UM ESTUDO SOBRE OS PADRÕES DE POSSES DE ESCRAVOS EM MINAS GERAIS (1713-1773)

June 15, 2017 | Autor: R. Santos | Categoria: Escravidão, História de Minas Gerais
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UM ESTUDO SOBRE OS PADRÕES DE POSSES DE ESCRAVOS EM MINAS GERAIS (1713-1773)

Raphael Freitas Santos Mestrando em História - UFMG

A posse de escravos na sociedade mineira setecentista estava, inevitavelmente, ligada ao poder econômico. Com isso, a sociedade tendia, em termos gerais, a uma reprodução das hierarquias sociais. Com base nos recursos econômicos, alguns grupos conseguiam uma grande concentração de escravos para si e suas unidades produtivas. Por outro lado, a posse de homens engrandecia ainda mais seu status perante a sociedade, afirmando sua posição no topo da hierarquia social. Isso porque, dentre outras coisas, se cultivava, nas sociedades de Antigo Regime, uma ética do não-trabalho. Nesse sentido, “o acesso a escravos que pudessem, pelo menos em tese, rechaçar o trabalho e engrandecer os homens, difundia o apreço pela honra, pela imposição coletiva de comportamentos ancorados na lealdade, na palavra e na distinção de si”.1 Por isso, apesar da tendência observada na sociedade mineira de alta concentração de renda, muitos foram os indivíduos que tiveram acesso a escravos nas Minas durante o século XVIII. Foram examinados junto a uma base de dados, 379 inventários entre o período de 1713 e 1773, do qual foi construído um panorama da posse de escravos na comarca do Rio das Velhas setecentista. Essa comarca, cuja cabeça era Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, foi a maior comarca mineira durante todo o século XVIII. A partir da documentação analisada foi possível perceber que uma das principais características da região foi sua economia bastante diversificada. Na Comarca era possível encontrar desde inúmeras águas e terras para minerar, que contavam não raramente com roças de subsistência, até grandes fazendas de gados, principalmente à margem do Rio das Velhas, e unidades produtivas especializadas na produção de gêneros voltados para o

1

SILVEIRA, Marco Antônio. Fama pública: poder e costume nas Minas setecentistas. São Paulo: Tese de doutoramento apresentado a FFLCH/USP. São Paulo, 2000, p.193.

mercado local. A região contava ainda com um importante grupo – os comerciantes e/ou fazendeiros – que controlava o crédito na região.2 Outra característica marcante da Comarca foi a sua enorme população escrava. A analise da composição dos plantéis de escravos, tem aqui o objetivo de aquilatar a discussão levantada a mais de duas décadas no que tange a relação entre a economia mineira e escravidão após a crise da mineração.3 Apesar de tratar de um período que abrange, majoritariamente, um momento de auge na extração aurífera, foi possível trazer a tona questões importantes para explicar o apego da economia mineira à escravidão, mesmo após a segunda metade do século XVIII. Além disso, foi objetivo desse trabalho apresentar um panorama da região do Rio das Velhas, principalmente quanto à concentração da riqueza percebida a partir da concentração, cada vez maior, na posse de escravos. De acordo com a tabela 1 é possível perceber que a posse de escravos vai aumentando na medida em que as faixas de fortuna acumuladas vão crescendo. Apesar da média elevada observada na comarca do Rio das Velhas, entre 1713 e 1773, – 14,6 escravos por proprietário –, existiam diversos padrões quanto à posse de escravos, variando de acordo com os grupos sociais. 4 Por isso a população inventariada pode ser dividida quanto à sua capacidade de acumulação de riqueza. Chegamos a seis grandes grupos. O primeiro era composto de pessoas que acumularam até 499$999, que integravam a população livre e pobre da região. Aqueles que acumularam entre 500$000 e 1:999$999 compunham uma camada média que tinham posses, mas que não chegaram a acumular tanta riqueza quanto a terceiro grupo, que eram os indivíduos que conseguiram acumular entre 2:000$000 e 4:999$9999 em vida. Os grupos seguintes foram compostos por indivíduos considerados ricos nessa sociedade. Entre eles encontravam pessoas que acumularam mais de 5:000$000. Por último aqueles indivíduos que morreram endividados: os devedores.

