Um estudo da retórica testemunhal em “O que é isso, companheiro?,” de Fernando Gabeira

June 13, 2017 | Autor: Leonardo Rommel | Categoria: Literatura brasileira, Ditadura Militar, Literatura Brasileira Contemporânea
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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 02 – 2015 ISSN 1809-3264 Página 1 de 107

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REVISTA QUERUBIM Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais Ano 11 Número 26 Volume 2 ISSN – 1809-3264

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REVISTA QUERUBIM NITERÓI – RIO DE JANEIRO 2015

NITERÓI RJ

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Revista Querubim 2015 – Ano 11 nº 26 – vol. 2 – 107 p. (junho – 2015) Rio de Janeiro: Querubim, 2015 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Paolo Vittoria Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

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Sumário 01

O ápice do fetichismo: administração, educação e controle social – Jean Henrique Costa, Thadeu de Sousa Brandão e Tássio Ricelly Pinto de Farias

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A constituição do sujeito e o espaço em “O Quinze” de Raquel de Queiroz – Karina Luiza de Freitas Assunção e Dayane Bezerra Um estudo da retórica testemunhal em “O que é isso, companheiro?,” de Fernando Gabeira – Leonardo von Pfeil Rommel Gramática: sentidos que emergem nos PCNs – Marcia Ione Surdi, Jéssica Cofsevicz e Paola Conrado Palharini Ensino monolíngue em ambiente artificial: o uso “camuflado” da língua materna – Márcia Helena Sauaia Guimarães Rostas e Muriel da Silva Tadeu A influência das teorias pedagógicas no contexto da educação brasileira: ensino, currículo, gestão e formação de professores – Marcos Vinicius Santos Dourado, Inaiane de Deus Fonseca e Maysa Martins da Silva Políticas linguísticas, práticas pedagógicas e sustentabilidade na educação – Maria Zenaide Farias de Araújo, Janete Silva dos Santos e Elbia Haydée Difabio O artigo de opinião: materialização de novas práticas sociais de linguagem – Marta Aline Buckta e Marilúcia dos Santos Domingos Striquer A formação e a profissionalização docente na contemporaneidade – Olmira Bernadete Dassoler e Denise Maria Soares Lima O encontro com a docência e a compreensão da escolha profissional – reflexões de um PIBID interdisciplinar – Rosangela Bukoski, Sanura Mozele Freitag Ludwig, Elocenir Becker e Morgana Fabiola Cambrussi As novas tecnologias e as mudanças no perfil do leitor e nas práticas pedagógicas – Rosiney Aparecida Lopes do Vale e Marilúcia dos Santos Domingos Striquer O uso de materiais didáticos na educação infantil: estudo comparativo de práticas e saberes docentes em instituições públicas e privadas – Tatiane Kelly Pinto de Carvalho, Pauliane Ribeiro, Raissa Cibele Nunes e Silene Rodrigues da Silva Uma leitura de “as línguas na amazônia e sua história social” de José Ribamar Bessa Freire – Tayson Ribeiro Teles Indisciplina e vontade de poder: possíveis relações – Vanessa Bugs Gonçalves RESENHA GIANNOTTI, José Arthur. Universidade em ritmo de barbárie. São Paulo: Editora Brasiliense. 1986 (P. 33-41) - Thays Lima Alencar, José Wilker Lima da Cunha e Rodrigo Fraga Garvão

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O ÁPICE DO FETICHISMO: ADMINISTRAÇÃO, EDUCAÇÃO E CONTROLE SOCIAL Jean Henrique Costa1 Thadeu de Sousa Brandão2 Tássio Ricelly Pinto de Farias3 Resumo O presente escrito procura discutir, sob a configuração de ensaio, a forma pela qual a chamada “administração científica” se enquadra em um esquema sociotécnico de criação e reforço ideológico em prol do Capital e de sua reprodução. Através da tradição marxista, partindo da noção de ideologia em Marx e atravessando autores contemporâneos como Adorno, Horkheimer, Marcuse, Fromm, Mészáros e Žižek, pretende-se aqui mostrar como o discurso pretensamente científico da administração fornece mecanismos para a plena fetichização e reificação do sujeito, tornando-o instrumento dócil de controle do Capital e de manutenção e reprodução da ordem capitalista. Palavras-chave: Administração; Ideologia; Fetichismo; Dominação. The apex of the fetishism: administration, education and social control Abstract This paper discusses, as configuration test, the way in which the so-called "scientific management" fits in a creation socio-technical graph and ideological reinforcement in favor of capital and its reproduction. Through Marxist tradition, starting at ideology’s standpoint in Marx and through contemporary authors such as Adorno, Horkheimer, Marcuse, Fromm, Mészáros and Žižek, it is intended here show how the allegedly scientific discourse administration provides mechanisms for full fetishization and reification of the subject, making it docile instrument of control of the capital and maintenance and reproduction of the capitalist order. Keywords: Administration; Ideology; Fetishes; Domination. Há, de forma simplificada, duas formas básicas de se iludir: uma voluntária, na qual o sujeito, consciente ou inconscientemente, submete-se ao julgo de ideias que lhe são alheias, mas que possuem certa positividade; ou uma involuntária, forma pura de imposição de ideia exterior na qual o indivíduo de sábia consciência não admitiria (pelo menos não em plenitude). Afirmamos neste ligeiro ensaio que a denominada escola de administração, já alegoricamente chamada por Frederich W. Taylor de administração científica, enquadra-se objetivamente num racionalizado esquema sociotécnico de criação e reforço de ideologias em prol do capital. Isto é, de ideias estranhas ao bom senso da emancipação do sujeito. Em outras palavras: uma escola sistemática, metódica e administrada de ilusões: grande fábrica de reificação do sujeito e planejado moinho de fetichismo da modernidade capitalista. Não importa a escola, enfoque ou modelo administrativo: iludir-se aí pode significar tanto uma adesão voluntária ou involuntária: o cerco é crescente e o fermento construtor da ilusão ganha força a cada dia. Não precisamos nos estender muito para dizer que as áreas básicas da Sociólogo e Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: [email protected] 2 Sociólogo e Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA. E-mail: [email protected] 3 Filósofo e Mestrando em Ciências Sociais e Humanas (UERN). Professor da Faculdade Evolução do Alto Oeste Potiguar – FACEP. E-mail: [email protected] 1

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administração não passam de engodos racionalmente aceitos e estrategicamente planejados. Neste ligeiro ensaio discutiremos quatro (04) dos muitos engodos existentes. O primeiro deles é a chamada gestão de pessoas. Sua missão básica é prover as empresas de talentos, retê-los e administrá-los como seres humanos, isto é, como colaboradores. Ora, sob relações capitalistas, não há gestão humana do trabalho. Marx (1983, p. 263) já demonstrou que “o motivo que impulsiona e o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior autovalorização possível do capital, isto é, a maior produção possível de mais-valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho pelo capitalista”. Portanto, a exploração do trabalho é estrutural na produção capitalista. Uma suposta gestão humana no trabalho, nesse sentido, opera, no máximo, como “o esforço despendido nas tentativas de transformar o trabalho, de adversário estruturalmente irreconciliável, no cúmplice dócil do capital” (MÉSZÁROS, 2002, p. 22). Na concepção de Marcuse (1973, p. 18), na sociedade atual “a tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle e coesão social”. Assim, os mecanismos de administração e dominação avançam silenciosamente e, o pior, tornam-se a cada dia mais eficientes e imperceptíveis: avançam sobre o inconsciente. Doravante, os indivíduos já não se veem como tendo o dever de se opor a essa tendência de administração total da cultura. Aí reside o motivo de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno terem perdido a esperança na revolução proletária: a classe trabalhadora havia perdido sua consciência revolucionária, posto que, já não se sentia explorada (dominada) como nos tempos do capitalismo industrial. Fica evidente que, aos poucos, “a dominação se transfigura em administração” (MARCUSE, 1973, p. 49). Exemplos não cessam de nascer na tentativa de tornar dócil o trabalhador. Um bom exemplo é a chamada gestão da qualidade de vida no trabalho. Especificamente, como demonstram Dourado e Carvalho: Quanto aos programas de qualidade de vida no trabalho, ao propor descentralização do processo decisório, maior aproximação entre concepção e execução do trabalho, melhoria nas condições do ambiente e no sistema de recompensas, por exemplo, conjugam em uma só estratégia de gestão vários meios de manutenção do homem alienado e cada vez mais refém do processo econômico do qual é recurso [...] As recompensas diretas e indiretas, as condições do ambiente de trabalho seguras e atrativas, a concepção do trabalho, a autonomia e participação do indivíduo, a imagem social da empresa e o equilíbrio entre trabalho, família e lazer promovem, na realidade, a instrumentalização do indivíduo no trabalho através de métodos cada vez mais sofisticados de controle social (DOURADO; CARVALHO, 2006, p. 05-12, grifos nossos).

Nas palavras de Padilha (2010, p. 555), esses programas de qualidade de vida no trabalho (QVT) se tornam um “‘meio’ para maquiar problemas de ordem estrutural (na organização e na sociedade); para reforçar uma ideologia do ‘pão e circo’ e para focar no indivíduo, desviando a atenção de que se trata de um problema do sociometabolismo do capital”. Deste modo, pensar uma gestão de pessoas é, sobretudo, pensar nas formas nas quais o capital gerencia sua reprodução ampliada. Os rótulos de trabalhador como “colaborador” servem fortemente como estratégia de flexibilização e, portanto, precarização da força de trabalho. A docilidade é sua meta. Como adverte Adorno (1996, p. 80), “diante dos caprichos teológicos das mercadorias, os consumidores se transformam em escravos dóceis”, abdicam das suas vontades, “[...] deixando-se enganar totalmente”. Por isso, na tentativa de obtenção de maior produtividade e, ao mesmo tempo, de impedir que os trabalhadores enxerguem as formas plurais de exploração que perduram, os capitalistas (ou administradores) têm buscado encontrar estímulos para que os trabalhadores produzam satisfeitos. É aí que entram em cena os excitantes externos oferecidos pela ideologia da indústria cultural.

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Em Adorno, essa indústria cultural seria uma espécie de propaganda do mundo. Um instrumento nas mãos dos gestores da ideologia para, através do consumo alienado, impedir que os indivíduos reflitam sobre suas reais condições de vida e trabalho. Dessa forma, seria ela um mecanismo técnico que visa a manutenção do status quo do modo de produção capitalista. Portanto, as supostas melhorias salariais, unidas ao consumo (estimulado por essa indústria cultural) são estratégias que visam a manutenção da própria exploração por meio do controle e docilização dos indivíduos. Como o trabalho tem sido (ou sempre foi) visto como meio para um fim – entendendo-se esse fim por consumo – aos poucos os trabalhadores vão sendo convencidos de que suas condições de trabalho estão melhorando por simplesmente poderem estar consumindo mais. O que esquecem, é que esse mecanismo visa justamente a manutenção dos seus estados reais de trabalhadores-consumidores. Como exemplo, temos o caso de funcionários que recebem ao fim do ano a chamada PL (participação nos lucros), que seria não mais que uma estratégia para fazer todos os “colaboradores” trabalharem mais, para ganharem mais e, consequentemente, consumirem mais. Observa-se, como disseram Adorno e Horkheimer (1985, p. 110), que os trabalhadores cada vez mais “insistem na ideologia que os escraviza”: o consumo. Mas as ilusões não cessam com a gestão de pessoas. O segundo engodo, prosseguindo nosso ensaio nada idílico aos olhos do status quo capitalista, refere-se ao marketing. Novamente frisando: grande arte de iludir e mentir. Prescrever necessidades que não temos e convencer de que produtos ruins são de fato bons tem sido a grande razão de ser do marketing, sobretudo o marketing promocional. Nossa atual cultura do consumo encontra seu perfeito complemento num superego dedicado ao gozo. O imperativo é que se deve consumir, comprar, comer, beber, transar, etc. A lógica da imposição é que se você não estiver fazendo essas coisas não será feliz. Para Erich Fromm (1965) o sistema necessita de homens que se sintam livres, mas que, sutilmente, também estejam dispostos a obedecer, enquadrando-se na máquina social sem atrito. “Homens que possam ser guiados sem a força, liderados sem líder, movidos sem objetivo, exceto o objetivo de estar em marcha, de funcionar, de avançar” (FROMM, 1965, p. 83). Para Fromm, o homem moderno é um consumidor passivo, que aceita bebidas, alimentos, cigarros, conferências, panoramas, livros, cinema e música sem questionar exatamente o fundamento da aceitação. “O homem tornou-se o amamentado, o que espera sempre – e o eternamente desapontado” (FROMM, 1965, p. 82). Como bem disse Marcuse (1973, p. 26): A maioria das necessidades comuns de descansar, distrair-se, comportar-se e consumir de acordo com os anúncios, amar e odiar o que os outros amam e odeiam, pertence a essa categoria de falsas necessidades [...] Tais necessidades têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o indivíduo não tem controle algum; o desenvolvimento e a satisfação dessas necessidades são heterônomos.

Prontamente, sob o capitalismo tardio, o sujeito consome abundantemente coisas que não precisa e, ainda, cada vez mais, de qualidade pouco durável. A capacidade de manipulação dos desejos e da criação de justificativas em prol do capitalismo tem sido uma das grandes armas ideológicas do século XXI. Nesse sentido, o marketing promocional se tornou um forte aliado nesta guerra ideológica pró-capitalismo. Lembremos que Marx, em O Capital, expõe o caráter fantasmagórico da mercadoria no capitalismo, sistema que a produz. Explicita, através do conceito de “fetichismo da mercadoria”, como relações sociais passam a ser mediadas por “coisas”. O fetichismo faz surgir uma ilusão de que somos mediados por pessoas, quando na verdade são as mercadorias fazem isso por nós. Essa relação se torna substancial e imperceptível, ao menos diretamente.

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Entrementes, o consumo passa a ser o grande mediador das relações sociais. Segundo Milton Santos (2003), o consumo – veículo de narcisismos – se torna o grande fundamentalismo de nosso tempo, justamente porque alcança e envolve todo o mundo. Ninguém ou quase ninguém escapa desse processo. Transformamos nosso Natal na festa de comprar presentes. Nossa Páscoa? Festa dos ovos de chocolate. Dia das mães, pais, etc.? Presentes a serem comprados. Mediamos nosso amor através de presentes, devidamente produzidos pela indústria. Além disso, não basta ser mercadoria, tem que integrar uma estética própria de marcas e modelos. Vou comprar margarina no supermercado? Tem que ser X ou Y. Desconte-se o lucro embutido, custos e demais elementos constitutivos do valor final da mercadoria. O que resta? O fetichismo, que amplia o processo acrescentando um caráter estético, visual e, portanto, puramente cultural e social. Afinal, não basta ter um celular: é preciso ter um aparelho modelo IPhone. Compramos cotidianamente sem necessidade produtos que pouco ou nunca usaremos. Estocamos roupas, perfumes, calçados, relógios, quinquilharias domésticas e eletrônicas... Compramos! Afinal, se nossas relações sociais são mediadas pelo consumo de mercadorias, é somente nesse processo que as mercadorias se realizam enquanto tal. Uma vez compradas? Perdem sua utilidade nunca dantes existente. A nós, advém nova ansiedade e vazio, só preenchido com novo consumo. No fim das contas, se essas são falsas necessidades que “perpetuam a labuta” (MARCUSE, 1973), quando iremos decidir por nós mesmos a abrir mão delas? Para Marcuse (1973, p. 27), essa questão “[...] só pode ser respondida pelos próprios indivíduos [...], se e quando eles estiverem livres para dar sua própria resposta. Enquanto eles forem mantidos incapazes de ser autônomos, enquanto forem doutrinados e manipulados [...] a resposta que derem a essa questão não poderá ser tomada por suas”. Nesse meio tempo, o assédio sistemático pró-consumo avança sobre o inconsciente, criando nos sujeitos necessidades artificiais e, consequentemente, produtos para satisfazê-las. O sujeito contemporâneo é cada vez mais impotente diante dessa administração total da cultura pelo capital. Nesse ínterim, saímos às compras e compramos o que não precisamos apenas porque... está em promoção! Caímos no engodo de que as mercadorias estão “baratas” devido a esta ou aquela data específica. A maquiagem da justificativa do valor se amplia. Compramos, compramos, compramos! Não é à toa que temos canais inteiros dedicados às compras. Criamos sistemas de crédito apenas para isso, assim como sistemas de endividamento e controle. Vivemos num “Matrix”? Segundo Slavoj Žižek: A noção ‘totalitária’ de um ‘mundo administrado’, em que a experiência mesma da liberdade subjetiva seja a forma como surge a sujeição a mecanismos disciplinadores, é na verdade o verso fantasmático obsceno da ideologia (e prática) pública ‘oficial’ da autonomia individual e da liberdade: a primeira tem de acompanhar a segunda, suplementando-a como sua cópia obscena e nebulosa, de uma forma que traz à memória a imagem central do filme Matrix (ŽIŽEK, 2003, p. 116).

Žižek nos aponta que o capitalismo é a primeira ordem socioeconômica que destotaliza o significado: ou seja, ele não é global também a nível do significado (não há no capitalismo, por exemplo, uma “visão de mundo capitalista” global nem uma pretensa “civilização capitalista”; a lição fundamental da globalização seria justamente que o próprio capitalismo pode se adaptar a todas as civilizações, da cristã à hindu ou à budista). “O problema é de significado, e é aqui que a religião reinventa seu papel, redescobre sua missão de garantir uma vida com sentido para os que participam do funcionamento sem sentido da máquina capitalista” (ŽIŽEK, 2011, p. 33). De qual religião Žižek se refere? O sistema que mais encantou seus sujeitos com sonhos (de liberdade, de que o sucesso só depende de nós, do golpe de sorte que está ali na esquina, dos prazeres sem limites) foi o capitalismo. Como ele mesmo descreveu: “é a ideologia, estúpido!”.

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Na versão ideológica do capitalismo que se impõe atualmente, percebemos o surgimento de uma visão de um capitalismo “socialmente responsável”. Admitindo que, durante sua formação e mesmo hoje, o capitalismo de livre mercado muitas vezes foi superexplorador, com catastróficas heranças, essa versão agora diz que podemos distinguir os sinais de uma nova via consciente de que “a mobilização capitalista da capacidade produtiva de uma sociedade também pode servir a metas ecológicas, à luta contra a pobreza e a outros fins meritórios” (ŽIŽEK, 2011, p. 39). Essa versão é apresentada como parte de uma mutação mais ampliada rumo a um novo “paradigma holístico, espiritual e pós-materialista”. Segundo Žižek, a visão que se homogeniza é a de que os capitalistas não deveriam ser apenas máquinas de gerar lucros, afinal, sua vida pode ter um significado mais profundo. Assim, seus lemas preferidos passaram a ser gratidão e responsabilidade social. Desse modo, o novo éthos de responsabilidade social pode fazer o capitalismo funcionar como o instrumento mais eficiente para o bem comum. O dispositivo ideológico básico do capitalismo – podemos chama-lo de ‘razão instrumental’, ‘exploração tecnológica’, ‘ganância individualista’ ou do que quisermos – é separado das condições socioeconômicas concretas (relações de produção capitalistas) e concebido como vida autônoma ou atitude ‘existencial’ que deve (e pode) ser superada por uma nova postura mais ‘espiritual’, conservando intactas essas mesas relações capitalistas (ŽIŽEK, 2011, p. 40).

O que Žižek tentar mostrar é ainda prova maior da vitalidade do conceito marxista de reificação. Lukács reforça que, assim como o capitalismo se produz e reproduz incessantemente, a reificação penetra na estrutura da consciência humana de maneira cada vez mais profunda. Deste modo, a reificação se amplia com o progresso, substituindo relações originais que antes eram mais transparentes em termos de relações humanas por relações mais parcelizadas e mais fragmentadas. O essencial é reter que a reificação atinge a todos: “não há uma diferença qualitativa na estrutura da consciência” (LUKÁCS, 2003, p. 219). Logo, as relações e os propósitos do modo de produção vigentes são ocultados em nome de uma vida feliz, num trabalho feliz e no consumo feliz. Os engodos são crescentes. Avançando na arte de iludir, o empreendedorismo encabeça hoje a ideologia administrativa. Você pode! Seja senhor de seu trabalho. Empreenda! Frases como essas lotam auditórios, salas de aula e mesas de organismos de apoio ao microempresário ou candidato ao sucesso. Qualquer análise econômica básica, estruturalmente séria, mostrará que não há espaço para todos e que empreender sem cálculo racional não passa de aventura. Que as pessoas devem e podem empreender livremente não vemos nenhuma objeção. Contudo, há de fato efeitos perversos na natureza desse conselho. Como bem demonstrou Lima (2008), a defesa do empreendedorismo, enquanto uma saída para os “perdedores” da globalização, termina por propagar uma mensagem para os trabalhadores (formais e informais) que diz: os desajustados precisam se ajustar. Prontamente, num cenário em que desemprego e precarização são fenômenos crescentes, os vencedores passam a ser, ideologicamente, empreendedores, dispostos a encarar todos os riscos. Para Lima (2008), então, o empreendedorismo desconsidera as condições socioeconômicas como fatores de risco e ignora a condição dos trabalhadores precarizados e/ou excluídos do processo formal da economia. Deste modo, transfere-se para o indivíduo a responsabilidade pelo sucesso ou pelo fracasso de seu desempenho econômico, quando, na verdade, as condições estruturais já estão postas. Nesse ínterim, obscurecem-se possibilidades de alternativas de mudanças estruturais, culpabiliza-se o trabalhador por seu fracasso e torna-se ainda mais vulnerável a condição de quem se encontra incluído num modo de produção precário e perverso. O mesmo vale para o perigoso discurso da empregabilidade: outra tentativa de culpabilizar o trabalhador pelo seu fracasso.

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Em suma, não há espaço para todos e os fenômenos do desemprego e da precarização das condições e das relações de trabalho são crescentes. Os chamados trabalhadores supranumerários crescem e a reestruturação capitalista não os absorve (e absorve cada vez menos!). Por conseguinte, crer no empreendedorismo como uma saída para os abandonados pelo processo é crer que o lado mais fraco vencerá. Ledo engano. Como disse Marcuse (1973, p. 24), “a liberdade de empreendimento não foi de modo algum, desde o início, uma vantagem. Quanto à liberdade de trabalhar ou morrer à míngua, significou labuta, insegurança e temor para a grande maioria da população”. Por fim, a quarta tática de iludir tem sido a administração financeira. Esta sim uma grande arma a favor de manobras a fim de maquiar contas e reduzir ao máximo o custo com impostos ou demais encargos. Neste ponto reduziremos o caráter especulativo deste ensaio: de fato nem todo empresário sonega imposto. Isso é fato! Mas, também de fato, seria ingênuo dizer que cada vez mais se sonega menos (risos). A chamada contabilidade criativa, crescente hoje tanto na administração pública quanto na gestão financeira de empresas, significa “uma maquiagem da realidade patrimonial de uma entidade, decorrente da manipulação dos dados contábeis de forma intencional, para se apresentar a imagem desejada pelos gestores da informação contábil” (OLIVEIRA, 2010, p. 2-3). Constituem alguns exemplos dessa prática, o enxugamento dos gastos com pessoal, por meio da contratação de serviços terceirizados que envolvem despesas com pessoal, lançados contabilmente como sendo de ‘investimentos’; a exclusão de benefícios previdenciários não cobertos com recursos de fundos próprios de aposentadoria, por exemplo; atrasos no pagamento do funcionalismo no exercício fiscal, despesas que poderão ser depois lançadas na vaga rubrica de ‘despesas de exercícios anteriores’ [...] Essas manipulações da contabilidade e do orçamento transformaram a vida econômica e financeira das empresas e da administração pública numa verdadeira “caixa-preta”, que abriga e esconde da sociedade, do mercado e dos investidores, a situação real dessas entidades e instituições, e que somente são conhecidas pelos que emitem as ordens para que sejam realizadas e pelos técnicos que as materializam, mas que por dever do ofício, e mais ainda do emprego, não as revelam (OLIVEIRA, 2010, p. 4-5).

Num país como o Brasil, no qual o patrimonialismo perdura estruturalmente na condução da gestão da vida pública, e o denominado jeitinho brasileiro expressa todo um ethos de ser brasileiro, um habitus, no sentido empregado por Pierre Bourdieu, não é difícil supor as diversas manobras pelas quais a gestão financeira de empresas e entes públicos fazem diariamente para a demonstratividade de sua transparência e idoneidade. Especulação à parte, enquanto escrevemos este pequeno texto certamente milhares de estudantes se matriculam em cursos de administração e similares pelo Brasil. Não os culpamos. O discurso do sucesso é encantador. A busca pela saída da condição de trabalhador precarizado é legítima. E viver o sonho de uma vida digna de consumo é condição básica de qualquer indivíduo. Sonho este, alimentado por inúmeros mecanismos de sedução e controle do indivíduo. Aliás, nem toda mentira é ausente de certa positividade para o receptor. No cotidiano, somos constantemente interpelados por ilusões e mentiras sob as mais diferentes apresentações – promessas de sucesso, garantias de felicidade, possibilidade de imortalidade, produtos miraculosos, relações pessoais... –, que embora saibamos ser em sua grande maioria falsas funcionam como um trompe l’oeil social: se, por um lado, quase nunca cumprem o que prometem, por outro, precisamos delas para evitarmos o confronto com o desamparo constitucional. Dito de outra forma: sabemos que são mentiras, mas fingimos não sabê-lo, e isso mantém, ilusoriamente, o laço social (CECCARELLI, 2012, p. 100).

