cenário econômico internacional. Dessa forma, Brasil e China, como atores racionais que fazem cálculos de poder, inserem-se na economia internacional para responder a essas ameaças. Os dois visam à criação de mecanismos comuns para lidar com ameaças comuns, por meio da definição de regras que aumentem a possibilidade de exercício de poder. Os dois visam à ampliação da geração de riqueza para que assim possam ampliar suas capacidades materiais necessárias à consolidação como potência mesmo com diferentes status e à manutenção do status quo, além de ampliar suas posições relativas e a previsibilidade acerca do comportamento dos parceiros. No que diz respeito às diferenças de inserção econômica internacional do Brasil e da China, esta, dotada de status de Grande Potência, busca a racionalização de sua dominância para tornar seu poder mais discreto, evitando

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resistência e a acumulação de riquezas para a maximização de segurança e ampliação de seu poder. Assim, por meio de relações com os países Africanos, busca consolidar uma esfera de influência contra as influências das Grandes Potências na periferia do cenário econômico internacional; já por meio da inserção da Organização Mundial do Comércio, os chineses buscam ter acesso a formulação de normas e racionalizar a sua emergência como Grande Potência econômica; as relações com os Estados Unidos mostram que os chineses estão racionalizando seu poder, ao ceder a pressões principalmente de padrões norte americanos de consumo, contudo sem deixar de estabelecer barreiras a ingerência americana e auferindo lucros que se voltam à maximização de poder, diminuindo a desconfiança dos norte-americanos em relação à crescente dominância. Ainda no que diz respeito às diferenças das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China, o Brasil, como Potência Média dotada de menos recursos que a China e as demais Grandes Potências, tem como interesse a ampliação da oportunidade de voz no cenário econômico internacional, buscando ingerência na confecção das normas internacionais e aumento da riqueza para maximização de segurança poder. Assim, a política externa brasileira estabelece relações econômicas com os países Africanos na busca por diversificar suas relações internacionais, tentando consolidar parceiros e esferas de influência buscando minimizar os obstáculos da influência de Grandes Potências no cenário econômico internacional, uma vez que não consegue competir em condição de igualdade de recursos, gerando riqueza, segurança e poder. Ainda, ao posicionarse de maneira afirmativa na Organização Mundial do Comércio, o Brasil busca estabelecer regras que diminuam as assimetrias de poder e o protecionismo dos Estados Unidos e da União Européia, dessa forma aumentando seus lucros e maximizando poder e segurança. Nas relações com os Estados Unidos o Brasil também busca posicionar-se de forma mais afirmativa reconhecendo suas limitações, contudo buscando quebrar barreiras para inserção de seus produtos no mercado norte-americano, mais uma vez na tentativa de gerar riqueza e maximizar poder.

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Assim, o próximo capítulo analisará as estratégias de inserção econômica internacional do Brasil. Com auxílio da teoria neo-realista de Joseph Grieco e do argumento de Andrewe Hurrell explicitados nesse capítulo, serão analisadas as relações do Brasil com os países Africanos, com os Estados Unidos e o posicionamento do país na Organização Mundial do Comércio, na primeira década dos anos 2000.

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3. Estratégias de Inserção Econômica Internacional do Brasil Ciente de seu status de Potência Média (Lima, 2005, p. 24-59) no Sistema Internacional, o Brasil busca ampliar suas capacidades materiais e sua margem de manobra internacional com intuito de denunciar os entraves políticos ao desenvolvimento, dissolvendo o “congelamento de poder” (Diniz, 2006). Nesse sentido, a geração de riqueza para maximização de poder e segurança por meio do fomento ao comércio internacional e a ampliação da oportunidade de voz são o pano de fundo da política externa brasileira. Baseando-se nessa estratégia mais ampla, a política externa brasileira, na primeira década dos anos 2000, desenvolve estratégias de inserção econômica internacional subordinadas a esses objetivos mais amplos de acordo com o cálculo de poder em relação aos demais atores do Sistema Internacional. Quando a assimetria de poder é favorável ao país, a política externa brasileira mostra-se hábil para firmar áreas de influência; quando a assimetria é desfavorável ao país, o Brasil busca negociar de forma afirmativa, abrindo espaço para a entrada de seus produtos nos principais mercados mundiais; quando encontra-se no âmbito multilateral, o Brasil mostra-se extremamente capaz de estabelecer alianças que ampliem seu poder de barganha e seu acesso a formulação de normas internacionais. Assim, este capítulo analisará as diversas nuances das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil por meio das relações comerciais com os países Africanos, com os Estados Unidos e na Organização Mundial do Comércio. 3.1 Relações Brasil-África

As relações internacionais entre o Brasil e os países africanos datam de muito antes de nosso país constituir-se como Estado-Nação independente e soberano. O tráfico negreiro fez com que a nação brasileira, em sua maioria, tenha alguma ascendência negra. Basta recordarmos, ainda, que Benin fora o primeiro país a reconhecer a nossa independência. Também, após 1822, os países

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africanos manifestaram sua vontade de fazer parte do que viria a ser o Brasil, pretensões descartadas por Portugal ao inserir como requisito para o reconhecimento da independência, além de quantia em dinheiro, a garantia de que os países africanos não ficariam sob influência brasileira (Fausto, 2007, p. 129-141). A vinda da família real portuguesa ao Brasil e a assinatura de Tratados que engessavam a política externa brasileira, principalmente no que diz respeito ao comércio internacional, fizeram com que o país independente não desfrutasse de autonomia para diversificar seus parceiros internacionais. Mesmo quando tais tratados já haviam caducado, restrições como a Bill Aberdeen, que buscava cessar o tráfico negreiro, distanciavam o Brasil do continente Africano. No final do século XIX, a necessidade de se resolver díades fronteiriças e as crises na região do Prata desviaram a atenção brasileira para o hemisfério americano (Cervo & Bueno, 2002, p. 222). A percepção do Barão do Rio Branco acerca das relações internacionais fez com que a política externa do país mudasse de uma perspectiva eurocêntrica para uma mais americanista. Nesse sentido, mais uma vez, a África ficava de lado na agenda de política externa brasileira. Contudo, uma vez consolidados o legado do Barão e a República brasileira, a Política Externa Independente de Santiago Dantas e Afonso Arinos de Melo Franco buscava inserir o Brasil no cenário internacional por meio de relações plurais. Nesse momento, a África ganha relevância principalmente como parceira comercial do Brasil. Mesmo que uma política africanista só fosse consolidar-se no Governo Médici, com a visita de Gibson Barbosa a diversos países do continente, o caráter dos interesses brasileiros na África já começava a ser delineado com a PEI. Nesse momento, não se votava contra o regime de apartheid da África do Sul que era, e ainda é, principal o parceiro comercial no continente. A Diplomacia do interesse nacional do Governo Médici, o Pragmatismo Responsável e Ecumênico do Governo Geisel e a Diplomacia do Universalismo do Governo Figueiredo marcam o fortalecimento das relações Brasil-África. Já nessa etapa, o Brasil adota uma

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política claramente africanista, apoiando as independências e estreitando laços comerciais com os países recém-independentes. A partir de então, a política externa brasileira passou a destacar como uma de suas tradições a descolonização (Diniz, 2006, p. 315-326). Longe, contudo, de ser um postulado meramente retórico ou idealista, a descolonização estava subordinada a interesses mais amplos. A defesa da descolonização corrobora uma boa reputação do país no cenário internacional como defensor do Direito Internacional o que amplia sua oportunidade de voz nas instituições internacionais reflexos dos Direito Internacional. Ainda, ao apoiar a independência dos países Africanos, o Brasil garante a abertura de relações estáveis com esses países possibilitando a intensificação de trocas comerciais, maximizando riquezas e, conseqüentemente, mantendo a assimetria de poder existente entre o País e o continente. Com a proximidade do fim da Guerra Fria, a defesa constante da descolonização perde sentido e este postulado deixa espaço para a defesa da democracia, ou seja, da maior igualdade no Sistema Internacional, estando este novo postulado também ligado àqueles interesses mais amplos (Diniz, 2006, p. 315-326). No período pós - Guerra Fria, após um lapso de alinhamento quase incondicional aos Estados Unidos e a negligência em relação às demais parcerias, a partir de 2003, com o Governo Lula, o Brasil busca projetar-se no cenário internacional por meio de políticas mais proativas no cenário comercial. Com intuito de gerar riquezas para o País, diante de um recrudescimento do posicionamento norte-americano, principais parceiros de grande relevância no cenário econômico internacional, o Brasil volta a buscar a diversificação de suas parcerias internacionais, principalmente por meio de missões comerciais que levam empresários a buscar novos mercados pelo mundo afora. A partir de então, o Itamaraty buscou reafirmar seu interesse no continente africano, assim como a Diplomacia Presidencial que levou o Presidente Lula ao Continente sete vezes, superando o número de visitas a qualquer outra região. A política externa brasileira para a África, hoje, no âmbito da política externa de Cooperação SulSul, enfatizada pela chancelaria de Celso Amorim, dá-se de maneira que se