2

Ver: SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: práticas creditícias e mercado interno em Minas Gerais. Comarca do Rio das Velhas, 1713-1773. Dissertação de mestrado a ser apresentado ao PPGH-UFMG. 3 MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego a escravidão. IN: Estudos Econômicos, 13(01): 181-209, 1983. 4 É preciso destacar que a relação, na verdade, não é de escravo por proprietários. Isso porque, muitos dos inventariados não possuíam escravos, o que significa, por sua vez, que a média de escravos por proprietários tendia a ser um pouco maior.

TABELA 1 – Posses de escravos registrados em inventários post-mortem divididos em faixa de fortuna na Comarca do Rio das Velhas (1713-1773) Faixa de Fortuna Até 499$999 Entre 500$000 e 1:999$999 Entre 2:000$000 e 4:999$999 Entre 5:000$000 e 19:999$999 Acima de 20:000$000

Total de escravos 402 684 1118 1683 1324

TOTAL

5211

Inventariados Escravos por proprietário 108 3,7 107 6,3 74 15,1 56 30,0 11 120,3 356

14,6

5

Devedores 276 23 12 FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.

A maioria dos inventariados, 61,4%, não alcançava a média de 14 escravos por inventariado, encontrada para a região. A posse de escravos estava concentrada nas mãos dos homens mais abastados, e, não obstante, mais poderosos da região. A própria avaliação dos escravos também evidencia isso. Para dar início ao processo de inventário post mortem era chamada uma pessoa responsável pela avaliação dos bens do defunto, o curador. Com relação a esses bens, a avaliação dos escravos entre o grupo correspondente às menores fortunas acumuladas correspondia, na maioria das vezes, a valores inferiores daqueles observados nos escravos avaliados entre os mais abastados – ver tabela 2. TABELA 1 – Valores médios dos escravos avaliados em inventários post-mortem por faixa de fortuna na Comarca do Rio das Velhas (1713-1773) Faixa de Fortuna Até 499$999 Entre 500$000 e 1:999$999 Entre 2:000$000 e 4:999$999 Entre 5:000$000 e 19:999$999 Acima de 20:000$000

Soma dos valores 23:488$240 66:321$400 103:829$045 182:087$138 116:427$375

Escravos avaliados 248 648 1007 1592 1162

Valor médio 94$710 102$347 103$107 114$376 100$195

TOTAL

492:153$198

4657

105$680

Devedores 9:088$700 96 94$673 FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.

5

É importante salientar que, apesar de possuírem monte-mores negativos, os devedores tinham uma posse média de escravos elevada. Isso significa que boa parte das pessoas que morreram endividados possuía uma grande quantidade de bens, sugerindo que o endividamento para esse grupo tenha sido resultado de reveses em suas unidades produtivas.

Isso pode ser explicado pela alta rotatividade dos escravos entre os grandes proprietários. Eles vendiam e compravam escravos com maior freqüência, mantendo um nível de idade sempre baixa, tornando-os mais valorizados. Além disso, a relação “senhor e escravo” entre os grandes proprietários era na maioria das vezes mais impessoal. Isso diferenciava as pessoas que possuíam menos escravos das que possuíam mais. Entre os pequenos proprietários existia uma relação mais próxima com seus escravos, mantendo-os consigo até a velhice, daí, por exemplo, a baixa avaliação. Isso pode ser verificado, também, pelo grande número de escravos que não chegam sequer a ser avaliados, por inúmeros motivos, inclusive pela velhice – vide tabela 3. Infelizmente a idade dos escravos era uma informação muitas vezes desconhecida ou mesmo omitida nos inventários. Por isso, percebe-se uma percentagem muito maior de escravos sem avaliação entre os inventários de pessoas com fortunas menores – e, conseqüentemente, uma média pequena de escravos por proprietário – em relação aos grandes proprietários. Isso indica, entre outras coisas, uma relação mais pessoal entre senhor e seu escravo entre os pequenos proprietários.6 TABELA 3 – Relação entre dos escravos avaliados e os escravos relacionados em inventários post-mortem por faixa de fortuna (1713-1773) Faixa de Fortuna Até 499$999 Entre 500$000 e 1:999$999 Entre 2:000$000 e 4:999$999 Entre 5:000$000 e 19:999$999 Acima de 20:000$000