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Logo, ilusões e mentiras são construções sociais que funcionam como catalisadores da ordem. Por conseguinte, a administração também contribui como mantenedora de parte da ordem social. Não fosse ela e suas promessas de crescimento no trabalho e próspero consumo, revoltas de trabalhadores e consumidores seriam bem mais frequentes. O que pode causar espanto não é o indivíduo que procura este tipo de profissão, estudo ou conselho, mas sim, aqueles que alimentam a suposta ideia de que a administração seria uma ciência em prol da construção de uma sociedade racional e justa. Outro ledo engano. Grande ideologia. Questiona-se: até onde – enquanto ciência – a administração propõe esclarecimento? É mister, portanto, pôr em xeque seu estatuto de cientificidade, à medida que se observa que ela se comporta muito mais como técnica, como mecanismo mantenedor da situação tal qual está posta. Ora, se “libertação depende da consciência de servidão” (MARCUSE, 1973, p. 28), a administração (enquanto disciplina) em nada contribui para que isso ocorra, visto que ela opera justamente na tentativa de ensinar as artimanhas da administração a uns em detrimento de outros. Se outrora Theodor Adorno afirmou ser a educação capitalista uma perpetuadora da semiformação (Halbbildung), e, por isso, mantenedora do status quo, simplesmente por ela não conseguir educar para a conscientização e contradição, imagina-se o que este diria a respeito de um ensino sistemático em prol do próprio capital. Portanto, reafirmamos que a administração é uma técnica. Melhor: uma técnica a serviço de certos interesses. Interesses privados. E o afunilamento prossegue: em prol da reprodução do capital. Ora, somente neste pequeno exercício de delimitação já temos uma noção básica de que esta técnica serve aos interesses do modo de produção capitalista. Logo, discursos como “responsabilidade social empresarial”, “empresa verde ecologicamente sustentável” e “empresa solidária” não passam de mais ideologias que visam justificar o mundo como ele é. Nas palavras de Milton Santos (2003): uma fábrica de perversidade. Contudo, e nem tudo está perdido, conforme lembra Marcuse (1973, p. 28) para fechar essa breve reflexão ensaística: “quanto mais racional, produtiva, técnica e total se torna a administração repressiva da sociedade, tanto mais inimagináveis se tornam os modos e os meios pelos quais os indivíduos administrados poderão romper sua servidão e conquistar sua própria libertação”. Logo, distintamente do que esperaria os gestores da ideologia, a “esmagadora maioria das nossas experiências constitutivas permanece – e permanecerá sempre – fora do âmbito do controle e da coerção institucionais formais [...] Nem mesmo os piores grilhões têm como predominar uniformemente” (MÉSZÁROS, 2008, p. 54). Referências ADORNO, Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição. In. Theodor W. Adorno: textos escolhidos. Tradução de Luiz João Baraúna (revista por João Marcos Coelho). São Paulo: Abril Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores). ________; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. CECCARELLI, Paulo Roberto. A mentira como organizador social. Cronos: R. Pós-Grad. Ci. Soc. UFRN, Natal, v.13, n. 1, p. 99-109, jan./jun. 2012. DOURADO, Débora Coutinho Paschoal; CARVALHO, Cristina Amélia. Controle do homem no trabalho ou qualidade de vida no trabalho? Cadernos EBAPE, vol 4. n. 4, dez. 2006. FROMM, Erich. O dogma de Cristo e outros ensaios sobre religião, psicologia e cultura. 2. ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1965. LIMA, Aguinaldo Luiz de. Os riscos do empreendedorismo: a proposta de educação e formação empreendedora. Dissertação (Mestrado em Educação), USP, São Paulo, 2008. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: ______. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. Tradução de Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

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A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E O ESPAÇO EM “O QUINZE” DE RAQUEL DE QUEIROZ Karina Luiza de Freitas Assunção4 Dayane Bezerra5 Resumo Por meio da Análise do Discurso de linha Francesa (doravante AD), o presente trabalho teve como objetivo investigar as relações existentes entre espaço e o sujeito, de forma a correlacionar a constituição discursiva do sujeito a partir do espaço no qual está inserido. Para tanto, selecionamos a obra de Rachel de Queiroz O quinze (1987) que retrata as vivências de alguns sertanejos cearenses. Através dos enunciados retirados da obra e sob a orientação dos conceitos da AD, podemos compreender o funcionamento da relação entre sujeito e espaço. Palavras-chave: discurso; espaço; sujeito. Abstract By means of the discourse analysis (DA) of French line, this paper aims to investigate the existing relations between the space and the subject, in order to correlate the discursive constitution of the subject from the space where it is inserted. Therefore, we have selected a literary work by Raquel de Queiroz, O quinze (1987), which pictures the experiences of some sertanejos from Ceará. Through the wordings taken from the book and under the guidelines of the DA concepts, we can comprehend the functioning between subject and space. Keywords: Discourse, Space, Subject. Introdução O presente artigo terá como fundamentação teórica a análise do discurso de linha francesa, mais especificamente as discussões sobre discurso, sujeito e subjetividade. Para a AD o discurso é fruto da exterioridade que está a sua volta no momento da sua produção, isso quer dizer que o sujeito ao produzir o seu discurso está condicionado a historicidade que permeia a produção discursiva. Sendo assim, o sujeito não é responsável por aquilo que diz, pois as condições histórica e social determinaram aquilo que ele fala, ou seja, constituem a sua subjetividade. No que tange a subjetividade Milanez (2009 apud FERNANDES, 2011) enfoca o corpo como materialidade discursiva efeito da subjetividade discursivamente produzida e modificada, considera que o corpo do sujeito está sempre em busca de algo externo, que o complete. Isso se dá em meio ao processo de subjetivação, que por sua vez está voltada para a construção da subjetividade por meio da apreensão do outro, ou seja, da exterioridade social, da sobreposição com outro sujeito em função da produção do seu próprio corpo. Dessa forma, fez-se necessária essa rápida, porém importante, explicitação a cerca da subjetividade, que origina o processo e subjetivação que consiste no processo constitutivo dos sujeitos. (FERNANDES, 2011) A partir dessas considerações buscaremos compreender como o espaço colabora para a constituições dos personagens centrais do romance O quinze (1987) de Raquel de Queiroz. Escolhemos essa autora, pois o seu texto retrata com perfeição a relação entre sujeito e espaço. Sua Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG/Frutal, doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, integrante do Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos /UFU/LEDIF e do Grupo de Estudos sobre o discurso e o Corpo UESB/Vitória da Conquista. 5 Aluna do curso de Licenciatura em Geografia na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG/Frutal. 4

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obra foi publicada no Brasil em 1930, O Quinze (1987) é o primeiro e o mais conhecido romance da escritora Rachel de Queiroz. A obra supracitada será analisada no âmbito da formação discursiva a partir do lugar e o espaço geográfico, categorias de análises da geografia. Uma simbiose entre espaço e sujeito O espaço geográfico deve ser compreendido como um conceito-chave da ciência geográfica, configurando-se como uma categoria de análise, assim como outros conceitos-chave, tais como: lugar, paisagem e território. Todos esses conceitos são primordiais para atuação da geografia frente ao seu objeto de estudo – a sociedade – nesse viés a ciência geográfica objetiva seu ângulo e superfície de análise, que por sua vez lhe confere identidade e autonomia no âmbito das ciências sociais. (CASTRO et al. 2009) Na geografia tradicional o espaço aparece de forma secundária, sem muita expressão, pois nesse período a ciência geográfica caracterizava-se como apenas descritiva, dessa forma as categorias, paisagem e região recebiam mais atenção. Todavia o espaço se explicita nas obras de Ratzel e Hartshorne, neste primeiro o “espaço era visto como base indispensável para a vida do homem, encerrando as condições de trabalho, quer naturais, quer aqueles socialmente produzidos”. (MORAIS, 1990 apud CASTRO et al. 2009, p.32) Na perspectiva hartshorniana o espaço é absoluto, ou seja, um conjunto de pontos que tem existência em si, sendo independente de qualquer coisa. Essa pequena reflexão sobre o conceito de espaço se fez necessária para que possamos compreender como a noção de espaço se estabeleceu e se tornou um importante conceito dentro da geografia, doravante iremos ampliar nossa discussão a respeito do espaço e o sujeito. O romance de Rachel de Queiroz O Quinze (1987) retrata bem uma relação entre sujeito e o espaço, pois é possível estabelecer as necessidades, costumes e até mesmo as perspectivas dos sujeitos a partir da análise feita do que aquele espaço pode oferecer a eles. Dessa forma, o espaço é um dos fatores determinante na constituição do sujeito, tendo em vista que é a partir dele, seja ele social ou físico que, determinados sujeitos poderão se compreender como ser integrante dentro de um conjunto. Assim a respeito do espaço, O espaço não é um pano de fundo impassível e neutro. Assim, este não e apenas um reflexo da sociedade nem um lato social apenas, mas um condicionante condicionado, tal como as demais estruturas sociais. O espaço e uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestida de uma certa autonomia, na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhe são próprias. Existe uma dialética entre forma e conteúdo, que é responsável pela própria evolução do espaço (SANTOS et al., 1988, p. 14).

Como afirma Milton Santos acima, “assim este não é apenas um reflexo da sociedade nem um lato social apenas, mas um condicionante condicionado, tal como as demais estruturas sociais”, ou seja, na medida em que o espaço o condiciona também é condicionado, constrói e é construído. Dessa forma, no âmbito da geografia humanística consideram-se os sentimentos espaciais e as ideias de um grupo ou povo sobre o espaço a partir da experiência. (TUAM, 1979 apud CASTRO et al. 2009) É possível estabelecer, com isso, a presença do espaço na construção dos personagens centrais da obra, mediante suas reflexões a respeito das vivências cotidianas. Assim, considerar-se-ão o espaço como um conjunto indissociável do qual participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro lado, a vida que os anima ou aquilo que lhes dá vida. Isto é a sociedade em movimento. (SANTOS et al. 1988) Condicionando assim uma troca mútua de complemento para ambos os lados.

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No que diz respeito ao sujeito, no ensaio sobre a relação entre sujeito e poder, Foucault é bem claro: Há dois sentidos para a palavra ‘sujeito’: sujeito submetido ao outro, através do controle e da dependência, e sujeito preso à sua própria identidade, através da consciência ou do conhecimento de si. Em ambos os casos, essa palavra sugere uma forma de poder que subjuga a assujeita (FOUCAULT, 1995, p. 302).

O objetivo de Foucault (1995) como ele mesmo diz, foi de criar uma história dos diferentes modos pelos quais, a cultura, os seres humanos tornaram-se sujeitos, assim seu trabalho lidou com três modos de objetivação que transformaram os seres humanos em sujeitos, respectivamente: O primeiro é o modo de investigação, que tenta atingir o estatuto de ciência, como, por exemplo, a objetivação do sujeito do discurso na gramaire genérale, na filosofia e na linguística. Ou, ainda, a objetivação do sujeito produtivo, do sujeito que trabalha, na análise das riquezas e na economia. Ou, um terceiro exemplo, a objetivação do simples fato de estar vivo na história natural ou na biologia (FOUCAULT, 1995, p. 231).

O referido autor trabalhou ainda, a objetivação do sujeito no que ele chamou de “práticas divisórias”, ou seja, o sujeito é dividido no seu interior e em relação ao outros, e este processo o objetiva. Isso pode ser exemplificado pelo louco e o são, o doente e o sadio, os criminosos e os “bons meninos”. O autor ressalta que, quando o sujeito humano é colocado em relações de produção e de significação, é igualmente colocado em relações de poder muito complexas. Nesse viés a obra aqui analisada – O Quinze (1987) – nos mostra claramente essa relação de poder, exercida pelo espaço sobre os personagens centrais do romance, uma vez que, as atividades e reflexões dos sujeitos estão fortemente associadas aos objetos naturais e sociais, dessa forma ao espaço geográfico. As análises necessárias para investigar a relação sujeito/espaço no âmbito da constituição discursiva, serão feitas por meio de análise de enunciados retirados de fragmentos da obra O quinze (1987). Diante disso, tornam-se necessárias algumas colocações a cerca do conceito de enunciado, assim prossigamos, na busca da compreensão acerca do mesmo. Foucault (2007) questiona-se não teria mudado de orientação ou substituído o horizonte inicial da pesquisa; se estaria ele, falando ainda de enunciados quando se ocupava de analisar “objetos” ou “conceitos” e as “estratégias”, em meio a tantos questionamentos. Foucault (2007) observa, antagonicamente ao esperado, a significação da palavra discurso se multiplicando, ora pensa ser o domínio geral de todos os enunciados, ora grupo individualizável de enunciados, ou prática regulamentada dando conta de certo número de enunciados. Assim, Foucault (2007) acredita que a primeiro momento o enunciado pode ser considerado um elemento último, impossível de se decompor, capaz de se isolar e com a mesma capacidade para entrar em um jogo de relações com elementos semelhantes a si. Todavia essa discussão sobre o conceito de enunciado não se caracteriza somente pelas afirmações citadas acima, pelo contrário, a uma dada complexidade em definir o termo, Foucault (2007) por sua vez considera que: o começo do enunciado seria o começo da existência dos signos, tal afirmação origina-se mediante a uma séria de questionamento a respeito de signos. Assim sendo afirma: O enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita) (FOUCAULT, 2007, p.103).

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Dessa forma, o referido autor acredita ser inútil procurar os enunciados juntos aos agrupamentos unitários de signos, pois “ele não é nem sintagma, nem regra de construção, nem forma canônica de sucessão e de permutação, mas sim o que faz com que existam tais conjuntos de signos e permite que essas regras e essas formas se atualizem” (FOUCAULT, 2007, p.107). Espaço e a constituição discursiva do sujeito em O quinze Como proposto inicialmente, elaborar-se-ão algumas análises de fragmentos retirados na obra O Quinze (1987) de Rachel de Queiroz, a fim compreender a constituição discursiva, a partir do espaço geográfico, dos personagens centrais do romance. - E nem chove, hein, Mãe Nácia? Já chegou o fim do mês... Nem por você fazer tanta novena. Dona Inácia levantou para o telhado os olhos confiantes: - tenho fé em São José que ainda chove! Tem-se visto inverno começar até abril (QUEIROZ, 1987, p.11).

No fragmento a cima, os sujeitos se mostram simultaneamente cheio de anseios e esperançosos, quanto à chegada da chuva, que por sua vez tem se demorado mais que o costume. A região em que vivem – sertão cearense – é marcadamente sofrida pela as oscilações causadas pelo clima, o espaço, ora está florido e bonito, ora está seco e entristecido, o sujeito discursivo – Dona Inácia – vê apenas, um único apelo, o apego a “São José” (marido de Maria mãe de Jesus) ela deposita, piamente, todas as suas esperanças na crença de que o santo lhes trará a tão necessária chuva, isso pode ser observado através do enunciado “tenho fé” e, para isso, reza suas novenas se mostrando muito devota, na certeza que a chuva virá e trará consigo a instabilidade para o seu lugar. A vida que leva os sujeitos da obra se revela diferente para cada um, mediante a relação com o espaço, assim, Vicente mostra, dentre todos os personagens, uma relação particular, como podemos ver a seguir: Todo dia a cavalo, trabalhando, alegre e dedicado, Vicente sempre fora assim, amigo do mato, do sertão, de tudo o que era inculto e rude. Sempre o conhecera querendo ser vaqueiro como um caboclo desambicioso, apesar do desgosto que com isso sentia a gente dele (QUEIROZ, 1987 p. 21).

Diferente de muito dos demais personagens, Vicente, como mostra os enunciados, “Todo dia a cavalo”, “trabalhando, alegre e dedicado” vive na medida do possível, feliz, trabalhando em suas terras, se identifica com tudo que o cerca, com a vida simples da roça, o espaço construía sua subjetividade desde criança, como um “caboclo desambicioso” de modo que trabalhar em condições que o deixava ficar o mais próximo possível da vida fazenda era o que desejava. Sentimento de conformidade com o espaço vivido despertava em sua família, certo “desgosto”, isso por que sua família detinha terras e tinha uma posição social. Dessa forma, é possível observar que a sociedade exerce certo poder sobre sua família, na medida em que condicionava o seu discurso, todavia isso não colabora com a produção de um corpo dócil.6 Foucault (2007b) afirma que o sujeito em qualquer sociedade está exposto ao poder, e essa exposição limita-o. Ele denomina essas relações – que são constituídas a partir dessa exposição – como sendo responsáveis pela instauração da docilidade-utilidade dos corpos. Essa transformação dos corpos instaura-se por intermédio das disciplinas que “dissociam o poder do corpo; fazem dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ele procura aumentar; e invertem por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e fazem dela uma relação de sujeição estrita” (FOUCAULT, 2007b, p.119) (ASSUNÇÃO, 2011, p.47). 6

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A obra O Quinze (1987) revela em seu desenrolar, o amor implícito entre os primos, Conceição e Vicente, é um amor que não se consolida diante da distância em que vivem um do outro. Pensou no esquisito casal que seria o deles, quando À noite, nos serões da fazenda, ela sublinhasse num livro querido um pensamento feliz e quisesse repartir com alguém impressão recebia. Talvez Levantasse a vista e lhe murmurasse um “é” distraído por detrás do jornal... Mas naturalmente a que distância e com quanta diferença (QUEIROZ, 1987 p.85).

No fragmento a cima, a jovem professora, ao tentar imaginar a vida que levaria caso se casasse com o primo Vicente, percebe que não ficara satisfeita, isso se dá principalmente em função da distinta constituição sócio espacial que cada um teve. Nesse viés caracterizou como “esquisito” o idealizado casal. Enquanto Fabiano, sempre viveu uma vida simples, na monótona fazendo no Quixadá, onde desde criança almejava crescer e por ali mesmo ficar, trabalhando com sua terra e cuidando de seus animais, sem grandes planos para o futuro, a não ser continuar levando a vida de sempre, Conceição por sua vez havia levada uma vida na capital, vivido outro contexto social, formou-se para professora e continuou vivendo em fortaleza, lendo grandes clássicos de Machado de Assis. Dessa forma os dois sujeitos se inscrevem em discursos deferentes, que podem ser atribuídos, não só, mas principalmente ao meio em que cada um se estabeleceu. “quanta diferença” era o que imaginava conceição ao observa sua vida e a do primo amado, assim surgiu a barreia abstrata impossibilitou o romance entre os dois. O período de seca no sertão cearense era um divisor de águas na vida de muitos sertanejos, assim a cada estação de seca havia alguém migrando, ora por expulsão do lugar, ora por atração de outro, sendo assim migração de repulsão (forçada) e de atração. Assim fez Chico Bento com a família, A voz lenta e cansada vibrava, erguia-se, parecia outra, abarcando projetos e ambições. E a imaginação esperançou-se aplanava as estradas difíceis, esquecidas, fome e angústias, penetrava na sombra verde do Amazonas, vencia a natureza bruta, dominava as feras e as visagens, fazia dele rico e vencedor (QUEIROZ, 2007, p. 31).

Chico Bento revigorou-se com a decisão de viajar até a distante Amazônia, os enunciados retirados do fragmento acima “voz lenta e cansada vibrava, erguia-se, parecia outra, abarcando projetos e ambições” mostram a mudança do sujeito diante da esperança de uma vida melhor, mesmo com as dificuldades “estradas difíceis”, “esquecidas”, “fome” e “angustias” ele acreditava que conseguiria chegar ao destino e que isso o tornaria “rico” e “vencedor” são exemplos para essa observação. Essa mudança repentina do sujeito se dá, principalmente, em função da mudança do espaço, acredita ele que a Amazônia, estado brasileiro rico em água e com grandes florestas possa o oferecer condições melhores de vida, diferente da que levava no sertão cearense, seco quente e sem grandes perspectivas. A família de Chico Bento seguiu viagem, foram a pé rumando ao norte. A família composta pela esposa três quatro filhos e a cunhada, enfrentaram grandes desafios na longa viagem. Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz (QUEIROZ, 1987 p.67).

A jornada da grande viagem ao Amazonas teve seus tropeços, o fragmento acima mostra a relação dos sujeitos com o espaço, geográfico e social, nas duas situações, estes estão com perspectivas ruins, o espaço social ao qual estão inseridos mostra a precariedade em que vivem no

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espaço geográfico. A morte do filho mais velho, mesmo que sofrida e mal aceita, era esperada ora ou outra, o espaço social construía o discurso dos sujeitos de forma negativa, sem esperança, aguardando sempre um triste fim, como observamos no próximo fragmento: À medida que a cadeirinha avançava, dona Inácia informava-se com o vaqueiro sobre o que sucedera pelo Logradouro. O homem só aludia à miséria e as mortes. Dos olhos embaciados da velha, as lágrimas desciam apressadas. E ao ver a sua casa, o curral vazio, o chiqueiro da criação devastado e em silêncio, a vida morta, apesar do lenço verde que tudo cobria dona Inácia amargamente chorou, com a mesma desesperada aflição de quem encontra o corpo de alguém muito querido, que durante nossa ausência morreu (QUEIROZ, 1987 p. 152, 133).

O trecho a cima refere-se ao retorno da dona Inácia a sua casa no logradouro, mostra também a partir dos seguintes enunciados “chorou, com a mesma desesperada aflição de quem encontra o corpo de alguém muito querido”, o seu sentimento de pertencimento ao lugar, o espaço se mostra presento no sujeito, tanto quando em seu discurso, principalmente, quando menciona o enunciado “vida morta”. Para ela as condições climáticas do espaço em que vive foi a responsável pela morte. O espaço em seu discurso, ganha vida e torna-se parte de si, representa a exterioridade a qual o sujeito se constitui e a sua subjetividade na produção discursiva. Algumas considerações (in) conclusivas Diante dos apontamentos feitos ao longo desse artigo, foi possível fomentar a discursão e investigação sobre a constituição do sujeito a partir da relação estabelecida entre o espaço a partir do viés foucaultiano. Para isso, foi vital refletir sobre as discussões a respeito de discurso, sujeito e espaço. Buscou-se ao longo de todo trabalho, refletir, mediante conceitos da AD, a influência do espaço geográfico na formação discursiva do sujeito, por meio da análise de fragmentos selecionados da obra, que por sua vez nos permitiu observar como se deu a construção de sujeito, fruto da exterioridade que o circunda. O discurso dos personagens centrais de O quinze (1987) está marcadamente relacionado ao espaço em que vivem, assim eles se transformam em um produto deste, tendo suas perspectivas, esperanças, medos e força de vontade, atrelados ao espaço, manifestando reflexões distintas em cada personagem, como por exemplo o sentimento de pertencimento de Vicente e dona Inácia e o poder exercido pelo espaço sobre Chico Bento e a família. A inscrição social e espacial dos sujeitos é primordial para a produção do discurso. Isso fica evidente através das condições as quais Vicente havia se habituado, pois permitiram-no construir um discurso diferente do produzido por Conceição que vivia na capital em condições completamente diferentes de seu primo. Enquanto que Chico Bento, um sertanejo sem bens, que dependia do salário que se extinguiu com o longo período de estiagem, atribuía todas as desgraças que assolavam sua família ao espaço. Referência ASSUNÇÃO, K. L. F A caverna de José Saramago: lugar de enfrentamentos entre o sujeito e o poder. Curitiba: Editora Appris, 2011. CORRÊA, L. R.; ROSENDAHL, Z. Literatura, música e espaço: uma introdução. In: CORRÊA, L. R.; ROSENDAHL, Z(org.) Literatura, música e espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. FERNANDES, C, A. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2011. FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

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UM ESTUDO DA RETÓRICA TESTEMUNHAL EM O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?, DE FERNANDO GABEIRA Leonardo von Pfeil Rommel Mestrando em Literatura Comparada no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas Resumo O presente estudo busca analisar a retórica testemunhal do romance O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira. Na constituição do romance, o autor utiliza-se do modo realista-romântico, conceito utilizado por Sarlo (2007), com o intuito de conceber maior garantia ao aspecto de veracidade do seu testemunho a respeito de sua experiência na participação nos movimentos da guerrilha urbana, durante o período da ditadura militar no Brasil. Construído através de uma narrativa em primeira pessoa, o romance apoia-se na utilização da memória como forma de luta contra o esquecimento de um dos mais importantes momentos históricos do país. Palavras-Chave: Testemunho; Experiência; Ditadura Militar. Abstract This study seeks to analyze the testimonial rhetoric of the novel O que é isso, companheiro?, from Fernando Gabeira. In the constitution of the novel, the author makes use of the realisticromantic mode, concept used by Sarlo (2007), in order to give greater appearance of truth to his testimony, regarding his participation in the movements of the urban guerrilla, during the period of military dictatorship in Brazil. Built through a first-person narrative, the novel relies on memory used as a way to fight against forgetting one of the most important historical moments of the country. Key-words: Testemonial; Experience; Military Dictatorship. O presente estudo busca analisar a retórica testemunhal do romance O que é isso, companheiro? (1979), de autoria de Fernando Gabeira. Na constituição do romance, o autor utiliza-se do modo realista-romântico, conceito utilizado por Sarlo (2007), com o intuito de conceber uma maior garantia ao aspecto de veracidade do seu testemunho a respeito de sua experiência na participação nos movimentos da guerrilha urbana, durante o período que abrangeu a ditadura militar no Brasil. O romance de Fernando Gabeira destaca-se por ser um dos primeiros relatos publicados no Brasil evidenciando a experiência histórica e política de grupos sociais de esquerda que buscavam combater a opressão e a violência da ditadura militar, instaurada no país no ano de 1964, quando o então presidente João Goulart, eleito democraticamente, foi destituído de seu cargo. Na narrativa, encontra-se descrita a trajetória de Gabeira desde o começo de seu engajamento político ainda como jornalista na cidade do Rio de Janeiro, até a sua entrada em um grupo de extrema esquerda da guerrilha urbana, que buscava enfraquecer e atacar o sistema ditatorial através de diversas ações armadas, como no mais conhecido caso, que adquire centralidade na obra, o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, realizado em setembro de 1969. Um dos principais objetivos dos movimentos de guerrilha urbana, que praticavam assaltos a bancos e sequestros de autoridades, era o de conseguir verbas, afim de que pudessem consolidar o movimento de luta armada pelo interior do Brasil, através do engajamento das classes rurais, também subordinadas à opressão do sistema ditatorial.