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destacam as assimetrias existentes entre a maioria dos países do continente e o Brasil, com exceção da África do Sul parceira comercial e política de maior expressão no continente, também potência média. “É uma política externa de associação anti-hegemônica, articulada ao Sul, sem passionalidades ou ideologismo, mas com interesses e valores comuns que necessitam ser tratados no plano prático, em especial na eficácia das negociações em curso (Saraiva, 2004, p. 305).” Portanto, desde o início dos anos 2000, especialmente a partir de 2003, o Brasil busca inserir-se no cenário econômico internacional por meio do estabelecimento de relações estreitas com o continente Africano. Em janeiro de 2003, foi promulgada, no Brasil, a Lei da Obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas e foi promovido um Seminário fórum Brasil-África de cooperação comercial (Vizentini, 2006, p. 182). A promulgação dessa lei demonstra que porquanto haja real interesse brasileiro em promover o desenvolvimento das nações africanas, há principalmente o interesse em estabelecer uma zona de influência, ressaltando-se as semelhanças históricas e culturais na tentativa de promover aproximação que fomente trocas comerciais favoráveis ao Brasil. Apesar de tais semelhanças serem importantes para a aproximação Brasil-África, deve-se ressaltar que as relações são eminentemente comerciais. O Brasil possui superávits comerciais com praticamente todos os países do continente – com exceção de Nigéria e Argélia -, sendo tradicional exportador de manufaturados, além de produtos primários. Além disso, o Brasil também exporta investimentos, buscando consolidar sua hegemonia na região. Faz-se mister notar que o lucro advindo dos ganhos políticos e econômicos com o estabelecimento de uma zona de influência no continente africano fortalece o Brasil como ator no sistema internacional. Uma vez que a presença Chinesa no continente Africano é crescente, as estreitas relações Brasil – África são essenciais para que se mantenha a distribuição de poder no Sistema Internacional diminuindo o impacto das assimetrias de poder que crescem com a emergência da China no cenário econômico internacional. Dessa forma, a intensificação das relações internacionais entre Brasil e África além de representar um impulso

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proativo da diplomacia brasileira para diversificar seus parceiros comerciais, é uma resposta às modificações no cenário internacional. Por um lado a aliança com os países Africanos fortalece a posição brasileira em fóruns multilaterais, ou seja, na barganha pelo estabelecimento das regras do sistema internacional, aumentando a oportunidade de voz do país (Grieco, 1997, p. 163-201). Exemplo disso foi a “quebra de patentes”, ou seja, a aquisição de licenças compulsórias para a produção de medicamentos genéricos que o Brasil buscou no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Utilizando o argumento de que tal licença seria essencial para a saúde e desenvolvimento de brasileiros e de cidadãos de países menos desenvolvidos, como os Africanos, que não têm condições técnicas para produzir os medicamentos, o Brasil mudou, em seu favor, as regras de propriedade intelectual no que diz respeito aos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual no Comércio (Declaração de Doha, 2001); por outro, os lucros colhidos com as relações comerciais são revertidos em poder. Assim, o Brasil busca maximizar lucros para maximizar segurança (Hurrell, 1995, p. 23-59). Nesse sentido, a exportação de, por exemplo, cimento para países africanos vem aumentando. Por volta de 10% das exportações da Camargo Correia têm a África como destino. A Cimpor exporta para o Congo, Nigéria e Cabo Verde. Também, a reconstrução de Angola tem-se demonstrado lucrativa para o Brasil e o intercâmbio comercial entre os dois países destaca as exportações brasileiras de manufaturados e, cada vez mais, de serviços. Em Moçambique, a Vale do Rio Doce ganha espaço. As relações com a África do Sul, principal parceiro comercial da região, estão aquecidas e abrem espaço para as relações com o sul da África, por meio de interações com a Uniao Aduaneira da África Austral,Sacu (Mourão et at, 2006, p. 211-242) . É neste momento, quando o Brasil, como potência média no cenário internacional, busca estabelecer zonas de influência em regiões que não aquelas imeditadas ao seu território que o país esbarra com pretensões de outras potências. É nesse momento que as pretensões brasileiras chocam-se com as pretensões chinesas. Há, portanto, um ponto de tangência nas estratégias de inserção econômica internacional das duas potências. Por mais que a China,

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como grande potência, tenha como objetivo último inserir-se para racionalizar sua dominância e evitar um possível balancing, há momentos em que suas estratégias terão semelhanças com as de outras potências e, nesse caso, com a do Brasil. Ainda, a China, também como ator racional buscando maximizar lucros para maximizar influência, tem a África como parceira estratégica para a consolidação de uma zona de influência e para seu abastecimento energético (petróleo e derivados), essencial para sua sobrevivência como grande potência (Hurrell, 1995, p.23-59). Assim, apesar de ostentarem diferentes status no sistema internacional, as estratégias de inserção econômica internacional brasileira e chinesa têm semelhanças. As medidas comerciais protecionistas dos Estados Unidos e da União Européia também são fatores diretamente ligados a busca pela inserção econômica internacional do Brasil e da China por meio do estreitamento de laços com o continente Africano. Esse acirramento da anarquia internacional com a tomada de decisões unilateral de atores centrais impulsiona a adoção de estratégias semelhantes dos demais atores. Dessa forma, Brasil e China criam mecanismos comuns por meio da inserção econômica internacional, como o estabelecimento de áreas de influência no Continente Africano, a participação na Organização Mundial do Comércio e as relações comericais com os Estados Unidos, para lidar com restrições sistêmicas comuns. 3.2 Relações Brasil – Estados Unidos

Os responsáveis pelas relações internacionais entre Brasil e Estados Unidos, tradicionalmente, buscam posicionar os interesses econômicos ao lado dos interesses políticos (Cervo & Bueno, 2002, p. 173).

Seria impossível

negligenciar os ganhos econômicos advindos de relações poíticas estáveis com os Estados Unidos, principal potência econômica desde o final do século XIX. Sendo assim, ciente dessa oportunidade, o Brasil afirma-se perante os Estados Unidos na busca de lucros que podem ser revertidos em poder e segurança. O status de Potência Média envolve a preponderância brasileira em seu entorno

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regional que está intimamente ligada à prosperidade econômica do país que pretende manter seu destaque dentre os outros países do conesul (Lima, 2005, p. 24-59). Nas vésperas da proclamação da República brasileira, os Estados Unidos já constituíam o maior mercado consumidor de nosso principal produto de exportação, o café, importando 70% do total exportado (Cervo, 2008, p. 222). Concomitantemente, o Barão do Rio Branco deslocava o eixo de política externa brasileira para um baseado em americanismo pragmático, ou seja, o Barão buscava aproximar o país dos norte-americanos, ciente dos ganhos que viriam de tal aliança, respeitando a soberania e os interesses nacionais. Assim, o Barão consolidou como seu maior legado a parceria estratégica com os Estados Unidos. Em alguns momentos da história ligados aos governos Dutra, Castelo Branco e Fernando Henrique Cardoso (Cervo, 2006, p. 7-34), houve uma percepção errada acerca da aliança com os Estados Unidos o que leva alguns autores de relevância, como Moniz Bandeira, a denominar esses períodos como “aberrante interregno” ou “passo fora da cadência”, de acordo com Amado Cervo. Deu-se prioridade ao alinhamento com subserviência, assinando acordos como o Tratado de NãoProliferação Nuclear em 1998, em detrimento da soberania com autonomia decisória (Cervo, 2008, p.232). Nesses momentos, acreditava-se que por meio de uma aliança automática com os Estados Unidos, potência hegemônica, ampliarse-ia oportunidade de voz no Sistema Internacional. Acreditava-se que havia, entre os dois países, interesses recíprocos que deveriam orientar políticas externas convergentes em praticamente todos os temas. Ainda, acreditava-se que o liberalismo desenfreado advindo dessas relações seria extremamente lucrativo, gerando riqueza para a maximização de poder. Os objetivos desses três governantes estão de acordo com os objetivos constantes da política externa brasileira no que diz respeito às relações com os Estados Unidos. Ampliar oportunidade de voz no Sistema Internacional e gerar riquezas para maximização de poder e segurança são variáveis constantes nessas relações. Entretanto, os meios pelos quais as relações foram concebidas falharam em seguir o legado pragmático do patrono da diplomacia brasileira. Dessa forma,

