Um Estudo da Influência do Misticismo na História da Ciência.

Share Embed


Descrição do Produto

Um estudo da influência do misticismo na história da ciência A Research About The Misticism Influence On Science History

Resumo Este artigo tem como objetivo explorar uma parte pouco conhecida da História da Ciência por meio da análise de seu desenvolvimento mediante o misticismo e das crenças religiosas. Nosso intuito é expor como o cientificismo do mundo ocidental evoluiu e quais foram as contribuições de grupos religiosos e esotéricos para tal evolução. Sabemos que a civilização, sobretudo a ocidental, esteve durante milênios sob a dominação da religião cristã que, de certa forma, impedia uma revolução científica, baseando-se em seus dogmas. Contudo, desde a Antiguidade homens das mais diversas culturas formaram sociedades secretas que, embora envolvidos com simbolismo esotérico, estiveram preocupados com o desenvolvimento científico. Foi por meio desse pressuposto que formamos esta pesquisa, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP, a qual se deparou com vários grupos comprometidos com o desenvolvimento espiritual e, ao mesmo tempo, científico da humanidade. Palavras-chave: Ciência; Religião; Filosofia; História. Abstract This article aims to explore a little-known part of the science history, through the analysis of its development on mysticism and religious beliefs. Exposing how the scientism of the Western world has evolved and what were the contributions and heritages of religious and esoteric groups are the main subjects on this study. We know that Western civilization was under Christianity influence for centuries. Therefore, such a religious atmosphere prevented a scientific revolution through the years. However, since ancient times men from different cultures gathered themselves forming secret societies. Even if those were involved with esoteric symbolism, they were also concerned about mankind scientific development. It was through this assumption that this research had its basis with support from the Research Foundation of the State of São Paulo-FAPESP. This research has also counted on committed people to mankind spiritual development and at the same time, human science progress. Keywords: Science; Religion; Philosophy; History.

Marcel Henrique Rodrigues Universidade Federal de Juiz de Fora [email protected]

Introdução

E

ste artigo tem como meta visualizar o desenvolvimento científico no decorrer da História, sob uma ótica diferente. Essa diferença consiste em uma investigação baseada na História das crenças religiosas. Nosso objetivo é expor, mesmo que em linhas gerais, como a própria religiosidade e o misticismo, envoltos por uma aura de mistério das sociedades secretas, contribuíram para o desenvolvimento científico ocidental, culminando na revolução científica do século XVII. Não é nosso intuito abordar ou defender qualquer tipo de crença. Ao contrário, o objetivo é encontrar em bases científicas, argumentos que comprovem que o cientificismo e a busca pela verdade por intermédio da razão também se deram pelos meios religiosos e filosóficos. Como método, a investigação faz uso da pesquisa bibliográfica a fim de aglutinar, em um artigo, momentos em que o homem, movido pela curiosidade em explorar os elementos da natureza, acabava por “esbarrar” em conceitos mítico-religiosos. Essa mistura entre o estudo da natureza e a religiosidade ocorre, principalmente, com o homem da Antiguidade. É justamente na exploração da natureza, como “máquina divina”, que a humanidade tocou nas bases fundamentais da Matemática, da Química e da Astronomia que, por muitos séculos, estiveram associadas a conhecimentos Arcanos, e que poderiam ser divulgados ou transmitidos somente para um pequeno grupo seleto, formando as sociedades herméticas,1 na qual elementos científicos e místicos se misturavam. É por esse viés que a investigação trata, em linhas gerais, e em tempo cronológico, a maneira pela qual o conhecimento científico 1

Hermetismo pode ser aqui compreendido como sinônimo de sociedades secretas. Uma sociedade dita hermética é fechada para poucos membros. Os membros de uma sociedade hermética, geralmente, possuem uma aura de mistério e misticismo, pois, não raras vezes, voltam-se para o estudo de elementos místicos e ocultistas. Por isso, muitas vezes, o hermetismo tem sido levado como sinônimo de ocultismo.

94

foi, lentamente, se desprendendo do conhecimento esotérico-religioso.

1. O conhecimento científico e o misticismo na antiguidade clássica e na idade média

Não encontramos novidades ao explorar o intrincado universo “científico” da Antiguidade clássica greco-romana, que se encontrava em profunda comunhão com os conhecimentos religiosos. Entretanto, é interessante notar que muito foi estudado e questionado sobre o funcionamento do mundo e a razão da existência do homem e que, mesmo imbuídos de um fortíssimo senso religioso, homens como os filósofos da antiga Grécia começaram a estruturar o que futuramente se postularia como ciência empírica. Eliade (2010) argumenta que esse questionamento sobre o funcionamento e ordem do universo se encontra arraigado à cultura humana. Segundo o autor, desde a mais remota idade histórica o homem tem apresentado comportamentos que revelam sua curiosidade pela descoberta e entendimento da ordenação da vida, para isso, temos como exemplos as magníficas pesquisas astronômicas promovidas pelos mesopotâmios e egípcios, além da invenção da escrita, do calendário e dos números, que podem ser considerados como os primeiros avanços científicos da humanidade. Não é possível falar sobre os primeiros investigadores da natureza, muito menos afirmar que esta ou aquela civilização fora pioneira de um pensamento científico, propriamente dito. Devemos levar em conta que todas as tentativas de explicação do funcionamento do universo estavam arraigadas a conceitos místicos e religiosos. A fim de delimitarmos o tema, faremos uma investigação da sociedade grega clássica que, como é bem conhecida, foi pioneira no estabelecimento das bases da civilização ocidental, sendo também precursora de conhecimentos filosóficos, sociais e científicos. Júnior (2003) classifica a filosofia grega, sobretudo os Pré-Socráticos, como os “inventores da razão”, ou seja, mesmo revestidos por

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

uma sociedade bastante religiosa, homens anteriores a Sócrates, começaram a questionar o funcionamento do universo. Esses filósofos estavam cônscios de que poderiam explorar a natureza e descobrir e compreender muito de seu funcionamento e ordenamento. Na condição de representantes de divindades, os Pré-Socráticos se confundem com profetas, magos e adivinhos, mostrando uma considerável influência dos impérios mágico-religiosos orientais. Entretanto, o discurso já não é mais religioso: a narrativa religiosa cede lugar a uma explicação natural das origens da Natureza. Buscando os princípios originários da natureza no interior do próprio mundo natural (e não no sobrenatural), os Pré-Socráticos testemunham uma transição espiritual de extrema importância para o surgimento da reflexão filosófica: a passagem do pensamento mítico para o pensamento racional, do mýthos para o lógos (JÚNIOR, 2003, p. 14).

