Um Herói e sua cidade - A Relação entre o Gralha e a representação de símbolos curitibanos

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Pós-graduando em História da Arte pela Claretiano.
Tradução Livre do Autor: Parceiro
Tradução Dicionário Michaelis: Porcelana Branca; Fina;
Tradução Dicionário Michaelis: Menino larápio, companheiro de ladrões; criança esperta.
Na HQ, Curitiba cresceu em medidas gigantescas, tornando-se uma megalópole. Com isso o antigo bairro do Ahú, que possui nos dias de hoje um presidio desativado, torna-se uma Ilha-Prisão, nos melhores moldes norte-americanos.
Deriva do Polonês
UM HERÓI E SUA CIDADE:
A Relação entre o Gralha e a representação de símbolos curitibanos
Leandro Cardoso da Cruz
[email protected]


O presente artigo tem como objetivo analisar como se dá a representação da cidade de Curitiba e de seus símbolos culturais através da história em quadrinhos (doravante chamadas de HQs) do Gralha, que foi escrita por diversos autores curitibanos que, desta forma, carregam certa bagagem cultural. Desta feita, o artigo se dividirá em 3 partes: em um primeiro momento serão apresentados conceitos acerca do tema identidade e representações culturais. A seguir será feita uma breve explanação do histórico do personagem, o Gralha, e seus autores. Por fim será feita a análise das representações presentes na HQ e como elas se relacionam com os conteúdos culturais da cidade de Curitiba.

Identidade e Representações Culturais

A necessidade de uma breve análise do que é identidade se faz necessária devido a importância que esse tópico terá neste trabalho. Deve se entender que o uso da HQ do Gralha foi o meio de se exemplificar esse conceito na história. Mas antes de visar o estudo do objeto, é necessária uma conceitualização do que é identidade. Em primeiro lugar, qual a importância do estudo da identidade para a história? Woodward apresenta um dos motivos:

A identidade tem se destacado como uma questão central nas discussões contemporâneas, no contexto das reconstruções globais das identidades nacionais e étnicas e da emergência dos "novos movimentos sociais", os quais estão preocupados com a reafirmação das identidades pessoais e culturais. (WOODWARD, 2000, p. 67)

Dito isso, parte-se da explicação mais direta sobre a definição da palavra identidade em si:

Em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir "identidade". A identidade é simplesmente aquilo que se é: "sou brasileiro", "sou negro", "sou heterossexual", "sou jovem", "sou homem". A identidade assim concebida parece ser uma positividade ("aquilo que sou"), uma característica independente, um "fato" autônomo. Nessa perspectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é auto-contida e auto-suficiente. (DA SILVA, 2000, p. 74)

Porém identificar que a identidade está ligada ao "sou" não se mostra suficiente, uma vez que o "ser" implica as ideias de "não ser". Com isso, ao se utilizar a ideia de identidade, é importante compreender como surge a necessidade de "ter" uma identidade, afora isso, como se "constrói" essa identidade.
Uma das formas que a identidade de um grupo ou indivíduo pode ser construída é através de sua história, assim "as identidades estabelecem suas reinvindicações é por meio do apelo à antecedentes históricos" (WOODWARD, 2000, p. 11). Isso demonstra que o embasamento é necessário para justificar suas afirmações sobre o "quem é". Além disso "essas identidades adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas" (WOODWARD, 2000, p. 8). Desta feita é possível compreender que a "construção" de uma identidade parte de uma base (histórica) e necessita de se mostrar existente (símbolos).
Agora, para concluir essa análise sobre a identidade, é necessário compreender o tópico que será trabalhado à frente, isto é, a ideia de identidades regionais. Com isso Hall cita que as identidades locais "não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação". (HALL, 2005, apud PAZ; QUELUZ, 2013, p.9). E essa representação se dá, como foi visto anteriormente, através de símbolos. Mais do que o símbolo em si, mas sim à importância dada à eles, uma vez que "é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e aquilo que somos" (WOODWARD, 2000, p. 17).
Conclui-se então que a identidade é algo construído, que carece de representatividade para se fazer valer, além de um embasamento para se afirmar. É possível então concordar com Hall que diz que "é precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas especificas, por estratégias e iniciativas especificas". (HALL, 2000, p. 109).
Assim, na sequência do trabalho, será analisado não só a construção da identidade através da HQ, como também o discurso que esse trabalho quer ver representado através dos símbolos e embasamentos.