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A esquerda revolucionária, através da utilização de redes clandestinas de publicidade, como jornais e distribuição de panfletos, buscava constantemente difundir-se entre as classes operárias das grandes cidades, com o objetivo de promover greves e manifestações, capazes de desestabilizar os sistemas de dominação econômica e social, do qual a ditadura era promotora. Durante a narrativa, é abordada também a experiência da prisão e da tortura, praticada pelo sistema policial e militar, como forma de receptar informações que fossem fundamentais para exercer o combate e levar à fragmentação os movimentos políticos populares que buscavam destituir do poder o sistema político que encontrava-se em vigência na época. Após ser preso, assim como muitos outros militantes, Gabeira é enviado para o exílio fora do país, onde a partir daí, passa a realizar uma espécie de reflexão do seu envolvimento com a militância armada e com os rumos do contexto político e social que conduziram o Brasil ao domínio dos militares e de suas instâncias legitimadoras. Passa a refletir também, sobre a condição da causa operária e sobre os arranjos sociais e políticos do sistema organizacional do movimento de oposição, inspirado inicialmente em modelos socialistas consagrados, como Cuba e a União Soviética, e que acabaram por inicialmente apresentarem-se como incoerentes à realidade brasileira. Construído através de uma narrativa em primeira pessoa, o romance apoia-se na utilização da memória como forma de luta contra o esquecimento de um dos mais importantes momentos históricos da sociedade brasileira. Através da narração de suas experiências, o autor busca recuperar laços fragmentados pelo trauma da opressão política e cultural desencadeada pelo movimento ditatorial ao longo das décadas de 60 e 70. Percebe-se que, através da utilização de um narrador em primeira pessoa, o autor busca afirmar o caráter de veracidade da experiência narrada em forma de testemunho, relacionando diretamente a sua pessoa, com a figura do narrador e com o protagonista do romance, reforçando assim, o caráter inquestionável dos fatos representados no decorrer de sua narrativa. Beatriz Sarlo (2007) ressalta a importância do ato de lembrar após o final das ditaduras do sul da América Latina. Segundo a autora, lembrar tornou-se uma atividade permeada pelo sentimento da restauração dos laços sociais e comunitários que foram perdidos ou fragmentados durante o período do exílio, ou que foram destruídos e apagados pela violência e repressão do Estado. Ainda segundo Sarlo (2007), os testemunhos e as narrativas em primeira pessoa correspondem às necessidades e tendências da esfera pública. Através do testemunho e da narração em primeira pessoa, sujeitos silenciados e excluídos por contextos de opressão emergem das margens da sociedade e compartilham suas experiências, oferecendo a sua versão da história e testemunhando a respeito de suas vidas e a favor de suas comunidades e relações sociais, muitas vezes fragmentadas pelos regimes ditatoriais que fizeram-se presentes na América Latina com mais intensidade nas décadas de 60 e 70. Apoiando-se nessa necessidade de lembrar, de reatar os laços rompidos após o exílio, o autor busca aproximar ao máximo o seu testemunho do caráter de verdade, utilizando-se de técnicas retóricas, que visam revestir o relato de detalhes capazes de conceder um sentido unificado e coeso à narrativa. Esta prática da acumulação de detalhes é descrita por Sarlo (2007) como o modo realista-romântico de produção das narrativas de testemunho. (...) tanto a atribuição de um sentido único à história como a acumulação de detalhes produzem um modo realista-romântico em que o sujeito que narra atribui sentidos a todo detalhe pelo próprio fato de que ele o incluiu em seu relato; e, em contrapartida, não se crê obrigado a atribuir sentidos nem explicar as ausências, como acontece no caso da história. O primado do detalhe é um modo realista-romântico de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 02 – 2015 ISSN 1809-3264 Página 21 de 107 fortalecimento da credibilidade do narrador e da veracidade de sua narração. (SARLO, 2007, p.51).

Esse primado realista-romântico pelo detalhe como uma forma de fortalecer a credibilidade do narrador e a veracidade dos seus fatos narrados pode ser percebido ao analisar-se a segunda edição do romance O que é isso, companheiro?, reeditada no ano de 1996, e prefaciada pelo próprio autor. No referido prefácio, o autor busca justificar algumas alterações realizadas na obra em relação à sua primeira publicação realizada no ano de 1979, com o intuito de acrescentar detalhes quanto ao episódio do sequestro do embaixador americano. Segundo o próprio autor: As principais mudanças foram inspiradas pelas críticas do próprio embaixador Charles Burke Elbrick, que fez anotações no seu exemplar. Elbrick não entendeu como pude escrever que ele foi levemente golpeado na cabeça e desenhou vários pontos de interrogação nessa página do livro. Decidi adotar sua ótica e retirar a expressão para que o leitor tenha uma idéia mais precisa da intensidade do golpe. (GABEIRA, 2009, p.09).

Ao analisar-se o prefácio escrito por Fernando Gabeira, percebe-se a importância que o autor concede aos detalhes capazes de transcrever a realidade de maneira integral, tecendo um relato que se apresente o mais fiel possível aos acontecimentos. Gabeira realiza alterações na cena em que descreve o sequestro do embaixador, de forma a torná-lo mais fiel à visão da vítima do sequestro. A presença dos detalhes individuais preenche as lacunas da narrativa, complementando o desenvolvimento da intriga, apresentando-a como se ela fosse capaz, ou, devesse representar um todo uno, completo e consciente. Segundo Sarlo (2007), o detalhe certifica o narrador, sem ter de apresentar a sua necessidade. O narrador preenche as lacunas da trama, complementa os lapsos naturais da memória, utilizando-se da descrição de detalhes que representam a rotina cotidiana de sua vida, tanto no período do passado, quando rememora os eventos em que esteve envolvido durante a ditadura, até o momento da enunciação, enquanto encontra-se no exílio e reflete sobre as suas experiências como estrangeiro longe de sua nação de origem. Esse preenchimento de lacunas da intriga da narrativa pode ser percebido nos detalhes que o autor acrescenta quando se refere a respeito do relacionamento mantido pelos militantes da oposição política durante as constantes fugas e períodos em que os mesmos passavam escondendose da polícia nos “aparelhos”, casas alugadas e mantidas pelo movimento, utilizadas para a organização e esconderijo de participantes que estivessem sendo procurados mais ativamente pela repressão política. Companheira: Pena que não tenha gostado de Godot. O autor é da Irlanda,viveu a Segunda Guerra e é muito inteligente. Concordo que não há esperança. E daí? Há tanta coisa cheia de esperança e tão malfeitinha, não? Outra lembrança? O problema do banheiro. Ajudaria muito se as pessoas limpassem a areia do pé, antes. Esse maiô inteiro que você deixou aqui em casa, talvez fosse melhor levar. Dona Luísa vai ficar desconfiada. Ninguém veio de Minas me visitar. Próxima semana, é melhor também não vir. A família decidiu que vou mudar. Não sei para onde, não sei para quê. Foi ótimo te conhecer. Quem sabe não nos cruzamos aí pelas quebradas? Tchau (GABEIRA, 2009, p. 94).

Neste bilhete, transcrito pelo autor e colado em meio à narrativa, o protagonista se dirige a uma militante conhecida como Márcia, que vivia na clandestinidade, pois era procurada pela polícia

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por praticar assaltos a banco. A pedido do partido, ela escondia-se no apartamento de Gabeira, como forma de despistar as buscas das autoridades militares. Esse tipo de detalhe acrescido ao corpo da narrativa funciona como forma de potencializar o caráter de verdade do que está sendo narrado, uma vez que, tais detalhes não podem ser comprovados pelo leitor, que deve tomá-los como verdadeiros, uma vez que precisa confiar no que transmite esse sujeito autoral, que, por estar incluído fisicamente nos acontecimentos dos fatos narrados, passa a estar imbuído do poder de transmissão da verdade. (...) o detalhe reforça o tom de verdade íntima do relato: o narrador que lembra de modo exaustivo seria incapaz de passar por alto o importante, nem forçá-lo, pois o que narra formou um desvão pessoal de sua vida, e são fatos que ele viu com os próprios olhos. Num testemunho, jamais os detalhes devem parecer falsos, porque o efeito de verdade depende deles, inclusive de sua acumulação de repetição. (SARLO, 2007, p. 52).

Um bilhete, um elemento extratextual, recuperado pelo autor, quer seja através da memória ou através de documentação que ele mantém em sua posse, potencializa o efeito de transcrição fiel da realidade, uma vez que, se o autor consegue acrescentar ao seu relato detalhes tão mínimos e subjetivos, mas fiéis ao desenrolar da intriga do romance, o leitor passa a encarar a narrativa como real, reduzindo a sua desconfiança quanto aos fatos narrados, objetivo principal do narrador em primeira pessoa. O processo de remontagem do passado mostra-se revelador até mesmo para o autor, que no decorrer da narração do seu testemunho, onde busca recuperar através da memória as experiências vividas no passado, pode aproximar-se de uma verdade que ele mesmo não havia concebido antes de produzir sua narrativa. Reconstruir o passado de um sujeito ou reconstituir o próprio passado, através de testemunhos de forte inflexão autobiográfica, implica que o sujeito que narra (porque narra) se aproxime de uma verdade que, até o próprio momento da narração, ele não conhecia totalmente ou só conhecia em fragmentos escamoteados. (SARLO, 2007, p. 56).

No decorrer da narrativa, ainda no período do exílio, através do ato de rememorar, Gabeira realiza uma espécie de autoanálise de sua participação e engajamento no movimento da guerrilha urbana, refletindo a respeito dos acontecimentos e erros que permearam a organização política da oposição, analisando as causas da derrota da esquerda, que muitas vezes acabava por dissolver-se através de embates teóricos e ideológicos que se apresentavam como ineficientes frente à realidade brasileira. O autor chega a tais conclusões no momento da enunciação ao buscar remontar o mosaico que compõe a sua memória. Ao reorganizar o passado em forma de narrativa, novas possibilidade de interpretação e análise do passado apresentam-se frente à realidade, o tempo presente da enunciação da experiência histórica torna-se revelador sobre acontecimentos ocorridos no passado. Conclui-se assim que Fernando Gabeira utiliza-se do modo realista-romântico, conceito utilizado por Sarlo (2007), para organizar a constituição de sua narrativa com a finalidade de reconstruir, trazer à tona o período histórico que compreendeu a ditadura militar no Brasil. Utilizando-se de uma retórica testemunhal que busca representar a realidade dos acontecimentos da forma mais objetiva e realista possível, o autor recupera, através de sua memória, alguns dos eventos históricos mais significativos do período ditatorial brasileiro e da América Latina, durante as décadas de 60 e 70. Através do testemunho de sua experiência, Gabeira busca também cumprir com o papel social de reatar os laços comunitários rompidos pela violência e pela repressão da ditadura militar,

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revelando assim, o ponto de vista daqueles que viveram na clandestinidade, que foram perseguidos, torturados e enviados para fora de seu país. Referências GABEIRA, Fernando. O que é isso, companheiro?. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009. SARLO, Beatriz. Tempo passado: Cultura da memória e guinada subjetiva; tradução Rosa Freire d´Aguiar. – São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte,: UFMG, 2007. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

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GRAMÁTICA: SENTIDOS QUE EMERGEM NOS PCNs Marcia Ione Surdi Profª de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ Doutoranda em Letras – Estudos Linguísticos Universidade Federal de Santa Maria Jéssica Cofsevicz Profª na Escola Municipal Sereno Soprana, Chapecó-SC Graduada em Letras – Língua Portuguesa e Língua Inglesa e Respectivas Literaturas Universidade Comunitária da Região de Chapecó Paola Conrado Palharini Profª na escola CIITY – Centro de Idiomas Itinerante Coronel Freitas-SC Aluna do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Ensino deLíngua Inglesa Universidade Comunitária da Região de Chapecó Resumo O que se propõe com este trabalho é um gesto de leitura do discurso dos Parâmetros Curriculares Nacionais, do Terceiro e Quarto ciclos do Ensino Fundamental, de Língua Portuguesa sobre gramática, buscando identificar a ou as concepções de gramática presente(s) no documento. Palavras-chaves: Gramática. Língua. História. Grammar: meanings that emerge in the pcns Abstract: what is proposed in this paper is a gesture of reading the discourse of the National Curriculum Parameters, Third and Fourth cycles of Basic Education Portuguese Language, about grammar, seeking to identify the conceptions of grammar present in PCNs. Keywords: Grammar. Language. History. Introdução No presente artigo apresentamos um gesto de leitura sobre o discurso dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, Terceiro e Quarto Ciclos de Língua Portuguesa7 (BRASIL, 1998), sobre gramática. Na primeira parte deste texto, apresentamos as principais referências abordadas nesse trabalho de pesquisa, referências essas baseadas na Análise de Discurso (AD), de vertente francesa, História das Ideias Linguísticas (HIL) e a Linguística Aplicada (LA). Através delas, compreendemos a história do ensino da Língua Portuguesa do Brasil Colônia até hoje,o processo de gramatização da língua e a historicização dos documentos oficiais (PCNs) e por fim, procuramos analisar o discurso sobre gramática nos PCNs. Este estudo foi desenvolvido na perspectiva transdisciplinar, Análise do Discurso, História das Ideias Linguísticas e Linguística Aplicada, uma vez que conforme Serrani (1997), "não se trata de incluir ‘contribuições’ de diferentes domínios, mas de evidenciar que o objeto de estudo atravessa as fronteiras das disciplinas, as quais não participam aditivamente, como meras fornecedoras de subsídios, mas cujos campos são, por sua vez, problematizados nesse cruzamento." (1997, p.03).

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Doravante PCNs.

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História do Ensino de Língua Portuguesa, gramatização e gramática O ensino de língua portuguesa passou por várias modificações até chegar ao que se tem hoje. Esse ensino foi se configurando de acordo com a época e a sociedade. O português chegou ao Brasil no século XVI com a Coroa Portuguesa, no entanto, de acordo com Ilari e Basso (2006), a situação linguística do Brasil foi supercomplexa, pela presença primeira das línguas indígenas (desde sempre), pelo português dos colonizadores, pelas línguas faladas pelos escravos africanos e, depois, pelas línguas europeias e asiáticas faladas pelos imigrantes. Assim, o processo de ensino de LP no Brasil iniciou com a educação jesuítica, instrumento fundamental na formação da elite colonial que ao mesmo tempo propunha a “alfabetizar” e “catequizar” os indígenas, ao qual segundo Ilari e Basso (2006), o sistema de ensino organizava-se a partir de uma pedagogia que por meio da catequese indígena visava à expansão católica e a um modelo econômico de subsistência da comunidade. Esse sistema objetivava ainda a formação de elites subordinadas à metrópole favorecendo o modelo de sociedade escravocrata e de produção colonial destinada aos interesses do país colonizador. Logo, o acesso à educação letrada era determinante na estrutura social com que os colégios fossem destinados aos filhos da elite colonial. O ensino da LP fragmentava-se no ensino de Gramática, Retórica e Poética. No entanto, por meio dos estudos de Pietri (2007) podemos constatar que nas últimas décadas do século XX, no Brasil, ocorreu a “democratização” do acesso ao ensino formal e público promovido pelo regime militar. A escola passa agora a atender parcelas da população que até então não tinham acesso à escolarização: os filhos de trabalhadores. Nesse viés, o ensino de língua portuguesa que até o momento era denominado tradicional, ou seja, considerava-se correta uma única variedade linguística presente nas obras dos grandes autores literários e ensinada com base no uso pedagógico da gramática normativa, passa por mudanças. De acordo com Pietri (2003), a disciplina que tradicionalmente se denominou português passa a ser denominada, nas séries fundamentais do ensino, comunicação e expressão (séries iniciais do 1º grau), comunicação em língua portuguesa (séries finais do 1º grau) e língua portuguesa e literatura brasileira (2º grau). A partir da década de 80 do século XX, como podemos observar por meio dos estudos de Pietri (2007), propostas de ensino de língua portuguesa fundamentadas em diferentes concepções de ensino e de linguagem, alteraram a perspectiva com que se considerava o objeto de ensino de língua portuguesa: a palavra ou a frase, as unidades do ensino de gramática, foram substituídas pelo texto, que assume, então, o lugar de relevância nas práticas de sala de aula No que concerne ao processo de gramatização, de acordo com Auroux (1992), tem-se no período do século V de nossa era até o fim do século XIX o desenrolar de um processo único em seu gênero (das concepções linguísticas europeias): a gramatização massiva, a partir de uma só tradição linguística inicial (a tradição greco-latina), das línguas do mundo. Esta gramatização data – depois do advento da escrita no 3º milênio antes da nossa era – a 2ª revolução técnico – linguística. A 1ª revolução científica do mundo moderno corresponde às ciências da linguagem. Segundo Auroux (1992), por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário. Além disso, toda gramática equivale, pois, a um corpus (mais ou menos explícito) de afirmações suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas. É por aí que ela é uma descrição linguística. A gramática, conforme Auroux (1992), não é uma simples descrição da linguagem natural, é preciso concebê-la também como um instrumento linguístico: do mesmo modo que um martelo prolonga o gesto da mão, transformando-o, uma gramática prolonga a fala natural e dá acesso a um corpo de

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regras e de formas que não figuram junto na competência de um mesmo locutor. O aparecimento dos instrumentos linguísticos não deixa intactas as práticas linguísticas humanas. Com a gramatização – logo a escrita, depois a imprensa – e em grande parte graças a ela, constituíram-se espaços/tempos de comunicação cujas dimensões e homogeneidade são sem medida comum com o que pode existir em uma sociedade oral, isto é, numa sociedade sem gramática. Nas palavras de Auroux (1992) a ideia de gramática está diretamente vinculada à escrita, a palavra gramática tem origem no grego gramma (letra), o autor diz que tudo parece mostrar que não existe verdadeiro saber gramatical oral, ou seja, é a escrita que permite um “pensar” sobre a linguagem: “o processo de aparecimento da escrita é um processo de objetivação da linguagem, isto é, de representação metalinguística considerável e sem equivalente anterior.” (AUROUX, 1992, p. 20). Além disso, Orlandi (2007, p.54) destaca que as gramáticas são objetos históricos, são instrumentos linguísticos e constituem um lugar de construção e representação da unidade e de identidade (Língua/Nação/Estado), através do conhecimento, em uma tentativa de salvaguardar a língua. Entendemos, conforme a autora, que este movimento de salvaguardar a língua está ligado ao processo de gramatização, isto é, sistematizar para transmitir o saber linguístico implicando em distinguir quem sabe e quem não sabe a língua corretamente. É o saber gramatical que indicará a escolaridade do sujeito e dará o estatuto de falar corretamente porque domina as regras da língua através da sua descrição. Sobre os PCNs Os PCNs constituem-se em referências nacionais para a Educação Básica, entendemos também que funcionam como uma política pública no ensino de Língua Portuguesa, servindo de apoio às discussões e ao desenvolvimento de projeto escolares, à reflexão sobre a prática pedagógica, ao planejamento das aulas, à análise e seleção de materiais didáticos e de recursos tecnológicos e, em especial, contribuem para a formação e atualização profissional. Orientam o cotidiano escolar, os principais conteúdos que devem ser trabalhados, dando assim subsídios aos educadores em suas práticas pedagógicas. Até se constituírem, esses documentos passaram por várias discussões a fim de entender qual seria a importância da elaboração e implantação de tais documentos. Desse modo, Pietri (2007) destaca que com a democratização do acesso ao ensino formal e público promovido pelo regime militar, o ensino da Língua Portuguesa passa por modificações começando abandonar o ensino tradicional e passa a buscar subsídios em uma nova proposta de ensino na perspectiva linguística, propostas oficiais de ensino começam a surgir com a finalidade de substituir as orientações que anteriormente predominavam no ensino de Língua Portuguesa na escola. É a partir disso que Brito (2003) ressalta que os documentos (PCNs) são oriundos, então, do processo de redemocratização do Brasil, em particular, subsequentemente ao processo de promulgação da Constituição de 1988 (conhecida como Constituição Cidadã). A alcunha dada à Constituição permite compreender a recorrência, ao longo dos documentos, da expressão educação para a cidadania. Nada mais natural: Constituição Cidadã – educação para a cidadania. Assim, os PCNs apoiados em normas legais, procurarão contribuir na busca de respostas a problemas identificados no ensino fundamental e médio, objetivando uma transformação desse ensino que atenda às necessidades da sociedade brasileira atual. Um possível gesto de interpretação Para constituir o corpus de análise, deste estudo, tomamos como materialidade linguística a primeira parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), do terceiro e quarto ciclos do Ensino

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Fundamental, que abrange a Apresentação da Área de Língua Portuguesa: Introdução; Ensino e natureza da linguagem; Discurso e suas condições de produção, gênero e texto; Aprender e ensinar Língua Portuguesa na escola; Objetivos gerais de Língua Portuguesa para o ensino fundamental; Conteúdos do ensino de Língua Portuguesa; Temas transversais. Para desenvolver as análises, selecionamos sequências discursivas (SDs) que remetem às concepções de gramática. Em algumas SDs, usamos o recurso gráfico de realce em itálico para marcar as formulações que serão objeto pontual de análise. Sobre as concepções de Gramática Iniciando a leitura do documento, observamos na “Introdução” um breve relato sobre a historicização do ensino de Língua Portuguesa nas décadas de 60 e 70. Em relação a isso encontramos que: SD1 – Na década de 60 e início da de 70 o ensino de Língua Portuguesa era orientado pela perspectiva gramatical, tradição normativa e filológica. (BRASIL, 1998, p. 17). Em relação à SD1, queremos destacar que o ensino de Língua Portuguesa (LP) no Brasil, segundo Ilari e Basso (2006), iniciou com a educação jesuítica, um instrumento fundamental na formação da elite colonial, que tinha como objetivo “alfabetizar” e “catequizar” os indígenas. Este sistema de ensino objetivava ao mesmo tempo a formação de elites subordinadas à metrópole favorecendo um modelo de sociedade escravocrata e de produção colonial destinada aos interesses do país colonizador. Assim, quem tinha acesso a esse ensino eram os filhos da elite colonial, e ainda era um ensino que se fragmentava ao ensino de Gramática, Retórica e Poética. Segundo os estudos de Soares (2005), até meados do século XVIII, no sistema de ensino do Brasil (como no de Portugal), o ensino do português restringia-se à alfabetização, após à qual aqueles poucos alunos que tinham acesso a uma escolarização mais prolongada passavam diretamente à aprendizagem do latim, basicamente da gramática da língua latina, e ainda da retórica e da poética. Quando a Reforma Pombalina (1759) se tornou obrigatória, em Portugal e no Brasil, o ensino da Língua Portuguesa, seguiu a tradição do ensino do latim, isto é, definiu-se e realizou-se como ensino da gramática do português, ao lado do qual se manteve, até o fim do século XIX, o ensino da retórica e da poética. Assim, quando, em 1837, foi criado, no Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II, que se tornou, durante décadas, o modelo e padrão para o ensino secundário no Brasil, o estudo da língua portuguesa foi incluído no currículo sob a forma das disciplinas Retórica e Poética, abrangendo esta a Literatura. Curiosamente, só no ano seguinte, em 1838, o regulamento do Colégio passa a mencionar a Gramática Nacional como objeto de estudo. Retórica, Poética, Gramática, estas eram, ainda segundo a autora, pois, as disciplinas nas quais se fazia o ensino da língua portuguesa até o fim do Império. Em meados do século XIX o conteúdo gramatical ganha a denominação de Português, e em 1871 foi criado no país, por decreto imperial, o cargo de Professor de Português. Percebemos então, que o ensino, nas décadas de 60 e 70, apresentado no documento nos remete à ideia do processo de ensino que chegou ao Brasil no século XVI com a Coroa Portuguesa. Contudo, ao longo da “Introdução”, o documento vai ainda apresentando algumas críticas em relação ao ensino tradicional: SD2 – Excessiva valorização da gramática normativa. (BRASIL, 1998, p. 18, grifo nosso). SD3 – Teoria gramatical inconsistente - uma espécie de gramática tradicional mitigada e facilitada. (BRASIL, 1998, p. 18, grifo nosso). A partir das SDs2 e 3 percebemos que este ensino não era conveniente, pois de acordo com Antunes (2004), o mesmo apresenta-se desvinculado dos usos reais da língua escrita ou falada na comunidade do dia-a-dia, ou seja, é uma gramática fragmentada, sem contexto, sem função, com

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frases feitas para servir de lição e para virar exercício. No entanto é preciso entender que a gramática de uma língua é muito mais do que um conjunto de sua nomenclatura. Conforme Pietri (2007), nas últimas décadas do século XX, ocorreu no Brasil a “democratização” do acesso ao ensino formal e público promovido pelo regime militar. Dessa forma os filhos de trabalhadores também passam a ter o acesso à escolarização. Para tanto se precisava levar o ensino da norma a todos e que todos compreendessem. Com isso, iniciou-se uma nova forma de trabalho, o de se trabalhar com a necessidade de integrar a escola ao contexto social em que se encontrava, garantindo assim que o aluno fosse considerado em relação às especificidades econômicas, sociais e culturais de seu grupo. É neste momento, por volta dos anos 80, que a Linguística se insere nessa discussão com o objetivo de responder à discriminação que apresentava o ensino tradicional e também para mostrar que seu objetivo é levar o ensino da norma a todos, ou seja, que o objeto de ensino passa a ser o texto como unidade e a diversidade de gêneros. Para isso destacamos o que o documento traz nas “Condições para o Tratamento do Objeto de Ensino: O Texto como unidade e a diversidade de gêneros”: SD4 – Nessa perspectiva, não é possível tomar como unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de extratos – letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases–que, descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos de estudo gramatical e pouco tem a ver com a competência discursiva. (BRASIL, 1998, p. 23, grifo nosso). Em relação à SD4, destacamos primeiramente a palavra não. Segundo Indursky (1997), a negação, por meio de seu funcionamento, estabelece fronteiras entre discursos ideologicamente antagônicos. Desse modo, podemos afirmar que a negação que predomina nas sequências discursivas destacadas no decorrer do documento é uma negação externa, pois incide sobre um discurso que provém de uma formação discursiva adversa. É possível notar então que a marca da negação é explícita e o discurso do outro é implícito permitindo que um dizer antes interditado na forma discursiva, seja, então, possível de ser dito. Se não é possível tomar como unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de extratos e descontextualizados, então o que é possível? Pelo viés do discurso entende-se que é possível tomar as unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de extratos – letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases – uma vez que estas sejam contextualizadas. Assim, destacamos as palavras descontextualizadas e estudo gramatical para mostrar que por meio da negação presente no início da SD4, entendemos que o ensino da gramática não deve partir dela mesma, mas sim do texto. E, podemos comprovar isso por meio dos estudos de Antunes (2004), quando destaca que: O estudo do texto, da sua sequência e da sua organização sintático-semântica conduzirá forçosamente o professor a explorar categorias gramaticais, conforme cada texto em análise, sem perder de vista, no entanto, que não é a categoria em si que vale, mas a função que ela desempenha para os sentidos do texto. (ANTUNES, 2004, p. 212).