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para analisarmos a inserção econômica internacional do Brasil por meio das relações com os Estados Unidos na primeira década dos anos 2000, é importante que se dê ênfase ao que se passou desde o início do primeiro governo Lula. O período anterior é, em grande medida, a continuidade da política externa da década de 1990. Na primeira década dos anos 2000, portanto, longe de ser um free-rider e de se aliar aos Estados Unidos numa estratégia de bandwagoning, ou seja, com intuito de auferir ganhos com os espólios da hegemonia americana, o Brasil busca posicionar-se perante os Estados Unidos de maneira afirmativa, reconhecendo suas limitações por conta da assimetria de poder, contudo buscando, principalmente, gerar riquezas por meio da quebra de barreiras para a inserção de seus produtos no mercado norte-americano (Grieco, 1997, p.186). A estabilização da economia brasileira é essencial para a afirmação do comportamento do País no cenário internacional (Bandeira, 2004, p.350). Os Estados Unidos são o principal mercado consumidor mundial, além de serem os principais investidores estrangeiros. A busca por uma inserção plena e sólida no cenário econômico internacional está atrelada ao acesso que se tem ao mercado norte-americano que é extremamente lucrativo. A política externa brasileira, então, visa ao aumento de suas exportações de, principalmente, açúcar, aço, suco de laranja, soja e azeites vegetais para os Estados Unidos (Bandeira, 2004, p.336). Esses produtos são de extrema importância para a consolidação da pauta de exportação brasileira e para a erradicação da pobreza no âmbito doméstico, além de estarem de acordo com a política internacional atual de fomento a plantação de alimentos (WTO: 2008 news items, 2008). A insistência brasileira na abertura do mercado americano aos seus produtos agrícolas com a diminuição dos subsídios domésticos conferidos a determinados setores agrícolas estratégicos para o Brasil visa a reverter uma tendência de déficit da Balança Comercial que se consolidou na década de 1990 (Bandeira, 2004, p. 347). Durante esta década, os Estados Unidos buscaram perpetuar o superávit com a região da América Latina por meio de propostas como a ALCA. Contudo, na primeira década dos anos 2000, o Brasil passa a

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obter saldos positivos nas transações correntes com os Estados Unidos. Em 2003, como se pode ver na tabela abaixo, esse superávit começa a ser consolidado com o incremento das exportações (Bandeira, 2004, p. 347). O País começa a agregar valor a suas exportações enfatizando produtos manufaturados. Essa estratégia visa, além de diversificar a economia doméstica, a driblar as tensões bilaterias comerciais com os Estados Unidos. Dessa forma, o País volta suas políticas para a defesa de sua economia contra o protecionismo de determinados atores do Sistema Internacional com intuito de gerar riquezas e maximizar poder. Já em 2008, o governo Lula pretende diminuir os impostos à exportação de manufaturados em 21,4 bilhões de reais, até 2011, com intuito de fazer com que a política tenha efeitos diretos sobre a economia gerando receitas ainda maiores para o País (G1, 12 de maio de 2008). Valores

em

US$FOB Ano

Saldo -

1996

2.635.837.599 -

1997

4.429.880.832 -

1998

3.767.425.942 -

1999

1.065.923.718

2000

290.350.846

2001

1.303.080.941

2002

5.090.370.273

2003

7.158.547.776

2004

8.742.173.763

2005

9.873.223.704

46

2006

9.867.371.563

2007

6.340.707.319

2008

* 404639709 *até o mês de abril (Ministério do desenvolvimento, indústria e comércio

exterior) Os lucros advindos das relações entre Brasil e Estados Unidos podem ser transformados em poder e segurança, na medida em que fortalecem o País que pode investir em infra-estrutura principalmente no que diz respeito à segurança regional. Fator crítico nas relações entre Brasil e Estados Unidos é o apoio norteamericano ao governo colombiano no combate à guerrilha e ao tráfico de drogas. Esse apoio gera uma ameaça tácita à integridade territorial brasilera, já que pode servir de pretexto para uma intervenção na região amazônica (Cervo, 2008, p. 235-236). Portanto, os lucros advindos do comércio com os Estados Unidos são estratégicos para financiar a defesa brasileira inclusive em relação à própria política externa americana. A política externa brasileira pretende estar em consonância com os temas em pauta na agenda internacional. Assim, no mundo pós-2001, o combate ao terrorismo, apesar das divergências, é fator de cooperação entre Brasil e Estados Unidos. Para estes, o combate está no cerne de sua política externa contemporânea; para o Brasil, o combate, além de melhorar a imagem geopolítica do País em relação ao resto do Mundo, é requisito que atrai o investidor estrangeiro (Bandeira, 2004 p. 335). Principalmente a partir primeira década dos anos 2000, os Estados Unidos dão sinais de que as negociações comerciais não serão tão favoráveis às demandas dos países em desenvolvimento quanto em décadas passadas, quando a inserção de temas cruciais para o desenvolvimento do mundo periférico na agenda comercial internacional ficou de lado. Na primeira década dos anos 2000, “os Estados Unidos desenvolvem uma política unilateralista de desconfiança, em relação a negociações e soluções multilaterais para as questões globais e transnacionais, e de afirmação de seus interesses e de sua legislação nacional acima do direito internacional, em uma atitude que se distingue do antigo isolacionismo americano, mas que se apresenta como uma espécie de arrogante unilateralismo intervencionista (Guimarães, 2006, p. 268).”

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Os Estados Unidos endureceram sua posição perante as demandas dos países em desenvolvimento, negando a cooperação em setores estratégicos, tomando atitudes mais agressivas, com intuito de proteger sua economia. Os Estados Unidos vetaram a negociação de temas sensíveis para o comércio brasileiro no âmbito regional; perpetuam os subsídios agrícolas domésticos a produtos estratégicos na pauta de exportação brasileira; e mantêm medidas de anti-dumping autoritárias como espécies de barreiras não-tarifárias (Bandeira, 2004, p. 336-337, 350). Essas atitudes são levadas a cabo em setores de extrema importância para o Brasil. As barreiras técnicas impostas ao algodão brasileiro, assim como os subsídios domésticos a produtos como o próprio algodão e a laranja fazem com que o Brasil perca lucratividade. O volume de vendas da laranja brasileira para os Estados Unidos, por exemplo, costuma flutuar de acordo com as colheitas na Flórida dificultando um planejamento e a estabilidade da economia brasileira nesse setor (Magnoli & Araújo, 2005, p. 112-129). Dessa forma, o Brasil vê-se obrigado a tomar medidas defensivas que possibilitem a geração de riqueza e a conseqüente maximização de poder e segurança. Uma vez que os Estados Unidos dificultam a negociação bilateral ou em âmbito regional de temas cruciais, as medidas tomadas pelo Brasil estão, principalmente, no âmbito de mecanismos multilaterais ou por meio de coalizões, uma vez que negociá-las bilateralmente seria menos eficiente e, provavelmente, nada eficaz devido a grande assimetria de poder. Assim, com o fim de aumentar seu poder de barganha, o País busca imiscuir-se entre estruturas hegemônicas com o intuito de salvaguardar seus interesses (Cervo, 2008, p. 236), ao fortalecer a integração regional em seu entorno regional por meio de iniciativas como a incorporação da Venezuela ao Mercosul e o estabelecimento de projetos concretos de integração como a Iniciativa para Integração Sul-Americana, incorporada pelo projeto da Unasur, além de exercer liderança no âmbito da Organização Mundial do Comércio e das Nações Unidas (Bandeira, 2006, p. 267- 298).

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De acordo com Monica Hirst, a política externa brasileira perante os Estados Unidos passou por cinco períodos distintos: “aliança, alinhamento, autonomia, ajustamento e afirmação” (Hirst, 2006, p. 91-128). Nos anos 2000, principalmente com o início do Governo Lula, a estratégia brasileira perante os Estados Unidos é de afirmação e, visando a aumentar seu poder de barganha perante os norte-americanos, busca diversificar suas parcerias comerciais. Contudo, os Estados Unidos ainda são seu principal parceiro comercial e parceiro essencialmente estratégico para a afirmação do país no cenário econômico internacional. Assim, apesar das assimetrias de poder existentes entre os dois países, o Brasil freqüentemente denuncia práticas ilegais norte-americanas ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC e, ainda, busca negociar a diminuição dos subsídios e barreiras técnicas a entrada de produtos brasileiros no mercano norte-americano. Todo esse esforço visa, claramente, a gerar lucros para o Brasil que são revertidos em poder e maximizam a segurança do país (Hurrell, 1995, p. 23-59). A maximização de poder e segurança por meio da geração de riqueza e de uma política externa mais autônoma fica clara quando analisamos não somente os mecanismos econômicos de política externa, mas também os que envolvem questões relacionadas à segurança como a pressão norte-americana para que o Brasil assinasse o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e, posteriormente, aceitasse as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). De acordo com a Doutrina Bush, quem até então não produzia urânio enriquecido, não poderia fazê-lo (Bandeira, 2004, p. 354). Essa posição norte-americana congela as estruturas de poder internacionais e estando no âmbito do TNP, deixa de fora aqueles que não são signatários que, portanto, desestabilizam a lógica da distribuição de poder. Essa retórica política, contudo, está envolta por interesses econômicos e militar-estratégicos. Ao produzir urânio enriquecido em escala industrial, o País deixaria de ser meramente exportador de minérios e desempenharia importante papel como global player no mercado de combustível nulear, concorrendo diretamente com os Estados Unidos (Bandeira, 2004, p. 353-355)