Quem é o Gralha? Do mito de Iwerten à Gustavo Gomes

Curitiba e os Quadrinhos

Para se compreender como surge a ideia do Gralha em Curitiba é necessário entender a relação da cidade com as HQs. Essa relação é muito rica em quantidade e em qualidade:

A cidade de Curitiba possui certa tradição na produção de histórias em quadrinhos: da seção "A Gaveta do Diabo", desenhada por Narciso Figueras, publicada em 1888 na revista Galeria Ilustrada, passando pelos personagens Minervino, Chico Fumaça e Dona Marcolina de Alceu Chichorro nas primeiras décadas do século XX, aos super heróis do período entre guerras e às experiências alternativas dos anos 1960. (PAZ; QUELUZ, 2013, p.2)

Além disso essa relação é algo para o qual ainda se dá importância. Em uma exposição que aconteceu na cidade sob o nome de "Fabulosa Galeria dos Personagens de Quadrinhos de Curitiba", o curador Fulvio Pacheco disse que "a tradição da cidade quanto aos quadrinhos é conhecida em todo país, com méritos como a Grafipar, editora responsável pela maior produção de quadrinhos vista fora do eixo Rio-São Paulo, a primeira Gibiteca do Brasil e a Gibicon" (2016).
Um dos fatores que auxiliou esse desenvolvimento dos quadrinhos em Curitiba foi a editora Grafipar, que de 1978 a 1983,

não parou de fornecer surpresas numa sequência de produção jamais vista fora do eixo São Paulo - Rio. Aliás, esse foi o ponto importante do fenômeno: tirar a primazia do tradicional domínio de concentração de feitos na história da história em quadrinhos do Brasil." (DE MOYA, 1997)

Sobre a Gibiteca, ela foi criada em 1982, em uma sala da antiga galeria Schaffer. Posteriormente ela foi transferida para o complexo do Solar do Barão, com um espaço maior e mais adequado para suas finalidades. A Gibiteca oferece cursos que formam novos interessados na arte das HQs e foi de um grupo de lá que veio a ideia do Gralha:

Um desses grupos de desenhistas, formados pela Gibiteca, viria a criar um personagem dentro dos padrões norte-americanos de super-herói, ou seja, com superpoderes e uma fantasia para esconder sua verdadeira identidade no combate "às forças do mal". O personagem foi batizado de "O Gralha" e as histórias foram publicadas em uma edição comemorativa dos 15 anos da Gibiteca, financiada pela Fundação Cultural de Curitiba, em outubro de 1997. (AGUIAR, 2000bapud PAZ; QUELUZ, 2013, p.3)

O Capitão Gralha de Francisco Iwerten

A primeira aparição do Gralha foi na edição comemorativa da revista Metal Pesado, onde era comemorado o aniversário de 15 anos da Gibiteca de Curitiba. Nessa edição foram chamados diversos artistas curitibanos para criarem histórias de um herói tipicamente curitibano. Mas antes disso é preciso entender a figura de Francisco Iwerten.
Gian Danton, pseudônimo de Ivan Carlo de Andrade Oliveira, é um roteirista de HQs brasileiro que escreveu o prefácio dessa edição da Metal Pesado, além de ajudar José Aguiar, um dos criadores do Gralha, com a concepção do personagem. Neste prefácio são feitas referências à um herói há muito esquecido em Curitiba, o Capitão Gralha, de autoria de Francisco Iwerten. Esse herói teria sido publicado nos anos 40, contando com poucas edições, além de servir de base para o novo Gralha.
Danton escreve um texto apaixonante, com um academicismo que faz acreditar em suas palavras. Mas o problema está justamente na invenção do personagem. O Capitão Gralha surge como um estofo para o novo herói, porém o mesmo nunca teria existido. O fato é que o Gralha nasceu em 1997, fruto da imaginação de artistas curitibanos. E o Capitão Gralha acabou nascendo na mesma época.
Neste texto a alusão a Francisco Iwerten, que "anteviu que os super-heróis não eram um subgênero do policial ou da ficção - cientifica, e sim um gênero independente." (DANTON, 1997), serve para criar um mito maior sobre o autor e sua obra, acrescentando possibilidades à história do Gralha.

O Gralha

Surgido a partir de um herói que nunca existiu, o Gralha debutou em 1997 na revista Metal Pesado, em comemoração aos 15 anos da Gibiteca de Curitiba. Um dos fatores que lhe atribui um papel diferencial para uma HQ foi a variedade de artistas que fizeram parte desta primeira edição.