No decorrer da leitura, na parte “A Reflexão sobre a Linguagem”, chamou-nos atenção a seguinte noção de gramática: SD5 – Gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem. (BRASIL, 1998, p. 27). Assim, em relação à SD5, podemos destacar que os PCNs (1998) referem-se a uma gramática (conhecimentos) que já está na mente dos sujeitos e que os habilitam a produzir frases ou

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sequências de palavras compreensíveis e reconhecidas como pertencentes ao português, ou seja, à uma gramática internalizada que, de acordo com Travaglia (2005, p.28), “corresponde ao saber linguístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos a sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica”. Entendese que é um saber que antecede qualquer princípio de escolarização ou processo de aprendizagem. Já, conforme Antunes (2004, p. 85), “a gramática compreende o conjunto de regras que especificam o funcionamento de uma língua”. Logo, a autora destaca que quando aprendemos uma língua, adquirimos o conhecimento das regras de formação dos enunciados dessa língua. Dessa maneira, não existe falante sem conhecimento da gramática, para tanto é preciso ter cuidado quando se coloca para o professor de português ensinar ou não regras de gramática, pois existe uma questão maior: quais regras ensinar e em que perspectiva? O que podemos destacar, considerando o gesto de leitura realizado, é que não temos no documento, PCNs, uma concepção de gramática explícita, mas a todo o momento encontramos explícito por meio do recurso da negação o que não é e o que não pode ser feito com a gramática. É nesse espaço que trabalha a AD. Orlandi (2005) destaca que por meio da prática de leitura, o olhar do leitor é exposto à opacidade (materialidade) do texto, “objetivando a compreensão em relação a outros dizeres, ao que ele não diz.” (p. 11). Tecendo breves considerações Ao iniciarmos a identificação das concepções de gramática fomos surpreendidas por não encontrarmos explícito o que é gramática. O que encontramos foram concepções com um discurso “implícito” por meio do recurso da negação sobre o que não é e o que não pode ser feito com a gramática. Nesse sentido, a partir de tais concepções destacadas no decorrer das análises por meio das sequências discursivas, concluímos que o documento traz um discurso em que a gramática precisa estar articulada às práticas de linguagem: produção de textos, orais e escritos, leitura e análise linguística, isto é, o ensino da gramática não deve partir dela mesma, mas sim do texto. Consequentemente, compreendemos que o modo na qual temos a gramática hoje, apresentada pelo documento, está relacionado com a história do ensino de Língua Portuguesa iniciado com a Coroa Portuguesa no século XVI. Com o passar dos anos, com a mudança do ensino e com as novas pesquisas na área da Linguística a gramática foi se modificando junto. Essa afirmação em que não podemos separar o sujeito, a história e o mundo das práticas de linguagem, pode ser associada aos estudos da Análise de Discurso quando Orlandi (2005), por meio dos estudos de Pêcheux nos apresenta as relações entre o sujeito, a língua e a história. De acordo com a autora as pessoas são filiadas a um saber discursivo que não se aprende, é um saber que produz efeitos por intermédio da ideologia e do inconsciente. O interdiscurso é articulado ao complexo de formações ideológicas representadas no discurso pelas formações discursivas, ou seja, “algo significa antes, em outro lugar e independentemente.” (p.11). Referências ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2004. AUROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas, SP: Editora da UNICAMP: 1992. BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRITO, E. V. PCNs de Língua Portuguesa: a prática em sala de aula. São Paulo: Arte & Ciência, 2003. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=gdbUApfRSx0C&pg=PA10&lpg=PA10&dq=pcns+quand

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o+e+como+foram+criados&source=bl&ots=Lbvy65Bziz&sig=gEdjyRUz9_ir3qIFE8RTL1IU0SY &hl=ptBR&sa=X&ei=jqtUebDOcbs0QGbpoHABQ&ved=0CEMQ6AEwAw#v=onepage&q=p cns%20quando%20e%20como%20foram%20criados&f=false. Acesso em: 21 mar. 2015 ILARI, R. ; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. INDURSKY, F. A fala dos quartéis e as outras vozes. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997. ORLANDI, E. P. Michel Pêcheux e a Análise de Discurso. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Laberurb/IEL, n. 1, p. 9-13, junho, 2005. ______. (org.). Política linguística no Brasil. 1. Ed. Campinas, SP: Pontes, 2007. PIETRI, É. A constituição do discurso da mudança de ensino de língua materna no Brasil. Campinas, SP: Biblioteca Digital da UNICAMP, 2003. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000313981. Acesso em: 20 fev. 2015. ______. Atuação sobre a materialidade textual: objeto de ensino/aprendizagem de língua materna. São Paulo: Estudos Linguísticos, USP, 2007. Disponível em: http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estudos2007/sistema06/38.PDF. Acesso em: 20 fev. 2015. SERRANI, S. Formações Discursivas e Processos Identificatórios na Aquisição de Línguas. Delta, vol. 13, n. 1. São Paulo, 1997. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/153963076/CELANIAfinal-o-que-e-Linguistica-Aplicada. Acesso em: 21 mar. 2015. SOARES, M. Que professor de português queremos formar? (2005). Disponível em: http://www.filologia.org.br/viiisenefil/07.html. Acesso em: 21 mar. 2015 TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: Uma proposta para o ensino de gramática. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. Enviado em 360/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

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ENSINO MONOLÍNGUE EM AMBIENTE ARTIFICIAL: O USO “CAMUFLADO” DA LÍNGUA MATERNA Márcia Helena Sauaia Guimarães Rostas Doutora em Linguística e Língua Portuguesa Professora do Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia (MPET) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul Rio Grandense Muriel da Silva Tadeu Mestranda do MPET – Professora de Língua Inglesa Resumo Este artigo analisa o papel da língua materna, mesmo que camuflado, no desenvolvimento da competência em segunda língua na sala de aula de língua inglesa de uma escola de imersão localizada na região sul do Brasil. O grupo de alunos é composto, em sua maioria, por adultos, idade entre 14 e 60 anos, falantes de português como língua materna. O grupo de professores também apresenta a língua portuguesa como língua materna. Para examinar a interlíngua nesse ambiente foi gravada uma aula, a fim de analisar a interferência da língua 1 (L1) no desenvolvimento da língua 2 (L2). Palavras Chave: aquisição, língua materna, mudança de código. Abstract This article examines the role of the mother tongue, even camouflaged, in the development of the second language competence, in an English-speaking classroom at a school of immersion, located in southern Brazil. The group of students is mostly composed by adults, aged 14 to 60 years old, Portuguese speakers as their mother tongue. The group of teachers also has the Portuguese language as their mother tongue. In order to examine the inter language in this environment, a class was recorded aiming to analyze the influence of the first language (L1) in the development of the second one (L2). Key words: Acquisition, mother tongue, code shifting. Introdução Pesquisas recentes abordam a questão da influência da língua materna no processo de aquisição de uma segunda língua. Algumas destas pesquisas tratam a língua materna como vilã no processo, outras, como elemento fundamental da consolidação do aprendizado. Existem, porém, dois procedimentos distintos no processo de aquisição. O primeiro, um processo subconsciente, intuitivo de conceitos gramaticais, e o segundo, um processo de estudo consciente da gramática de uma língua. O presente trabalho fará primeiramente uma breve introdução de cada um destes processos, para que se possa entender a metodologia de ensino da escola analisada. O processo de aquisição subconsciente ou “language acquisition" (Schtutz – 2006), defende o processo natural de assimilação, intuitivo, subconsciente, resultado de situações reais de convívio, onde o aprendiz participa ativamente do processo. Este processo assemelha-se com o processo natural de aquisição de língua materna, pois para que a criança passe comunicar-se ela faz uso de um conhecimento prático-funcional sobre a língua falada, e não de um conhecimento teórico, o qual, ela somente passará a receber depois de alguns anos de vida.

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Um exemplo da eficiência desse processo de aquisição é o caso de aprendizes que participam de programas de intercâmbio. Estas pessoas residem por algum tempo em países de língua nativa inglesa e passam a ter um alto nível de interlíngua, no entanto, este processo é feito de forma intuitiva, pois geralmente não tem conhecimentos teóricos sobre o idioma. O que leva estes aprendizes a competência linguística é, portanto, o ato comunicativo, ou na fala de Bakhtin a produção de enunciados, os quais estão sempre repletos de sentido. Por outro lado, o estudo consciente de uma língua, tem como foco principal o estudo da gramática ou análise do signo. O estudo formal parte de uma regra ou estrutura da língua até chegar na funcionalidade de tal aspecto. O professor tem papel crucial no desenvolvimento da competência deste aprendiz “passivo”, o qual adquire a língua através de esforços conscientes. Em virtude de dados teóricos, o resultado do aprendiz se dá por meio de quantidade de acertos que o mesmo tenha, enquanto o incorreto é totalmente estigmatizado. Desta forma o ambiente de ensino tradicional não valoriza a espontaneidade, sendo muitas vezes ausente de práticas o que tornaria o aprendizado mais natural. Um ponto muito importante que também precisa ser estabelecido é que o estudo formal não se transformará em assimilação. A ideia de que nós primeiro aprendemos uma regra e em sequência, através da prática a adquirimos, é comum e parece para muitos intuitivamente óbvia. (KRASHEN, 1982, p.83)

Tal noção é contrariada no discurso de Bakhtin, segundo ele, a linguagem é inata e socialmente construída, através de relações sociais e interação entre os sujeitos. Abaixo entenderemos melhor os conceitos expostos por Bakhtin. Noção de língua, linguagem e enunciado Ao se discutir questões de ensino e aprendizagem, ressalta-se a responsabilidade da escola em sua contribuição para a construção da cidadania, implicando em introduzir o aluno no contexto de um debate que discuta valores e reflita sobre as manifestações de sua própria subjetividade e da construção de seus processos identitários. No aspecto teórico, o ponto de partida seria pensar a linguagem na perspectiva de uma prática social, na qual, o discurso, moldado pelas relações de poder e ideologias, apresenta-se como processos de significação, manifestação de pontos de vista, de subjetividades, provocando efeitos nas construções identitárias, nos sistemas de conhecimentos, crenças, os quais, nem sempre estão aparentes na estrutura organizacional do discurso (FAIRCLOUGH, 1992), introduzindo-se a ideia da constitutividade do sujeito, pela, e na, linguagem. Do ponto de vista metodológico, vai-se de encontro a visão de realidade como descontínua, não linear, considerando o acontecimento, o evento, em sua singularidade e cotidianidade, como objeto de estudo, cabendo ao analista, compreendê-lo e interpretá-lo (LAVIELLE & DIONNE, 1999; SCHNITTMAN, 1996). Pensando assim, é que nos remetemos aos ensinamentos do “círculo de Bakhtin”, por serem aqueles estudiosos que concebem o estudo dos signos verbais inserido no universo dos bens simbólicos, no “mundo da cultura”, e, por fazerem parte de uma realidade, a qual constituem e que lhes constitui, apresentam-se “ensopados de valores” (FARACO,1996). Em uma alusão aos movimentos do universo, Bakhtin (1981a) nos diz que, na vida social, as forças centrífugas propagam a diversidade, a heterogeneidade das línguas, as quais se opõem às forças centrípetas, aquelas que tendem a instaurar uma forma de linguagem padronizada, enquadrando os enunciados concretos e seus processos de significações. Faz-nos ainda compreender a natureza dialógica do discurso, sua orientação para o outro – real ou virtual-, eco de

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outros discursos, com os quais mantém relações dialógicas, deles tomando formas, significações, por meio de processos de assimilação, reestruturação, em graus diversos (BAKHTIN, 1981b, 1992). Uma concepção de linguagem, portanto, para além das relações que se estabelecem nos limites da língua, condensando a ideia básica de que todo fato de significação é resultado de um trabalho social, realizado por sujeitos ativos no processo de interação/troca/comunicação verbal, fazendo emergir signos portadores de valores sociais, definidos a partir do horizonte social de sua época e pelas formas das relações sociais nas quais se constroem. Portanto, em uma aula de língua, onde todos os envolvidos compartilham da mesma língua materna, essa significação social se torna viável, visto que ambos estão imersos em um mesmo contexto. A perspectiva de abordagem da linguagem, formulada pelo círculo de Bakhtin, resgata uma concepção de sujeito, que se constitui face ao outro, mas não se dilui no outro, negando o estudo do sujeito “... a título de coisa porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo: consequentemente o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico...” (Bakhtin, 1992, p. 403). O deslocamento teórico acompanha-se de um outro, de ordem metodológica. Passa-se da oração, unidade de análise da ordem da língua, do sistema, do idêntico, para o enunciado, que é da ordem do acontecimento, do singular, do irreproduzível (BAKHTIN, 1992). De natureza tão diferentes, embora ao mesmo tempo interligadas, estas duas unidades implicam, portanto, em escolhas metodológicas também diferenciadas. A análise para o polo da oração, orienta-se na busca daquilo que na língua é sistemático, organizado em estruturas e níveis, considera os elementos reproduzíveis, opera com categorias prédefinidas, e tem subsidiado sistematicamente o ensino de línguas. O polo do enunciado assenta-se em outras bases. Ultrapassa os elementos reproduzíveis da língua. Comporta o (já)dito, as antecipações, as relações dialógicas (inter) e (intra) enunciados, e, que ocorrem nas fronteiras de pelo menos dois sujeitos, duas consciências. Desta forma uma aula de língua pode ser ministrada usando a língua alvo, tendo em vista essas relações dialógicas que vão muito além da emissão de signos. O estudo da linguagem, a partir da unidade “enunciado”, introduz uma noção de discurso como uma resposta aos outros enunciados, que versam sobre o mesmo objeto do discurso, e, com os quais se relacionam, ao mesmo tempo, que está sempre a “espera” de uma resposta, orientandose sempre para o outro. Cada texto pressupõe um sistema convencional, isto é, uma língua, comporta elementos técnicos, mas, exatamente, por ser único, irreproduzível, lugar dos sentidos, sua reprodução por um sujeito é sempre um acontecimento novo, porém carregado de outros enunciados. (BAKTHIN, 1981a,1992) Os teóricos do círculo de Bakhtin propõem um estudo da linguagem humana, enquanto uma atividade cognitiva, orientada para a ação comunicativa, através de sua manifestação nas diversas línguas, não mais concebida apenas como forma. E, ao tomar como foco de seus estudos o universo dos signos verbais, a orientação para o outro e o diálogo entre consciências estabelecem, como elementos indispensáveis aos estudos da linguagem, de um lado, as relações entre enunciado e realidade, de outro, aquelas, entre o enunciado, seu produtor e seus interlocutores. Operar teoricamente, metodologicamente e didaticamente, com estes dois tipos de relações, implica em assumir outras categorias de análise, incorporando ao ensino e aprendizagem de línguas, questões relacionadas ao sujeito do discurso, passando portanto pelas noções de valor, das vozes sociais e suas relações dialógicas. Ou seja, no dizer de Bakhtin (1992), estudar e compreender os aspectos e formas de relação dialógica entre enunciados, formatados em diversos gêneros discursivos, plenos de orientações apreciativas, juízos de valor, em síntese, elementos que, embora alheios ao sistema linguístico, remetem para o próprio funcionamento do enunciado, no

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qual se fazem ressoar vozes, algumas vezes longínquas e até imperceptíveis, entre as quais distribuem-se os sentidos. Vozes compreendidas como manifestação de consciências que dialogam, debatem, concordam, discordam, silenciam a voz do outro ou a si próprio, expressando valores, plurais ou não, personificação de diferentes sujeitos, de diferentes visões de mundo. Vozes que estabelecem relações dialógicas, relações de ordem extralinguísticas, que, não podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da língua enquanto fenômeno integral concreto, mas que são irredutíveis às relações lógicas ou àquelas de natureza semântico-pragmáticas. Relações possíveis entre enunciados integrais e entre qualquer parte do enunciado, inclusive aquele constituído por uma palavra isolada, desde que nele ouçamos a voz do outro (BAKTHIN, 1981a). Relações, portanto, que pressupõem sujeitos, ainda que seja difícil reconhecê-los, face à sua não concretude imediata, e que vão desde aquelas mais simples, como a polêmica, a paródia, até aquelas que vão permitir e possibilitar ultrapassar, ao ensino da língua, o nível da organização do texto, penetrando no campo das significações, dos valores, da subjetividade, enfim, da linguagem concebida como uma prática discursiva. São as relações dialógicas mais complexas, aquelas nas quais a estratificação de um sentido se sobrepõe a outro, podendo dominá-lo, ou com ele concordar, que constituem o espaço privilegiado de existência e observação das vozes sociais (BAKTHIN, 1981b, 1990). Estas colocações sobre as vozes e as relações dialógicas levam-nos a entender que o enunciado pressupõe sempre sujeitos do dizer, cujas vozes expressam valores e estão sempre em algum tipo de relações dialógicas. Por outro lado, é, por ser singular, que o enunciado pode refletir a individualidade de quem fala ou escreve, estando sempre a espera de uma resposta e não de uma duplicação de seu pensamento no pensamento do outro. A instituição de ensino e O papel da L1 na aquisição da L2 A pesquisa foi desenvolvida em uma Escola de imersão em língua inglesa, situada na região sul do Brasil. Tanto os alunos como os professores tem como língua materna, a língua portuguesa. Os alunos, em sua maioria são adultos com idade entre 14 e 60 anos. Com diferentes motivos para dar início a um curso de língua inglesa. Todos os alunos antes de ingressarem na escola, passam por uma entrevista avaliativa a qual tem como finalidade analisar o grau de comprometimento e aceitabilidade da metodologia usada. A escola denomina-se uma escola de inglês como segunda língua (ESL), apesar de estar situada em um país onde a língua materna não é o inglês. Assim como em ambientes naturais, o aprendiz desta escola não tem contato “explicito” com a sua língua materna, criando assim, um ambiente monolíngue artificial. Porque uso o termo “explicito”? Dentro das dependências da escola, é estritamente proibido o uso da língua portuguesa, todavia como ambos os alunos e professores tem a mesma língua materna, associações com a Língua 1 (doravante L1) são feitas a todo instante. Desta forma, justifico o uso do termo “explicito”, por se tratar de um uso camuflado de interferência de L1 no processo de aquisição da Lingua 2 (doravante L2). Na metodologia da escola analisada, os alunos têm um contato diário de seis dias com a L2 antes da aula presencial, este contato é feito por um processo chamado mnemotécnica (técnica de estimulação da memória). Segundo esta metodologia, quando o aluno chega à aula presencial, ele já tem internalizado certas regras e estruturas desta língua, as quais, durante a aula serão abordadas de uma forma funcional, dando foco para a habilidade comunicativa. Apesar de estudos mostrarem que a influência da L1 está presente principalmente em casos de ensino de inglês como língua estrangeira (EFL), esta influência também ocorre em algumas

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situações ESL, como no caso desta escola da região Sul do Brasil, onde a língua materna dos envolvidos no processo é a mesma. Pesquisas atuais sobre interferência da L1 na aquisição da L2 mostram que o que antigamente eram considerados erros no processo de aprendizagem de uma L2, não pertenciam à estrutura da língua materna, mas sim, etapas normais no processo de aquisição de uma L2, e não deficiência gerada pela interferência da L1. É de suma importância o conhecimento das influencias da L1 no processo de ensino da L2, para que possamos entender que tipo de estratégia o aprendiz se utilizou, e não simplesmente classificá-las como erros. Mesmo em ambiente onde há somente o uso da L2, em casos onde os envolvidos possuem a mesma língua materna é impossível alegar a inexistência de uma interferência da L1. Devemos, contudo, salientar os benefícios de tais interferências no processo de aquisição da L2. Pois por se tratarem de falantes de mesma L1, compartilham de conhecimentos culturais, sintáticos e fonológicos que facilitam a comunicação entre eles, a qual talvez não fosse alcançada se caso ambos não possuíssem a mesma língua materna. Segundo o princípio de “Androgogy” de Malcon Knowles (1973), que é a arte/ciência que tem como objetivo facilitar o aprendizado do aluno, existem alguns aspectos que devem ser considerados no processo de aquisição de L2 por adultos. Adultos são providos de uma experiência que os diferencia das crianças, o que constitui um imenso leque de recursos para o seu próprio aprendizado. Em segundo lugar, os adultos se disponibilizam a iniciar um processo de aprendizagem desde que compreendam a utilidade deste para sua vida pessoal e profissional. Adultos dão prioridade a uma prática orientada para resolução de problemas e tarefas relacionadas com sua vida cotidiana, portanto aulas centradas em teoria são pouco aconselhadas. E por último, adultos respondem positivamente a estímulos de ordem interna, ou seja, estímulos que o motivem a continuar e são sensíveis a estímulos de natureza externa, como notas. Sendo assim, a metodologia da escola estudada é de grande eficiência para esta faixa etária, a qual procura satisfação, autoestima, qualidade de vida quando recorre a um curso de idioma. O foco do aprendiz adulto não é somente a teoria da língua, mas sim o processo de interação que será possibilitado por este estudo. Análise de dados A pesquisa foi feita por meio da gravação e análise de uma aula do currículo da escola. Trata-se de um grupo iniciante, o qual está na sexta aula de inglês, apresentando, portanto, um conhecimento bem básico da língua. Por compartilharem da mesma língua materna e cultura, o professor faz uso destes artifícios para facilitar a comunicação. Analisaremos nos trechos abaixo apresentados um grande uso de palavras cognatas que são acrescidas as expressões corporais do professor. Segundo Bakhtin (2004, p.79) “[...] nenhuma enunciação verbalizada pode ser atribuída exclusivamente a quem a enunciou: é produto da interação entre falantes e em termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que ela surgiu”, levando-se em consideração tal afirmação pode-se perceber que a relação entre professor e alunos só pode ser bem sucedida devido esta interação e que ambos os grupos estavam imersos em um mesmo contexto sociocultural. Abaixo apresentarei alguns trechos da aula gravada, com as respectivas descrições dos fenômenos intralinguísticos que ocorrem. Os exemplos são da relação de comunicação do professor com o aluno, com inglês como interlíngua (IL) falado por brasileiros.

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A: I repeat DAY 06, mas... P: So you are repeating day 06? P: Do you like mathematics? A: Yes, adorooooo mathematics. P: Oh, really?! You loveeee mathematics. Estes exemplos apresentam um uso claro do fenômeno intralinguístico chamado “codeswitching”, pois o aluno faz a inserção de elementos da L1 para minimizar a “carência” de vocabulário que ele ainda apresenta na L2. Também podemos notar que o professor somente faz a repetição na L2 do termo que o aluno usou na L1, tendo em vista que não é possível a tradução “explicita” na escola. Todavia, este procedimento só se torna viável porque o professor tem conhecimento da L1 dos alunos. P: Do you like banana? A: I eat (it) every day. Neste caso o aprendiz faz a omissão do pronome pessoal reto, por não saber que na L2 há a necessidade de seu uso, fundamentado na estrutura de sua L1. P: How many people are there in Pelotas? A: Have (there are) many people. Como na L1 do aluno o verbo “ter” pode também ser empregado no sentido de existir o aluno baseia-se nesse conhecimento da sua língua materna e o repassa para a sua L2. No entanto, o verbo “have” na L2 não pode ser usado no sentido de existir, para tal, o uso correto seria do termo “there are”. P: Where are you going next weekend? A: I pretend (intend) to go to the beach. Falsos cognatos são bastante comuns na língua inglesa, o que por inúmeras vezes pode causar confusão na hora de expressar alguma ideia. Neste exemplo, o aprendiz utiliza-se da palavra “pretend” com o mesmo significado da palavra “pretender” da sua L1, contudo na língua inglesa essa palavra, apesar de uma grafia parecida com a da língua portuguesa, tem um significado bem diferente – “fingir”. Mas como o aprendiz não tem conhecimento dessa exceção faz uso do termo como se fosse uma palavra cognata, explicado pelo fenômeno da circunlocução. P: How many girls are there in Dom Pedrito? A: There are many girls beautiful. Este é um exemplo do fenômeno de transposição indevida, por não ter conhecimento que na L2 os adjetivos vêm antes dos substantivos, o aprendiz, calcando-se em sua língua materna faz essa inversão de termos, incorreta na L2, porém plausível na L1. Considerações parciais Aquisição requer interação significativa, na língua alvo – comunicação natural – onde os falantes estão cientes não apenas da forma de suas interações, mas também da mensagem que elas estão transmitindo e entendendo. Krashen

Uma das questões de maior relevância neste trabalho trata da importância da língua materna no processo de aquisição de uma segunda língua. Sabemos que o processo de aprendizado é muito complexo, pois não envolve somente fatores internos de sala de aula, mas sim outros fatores externos, tais como motivação, cultura, aspectos sociais, políticos, econômicos. Existem também variações biológicas, de idade, de aptidão, que também estarão influenciando no processo de aquisição de L2. O que é importante salientar é que cada pessoa tem suas características pessoais, e que devemos nos atentar a estes aspectos quando ensinando uma L2.

