Um fio de Ariadne para a composição das Crisálidas

July 7, 2017 | Autor: Audrey Ludmilla | Categoria: Machado de Assis, Crisálidas
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UM FIO DE ARIADNE PARA A COMPOSIÇÃO DAS CRISÁLIDAS

Audrey Ludmilla do Nascimento Miasso (Pós-graduanda – Centro Universitário Padre Anchieta) RESUMO: Com 29 poemas, Crisálidas (1864) parece ter sido uma reunião aleatória de poemas machadianos, alguns já publicados nos periódicos oitocentistas. Contudo, se arregalarmos os olhos poderemos notar que a presença da musa se dá no início e no final do livro, com “Musa Consolatrix” e “Última folha”. A proposta ao observar as escolhas feitas por Machado, tanto dos poemas quanto da epígrafe do último poema, não é resolver a problemática da composição, aleatória ou não, das Crisálidas, mas buscar um fio condutor entre o primeiro e o último poema do livro. PALAVRAS-CHAVE: Machado de Assis, Crisálidas, “Musa Consolatrix”, “Última folha”.

Aos quinze anos Machado de Assis (Rio de Janeiro, 1839 – 1908) debuta no meio literário ao publicar o soneto no Periódico dos Pobres “À Ilma. Sra. D.P.A.”, dedicado a Petronilha: “Todos os dotes tens, ó Petronilha”. No ano seguinte, publica na revista Marmota Fluminense, de Paula Brito, o poema “Ela” e pouco tempo depois passa a trabalhar na redação do Correio Mercantil, periódico oitocentista e ambiente que promoveu seu encontro com outros autores, tais como Casimiro de Abreu, Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, Pedro Luís e Quintino Bocaiúva. Apesar de hoje ser conhecido especialmente por sua obra em prosa, Machado iniciou sua carreira escrevendo e publicando poemas nos idos de 1855, tendo publicado seu último livro de poemas em 1901, Poesias Completas1. Antes vieram as Crisálidas com 29 poemas, em 1864, as Falenas com 28 poemas, em 1870, e as Americanas com 13 poemas, em 1875. Nesse intervalo, Machado enveredou pela prosa, e publicou no mesmo ano de 1870, seus Contos Fluminenses, em 1872 o romance Ressurreição, no ano seguinte nova coletânea de contos, as Histórias da meia noite, e em 1874 novo romance, A Mão e a luva. O poeta e prosador encontrou também os caminhos do teatro 2, tradução e 1

Esse livro é composto por 12 poemas de cada um dos livros de poemas anteriores (Crisálidas, Falenas e Americanas) mais 27 poemas inéditos reunidos no volume inédito Ocidentais. 2 A grande maioria das peças são traduções, como é o caso das peças Hoje Avental, Amanhã Luva (1860), As bodas de Joaninha (1861), Gabriela (1862), Montoye (1863), Suplício de uma mulher sem corar (1865), Barbeiro de Servilha (1866), O anjo da meia-noite (1866), O remorso vivo (1866), A família Benoiton (1867), Monólogo de Hamlet (1871), e ainda as peças não datadas: Os burgueses de Paris, Tributos da mocidade e Forca por forca. De autoria do próprio Machado, temos: Odisséia dos vinte anos (1860), Desencantos (1861), O caminho da porta (1862), O protocolo (1862), Quase ministro (1864), O bote de rapé (1878), Tu, só tu, puro amor (1880), Não consultes médico (1899), Lição de botânica (1906) e a peça não datada, As forcas caudinas. Não apenas como escritor Machado colaborou para o setor dramático, entre 1862 e 1864 ele foi também censor do Conservatório Dramático, emitindo diversos