Alessandro Dutra bolou o visual; Gian Danton e José Aguiar; a história; Antonio Eder, Luciano Lagares, Tako X, Edson Kohatsu e Augusto Freitas, bem como Dutra e Aguiar, encarregaram-se da arte, enquanto Nilson Müller tratou de preparar a capa da edição. (AGUIAR, 2001)

Isso será melhor explorado nas relação da HQ com os símbolos curitibanos, mas essa referência já ajuda a compreender o porquê de tantas alusões à cidade. Além disso, a diversidade proporciona situações diversas, uma vez que "alguns dos seus autores adoram super-heróis; outros detestam abertamente o gênero. Há quem o desenhe cartunizado, mas não faltam aqueles que o retratem realisticamente ou até mesmo com toques abstratos...E ainda assim, o Gralha é um só." (AGUIAR, 2001)
O herói tem como alter-ego o adolescente Eduardo Gomes, que ao encontrar as Gemas do Poder, se torna o Gralha. E é a partir deste ponto que a história passa a fazer alusão a cidade de Curitiba, assim como aos seus símbolos.

Heróis, vilões, símbolos culturais e Curitiba

O Paranismo

A necessidade de explicar o Movimento Paranista antes de iniciar as relações do Gralha com Curitiba vem do uso que os autores fizeram de símbolos tipicamente paranistas, com isso compreender o contexto e o que é esse movimento torna-se vital para este trabalho.
O Paranismo surge no início do século XX. Por volta dos anos 20 e 30, estando inserido então na formação da nova República brasileira. O contexto do período aponta a necessidade de se desvencilhar dos modos monárquicos e assim o reforço aos símbolos nacionais e regionais. Transformações como mudanças de nomes de ruas e praças eram comuns, como por exemplo "a Rua da Imperatriz virou rua XV de Novembro, a do Imperador passou a ser Marechal Deodoro e a praça D. Pedro II, praça Tiradentes." (ANDRADE, 1997 apud PETERS, 2005, p. 264)
Nesse contexto se forma o Movimento Paranista

com a adesão de intelectuais, artistas e literatos que cultuaram e divulgaram a história e as tradições da terra, incentivando a construção de uma identidade regional, impregnada pela crença no progresso e no desenvolvimento social que foram característicos da Primeira República. (PETERS, 2005, p. 264-265)

O ideal era a criação do paranaense através da adoção de símbolos. Assim o residente no Paraná se sentiria ligado à sua terra e veria sua identidade apresentada nos mais diversos momentos. Romário Martins aponta que o paranista é todo aquele que tem pelo Paraná uma afeição sincera, e que notavelmente demonstra em qualquer manifestação de atividade digna, útil à coletividade paranaense. (1946, p. 91).
O Movimento Paranista tinha de dar forma e sentimento a "um estado que não passavaaté então de uma parcela de terra sem fronteiras bem definidas e com uma população heterogênea e sem quaisquer características em comum" (PETERS, 2005, p. 267). O alvo principal acaba sendo a capital do estado, Curitiba. Com isso se cria um perfil curitibano que acentua a separação de sua capital com o resto do estado. Porém é necessário deixar claro que não existia o interesse na exclusão, "a intenção não era de aculturação, mas de um semeador do Paraná do futuro, pretendendo engajar todos na construção do novo estado" (PETERS, 2005, p.269).
Entre os símbolos escolhidos estão bandeiras, hinos e brasões para o estado. O primeiro símbolo paranista foi a bandeira, onde já nesta existe a referência à araucária e à erva mate. Assim já é possível notar a importância que se daria à natureza, com a representação recorrente de pinhões, pinheiros, mate, araucária e paisagens.
Além disso existia a necessidade da criação de uma base no movimento, com a criação de mitos. Diversas lendas e mitos indígenas foram resgatados através da revista Ilustração Paranaense, que contava inclusive com a arte de João Turim na representação de um pinheiro.
O pinheiro teve grande destaque sendo "inclusive, responsável pela integração da diversidade étnica presente no Estado, marcando o caráter de progresso e desenvolvimento do Paraná" (PETERS, 2005, 273).
O movimento perdeu força nos anos 40, onde o regionalismo não era bem visto frente ao governo de Getúlio Vargas, onde predominou a centralização e a nacionalização.