Percebemos que os autores fazem um esforço para delimitar quando, necessariamente, surgiu a ciência empírica desvinculada da religião, no entanto, as pesquisas nos mostram que isso é uma tarefa muito difícil, sobretudo em se tratando do mundo antigo. Uma característica curiosa levantada por estudiosos, como Campbell (2008) e Lurker (2003), reside no fato de que muitos filósofos, principalmente os Pré-Socráticos, decidiram formar as suas escolas filosóficas baseadas em sociedades religiosas e iniciáticas,2 para Uma sociedade iniciática é aquela que promove a iniciação. Carvalho (2000) expõe essa concepção mostrando os inúmeros rituais de iniciação existentes em sociedades filosóficas, religiosas e mesmo no contexto social. Ex.: participar do Batismo é uma forma de se iniciar na vida cristã, a iniciação maçônica reside no fato de que, o novo filiado se reveste como um novo membro e, por fim, a iniciação do contexto social como, por exemplo, uma formatura universitária. Ou seja, quando iniciado, o sujeito, de uma forma mística ou não, começa a fazer parte de um grupo seleto, que pertence somente os “escolhidos”.

2

não dizer sociedades secretas. Com efeito, a partir de um filósofo, que se considerava uma espécie de mestre, formavam verdadeiras escolas filosóficas e iniciáticas de cunho místico e hermético, que pretendiam utilizar o conhecimento adquirido na natureza tanto para o progresso da ciência como também para o próprio desenvolvimento da espiritualidade de seus membros. Analisaremos rapidamente uma dessas sociedades:

1.1. Grécia Antiga, os Pitagóricos

Ao citarmos o nome de Pitágoras, o grande filósofo e matemático do mundo PréSocrático, imediatamente, nos lembramos de seu famoso teorema que revolucionou o mundo antigo, sendo muito utilizado na Matemática. Pitágoras, além de um grande filósofo e amante do conhecimento científico, era também uma espécie de “mestre espiritual”. Como recorda Campbell (2008), Pitágoras viu por bem que todo desenvolvimento científico e espiritual que fosse desenvolvido, no decorrer de sua vida, seria compartilhado entre poucos membros ou discípulos, assim sendo, Pitágoras formou uma sociedade secreta. Rougier (1990) argumenta que os séculos que antecederam a formação da sociedade pitagórica foram marcados pela desconfiança por parte dos filósofos a respeito da existência dos deuses venerados pelo Estado. Tal cenário era composto por pensadores que, após investigarem a natureza, começaram a propor sobre a não existência dos deuses antropomórficos. O ápice de toda essa disputa entre a crença nos deuses, que era uma exigência do Estado grego e a possibilidade de se explorar a natureza, sem impor uma causa necessariamente divina, teve o seu ápice com o julgamento e condenação à morte do filósofo Sócrates (469 a.C.-399 a.C.). Embora o acontecimento da condenação de Sócrates tenha ocorrido tempos depois dos estudos de Pitágoras, o último percebeu os choques que os estudos dos filósofos causavam na sociedade politeísta da época.

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

95

Assim, sem desconsiderar a existência da divindade, o filósofo de Samos decidiu criar um grupo seleto, hermético para o estudo e a compreensão do universo, tanto pelo seu viés científico como pelo viés religioso. A ideia de criar uma sociedade secreta, em que somente os iniciados tivessem acesso às doutrinas, pode ter sido uma manobra para afastar a curiosidade de leigos, proporcionando proteção aos assuntos que ali eram tratados, para que não chegassem aos ouvidos dos protetores fiéis à religião do Estado, que poderiam considerá-los como heréticos. Pitágoras e a sua sociedade de estudos estavam preocupados em investigar as origens e a ordenação do universo, sem excluir a existência das divindades. No quesito religiosidade, a sociedade pitagórica professava a reencarnação das almas e o mundo era compreendido como uma grande parte da divindade. A diferença da escola pitagórica para com a religião é que a primeira se propunha a um estudo desse mundo divino, de suas funcionalidades e seus mistérios, um estudo que, séculos mais tarde, chamaríamos de ciência. Já a religião estatal se “conformava” com explicações para a ordenação e acontecimentos mundanos, como “vontade divina”. Júnior (2003) nos recorda que a maior contribuição da escola pitagórica foi a sistematização dos estudos em torno dos números. Embora considerassem os números como sagrados e ordenadores do universo, os iniciados na sociedade pitagórica eram encorajados a estudar os números como fundamento e princípio de todo o universo. Os pitagóricos, por exemplo, analisaram a relação harmônica da música com os números. Para eles, a música estava intrinsecamente ligada ao apaziguamento da alma humana, sendo por meio da música que os homens tinham os seus corações “acalmados” e restituídos pela divindade. Campbell comenta a experiência pitagórica da relação entre número e música: Foi Pitágoras quem primeiro formulou-a de modo sistemático, como um princípio pelo qual a arte, a psi-

96

cologia, a filosofia, o ritual, a matemática e mesmo os esportes seriam reconhecidos como aspectos de uma única ciência da harmonia. Além do mais, sua abordagem foi inteiramente grega. Medindo comprimentos de corda com a mesma tensão, dedilhando-as para produzir diferentes notas, ele descobriu as proporções 2:1 para a oitava, 3:2 para a quinta e 4:3 para a terceira. E então, como afirma Aristóteles, os pitagóricos supuseram que os elementos dos números fossem os elementos de todas as coisas e que todo o céu fossem os elementos de todas as coisas e que todo o céu fosse escala musical e números. Portanto, finalmente, o conhecimento, e não o êxtase, tornou-se o meio de realização. E aos antigos modos do mito e da arte ritualística uniu-se harmoniosamente a aventura alvorecente da ciência grega, para uma nova vida (CAMPBELL, 2008, p. 157).