crítica literária, produção em que se destaca “O passado, o presente e o futuro da literatura” (1858), “Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade” (1873), “Literatura realista - O Primo Basílio, romance do Sr. Eça de Queirós” (1878) e “A nova geração” (1881). Como tradutor, Machado nos legou, traduções de clássicos como Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo, o “Canto XXV do Inferno”, da Divina Comédia de Dante Alighieri, a famosa cena 7 do ato 4, “To be or not to be”, de Hamlet , de Shakespeare e O Corvo, de Edgar Allan Poe3. Dessas traduções muitas foram incluídas nos livros de poemas. Seus livros de poemas, à época das publicações, foram sempre bem recebidos, a despeito dos comentários, costumeiros, da opinião contrária. Até meados da década de 70, o poeta tinha preferência na recepção da crítica, que assinalava ‘pouco rigor formal’ nos seus ‘mimosos’ versos, mas não aumentava os elogios e apreciação quando se tratava de sua prosa4. Na virada para 1880 o poeta começa a perder espaço para o prosador, movimento esse que determinaria os rumos da crítica desde então. Em ensaio escrito em 1939, Manuel Bandeira afirma que “É um perigo para o poeta assinalar-se fortemente nos domínios da prosa. Entra ele nesse caso numa competência muito mais ingrata que a dos seus confrades: a competência consigo próprio.” (BANDEIRA, 1939, p. 11) 5. pareceres acerca de peças a ele enviadas e submetendo suas próprias peças ao órgão. 3 Os estudiosos John Gledson e Jean Michel-Massa estudaram Machado de Assis enquanto tradutor, porém, de maneira distinta. Enquanto John Gledson se ocupa apenas daqueles poemas para os quais é possível afirmar seguramente a fonte consultada por Machado, excluindo, portanto, poemas de Schiller ou Heine, para os quais se sabe que o tradutor recorreu a um terceiro texto para sua tradução. O estudo realizado por Jean Michel-Massa acerca de Machado tradutor abrange as traduções tanto em verso como em prosa, além de levantar hipóteses acerca de textos intermediários que Machado possa ter consultado para realizar suas traduções. 4 A crítica literária, até meados da década de 1875, dedicou-se principalmente à Machado de Assis poeta. Até o lançamento das Americanas foram pouco mais de 19 artigos publicados em diferentes jornais e revistas, número inferior aos artigos dedicados às obras em prosa até então publicadas, fosse pela constante exposição do poeta nos periódicos ou o volume da obra em prosa inferior a poesia até essa época. Sobre as Crisálidas, por exemplo, foram 10 artigos publicados, destacando-se os nomes de F. T. Leitão, Luís José Pereira da Silva, M. A. Major, Amaral Tavares, J. D. Ramalho Ortigão e A. C. Almeida. A propósito das Falenas, são cinco os artigos, sendo um de nível internacional, intitulado Falenas, do poeta brasileiro Machado de Assis, escrito por Júlio César Machado e publicado em Lisboa, n’A América em março de 1871. Americanas por sua vez, recebeu quatro artigos, um publicado n’O novo mundo (volume VI) de agosto de 1875, Nova Iorque, e escrito por Salvador de Mendonça. É comum os estudos machadianos apontarem nesse primeiro momento de boa recepção de sua poesia, a ausência de grandes nomes, posto que Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias já estavam mortos. Á época de Crisálidas, por exemplo, somente Sousândrade era poeta ativo, e de Falenas somente Castro Alves com suas Espumas Flutuantes. Machado surge como uma nova voz na poesia, pois dispunha de muito espaço para isso. 5 No Jornal do Commércio de 21 de maio de 1901, no artigo Poesias Completas – O Sr. Machado de Assis, poeta, José Veríssimo destaca: “[...] E quer como prosador, quer como poeta, não o é por nenhuma extravagância de pensamento ou de estilo, mas somente pela originalidade do seu engenho, pela singularidade do seu temperamento. Como se diz de outros: é um caráter, numa acepção que todos