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Por meio dos trechos analisados podemos observar que apesar de ser uma escola de ensino “monolíngue” feito em ambiente artificial, existe uma imensa influência da língua materna no processo de aquisição. Tal influência, somente contribui para o melhoramento da interlíngua do aprendiz, pois este se sente muito mais seguro em saber que o professor dispõe da mesma língua materna que ele. Constata-se também, que saber uma língua não é apenar armazenar informações sobre a estrutura linguística, inclui, além disso, ter a capacidade de interação, tanto escrita como oral, ou seja, o ato de comunicação. Sabe-se que os aprendizes de L2, não assimilam esta nova língua da mesma maneira que adquiriram a L1, porém se o professor possuir conhecimento de tais processos de aquisição de língua materna, e inseri-los na sua prática pedagógica, pode ser de grande benefício para o aluno, pois estará auxiliando de maneira natural o desenvolvimento da L2. Embora seja um estudo pequeno sobre o processo de aquisição em ambiente artificial, vale ressaltar que os resultados obtidos nesta escola têm sido surpreendentes, e um estudo mais detalhado deste processo se torna necessário para compreender o valor real da língua materna no processo de aprendizagem deste grupo. Referências bibliográficas BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética. São Paulo.Hucitec. 1975 ______________Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981a. ______________. Marxismo e filosofia da linguagem. 7ª ed. São Paulo: Hucitec, 1981b. ______________Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FAIRCLOUGH, N. Discurso e Mudança Social. Brasília.Editora da UNB, 2001. FARACO, C.A . O dialogismo como chave de uma antropologia filosófica. In C. A.Faraco e FaracoC.Tezza (orgs) Diálogos com Bakhtin. Curitiba. Editora da UFPr. KRAMER 1996 FARACO, C.A. e NEGRI, L. O falante: que bicho é esse, afinal? Letras, n.49. 159- 170.Editora da UFPR, 1998. MELLO, H.A.B Perfil sociolinguístico de uma comunidade bilíngue da zona rural de Goias: Linguagem & Ensino. Pelotas: Educat.vol. 4, No. 2, julho/2001. MOITA LOPES, J.P. Oficina de linguística aplicada. Campinas: Mercado Aberto, 1996. MOZZILLO,I. Línguas em contato na sala de aula de língua estrangeira: Pelotas, Anais do VII Celsul. Educat, 2006. NICOLAIDES, C., MOZZILLO,I. O desenvolvimento da autonomia no ambiente de aprendizagem de línguas estrangeiras: Pelotas, Editora da UFPEL, 2003. OLIVEIRA, M.B.F. de (1996)A concepção dialógica da linguagem: uma contribuição ao estudo da relação linguagem e cognição. Estudos de Psicologia, v.1, n.2. PIMENTA, S. (org) (1999) Saberes Pedagógicos e Atividade Docente. São Paulo.Cortez Editora. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

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A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: ENSINO, CURRÍCULO, GESTÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Marcos Vinicius Santos Dourado8 Inaiane de Deus Fonseca9 Maysa Martins da Silva10 Resumo Esse trabalho objetivou uma análise sobre as teorias pedagógicas no contexto da Educação Brasileira, com intuito de tentar fazer uma relação entre os teóricos e o que se é empregado hoje no contexto educacional do sistema brasileiro de ensino dentro dos quatro eixos propostos: Ensino, Currículo, Gestão Escolar e a Formação de Professores. Como processo metodológico foi utilizado da pesquisa bibliográfica acerca de autores que trabalhem diretamente com o tema, em segundo plano foi feita uma abordagem contextualizada dos teóricos na prática cotidiana do sistema educacional brasileiro de forma simples, direta e objetiva. Ao final percebe-se que a educação brasileira enfrenta um momento complexo de grandes impasses e desafios diante de um quadro de uma pedagogia produtivista que busca a formação de mão de obra para o mercado do trabalho, deixando em segundo plano a formação e o desenvolvimento cultural e humano. Palavras-Chave: Educação, Teorias, Contexto Brasileiro. The influence of educational theories in the context of brazilian education: education, curriculum, management and teacher training. Abstract This study aimed to an analysis of the pedagogical theories in the context of Brazilian Education currently aiming to try to make a relationship between the theoretical and what is used today in the educational context of the Brazilian education system within the proposed four areas: Education, Curriculum, School Management and Teacher Education. As a methodological process was used in the literature about authors who work directly with the theme in the background was made a contextualized approach the theoretical in everyday practice of the Brazilian educational system of simple, straightforward way. At the end one can see that the Brazilian education faces a complex time of great dilemmas and challenges before a picture of a production- pedagogy that seeks manpower training for the labor market, leaving the background training and cultural development and human. Keywords: Education, Theories, Brazilian context. Introdução Esta pesquisa buscou uma reflexão sobre as teorias pedagógicas, processo ao qual modernizou o pensamento educacional, parte no fim do século XIX e preponderantemente no decorrer da primeira metade do século XX. O objetivo deste trabalho é refletir estas teorias diante Mestrando em Ciências da Educação pela Universidad Autónoma de Asunción – UAA, Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), Professor do Curso de Geografia, Campus Formosa (UEG) e professor da Rede Pública de Ensino em Formosa Goiás. 9 Mestranda em Ciências da Educação pela Universidad Autónoma de Asunción – UAA, Graduada em Matemática pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), Professora e Coordenadora do Curso de Matemática, Campus Formosa (UEG) e professora da Rede Pública de Ensino em Formosa Goiás. 10 Mestranda em Ciências da Educação pela Universidad Autónoma de Asunción – UAA, Graduada em Educação Física pela Universidade Católica de Brasilia (UCB) e Matemática pela Faculdades IESGO e professora da Rede Pública de Ensino em Formosa Goiás. 8

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do contexto da educação brasileira em quatro perspectivas: o Ensino, o Currículo, a Gestão e a Formação de Professores. A relevância desta pesquisa se dá devido à importância da relação e reflexão entre teoria e prática na realidade educacional do sistema brasileiro. Estruturalmente o trabalho está organizado em uma abordagem e reflexão dentro dos pontos selecionados. Por fim as considerações finais acerca desta reflexão e as referências bibliográficas utilizadas. Influência das teorias pedagógicas no contexto da prática do ensino na educação brasileira Assim como no âmbito global as teorias da educação no âmbito pedagógico caminhou de maneira similar na influência local, no caso, na educação brasileira, como abordado as primeiras teorias, as pedagogias de Platão, Pedagogia Cristã, humanista, racionalista, baseavam-se na perspectiva do Ensino. O foco então eram as técnicas de Ensino baseando-se nos princípios filosóficos e didáticos, isso também se refletiu na educação brasileira, no enfoque Tradicional, o professor é o centro do processo, cabendo a ele decidir quais as técnicas a serem usadas no processo de ensino. Numa temporalidade, esse período se deu até meados do fim do século XIX e início do século XX, segundo SAVIANI (2005): Nesse contexto a prática era determinada pela teoria que a moldava fornecendo-lhe tanto o conteúdo como a forma de transmissão pelo professor, com a conseqüente assimilação pelo aluno. Essa tendência atinge seu ponto mais avançado na segunda metade do século XIX com o método de ensino intuitivo centrado nas lições de coisas.

Nas décadas iniciais do século XX entrou em cena uma corrente denominada de Pensamento Renovador ao qual baseado em teóricos como Rosseau e de alguma forma Pestalozzi e Froebel, passando por nomes como Vygotsky, Nietzche, chegando ao movimento da Escola Nova, ao Construtivismo, observamos o enfoque maior na maneira de como aprender, passando o enfoque para o aluno. Concebendo ao educando uma liberdade e um espaço aberto, conforme SAVIANI (2005), passando para um aspecto prático. Segundo SAVIANI (2005) passamos em um primeiro momento por uma escola jesuíta pautada na teoria tradicional, passando logo em seguida para uma coexistência entre escola religiosa e leiga até meados dos anos 1932. A partir de então passou para um movimento renovador até o ano de 1969: O movimento dos renovadores ganha corpo com a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, se expande com a realização das Conferências Nacionais de Educação a partir de 1927, e atinge plena visibilidade com o lançamento do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em 1932 (XAVIER, 2002).

Logo em seguida entram em cena a Pedagogia Produtivista (1969 – 2001) que segundo SAVIANI (2005): Essa concepção começou a se manifestar no Brasil na passagem dos anos de 1950 para 1960 [...] essa concepção já se manifestou com plena clareza, erigindo, como base de toda a reforma educacional, os princípios de racionalidade e produtividade tendo como corolários a não duplicação de meios para fins idênticos e a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio.

Atualmente o ensino do Brasil segue essa tendência influenciada pelo neoliberalismo e produção do capitalismo no âmbito do ensino no Brasil. Diante dessa ideia com um mínimo de gasto na Educação e as barreiras e dificuldades impostas, temos no país uma mistura de forma variada e distribuída de forma aleatória, o sistema passa por um processo de precarização, onde cabe ao professor eleger quais teorias e de que forma serão trabalhadas estas em sala de aula.

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As teorias pedagógicas e o currículo brasileiro Segundo HOTZ (2015), sobre as teorias pedagógicas e a influência no contexto da educação brasileira: É possível encontrar na teoria de Jean Piaget o fundamento teórico metodológico das outras teorias, as quais se tornaram modismos na educação do Brasil a partir das décadas de 1980 e 1990. O ideário construtivista fundamenta-se na teoria Piagetiana, visto que em sua obra Piaget defende que, aquilo que o sujeito aprende por si só constitui-se como princípio educativo mais importante do que aquilo que o sujeito aprende a partir dos ensinamentos de outrem. Quer dizer, para Piaget o método de aprender é mais importante que o próprio conhecimento já produzido socialmente. Baseando-se na Educação Física Escolar percebe-se que antes o processo de conhecimento teórico era insignificante pois o método de aprender era mais importante que o conhecimento que se vive hoje.

Segundo CASTRO (2015), é possível afirmar a estreita relação existente entre os ideais para a educação do século XXI com as teorias epistemológicas, psicológicas e pedagógicas de cunho construtivistas. As quais pregam implicitamente o individualismo, a competitividade, a capacidade de adaptação ao mercado de trabalho e o avanço crescente do capitalismo contemporâneo. Tais concepções pedagógicas neoliberais pretendem oferecer para a classe trabalhadora não apenas a miséria material – inerente às péssimas condições de trabalho, baixos salários e ao exorbitante índice de desempregos – mas também a miséria intelectual – mediante uma escola empobrecida. É certo que toda ação educativa trabalhada no currículo brasileiro necessita ter uma fundamentação baseada em uma concepção teórica que a direcione; por isso, a prática pedagógica de qualquer professor, deve ser articulada com uma pedagogia. Através de um pensamento filosófico sobre o currículo da educação brasileira, mas que tenha compromissos pedagógicos sustentados teoricamente pelas pedagogias progressistas, tendo como objetivo final construir pessoas críticas, autônomas e conscientes de seus atos. A gestão e as teorias pedagógicas Segundo Leal e Filho, (2001) A definição de gestão é o de encontrar a melhor maneira de aproveitar os recursos humanos, físicos e financeiros de uma instituição para o cumprimento de sua missão. Um bom gestor necessita de estar envolvido diretamente com o plano pedagógico de ensino e com a comunidade escolar. É dever de toda sociedade, onde envolve também a família o desenvolvimento do educando, para isso é faz-se necessário uma gestão democrática, onde possamos inserir todos nesta educação. A Lei de Diretrizes e bases no seu artigo 2º e 3º inciso VIII, diz: Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino;

O objetivo de uma gestão competente no ensino é garantir meios para produção, educando as futuras gerações para tornar o país mais culto, competente e competitivo. A gestão requer uma responsabilidade tanto das instituições públicas quanto das privadas, uma vez que necessitam de respaldo no que tange a indisciplina e cobranças do governo. Até o século. o Ensino abordava uma formação de mão-de-obra. Com a vinda da Escola Nova, tendo como precursor no Brasil Rui Barbosa, esse movimento foi uma renovação no ensino, onde segundo DEWEY, a escola não pode

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ser uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida. Para ele, a educação teria uma função igualitária de direitos e oportunidades para todos. Segundo artigo publicado na revista BRASIL ESCOLA (2015) a educação tem como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem, fazendo com que a função da escola seja a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. De acordo com a ideia acima, acredita-se que a educação é o exclusivo elemento eficaz para a construção de uma sociedade democrática, que leva em consideração as diversidades, respeitando a individualidade do sujeito, aptos a refletir sobre a sociedade e capaz de inserir-se nessa sociedade, tendo como protagonista o gestor que contribuirá para uma formação mais consistente do educando e da sua comunidade escolar. A formação de professores e as teorias pedagógicas no contexto da educação brasileira A formação de professores sempre foi alvo de discussão e fomento principalmente nos praticantes da didática de Comenius que ressaltavam a importância da escola de formação de professores, as escolas normais, como exemplos em Paris, Reims após a Revolução Francesa. No Brasil, essa emergência se deu logo após o processo de independência do país no qual se cogita um processo de instrução popular, partindo então em uma divisão no processo da formação de professores. Segundo SAVIANI (2009), as escolas intermitentes baseavam-se no processo de capacitação de professores no ensino mútuo, as próprias custas, esse processo foi de forma bastante despretensiosa, logo em seguida vieram as Escolas Normais que tinham como o objetivo o enfoque didático pedagógico, mas na verdade, segundo o mesmo autor, acabaram por reproduzir as mesmas ideias das escolas intermitentes. Tiveram a reformulação e o processo de expansão destas Escolas Normais, desta forma se firmou e se expandiu por todo o país. Logo em seguida vieram os institutos de educação e os cursos de Pedagogia e licenciatura Plena e consolidação das Escolas Normais ao qual se estabeleceram cursos em São Paulo, Rio de Janeiro, curso este que se fundiu a criação da Universidade do Distrito Federal com o intuito da formação de professores secundaristas para todo o país. Logo em seguida passou-se por um período de retrocesso ao qual se teve a substituição da formação normal para o técnico de magistério, e logo após o fim da ditadura a retomada do processo de institucionalização e formação superior para o profissional da educação. Tendo a lógica do processo de implantação da Pedagogia Produtivista baseada na concepção neoliberalista e expansão do capitalismo, SAVIANI (2009), destaca: Mas a nova LDB promulgada, após diversas vicissitudes, em 20 de dezembro de 1996, não correspondeu a essa expectativa. Introduzindo como alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura os institutos superiores de educação e as Escolas Normais Superiores, a LDB sinalizou para uma política educacional tendente a efetuar um nivelamento por baixo: os institutos superiores de educação emergem como instituições de nível superior de segunda categoria, provendo uma formação mais aligeirada, mais barata, por meio de cursos de curta duração (Saviani, 2008c, p. 218-221). A essas características não ficaram imunes as novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia homologadas em abril de 2006.

Conclusão Diante da reflexão realizada neste trabalho, foi observado que as teorias são de grande relevância para o andamento da prática organizacional do sistema nacional de educação, ao analisar as Teorias e as correlacionar com o contexto educacional brasileiro observa-se que de forma global

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essas teorias tiveram um grande impacto reproduzindo em escala local, no caso, o Brasil, influenciando e modificando comportamento e ações nos quatro eixos propostos: Ensino, Currículo, Gestão e Formação de Professores. Hoje, percebe-se uma profunda influencia da escola pedagógica produtivista conforme ressaltado nos trabalhos e nas citações de SALVIANI, uma formação influenciada pelo neoliberalismo e o ideário capitalista nos quatro eixos propostos para a discussão além de um desprendimento em relação categoria educacional enquanto sistema e instituição pública do Estado Brasileiro. Referências BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96. Brasília DF, 1996. BRASIL ESCOLA. http://educador.brasilescola.com/gestao-educacional/escola-nova.htm. Acesso em 11/01/2015. CASTRO, Jeimis Nogueira. DA SILVA, Sérgio Henrique Almeida. DE SOUZA, Nádia Maria Pereira. A influência das idéias pedagógicas nas abordagens da Educação Física. EFDesportes – Revista digital.. Acessado em 11/01/2015. HOTZ, Karina G. A politica educacional do PROEJA e o atendimento das demandas econômicas. http://www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2008/5/Artigo%2017, acessado em 11/01/2015. LEAL E FILHO, Roberto e Silva. (Texto inserido no site em outubro / 2001 e publicado na ABC Education – A Revista da Educação (ano 2, número 10 – julho / agosto de 2001 – Artigo Gestão Escolar – Escolas enfrentarão cenário de competitividade cada vez maior). http://www.institutolobo.org.br/imagens/pdf/artigos/art_022.pdf. Acesso em 11/01/2015 SAVIANI, Demerval. As concepções Pedagógicas na História da Educação Brasileira. Unicamp, Campinas, 2005. SAVIANI, Demerval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

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POLÍTICAS LINGUÍSTICAS, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SUSTENTABILIDADE NA EDUCAÇÃO Maria Zenaide Farias de Araújo11 Janete Silva dos Santos12 Elbia Haydée Difabio13 Resumo Este artigo apresenta a síntese dos resultados preliminares de uma pesquisa em andamento, a qual se situa dentro das presentes mudanças educacionais que envolvem a prática docente do professorpedagogo, no que concerne à educação linguística. Nela se analisa a prática pedagógica no ensino de língua nas séries iniciais do ensino fundamental, a partir do uso de um léxico específico sobre o falar local (amapaense), para tratar a noção de língua como conjunto de variedades, considerando o paradigma sustentabilidade na educação linguística. A pesquisa é do tipo exploratória analítica, de metodologia qualitativa, de cunho interpretativista. Palavras-Chave: Educação e Política Linguística. Análise de Discurso. Sustentabilidade na Prática Pedagógica Docente. Abstract This paper presents the synthesis of the preliminary results of a research in progress. It lies within the realm of present educational changes involving the teaching practice of teacher-educator regarding language education. Therefore, it analyzes the pedagogical practice in the teaching of language in the early grades of elementary school from the use of a vocabulary to talk about the specific location (Amapá) to address the notion of language as a set of varieties, considering the sustainability paradigm in linguistics education. The research can be described as of an analytical exploratory type, qualitative methodology and of interpretative trait. Keywords: Linguistics and Education Policy. Discourse Analysis. Sustainability in Practice Pedagogical Faculty. Introdução Este trabalho está vinculado a uma pesquisa mais ampla e em andamento intitulada ― “Educação linguística sustentável: discurso docente sobre o tratamento da língua como conjunto de variedades a partir de um léxico do falar amapaense”. É a partir dela que apresentamos esta síntese dos resultados preliminares concernentes às distâncias entre as políticas linguísticas e práticas pedagógicas docente, com foco na ótica da sustentabilidade na educação, a qual se situa dentro das presentes mudanças educacionais que envolvem a prática docente do professor-pedagogo, no que concerne à educação linguística. Nela se analisa a prática pedagógica no ensino de língua nas séries iniciais do ensino fundamental, a partir do uso de um léxico específico sobre o falar local (amapaense), para tratar a noção de língua como conjunto de variedades, considerando o paradigma sustentabilidade na educação linguística.

Universidad Nacional de Cuyo – UNCuyo/AR. Faculdad de Filosofia e Letras. Departamento de Educação. Doutoranda em Educação. E-mail: [email protected] 12 Universidade Federal do Tocantins – UFT. Programa de Pós-Graduação. Doutora em Linguística Aplicada. E-mail: [email protected] 13 Universidad Nacional de Cuyo – UNCuyo/AR. Faculdad de Filosofia e Letras. Departamento de Educação. E-mail: [email protected] 11

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Dentre os objetivos específicos preliminarmente analisados estão o de identificar as concepções de ensino de língua como conjunto de variedades, partindo-se do pressuposto de que se têm como referências os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (BRASIL, 1997), que orientam esse tipo de abordagem no ensino; e o de identificar se, nos discursos desses professores sobre o uso do referido léxico, pontua-se o caráter tridimensional da sustentabilidade no contexto educacional, fruto das atuais políticas do país e do exterior. Para atingir tais objetivos, fez-se necessário realizar uma pesquisa de natureza exploratória analítica, de metodologia qualitativa, de cunho interpretativista. Por ser a Análise de Discurso interdisciplinar, utilizou-se o referencial teórico-metodológico de base francesa, legado deixado por Michel Pêcheux; para a questão correspondente à sustentabilidade na educação, utilizou-se o referencial de Hargreaves; Fink (2007) e Fullan (2005). Assim sendo, esta investigação compõe-se de uma complementação entre os discursos documentais e os discursos gerados em campo. Para a análise dos discursos documentais, utilizaram-se recortes do (PCN) de língua portuguesa das séries iniciais; para a análise dos discursos gerados em campo, utilizam-se recortes de entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio com transcrição livre. A coleta de dados contou também com o apoio da Observação registrada no Diário de Campo, visto que os dados da pesquisa de campo foram produzidos por meio de observação in loco em três classes de séries iniciais (4ªsérie/5ºano) e de entrevistas com 3 professores que atuam nessa fase da escolarização. As políticas linguísticas, as práticas pedagógicas docentes e a sustentabilidade na educação: (des)encontros Partindo do pressuposto de que as políticas linguísticas são aquelas que durante muito tempo foram vistas como uma incumbência exclusiva do Estado e também são conhecidas nos meios científicos com a denominação de Planificação Linguística (PESSOA, 2007, p.3), não é novidade para os pesquisadores da área de linguística que os discursos documentais concernentes às políticas linguísticas apresentam frequentes silenciamentos, bem como proclamam uma variedade de valores que necessitam de esclarecimento para quem delas faz uso no cotidiano escolar. Assim sendo, abordar os discursos documentais concernentes às políticas linguísticas nos faz identificar os frequentes silenciamentos tanto daqueles que os elaboraram (Classe dos possidentes) quanto de quem os utiliza (classe dos possuídos) como fundamentação teórica normativa, muito embora seja evidente que os silenciamentos de ambos interfiram de forma contundente na formação daquele que está vivenciando diretamente no espaço de sala de aula o discurso pedagógico docente, mesmo que este docente se identifique como intelectual transformador Há uma impressão ingênua e/ou equivocada de que só os intelectuais adaptados, críticos e hegemônicos produzem silenciamentos em suas práticas discursivas, mas isso não se sustenta, uma vez que, como esclarece Pacheco (1998, p. 5), o silenciamento é ―a prática de processos de significação pelos quais, ao dizer algo, apagamos outros sentidos possíveis, mas indesejáveis numa dada situação, não consegue deslocar, totalmente, os sentidos oriundos da formação discursiva dominante em que está inserido o discurso pedagógico. E isso ocorre com qualquer intelectual, seja ele pertencente a qualquer classe ― dos possidentes ou dos possuídos, ou como intelectual adaptado, crítico, hegemônico e transformador. Não obstante, concordamos também com Pacheco (ibdem, p. 3) quando ela afirma que ― através de um processo metafórico, há sentidos que escapam do silenciamento. Nesse sentido, quantas vezes somos flagrados utilizando-nos de práticas que comprovam a referida afirmação numa tentativa até de criticar o não dito embutido no discurso da ―política da língua que se materializa no corpo do texto, ou seja, na formulação, por gestos de interpretação que tomam sua forma na textualização do discurso (ORLANDI, 2005, p.10).

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Sabe-se que, embora a política linguística de um Estado nem sempre seja explícita, assim como várias outras políticas também não o são, muitas instituições, organizações, entidades ou segmentos específicos da sociedade também podem definir e defender uma política linguística, mas só o Estado tem poder para implementá-la, colocá-la em prática, através de um planejamento linguístico. Nesse caso, o Estado está representado pelo Ministério da Educação e Cultura, o MEC. Mas seu poder real é bastante limitado quanto a fazer cumprir certas diretrizes federais nas instâncias estaduais e principalmente municipais (BROSTOLIN, 2003, p. 31). No caso aqui apresentado, a instância é estadual, visto que a escola campo da pesquisa é estadual, e já que o poder real do Ministério da Educação (MEC) é bastante limitado no tocante à questão de fazer cumprir as diretrizes da esfera federal, por que então ele não age a partir da distribuição de responsabilidade para o Conselho estadual de educação, visto que o maior prejudicado é o aluno que está cerceado do direito de aprender e apreender o que essas diretrizes abordam? Assim como os professores entrevistados não fazem uso dos PCN de Língua Portuguesa (LP) das séries iniciais, a escola, por sua vez, parece negligenciar em dar bom exemplo, visto que ao visitar a sua biblioteca pudemos constatar as afirmações verídicas dadas pelos professores quando afirmaram por várias vezes que ― na biblioteca da escola não tinham os PCN referentes ao ensino fundamental, o que nos leva a afirmar que a ausência desse documento no seio escolar é fortalecida pela própria escola. Vejamos os seguintes depoimentos em que os recortes sugerem a carência de efetivo compromisso da escola, a ausência de uma liderança sustentável materializada nos discursos dos professores na medida em que são arguidos sobre as orientações propostas pelos PCN. Informamos que Pq é usado em relação ao enunciador/entrevistador Pesquisador(a) e P, em relação ao enunciador/respondente professor(a). Os trechos das falas dos professores em negrito são as marcas linguísticas por nós privilegiadas para a análise. (Pq) Há na sua escola uma preocupação em se ensinar (refletir sobre a língua materna), partindo-se do local para o universal/nacional, orientação sugerida pelos PCN (documentos oficiais)? Exemplifique. (P1) Professora infelizmente ainda não, ainda o que eu, o que eu quis dizer é que a escola privilegia muito a questão da língua padrão, então privilegia muito a questão da língua padrão (...) a grande preocupação da escola é trabalhar a língua padrão, é trabalhar a língua portuguesa, né, nas atividades da escola. (P2) Não, geralmente não, geralmente não pelo fato de que a gente desconhece esse assunto, né, então se, se agora, nesse momento, nessa semana eu compreendi que a variação linguística é isso, é aquilo e tal, tal, tal eu vou passar a me reportar a tudo isso que a senhora falou pra minha prática pedagógica, pra escola né, agora se eu não tenho conhecimento como eu vou aplicar uma coisa que eu não sei! (P3) Não, não há essa preocupação, até o momento eu não vi. Nós não temos esse apoio, né, professores de Língua Portuguesa, também eles trabalham à aparte com os alunos de 5a e EJA, e ainda não houve no tempo que estou aqui, uma possível, é, vontade de melhorar, de modificar, de dar uma estrutura melhor a essa questão da área linguística, né. No recorte de P1, a negativa do professor vem precedida do modalizador infelizmente, sugerindo para nós que este saber e esta abordagem tematizados na pergunta seriam reconhecidos pelo docente como necessário, pois também não foi manifesta, por parte dele, resistência ao

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discurso oficial proposto no questionamento feito. P2, mesmo modalizando sua negativa com o operador argumentativo geralmente, deixa-nos entrever que o tipo de abordagem sugerida pelos PCN efetivamente não é praticado na escola, responsabilizando a instituição pelo desconhecimento do assunto/documento oficial. Tal discurso é fortalecido na fala de P3, ao mencionar a falta de apoio dos professores de Língua Portuguesa em relação a um conteúdo que, para o docente pedagogo, seria prerrogativa primeira daqueles. Nota-se que a CF/1988 em seu art. 13 determina que a língua portuguesa é a língua oficial do Brasil, mas em seus artigos 215 e 216 admite que o Brasil é um país pluricultural e multilíngüe. Não obstante na LDB/96 é anunciado o caráter diversificado de uma parte do currículo, no art. 26, quando pressupõe que os currículos do ensino fundamental e médio tenham uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Então qual a explicação que a escola encontra para não utilizar os PCN? Entendemos que os cursos aligeirados provenientes de convênios assinados entre as universidades e os Estados, bem como as políticas do governo federal materializadas através do PARFOR fortaleceram os ranços dessa formação inicial (ARAÚJO, SANTOS, mimeo) que comprometeram a pluralidade dos saberes que é mais um imperativo na prática docente de quem administra a gestão da aprendizagem nas instituições educacionais, por outro lado, concordamos com Santos quando acentua que importa reconhecer que tais ações são válidas, necessárias e, no cenário contemporâneo, obrigatórias. Mas, como apontam as variantes que envolvem a FC [formação continuada] e o cenário atual de trabalho do professor de LM [língua materna] (...), o esforço do Estado, bem como das prefeituras, acaba se materializando, muitas vezes, em ações e em conjunturas também criticáveis e até repudiáveis (excesso de turmas, excesso de alunos, excesso de aulas, pouco tempo para reflexão/estudo/planejamento, excesso de atividades burocráticas, ausência de férias ou tempo insignificante de descanso, contratos com muitas obrigações e poucos direitos, oferta de materiais didático-pedagógicos ainda pouco ou questionáveis, falta de espaço físico climatizado e mais adequado ao estudo, falta de incentivo financeiro em cursos, de férias ou não etc.). Não basta buscar intervir apenas nas ações individuais dentro da sala de aula, pois o professor não é professor apenas a partir do momento que entra na escola. É um sujeito complexo inserido num contexto complexo, cujas condições de vida (pessoal, familiar, social, política, ambiental, econômica etc.), de formação (inicial e continuada) e de trabalho (tipo de contrato e de condições de trabalho), agem sobre ele e condicionam seu desenvolvimento e sua atuação profissional, expandindo ou bitolando seu raio de reflexão e ação no trabalho com a linguagem (SANTOS, 2010, p. 160-161).