Escravos total 402 684 1118 1683 1324

Escravos avaliados 248 648 1007 1592 1162

Porcentagem 38% 5% 10% 5% 12%

TOTAL

5211

4657

11%

Devedores 276 96 65% FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.

É preciso salientar que a avaliação dos escravos também variou de acordo com os períodos, acompanhando a relação entre demanda e oferta de escravos no mercado regional. A tabela 4 mostra como foi a variação do valor médio dos escravos entre o período de 1713 6

Mesmo não sendo o foco da análise em questão, é interesse destacar como dados quantitativos, por um lado tem suscitado reformulações nas abordagens históricas e, por outro, pode corroborar hipóteses já levantadas. Um exemplo disso é a própria relação entre senhor e escravo na sociedade mineira setecentista. Ver: PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia. Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

e 1773. No início da montagem da sociedade mineradora – entre 1713 e 1733 – a demanda por escravos era muito grande, o que explicaria sua alta avaliação. Nos períodos seguintes a avaliação média dos escravos vai decrescendo. Isso poderia ser explicado pela redução gradual das atividades mineradoras na região. TABELA 54 – Valores médios dos escravos avaliados em inventários post-morten por períodos (1713-1773) Períodos Entre 1713-1733 Entre 1734-1753 Entre 1754-1773

Soma dos valores 54:770$140 225:128$525 221:293$233

Escravos avaliados 355 1901 2997

Valor médio 154$282 118$426 88$659

TOTAL 501:191$898 5253 95$410 FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.

Uma atividade econômica voltada apenas para a subsistência, conforme afirmava uma historiografia não muito antiga, não demandaria grandes plantéis de escravos. 7 Assim, os números acima apontariam para uma grande oferta interna de escravos que refletiria nos baixos valores decorrente das avaliações dos escravos nos processos de inventários postmortem. Entretanto, de acordo com a tabela 5, percebe-se que a posse de escravos não diminuiu a partir da década de 1740 – momento em que as exportações de ouro começavam a decair segundo os dados levantados por Virgílio Noya Pinto8 – ao contrário tendeu ao crescimento. A partir desse período era possível possuir mais escravos, aproveitando os baixos preços devido ao aumento da oferta, conforme aponta os dados levantados por Curtin, reproduzidos, em parte, na tabela 6. TABELA 5 – Posses de escravos registrados em inventários post-morten na comarca do Rio das Velhas por períodos (1713-1773) Períodos Total de escravos Entre 1713-1733 467 Entre 1734-1753 2020 Entre 1754-1773 2496

Inventariado 43 137 199

Escravos por inventariado 10,8 14,7 12,5

TOTAL 4983 379 13,1 FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.

7

Sobre a possível “involução” da economia mineira após o decréscimo das explorações auríferas, ver: FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 15a ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977. 8 PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. São Paulo: Editora Nacional, 1979, p. 114

TABELA 6 –Estimativa do número de escravos importados pelo Brasil entre 1700 e 1780, por origem. Década Costa da Mina Angola

TOTAL

1701-10

83.700

70.000

153.700

1711-20

83.700

55.300

139.000

1721-30

79.200

67.100

146.300

1731-40

56.800

109.300

166.100

1741-50

55.000

130.100

185.100

1751-60

45.900

123.500

169.400

1761-70

38.700

125.900

164.600

1771-80

29.800

131.500

161.300

TOTAL

472.800

812.700 1.285.500

FONTE: CURTIN, Philip D.. The Atlantic Slave Trade; a census. Madison: University of Wisconsin Press, 1969, p. 207.