Leitor de seu tempo e de todos que compõem sua obra, a visão atenta de Machado acerca da literatura, já demonstrada no ensaio de 1873, “Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade”, considerou as muitas opiniões acerca de sua obra, mas não suficientes para o demolirem da idéia de continuar a escrever versos e ainda publicá-los. Se maior ou menor como poeta, se resumo, rascunho ou ensaio para a obra posterior, parece-nos interessar resolver essas questões tanto quanto o ‘enigma de Capitu’, quando contraposto com o narrador Bentinho. O estudo das fontes de leitura do poeta, que por vezes são as mesmas fontes do prosador, revela além da leitura que fez dos seus e de outras épocas e produções literárias, também seus modos de composição e, portanto, de interpretação do fazer poético e literário, oferecendo ao leitor uma biblioteca machadiana dentro da própria obra, em que há pelo menos duas prateleiras: a biblioteca composta pelas obras que leu, e outra composta por sua obra em diálogo com os nomes, estilos e obras de sua leitura. Em Crisálidas são quatorze os poemas que contam com epígrafes, de modo que o longo “Versos a Corina”, de seis partes, conta com uma epígrafe para cada parte. A supressão das epígrafes de uma para outra publicação, em livro ou em periódicos foi constante. Para o estudo dos textos usados nessas epígrafes não se pode falar em língua original, haja vista que em muitos casos, Machado consultava traduções de textos do francês, caso provável das epígrafes retiradas das obras do polaco Mickiewicz, que segundo o próprio Machado: “Esse canto é extraído de um poema do poeta

polaco

Mickiewicz,

denominado

‘Conrado

Wallenrod’.

Não

sei

como

corresponderá ao original; eu servi-me da tradução francesa do polaco Cristiano Ostrowski” (ASSIS, 1864, p. 171). A temática tanto das epígrafes, quanto dos poemas, é variada, seja no total dos livros de poemas ou na individualidade de cada volume. Jean-Michel Massa, comentando as Crisálidas, não encontra uma hipótese latente que justifique a composição do livro de poemas: Não encontramos um fio de Ariadne na sequência das vinte e duas peças de Crisálidas, vinte e oito, se contarmos as traduções. Não entendem, pode-se dizer do Sr. Machado de Assis, mais do que de qualquer dos nossos prosadores e poetas: é um temperamento.” J. dos Santos concorda com Veríssimo quando escreve o artigo intitulado Crônica literária e publicado n’A notícia de 25-26 de maio de 1901: “[...] Veríssimo não foi um louvador incondicional; soube explicar porque o mais puro e perfeito dos nossos prosadores não tem no seu lirismo a exuberância um pouco desordenada de quase todos os poetas de sua geração”. E ainda no mesmo artigo, o autor recomenda: “Quem conhece o prosador maravilhoso que escreveu estas três obras primas: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro, deve ler as suas Poesias completas. Só assim verá o seu talento sob todos os aspectos”.

podemos classificá-las, nem utilizando a cronologia, nem agrupandoas segundo a natureza dos temas ou em função de alguma afinidade estética ou métrica (MASSA, 1971, p. 389).

O que se observa no primeiro livro de poemas é um trabalho literário encerrado nele mesmo como se o poeta compusesse versos conduzido por sua “Musa Consolatrix”6, para chegar agradecido a ela em sua “Última folha”7. O primeiro grande elo entre esses dois poemas que salta aos nossos olhos é a presença da musa, esse ser mitológico responsável pela inspiração dos poetas. Em “Musa Consolatrix”, que abre o livro de poemas, o eu lírico enaltece a presença da musa, que o protegerá dos males que possam existir. E no poema que encerra o livro, “Última folha”, o eu lírico intercede pela presença da musa, pede que ela volte trazendo seu conforto e levando embora a “escuridão” que fica sem sua presença. A abertura do livro com o poema “Musa Consolatrix” nos faz criar a hipótese de que o poeta escreveu seu livro inspirado pela musa, até que chegue sua “Última folha”, na qual roga pela “última harmonia”. A “Última folha” das Crisálidas vem acompanhada de Les Orientales, de Victor Hugo. Machado por meio da epígrafe retirada do poema “Les Djinns 8”, inverte a ordem dos dois versos retirados do poema francês: “tout fuit, / tout passe” para na epígrafe “tout passe, / tout fuit”. Não bastasse, o “tout fuit” de Hugo nos demanda nova leitura, dessa vez do campo da filosofia de Heráclito. Esse filósofo pré-socrático parte do 6