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Pode-se perceber, então, que as relações bilaterais Brasil – Estados Unidos enfatizam bastante a geração de riqueza para maximização de poder e segurança. Buscar a ampliação da oportunidade de voz por meio de relações bilaterais com os Estados Unidos é entregar-se a uma estratégia de bandwagoning e falhar em assumir a grande assimetria de poder aliada a falta de vontade norte-americana de cooperar para o desenvolvimento pleno de países como o Brasil. A ampliação da oportunidade de voz no Sistema Internacional, todavia, é essencial para a barganha nas relações bilaterais com os Estados Unidos. Na medida em que as divergências bilaterais são estrategicamente levadas aos foruns multilaterais ou negociadas por meio de coalizões, para que se minimize a assimetria de poder nas relações comerciais bilaterais com os Estados Unidos, faz-se mister que se analise o posicionamento do Brasil na principal organização internacional comercial, a Organização Mundial do Comércio. 3.3 Brasil-Organização Mundial do Comércio (OMC)

A tradição da política externa brasileira busca inserir-se nos mecanismos multilaterais de negociação desde a consolidação do Brasil como Estado Nacional Republicano. A menção honrosa auferida a Rui Barbosa como delegado brasileiro em ocasião da II Conferência de Paz de Haia, 1907, demonstra a preocupação do Barão do Rio Branco em consolidar a excelência brasileira em negociações no âmbito multilateral (Entrevista com o Embaixador Alberto da Costa e Silva, Novembro de 2007). A projeção do Brasil no cenário internacional por meio de mecanismos multilaterais é, portanto, orientação da política externa brasileira desde a Repúbica Velha, o que a torna uma política de Estado, sublimando qualquer dúvida acerca de sua solidez. Não se pode esquecer das diversas participações brasileiras em Conferências Interamericanas, Panamericanas e na Liga das Nações. A consolidação dessa vocação dá-se na ativa participação brasileira nas Nações Unidas, desde sua criação, e no Gatt 49 embrião da Organização Mundial do Comércio.

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A partir da primeira década dos anos 2000, principalmente desde 2003, com o governo Lula, o Brasil tem buscado estimular os incipientes elementos da multipolaridade no Sistema Internacional pós-guerra Fria. A política externa brasileira, ciente do status de Potência Média do País no cenário internacional, pretende aumentar o acesso à formulação das regras dos arranjos multilaterais por meio da ampliação de sua oportunidade de voz, com intuito de promover um Sistema Internacional mais eqüânime, justo e, principalmente, lucrativo (Grieco, 1997, p. 163-201). A diplomacia de Lula trabalha com um conceito de multilateralismo que rompe com a crença idealista do governo anterior de obediência automática às regras neoliberais de comércio (Cervo, 2008, p.103105). Lula enfatiza a participação ativa na produção de regras, isto é, a ação no seio da ordem capitalista hegemônica vigente (Cervo, 2008, p.103-105) por meio da ampliação do espaço de manobra da diplomacia brasileira dentro dos mecanismos multilaterais que se traduz em uma ampliação da oportunidade de voz do País no cenário internacional (Grieco, 1997, p. 163-201). Essa ampliação é estratégica não somente para se adquirir ingerência na confecção das normas de comércio

internacional

tornando-o

mais

eqüânime

favorecendo

o

desenvolvimento dos menos ricos, mas também para se gerar riquezas por meio da redução de barreiras às suas exportações o que maximiza seu poder de barganha e seu excedente lucrativo para investimento em infra-estrutura de desenvolvimento e defesa (Hurrell, 1995, p. 23-59). Todo esse esforço de afirmação reflete a o endurecimento do ordenamento comercial multilateral internacional. A política externa brasileira retoma os pressupostos levantados por correntes cepalinas, na década de 1970, ao perceber que os países centrais, tradicionais responsáveis pela confecção das normas comerciais internacionais, estavam auferindo lucros com o ordenamento produzido que não seriam auferidos por aqueles ainda em desenvolvimento. Os países centrais, principalmente Estados Unidos e os membros da União Européia, dificultam as negociações ao estabelecerem medidas protecionistas que vão de encontro ao espírito multilateral proposto por eles mesmos. Os Estados Unidos empreendem medidas unilaterais que comprometem as exportações dos países

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em desenvolvimento, na medida em que perpetuam subsídios agrícolas domésticos a setores estratégicos para os países em desenvolvimento cuja pauta de exportação e modelo de desenvolvimento têm em seu cerne a produção agrícola, estabelecem barreiras anti-dumping como espécies de barreiras nãotarifárias (Bandeira,, 2004, p. 350, 336-337), além de celebrarem acordos bilaterais que minam a integração e o fortalecimento comercial de diversas regiões do globo (Cervo, 2008, p.110). A União Européia dificulta o acesso a seus mercados tendo como exemplo mais claro a Política Agrícola Comum do bloco que privilegia a produção doméstica de bens, principalmente agrícolas, nos quais sua produção não é tão eficiente a ponto de competir com aquela de países em desenvolvimento (Cervo, 2008, p.110). Além disso, estabelece critérios fitossanitários que funcionam como barreiras não-tarifárias principalmente para a produção agropecuária brasileira (Cervo, 2008, p.110). O endurecimento do sistema econômico internacional, então, motivou a política externa brasileira a se esforçar em mudar a geografia da negociação comercial. O objetivo dessa mudança é diversificar suas parcerias internacionais por meio de relações políticas que fortalecem o poder de barganha do país no nível multilateral e gerar riquezas para maximização de poder e segurança, na medida em que aumentam a receita do governo que pode ser revertida em investimentos em infra-estrutura doméstica ou no saneamento da economia do País (Hurrell, 1995, p. 23-59). Assim, na primeira década dos anos 2000, o Brasil esforça-se em criar coalizões com intuito de democratizar os lucros e a confecção de normas do sistema econômico internacional. “Em fins de 2004, o governo denominou de nova geografia comercial seu propósito de estimular flucos entre os países do Sul, não em detrimento dos que existiam entre o Brasil e o Norte, mas com o fim de abrir para as exportações mercados que já absorviam mais de 50% do comércio internacional (CERVO, 2008, p.109).”

Nesse sentido, o País articula-se com países em desenvolvimento formando, no âmbito da Rodada Doha da OMC, o G20 que compreende países da América do Sul, África e Ásia, com Índia e África do Sul no fórum conhecido como IBAS, com os países da América do Sul no âmbito da recente Unasur, com os países árabes na Cúpula América do Sul-Países Árabes e com os países

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asiáticos no âmbito do Foro de Cooperação América Latina-Ásia do Leste (Cervo, 2008, p.107). As estratégias unilaterais de Estados Unidos e União Européia, portanto, empurram as negociações comerciais para o âmbito multilateral. Uma vez que a assimetria de poder entre Brasil e os atores em questão é enorme, a OMC tornase depositária das divergências comerciais bilaterais. A estratégia de se negociarem os pontos críticos no âmbito multilateral, contudo, não diz respeito somente aos mais fracos. Os próprios Estados Unidos vetam a negociação, no âmbito regional, de temas sensíveis para a sua agenda como a diminuição de subsídios agrícolas domésticos. Entretanto, a discussão dessas questões na OMC não é garantia de vitória para a superpotência. Muito pelo contrário. Como as negociações da Rodada Doha têm comprovado, por meio dos mecanismos de solução de controvérsias da organização, os países centrais não têm obtido vitórias conseguindo, no máximo, travar as negociações, na medida em que utilizam de seus status de Grandes Potências para obstruir a agenda ao deixarem de ceder a pressões dos países em desenvolvimento. Por mais que a mudança das normas da instituição seja difícil, devido aos choques de interesse e ao sistema decisório baseado no consenso e não no voto majoritário, o Brasil tem auferido vitórias no Sistema de Solução de Controvérsias da organização (Cervo, 2008, p. 109). Além da quebra de patentes, a vitória na questão dos subsídios aos produtores de algodão nos Estados Unidos que geravam para o Brasil uma perda de aproximadamente 480 milhões de dólares (Bandeira, 2004, p. 357) demonstra o sucesso dos objetivos brasileiros de ampliação da oportunidade de voz no sistema econômico internacional com intuito de gerar riquezas para maximização de poder e segurança (Grieco, 1997, p. 163-201;Hurrell, 1995, p. 23-59). Pode-se perceber, então, que, na primeira década dos anos 2000, a política externa brasileira em relação a Organização Mundial do comércio tem obtido sucesso. Os objetivos de ampliar a oportunidade de voz do país no cenário econômico internacional para gerar riquezas conversíveis em poder e segurança tem sido atingidos (Grieco, 1997, p. 163-201; Hurrell, 1995, p. 23-59). A paralisação da Rodada Doha no âmbito da organização demonstra o

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posicionamento firme dos países em desenvolvimento liderados pelo Brasil. As vitórias no âmbito do Órgão de Solução de Controvérsias da organização demonstram o sucesso em gerar riquezas que promovem o desenvolvimento de infra-estrutura

para

o

desenvolvimento

e

defesa

que

consolidam

o

posicionamento afirmativo do país no cenário internacional, fortalecendo seu poder de barganha nas relações multilaterais e, também, bilaterais. O sucesso dessa política externa fica explícito na medida em que o Brasil lidera grupos como o G20. Esse grupo, porém, não é plenamente homogêneo. Há algumas clivagens que separam os países em desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, mas também há diferenças entre os países em desenvolvimento. Entretanto, a China é o país que mais se destaca. Com status de Grande Potência no Sistema Internacional, as estratégias de inserção econômica internacional chinesas tangenciam as estratégias brasileiras em alguns aspectos e divergem em outros. Com intuito de analisar mais precisamente essas diferenças e semelhanças, faz-se mister analisar a política externa chinesa. O próximo capítulo, portanto, tratará desse tema.

