UM LUGAR PARA AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA NAS AULAS DE ASTRONOMIA

Share Embed


Descrição do Produto

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !1

UM LUGAR PARA AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA NAS AULAS DE ASTRONOMIA SCIENCE FICTION COMIC BOOKS AS A LEARNING TOOL IN ASTRONOMY CLASSES Resumo Instruir o aluno com o que a cultura humana produz, para que possa realizar projetos e vencer desafios é uma das exigências para a formação de cidadãos plenos e conscientes. Através do exercício da leitura, permite-se que o aluno desdobre de maneira informal suas concepções de mundo. A leitura de revistas em quadrinhos de ficção científica desempenha hoje um papel de relevância na educação não-formal de seus leitores, sendo parcialmente responsável pelo desenvolvimento de uma cultura particular, capaz de promover a popularização das ciências e a construção da cidadania. Neste trabalho propomos uma discussão a respeito de como a veiculação de elementos da Astronomia nas publicações de histórias em quadrinhos de ficção científica pode contribuir para sua melhor compreensão no ambiente escolar. Como resultado, evidenciamos a importância de serem desenvolvidas atividades em sala de aula que se mostrem capazes de dialogar com as informações adquiridas pelo aluno em ambiente extra-classe, resgatando-as de modo a complementá-las conceitualmente da forma correta.

Palavras-chave: histórias em quadrinhos, ficção científica, ensino de astronomia, atividades de leitura Abstract To instruct the student with the product of human culture is one one of the requirements for the formation of a conscious and active citizen, capable of carry out projects and overcome challenges. The practice of reading allows the student to unfold, in an informal way, their conceptions of the world. The reading of science fiction comic books today plays a leading part in non-formal education of its readers, and is partially responsible for the development of a particular culture, able to promote the popularization of science and the construction of citizenship. In this paper we propose a discussion about how the elements of astronomy in the publications of comics science fiction can contribute to its better understanding at a school environment. As result, we note the importance of activities undertaken in the classroom that may be able to dialogue with the various kind of information acquired by the student in extra-class activities, rescuing and complementing them conceptually into the right way.

Key words: comic books, science fiction, astronomy teaching, lectures activities

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !2

INTRODUÇÃO Se desejarmos que o ensino de Astronomia se mostre, de alguma forma, significativo ao aluno, devemos delinear estratégias didáticas capazes de posicionar o estudante de forma ativa e participativa na sala de aula. Neste sentido, entre os estudos que abordam a interação em sala de aula entre ensino das Ciências e as diversas áreas do saber, os trabalhos de Zanetic (1989) e Piassi (2007) se destacam por ressaltar a importância da relação entre o processo de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento do aluno como leitor de textos estruturados por gêneros de discurso, como forma de estabelecer ligações semânticas entre eventos, fenômenos e pessoas. Este trabalho segue o caminho delineado por Zanetic (1997, 2006), que considera o desenvolvimento científico indissociável das esferas sociais em que é produzido, um ponto cuja exploração em sala de aula possibilita o contato do aluno com temas epistemológicos ligados à Ciência. Torna-se possível ao educando o estudo da filosofia e da história das Ciências, temas cujo entendimento vai além da mera resolução de exercícios por serem capazes de representar a Ciência como atividade humana, compreendida não apenas em sua natureza física mas como palco de múltiplas formas de expressão cultural. Entendemos, portanto, a escola como espaço formativo, o que significa entendê-la como espaço de socialização da cultura humana apta a levar em conta aspectos da aprendizagem que se demonstrem capazes de influenciar na formação do aluno. Neste sentido, desconsiderar o papel desempenhado pelos veículos de comunicação em massa em suas estratégias didáticas, leva o professor ao risco de ver seu papel como agente formador da cultura científica diminuído (NASCIMENTO Jr e PIASSI, 2011), em detrimento do conteúdo livresco associado pelo estereótipo de aluno do ensino médio à ausência de significado prático, desconectado de informações atuais (PIASSI, 2007). Apresentar o valor cultural da Astronomia ao aluno significa convidá-lo a compartilhar das muitas formas didáticas discutidas sobre o olhar do artista para a representação dessa Ciência, possibilitando a transformação de conceitos tidos como puramente técnicos ou operacionais em obras acessíveis, de cunho até mesmo poético, influenciado de forma decisiva pelo momento político, ideológico e tecnológico de seu tempo (ZANETIC, 1989). Neste sentido, autores como Gurgel (2006) e Pietrocola (2004) têm destacado o papel da imaginação como elemento central do processo de aprendizagem das Ciências em um contexto escolar. Não se deve admitir, por exemplo, que um aluno ingresse no ensino médio sem que tenha discutido a corrida espacial ou mesmo possua alguma dúvida quanto a realidade da chegada do homem à lua – uma conquista obtida décadas antes do desenvolvimento dos microcomputadores domésticos (Piassi, 2007). Porém, assim como outros tópicos de destacada importância científica e alta relevância cultural ligados a Astronomia, o período histórico-social conhecido como “corrida espacial” é pouco abordada em sala de aula. Um dos motivos é o fato do curriculo escolar atual, fruto de um sistema que coloca a educação à serviço do desempenho em avaliações vestibulares, não destina a Astronomia uma cadeira específica, ficando seu conteúdo sob a responsabilidade dos professores das demais áreas das Ciências, sobretudo o de Física.