Os símbolos curitibanos na HQ do Gralha

Por fim, chegamos ao objetivo primário deste trabalho. As deliberações e os apontamentos anteriores foram necessários para criar uma base e uma ligação com o objeto e sua proximidade com o movimento paranista. Não que as HQs do Gralha sejam apontadas como símbolos do movimento, porém se valem de símbolos curitibanos em suas histórias para criar um personagem tipicamente regional, assim "todos as personagens nasceram da ideia de aproveitar os ícones da cidade de Curitiba" (ASSIS, 2001). Assim, como foi apontado, esse ideal da criação de símbolos foi um dos pontos do Paranismo, podendo então ser estabelecida essa relação. "Apesar disso, muitas histórias e cenas do Gralha dialogam com o regionalismo e com os ícones consagrados do Paranismo" (PAZ; QUELUZ, 2013, p.9).
Antes da demonstração dos símbolos e suas relações, é importante notar o papel do herói e da representatividade, uma vez que "compreender as construções de identidade constituídas nos e pelos quadrinhos implica discutir a materialidade das significações simbólicas e as relações sociais que as tecem" (PAZ; QUELUZ, 2013, p.1). Isso que torna possível a visualização da cidade através de um meio como as HQs. E por que o herói? Por que não uma HQ com outra temática? Curitiba é um celeiro de ideias e de autores de quadrinhos, assim os outros estilos gráficos vem sendo atingidos, porém a importância do herói se faz presente através da possibilidade ideológica que ele carrega, afinal

Heróis são símbolos poderosos, dos cidadão a serviço da legitimação de regimes políticos. (...) Herói que se preze tem que ter, de algum modo, a cara da nação. Tem que responder a alguma necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda a um modelo coletivamente valorizado de encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumento eficazes para atingir a cabeça e coração. (CARVALHO, 1990, p. 55)

Assim a representatividade que o Gralha busca também tem esse teor social que o herói carrega. Além disso ao se pensar em HQs o gênero de super-heróis é sempre o que vem à mente, sendo assim, mais fácil atingir um público mais amplo.
De qualquer forma de nada valeria a utilização de um herói ou de símbolos curitibanos se estes não gerassem uma empatia e/ou tivessem significados para com seus leitores, uma vez que

Os processos de interpretação e de construção de significados produzem posições de sujeitos com as quais as pessoas se identificam ou não, dependendo das experiências de vida e daquilo que se quer ser. A representação, pensada como um processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas. (PAZ; QUELUZ, 2013, p.2)

A união então de significados, representações e um símbolo heroico cria essa relação entre os leitores e as HQs do Gralha, que permitem a tradução de alguns pontos culturais curitibanos através de sua leitura. Entre os símbolos apresentados estão locais da cidade, como o Passeio Público (figura 01) e a escultura da Praça 19 de Maio (figura 02), popularmente conhecida como a Praça do Homem Nu.


Figura 01

Figura 02

Aguiar explica também o por que essa relação "herói-cidade" funciona bem com Curitiba:

Talvez Curitiba seja o único município do país, onde um super-herói não aparenta estar (muito) deslocado. Afinal, ela mesma faz questão de, provincianamente, vender a imagem de cidade de primeiro mundo. E nada mais globalizadamente provinciano do que um vigilante de colante. (AGUIAR, 2001)

Esse ideal de que Curitiba visa ser uma cidade de primeiro mundo em meio ao Brasil é uma marca característica de sua cultura. Deve-se lembrar porém que Curitiba é, antes de tudo, uma comunidade de pessoas que é representada por suas experiências e modelos sociais. Desta forma, "não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um sistema de representação cultural" (HALL, 2005, p.49).
Além disso também não se pode esquecer que o Gralha surge também como uma sátira do modelo de histórias de herói norte-americanas, era "um herói-template: uma personagem que não sirva como figura principal das histórias, mas mais como um fundo, uma cobertura, para (...) explorarem o universo de clichês e da linguagem dos quadrinhos norte-americanos" (ASSIS, 2001).
Entre esses modelos norte-americanos utilizados, estão o conceito de "ajudante" ou sidekick. Na HQ esse papel é representado pela Gralhete, que não torna-se uma auxiliar do gralha, mas sim que busca a fama. Outro, ainda mais gritante, é o quadro final da edição de 2014 do Gralha, onde existe uma clara referência à uma cena idêntica de um herói americano de muito apelo, o Homem-Aranha (Figura 03 e 04).