Esse aumento da oferta de escravos foi possibilitado pelo incremento do comércio entre Angola e Rio de Janeiro; somada aos escravos sudaneses, majoritariamente, vindos da Bahia pelas margens do Rio das Velhas e o aumento de escravos “coloniais”. Com isso, uma nova perspectiva econômica, voltada para o mercado interno, que tendeu a ser hegemônica nas Minas a partir da redução das atividades mineradoras, continuou utilizando maciçamente de mão-de-obra escrava.9 Essa conclusão, entretanto não pode ser estendida a todas as Minas Gerais. A reação à diminuição das explorações auríferas variou de região para região. Isso fica claro quando comparados alguns resultados encontrados para a região do Rio das Velhas com dados referentes à região de Ouro Preto e São João del Rey. Para tanto, foi utilizada a base de dados produzida, com dados retirados de inventários post mortem, por Laird W. Bergad para o desenvolvimento do seu trabalho.10 Desde o início do século, a comarca do Rio das Mortes – cuja cabeça era São João del Rey – contribuiu enormemente para o abastecimento da capitania. A importância da região foi aumentando, cada vez mais, após a segunda metade do século XVIII a ponto de, no início do século XIX, São João del Rey se tornar o principal intermediário do comércio

9

Conforme afirmou: MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais, século XIX... op. cit. BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999. 10

entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. 11 Com base nas tabelas 7 e 8 é possível perceber que, nessa região, assim como na comarca do Rio das Velhas, houve uma crescente desvalorização do escravo ao longo do período e um aumento no número absoluto de escravos; os escravos mais do que dobraram a partir da década de 50 e se concentraram, cada vez mais, nas mãos de poucos proprietários. A principal diferença encontrada com a relação aos padrões de posse de escravos entre a comarca do Rio das Velhas e do Rio das Mortes foi, portanto, a enorme média de escravos por proprietário. Com isso, é possível sugerir que a região do Rio das Mortes foi se especializando na produção voltada para o abastecimento, contando, para isso, com um enorme contingente de mão de obra escrava – embora não chegasse a caracterizar uma plantation. Essa produção tinha um alcance não apenas local, mas, também, regional. Mais tarde, durante o século XIX, a região de São João del Rey contava com uma produção voltada direta e indiretamente para o mercado internacional. TABELA 7 – Valores médios dos escravos avaliados em inventários post-morten por períodos no distrito de São João del Rey (1713-1773) Períodos Entre 1713-1733 Entre 1734-1753 Entre 1754-1773

Soma dos valores 52:677$660 219:561$900 251:577$000

Escravos avaliados 271 1337 2956

Valor médio 195$100 164$340 85$110

TOTAL 523:816$560 4564 114$771 FONTE: BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999, data base in excel format. TABELA 8 – Posses de escravos registrados em inventários post-morten por períodos no distrito de São João del Rey (1713-1773) Períodos Total de escravos Entre 1713-1733 302 Entre 1734-1753 1407 Entre 1754-1773 3006

Proprietários 18 116 244

Escravos por proprietário 16,7 22,3 31,9

TOTAL 4715 378 26,9 FONTE: BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999, data base in excel format.

11

Ver: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais.São João del Rei (1831-1888).São Paulo: Annablume, 2002.