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !3

A ciência pode ser fonte de prazer, caso possa ser concebida como atividade criadora. A imaginação deve ser pensada como principal fonte de criatividade. Explorar esse potencial nas aulas de Ciências deveria ser atributo essencial e não periférico. A curiosidade é o motor da vontade de conhecer que coloca nossa imaginação em marcha. Assim, a curiosidade, a imaginação e a criatividade deveriam ser consideradas como base de um ensino que possa resultar em prazer (PIETROCOLA, 2004, p. 133).

Ao associarmos a imaginação com a curiosidade, colocando esta como a origem daquela, é feito um resgate da proposição de Paulo Freire de que a educação deve estimular a curiosidade epistemológica do aluno. A curiosidade de que falo não é, obviamente, a curiosidade “desarmada” com que olho as nuvens que se movem rápidas, alongando-se umas nas outras, no fundo azul do céu. É a curiosidade metódica, exigente, que, tomando distância do seu objeto, dele se aproxima para conhecê-lo e dele falar profundamente. (FREIRE, 1993, p. 116).

Desviar-se deste caminho significa incorrer no risco de reforçar uma visão que vincula o aprendizado da Astronomia ao universo do fantástico, tornando-o distante da realidade do aluno. Dada a forma como esta Ciência é apresentada ao grande público pelos programas televisivos dedicados a divulgação científica, esse processo de alienação contextual pode se ver acirrado caso não surja um comprometimento da escola em sentido contrário. Aos professores, fica o desafio de ensinar um conteúdo é apresentado nos livros didáticos de forma estéril ou mesmo tida como “chata” pelos alunos. Com efeito, o professor de Física, incumbido de ministrar os conteúdos relacionados a Astronomia, é hoje levado a preparar suas aulas e atividades de acordo com um currículo estruturado em jargões, fórmulas e definições desvinculadas da necessidade de formação dos alunos e de conhecimentos científicos relevantes de sua parte, gastando a maior parte do tempo de suas aulas ao expor definições, fórmulas e exercícios desprovidos de significado para si mesmos e para os alunos, levando-os a memorizar definições e fórmulas como se isso apenas fosse “aprender Ciência” (PIASSI, 2007). Por que as famílias enviam seus filhos para a escola? Para muitos propósitos, diríamos, entre os quais o "aprender a ler" e, em função desse trabalho, o "ler para aprender". Quer dizer, conseguir uma capacitação para compreender os diferentes tipos de texto que existem em sociedade e, assim, poder participar da dinâmica que é própria do mundo da escrita. Essa expectativa social deve ser assumida e cumprida pela escola através das ações docentes e das práticas curriculares, tendo os professores de observar criticamente o que ocorre em Sociedade. (SILVA, 1988, p.64)

A importância da leitura nas aulas de Ciências Se uma das funções da escola é propiciar condições para que seus alunos aprendam a ler adequadamente diferentes tipos de textos que existam em sociedade, cabendo ao professor o papel de ator responsável por esse processo de construção de um caminho de leitura por fruição. É preciso que a escola forme cidadãos capazes de ler e entender as informações presentes na Sociedade. Nesta direção, as Orientações Curriculares Nacionais de Ciências, Matemática e suas Tecnologias (Brasil, 2006) ainda recomendam: [...] a escola teria de repemsar seu ensino não para