O art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil - Decreto Lei 4657/42 estabelece que "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece". Partindo do princípio de que ―o desconhecimento da lei é inescusável‖ (art. 21 do CPB), isso leva-nos a refletir sobre o desconhecimento dessas políticas e legislações que orientam as questões linguísticas, que também nos leva a recorrer ao inciso II do art. 5 da CF que afirma ―ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei‖. (CF, 1988). Ora, se considerarmos o princípio universal do direito que afirma que o que a lei não proíbe, ela permite, significa dizer que a omissão desses conteúdos contemplados nesses referenciais além de dar lugar à manutenção do ensino através de paradigmas que já se provaram ineficazes, também prolifera a exclusão proveniente dessas práticas que cerceiam os direitos de cidadania propagados nos livros, nas pesquisas apresentadas nos encontros científicos, até mesmo nas políticas linguísticas aqui mencionadas, portanto qual a razão da manutenção deste ensino arcaico e excludente, mantenedor de velhos paradigmas se o aprendizado que advém deles não se sustenta?

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Destaque-se que, inicialmente, no Dicionário online de Português a palavra omissão significa: s.f. Ato ou efeito de omitir. Falta, lacuna. Falta de ação no cumprimento do dever; inércia; desídia. Sinônimos de Omissão: falha, falta, irregularidade, lacuna, lapso, nequice e Preterição Assim sendo, a omissão é um ato de silenciar o que perpassa por essas políticas. O mais surpreendente é que esses silenciamentos provenientes de tais omissões podem por longas datas manter o status quo, sendo que, O professor do tipo ―dogmático‖ e ―doutrinador‖ desconhece que sua contribuição maior não está em conquistar discípulos, mas em contribuir para que seus alunos possam decidir de forma autônoma. Por outro lado, estar em sala de aula, como afirma Paulo Freire (1997, p.110), ―é uma presença política em si. Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper‖. Respeitar o educando significa tratá-lo como sujeito do próprio destino, capaz de refletir, fazer opções e se responsabilizar. O educando não é um objeto manipulável e passível de ser moldado conforme os desígnios do professor. (SILVA, 2009, p. 4).

Considerando que os PCN representam as referências nacionais para o ensino de LP e que seu desconhecimento pode refletir também o desconhecimento da CF/88 e da LDB/96, duas leis federais que se somam e não se excluem quanto ao trato dos artigos aqui expostos, faz-se necessário repensar sobre o que afirma Seganfredo (2003, p. 25) ― só existe política linguística quando existe também escolha. Tal escolha pode-se dar tanto entre diferentes variedades linguísticas quanto entre diferentes línguas‖. (SEGANFREDO, 2003, p. 25). Ora, se a escola prioriza somente o ensino da gramática em detrimento ao referencial dos PCN, como o aluno pode ser sujeito do próprio destino? Calvet (apud SEGANFREDO, 2003, p. 25) diz que “política pública é o conjunto de escolhas conscientes efetivadas no âmbito das relações entre língua e vida social, e mais particularmente entre língua e vida nacional”. Em seguida, Seganfredo afirma que as “políticas linguísticas geralmente são vistas como formas de resolver problemas de língua ou de comunicação” (idem, p. 29). Então como fica a situação dos alunos, uma vez que tanto a escola quanto os professores estão distantes e ausentes por consequência do evidente distanciamento existente entre as políticas e os sujeitos cuja responsabilidade em socializá-las e materializá-las não são exercidas como podemos ver nos seguintes recortes: (Pq) Existe distanciamento entre as políticas linguísticas e a sua prática pedagógica? Por quê? (P1) Eu acredito que, que, que existe no sentido de que (...) eu me distancio no momento em que eu considero, né, essas experiências que meus alunos trazem, né, então o que eu posso dizer eu passo um texto, o aluno escreve de acordo com a sua linguagem, com a linguagem que ele traz do seu grupo social, se eu fosse analisar do ponto de vista da norma padrão, ia dizer: ah, meu aluno escreveu errado, ele tá errado, eu não considero que é errado, pra mim não existe o errado, existe o diferente, então eu acho, eu acredito que eu me distancio com relação a isso. (P2)

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Sim, porque há desconhecimento, há um desconhecimento do que é variação linguística por não ter sido trabalhado na academia. (P3) Eu acredito que sim, professora, porque nós não tivemos um atendimento específico, disciplinas que cobrassem toda essa metodologia, e no final das contas estamos em sala de aula, na maioria das vezes querendo desenvolver um bom trabalho, mas falta o principal, recursos, apoio, tanto didáticos como profissionais pressionando, incentivando, repassando é as mudanças, né, das normas é pra melhorar o ensino aprendizagem das crianças. As marcas linguísticas por nós grifadas em P1 apontam a contradição que enlaça a discursividade dos sujeitos (ORLANDI, 1999). Talvez o professor não tenha compreendido a pergunta, assim, projetou-se como aquele que se distancia do modo tradicional de ensinar, uma vez que, segundo argumenta, para ele não existe o errado, existe o diferente. P2 é categórico ao confirmar o distanciamento, porém, não assume a responsabilidade por tal impasse, mas atribui a falta à instituição que o formou/forma. P3 projeta-se em seu discurso como o professor comprometido que, por outro lado, sofre as limitações de sua condição de formação e de trabalho. Salienta-se que cabe ao professor de língua materna perceber a necessidade do uso do marco teórico introduzido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que tiveram o mérito de dar à oralidade e aos gêneros um lugar de destaque no ensino. Marcuschi; Dionisio (2007, p. 7), até que, o compromisso do educador é, antes, com a formação do aluno, com o desenvolvimento de suas capacidades tanto de reflexão sobre a linguagem quanto de uso crítico da língua. E na medida em que língua e linguagem são parte indissociável de nossa forma de ser e de viver, da história individual e coletiva de todos nós, a educação linguística não pode deixar de ocupar-se do maior número possível de suas facetas, em especial aquelas mais envolvidas na vida social (BAGNO, 2007, p. 15).

Nesse sentido, observa-se que os dispositivos referendados nos Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN para o ensino fundamental (SÉRIES INICIAIS) – Língua Portuguesa, estão definidos, dentre os objetivos gerais de língua portuguesa para o ensino fundamental que prioriza: “Conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado; conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou etnia (BRASIL, 1997, p. 33). Se os PCN de LP não estão fazendo parte do currículo dos alunos das séries iniciais, o que dizer dos estudos a respeito: 1) Do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotada pela Resolução nº.2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. No § 2º. do art. 2º afirma que os Estados Membros no presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. (p. 2). 2) O Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, que além de atender os anos iniciais e finais do ensino fundamental, ensino médio. O PNLD também atende aos alunos que são da educação especial. São distribuídas obras didáticas em Braille de língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia e dicionários.

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3) Da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, visto que observa-se que no art. 23º que 1. O ensino deve contribuir para fomentar a capacidade de auto-expressão linguística e cultural da comunidade linguística do território onde é ministrado; 2. O ensino deve contribuir para a manutenção e o desenvolvimento da língua falada pela comunidade linguística do território onde é ministrado; 3. O ensino deve estar sempre ao serviço da diversidade linguística e cultural, e das relações harmoniosas entre as diferentes comunidades linguísticas do mundo inteiro. 4) Da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, uma vez que o art. 5 trata dos direitos culturais, que são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes. Representadores do marco propício da diversidade cultural, posto que toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Nas linhas gerais de um plano de ação para a aplicação da declaração universal da UNESCO sobre a diversidade cultural, afirma no item 6. Fomentar a diversidade linguística - respeitando a língua materna - em todos os níveis da educação, onde quer que seja possível, e estimular a aprendizagem do plurilinguismo desde a mais jovem idade. Observa-se de maneira muito clara que não só os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), como também o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural e a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, são documento que, na maioria das vezes, não são nem mencionados nos cursos de Pedagogia e/ou de Letras, até porque a disciplina que deveria se ocupar em trabalhar tais conteúdos se prende apenas nos referenciais das Constituições Federais e nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), deixando de abordar as riquezas de detalhes proclamadas e silenciadas nos supracitados documentos. Muito embora reconheçamos a necessidade de se trabalhar a CF/88 e a atual LDB, entendemos que no planejamento das séries iniciais a universidade deveria contemplar também os supracitados conteúdos, visto que todos eles concebem e fomentam a diversidade linguística, o plurilinguismo, o respeito à língua materna como fator primordial no ensino em todos os níveis. Quem sabe se isso acontecesse as pessoas pudessem conviver de maneira sadia com a reputação social dos falares existentes do Oiapoque ao Chuí, em se tratando de Brasil, como defende Altenhofen e Broch: Na sua essência, a pedagogia do plurilinguismo compartilha com a pedagogia da variação linguística desafios comuns que, no entanto, no caso do plurilinguismo, não se restringem ao eixo intra-linguístico, e sim também abrangem dimensões interlinguísticas. Línguas em contato são identificadas pela comunidade de fala como entidades próprias, diferentemente das variantes intra-linguais, embora possam ser associadas a entidades substandard, como p.ex. a pronúncia variável de /r/ em relação ao gauchês, ao português caipira ou a outra variedade (ALTENHOFEN, BROCH , 2011, p. 17).

Vale ressaltar que ainda na mesma vertente os discursos que seguem apresentam o peso dessas práticas mencionadas anteriormente. Assim sendo, para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços

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democráticos e igualitários (PRADIME, 2007). Portanto, vejamos o papel das políticas linguísticas na escola campo de pesquisa em resposta a pergunta infra. (Pq) Que papel as políticas linguísticas ocupam hoje na sua escola? (P1) Professora eu não tô nem dando uma, uma opinião, assim, sobre essa questão, até mesmo porque é muita, muitas coisas eu desconheço a questão dos pcn (...) (P3) Eu acredito que somente o básico, como o conteúdo programático encaminhado aos nossos alunos, mas não há um estudo, não há um cuidado de melhorar a situação, porque os nossos coordenadores, né, supervisores, se envolvem muito na questão social da escola, os problemas sociais, eu acredito que se tivesse um estudo quinzenal aos sábados, mas estudar mesmo, avaliar, vamos procurar formas de melhorar essa questão do conteúdo, do currículo de todas as crianças, mas não está acontecendo isso. [Ao ser arguido novamente por Pq, com a mesma questão, P3 responde] (P3) É, os livros didáticos, no caso, que ele é uma política, né, linguística, ele ocupa um lugar em destaque na escola, por quê? porque os livros eles são dados aos alunos, então a gente tem que aproveitar o livro (...). P1 assume não poder enunciar nem no campo da opinião, visto desconhecer o documento oficial. P3, por seu turno, projeta-se como sujeito da opinião ao subjetivar-se como aquele que ―acredita‖ que somente o básico, em relação à questão, é realizado, visto que falta apoio do sistema educacional (não há um estudo) para ações que incluam na escola perspectivas positivas de políticas linguísticas. Ao continuar P3 aponta o livro didático (LD) como único instrumento, conforme seu imaginário, a salvaguardar noções de políticas linguísticas a que tem acesso. A fuga a um detalhamento maior sobre o que ele entende por política linguística, dada a resposta enviesada, sugere a pouca (ou nenhuma) reflexão feita sobre tais questões, tanto na academia quanto na escola. Vemos nos discursos docentes um modo de silenciamento sobre as abordagens sugeridas nos PCN concernentes ao trabalho com a variação linguística na escola. Isso é problemático também quando o docente tem como sua principal ―luz no fim do túnel― apenas o LD, fato que, para Pessoa (2007), limita substancialmente o desempenho dos gestores da aprendizagem, pois emperra a prática de ensino mais eficaz tanto do recém-formado, como mostra o autor, e também como, acreditamos, do já mais experiente professor: Na verdade, o recém-formado quase sempre desconhece que a matéria-prima para o seu trabalho será exatamente a diversidade de competências lingüísticas que seus alunos trazem para a escola. E quando tal diversidade está associada a uma também intensa heterogeneidade cultural, (...) não existirá livro didático capaz de dar conta de estratégias metodológicas suficientemente fortes por si mesmas (PESSOA, 2007, p. 5).

Até porque a falta de hábito de leitura voltado às políticas linguísticas presente no cotidiano de quem ministra a disciplina de LP é visível no discurso dos gestores da aprendizagem sujeitos da presente pesquisa, e nesse sentido, ― se o professor não é um grande leitor, se a sua cultura é também de relevante oralidade, supõe-se que o seu Curso de Formação não conseguiu ajudá-lo a transpor barreiras teórico-práticas que o auxiliariam no exercício de sua profissão. (idem, ibdem, p.8). Visto que, corroborando a posição de Pessoa: é na formação do docente que devemos concentrar esforços para que tal professor saia de seu curso minimamente informado sobre a diversidade e heterogeneidade lingüístico-cultural que, historicamente, não são, ou não deveriam ser, empecilhos do ensino/aprendizagem, uma vez que é nesse material que repousam os valiosos

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No mesmo caminho enfatizamos que os recortes que seguem nos fazem refletir sobre a questão de que temos, pois, pedagogias de combate ao preconceito social e a discriminações por criar. Mas voltamos a afirmar que sem a cultura da leitura de nada vai adiantar a criação dessas pedagogias, assim como de nada adianta a criação das políticas se elas não ocupam o seio escolar. Nessa direção vejamos os discursos que seguem: (Pq) Quais as políticas linguísticas que você faz uso no exercício de sua prática docente? E como as usa? (P1) (...) eu, por exemplo, desconheço muito, porque nós estudamos de uma forma muito rápida na universidade, é e quando nós deveríamos, na escola, tirar momentos pra que nós pudéssemos debater essas políticas, de que forma estão sendo utilizadas na escola, na sala de aula, então existem algumas políticas, aqui, que é... as vezes eu até é... como a gente não tem tanto acesso, a gente acaba, né, trabalhando as vezes até sem ter a noção exata do que venha a ser. (P2) Políticas linguísticas. Pesquisas? Eu estou pouco assim confusa com relação a essa questão das políticas linguísticas, como eu disse, nós não temos aquele apoio, né, então a gente trabalha o conteúdo programático determinado, né, pelo MEC, pela Secretaria de Educação, e procura recursos além, vai a internet, procura livros, e vai muitas vezes a nossa imaginação pra melhorar a prática na sala de aula. [Pq insiste com a mesma pergunta, obtendo a seguinte resposta] P2: O conteúdo programático, pronome, verbo, substantivo, porque isso é importante, só que pra aprendizagem da criança, é, quando principalmente, quando ela tem uma deficiência no lar, na criação, é muito difícil deles aprenderem na íntegra o que nós estamos repassando, eles conseguem, eles confiam, eles acham que estão aprendendo, mas se você for avaliá-los, lá na frente eles esqueceram tudinho. (P3) Eu utilizo os Livros didáticos, os paradidáticos, eu uso com meus alunos em grupos ou individualmente lendo, interpretando, analisando, analisando tipos textuais, daquele referido é livro, aquele referido conteúdo que a gente tá vendo. Conforme podemos analisar pelas marcas linguísticas destacadas, P1 embaraça-se para assumir, ao final de sua enunciação, que não tem noção do que trata a questão. P2 desliza para o apoio mais pontual de que se dá conta, o LD, não consegue construir sentidos pertinentes à pergunta, pois em seu imaginário tais reflexões lhe parecem ainda muito obscuras. P3 também assume o desconhecimento sobre o tema em pauta, pontuando, por outro lado, a tônica de suas aulas, deixando-nos entrever que questões sobre variação linguísticas lhe são ainda muito estranhas. Essas breves análises indicam-nos o quanto precisamos problematizar o distanciamento entre políticas linguísticas, no tocante ao ensino com base na variedade linguística da língua nacional, e as práticas pedagógicas dos professores pedagogos, responsáveis por introduzir as crianças, nos primeiros anos escolares, nos estudos e na reflexão sobre sua própria língua materna, evitando abordagens preconceituosas que maltratam o ser humano. Desse modo, do ponto de vista da sustentabilidade, cabe enfatizar que o coração do propósito moral da educação deve ser o aprendizado – algo que é, por si só, sustentador – que se difunde e dura por uma vida inteira. (HARGREAVES; FINK, 2007, P. 34). Se os alunos esquecem aquilo que dizem ter aprendido, ou o que a professora afirma ter ensinado, leva-nos a afirmar que o referido ―aprendizado não ocorreu se levarmos em consideração a questão do

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aprendizado amplo e profundo (AAP), posto que ele dirige-se a nossa maior fome. Empreende a busca por saber, por compreender, por comunicar e por deixar o mundo um lugar melhor. AAP para todos os estudantes – e para todos os adultos que trabalham com eles – é então aprendizado para construir sentidos, aprendizado para a compreensão, aprendizado para a vida. (ibdem, p. 38). Os mesmos autores prosseguem afirmando que ―o sentido central de sustentar é manter erguido; suportar o peso; estar apto a suportar (superexigência, sofrimento e coisas parecidas) sem desabar. (HARGREAVES, 2007, 31). Se ―aprendizado‖ desabou alguma coisa ocorreu para que ele despencasse, certamente não foi nutrido o suficiente para se sustentar, até porque uma experiência é sustentável, conforme esclarece Silveira (2012), quando as diversas forças que se mobilizaram para concretizá-la (em múltiplos aspectos) continuam ativas (mesmo que modificadas), depois de terminado o projeto inicial que lhe deu origem. Nesse sentido, é percebível que as questões que giram em torno da sustentabilidade distanciam-se das práticas dos sujeitos da presente pesquisa. Os discursos aqui registrados demonstram a seriedade da situação. O discurso que segue é muito mais contundente, no entanto, são depoimentos, como este decorrente da pergunta que segue, que mostram o quanto esses docentes necessitam de uma educação continuada (EC) de viés sustentável tendo em vista que o curso de formação inicial (FI) não foi suficiente no que diz respeito ao suporte teórico para que esses docentes pudessem exercer uma prática pedagógica exitosa, com menos ranços e mais avanços da vida cotidiana escolar. Vejamos o depoimento colhido: (Pq) Quais os fundamentos teóricos que devem ser utilizados para sustentar o ensino de língua como conjunto de variedades? (P2) Professora eu não tenho nenhuma base com relação a isso, a fundamentos teóricos. O que podemos observar no discurso acima, dada a resposta sem rodeios do docente, é o desconhecimento do termo fundamentos teóricos, termo muito utilizado no meio escolar universitário, mas que não foi apreendido pelo docente, visto que apesar da democratização da escola ser exercida de maneira lacunar, sente-se que o professor também parece acomoda-se ao ponto de permanecer estagnado no tempo à espera, quem sabe, de uma educação continuada para suprir suas carências. Diante do supracitado contexto, tratar a língua a partir da noção de que é constituída por variedades, produz reconhecimento da diversidade e, consequentemente, respeito ao aluno que, regra geral, chega à escola dominando uma variedade, dentre as possíveis, mas que, na maioria das vezes, percebe-a desprezada por um ensino de viés tradicional ortodoxo. Defendemos que a adoção, no discurso e na prática, de uma pedagogia de ensino para o desenvolvimento da linguagem, assentada numa perspectiva da variação linguística, como componente do que chamamos língua, é fundamental para que o meio ambiente (escolar) se fortaleça no âmbito da cidadania, da democracia, dos direitos humanos, dos direitos linguísticos etc. A esse respeito é salutar trazer aqui a reflexão de Lima e Brito: a democratização da escola depende do saber pensar, conceber, decidir, executar coletivamente o saber pedagógico que possibilita, aos educadores, compartilhar significados, desenvolver habilidades, criticar posturas e propostas, produzindo conhecimentos e novas formas de intervenção, com vistas à promoção da aprendizagem dos alunos. A sociedade contemporânea exige um profissional que saiba lidar com o conhecimento e a diversidade de informações. Os educadores precisam selecionar as informações adequadas ao desenvolvimento da aprendizagem, ter acesso aos estoques de informações e saber como disseminá-las. Devem estar familiarizados com as

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Se houver um repensar profundo atuando no processo de formação e prática docente, com vistas a valorizar e a gestar a docência com a responsabilidade de incorporar o caráter tridimensional (profundidade, amplitude e duração) fundamental da sustentabilidade na educação linguística, certamente a possibilidade do quadro educacional linguístico apresentará mudanças e liderança sustentável, com as atividades menos agressivas à humanidade tendendo a diminuir. O que se faz urgente é que os cursos de Letras e Pedagogia, onde quer que estejam situados, assumam a preparação desse fazer. É preciso, sim, que levemos em consideração a relação existente entre a fala e a grafia, para observarmos o nível de influência que a oralidade exerce sobre o domínio da língua escrita considerada padrão, porém, fazendo de tal relação um ponto de partida e não um obstáculo preconceituoso. (PESSOA, 2007, p. 12)

Na mesma direção Lima e Brito (2011, p.33) afirmam que: Educação permanente, educação contínua, educação continuada, formação continuada. São, hoje, os termos mais empregados na formação de profissionais e são usados como sinônimos, pois, no interior desses conceitos, está o conhecimento valorizado como eixo da condução de mudança.

Nota-se que, dentro do contexto atual, é perceptível que tanto as instituições educacionais, de forma geral, quanto o corpo docente que as compõem encontram-se num estágio menos avançado e menos criativo no trato de tais mudanças, bem como no trato da questão da sustentabilidade educacional, principalmente no que diz respeito a educação linguística sob a ótica da sustentabilidade e, mais ainda, quando se toca no tratamento da língua como conjunto de variedades a partir de produções locais (Amapá). Daí reconhecermos a necessidade de se estudar sobre: As distâncias entre as políticas linguísticas e práticas pedagógicas docente: um olhar sob a ótica da sustentabilidade na educação. A década da educação para o desenvolvimento sustentável (2005-2014) foi decretada pela UNESCO. Ela enfatiza o papel central da educação na construção de um mundo mais sustentável e igualitário. Apesar do merecido destaque, poucas foram as iniciativas criadas no âmbito educacional com o objetivo de introduzir de forma consistente e sistemática o tema da sustentabilidade dentro das escolas e do currículo da educação básica brasileira. A UNESCO (2005, p. 47) é uma organização que defende a perspectiva da sustentabilidade na educação, indicando os pontos que julga salutar, ao defender que ― a educação para o desenvolvimento sustentável deveria possuir as seguintes características: ser localmente relevante: tratar as questões locais assim como as globais, usando a linguagem que os alunos usam mais comumente. (Destaque meu). Continua ainda a demonstrar a relevância do saber local quando afirma que: O saber local está estreitamente associado aos modos de articulá-los na linguagem local – o uso da língua local na educação, junto com outras, é um fator não apenas de equilíbrio do desenvolvimento cognitivo das crianças, mas também de reconhecimento, validação e utilização das lições tiradas diretamente do cotidiano e da comunidade local. (ibidem, p.51).

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Portanto, não há espaço para rejeitar, preterir, omitir, silenciar, não usar os PCN, justamente pelo fato de que os PCN, “ao reconhecerem a complexidade da prática educativa, buscam auxiliar o professor na sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pela responsabilidade e importância no processo de formação do povo brasileiro. (BRASIL, 1997). Considerações finais A educação pública necessita urgentemente ser socorrida na UTI, a enfermaria não comportaria a quantidade de sujeitos que são educados por paradigmas que não se sustentam. Os meios de tratamentos do tipo negócio temporário, que busca produzir resultados rápidos e lucros intermináveis não apresenta suporte necessário e significativo para gerenciar uma educação linguística no contexto do que se entende sobre profundidade, amplitude e duração. Ao contrário, como um processo quase universal que molda as gerações do futuro, a educação deveria ser tratada como um dos empreendimentos mais duradouros de todos. Sustentabilidade não é apenas uma metáfora emprestada das ciências ambientais. É um princípio fundamental para se enriquecer e preservar a riqueza e a interconectividade de toda a vida, e o aprendizado encontra-se no coração da vida de alta qualidade (HARGREAVES; FINK, 2007). Assim sendo, as análises preliminares revelam que existe distanciamento considerável entre as políticas linguísticas e a prática pedagógica dos gestores da aprendizagem, que se alicerça no desconhecimento do que essas atuais políticas silenciam e do que elas proclamam, além de aspectos das imposições políticas, históricas e legais do século passado, que se fortaleceram devido ao aprendizado materializado no seio escolar, cuja resistência, no sentido de mudança no contexto dessas práticas, contrapõe-se ao papel do docente, que deve ser de agente de mudanças, situação que exige que se assegure a esses docentes uma educação continuada comprometida com a consolidação integrada das dimensões profundidade, amplitude e duração, tridimensionalidade indispensável para uma liderança sustentável nas práticas pedagógicas dos gestores da aprendizagem, uma vez que, entre outras dificuldades apontadas, os conceitos teóricos e os cursos que frequentaram são ainda insuficientes para resolver problemas cotidianos referentes à sustentabilidade na educação. Referências bibliográficas AÇÃO EDUCATIVA. Por uma vida melhor: Intelectuais, pesquisadores e educadores falam sobre o livro. Dossiê. Ação Educativa. 2011. ALTENHOFEN, Cléo V.; BROCH, Ingrid K. Fundamentos para uma ― pedagogia do plurilinguismo baseada no modelo de conscientização linguística (language awareness). Montevideo, 2011. In: Asociación de Universidades Grupo Montevideo. Núcleo Educación para la Integración. Programa de Políticas Lingüísticas. V ENCUENTRO INTERNACIONAL DE INVESTIGADORES DE POLÍTICAS LINGÜÍSTICAS. Montevideo, 2011. ISBN: 978-9974-98398-4. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do estado. Rio de Janeiro: Graal, 1992. ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de língua sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. BAGNO, Marcos. A Educação Lingüística no Brasil: Balanço de uma década (1998-2008). Revista de Linguagens Boca da Tribo, v. 1, n .1, p.153-160. Abril. 2009. ARAÚJO, M. Z. F.; SANTOS, J. S. Avaliação como prática sustentável na formação docente: parfor em questão. (Mimeo). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. _____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB 9394/96: Brasil. _____. Lei da Câmara de Vereadores nº 145, de 11 de Dezembro de 2002, Município de São Gabriel da Cachoeira: Brasil.