Ao contrário da região de Sabará, que foi, de fato, abalada com o decréscimo das explorações aurífera, em São João del Rey a economia parece não ter sido tão afetada. Entretanto, a comarca do Rio das Velhas contava com uma dinamicidade econômica que contribuiu, decisivamente, para que o baque não fosse tão grande quanto aquele sentido na comarca de Ouro Preto. Epicentro político e econômico das Minas durante a primeira metade do século XVIII, a comarca de Ouro Preto foi, possivelmente, a região que mais sofreu com a diminuição da mineração. De acordo com os gráficos 9 e 10, percebe-se que, assim como as duas comarcas analisadas anteriormente, a avaliação média dos escravos vai decrescendo com o decorrer do século XVIII. Entretanto, ao contrário da região de Sabará e de São João del Rey, o número de escravos também vai diminuindo, afetando na média de escravos por proprietários que também decresce. Ao que tudo indica, a dispersão da mão-de-obra escrava utilizada na mineração para regiões mais dinâmicas ou por um possível incremento nas quartações e alforrias, aconteceu dentro do próprio território mineiro. Uma parte dos escravos parece ter sido deslocada para regiões mais dinâmicas dentro da capitânia de Minas Gerias, como para as comarcas do Rio das Mortes e do Rio das Velhas, por exemplo. TABELA 9 – Valores médios dos escravos avaliados em inventários post-morten por períodos no distrito de Ouro Preto (1713-1773) Períodos Entre 1713-1733 Entre 1734-1753 Entre 1754-1773

Soma dos valores 38:830$800 126:715$200 77:643$000

Escravos avaliados 204 712 734

Valor médio 190$350 178$220 105$780

TOTAL 243:189$000 1650 145$100 FONTE:BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999, data base in excel format. TABELA 10 – Posses de escravos registrados em inventários post-morten por períodos no distrito de Ouro Preto (1713-1773) Períodos Entre 1713-1733 Entre 1734-1753 Entre 1754-1773

Total de escravos 213 762 756

Proprietários 18 63 94

Escravos por proprietário 11,8 6,5 3,0

TOTAL 1731 175 4,5 FONTE: BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999, data base in excel format.

Segundo Francisco Vidal Luna e Iraci Del Nero da Costa, “iniciada a decadência mineira provavelmente, reduziu-se a capacidade de adquirir escravos do exterior; esse fato, aliado ao próprio crescimento da massa de coloniais, modificou gradativamente a composição da escravaria, com um aumento proporcional dos 12 cativos nascidos na Colônia.”

Dados apresentados por Bergard corroboram essa hipótese, apontando para uma tendência, a partir das últimas décadas do século XVIII, à predominância de escravos “coloniais” em detrimento aos escravos de origem africana. Entretanto, se esses dados mostram que, para o caso dos escravos do sexo feminino essa tendência se confirmava antes mesmo da década de 1750, o mesmo não pode ser percebido no caso dos escravos do sexo masculino. De acordo com os números apresentados pelo autor, apesar do enorme crescimento do número de escravos coloniais desde meados do século XVIII, apenas na década de 1840 os escravos coloniais do sexo masculino superariam os escravos de origem africana.13 Além disso, os próprios dados apresentados por Luna e Costa mostram que, de acordo com um censo feito em 1771 – período em que a produção do ouro já havia declinado – na freguesia de Congonhas do Sabará, comarca do Rio das Velhas, a proporção de escravos de origem africana era muito maior (69,4%) do que a percentagem de escravos “coloniais”, ou seja, nascidos na América portuguesa (30,6%).14 Assim, é possível perceber, portanto, que a comarca do Rio das Velhas apresenta um padrão diferente no que tange a origem dos escravos. Enquanto a região de Ouro preto e São João Del Rey a percentagem de escravos “coloniais”, entre 1754 e 1773, alcançava a faixa dos 40% - vide tabelas 11 e 12 –, em Sabará o mesmo não é observado. De acordo com a tabela 13, apesar do crescente aumento do número de escravos “coloniais”, eles não chegam a ultrapassar os 28%, durante o período analisado.