Fica nítido que a experiência realizada por Pitágoras, como analisada por Campbell (2008), esteve enraizada em conceitos religiosos. Como demonstra Junior (2003), o experimento pitagórico que o estudioso denomina como primeiro experimento científico do mundo tem, também, sua conotação religiosa. Isso ocorreu, porque logo após o experimento, Pitágoras toma como verdade científica que os números são os grandes regentes do universo, uma espécie de “ferramenta” divina para a criação e a manutenção do mundo. A análise da sociedade dos pitagóricos nos mostra que a partir de premissas místicas e herméticas, o homem, impulsionado por sua sede de saber e adquirir conhecimento, irrompe na busca por conhecimentos mais precisos, mais “científicos”, mesmo não descartando a existência da(s) divindade(s). Embora Pitágoras tenha sido um filósofo e, ao mesmo

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

tempo, ao que tudo indica, um mestre espiritual, ele mesmo inculcou, na sociedade de seu tempo, o desejo pela pesquisa, ou seja, de ir além daquilo que nos é mostrado. É interessante apontar que muitos símbolos eram estudados e postulados por essas sociedades de iniciados. Os pitagóricos, por exemplo, exploraram o conceito de símbolo perfeito no número cinco, um dos principais regentes do universo, pois quatro são os elementos que “cientificamente” sustentam o universo (ar, fogo, terra e água). O quinto elemento seria a parte espiritual do ser humano, que clama pela busca e pelo conhecimento do transcendente. Outras sociedades secretas, em outras palavras, sociedades herméticas, se desenvolveram na Grécia anterior a Sócrates, por exemplo, a sociedade de Empédocles (492 a.C.-430 a.C.), como informa Edinger (2005). Esse filósofo, além de ser também um mestre espiritual, foi outro impulsionador do questionamento sobre o universo. Empédocles concluiu que existem duas “forças” que operam no universo, o Amor e o Ódio. Tal conceito seria, de certa forma, reformulado e explorado por Sigmund Freud, quando este postulou o conceito Éros e Tânatos na fundação da Psicanálise centenas de anos depois. O interesse em abordar o mundo grego reside no fato de que encontramos filósofos que sempre abordaram os questionamentos da natureza com uma visão crítica, mesmo estando mergulhados em um universo místico e religioso, como é no caso dos pitagóricos que, além de proporcionarem alguns estudos sobre a natureza e postularem teorias a respeito do seu funcionamento, também legaram sobre a possível combinação entre ciência e religião. Devemos levar em conta que, assim como os pitagóricos, outras sociedades e civilizações estiveram envolvidas no deslumbre da investigação dos “mistérios” da natureza. Como lembra Campbell (2008), os antigos estavam envolvidos, sobretudo na investigação dos astros que, misturados com um toque de misticismo, deram origem à Astrologia, antecessora da futura Astronomia.

1.2 Idade Média: o domínio da Igreja e o lento desenvolvimento científico

Churton (2009) admite que a Idade Média tenha sido, de fato, considerada um dos períodos mais “difíceis” a ser estudado, principalmente quando se trata do desenvolvimento científico da época. A dificuldade reside no longo processo histórico que forneceu margem para que a Igreja Católica se tornasse a mais poderosa e influente instituição do mundo ocidental. Como já foi bem explorado por diversos historiadores e teólogos como Bettencourt (S/D), a Igreja do período medieval encontrou terreno fértil para a disseminação de suas doutrinas e dogmas. A civilização ocidental viveu sob a influência do poder eclesiástico que, não raras vezes, agiu com despotismo. Como afirmam os citados autores, muitos reis e principados estavam subordinados às ordens do papa que, prontamente, após a derradeira derrocada da religião pagã, estabeleceu normas de condutas e linhas de pensamentos que todos os bons cristãos deveriam seguir. Assim, surgiram as famosas bibliotecas secretas em diversos monastérios europeus, que abrigavam as obras de filósofos e outros célebres estudiosos do período pagão, incluindo obras como as dos filósofos gregos que muito colaboraram para o avanço daquilo que um dia chamaríamos de pura ciência.3 Todas essas obras eram proibidas de serem lidas, sobretudo para os cristãos leigos. Qualquer cidadão cristão correria risco de vida se ousasse buscar um referencial teórico-científico nas obras dos antigos pensadores clássicos. Estava estabelecido que qualquer ideia filosófica ou científica deveria ter como base teórica as Sagradas Escrituras e a consequente aprovação eclesiástica. Não é tarefa fácil explorar qualquer desenvolvimento científico durante a Idade Média que não esteja atrelado à religião católica. O lento processo científico não impediu que sábios questionassem sobre a finalidade do universo. Um desses sábios, como remete Bet Uso esse termo para identificar o posterior surgimento da ciência que rompe com o enlace religioso.