Figura 03 Figura 04
Nessa mescla de representações os principais alvos para isso foram os vilões do Gralha. Sempre sendo relacionados com símbolos culturais ou históricos da cidade de Curitiba. Aguiar cita alguns dos personagens, que em seguida serão escolhidos alguns para servirem de exemplo para essa narrativa:

Em seus recônditos, os supervilões estão à solta: Araucária, Café Expresso, Biscuí do Mato, PiveteCybertécnico, Homem Lambrequim, Dr. Botânico, Polaquinha e Bagre Humano são apenas alguns dos elementos extravagantes que o Gralha invariavelmente envia para ilha-prisão do AHU. Isso sem falar do misterioso gênio conhecido como O Craniano, cuja cabeça gigantesca é tatuada como uma pêssanka (aqueles ovos pintados pelos ucranianos na Páscoa) (AGUIAR, 2001)

Antes mesmo da apresentação de imagens para o complemento, é possível notar pelos nomes referências culturais tipicamente curitibanas. O objetivo dos autores era, desta forma, dar vida à símbolos da cidade, de forma que se tornasse personagens vivos em meio à Curitiba criada para a HQ. De certa forma esses símbolos são atuantes na cidade hoje em dia, como localizações ou citações, porém da forma como foi feita na história do Gralha, elas ganham ainda mais vida. Como Paz e Queluz explicam:

Na composição das histórias de O Gralha, a criação e a representação da identidade através de narrativas gráficas e sequências visuais, pontuaram e mesclaram trajetórias urbanas, produções literárias e artísticas, tradições imigrantes, elementos folclóricos, referências arquitetônicas, relendo a história e a cultura pelo seu avesso, invertendo e questionando valores arraigados ao cotidiano da cidade. (PAZ; QUELUZ, 2013, p.15)

Após estas explanações, serão apresentados a seguir alguns exemplos que buscam demonstrar como funciona essa representação através de personagens na HQ.

O Homem-Lambrequim (Figura 05)

Figura 05

O lambrequim é uma peça de arquitetura trazida ao Brasil por imigrantes alemães, italianos, poloneses, ucranianos e holandeses. É um adorno feito de madeira ou metal utilizado na beirada do telhado. Tem a função de escoar a água da chuva, uma vez que seu formato ajuda a acumular e gotejar. Não é exatamente uma peça vista somente em Curitiba, mas as origens da cidade através de diversas culturas acaba tornando essa uma peça comum nas casas mais antigas de Curitiba.
Na HQ o personagem era um lenhador que foi atingido por um raio que ricocheteou em um lambrequim. Tentou a vida no crime, se valendo de suas habilidades sob a madeira.

O Craniano

Figura 06

Entre os povos que formaram Curitiba tem destaque os ucranianos. Dentre as mais diversas culturas absorvidas estão a tradição da pêssanka ou pysanka. Esses ovos coloridos e enfeitados com desenhos e padrões pintados à mão ainda hoje são utilizados como presentes pelos descendentes de ucranianos na Páscoa. É um objeto que simboliza a vida, a saúde e a prosperidade.
Na HQ, o Craniano é um vil o do mais típico norte-americano, onde seu objeto é atingir riquezas. Na segunda edição, em 2014, é explicado que ele não pertence à esse mundo, tendo sido até mesmo cultuado pelos astecas como um deus, devido às formas em sua cabeça.




A Polaquinha


Figura 07

Como já exposto, a formação multicultural curitibana foi agraciada com vários povos chamados "polacos" e com isso uma das vilãs do Gralha é a Polaquinha, Paz e Queluz explicam bem a relação da personagem com um símbolo curitibano, Dalton Trevisan:

A obra e a própria figura do escritor Dalton Trevisan tem importância na construção da identidade simbólica da cidade, ao adquirir reconhecimento e valorização no quadro literário nacional. A "Polaquinha" (a personagem das histórias em quadrinhos) traz elementos reconhecíveis no trabalho de Trevisan, como a sexualização intrínseca a essa imagem estereotipada da menina colona, cuja simplicidade e sensualidade bruta são representadas nas características da ingênua inimiga do Gralha. (PAZ; QUELUZ, 2013, p.12)








Dr. Botânico


Figura 08

O último exemplo será o Dr. Botânico. Um dos maiores símbolos da cidade de Curitiba é o Jardim Botânico, inaugurado em 1991. Sendo uma referência turística e tido como uma das principais imagens da cidade, não poderia ficar sem uma representação.
Novamente, seguindo um estereótipo norte-americano de doutor-gênio do mal, o Dr. Botânico é um vilão que tem por interesse demonstrar a força da natureza frente à tecnologia do homem.