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !4

funcionar somente dentro de seus muros, mas para ultrapassá-los e possibilitar aos seus alunos a continuidade de sua aprendizagem sem a presença do professor. Uma relação didática terá sucesso se modificar as relações com os saberes que o aluno tenha antes dela. (p. 48)

O desenvolvimento de atividades de leitura em aulas de Ciência é uma estratégia didática capaz de fornececer ao aluno um poderoso instrumento de apropriação conceitual do mundo natural. Esse processo não se dá de forma direta, sendo socialmente mediado por palavras, conceitos e representações culturais construidas pelos autores a respeito do mundo, expressas não apenas nos artigos acadêmicos de revistas especializadas mas em todo e qualquer texto em que a Ciência se faça presente, de forma explícita ou não. Incluem-se as obras de divulgação científica, veículos de conceituação com finalidades educacionais óbvias, de forma conjunta a outros produtos culturais menos evidentes, como é o caso de revistas de histórias em quadrinhos que trabalhem a ficção científica e a fantasia. Mais do que contribuir para a melhoria na assimilação de idéias e conceitos, a prática da leitura desse material é capaz de fornecer um pano de fundo a partir do qual a Astronomia possa ser compreendida como atividade cultural humana, com influências políticas e econômicas em relação a outros âmbitos da vida social. No que tange ao seu ensino, porém, a forma como são apresentadas nos livros didáticos as atividades de leitura e escrita a ele relacionadas não difere das demais disciplinas da área de exatas: trata-se de um tipo de atividade descontextualizada da teoria, tão desprovida de sentido quanto o processo de memorização de fórmulas para a resolução de exercícios de Física, ou seja: incapaz de levar o aluno a algum lugar. Construir uma jornada de leitura que trabalhe os temas relacionados a Astronomia é possível, desde que proporcione um ambiente capaz de gerar um envolvimento real dos alunos com o tema. Esse envolvimento não pode ser condicionado, mas estimulado através de fatores como o planejamento prévio e a atenção do professor, que deve levar em conta as necessidades do estudante e a maneira como os desafios da leitura lhes serão apresentados. Tenho afirmado que as questões práticas de leitura escolar, não nascem do acaso nem do autoritarismo ao nível da tarefa, mas sim de uma outra programação envolvendo e devidamente planejada, que incorpore, no projeto de execução, as necessidades, as inquietações e os desejos de alunos-leitores. Simplesmente "mandar o aluno ler" é bem diferente do que envolvê-lo significativamente e democraticamente nas situações de leitura, a partir de temas culminantes (SILVA, 1988, p.66)

A Leitura dos Quadrinhos na Escola A linguagem das Histórias em Quadrinhos é uma ferramenta privilegiada para a condução de informações (Nascimento Jr e Piassi, 2011) dada sua particularidade em unir texto e imagem para narrar uma história. Entretanto, a possibilidade de apresentar um conceito de forma deturpada pode proporcionar a apropriação pelo leitor de uma visão equivocada do fenômeno envolvido. Dificultar____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !5