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4. Estratégias de Inserção Econômica Internacional da China A Ásia, principalmente o Sudeste Asiático, historicamente reserva surpresas para o Ocidente. Exemplo dessa imprevisibilidade é a Guerra da Coréia. A Coréia do Sul havia ficado fora do Perímetro de Defesa declarado por Dean Acheson, Secretário de Defesa dos Estados Unidos no imediato pós Segunda Guerra Mundial. A Coréia do Norte, ao invadir a Coréia do Sul e iniciar a Guerra da Coréia, não contava, portanto, com a participação ativa e definitiva dos norte-americanos no conflito. Contudo, por mais que a participação norteamericana tenha surpreendido os coreanos do norte, os americanos contavam menos ainda com um conflito naquela região (Snyder, 1991, p. 289-290). Ao longo do tempo, especialmente na década de 1980, polemizou-se acerca da bolha de crescimento japonesa que levaria o mundo a uma possível Pax Nipônica, a partir da década de 1990. Essa previsão claramente não se consolidou e o Japão entrou em uma estagnação deflacionária sem precedentes (Kingston, 2004, capítulo 1). Talvez, mais uma vez, tenha havido falha em entender os rumos para os quais o Sudeste Asiático caminha. A partir da primeira década dos anos 2000, especula-se acerca da emergência da China como superpotência no sistema internacional. Todavia, pouco se conhece acerca das reais motivações chinesas para sua inserção. Enxerga-se essa emergência como um desafio à hegemonia norte-americana, contudo a própria China dá sinais de que essa não é a estratégia. A política externa chinesa atual está baseada no Consenso de Pequim (Ramo, 2004). Este reconhece que usar força para se inserir provoca reações das Grandes Potências e que sustentabilidade e igualdade são considerações essenciais. Além disso, o Consenso enfatiza que o crescimento e as inovações advindos da inserção internacional devem ser utilizados para o crescimento da nação como um todo. Uma vez que as conseqüências da inserção internacional previstas pela política externa chinesa são econômicas, essa inserção é principalmente feita por vias eminentemente econômicas. O acúmulo de trilhões de dólares em reservas e a ênfase na modernização das forças armadas chinesas

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(Kristensen, 8 de abril de 2008) comprovam o intuito de se gerar lucros para se maximizar segurança e poder (Hurrell, 1995, p. 23-59). A política externa chinesa oficial busca desenvolver uma “world-class economy”, manter a força militar para defesa e evitar a interferência em assuntos domésticos de outros Estados (Bernstein & Munro, 1998, p. 51). Os objetivos de consolidação econômica do Estado Chinês estão subordinados aos objetivos políticos. Por meio da geração de riqueza, busca-se maximizar poder e segurança. Essa maximização está estreitamente ligada à sobrevivência do Partido Comunista Chinês (PCC) e à preservação da MainLand Chinesa, principalmente devido à existência de movimentos de auto-determinação que podem ser utilizados por outros Estados como instrumento para enfraquecer o status Chinês no cenário internacional (Tow, 2001, p.12- 44). “Economic construction shall remain the government’s priority. Consequently, its security strategy is to maintain a favorable environment for the economy and make utmost efforts to prevent military confrontation, whether within or outside its borders (Xuetong ,4 de março de 1996).”

O reconhecimento de que a imposição por meio da força no sistema internacional gera reações de Grandes Potências e de possíveis aliados encaixa-se na perspectiva de que a China pretende inserir-se no cenário econômico internacional para racionalizar a sua dominância e evitar um possível balancing das demais potências (Grieco, 1997, p.186). Dessa forma, este capítulo irá abordar as relações econômicas internacionais da China com países Africanos, com os Estados Unidos e com a Organizaçõa Mundial do Comércio (OMC), na primeira década dos anos 2000, como estratégias de inserção econômica internacional chinesa para a racionalização de sua dominância e para a geração de lucros e a conseqüente maximização de segurança no sistema internacional anárquico. 4.1 Relações China – Estados Unidos

Na década de 1970, Henry Kissinger já havia declarado: “Once China becomes strong enough to stand alone, it might discard us. A little later it might

56

even turn against us, if its perception of its interests requires it (Kissinger, 1979, p. 1091).” Essa declaração explicita a preocupação norte-americana com a emergência chinesa no cenário internacional. As relações entre as duas grandes potências tiveram altos e baixos durante a maior parte do século XX, atingindo uma certa continuidade a partir da década de 1980. Com a Revolução Comunista de 1949, China e Estados Unidos romperam relações, num ato de materialização diplomática da Guerra Fria. Nesse quadro, a aproximação entre China e União Soviética (URSS) era inevitável e praticamente lógica. O envolvimento norte-americano na Guerra da Coréia ajudou a deteriorar a situação, contudo, mesmo antes desse episódio, a China já havia começado a desviar seu comércio exterior para o Bloco Comunista (Hinton,1967, p. 44). O apoio norte-americano aos nacionalistas de Chiang Kai-Shek durante a guerra civil e a Questão de Taiwan aprofundaram ainda mais a situação. As frustrações chinesas em relação não somente as relações políticas com a URSS – o acordo de Stalin com os nacionalistas, por exemplo, com intuito de preservar os interesses soviéticos na Manchúria -, mas também a denúncia de contratos bilaterais de cooperação científica e tecnológica por parte dos soviéticos deteriorou, então, as relações Sino-Soviéticas levando a sua ruptura em 1960. Dessa forma, a China ficara isolada. Contudo, como a URSS havia se tornado inimigo em potencial, a China buscou atenuar sua política em relação ao ocidente e principalmente aos EUA. Assim, em 1972, o Presidente Nixon chega a Pequim e são restabelecidas relações diplomáticas ficando tácito, portanto, o triângulo estratégico que quebrara, ao menos no âmbito do sudeste asiático, a lógica bipolar da Guerra Fria (Garcia, 2005, p. 204-205). As Quatro Modernizações – agricultura, indústria, ciência e tecnologia e defesa, levaram ao desenvolvimento econômico chinês e, já no final da década de 1970, esse desenvolvimento levou a projeção chinesa no comércio internacional e a conseqüente busca por parceiros comerciais (Spence, 1996, p. 648). “Pode-se afirmar que a partir daí a China adota uma estratégia de intercâmbio e comércio internacional que a insere de uma outra forma na comunidade de nações (Corniglion, 1998, p. 17).”