3

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

97

tencourt (S/D), foi São Tomás de Aquino (12251274), que se posicionou frente às demandas a respeito da existência de Deus e o funcionamento/finalidade do universo. Barbour (2004) menciona que Aquino foi um dos expoentes da chamada Teologia Natural, em que se utilizava o uso da razão para explicar a existência de Deus e a finalidade do universo. O mesmo raciocínio é explanado por Bettencourt (S/D), o qual afirma que São Tomás foi quem resgatou as premissas aristotélicas acerca do universo, estabelecendo, assim, as chamadas “cinco vias” racionais para a explicação da causalidade do mundo e da existência de Deus. Santo Tomás de Aquino afirmava que algumas características de Deus só se conhecem pela revelação contida nas Escrituras, mas a existência de Deus poder ser conhecida pela razão apenas. Uma das formas do seu argumento cosmológico assegurava que todo evento deve ter uma causa, de modo que é necessário postular uma Primeira Causa para evitar a regressão infinita. Uma outra forma dizia que a sequência inteira (finita ou infinita) de causas naturais é contingente e poderia não existir; ela depende de um ser que existe necessariamente. O argumento teleológico (do grego telos, “propósito” ou “finalidade”) de Santo Tomás parte da ordem e da inteligibilidade como características gerais da natureza, mas prossegue mencionando indícios específicos de planejamento no mundo natural (BARBOUR, 2004, p. 44).

As palavras de Barbour (2004) mostram como o homem, mesmo os grandes religiosos, como São Tomás, estava preocupado como uma solução racional para a explicação do cosmo. Assim, por pertencer ao clero, ele sabiamente formulou a teoria das “cinco vias”, embasadas em concepções racionais que seu tempo histórico lhe proporcionava.

98

Entretanto, muitos homens não estavam dispostos a continuarem sob o julgo eclesiástico. Muitos pretendiam explorar livremente os aspectos da natureza. Para tanto, muitos grupos, nessa época, formaram sociedades de estudo e prática científica, como explanaremos a seguir.

1.2.1 Os pedreiros medievais e as grandes construções de catedrais e seus apurados estudos em geometria, matemática e artes

É muito provável que este tema cause estranheza aos historiadores da ciência, no entanto, deve ser levado em consideração e não pode ser excluído pelos estudiosos. Os pedreiros medievais, responsáveis pela construção das mais belas igrejas, castelos e fortalezas em estilo Gótico, foram responsáveis pela disseminação do conhecimento matemático e geométrico na época medieval. Heath (2010) menciona que, além do poder papal, e dos nobres reis europeus, a classe dos pedreiros medievais formava uma ala privilegiada na sociedade da época. A razão disso reside no fato de que os mesmos possuíam o conhecimento geométrico e arquitetônico para formarem as mais belas “casas” do Senhor. Pennick (1980) é categórico ao afirmar sobre as contribuições matemáticas e estéticas que os pedreiros medievais nos legaram. A própria sociedade de corporação de pedreiros medievais, que desfrutava ótima reputação social na época, seguia, não raras vezes, a linha de pensamento dos pitagóricos que, como vimos, exprimiam que a ordem do universo estava contida nos números, ou seja, todas as manifestações da natureza, principalmente a fauna e a flora, faziam parte de uma incrível estrutura matemática e geométrica. Os pitagóricos, assim como os pedreiros medievais, não descartavam a ideia que a ordem e a estética do mundo, observadas pelos conceitos geométricos, eram resultados de uma ordem divina, ou seja, o precursor dessa estética seria simplesmente a divindade. Como demonstra Heath (2010), os pedreiros medievais desejavam experimentar

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

as teorias dos pitagóricos em suas próprias construções. Muitas igrejas e castelos medievais foram construídos a partir do que conhecemos como “Geometria Sagrada”. Tal Geometria desejava ser a ilustração do cosmos ou uma representação do macrocósmico. A geometria – termo que significa “a medição da terra” – talvez tenha sido uma das primeiras manifestações das civilizações em seu nascedouro. Instrumento fundamental que subjaz a tudo o que é feito pelas mãos humanas, a geometria desenvolveu-se de uma habilidade primitiva a manipulação da medida que nos tempos antigos era considerada um ramo da magia. Naquele período antigo, a magia, a ciência e a religião eram de fatos inseparáveis, faziam parte do conjunto de habilidades possuídas pelo sacerdócio. A harmonia inerente à geometria foi logo reconhecida como expressão mais convincente de um plano divino que subjaz ao mundo, um padrão metafísico que determina o padrão físico. Esta realidade interior, que transcende a forma exterior, continuou a ser ao longo de toda a história a base das estruturas sagradas. A proporção e a harmonia seguem naturalmente o exercício da geometria sagrada, que parece correta porque ela é correta, ligada como está metafisicamente à estrutura esotérica da matéria. Assim, a geometria sagrada diz respeito não só às proporções das figuras geométricas obtidas segundo a maneira clássica com o uso da régua e compassos, mas também às relações harmônicas das partes de um ser humano com um outro; à estrutura das plantas e dos animais; às formas dos cristais e dos objetos naturais- a tudo aquilo que for manifestações do continuum universal (PENNICK, 1980, p. 7-8).