se-ia assim o entendimento correto dos conceitos científicos inerentes às sua narrativas. Para que tal não ocorra, torna-se necessário investigar a forma com que a linguagem dos quadrinhos, em especial nas histórias que exploram o gênero da ficção científica) incorpora temas relacionados à Astronomia no desenvolvimento de suas narrativas, para que possa ser analisado a melhor forma de explorá-las para contribuir na melhoria da compreensão desses conceitos pelo seu público leitor, comumente formado por jovens em idade de formação escolar. A relação entre o exercício de leitura de textos de divulgação científica com as histórias em quadrinhos do gênero da ficção científica, pode parecer obscura em um primeiro momento, mas se torna clara e consistente sob a análise de estudos já realizados sobre o parentesco entre a ficção científica e o conhecimento científico em si. (Piassi, 2007). De forma corajosa e desbravadora, a ficção científica é capaz de afirmar e levar o leitor a crer naquilo que a ciência ainda não ousa afirmar ou sugerir ou, ainda, considera absurdo, desenvolvendo as consequencias sociais, éticas e lógicas das descobertas da ciência. Sua forma diferenciada de pensar e ver o mundo, construída a partir da cultura científica, constrói um gênero de discurso próprio, diferente do cotidiano. Desta análise, como um dos principais incentivos ao ensino de Astronomia e a compreensão dos fenômenos a ela relacionados, sugerimos sua inseparabilidade do exercício da leitura do gênero de ficção científica, capaz de desempenhar um trabalho como veículo de divulgação das Ciências. Prática discursiva em expansão na sociedade atual, a divulgação científica compreende a utilização de recursos, técnicas e processos para a veiculação de informações científicas e tecnológicas ao público em geral (Bueno, 1985, p. 1421) e se caracteriza pela recodificação da linguagem especializada em uma linguagem não-especializada, que seja acessível ao grande público. Este conceito engloba os discursos produzidos nos campos de informação transmitidas pelas diversas mídias, sejam de cunho educacional ou científico, que produzem práticas discursivas voltadas à comunicação com o grande público. A leitura de uma História em Quadrinhos de ficção científica não se faz, portanto, de forma ingênua, embora haja o leitor que assim se comporta: discutir o papel desempenhado pelas ciências (e a forma como elas são apresentadas ao leitor) nas histórias em quadrinhos significa discutir o mundo e a sociedade em que vivemos (Nascimento Jr e Piassi, 2011). Se uma das características distintivas de cada Ciência é a manipulação de um universo próprio, é na fronteira entre estes universos que a ficção científica faz suas incursões: temas e conceitos científicos relacionados à Astronomia são presença comum nas Histórias em Quadrinhos de Ficção Científica, que ao apresentá-los ao seu público-leitor abre a possibilidade de sua exploração como ferramenta didática pelo professor. Direcionar uma discussão em sala de aula a partir de uma situação apresentada por uma História em Quadrinhos é possível, caso o tema seja tratado de forma objetiva pelo professor, que deve tornar clara ao aluno a relação entre o fenômeno real e sua representação artística. “A história em quadrinhos, ao falar diretamente ao imaginário da criança, preenche suas expectativas e as prepara para a leitura de outras obras. A experiência de folhear as páginas de uma revista em quadrinhos pode gerar e perpetuar o gosto pelo livro impresso, independente de seu conteúdo. Além disso, o aprendizado pelo mio do uso de quadrinhos é mais proveitoso” (SANTOS, 2001, p. 47) ____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !6

Iniciativas para o uso de Histórias em Quadrinhos na educação remetem à década de 1940 (Eisner, 1989) e não se limitam à esfera de influência ocidental (Ramos, 2009). Na esfera Federal, órgãos oficiais de educação tem reconhecido a importância de inserção das Histórias em Quadrinhos no currículo escolar, ao desenvolver orientações específicas para este fim e admitir seu emprego através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Como veículo midiático, a popularidade das revistas de histórias em quadrinhos é comprovada pelo número de publicações do gênero comercializado mensalmente em bancas de jornais e livrarias, que já passam a disponibilizar uma seção exclusiva ao produto. De forma regular, novas revistas são lançadas para concorrer com as já existentes, explorando um processo de fidelização de seus leitores, o que faz com que os leitores mais antigos influenciem na chegada de novos. A leitura de revistas de histórias em quadrinhos, embora aparentemente descompromissada, é capaz de suscitar a reflexão, a pesquisa e a criação em seu público leitor. Seu poder de alcance como meio de comunicação em massa capaz de informar e educar seus leitores (Rama, 2009) tem levantado discussões no meio acadêmico a respeito da possibilidade de sua inserção no processo de ensinoaprendizagem (Ramos, 2009; Rama, 2007) em várias disciplinas do currículo escolar, incluindo a Física (Caruso, 2003; Testoni, 2000) e a Astronomia (Nascimento Jr e Piassi, 2011). As publicações de Histórias em Quadrinhos de ficção científica vivem atualmente sua terceira fase de representação das Ciências (Nascimento Jr e Piassi, 2011), com autores se dedicando a divulgar teorias e antecipar seu avanço, buscando a reflexão sobre uma visão mais ética e complexa da ciência. Este debate posiciona as revistas em quadrinhos no centro de uma grande discussão epistemológica atual, capaz de influenciar as futuras gerações de cientistas (atualmente, em idade de formação escolar) a novos pontos de vista. Este terceiro momento, atual, demonstra um amadurecimento das histórias em quadrinhos como veículo de comunicação em massa, dirigido a um leitor crítico capaz de enxergar nos meambros da linguagem gráfica sequencial, aspectos que passariam despercebidos em uma leitura superficial (Nascimento Jr e Piassi, 2011). É necessário uma análise da relação entre as histórias em quadrinhos como fenômeno midiático, a divulgação científica e a necessidade do desenvolvimento de atividades de leitura em sala de aula, traçando pontos de contato ao estudar as possibilidades de sublimação de suas limitações, apresentando as questões sociais e tecnológicas sem ensinar tecnologia, sem desviar o enfoque do curso mas focando em uma reflexão sobre o presente para um pensar/agir no futuro.