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Para uma análise crítica mais detalhada sobre os professores como intelectuais, ver GIROUX, Henry A. Os Professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 270 p. Ver, por exemplo, ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a Análise de Discurso. Estudos da Lingua(gem). Vitória da Conquista, n.1, p.9-13, junho de 2005. Distribuição é o termo usado por Hargreaves; Fink (2007) ao tratar de um dos princípios da sustentabilidade - Amplitude: (Distribuição, Não Delegação). O PARFOR (Programa nacional de formação de professores da educação básica pública), implantado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, em regime de colaboração com as Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e com as Instituições de Ensino Superior (IES). Para uma busca mais detalhada ver: Acessado em: 11 de mar. 2011. Ver, por exemplo, em: A presente publicação reúne as principais referências normativas vigentes para a Educação no Brasil e integra a série de publicações do Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pradime), do Ministério da Educação, voltado para a formação permanente e para o apoio técnico aos dirigentes municipais de educação. Disponível em: Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

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O ARTIGO DE OPINIÃO: MATERIALIZAÇÃO DE NOVAS PRÁTICAS SOCIAIS DE LINGUAGEM Marta Aline Buckta Marilúcia dos Santos Domingos Striquer Resumo O presente artigo tem como objetivo demonstrar as especificidades do gênero artigo de opinião em uma esfera social diferente da jornalística, a escolar. Bem como, investigar quais os elementos que compõem o folheto textual de artigos de opinião produzidos como redação de vestibular, por alunos atendidos por um projeto do Programa Institucional de Bolsa à Docência. A base teórica e metodológica que sustenta todo o trabalho se fundamenta nos preceitos do Interacionismo Sociodiscursivo. Os resultados demonstraram que a maioria dos alunos, de uma turma em específico, atendidos pelo projeto, mesmo após um processo sistemático de ensino, não estão preparados para participarem da prática social de produzir o gênero em questão como prova de vestibular, uma vez que seus textos não chegam a configurar-se como artigos de opinião. Palavras-chave: Gênero textual; Artigo de opinião; Interacionismo Sociodiscursivo. Abstract The present paper aims to demonstrate the specificities of the opinion article genre in a different social sphere than the journalistic, the educational. As well as, it intends to investigate which are the elements that make it part of the opinion articles produced as college entrance essay, for attended students by an integral project of the Institutional Program of Scholarship for Teaching Initiation (Programa Institucional de Bolsa à Docência). The theoretical and methodological basis that supports all this work are based on the precepts from Socio-discursive Interactionism (SDI). The results demonstrate that the most students, from a specific class, attended by the project, even after a systematic educational process, are not prepared to participate of this social practice of producing the genre in question as college entrance essay, once their texts do not have the structures of opinion articles. Keywords: Textual genre; Opinion Article; Socio-discursive Interactionism. Introdução Conforme nos orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998), toda prática pedagógica para o ensino da língua materna deve ter como eixo organizador o ensino de gêneros discursivos/textuais, uma vez que ensinar um gênero é tomar como objeto de ensino todas suas especificidades. O que se objetiva é que o aluno saiba ler e escrever diferentes gêneros discursivos/textuais a fim de que possa participar das inúmeras práticas sociais de linguagem existentes na sociedade. Contudo, essa tarefa de organizar o ensino da língua tomando como eixo os gêneros, muitas vezes, é uma ação complexa, uma vez que um gênero materializa diferentes práticas sociais, caso, por exemplo, do artigo de opinião. Em uma situação atual, o gênero textual artigo de opinião é um texto que emerge de diferentes situações comunicativas, contudo, até a pouco tempo, pertencia somente à esfera jornalística, tendo uma função social específica: discutir temas polêmicos do cotidiano, a fim de buscar um convencimento do leitor, por meio de argumentos, julgamentos, insinuações (STRIQUER, 2012), e de, até mesmo, ironias (MELO, 2009). Atualmente, o referido gênero passou a participar também da esfera escolar, como um texto/redação a ser produzido na prova de vestibular pelo candidato a uma vaga em determinadas universidades. Por ser um gênero predominantemente opinativo, esse gênero tornou-se uma ferramenta muito adequada para que o candidato/participante do vestibular demonstre à comissão de avaliação que tem um ponto de vista

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a respeito de assuntos que circundam a sociedade e possui capacidades argumentativas de linguagem para defender seu ponto de vista. Sendo essa uma das funções sócio-comunicativas da redação do vestibular. Em decorrência, o artigo de opinião passou a permear, ainda mais, o currículo do ensino médio, na proposta de que o aluno, também, seja preparado para escrever artigos de opiniões em provas de vestibulares, como, por exemplo, de vestibulares da Universidade Estadual de Maringá e da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Nesse sentido, nosso objetivo é investigar se os alunos do último ano do ensino médio estão preparados para essa nova prática social: produzir um artigo de opinião adequado à prova do vestibular, de forma mais específica, para o vestibular da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Como bolsistas de um projeto de ensino integrado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da UENP, participamos do processo de implementação de uma sequência didática (SD) (DOLZ, NOVERRAZ E SCHEUWLY, 2004) que tomou o artigo de opinião como objeto de ensino, em salas de aula do terceiro ano do ensino médio, de três escolas da rede pública de ensino de duas cidades da região Norte do Paraná. A intenção do projeto é aprimorar os conhecimentos dos alunos sobre o artigo de opinião, uma vez que muitos alunos atendidos participariam do vestibular da UENP e de outros vestibulares da região em que o gênero em questão é solicitado. Destacamos ainda, que a escolha do gênero aconteceu, sobretudo, porque segundo as Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias (BRASIL, 2006), o ensino médio tem como objetivo preparar o aluno “para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, seja no eventual prosseguimento dos estudos, seja no mundo do trabalho” (p. 8). Compreendemos, então, que ao buscar auxiliar o aluno na produção da redação do vestibular, a fim de que ele obtenha boa pontuação para que possa ingressar em uma universidade, é seguir as orientações nacionais, visto que esta é uma ação de capacitação do aluno para o prosseguimento de seus estudos. O gênero materializando diferentes situações sociais de linguagem O artigo de opinião é um gênero textual que tem como objetivo apresentar o posicionamento de seu autor, chamado de articulista, na esfera jornalística, sobre determinado tema polêmico da sociedade. Ao se fundamentar sob a sequência argumentativa, busca convencer seu leitor de que o ponto de vista apresentado pelo autor do texto é certo, coerente, adequado (KOCHE, BOFF e MARINELLO, 2010). Geralmente, é escrito em primeira pessoa do discurso (do singular ou do plural), para marcar que a opinião exposta é do autor. O gênero pode ser encontrado, a priori, na esfera jornalística, como já exposto, em diferentes tipos de suportes, desde os escritos: jornais e revistas, como os virtuais: sites de notícias, blogs, entre tantos outros. De acordo com Perfeito, Cecílio e Costa-Hübes (2007), O artigo de opinião, situando-se na esfera de comunicação (domínio social) de assuntos/temas controversos, suscita polêmicas que exigem do produtor a organização do texto, em termos de negociação e tomada de posição. Assim, para a escrita do gênero em pauta, é necessário colocar-se no lugar do outro, antecipando suas posições de modo a poder influenciá-lo e, tradicionalmente, apresentando ideias (pontos de vista), justificativas/sustentações, negociações e conclusão. (p.143)

Essa função social se mantém quando o artigo de opinião participa da esfera escolar, contudo, alguns elementos que compõe o gênero sofrem alterações, como, por exemplo, os suportes que passam a ser outros: os cadernos dos alunos, na prática da sala de aula; e em formulários específicos, na prova do vestibular. A respeito dos elementos que compõem a condição de produção e a arquitetura interno do texto (BRONCKART, 2009), destacamos: na esfera

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jornalística: o emissor físico do artigo de opinião é um articulista contratado ou convidado por uma mídia, articulista com autoridade/conhecimento teórico/experiência no tema em questão, e que escreve já conhecendo de antemão quem são os receptores de seu texto, os leitores da mídia empregadora/contratante. O espaço físico da produção do texto pode variar conforme as determinações da mídia, assim o articulista pode produzir o texto em sua casa, em seu escritório, nas dependências da mídia, ou seja, o lugar físico não tem influência sobre o processo de produção, o que ocorre também com o tempo (horas, dias, o tempo depende muito do conteúdo temático abordado) de produção (STRIQUER, 2010). Já na esfera escolar: o emissor é um candidato a uma vaga em uma faculdade ou universidade pública ou particular; seus receptores são muito além de leitores de seu texto, são professores especialistas em Língua Portuguesa avaliadores do texto. O espaço físico e o tempo de produção exercem influencia sobre a produção, uma vez que o estimado para duração de uma prova de vestibular é, geralmente, 4 ou 5 horas, e dentro desse tempo, o candidato deve responder a questões de conhecimento sobre língua materna, língua estrangeira, e escrever a redação. O espaço é configurado, obrigatoriamente, como salas de aulas de escolas ou da própria instituição onde o candidato tem lugar determinado para ficar e realizar a prova. No caso da arquitetura textual, ela se forma da: infraestrutura geral, composta do plano geral, dos tipos de discurso, da sequencialidade e dos mecanismos textuais e enunciativos. Conforme pontua Barricelli (2007), o plano geral de um texto atua como organizador do conteúdo temático. No caso do artigo de opinião que emerge da esfera jornalística seu plano geral é formado pelo título do texto, texto propriamente dito e a assinatura do articulista, o que é obrigatório, pois aquele que escreve se responsabiliza pelo proferido, redimindo a mídia de qualquer problema que a opinião emitida possa causar (STRIQUER, 2010). Diferentemente, na redação do vestibular, o plano geral do artigo tem: título e o texto propriamente dito. Sendo um dos princípios do vestibular que o candidato não apresente nenhum tipo de identificação para que a avaliação seja imparcial, o artigo de opinião não pode ser assinado pelo candidato, sob pena, na maioria das vezes, da desclassificação. De acordo com Bronckart (2009), os tipos de discurso que constituem a arquitetura de um gênero podem ser: o interativo, o teórico, o narrativo e o relato interativo. No caso do artigo de opinião, a predominância é a do discurso interativo, em qualquer uma das esferas, jornalística e escolar, uma vez que o autor se coloca no texto, isto é, apresenta sua opinião. Assim, os elementos que sinalizam a interação são, por exemplo, o emprego de prenomes pessoais e possessivos de primeira pessoa do discurso, do singular ou do plural, ou a impessoalidade, que faz uso da terceira pessoa no singular. Quanto às sequências, no artigo de opinião há o predomínio da sequência argumentativa, justamente pela proposta do texto, tanto na esfera jornalística como escolar, de persuadir o interlocutor. Também são componentes do “folhado textual” os mecanismos de textualização, elementos que atuam na organização do conteúdo temático e promovem articulações hierárquicas, lógicas e temporais do texto. Esses elementos linguísticos promovem a conexão, a coesão verbal e nominal (STRIQUER, 2012). No gênero estudado, esses elementos correspondem ao emprego, fundamental, das conjunções, por exemplo, pois são elas que permitem a conexão e coesão entre as ideias propostas pelo articulista favorecendo a compreensão dos enunciados e demarcando o grau argumentativo do texto. Os mecanismos enunciativos compreendem a terceira camada superposta, de acordo com Bronckart (2009), e correspondem, por exemplo, no caso do artigo de opinião, no emprego de diferentes vozes, isto é, da própria voz do autor, assim como outras vozes que com ele comungam.

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As especificidades do artigo de opinião O material analisado é resultado de um processo de escrita realizado por alunos do ano final do ensino médio, proveniente da aplicação de uma sequência didática sobre o gênero artigo de opinião. A implementação da SD foi realizada pelos bolsistas do PIBID da UENP, mais especificamente, membros do Subprojeto Letras-Português, do campus de Jacarezinho, subprojeto que integra o PIBID da UENP. Um dos objetivos do subprojeto é preparar os alunos do final do ensino médio para a realização da prova de redação do vestibular da UENP (e outros vestibulares que requerem esse gênero em suas provas de redação). Participaram da atividade 100 alunos de 3 diferentes escolas, porém, esta pesquisa tomou como corpus de análise 9 textos produzidos por alunos de uma das 5 turmas atendidas pelo subprojeto, a referida turma era formada por apenas 9 alunos. O tema proposto foi: “Os 50 anos da Ditadura Militar”, e devido da limitação do gênero que ora produzimos, apresentamos a seguir os resultados das análises realizadas sobre a arquitetura interna dos textos, que contempla o plano geral, tipo de discurso, sequenciação, mecanismos de textualização e enunciativos. Ou seja, pela equipe do PIBID ter tomado todos esses elementos como objeto de ensino durante a implementação da SD, os textos dos alunos foram analisados considerando a articulação de tais elementos. Para uma melhor organização textual, todos os textos analisados são identificados por uma letra, escolhida de forma aleatória, como um nome fictício para cada aluno. Ao analisarmos como primeiro item, o plano geral dos 9 artigos de opinião, constatamos que 8 possuem título, e apenas um não. Tratando-se do gênero em questão, o título é parte integrante da estrutura formal, uma vez que os textos que não apresentarem esse elemento, de acordo com o edital do vestibular 2015 da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), perdem pontos14. Quanto ao número de linhas, os textos apresentam uma variação entre 10 a 29 linhas. Entretanto, também conforme determina o mesmo edital, os artigos de opinião/redações devem ter no mínimo 20 linhas e no máximo 30. Sendo assim, os candidatos que não respeitam esse requisito são penalizados em notas, pelos corretores. Portanto, o aluno que produziu o texto de apenas 10 linhas, denominado de A, apresenta um texto não adequado para o vestibular, sobretudo, podemos interpretar que esse aluno ainda não compreendeu como produzir o gênero tomado como objeto de ensino pelo subprojeto, pois ele não construiu seu texto a partir de um dos elementos que formam o plano geral do artigo de opinião (BARRICELLI, 2007): título e texto propriamente dito. E, principalmente, o aluno A não desenvolveu a temática proposta, expondo argumentos em favor de uma tese, tampouco, concluindo suas ideias de forma satisfatória, esquema fundamental na produção do artigo de opinião (BRONCKART, 2009, STRIQUER, 2012). Para visualização do texto em questão e melhor entendimento dessa nossa interpretação, reproduzimos a seguir o artigo produzido pelo aluno A. Texto do aluno A15 50 anos do golpe militar um pesadelo vivido na memória do Brasil. Agora depois de 50 anos de acontecido voltou a repercutir, uma má’ lembrança para as pessoas que sofreram com o golpe. Com a violência que manifestantes e a população pobre veem sofrendo só’ nos leva a entender que ainda á traços daquele tempo, já que ninguém foi preso ate hoje pelos crimes cometido. É possível averiguar que o texto não possui características suficientes que sustentem o gênero em questão, como mencionado, não tem título, não cumpre o número de linhas O Edital 053/2014 – GR regulamenta o Vestibular 2015 da UENP está disponível: file:///C:/Users/Marta/Downloads/gabinete_edital_053-2014_vestibular_2015.pdf 15 Os textos foram aqui reproduzidos exatamente como escrito pelos alunos. 14

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determinado; não apresenta de forma clara qual o ponto de vista a ser desenvolvido, em decorrência não articula argumentos, e, nada conclui. Além do aluno A, outros 5 alunos produziram seus textos com número de linhas inferiores a 20. São eles: os alunos B, C, D, E e F. Nesse sentido, apenas 3 dos 9 alunos adequaram seus textos, no quesito número de linhas, às exigências do edital do vestibular, isto é, articularam seus textos de forma adequada a infraestrutura (BRONCKART, 2009) do gênero em questão. Para uma melhor compreensão da estruturação dada por todos os alunos a seus textos, apresentamos a Tabela 1, onde expomos como foi a distribuição da apresentação da tese/introdução, dos argumentos/desenvolvimento e do fechamento das ideias/conclusão. Defendemos aqui o princípio de que não há um número de parágrafos fixos que organize o gênero artigo de opinião, o texto deve ter quantos parágrafos foram necessários para que seu autor explicite e articule suas ideias. Entretanto, há uma estabilização, ressalto, relativa estabilização, premissa bakhtiniana (BAKHTIN, 2003) defendida por Bronckart (2009), de que um artigo de opinião organiza-se no mínimo em três parágrafos, a fim de uma melhor distribuição das partes canônicas que o compõem: introdução desenvolvimento e conclusão. Tabela 1: Estrutura dos artigos de opinião produzidos pelos 9 alunos Aluno Introdução Desenvolvimento Conclusão A – 10 linhas 3 parágrafos Nenhum Nenhum B – 16 linhas 3 parágrafos Nenhum Nenhum C - 18 linhas 3 parágrafos Nenhum Nenhum D – 18 linhas 4 parágrafos 1 parágrafo Nenhum E – 18 linhas 5 parágrafos Nenhum Nenhum F – 19 linhas 3 parágrafos Nenhum Nenhum G – 26 linhas 3 parágrafos 3 parágrafos Junto ao parágrafo do desenvolvimento H – 26 linhas 1 parágrafo 4 parágrafos 1 parágrafo I – 29 linhas 4 parágrafos Nenhum Nenhum A tabela 1 revela que 5 dos 9 textos não têm desenvolvimento/apresentação de argumentos; 7 não têm conclusão; ou seja, 7 dos 9 textos não se estruturam de forma adequada para cumprirem a função social do artigo de opinião, e, sobretudo, são predominantemente construídos pela sequência narrativa e não pela argumentativa, a qual constitui o gênero em questão. A seguir transcrevemos o texto do aluno E, como fonte de exemplificação dessa nossa interpretação: Texto do aluno E O grande golpe O período da ditadura militar foi quando o Brasil era governado pelos militares, esse período foi de 1964 a 1985. Nessa época não existia democracia, havia muita repressão e censura. As pessoas eram torturadas e exiladas se o governo achace que elas estavam fazendo oposição ou crítica ao regime. Durante o governo de João Goulart (1961-1964) houve a abertura às organizações sociais e isso causou uma preocupação das classes mais conservadoras. Todos temiam uma guinada do Brasil para o socialismo. O estilo de governo de João Goulart chegou a gerar preocupação até no EUA, que junto com as classe conservadoras, temiam um golpe comunista. No dia 13 de março de 1964 Jango feiz um pronunciamento dizendo suas intenções e seis dias depois, em 19 de março de 1964 os conservadores organizaram uma manifestação contra as intenções de Jango. No dia 31 de março os militares do Rio e São Paulo tomaram o poder.

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O aluno E estruturou o seu texto, o original, em 18 linhas e 5 parágrafos, e nele predomina a sequência narrativa, ou na classificação de Santos et al (2013), a predominância é da narração relatada, uma vez que o texto não possui personagens, enredo, tampouco clímax, mas é formado por uma sequência de ações, embora sem complicações de enredo (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004). Segundo estudos de Cavalcante (2013), este tipo de construção textual teria como objetivo “manter a atenção do leitor/ouvinte em relação ao que se conta. Para isso, são reunidos e selecionados fatos, e a história passa a ser desenvolvida” (CAVALCANTE, 2013, p. 65). Contudo, relembramos, tal objetivo não vai ao encontro da função social de um texto argumentativo, como é o caso do artigo de opinião. Além do texto do aluno E, outros 6, pelo apresentado, demonstram que os alunos não conhecem, mesmo estando no último ano da educação básica, isto é, considerando-se que os textos predominantemente argumentativos permeiam todas as séries escolares na disciplina de l a estrutura de um texto de opinião, pois a estrutura narrativa é a predominante. Alguns exemplos: Tabela 2: Exemplo de sequências narrativas presentes nos textos Aluno Sequências narrativas A 50 anos do golpe militar um pesadelo vivido na memória do Brasil. Agora depois de 50 anos do acontecido voltou a repercurtir, uma má lembrança para as pessoas que sofreram com o golpe. Com a violência que manifestantes e a população pobre veem sofrendo só nos leva a entender que ainda á traços daquele tempo, já que ninguém foi preso até hoje pelos crimes cometidos. (transcrição do texto todo) B No período da ditadura o nosso país foi comandado por militares [...] o nosso pais nessa época não possuía liberdade de expressão [...] só existia dois partidos que poderiam se enfrentar na política [...] C O ano de 2014 marca os 50 anos de muitas mortes, repressões e torturas [...] com o apoio financeiro e militar das autoridades dos Estados Unidos, os articuladores [...] provocam o fechamento do regime político. D O golpe militar de 1964 foi um movimento militar e político que foi apoiado pelas classes altas [...]. Este golpe teve inicio em 1964 e permaneceu, ate 1985, [...] F Em 31 de marco de 1964 as forcas armadas tomam o poder do Brasil [...]. O Brasil vivia uma crise desde a renúncia do Presidente Janio Quadros em 1961, o vice João Goulart encarnava o populismo de esquerda e enfrentava a oposição dos chefes militares [...]. E nesse golpe houve muitos conflitos, como muitas pessoas sofrendo [...] I A ditadura militar foi um período em que o Brasil era governado pelos militares, esta época foi marcada pela falta de democracia [...]. O presidente João Goulart era de uma tradição trabalhista, nacionalista, getulista e populista [...]. Os partidos de oposição [...] acusaram Jango de estar planejando um golpe [...]. Para evitar uma Guerra Civil Jango deixou o país refugiando-se no Uruguai e os militares tomaram o poder Como mencionado, a estabilidade do gênero artigo de opinião depende da utilização de sequências argumentativas, uma vez que o autor intenciona persuadir seu interlocutor (KOCHE, BOFF, MARINELLO, 2010, p. 22). Contudo, foi possível identificar sequências argumentativas em apenas 2 textos, dos alunos G e H. Para melhor visualização, transcrevemos o texto aluno H, porém, antes, é preciso explicitar que alguns dos 7 textos que classificamos como predominantemente narrativos, por vezes, apresentam algum tipo de adjetivação, o que poderia ser o início do processo de exposição de ponto de vista do autor, no entanto, como não há desenvolvimento, sustentação da questão, não há como considerar o emprego dos adjetivos como uma marca de tomada de posição. Exemplos de alguns trechos em que o tema é adjetivado:

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Tabela 3: Exemplo de adjetivações Aluno Trechos onde aparecem adjetivações A Agora depois de 50 anos de acontecido voltou a repercurtir, uma má lembrança para as pessoas que sofreram com o golpe. B ... mas nesta época era ruim pois nada podia ser feito, assim como está hoje em dia é ótimo. C O processo entretanto, foi complicado e precisava ser analisado com maior profundidade; D A ditadura foi um período muito difícil ... Transcrição do texto do aluno H como exemplo de texto predominantemente argumentativo: Texto do aluno H A ditadura e a modernidade Sabemos que a ditadura militar foi um dos momentos mais marcantes, e tristes da história do povo brasileiro. O país era governado de forma manipuladora, a fim de ter o total controle sobre as pessoas. A ditadura foi o poder concentrado mão dos militares, que controlavam e reprimiam pessoas na hora de pensar e agir. Muitas pessoas sofriam várias torturas e perseguissões por irem contra o governo militar, eram obrigadas a seguir o que eles ditavam como regra. O tempo passou, e com ele a ditadura também, porém o que restou disto foram as marcas causadas por esse período. Cinquenta anos se passaram, mas se engana quem acredita que as manipulações acabaram, sofremos com isso através da TV, radio e jornais, muitos vivem em uma grande alienação, veem e escutam noticias que muitas vezes não nos trazem a verdade de que precisamos. A quem se engana achando que a ditadura acabou, muito pelo contrário ela se encontra moderna e atualizada dentro de sua casa, para ser mais exato na sua TV e radio, uma maneira de sair dessa manipulação, é procurar se informar, buscar informações não acreditar somente no que se vê e escuta, procurar informações e opiniões diferentes e formar sua própria opinião, critica e de sua linha de pensamento. Destacamos alguns dos elementos que caracterizam a construção de sequências argumentativas no texto do aluno H: a) a fase da apresentação da tese inicial (CAVALCANTI, 2013): representado nos dois primeiros parágrafos; destacamos o terceiro parágrafo como uma sequência explicativa; b) a fase da construção de argumentos: parágrafos quarto e quinto; c) contraargumentos: não há exposição de contra-argumentos no texto do aluno; d) conclusão: no último parágrafo o aluno.retoma a temática de forma a encerrá-la. Um outro fator que caracteriza os textos dos alunos G e H como artigos de opinião é o emprego de recursos que marcam o discurso interativo. É comum nesse gênero o emprego da 1ª pessoa do discurso, do singular ou plural. Na primeira do singular, o autor se posiciona de forma individual, representando, naquele momento, a voz única responsável pelo ponto de vista; o emprego da primeira pessoa do plural, o autor se posiciona e marca uma interação direta com o leitor, envolvendo ainda a sociedade; já quanto à utilização da impessoalidade, também muito comum, principalmente em redações de vestibular, o autor busca trazer o leitor para o texto de uma forma que demonstre que ele (o autor) não e o único a pensar de determinada forma, mas que existe uma gama de pessoas junto com ele. A Tabela 4 expõe os recursos utilizados pelos alunos G e H em seus textos.