Musquera (2010), com outros historiadores, admite que esses pedreiros, responsáveis pelas mais belas construções medievais, comungavam com esse conhecimento geométrico-matemático, a ponto de formarem verdadeiros clubes secretos ou iniciático-herméticos, onde se dedicavam ao estudo da simbologia, da natureza geométrica e místicas dos elementos, além de profundas pesquisas na área da Matemática, Geometria, Engenharia, Arquitetura e Artes. Embora esses grupos estivessem lidando com ciências empíricas, por exemplo, a Matemática, os mesmos acreditavam que estavam manipulando os mistérios “divinos” da natureza, sendo assim, o trabalho dessas associações, além do cunho secreto, tinha um embasamento místico-religioso. O importante é vislumbrarmos que, mesmo com os estudos científicos aplicados à Matemática, esses grupos possuíam a arraigada convicção de que seus trabalhos estavam envolvidos com certo misticismo e, para não caírem nas mãos da Inquisição, decidiram estudar suas “ciências” aos moldes do sigilo. A ciência de então se desenvolvia, mais uma vez, sob um véu de mistério e misticismo. Belussi et al. (s/d) argumentam que o matemático italiano Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci, nascido por volta de 1175, foi quem melhor sistematizou a chamada Proporção Áurea ou a sequência numérica, que fornecia a proporção para a construção e a geometrização dos edifícios. Foi esse mesmo matemático que descobriu, através da utilização do famoso Número Áureo ou Proporção Áurea, cujo valor é de 1,618, que essa sequência numérica, além de fazer parte da geometria de diversas construções, como o Panteão de Atenas, também era possível em proporções da própria natureza. Em termos gerais, podemos citar o seguinte trecho de Pennick (1980) sobre as descobertas de Fibonacci: Em toda progressão ou série crescente de termos que tem como a razão entre os termos que se suce-

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

99

dem, cada termo é igual à soma dos dois precedentes. Esta propriedade singular permite a manipulação de toda a série. Todos os outros termos sucessivos podem ser construídos, a partir de dois deles, por movimentos simples do compasso. Esta série numérica, conhecida agora pelo nome de Série Fibonacci, foi há muito tempo reconhecida como um princípio que ocorre na estrutura dos organismos vivos e, por conseguinte, um princípio inerente à estrutura do mundo. Sua construção é enganosamente fácil: o termo seguinte é a soma dos dois termos anteriores, isto é, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, e assim por diante. O arranjo das folhas de um vegetal, as hipotênares da pata do gato e as espirais das conchas formainíferas microscópicas são governados pela Série Fibonacci (PENNICK, 1980, p. 26).

A descoberta de Fibonacci foi possível graças aos antigos trabalhos dos grupos pitagóricos, como analisamos no início deste artigo. Fibonacci foi mais afundo em seus estudos, o que contribuiu para os avanços da Matemática e na padronização das construções dos pedreiros medievais.

1.2.2 Estudos Alquímicos

Outra grande contribuição para o desenvolvimento científico se deve aos estudos alquímicos promovidos por estudiosos e místicos, sobretudo na Idade Média. Não será nosso propósito investigar sobre explicações da prática alquímica. Ao contrário, a iniciativa é de uma rápida revisão para vasculharmos como esses estudiosos manipulavam elementos naturais que levaram aos princípios da Química Moderna. Stavish (2011) argumenta que, assim como os pedreiros medievais trabalhavam sobre a vigilância do sigilo, os grupos alquimistas agiam da mesma forma. Esse mesmo autor afirma que existiam

100

grandes relações entre os grupos de pedreiros medievais e os alquimistas. O argumento de Stavish (2011) faz sentido, quando corroborado com Kinney (2010). Ambos os grupos, sobretudo os alquimistas, trabalhavam sob o conceito de que estavam manipulando aspectos divinos da natureza. Os pedreiros manipulavam a matéria através da Geometria Sagrada, já os alquimistas promulgavam a combinação de elementos químicos para o desenvolvimento de processos químicos que beneficiariam o ser humano,4 como a fabricação de remédios. Cotnoir (2009) alega que apesar das inúmeras contribuições atribuídas aos alquimistas à Química Moderna, esses mesmos grupos trabalhavam sob a perspectiva de que toda a natureza, que possivelmente Deus criou, poderia ser reproduzida em laboratório, por isso foram tão perseguidos, principalmente pela Inquisição. Assim sendo, os alquimistas viram a necessidade de se tornarem clubes secretos ou herméticos. Porém, o desenvolvimento da Alquimia não ocorria totalmente na clandestinidade, homens de profunda fé católica praticavam seus experimentos dentro dos próprios mosteiros medievais, como é o caso do frade franciscano Roger Bacon (1214-1294) que ganhou o título de “Doutor Admirável”. Churton (2009) admite que Bacon fora um homem além de seu tempo, seus inúmeros estudos sobre Óptica e Mecânica foram fundamentais para posteriores descobertas, além de intensos trabalhos na área da Alquimia. Cotnoir (2009) também nos apresenta Santo Alberto Magno (1193-1280) que, no século XIII, desenvolveu diversos estudos e experimen4

Os alquimistas são ainda muito conhecidos no meio contemporâneo. É muito comum lembrarmo-nos da mística existente em torno dessas sociedades, como por exemplo, a busca pela transformação do metal em ouro, da panaceia e da pedra filosofal. Não é errôneo acreditarmos que os antigos alquimistas se empolgavam com suas descobertas e, assim, criavam toda uma mística “utópica” em torno das mesmas. Tal mística não era vista com bons olhos pela Inquisição Católica. Para tanto, transformaram-se, naquela época, em uma espécie de sociedade secreta, ou melhor dizendo, em grupos herméticos, abertos somente aos iniciados na arte alquímica.

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

tos químicos com o cinábrio, por exemplo. Alberti foi um árduo defensor de que a ciência e a religião deveriam ser parceiras. Paracelso (1453-1541), como menciona McIntosh (2001), por sua vez, talvez seja o alquimista mais famoso. Suas teorias e experiências, embora de cunho bastante esotérico, revolucionaram os experimentos químicos em benefícios dos tratamentos médicos, já no início da Era Moderna. Enfim, os experimentos alquímicos tiveram seu ápice no decorrer da Idade Média. Entretanto, o pensamento alquímico, na essência de suas teorias, influenciou e influencia estudiosos contemporâneos como o psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), que estudou profundamente o simbolismo alquímico dentro do contexto psicoterapêutico.