12

LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Estrutura da posse de escravos. IN: Minas Colonial: Economia e Sociedade. São Paulo: FIPE/Pioneira,1982, p. 51. 13 BERGARD, Laird W. Slavery and the Demographic and Economic History of Minas Gerias... op. Cit. p. 124, 125 e 145 14 Outro dado levantado pelos autores que evidenciam uma significativa produção agro-pecuária na região da comarca do Rio das Velhas diz respeito à condição sócio-econômica dos proprietários de escravos. De acordo com os autores, os proprietários agricultores da freguesia de Congonhas do Sabará tinham, em média, dezessete escravos. Ver: LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Estrutura da posse de escravos... op. cit., p. 42;

TABELA 11 – Posses de escravos registrados em inventários post-morten por períodos no distrito de Ouro Preto (1713-1773) Africanos

Coloniais

Períodos

Número % Número % 176 83% 037 17% Entre 1713 e 1733 540 71% 222 29% Entre 1734 e 1753 451 60% 305 40% Entre 1754 e 1773 FONTE: BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999, data base in excel format. TABELA 12 – Posses de escravos registrados em inventários post-morten por períodos no distrito de São João Del Rey (1713-1773) Africanos Períodos

Número

Coloniais %

Número

%

Entre 1713 e 1733 0238 79% 0064 21% Entre 1734 e 1753 1000 71% 0407 29% Entre 1754 e 1773 1847 61% 1159 39% FONTE: BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999, data base in excel format.

TABELA 13 – Posses de escravos registrados em inventários post-morten por períodos na comarca do Rio das Velhas (1713-1773) Africanos Períodos

Número

Coloniais %

Número

%

Entre 1713 e 1733 0331 76% 102 24% Entre 1734 e 1753 1422 74% 494 26% Entre 1754 e 1773 2034 72% 776 28% FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII.

Apesar de ainda não ter encontrado uma explicação para tamanha disparidade entre o número de escravos coloniais na comarca do Rio das Velhas e nas outras regiões compradas, esses e os outros números apresentados acima apontam para, entre outras coisas, a dinamicidade da região da comarca do Rio das Velhas que, mesmo com decréscimo das atividades mineradoras, continuava empregando maciçamente a mão-deobra escrava, majoritariamente africana. Isso significa que, durante o período colonial, uma economia voltada para o mercado interno, como a comarca do Rio das Velhas após a segunda metade do XVIII por exemplo, pode ser capaz de gerar recursos para novas importações de escravos. Ou seja, a

Comarca estava vinculada ao mercado internacional, mesmo contando com uma economia que, cada vez mais, caminhava em direção à produção de gêneros destinados ao mercado local e/ou regional. Por fim é valido destacar que, ao passo que a mineração deixa de ser a atividade majoritária de Minas Gerais, a população tendeu a dispersar para as regiões de fronteiras. Embora esse momento não tenha sido a derrocada da economia mineira, grande parte da população contava com unidades produtivas familiares voltadas para a subsistência e com uma presença cada vez menor da mão-de-obra escrava. Isso fica evidenciado pelo aumento da concentração de escravos observado na região. Esse aumento foi acompanhado também, pela concentração da riqueza que foi se tornando, cada vez mais, a tônica da sociedade mineira após a segunda metade do século XVIII.15

15

Ver: SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”... op. cit.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGAD, Laird W. Slavery and the demografic and economic history of Minas Gerias, Brazil, 1720-1888. New York: Cambrigde University Press, 1999. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 15a ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977. GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais.São João del Rei (1831-1888).São Paulo: Annablume, 2002. LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Del Nero da. Estrutura da posse de escravos. IN: Minas Colonial: Economia e Sociedade. São Paulo: FIPE/Pioneira,1982. MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego a escravidão. IN: Estudos Econômicos, 13(01): 181-209, 1983. PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia. Minas Gerais, 17161789. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. São Paulo: Editora Nacional, 1979. SANTOS, Raphael Freitas. “Devo que pagarei”: práticas creditícias e mercado interno em Minas Gerais. Comarca do Rio das Velhas, 1713-1773. Belo Horizonte: Dissertação de mestrado a ser apresentado ao PPGH-UFMG, 2004. SILVEIRA, Marco Antônio. Fama pública: poder e costume nas Minas setecentistas. São Paulo: Tese de doutoramento apresentado a FFLCH/USP, 2000.

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