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Conseqüentemente, a década de 1980 caracterizou-se por uma inserção chinesa sem precedentes no comércio internacional. Foram abertas as portas para o comércio e investimento externos; as cidades costeiras foram reestruturadas para que melhor obedecessem a sua vocação para o comércio exterior; e foram reforçadas as indústrias de bens de consumo e de iniciativa local em contraposiçao ao pleno controle estatal. Foram estabelecidas, nesse sentido, três Zonas Econômicas Especiais e, em 1984, quatorze portos foram liberados ao comércio e investimento internacionais (Corniglion,1998, p. 18). Apesar do incidente de 1989 – a condenação norte-americana à repressão do governo chinês aos estudantes em Tiananmen -, a inserção econômica internacional chinesa havia começado e com parceria essencial norte-americana. A retomada das relações políticas e diplomáticas Sino-Americanas coincide com a consolidação da China como potência econômica. Por meio das interações econômicas com os Estados Unidos, a China, já no final do século passado, buscava gerar riqueza para maximização de seu poder e de sua segurança, principalmente no âmbito regional, buscando neutralizar a ameaça Japonesa e Soviética (Hurrell, 1995, p. 23-59). A estratégia de inserção econômica internacional chinesa, no início do século XXI, por meio da interação econômica com os Estados Unidos tem, todavia, dois aspectos. A busca por geração de riqueza para maximização de poder e de segurança ainda é traço marcante da política externa chinesa que visa principalmente à estabilidade regional, contudo a busca pela racionalização de sua dominância é traço ainda mais marcante dessa política. Nessa primeira década dos anos 2000, a retórica de que a China que emerge no cenário internacional ameaça a hegemonia norte-americana domina os círculos políticodiplomáticos e a opinião pública internacional. Essa percepção está embasada na observação do crescimento econômicos chinês, de seu crescente investimento em Forças Armadas e no gigantesco número de cidadãos que permitiria a formação de um exército imbatível (Mearsheimer, 2001, p. 55-168) Porém, a política externa chinesa, baseada no Consenso de Pequim, baseia-se também nos princípios de autodeterminação e de não-intervenção

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(Corniglion,1998, p. 17). A China não esconde seu intuito de proteger seu sistema doméstico, o comunismo, mas não dá sinais de expansionismo, colonialismo ou imperialismo e pretende, por meio não somente da retórica de política externa, mas também da inserção internacional por meio de parcerias econômicas, evitar um eventual balancing que ameace a sua estrutura doméstica e sua sobrevivência como Grande Potência. Ao inserir-se no cenário econômico internacional por meio de relações com os Estados Unidos, a China dá sinais de que não pretende desafiar a posição norte-americana. Pelo contrário, os Chineses relacionam-se com os Estados Unidos demonstrando seu poder sem, contudo, deixarem de se adaptar às estruturas econômicas desenhadas pela política externa americana. A China, dessa forma, racionaliza a sua dominância, evitando um possível balancing motivado pela superpotência. Essa estratégia mostra-se de acordo com a grande estratégia chinesa embasada no Consenso de Pequim. Caso os Chineses impusessem uma política externa mais revisionista, não somente os Estados Unidos e outras potências poderiam iniciar um movimento de balancing, mas também poderiam buscar ingerência nos assuntos domésticos Chineses por meio do apoio a movimentos de autodeterminação que minam a unidade do território Chinês, além de ameaçarem a sobrevivência do PCC. A racionalização da dominância é objetivo essencial da política externa chinesa ao estabelecer relações com os Estados Unidos, mas não é o único. A geração de riqueza é variável importante nessa relação. Números comprovam o quão lucrativo é o comércio entre as duas potências e, dessa forma, essencial para a existência de ambos como Grandes Potências. Entre 2000 e 2003, as exportações norte-americanas para a China cresceram 76%, enquanto as vendas para o resto do mundo cairam 9%; a China é o sexto maior mercado para as exportações

norte-americanas

e

o

terceiro

maior

parceiro

comercial,

ultrapassando o Japão em 2003 (America’s trade with China, 21 de abril de 2004). Esses números são suficientes para comprovar a importância da China para os Estados Unidos. Contudo, a desenvoltura da balança comercial entre os dois países revela ainda mais. Os Estados Unidos são deficitários em relação ao resto do mundo por serem os maiores compradores, contudo a evolução do

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déficit comercial americano em relação à China mostra um avanço considerável do gap entre importações e exportações que se consolidou na primeira década dos anos 2000. Esse gap demonstra o ganho de poder relativo da China no sistema econômico internacional e, ainda, permite o acúmulo de divisas que permite o investimento em capacidade militar. Esta, por sua vez, é de extrema importância para a consolidação da MainLand Chinesa e para a sobreviência do PCC. A tabela abaixo demonstra, em bilhões, a evolução das relações comerciais entre China e Estados Unidos:

U.S. Trade With China 1985-2004 U.S. Exports

U.S. Imports

Balance

2004

34,721.0

196,699.0

-161,978.0

2003

28,367.9

152,436.1

-124,068.2

2002

22,127.7

125,192.6

-103,064.9

2001

19,182.3

102,278.4

-83,096.1

2000

16,185.2

100,018.2

-83,833.0

1999

13,111.1

81,788.2

-68,677.1

1998

14,241.2

71,168.6

-56,927.4

1997

12,862.2

62,557.7

-49,695.5

1996

11,992.6

51,512.8

-39,520.2

1995

11,753.7

45,543.2

-33,789.5

1994

9,281.7

38,786.8

-29,505.1

1993

8,762.9

31,539.9

-22,777.0

1992

7,418.5

25,727.5

-18,309.0

1991

6,278.2

18,969.2

-12,691.0

1990

4,806.4

15,237.4

-10,431.0

1989

5,755.4

11,989.7

-6,234.3

1988

5,021.6

8,510.9

-3,489.3

1987

3,497.3

6,293.6

-2,796.3

60

1986

3,106.3

4,771.0

-1,664.7

1985

3,855.7

3,861.7

-6.0

Source: U.S. Department of Commerce Odessey, 17 de março de 2005 “Reinforcing the Army, Accelerationg the Army’s Modernization, Firmly Opposing Interference and Subversion from Hegemonism, and Defending the Motherland (Bernstein & Munro, 1998, p. 23)”. Os chineses não negam os incrementos militares, mas os direcionam para uma estratégia mais defensiva e, certamente, os lucros advindos dos superavits comerciais, ou seja, o incrível acúmulo de divisas possibilita o investimento em forças armadas, em poder, em segurança. Assim, as interações econômicas entre China e Estados Unidos têm raízes político-estratégicas. A China estabelece relações comerciais com os Estados Unidos para gerar riqueza e maximizar poder e segurança e, ainda, para racionalizar a sua dominância, ou seja, emergir como potência no sistema internacional sem causar uma possível balança de poder contra sua emergência. 4.2 Relações China – África

As relações internacionais entre China e os países africanos podem ser caracterizadas por momentos de avanços e recuos. Desde a Revolução de 1949, há momentos em que a China - e conseqüentemente os estudos sobre o assunto, as manchetes dos jornais e a opinião pública – engaja-se em uma política externa mais africanista e momentos em que a indiferença marca essas relações (Large, 2008, p. 53). Os relatórios de George Yu sobre as relações Sino-Africanas explicitam essa descontinuidade. Em 1965, Yu escreveu que a África ocupava um papel central na política externa da China Comunista; já em 1966, Yu constata o insucesso chinês no continente africano. Apesar de a descontinuidade nas relações entre as duas regiões, no momento da descolonização, a China apresentava aos africanos uma parceria menos intimidadora do que a da União

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Soviética, principalmente devido a semelhanças históricas de colonização e exploração. A partir de então, a China passou a ser vista como um modelo de desenvolvimento, traço que atravessou os momentos de indiferença e consolidouse como elo entre a África e a China que atualmente facilita as relações. As inclinações políticas dos líderes africanos aproximam-nos do modelo Chinês e, no momento da descolonização, a China encorajou esse desejo de emancipação com trocas políticas e programas de ajuda econômica como aqueles implementados na Libéria, Serra Leoa e Gâmbia(Large, 2008, p. 53). Há extensa discussão acerca do parâmetro de comportamento chinês em relação ao continente Africano. Pode-se recorrer a abordagens que focam as relações dos países comunistas com o terceiro mundo ou aquelas que focam as relações das Grandes Potências com a África (Large, 2008, p. 50). Contudo, a China da primeira década dos anos 2000, como Grande Potência ou como país comunista, foge a parâmetros fixos que possibilitem seu enquadramento em conceitos tão fixos que compatíveis com os outros países comunistas ou Grandes Potências. Dessa forma, é mister que se analise a política externa chinesa para a África como um caso específico dentro de uma estratégia mais ampla. Comércio e extração de recursos geraram a maior parte da literatura e a extração de recursos parece imperar como motivação para as relações entre China e África. Ater-se somente a explicações de cunho comercial fragilizam as relações e as tornam sazonais, assim como fora visto no passado. Todavia, o que se percebe atualmente é uma tendência de permanência no engajamento chinês no continente africano (Large, 2008, p. 55-60). Baseando suas estratégias de inserção internacional no Consenso de Pequim (Ramo ,2004), a China mantem relações com os países afrianos para promover sua emergência como uma Grande Potência pacífica e responsável em busca de um mundo harmônico (Gill & Reilly, 2007, p. 38). Desde 2000, por meio principalmente de empresas Estatais, a China promove programas de ajuda aos países africanos, extrai recursos naturais e expande suas manufaturas no continente. Assim, as bases para as relações Sino-Africanas são eminentemente econômicas. Porém, uma vez que