2. Idade moderna e a fundação da academia para a promoção da Ciência Ocidental, A Royal Society

O que foi esboçado até o momento mostra que a evolução científica, sobretudo na Idade Média, ocorreu de forma lenta, porém com significativos progressos. A religiosidade, os duros dogmas do catolicismo e a vigilância contínua da Inquisição não foram suficientes para frear o implacável desejo do homem pelo conhecimento e pela exploração dos enigmas da natureza. O desafio de explorar conceitos não dominados pelos dogmas religiosos impulsionou a criação de grupos, geralmente secretos e herméticos, para o estudo e o desenvolvimento de conceitos científicos. Como analisamos, esses grupos estavam imbuídos de misticismo e religiosidade bem característicos do tempo medieval, entretanto eram sedentos por obterem um conhecimento mais racional sobre o universo, diferente daqueles postulados pelos dogmas da religião dominante. A mudança no cenário ocidental, com o enfraquecimento do poder da Igreja Católica, tanto no cenário político quanto religioso, foi fator fundamental para a abertura de um período conhecido como Renascimento e o consequente florescimento da Idade Moderna.

Capra (2003) comenta que tal mudança fora muito importante para o progresso da ciência, mesmo assim, o novo momento histórico não retirou o sentimento de religiosidade do homem moderno, que se inspirou principalmente em temas religiosos para o desenvolvimento artístico e cultural, como é possível observar nas obras de arte da época renascentista, por exemplo. A religiosidade estava impregnada nos espíritos de homens como Copérnico (14731543) e Galileu (1564-1642), que se tornaram baluartes da revolução científica, principalmente no campo da Astronomia. Barbour (2004) lembra que esses dois nomes influenciaram profundamente os novos cientistas do mundo Moderno e Contemporâneo. Mesmo com a perseguição eclesiástica, ressaltada, principalmente, no caso de Galileu, uma ponte se abria para a futura separação entre ciência e religião. Essa separação lenta e gradual não foi característica do início da Idade Moderna, pois como será explanado, homens profundamente ligados às questões religiosas e místicas fundariam em Londres a mais antiga instituição para a promulgação da ciência, a Royal Society. Antes de entendermos a constituição da Royal Society, é importante a análise do ambiente da Idade Moderna em que as investigações científicas tinham, de fato, um entrelaçamento religioso. O panorama europeu foi instigador para que ciência e religião ainda permanecessem unidas. O cenário, ao mesmo tempo em que suscitava essa união, preparou um solo fértil para a separação entre a ciência frente à religião. Essa mudança de cenário deu-se graças à mudança de mentalidade do povo da época, incluindo a descentralização do poder eclesiástico e, mais uma vez, à influência de sociedades secretas de cunho esotérico e hermético. Parece contraditório fazer tal afirmação, porém, tal teoria é confirmada por documentos e explanada por McIntosh (2001) e Churton (2009). Esses autores argumentam que o Renascimento impulsionou a retomada dos estudos das antigas religiosidades e tradições

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

101

pré-cristãs. O que fora discretamente estudado durante a Idade Média passou, nesse momento, a fazer parte dos círculos intelectuais e ser amplamente estudado por escolas, por exemplo, a escola filosófica de Florença que, patrocinada pela nobre família dos Médici, traduzia e estudava antigos textos neoplatônicos, gnósticos, cabalísticos e ocultistas. A Idade Moderna inaugurou-se com uma profunda mudança social, religiosa e científica. Cortes da alta nobreza de diversos países eram fortemente influenciadas pelas ideias humanistas e científicas da época. McIntosh (2001) argumenta que a modernidade trouxe, além da curiosidade pela exploração da natureza, o interesse dos filósofos e eruditos pelas já citadas culturas e religiosidades da Antiguidade. Ou seja, o moderno e o antigo se misturavam entre os estudiosos daqueles tempos. Galileu tinha começado a apontar o seu telescópio para a superfície da Lua; Copérnico introduzira o conceito do sistema planetário heliocêntrico; as Américas tinham sido descobertas; o globo fora circunavegado. Por toda a parte, assistia-se a uma grande expansão de horizontes. Nessa atmosfera, houve aqueles que sentiram que a humanidade achava-se diante da oportunidade de criar um diferente tipo de visão, abarcando a sabedoria do passado e as novas perspectivas que se ofereciam (McINTOSH, 2001, p. 63).

Churton (2009) argumenta que todo o impacto trazido pelas descobertas da Era Moderna ocasionou uma revolução social e comportamental de caráter coletivo. Eram fortes os rumores de que uma nova era estava para se iniciar, sobretudo no campo da espiritualidade. Os estudos das antigas tradições religiosas pré-cristãs fizeram que surgissem grupos de caráter esotérico e que pronunciavam o iminente advento de uma nova era. Um desses grupos é a conhecida fraternidade Rosa Cruz.

102

Não é intuito deste trabalho apregoar sobre concepções de grupos místicos, como os Rosa-Cruzes, entretanto assim como delimitamos toda a pesquisa, temos visto que a evolução científica recebeu a ajuda de grupos herméticos, que contribuíram fortemente para o desenvolvimento científico, embora envolvendo em suas fórmulas conceitos esotéricos. Esses grupos exerceram forte influência em diversas cortes europeias. O estudo da Alquimia proliferou, os interesses pelos campos da Química e da Física tomaram conta da mente de grandes personalidades do período. Como menciona Lomas (2007), os experimentos e as explorações no campo da Física, Química e Astronomia se espalharam por toda a Europa. Com todos esses desenvolvimentos e pensando ainda no viés do misticismo, devemos voltar nossa atenção à Inglaterra. Até o momento, vimos o desenrolar da ciência encoberto por um véu de religiosidade e de misticismo. Essa situação da ciência não mudou até o início da Era Moderna. Como observado no item anterior, os cientistas, imbuídos de certo racionalismo, ainda carregavam consigo resquícios de religiosidade. O objetivo deste trabalho tem sido estudar como sociedades secretas influenciaram o desenrolar da ciência até chegarmos à cientificidade, tal qual temos hoje. Essa situação não é diferente quando visualizamos o pano de fundo europeu do século XVII. Porém, haverá uma mudança, mais precisamente na Inglaterra, com a fundação da Royal Society. Devemos voltar o foco para a Inglaterra do século XVII. Assim como na Europa continental, a evolução científica fervilhava entre os intelectuais ingleses. Lomas (2007) argumenta que na Inglaterra desse período os aspectos místicos e científicos ainda se misturavam. Grandes intelectuais estavam em busca de uma verdade empírica para os fenômenos da natureza, mas mesmo assim, os mesmos intelectuais não excluíam de seus estudos a existência de uma realidade superior/divina, ou seja, a ciência não estava depreendida da religião, ao menos por enquanto.