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Tabela 4: Recursos linguísticos que marcam a interação comunicativa. Aluno Recurso Exemplo G Verbos e Sabemos que a ditadura militar foi um dos momentos mais pronomes marcantes.... Correspondente Cinquenta anos se passaram, mas se engana quem acredita que as a 1ª pessoa manipulações acabaram, sofremos com isso atrás da tv... ..muitos vivem em uma grande alienação, veem e escutam notícias que muitas vezes não nos trazem a verdade de que precisamos. H

Verbos e pronomes Correspondente a 1ª pessoa

Em 31 de março de 2014 completamos 50 anos do golpe militar de 1964. E quando falamos em ditadura... Em 1978 tivemos o fim do AI-5 e a volta do sistema plupartidário. Portanto, com tudo que foi dito, se pensarmos no dia de hoje com tanta influência da mídia em nossas vidas...

Sobre o emprego dos mecanismos de textualização, de acordo com Bronckart (2009), esses mecanismos favorecem as conexões, ou seja, as ligações que dão coerência e coesão ao texto. Os mais presentes no gênero artigo de opinião são os articuladores argumentativos ou conjunções, os dêiticos temporais e espaciais, os quais aparecem dos textos dos alunos G e H, conforme demonstram a Tabela 5. Tabela 5: Os mecanismos de textualização que compõem os artigos de opinião Aluno Conjunções Dêiticos temporais Dêiticos espaciais G Mas Daquela época, Nesse período H A fim; Porém; Mas Esse período, Sua casa No que se refere as vozes como mecanismos enunciativos em destaque no gênero, nos textos dos alunos G e H elas estão marcadas, conforme apresentamos, pela utilização de recursos que marcam a interação, ou seja, a voz predominante nos dois textos é a dos alunos como produtores de seus textos. Destacamos que nos demais textos, dos alunos A, B, C, D, E, F e I não analisamos o emprego dos tipos de discurso e dos mecanismos enunciativos e textuais uma vez que eles, como explicitado, não se configuraram como um artigo de opinião, dessa forma não sendo relevante o destaque a esses elementos. Considerações finais Cumprindo a orientação dos PCNs (BRASIL, 1998), toda a prática pedagógica na implementação da sequência didática para o ensino do gênero artigo de opinião, pela equipe do PIBID-UENP, teve como eixo organizador a base teórica-metodológica sobre gêneros discursivos/textuais, tomando, assim, todos os elementos que formam a especificidade do gênero como objeto de ensino. O foco principal do subprojeto foi ensinar os alunos a escrevem um artigo de opinião como redação do vestibular. Após todo o processo de implementação e, principalmente, após as análises dos textos produzidos pelos alunos ao final do processo, os resultados demonstraram que dos 9 alunos, 7 deles não estão preparados para participarem da prática social de produzir um artigo de opinião adequado à prova do vestibular, uma vez que seus textos não se configuraram como pertencente ao gênero em questão. Enquanto que apenas 2 textos apresentaram características formais coadunadas a um artigo de opinião, embora seja preciso destacar que esses dois também apresentam algumas inadequações gerais como, por exemplo, problemas com ortografia, paragrafação, pontuação, melhor articulação dos argumentos.

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Frente a esses fatos a equipe do subprojeto PIBID elaborou uma série de atividades tomando como objeto de ensino os elementos problemáticos identificados. Contudo, os resultados desse segundo momento de trabalho deverão ser posteriormente divulgados. Ressaltamos, por hora, que esperamos que com esse nosso trabalho possamos contribuir com as práticas pedagógicas docentes norteadas pelos mesmos princípios teóricos-metodológicos que a do subprojeto Letras/Português PIBID. Referências BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 6.ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003. BARRICELLI, E. A reconfiguração pelos professores da proposta curricular de educação infantil. São Paulo: pp. 324, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998. _______. Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Fundamental, 2006. BRONCKART, J. P.; Atividade de linguagem, textos e discursos: por um Interacionismo Sociodiscursivo. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2009. CAVALCANTI, M. M.Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2013. DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2004, p. 95-128. KOCHE, V. S.; BOFF, O. M. B.; MARINELLO, A. F. Leitura e produção textual: Gêneros textuais do argumentar e expor. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. MELO, P. M. Argumentação no gênero artigo de opinião. Revista de linguagens Boca da Tribo. 2009 PERFEITO, A. M.; CECÍLIO, S. R.; COSTA-HÜBES, T. da C. Leitura e análise linguística: diagnóstico e proposta de intervenção. Acta Scientific Human. n. 2, Maringá, 2007, p.137 – 149. SANTOS, L.W. et al. Analise e produção de texto. São Paulo: Contexto, 2013. STRIQUER, M.S.D. Na formação de cidadãos ativos e críticos, o gênero textual: artigo de opinião. Anais... Maringá, 2010. Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários – CIELLI, Maringá, 2010, p. 1-13. _______. Uma proposta de modelização do gênero textual artigo de opinião. Anais... Jacarezinho, 2012. IX Seminário de Iniciação Científica Só Letras. Jacarezinho/PR., 2012, p. 968-979. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

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A FORMAÇÃO E A PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE Olmira Bernadete Dassoler 16 UCB/DF [email protected] Denise Maria Soares Lima17 UCB/DF [email protected] Resumo O artigo tem como objetivo geral identificar, no Brasil, as características da formação e da profissionalização docente no contexto atual. De maneira específica pretende-se: (1) identificar as características da formação docente por meio da legislação e teóricos; (2) identificar os aspectos relativos à profissionalização docente na contemporaneidade; (3) caracterizar a relação existente entre a formação e a profissionalização docente. O método escolhido para o desenvolvimento deste trabalho foi a pesquisa bibliográfica desenvolvida por meio do levantamento, da seleção e da análise do material publicado a respeito do tema. A disposição deste artigo encontra-se didaticamente organizada em quatro fases: (a) introdução com abordagem geral de todo o trabalho; (b) legislação que traz os aspectos normativos e as características a respeito da formação docente e da profissionalização; (c) a relação entre a formação e a profissionalização e (d) considerações finais. Palavras-chave: Formação docente. Profissionalização docente. Legislação. Contemporaneidade. Resumen El artículo tiene como objetivo principal identificar, en Brasil, las características de la formación y profesionalización en el contexto actual. Concretamente se pretende: (1) identificar las características de la formación del profesorado a través de la legislación y teórico; (2) identificar los aspectos de la profesionalización docente en el mundo contemporáneo; (3) caracterizar la relación entre la formación y profesionalización. El método elegido para el desarrollo de este trabajo fue la literatura desarrollada a través de la encuesta, la selección y el análisis de material publicado sobre el tema. La disposición de este artículo está organizado didácticamente en cuatro fases: (a) la introducción con el enfoque general de toda la obra; (B) la legislación que reúne los aspectos regulatorios y características sobre la educación y profesionalización docente; (C) la relación entre la formación y la profesionalización y (d) las observaciones finales. Palabras clave: formación del profesorado. La profesionalización docente. Legislación. La contemporaneidad. Introdução O ser professor, no contexto atual, exige certa ousadia aliada a diferentes saberes. Na era do conhecimento e numa época de mudanças, a questão da formação de professores vem assumindo posição de urgência (PERRENOUD, 2001) nos espaços escolares. Nessa perspectiva, a formação continuada associa-se ao processo de melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores em sua rotina de trabalho e em seu cotidiano escolar. Além disso, a formação Doutora e mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Coordenadora dos Cursos de Pedagogia e de Pós-Graduação em Gestão Educacional da Faculdade Sant’Ana de Ponta Grossa/PR. Pesquisadora voluntária da Cátedra UNESCO. E-mail: [email protected]. 17 Doutoranda e mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Pesquisadora voluntária da Cátedra UNESCO. E-mail: [email protected]. 16

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relaciona-se também à ideia de aprendizagem constante no sentido de provocar inovação na construção de novos conhecimentos que darão suporte teórico ao trabalho docente. O professor é um profissional que domina a arte de reencantar, de despertar nas pessoas a capacidade de engajar-se e mudar. Neste aspecto, entende-se que a formação do professor é indispensável para a prática educativa, a qual se constitui o lócus de sua profissionalização cotidiana no cenário escolar. Desse modo, compreender a formação docente incide na reflexão fundamental de que ser professor é ser um profissional da educação que trabalha com pessoas. Essa percepção induz este profissional de educação a um processo permanente de formação, na busca constante do conhecimento por meio dos processos que dão suporte à sua prática pedagógica e social. Neste sentido, a educação é um processo de humanização e, como afirma Pimenta (2010), é um processo pela qual os seres humanos são inseridos na sociedade. Aqui, cabe lembrar Freire (1996) ao expressar que o ensinar não se limita apenas em transferir conhecimentos, senão também no desenvolvimento da consciência de um ser humano inacabado em que o ensinar se torna um compreender a educação como uma forma de intervir na realidade da pessoa e do mundo. E ainda de acordo com Demo (2000), a pedra de toque da qualidade educativa é o professor visto como alguém que aprende a aprender, alguém que pensa, forma-se e informa-se, na perspectiva da transformação do contexto em que atua como profissional da educação. Assim, a presente pesquisa justifica-se pela sua relevância à sociedade atual e por ser um tema que se encontra no centro das discussões dos direitos humanos e, particularmente, do direito à educação (SANTIAGO, 2007). Pensa-se na formação continuada como atitude fundamental para o exercício profissional docente no intuito de estimular a busca do conhecimento e o aprimoramento da prática pedagógica. Um olhar atento a seu respeito poderá contribuir para futuras pesquisas e servir de base para a formação docente permanente, em vista de um trabalho social e humanizado. Os objetivos contemplados no desenvolvimento do trabalho abarcam o identificar, no Brasil, as características da formação e da profissionalização docente no contexto atual. Especificamente, pretende-se identificar as características da formação docente, embasados na legislação e em diferentes teóricos; além disso, identificar aspectos relativos à profissionalização docente na contemporaneidade. O método escolhido para o desenvolvimento deste trabalho foi a pesquisa bibliográfica desencadeada por meio do levantamento, da seleção e da análise do material publicado a respeito do tema. Esse tipo de pesquisa, também denominada pesquisa secundária (MARCONI; LAKATOS 2009), proporciona uma excelente oportunidade ao pesquisador de refletir e organizar as informações publicadas em relação ao tema para, assim, construir seus conhecimentos. O artigo busca apresentar os aspectos normativos e as características a respeito da formação docente e da profissionalização; a relação entre a formação e a profissionalização e as considerações finais, como forma de elucidar o leitor a respeito da pesquisa. Caminhos legais Nas últimas décadas do século XX, um conjunto de movimentos sociais se mobilizou em prol de uma educação voltada para a transformação social. O texto constitucional de 1988, atendendo aos anseios da sociedade civil, assegurou a educação como um direito social, como um direito de todos e como um dever do Estado e da família (BRASIL, 2010). Aliado a isso, também se discutia sobre a necessidade da formação do professor em múltiplas dimensões pessoal, histórica, política e social.

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A Lei n. 9394, de 20 de setembro de 1996, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), entre outros aspectos, dispôs de forma específica sobre a formação dos profissionais da educação. Nesse sentido, vale verificar a antiga orientação in verbis: Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1996)

Observa-se que a LDB adotou os termos formação de profissionais da educação e formação de docentes, ressaltando também que cabe aos sistemas de ensino promover aperfeiçoamento profissional continuado. Ao mesmo tempo em que estabeleceu a associação entre teorias e práticas, mediante a formação contínua, e o aproveitamento anterior como fundamentos da formação dos profissionais da educação. Em 2002, O Conselho Nacional de Educação, CNE, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Na redação, percebe-se também a articulação entre os termos formação e profissional ou ainda exercício profissional, como, por exemplo, o artigo 9º: A autorização de funcionamento e o reconhecimento de cursos de formação e o credenciamento da instituição decorrerão de avaliação externa realizada no locus institucional, por corpo de especialistas direta ou indiretamente ligados à formação ou ao exercício profissional de professores para a educação básica, tomando como referência as competências profissionais de que trata esta Resolução e as normas aplicáveis à matéria (CNE, 2002).

Em 30 de janeiro de 2009, é publicado no Diário Oficial da União (DOU) a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Voltada para essa modalidade da educação, destaca-se no documento a importância do docente no processo educativo da escola e de sua valorização profissional, assim como a formação continuada, entendida como componente essencial da profissionalização docente (BRASIL, 2009). Assim, os termos formação e profissionalização em alguns momentos são sinônimos, em outros são complementares. No mesmo ano, a Lei n. 12.014, de 6 de agosto alterou o artigo 61 da LDB, com a finalidade de distinguir as categorias destes trabalhadores que devem ser considerados profissionais da educação, passando a vigorar com a seguinte redação: [...] Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I - professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II - trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III - trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim (BRASIL, 2009a).

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Entre os princípios nacionais da educação está a valorização do profissional da educação, nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, no parágrafo primeiro do artigo 57 da Resolução n. 4 de 13 de julho de 2010 e Parecer n. 7/2010: § 1º – A valorização do profissional da educação escolar vincula-se a obrigatoriedade da garantia de qualidade e ambas se associam a exigência de programas de formação inicial e continuada de docentes e não docentes, no contexto do conjunto de múltiplas atribuições definidas para os sistemas educativos, em que se inscrevem as funções do professor (CNE, 2010).

Percebe-se que a legislação está voltada para a formação básica do professor, porém o presente artigo ocupar-se-á da formação na sua dimensão global. É certo que o profissional para exercer o papel de professor deverá, de acordo com a legislação vigente no Brasil, se capacitar para exercer suas atividades de acordo com as exigências do mercado de trabalho. Além disso, manter-se constantemente atualizado e dispor de tempo para elaborar de forma mais detalhada seus materiais de trabalho, assim como planejar o trabalho pedagógico. Por sua vez, em várias dimensões encontramos profissionais de outras áreas exercendo o papel de professor, por exemplo, o médico, o advogado, o músico. Neste caso, esse profissional também é um profissional da educação? Em que nível de magistério? Quais os requisitos exigidos? O que torna um profissional de educação é sua formação, sua experiência profissional com os conteúdos administrados ou a prática docente? Profissionais em áreas distintas da educação acabam exercendo o magistério. Um músico, por exemplo, torna-se um professor, sem habilitação específica para licenciar, mas é um profissional de educação no sentido lacto, dado que, diferentemente dos profissionais de ensino não têm formação para atuar. De modo que o profissional da educação passa a ter um sentido mais amplo e não apenas restrito àqueles que concluíram cursos de licenciatura e estão ministrando aulas seja na educação básica ou na educação superior. Em regra, quanto às legislações existentes, percebe-se uma preocupação com a valorização do professor (art. 201, V da Constituição Federal de 1988 e art. 3, VII da LDB de 1996). Às múltiplas atribuições dos sistemas educativos e aos programas de formação se insere a valorização e o papel social do professor na pós-modernidade. Com essa ideia corrobora Capanema (2004) quando afirma que é educando jovens mais criativos que se enseja a construção de personalidades genuinamente livres, saudáveis e autênticas. E acrescenta que o ser humano é um projeto em movimento e que ensejar essa construção evidencia a crença de que a realidade é móvel e que a necessária relação homem-mundo se dá na interação e na interdependência. Porque um atua sobre o outro, processando as transformações necessárias no tempo e espaço concretos. O ser humano, portanto, nesse caso específico, o profissional da educação, deve fundamentar-se e buscar apoio através dos processos que envolvem a consciência da condição de ‘Aprendiz’ da educação. Formação e Profissionalização Num olhar retrospectivo na esteira da história Hamze (2011) afirma que se podem contemplar etapas que marcaram o ensino e também exerceram influência no modo de atuação do professor. Resumidamente, do ensino tradicional aos dias atuais é possível perceber que a educação, no Brasil, sofreu mudanças. O ensino tradicional, enciclopédico, perdurou por longos trezentos e oitenta e três anos e foi marcado pelos padres da Companhia de Jesus que trazem o professor como transmissor de conhecimentos. A partir da Escola Nova, em torno de 1932, o professor torna-se apenas um facilitador do processo de ensino e de aprendizagem. Neste seguimento, a escola de tendência

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tecnicista, inserida no final dos anos 60 no Brasil, objetivava adequar e inserir o sistema educacional e o ensino com métodos educacionais norte americanos, ou seja, nos moldes do sistema de produção capitalista e racional, o que tolhia a criatividade do professor. Assim, por meio de métodos de ensino meramente técnico utiliza-se material sistematizado como manuais, módulos de ensino, livros didáticos, dispositivos audiovisuais, visando com isso a imediata produção de sujeitos competentes para atender o mercado de trabalho, com uma transmissão de informações rápidas, objetivas e sem subjetividade. Passa a ser irrelevante o relacionamento interpessoal. Debates, discussão e questionamento não existem e tão pouco importam as relações afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo de ensino. O relacionamento professor aluno é puramente técnico, o objetivo é o aluno calado recebendo, aprendendo e fixando informações e o professor administrando e transmitindo eficientemente a matéria visando a garantia na eficácia nos resultados da aprendizagem. O surgimento da Escola Crítica em 1993 possibilitou ao professor um novo direcionamento. A sua atuação passou a ter enfoque na construção e reconstrução do saber, de interação e articulação e participação na aprendizagem do aluno. Assim, percebe-se que a formação do professor acompanha a evolução educacional que ocorreu no Brasil e cada vez mais se acentua a necessidade de profissionalização do docente. Ao vivenciar o século XXI, observa-se que a construção dos saberes passa a ser dominada por novas tecnologias, no espaço e no tempo, e a formação do profissional professor torna-se efetivamente, cada vez mais importante no processo educacional. O Professor do século XXI precisa, então, ser um profissional da educação com espírito aguçado e muita vontade para aprender, razão pela qual o processo de formação torna-se mais e mais veemente para responder às demandas do mundo contemporâneo com competência e profissionalismo (HAMZE, 2011). Afinal, o que vem a ser a formação de professores? O que vem a ser a profissionalização? Quais são as características que envolvem a formação e a profissionalização? A palavra professor, proveniente do latim “professore”, significa aquele que professa ou ensina uma ciência, uma arte, o saber, o conhecimento (HELATCZUK, 2010). Portanto, para poder ensinar, o professor precisa estar imbuído do conhecimento que lhe advém por meio da formação que se vai profissionalizando pela prática cotidiana. A capacitação do indivíduo para o trabalho docente se constitui em um ato educativo de criatividade e inovação. Mais que isso, segundo Libanio (2001), em seu livro a “Arte de formar-se”, é um investimento pessoal de busca de conhecimento: Formar-se é tomar em suas mãos seu próprio desenvolvimento e destino num duplo movimento de ampliação de suas qualidades humanas, profissionais, religiosas e de compromisso com a transformação da sociedade em que se vive [...] é participar do processo construtivo da sociedade [...] na obra conjunta, coletiva, de construir um convívio humano e saudável (LIBANIO, 2001, pp. 13-14).

Nas palavras de Guimarães (2004), a formação do professor se faz elo entre a profissão e a construção da identidade do educador ao formalizar a dinâmica social do seu trabalho docente. Realiza-se na medida em que se retrata como função social da escola a instrumentalização de um ensino no qual se possa vivenciar e garantir uma educação para a vida. Segundo Moreira e Candau (2005, p. 23): É necessário um destaque a necessidade de se pensar uma formação continuada que valorize tanto a prática realizada pelos docentes no cotidiano da escola quanto o conhecimento que provém das pesquisas realizadas na Universidade, de modo a articular teoria e prática na formação e na construção do conhecimento profissional do professor.

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Desse modo, o investimento na formação torna-se ponto de partida para as possibilidades de melhoria da profissionalidade e para a ressignificação de sua prática. Entende-se que a formação contribui para uma reflexão permanente voltada para a construção de uma educação orgânica (MONTEIRO JÚNIOR, 2001, p. 88) que religa os saberes e vai ao encontro da dinâmica de desenvolvimento do ser humano. Ressalte-se que o processo de formação do professor é um crescente e um continuum. Como indivíduo, ele é formado a cada dia, em momentos que fazem o seu cotidiano, e, como educador, molda-se no compromisso que consegue estabelecer com os alunos e demais atores que formam a comunidade escolar. E que escola são todos os que nela convivem e aprendem: professores, alunos, funcionários, famílias, membros da comunidade e gestores. Por isso, espera-se que o profissional da área de educação tenha uma visão sistêmica do papel de sua organização junto à sociedade e do seu papel junto à instituição para que possa trabalhar novas formas de construção do conhecimento, visando à melhoria contínua da educação, bem como do ambiente escolar. A escola precisa ser um ambiente de prazer, aconchegante onde o aluno goste de estar por conta do profissionalismo do professor. Profissionalização e suas Características Perrenoud, citado por Oliveira (2007), define profissionalização sob dois pontos de vista. O primeiro denominado estático como sendo o grau em que um ofício manifesta as características de uma profissão; e o segundo seria um movimento dinâmico porque expressa o grau de avanço da transformação estrutural de um ofício, no sentido de uma profissão. Outra definição trazida por Nóvoa (1992), complementa a intenção que se busca por meio desse texto: “A profissionalização é um processo, através do qual os trabalhadores melhoram o seu estatuto, elevam os seus rendimentos e aumentam o seu poder, a sua autonomia (p. 23). Assim o profissional professor pode ser considerado como um teórico-prático que adquiriu por meio de muito estudo e pelo desenvolvimento de suas vivências em sala de aula, o status e a capacidade para realizar com autonomia, responsabilidade e ousadia sua função. Além disso, o profissional professor é também uma pessoa em relação e evolução em que o saber da experiência lhe pode conferir maior autonomia profissional, juntamente com outras competências que viabilizam a sua profissão. Torna-se claro que os vocábulos “formação e profissionalização” estão intimamente imbricados e se complementam na relação que perfaz todo o trabalho do professor. O professor é um profissional do sentido Nóvoa (1992) sinaliza ainda que para a formação de professores, é indispensável que a formação tenha como eixo de referência o desenvolvimento profissional, na dupla perspectiva do professor individual e do coletivo docente. Além disso, que o trabalho possibilite e favoreça espaço de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, promova os seus saberes e seja um componente de mudança. Isto exige estudo e abertura para os desafios e persistência na busca do conhecimento. A profissão docente é um renovar-se todos os dias. Relacionar os dois temas a partir da legislação e dos autores, demonstra a necessidade de a formação integrar-se à profissionalização de forma consciente e humanizada. Por isso, a educação continuada pode ocorrer além de escolas e universidades, em qualquer outro ambiente que traga um aprendizado. Pode ser em casa, no trabalho, no lazer. Proporcionar que os professores se atualizem e desenvolvam seus saberes, permitem-lhes articular teoria e prática, ou seja, unem conhecimentos científicos adquiridos na Universidade aliados à prática diária em sala de aula. Entende-se, assim, que ser educador é educar-se constantemente por meio de aprendizado em que o conhecimento construído resulta em novas relações com outros conhecimentos que, por

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sua vez, geram novas construções. Desse modo, a profissão docente renova-se todos os dias. Masetto (1994 p. 96) aponta para algumas características para a formação do professor, a saber: [...] inquietação, curiosidade e pesquisa. O conhecimento não está acabado; exploração de "seu" saber provindo da experiência através da pesquisa e reflexão sobre a mesma; domínio de área específica e percepção do lugar desse conhecimento específico num ambiente mais geral; superação da fragmentação do conhecimento em direção ao holismo, ao inter-relacionamento dos saberes, a interdisciplinaridade; identificação, exploração e respeito aos novos espaços de conhecimento (telemática); domínio, valorização e uso dos novos recursos de acesso ao conhecimento (informática); abertura para uma formação continuada.

Sacristán (1998) ilustra ao afirmar que esta é uma das pedras angulares imprescindíveis a qualquer intento de renovação do sistema educativo. Discutir, então, sobre a formação do professor é discutir como manter o domínio e a qualidade do conhecimento e das técnicas que envolvem a profissão docente, a competência e a eficácia profissional. A preocupação com o desenvolvimento de uma ação educativa capaz de preparar alunos para a compreensão e transformação da sociedade, constitui um compromisso com o processo. Considerações finais As legislações nacionais indicam que a profissionalização do educador está intimamente relacionada à sua formação, inicial e continuada, fazendo crer que o caminho para a profissionalização está pautado em um tripé: formação, participação e experiência, ou seja, pressupondo a reunião de requisitos passados e presentes. Por outro lado, ao mesmo tempo em que indicam quem é profissional da educação, deixam a desejar quando têm que especificamente determinar em quais aspectos o profissional passará a ser valorizado a partir da aquisição dessa formação. Alinhando com os objetivos que foram traçados para o desenvolvimento deste artigo, como o de identificar as características da formação docente por meio da legislação e teóricos; identificar os aspectos relativos à profissionalização docente na contemporaneidade; caracterizar a relação existente entre a formação e a profissionalização docente, pode-se deduzir que a formação e a profissionalização docente constituem um processo contínuo e inacabado, sempre em movimento. Numa sociedade globalizada e planetária, a formação e profissionalização dos professores ainda são deficitárias em relação ao desenvolvimento histórico da educação e a complexidade da sociedade em que vivemos. Na perspectiva da formação, é preciso aprender continuamente como ver a realidade, uma vez que é na prática, na troca de saberes, na ousadia da busca que se dá o aprendizado mútuo. Desse modo, é possível que o professor torne-se um agente capaz de gerir o seu próprio fazer, alguém pró-ativo, capaz de criar, relacionar, argumentar e participando no espaço escolar. Não se pretende esgotar o assunto, pois ele possui um espectro enorme para ser aprofundado na perspectiva da dinamicidade constante e persistente que envolve a formação e a profissionalização docente. Assim, percebeu-se que há uma cumplicidade entre os teóricos com relação à formação e a profissionalização por serem termos que se dispõem e se complementam na trajetória docente. Porém, sugere-se um olhar mais atento à prática educativa inter-relacionada e integrada, seja por meio de grupos de pesquisa ou outras atividades afins que propiciem a ampliação de conhecimentos junto aos docentes. Referências

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