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os projetos econômicos são impulsionados pelo governo chinês, eles fazem parte de uma estratégia política e diplomática mais ampla. Ao estabelecer relações com os países Africanos, a China evita que sua emergência no cenário internacional atraia esses países para uma possível contraaliança, evitando um comportamento generalizado de balancing (Grieco, 1997, p. 163-201). Com o estabelecimento de uma área de influência no continente, a China aufere ganhos diplomáticos expressivos como a diminuição da presença de Taiwan naquela região, mas também racionaliza a sua dominância. Por meio de projetos de ajuda econômica e humanitária, diminui o impacto negativo de sua emergência no cenário internacional, ou seja, diminui a percepção de sua política externa como uma que visa ao imperialismo ou ao colonialismo. Portanto, o engajamento chinês em políticas africanistas e sua relação estreita com os países do continente Africano são estratégias de inserção econômica internacional para a racionalização de sua dominância. Com esse intuito, a China aumentou significativamente suas contribuições para as forças de paz das Nações Unidas na África e, em 2007, já tinha cerca de 1,300 pessoas trabalhando com seviços e polícia em seis diferentes “blue helmet missions”. Pequim tem, inclusive, pressionado o governo do Sudão para que aceite forças da União Africana no país, além de expandir sua assistência para o desenvolvimento em todo o continente com grandes projetos de infra-estrutura, perdoando dívidas, fazendo novos empréstimos e implementando projetos de saúde pública e educação (Gill & Reilly, 2007, p. 37). Porém, não se pode menosprezar os lucros advindos dessas relações. O ano 2000 foi o ponto de inflexão de uma política externa descontínua da China em relação ao continente Africano para uma política externa marcada pela continuidade e pela estabilidade. Nesse ano o primeiro Fórum para a Cooperação China-África (FOCAC) fundou o China-Africa Joint Business Council, provendo apoio governamental para os investimentos de empresas chinesas em países africanos e estabeleceu diversas parcerias econômicas (Gill & Reilly, 2007, p. 37). Já em 2006, essa continuidade ficou expressa no âmbito do FOCAC, quando a China prometeu 3 billhões de dólares em empréstimos preferenciais e 2 bilhões

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de dólares em crédito de exportação para os países africanos a serem realizados nos próximos três anos, e quando foi criado um fundo especial de 5 bilhões de dólares para encorajar o investimento chinês na África e estabelecer a Câmara de Comércio Sino-Africana (Gill & Reilly, 2007, p. 37). A política externa chinesa, por meio das relações com os países africanos, enfatiza bastante a geração de riqueza, priorizando os benefícios econômicos, criando empregos para chineses e contratos para as firmas chinesas. Se levarmos em conta que a maioria, senão a unanimidade, das empresas que se estabelecem no continente são Estatais, os lucros gerados por elas são remetidos ao governo e revertidos em poder e segurança (Hurrell, 1995, p. 23-59). A modernização das forças armadas é mais uma vez impulsionada pelos lucros advindos das relações exteriores dos chineses com o resto do mundo. Ainda, a segurança chinesa aumenta, na medida em que é estabelecida uma área de influência com laços econômicos estáveis. As relações internacionais entre China e África, portanto, têm traços políticos e econômicos indissociáveis. Por meio das relações econômicas com a África, a China aufere lucros que impulsionam a sua consolidação como Grande Potência ao maximizar poder e segurança, mas também estabelece uma área de influência evitando um balancing por conta de sua emergência no cenário internacional, racionalizando, assim, sua dominância. 4.3 Relações China – Organização Mundial do Comércio

No âmbito da inserção econômica internacional chinesa por meio da entrada em organizações internacionais, especialmente na Organização Mundial do Comércio (OMC), a China aproxima sua estratégia à de Potências Médias como o Brasil. A China, assim como o Brasil, pleiteia oportunidade de voz no Sistema Internacional e acesso à formulação de normas mais justas e igualitárias no sistema econômico internacional. Essa é a situação em que seu status de Grande Potência tangencia seu status de país em desenvolvimento.

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Em 12 de abril de 2008, o presidente Hu Jintao, em seu discurso de abertura da Conferência Anual do Forum Boao para Ásia, explicitou as intenções chinesas ao aderir a instituições e regimes de comércio internacionais: “We endeavor to make international relations more democratic. [..] We work for a more just and equitable international order (Discurso de Hu Jintao, 2008, p. 4).” O discurso e a prática de política externa chinesa apontam para uma inserção sólida em mecanismos multilaterais na primeira década dos anos 2000. “China is now a key participant in the international system. It is a member of more than 100 inter-governmental international organizations and a party to over 300 international conventions. China is actively involved in international and regional affairs, and earnestly fulfilled its international responsibilities (Discurso de Hu Jintao, 2008,p. 3).”

Hoje, a China é membro pleno da Organização Mundial do Comércio e, por isso, terá que, paulatinamente, adaptar suas regras de mercado àquelas da organização e essa é a vontade política da Grande Potência. Por volta de 2001, ano de entrada do país na organização, no Seminário no Instituto de Estudos Estratégicos, em Washington, um ministro Chinês, ao insistir pela aceitação do país na organização, surpreendeu com seu dicurso sucinto. O ministrou lembrou a todos de que quem arcaria com os maiores custos da entrada chinesa na organização seria a própria China, na medida em que teria que fazer diversas concessões e se adaptar a todo aparato institucional (Dupas, 2007, p. 11). O desejo de entrar na Organização e os benefícios advindos dessa entrada são, contudo, compatíveis com o desenvolvimento econômico chinês e com sua estratégia mais ampla de política externa. Por meio da complacência com normas internacionais e da adoção de medidas liberalizantes, a China gera lucros reversíveis em poder e segurança (Hurrell, 1995, p. 23-59), em consonância com seu projeto de modernização das Forças Armadas. O engajamento em regimes econômicos internacionais serve aos interesses econômicos do país, ao tornar sua produção compatível com as demandas do mercado externo, mas tambem maximiza poder e segurança, principalmente em seu entorno regional diante da remilitarização japonesa e do fortalecimento militar de Taiwan (Bojiang, 2006),

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sendo, então, compatível com sua política externa defensiva (Tow, 2001, p.1244). Por conta da coincidência de estratégias de inserção econônomica internacional chinesa e de estratégias de inserção econômica internacional brasileira, é nesse momento em que decisões de política externa são tomadas em conjunto entre China e os demais países em desenvolvimento, dentre os quais se sobressai a lideração brasileira. Hu Jintao explicitou sua vontade de agir por meio da cooperação: “We will expand market access in accordance with generally accepted internacional economic and trade rules. As we strive to develop ourselves, we are also ready to accommodate the legitimate concerns of other countries, developing countries in particular. […] We hold that economic and trade frictions should be solbed through consultation and cooperation, and countries should share in development opportunities and jointly meet challenges (Discurso de Hu Jintao, 2008, p.3).”

Dessa forma, a China, assim como o Brasil, aumenta sua oportunidade de voz no sistema internacional, avança seus interesses por meio do acesso à confecção de normas internacionais e aumenta seu poder de barganha, ao escolher negociar em conjunto. O Grupo dos 20 é um dos exemplos no qual a cooperação fica explíticta. China e o restante do Grupo pretendem diminuir barreiras a entrada de seus produtos no mercado internacional e aumentar o acesso a

esse mercado em resposta ao

endurecimento

protecionista

principalmente dos Estados Unidos e da União Européia. Há que se destacar, no entanto, que a singular entrada da China na OMC é bastante vantajosa para a maior eqüidade no cenário econômico internacional. Uma vez que o desenvolvimento econômico chinês transformou o país no “chão de fábrica” da economia global (Dupas, 2007, p. 11), a inserção chinesa na organização legitima sua força sobre os interesses privados americanos, além de reduzir o poder norte-americano de retaliação comercial unilateral (Medeiros, 2008, p. 10). A entrada da China na OMC, portanto, diminui a capacidade de influência norte-americana sobre a tomada de decisões no âmbito da organização, abrindo espaço para as demandas dos demais países do sistema econômico internacional.

66

A maior liberalização do comércio com a China, decorrente de sua entrada na organização, constitui enorme possibilidade de comércio para os países asiáticos, por exemplo, que passaram a ter na Grande Potência seu maior parceiro comercial. É o caso da Coréia do Sul, de Taiwan e do Japão (Medeiros, 2008, p.10). Também, na medida em que os interesses chineses são compatíveis com alguns interesses brasileiros, principalmente no que diz respeito aos bens agrícolas, as demandas unilaterais chinesas atendidas pela organização, devido ao grau de importância chinesa na economia internacional, serão estendidas ao restante dos membros da organização por conta do Princípio da Nação Mais Favorecida (Dupas, 2007, p. 12) . Apesar de a estratégia chinesa de inserção econômica internacional por meio da entrada na Organização Mundial do Comércio tangenciar a estratégia brasileira, a China não só aumenta sua oportunidade de voz e acesso a confecção de normas internacionais, mas também racionaliza a sua dominância (Grieco, 1997, p. 163-201). A vontade de tornar sua prática econômica de acordo com as normas internacionais demonstra um posicionamento pouco agressivo da Grande Potência, compatível com a orientação do Consenso de Pequim (Ramo, 2004). Assim, a China evitaria estratégias de balancing contra o seu status no Sistema Internacional (Grieco, 1997, p.186). Dessa forma, o objetivo econômico da política externa chinesa está mais uma vez atrelado ao objetivo político. A inserção econômica internacional chinesa por meio da entrada na Organização Mundial do Comércio, em 2001, com a maior liberalização de seu mercado gera lucros que são revertidos em poder e segurança, racionalizam a dominância chinesa no Sistema Internacional, além de ampliar sua oportunidade de voz e seu acesso às normas internacionais. A partir da análise das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China foi possível encontrar pontos de tangência, assim como diferenças no posicionamento brasileiro e chinês. O próximo capítulo, portanto, concluirá essa monografia apontando explicitamente as semelhanças e diferenças dessas estratégias.