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

Devido à necessidade de organizar os estudos científicos ingleses, o erudito Sir Robert Moray, em 1660, com mais doze intelectuais, se reúnem em Londres e fundam a primeira sociedade científica do Ocidente, a Royal Society. Tal clube tornou-se símbolo do cientificismo moderno, mas inicialmente, ao que tudo indica, seus fundadores estavam influenciados por ideias místicas e esotéricas, embora pensassem na ciência experimental. Aprendi, como jovem cientista, que uma das maiores honras à qual pode aspira um membro da comunidade científica é tornar-se Companheiro da Real Sociedade. Trata-se da mais velha e mais respeitada sociedade científica do mundo; os nomes de seus antigos membros vivem no meio dos físicos que eu estava estudando. Observando a lista dos antigos membros, era como se eu lesse o índice de um livro- Lei de Hooke; Lei de Boyle; Construção de Huygen; Lei de Newton; Teorema de Leibniz; Movimento Browniano; e isso ignorando os cientistas menores como Christopher Wren, John Evelyn, John Wilkins; Elias Ashmole; John Flamsteed e Edmund Halley. Mas os homens que fundaram essa sociedade não eram apenas os primeiros cientistas, eram também os últimos buscadores. Ashmole pertencia a uma sociedade de rosa-cruzes e era um astrólogo prático; Newton estudou e escreveu a respeito da Sociedade Rosa-Cruz. Os rosa-cruzes, que tomaram seu nome do símbolo da rosa e da cruz, ensinaram a respeito da harmonia mágica das esferas que indiretamente afetavam a harmonia do mundo (LOMAS, 2007, p. 15).

Segundo Lomas (2007), a maioria dos fundadores da Royal Society tinha uma consciência de universalidade e fraternidade. En-

tre os fundadores havia escoceses e ingleses que, na época, estavam em guerra política. Essa união demonstrava o amor pela ciência e pelo conhecimento. O autor argumenta que ideais maçônicos influenciaram os fundadores da Real Sociedade. Como retoma Musquera (2010), a Maçonaria ainda não estava formada nessa época, mas, não obstante, muitos de seus ideais já fervilhavam nos meios da alta sociedade. Como mencionado no início do artigo, os maçons ou os pedreiros medievais, formavam um rico círculo de construtores de catedrais. E foi no final da Idade Média e início da Idade Moderna que muitos não pedreiros foram iniciados nas confrarias de construtores para que a Maçonaria não se extinguisse. Iniciações como a de Sir Moray ocorreram nesse período de transição. O envolvimento da Maçonaria nos primórdios da Royal Society é bastante discutido e defendido por Lomas (2007). Grande parte de seus escritos versa acerca da comprovação de que boa parte de seus fundadores e posteriores membros faziam parte da Maçonaria, que se formava como uma filosofia justamente no mesmo período da formação da Real Sociedade. Não devemos nos prolongar sobre o envolvimento da Maçonaria na fundação da Royal Society. Porém, um dos parâmetros que muito assemelham essas distintas instituições consistia no não envolvimento de assuntos no tocante à religião e política em suas reuniões. O que os estudiosos não negam, como Barbour (2004), é que os fundadores da Ciência Moderna possuíam o mesmo “espírito” de seus ancestrais cientistas, ou seja, eram crédulos na existência divina e, muitas vezes, estavam envolvidos com a Alquimia e a Astrologia. Para encerrar nossa discussão, trazemos em pauta uma recente descoberta feita por pesquisadoras brasileiras nos arquivos históricos da Royal Society. Haag (2012) que intitula seu artigo como “Uma Incômoda Pitada de Magia”, comenta que duas pesquisadoras brasileiras encontraram recentemente

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

103

uma carta trocada entre membros da Sociedade que continha pó alquímico. Esse pequeno envelope, encontrado no rodapé da carta, é uma prova incontestável de que os fundadores de tal sociedade que viria ser o clube da Razão e do puro Cientificismo, estavam ainda arraigados às práticas que denotavam crenças esotéricas, como é o caso da Alquimia. Apesar da expressiva religiosidade e até mesmo do misticismo envolto aos fundadores da Royal Society e da possível ligação com o movimento maçônico defendido por Lomas (2007), sabemos que a Idade Moderna trouxe o desmembramento definitivo entre Ciência e religião. A Royal Society, desde sua fundação, planejou ser o cenário perfeito para a discussão da ciência com enfoque nas leis empiristas. A espessa cortina que abarcava ciência e religião se dissipou com a fundação de tal Sociedade, sobretudo durante seu desenvolvimento e amadurecimento e nas consequentes revoluções racionais que eclodiram naquela época.