MUSA CONSOLATRIX Que a mão do tempo e o hálito dos homens Murchem a flor das ilusões da vida, Musa consoladora, É no teu seio amigo e sossegado Que o poeta respira o suave sono. (...) 7

ÚLTIMA FOLHA

Tout passe, Tout fuit. V. HUGO Musa, desce do alto da montanha Onde aspiraste o aroma da poesia, E deixa ao eco dos sagrados ermos A última harmonia. [...] 8

[...]“On doute La nuit... J'écoute: Tout fuit, Tout passe; L'espace Efface Le bruit.”[…]HUGO, Victor. Les djinns. In: Les Orientales. Paris: Librairie de L. Hachette et Cie, 1859.

princípio de que nada é estático, tudo está constantemente em movimento. A máxima de Heráclito consiste no “Panta rhei”, que significa exatamente “tout fuit”, em português, ‘tudo flui’, do mesmo modo que fluiu a inspiração do poeta para escrever o livro de poemas. Para a cultura árabe do período pré-islâmico, não eram as musas que inspiravam os poetas e os fazia compor seus versos, mas sim um djinn, que ditava os versos nos ouvidos do poeta, independentemente da vontade deste, como acontece em “Les Dijins”, em que eu lírico tenta mostrar quão desconfortável é para o poeta o momento em que essas criaturas o dominam, ou seja, o quão esse transe que produz o poema é turbulento. A fluência da filosofia de Heráclito está no poema francês. A casa de um poeta é visitada por uma hoste de djinns, que causa uma grande turbulência, mas que passa, que começa e acaba, flui. A passagem dos djinns é refletida na própria métrica do poema francês, o qual possui quinze oitavas, das quais cada uma apresentará versos em uma determinada métrica, de modo que a primeira nos trará versos de duas sílabas; a segunda, de três e assim por diante até a sétima estrofe, que trará versos de oito sílabas poéticas. A oitava estrofe vem com versos decassílabos e a estrofe seguinte, retorna aos versos de oito sílabas poéticas. As estrofes seguintes acompanharão a ordem decrescente dos versos, de modo que temos, no total do poema, estrofes com o seguinte número de sílabas poéticas: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 8, 7, 6, 5, 4, 3 e 2. Notemos que Hugo rejeita os eneassílabos e que o número de versos nas estrofes acompanha a vinda dos djinns à casa do poeta, de modo que a estrofe com versos decassílabos é o ápice do poema e a partir daí, os djinns partem em retirada, de volta à floresta, é quando tem-se novamente versos de duas sílabas poéticas, “tout fuit, / tout passe”, a hoste dos djinns já se foi. Apesar da presença dos djinns no poema que serve de epígrafe ao poema derradeiro, o ser que ganha destaque durante todo o poema, seja o primeiro ou este último, é a musa. Em “Musa Consolatrix”, no final da terceira estrofe, a musa chega a ser comparada à “alcíone divina”, que anunciou o fim da tormenta na Arca de Noé. Há um ponto contrastante entre “Les Djinns” e “Última folha”, pois o eu lírico de “Les djinns” teme a vinda daqueles que trazem os versos, por outro lado, o eu lírico machadiano pede a presença da musa já no início do livro Crisálidas, por meio do poema “Musa Consolatrix”. Em “Musa Consolatrix”, mais precisamente na segunda estrofe, o eu lírico já dizia que na companhia da musa não há “dor aguda, nem sombrios ermos; / Da tua voz os namorados cantos / Enchem, povoam tudo / Da