67

5. Conclusão No Sistema Internacional contemporâneo, parece que a hegemonia norteamericana deixa pouco espaço para contestação. Aparentemente, as estruturas hegemônicas desenhadas pela política externa norte-americana dominam o ambiente internacional engessando a ação de outros países. Nesse contexto, somente uma estratégia de bandwagoning seria possível (Grieco, 1997, p. 163201,). Aliar-se aos Estados Unidos seria a melhor opção para ganhar com os espólios de sua hegemonia. Contudo, as estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China, ainda que diferentes em alguns aspectos, demonstram que há outras opções possíveis e lucrativas, sendo esta, possivelmente, a maior contribuição dessa monografia. Há semelhanças e diferenças nas estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China nesta primeira década dos anos 2000. Diante do acirramento da anarquia no Sistema Internacional econômico, ambos respondem às estratégias comerciais ofensivas dos países centrais e criam mecanismos comuns para lidar com ameaças comuns. Com objetivo de se defenderem das medidas unilaterais principalmente norte-americanas e européias no cenário econômico internacional, Brasil e China buscam estabelecer relações internacionais com os países Africanos, assim como participam ativamente das negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio. As diferenças nas estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China advêm do diferente status no Sistema Internacional. Joseph Grieco demonstra como essa diferença dita os objetivos de política externa dos países. O autor defende que países com menos poder no Sistema Internacional buscam aumentar sua oportunidade de voz no cenário internacional, enquanto países com mais poder buscam racionalizar sua dominância diminuindo a possibilidade de uma aliança contra seu poder no Sistema. Brasil, com seu status de Potência Média (Lima, 2005, p. 24-59, 2005, p. 24-59) e China, com seu status de Grande Potência (Mearsheimer, 2001, p. 55-168), corroboram essa

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análise por meio de suas estratégias de inserção econômica internacional na primeira década dos anos 2000. O continente Africano é estratégico para o estabelecimento de esferas de influência que diminuam a influência das Grandes Potências e, ainda que haja diferenças em alguns objetivos, é um dos pontos de tangência das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China. Para os Chineses, as áreas de influência são essenciais, na medida em que diminuem a influência das outras Grandes Potências na região, ajudando a manter o equilíbrio do Sistema Internacional, em consonância com os objetivos de emergência pacífica e responsável visando a um mundo harmônico (Ramo, 2004), evitando a cooptação dos países Africanos para alianças contra a emergência chinesa (Grieco, 1997, p. 163-201), racionalizando sua dominância; para o Brasil, o estabelecimento de áreas de influência no continente Africano também diminui a influência das Grandes Potências na região, ajudando a manter o equilíbrio do Sistema Internacional, mas principalmente aumentando seu poder de barganha contra as medidas comerciais unilaterais das Grandes Potências, ampliando sua oportunidade de voz principalmente em mecanismos multilaterais. É nesse contexto que se tangenciam as estratégias de inserção econômica internacional brasileira e chinesa, causando, inclusive, um mal estar diplomático, tornando Brasil e China competidores no âmbito do continente Africano. Outro ponto de tangência é a participação do Brasil e da China na OMC. Apesar de ainda haver diferenças de acordo com os diferentes status de Brasil, Potência Média, e China, Grande Potência, no Sistema Internacional, a participação de ambos na OMC visa a obter acesso à formulação das normas do sistema econômico internacional. A China busca diminuir a assimetria de poder congelada nas estruturas do sistema econômico internacional por meio da participação ativa na confecção das normas do sistema com intuito de racionalizar sua dominância (Grieco, 1997, p. 163-201) que é vista como ameaça a partir de sua emergência no cenário internacional; o Brasil pretende ampliar sua oportunidade de voz no Sistema Internacional (Grieco, 1997, p. 163-201), criando regras que também diminuam a assimetria de poder existente no cerne do

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sistema econômico internacional. Essa convergência de políticas externas fica explícita ao observarmos a participação conjunta dos países em grupos de negociação como o G-20, essencial nas negociações da atual Rodada Doha, na OMC. O maior ponto de tangência encontra-se no objetivo comum de gerar riqueza para maximizar poder e segurança (Hurrell, 1995, p. 23-59). Mesmo como potências com diferentes status no Sistema Internacional, Brasil e China visam a gerar lucros por meio do estabelecimento relações estratégicas com outros atores do cenário internacional. A China, ao fomentar relações contínuas e sólidas com os países Africanos, visa a garantir o abastecimento energético, essencial para a manutenção do crescimento econômico Chinês e, portanto, de seu status de Grande Potência. Além disso, a China expande sua fronteira de produção com o estabelecimento de indústrias na forma de investimento estrangeiro direto que diminuem os custos de exportação para países da União Européia, por exemplo. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) também gera lucros, na medida em que aumenta a aceitação internacional dos produtos chineses, já que a produção deve estar cada vez mais de acordo com os padrões internacionais, mesmo que, em um primeiro momento, isso signifique uma pequena diminuição dos lucors em decorrência do tempo de adaptação aos novos processos produtivos. Ainda, as relações entre China e Estados Unidos estão de acordo com o objetivo de gerar riquezas. Os Estados Unidos são o principal mercado consumidor e o acesso aos seus mercados significa uma imensa geração de lucros. O objetivo econômico de geração de riquezas está subordinado aos objetivos mais amplos de política externa. A geração de riqueza permite a geração de excedentes que podem ser revertidos em poder e segurança, o que está de acordo com o Consenso de Pequim (Ramo,2004) e com os objetivos últimos da diplomacia chinesa, a sobrevivência do PCC e a preservação da integridade territorial (Tow, 2001, p.12- 44), além de preservar o status chinês de Grande Potência cuja manutenção está também atrelada ao sucesso de sua economia (Mearsheimer, 2001, p. 55-168). O Brasil

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estabelece relações com os mesmos atores com o objetivo de gerar riqueza para maximizar poder e segurança. A política externa brasileira visa à diversificação de parcerias no Sistema Internacional e as relações com os países Africanos estão de acordo com essa política. Essa diversificação, contudo, visa principalmente a diminuir a dependência brasileira em relação aos países centrais que são os tradicionais alvos das exportações do país. Com o endurecimento da política comercial dos Estados Unidos e da União Européia, o país buscou outras parcerias com intuito de garantir seu volume de exportações. Nesse contexto, as relações com os países Africanos são de grande importância também para a diversificação da pauta de exportações do país. O Brasil, tradicional agroexportador, exporta para o continente Africano majoritariamente produtos manufaturados, fomentando o desenvolvimento de sua economia. A participação ativa do Brasil na OMC pretende confeccionar regras que diminuam as barreiras para a inserção de seus produtos nos mercados internacionais, gerando excedentes lucrativos para o país. A relações com os EUA também estão de acordo com esse objetivo. O Brasil visa à flexibilização das regras do mercado norte-americano para a inserção de seus produtos com intuito de gerar riquezas. Essa geração de riqueza, maximiza poder e segurança (Hurrell, 1995, p. 23-59), na medida em que gera excedentes lucrativos que possibilitam o investimento em capacidades que consolidam o poder relativo do país no cenário internacional, preservando o status quo principalmente do seu entorno regional e seu status de Potência Média (Lima, 2005, p. 24-59). O objetivo dessa monografia foi analisar as semelhanças e diferenças das estratégias de inserção econômica internacional do Brasil e da China. A partir dessa análise é possível que se entenda mais precisamente como atores com diferentes status no Sistema Internacional agem, o que é de extrema importância no cenário internacional atual, na medida em que a hegemonia norte-americana diminui a capacidade de ação dos demais países. Essa monografia buscou demonstrar como Brasil e China driblam essa hegemonia e mantêm seu poder relativo no Sistema Internacional por meio de políticas externas autônomas e

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pragmáticas cientes de seus respectivos status, demonstrando a possibilidade de ação e cooperação no Sistema Internacional contemporâneo.

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6 Bibliografia ABREU, Marcelo de Paiva. China’s emergence in the global economy and Brazil. Disponível em: Acesso em: 12/09/2007. America’s Trade with China. Office of the United States trade representatives. 21 de abril de 2004. Disponível em
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