CONCLUSÃO

A pretensão inicial do artigo era a demonstração de como era possível representar símbolos curitibanos em uma HQ. Mais do que isso, a história do Gralha demonstra não só a imagem gráfica como um pouco da ideologia por trás do símbolo.
A importância das HQs como meio de lazer foi consolidado com o passar dos anos. No meio acadêmico ainda existe uma barreira para sua utilização, porém este trabalho demonstra que é uma fonte com grande possiblidade de estudo. A HQ por si só não é um material histórico válido, mas quando se inicia a análise sobre questões referentes à ela é possível ver sua importância.
A questão de identidade e ideologias é um tópico sempre presente nas questões históricas, desta forma, valendo-se de uma HQ, foi possível compreender um pouco mais da participação humana na criação de uma identidade cultural.
Reforça-se aqui que as HQs do Gralha não são por si só um símbolo do Paranismo, porém elas funcionam como demonstrações dos objetivos atingidos pelo movimento em sua busca pela construção de um paranaense e de uma cultura para Curitiba.
Para concluir, será citado um autor de quadrinhos que fez uma síntese, em poucas linhas, do por que deve-se dar a devida importância às HQs e também ao gênero de super-herói:

Histórias de super-heróis – sejam em quadrinhos ou qualquer outra mídia – são hoje a manifestação mais coerente do inconsciente popular, São histórias não sobre deuses, mas sobre como os humanos desejam ser. De fato, sobre como eles deveriam ser. São sucessoras das histórias que chegaram até nós pelo folclore, pelas fogueiras de acampamento e pelos bardos itinerantes. (MAGGIN, 2013, p. 9)
















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AGUIAR, José. O Gralha. Omelete – Quadrinhos, 2000b. Disponível em:
. Acesso em 24 de maio de 2016.

AGUIAR, José. Sobre Pinheiros, Pinhões e Passarinhos Locais, In:O Gralha: Primeiras Histórias. 1ª ed. São Paulo: Via Lettera, 2001.

ASSIS, Érico. Sete perguntas para três gralhas. Omelete – Quadrinhos, 2001. Disponível em: . Acesso em 24 de maio de 2016.

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1990.

CURITIBA, Agência de Notícias. Exposição conta história dos quadrinhos curitibanos através de seus personagens. Disponível em: . Acesso em 28 de maio de 2016.

DANTON, Gian. Francisco Iwerten, o homem que sonhava com heróis. In: Metal Pesado: Edição Comemorativa 15 anos da Gibiteca de Curitiba, São Paulo, páginas 05-19, outubro de 1997

HALL, Stuart.(2008) Quem precisa de identidade? In SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, TJ: Editora Vozes

MARTINS, Jotapê (ed.). O Gralha: Primeiras Histórias. 1ª ed. São Paulo: Via Lettera, 2001.

DE MOYA, Álvaro. Editorial. In: Metal Pesado: Edição Comemorativa 15 anos da Gibiteca de Curitiba, São Paulo, página 03, outubro de 1997

PAZ, Liber e QUELUZ, Marilda. Curitiba e o Gralha: reflexões sobre a identidade de uma cidade pela ótica de uma história em quadrinhos. In: QUELUZ, Marilda. (org.) Design e Identidade. Curitiba: Editora Peregrina, 2008.

PEREIRA, Luis Fernando Lopes. Paranismo: o Paraná inventado; cultura e imaginário no Paraná da I República. 1ªed. Curitiba: Aos quatro ventos, 1997.

PETERS, Ana Paula. O Movimento Paranista. In REZENDE, Cláudio Joaquim, TRICHTES, Rita Inocêncio (orgs.) Paraná: Espaço e Memória. Curitiba: Bagozzi, 2005

SILVA, Tomaz Tadeu da (org.) (2000). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, TJ: Editora Vozes

TAKEUTI, Edson (ed.). Gralha: Tão banal quanto original. 1ª ed. Curitiba: Ed. Do Autor, 2014.

MAGGIN, Eliott S!. Os Novos Bardos: Uma Introdução por Eliott S! Maggin. In: O Reino do Amanhã. São Paulo: Panini Books, 2013.

WOODWARD, Kathryn. (2000) Identidade e Diferença: uma introdução teórica e conceitual. In SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, TJ: Editora Vozes


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