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !7

Os Quadrinhos como um caminho para aprender Astronomia Histórias em Quadrinhos de ficção científica possuem uma forte relação com a Astronomia, impossível de ser excluída do corpus de cada história sem que essa perca sua coesão. Este fato não passa desapercebido ao seu público leitor, em uma derivação da produção de imagens e representações, ainda que de forma nãoproposital, pelo conhecimento científico. As denominadas eikons e eidons por Klein (2001p. 46) se fazem necessárias à construção dos contrafactuais exigidos pela estruturação de um roteiro de histórias em quadrinhos pertencentes ao gênero em foco. Exemplificando, podemos tomar a descoberta dos satélites de Júpiter pela luneta de Galileu como exemplo perfeito de eikon (uma imagem científica) que deu origem à representação, eidon, de um massivo corpo central orbitado por satélites, uma imagem representativa que se tornou de domínio público e continua a enriquecer a imaginação humana, embora de forma bastante abstrata do original: a descoberta do modelo atômico de Rutherford-Bohr causou grande impacto nas Histórias em Quadrinhos de ficção científica da época, ainda que naquele tempo não fosse possível constatar o eikon do átomo, em 1933 as tiras dominicais de jornais apresentaram as aventuras de Brick Bradford ao interior de uma moeda de cobre, em uma sequencia de histórias em que o cientista Dr. Kopak orientava o herói ao desbravar os átomos da moeda, dispostos como sistemas solares em miniatura.

! figura 1: Em 1933, o professor Kopak explica a teoria atômica ao explorador Brick Bradford. (In Brick Bradford: Viagem ao Interior de uma Moeda. edição única. Rio de Janeiro, EBAL, 1984)

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !8

As consequências desta concepção imaginária pode ter se tornado distante de sua observação científica inicial, além de contaminada por outras imagens e representações ideológicas e filosóficas. Porém, através delas é possível se retornar ào eikon científico original, sem a qual as idéias e a ficção não poderiam ter sido construídas. Ainda que o eikon esteja diretamente conectado a teoria, possui um forte valor emocional e estético, que pode se tornar bastante abstrato quando incorporado ao eidon. O que classifica uma História em Quadrinhos como pertencente ao gênero de Ficção Científica é a presença, em algum grau, de eikons e eidons sem os quais não funcionariam como ficção. Não é suficiente que a história apresente uma imagem originada pela ciência para que seja considerada ficção científica: se o eidon representa papel acessório que pode ser excluído sem que o fio narrativo da história se decomponha, ela não pode ser considerada ficção científica. É preciso que, ao contrário, o argumento, roteiro e a própria ação dependam dessa imagem para que a história em quadrinhos possa ser considerada ficção científica: um buraco negro é uma abstração físico-matemática difícil de ser propriamente representada, mas isso não o impediu de dar origem a representações populares e ter suas propriedades lógicas supostas ou extrapoladas em diversas histórias em quadrinhos de ficção científica. CONCLUSÕES A interação entre aluno e professor é essencial para que se possam criar as condições necessárias a compreensão de um texto. Entretanto, as poucas atividades relacionadas à leitura tendem a se nortear pela confecção de resumos, relatórios, fichamentos ou resolução de exercícios denominados nos livros didáticos como sendo de “interpretação de textos”, sem que se forneça estímulo suficiente para que o texto se torne compreensível ao aluno. É ainda possível que se encontre atividades “viciadas” que, no lugar de estimular o aluno à leitura do texto, o distancia da compreensão daquilo que lê. Esse questionamento, ao discutir temas de Astronomias em texto de divulgação científica no geral, faz pensar no quanto a Ciência em geral e a Astronomia no particular podem parecer apavorantes quando vistos pelos estudantes em um contexto fora da sala de aula. Apontando em relação ao processo de desenvolvimento de estratégias de leitura eficientes o fato de que o professor é quem deve definir tarefas variadas (e não somente àquelas apresentadas pelo livro didático), criar maneiras de complicálas significa contribuir para o aumento do nível de compreensão dos alunos, criando condições para que o estudante volte ao texto e o compreenda. É perfeitamente possível a aplicação do gênero história em quadrinhos como ferramenta de ensino para trabalhar o tema em sala de aula (RAMOS, 2009). Cabe ao professor olhar para o objeto e extrair dele tudo o que for pertinente e relevante para a realidade do ensino. Vistas como forma ativa e variada de sentido, temas, elementos e expressões, o leitor encontra nas histórias em quadrinhos motivos para melhor observar a sociedade e a natureza do universo ao seu redor, levando-o a avaliá-los e a se tornar capaz de melhor compreendê-las. Por se tratar de obra de ficção, não ____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !9