Considerações finais

Tudo o que foi tratado no decorrer do artigo leva-nos a crer que o desenvolvimento científico ocorreu desde todo o sempre, mesmo nos períodos mais difíceis e mais agressivos, como foi o caso da Idade Média com a pesada vigilância da Inquisição. Este artigo tencionou, em linhas gerais, demonstrar que o desenvolvimento científico também ocorreu sob um véu de religiosidade e misticismo. Historicamente, e não de forma generalizada, a religião, de certo modo, debateu contra os cientistas que não aceitavam os dogmas impostos. Como desejou apontar este artigo, o desenvolvimento científico, pelo menos um protótipo de ciência tal qual temos hoje, ocorreu abaixo dos “olhos” da religião, por meio de sociedades secretas que, embutidas de um caráter iniciático, esotérico e hermetista, instigavam seus iniciados a buscarem a verdade por meio do uso da razão. Ao analisarmos essas sociedades ditas herméticas à luz do cientificismo atual,

104

podemos indagar que existe pouca ou quase nenhuma ciência entre os seus membros que, mergulhados em símbolos místicos, acreditavam na Cabala e na Astrologia. Não obstante, devemos observar por outro viés, pois esses homens que não se submeteram à “verdade dogmática” imposta pela religião e, mesmo imbuídos de hermetismo de especulações místicas, acabaram por influenciar o desenvolvimento científico do Ocidente. É certo que, com o passar do tempo, o misticismo e o hermetismo, que margeavam com experimentos científicos, foram sendo deixados de lado até que a razão empírica ganhasse força, fazendo que o passado “místico” da ciência permanecesse distante ou, como alguns preferem, quase esquecido. Porém, o encontro entre o científico e o místico ainda ocorria no século XVII, com a fundação da eminente Royal Society, em Londres. Historicamente, sabemos que muitos de seus membros iniciais eram homens de fé e que compartilhavam de conhecimento e interesse no esoterismo. Para encerrarmos, trazemos um trecho da obra de Barbour (2004): Os fundadores da ciência moderna expressam com freqüência sua admiração sua admiração pela harmoniosa coordenação da natureza, que viam como obra de Deus. Newton dizia que o olho não poderia ter sido inventado sem conhecimentos de ótica, e Robert Boyle enaltecia os indícios, por toda parte na ordem natural, de um planejamento benevolente. No século XVIII, o mundo era visto como um relógio mecânico, e o Deus relojoeiro do deísmo como seu projetista. Mas o filósofo David Hume apresentou uma ampla crítica do argumento do planejamento. Observou que o princípio organizador responsável pelos padrões na natureza pode estar nos organismos e não fora deles. Quanto muito, disse ele, o argumento indicaria a existência de um deus finito, ou de vários deuses, e não do Criador

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

onipotente do monoteísmo. Alegou também que a presença do mal e do sofrimento no mundo aniquila a tese tradicional de planejamento (BARBOUR, 2004, p. 44).

O argumento de Barbour (2004) faz uma síntese do que expressamos neste artigo. O autor sintetiza a maneira pela qual a ciência se desvinculou da religião, mas deixa claro que

existiu um não tão remoto envolvimento entre o científico e o misticismo. A citação de Barbour fecha este trabalho que, de modo geral, e mesmo superficial, procurou expor como a ciência esteve atrelada a crenças esotéricas. O pesquisador que se interessar pelo assunto encontrará uma vasta literatura que trata desta importante, e ao mesmo tempo, polêmica faceta da História da Ciência.

Referências BARBOUR, Ian. Quando a Ciência Encontra a Religião. São Paulo: Cultrix, 2004. BELUSSI, Giuliano, et al. Número de Ouro. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, S/D. Disponível em: http://www.mat.uel.br/geometrica/artigos/st-15-tc.pdf. Acesso em: 05/02/2016. BETTENCOURT, Estevão. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Gráfica Itaci, s/d. ______. Curso de História da Igreja. Rio de Janeiro: Gráfica Itaci, s/d. CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus: Mitologia Ocidental. São Paulo: Palas Athena, 2008. CAPRA, Fritjof. Pertencendo ao Universo: Explorações nas Fronteiras da Ciência e da Espiritualidade. São Paulo: Cultrix, 2003. CARVALHO, Paulo. Mistério e Misticismos das Iniciações. Londrina: A Trolha, 2000. CHURTON, Tobias. A História da Rosa-Cruz: Os Invisíveis. São Paulo: Madras, 2009. COTNOIR, Brian. Introdução à Alquimia. São Paulo: Pensamento, 2009. EDINGER, Edward. A Psique na Antiguidade. São Paulo: Cultrix, 2005. ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas I: da Idade da Pedra aos Mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. HAAG, Carlos. Uma Incômoda Pitada de Magia. São Paulo: Fapesp, 2012. Disponível em: http:// revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2012/09/018 025_CAPA_alkahest_199NOVO-TEXTO.pdf. Acesso em: 05/02/2016. HEATH, Richard. Geometria Sagrada e as Origens da Civilização. São Paulo: Pensamento, 2010. JUNIOR, Auterives. Pré-Socráticos: A Invenção da Razão. São Paulo: Odysseus, 2003. KINNEY, Jay. O Mito Maçônico. Rio de Janeiro: Record, 2010. LOMAS, Robert. A Maçonaria e o Nascimento da Ciência Moderna. São Paulo: Madras, 2007. LURKER, Manfred. Dicionário de Simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. McINTOSH, Chistopher. A Rosa e a Cruz: História, Mitologia e Rituais das Ordens Esotéricas. Rio de Janeiro: Nova Era, 2001. MUSQUERA, Xavier. As Chaves e a Simbologia na Maçonaria: Ocultismo Medieval. São Paulo: Madras, 2010. PENNICK, Nigel. Geometria Sagrada. São Paulo: Pensamento, 1980. Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

105

ROUGIER, Louis. A Religião Astral dos Pitagóricos. São Paulo: Ibrasa, 1990. STAVISH, Mark. As Origens Ocultas da Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2011. Submetido em: 17-4-2015 Aceito em: 20-3-2016

106

Impulso, Piracicaba • 25(64), 93-106, set.-dez. 2015 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.