íntima paz de vida e de conforto.”, ou seja, não há nada de ruim. Mas em “Última Folha”, com a retirada das musas, “[...] no poente / Não quebra os raios pálidos e frios / O sol resplandecente” e “[...] o vale árido e seco / Abre-se, como um leito mortuário”. Tudo que havia de bom no início, agora já não existe mais. A presença de alguns termos específicos em um e outro poema farão com que o último lembre o primeiro e vice-versa. Na segunda estrofe de “Musa Cionsolatrix”, temos que “Não há, não há contigo, / Nem dor aguda, nem sombrios ermos; [...]”. Passando para a “Última folha”, na primeira estrofe o eu lírico pede que a musa desça (o que já a configura como um ser superior) do alto da montanha e deixe “ao eco dos sagrados ermos / A última harmonia”. Assim, contrapondo as duas passagens, veremos que na presença da musa, os ermos não são sombrios, mas sagrados. Há ainda uma outra referência aos “sombrios ermos” no último poema, que na terceira estrofe conta que, apesar de este ser o poema derradeiro, “Não é noite, não, este ar sombrio [...]”. Na segunda estrofe de “Última folha”, a complexidade de sua ligação com o primeiro poema será ainda maior. Neste, o eu lírico diz que a musa “muda o agudo espinho em flor cheirosa” e, naquele, pede que a musa deixe “cair ao chão as alvas rosas / E as alvas margaridas”. A mesma musa que no primeiro poema era capaz de transformar espinhos em flor, no último poderá trazer flores ao fazer poético do eu lírico. Ainda nessa mesma estrofe, o eu lírico fala dos cabelos da musa, que, no passado, configurado pela conjugação do verbo “beijar” em “beijavam”, traziam as “virações perdidas”. A mesma “viração” já fora usada no primeiro poema para tratar justamente da “última ilusão” do “mancebo”, que é como o eu lírico se denomina em “Musa Consolatrix”. Nesse poema o eu lírico nos diz que quando sua “última ilusão cair”, que talvez tenha sido a sua “Última folha”, será como “Folha amarela e seca / Que ao chão atira a viração do outono [...]”. Na quinta estrofe da “Última folha”, o eu lírico anuncia que “[...] Virá um dia em que mais bela / Mais alegre, mais cheia de harmonias, / Voltes a procurar a voz cadente / Dos teus primeiros dias”. Essa estrofe nos faz inferir que mesmo que esse seja o fim do livro, não será o fim do fazer poético do artista, como não foi o fim do fazer poético machadiano, e que quando esse futuro vier, a musa poderá procurar a voz dos seus primeiros poemas. Três estrofes a frente, ainda em “Última folha”, vemos que a musa desse poema é aquela mesma “alcíone divina” que anunciou outrora o fim da tormenta em “Musa Consolatrix”, uma vez que nessa oitava estrofe o eu lírico nos traz “já finda a

tormenta / Que a natureza enlutou, [...]”. “Musa Consolatrix” se encerra com o eu lírico pedindo que a musa o acolha, pois na presença dela “Em vez de algumas ilusões que teve,” ele terá “A paz, o último bem, último e puro!” A mesma paz e pureza estarão no último poema, na décima e na décima segunda estrofes respectivamente. Essa paz da “Última folha” cantará no seio do poeta quando a musa voltar e ele alcançará então paz tão infinita, que sua alma poderá “Viver de luz mais viva e de ar mais puro [...]”. Encerradas as referências entre um e outro poema, haveremos ainda de destacar a presença da metalinguagem em ambas as composições, poema falando do próprio fazer poético por meio da figura mais clássica que poderia haver, a musa. O diálogo e o mosaico formado por esses dois poemas ganham a dimensão de vitral inteiro e trazem, talvez, o fio que faltava para ligar o poema do início com o do final do livro. Não se trata somente do diálogo entre os dois poemas, mas dos demais diálogos que cada um carrega em si, como a passagem bíblica da Arca de Noé e também o poema hugoano, que dentro de si trará mais dois diálogos para abarrotar o machadiano: os djinns e a filosofia de Heráclito. Todas essas referências nos tornam leitores da leitura de Machado, constroem indicações do que ele leu. Certamente essas indicações e escolhas não estavam sujeitas “ao vento que soprasse”, antes revelam caminhos de leitura, e modos de composição dos poemas de Machado de Assis; o que torna o estudo dessas epígrafes, a pesquisa que verifique suas fontes, e uso que fez delas o poeta, importante para o conhecimento, análise, interpretação e compreensão da obra poética machadiana, estabelecendo o que podemos nomear ‘arquitetura da obra poética’ do autor.

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