significa que os quadrinhos não apresentem conteúdo humano, científico ou social, pois ao tempo em que refletem a realidade vivida por seus autores, os quadrinhos representam ideais e expressam pensamentos por meio de palavras e imagens, características básicas de sua linguagemAs histórias em quadrinhos representam assim mais uma possibilidade de exploração da língua, para uma diversidade de fins e propósitos das palavras o que as torna capaz de desempenhar o papel de ferramenta auxiliar ao desenvolvimento da leitura. As histórias em quadrinhos representam assim mais uma possibilidade de exploração da língua, para uma diversidade de fins e propósitos das palavras, o que as torna capaz de desempenhar o papel de ferramenta auxiliar ao desenvolvimento da leitura necessária ao aprendizado da Astronomia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Básica (SEB). Orientações curriculares para o ensino médio (Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias), v.2, 135p. 2006. CARUSO, F.; SILVEIRA, M. C. Quadrinhos para a Cidadania. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, v. 16, p. 217-236, 2003. DANTON, G. Ciência e Quadrinhos. 1ª Edição. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005. EISNER, W. Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989. FREIRE, P. Elementos de Pedagogia da Leitura. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. GURGEL, Ivã. A imaginação científica como componente do entendimento: subsídios para o ensino de física. Dissertação (Mestrado). IFUSP, São Paulo: USP, 2006. KLEIN, G. in: Learning from other worlds: estrangement, cognition, and the politics of science fiction ad utopia. Edited by Patrick Parrinder. USA, Duke University Press, 2001. p. 119-126. NASCIMENTO JR, F.A.; PIASSI, L. Da conquista do espaço aos buracos de minhoca: a astronomia nas histórias em quadrinhos de ficção científica. Anais do I Simpósio Nacional de Ensino de Astronomia (SNEA). Rio de Janeiro, Brasil, 2011. PIASSI, L.P. Contatos: A ficção científica no ensino de ciências em um contexto sociocultural. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2007. PIETROCOLA, M. Construção e realidade: o papel do conhecimento científico no entendimento do mundo. In: Pietrocola, Maurício (org.). Ensino de

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia – II SNEA 2012 – São Paulo, SP !10

Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepçãoo integradora. Florianópolis: UFSC, 2004. RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. 1ª edição, São Paulo, Contexto, 2009. RAMA, Waldomiro Vergueiro (org). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3ª edição, São Paulo, Contexto, 2009. RITT, Willian & GRAY, Clarence. Brick Bradford: Viagem ao Interior de uma Moeda. edição única. Rio de Janeiro, EBAL, 1984. SANTOS, R.E. Aplicação da História em Quadrinhos. Revista Comunicação & Educação. São Paulo: Nr. 22, Set/dez 2001. Pp. 46 a 51 SILVA, Ezequiel Theodoro. Ciência, leitura e escola. In: ALMEIA, M.J.P.M.; SILVA, H.C. (orgs.). Linguagens, leituras e ensino da ciência. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 121-130. TESTONI,L.A. Um corpo que cai: as Histórias em Quadrinhos no Ensino de Física. Dissertação de mestrado. FEUSP, 2004. ZANETIC, J. Física também é cultura. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 1989. ZANETIC, J. Física e literatura: uma possível integração no ensino. Cadernos Cedes: Ensino da Ciência, Leitura e Literatura, 41, 1997, pp. 46-61. ZANETIC, J. Física e arte: uma ponte entre duas culturas. Pro-posições, Vol. 17. N 1 (49). jan/abr 2006.

____________________________________________________________________________________________________ 24 a 27 de julho de 2012

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.