Um mundo vivo: os bairros e as associações locais

June 7, 2017 | Autor: J. Santana da Silva | Categoria: Voluntary Associations, Associativismo
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Um mundo vivo Os bairros e as associações locais João Santana da Silva historiador

A comunidade do bairro da Prodac, quer da parte norte quer da parte sul, é muito próxima. Há um nível de familiaridade nas relações que raramente se encontra noutros bairros lisboetas. Todos se conhecem há várias décadas. Em muitos casos, são também vizinhos desde a construção do bairro ou transportaram essa relação de vizinhança desde os tempos do Bairro Chinês. No entanto, este bairro não é uma ilha isolada. Ao seu redor há todo um mundo em constante movimento, cheio de vitalidade e iniciativa. Desde associações de moradores que lutam pelos direitos dos habitantes de cada bairro e pela melhoria das infraestruturas a coletividades com finalidades recreativas no pleno sentido da palavra, recriando tradições rurais para usufruto e benefício da população. Muitas delas são agremiações que surgiram de forma espontânea, nascidas da necessidade que pequenos grupos de moradores sentiram de intervir melhor e exigir mais. Pequenos grupos que foram crescendo e inspirando mais pessoas, fazendo parte do quotidiano de centenas de famílias que se vão cruzando nestes bairros de Marvila.

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Em maio de 2002, criou-se então a Associação de Moradores do Bairro da Prodac Norte, com o objetivo de lutar pelos interesses do bairro, sobretudo junto da Câmara Municipal de Lisboa e da Junta de Freguesia. Na sua génese, tiveram um papel fundamental Fernando Costa, José Maria de Aquino e António Pinto, entre outros. Por detrás das batalhas quotidianas que se comprometia a travar, a associação tinha como principal missão resolver um dos impasses mais importantes para a população: a “regularização da situação jurídica dos ocupantes das casas, mediante a transmissão para estes do direito de propriedade sobre as mesmas”1. Susana Pereira, de 41 anos, lembra-se de quando criaram a primeira sede, ao fundo da Rua Bento Mântua. O núcleo de moradores mais ativo na associação apercebeu-se de que uma das casas do bairro – uma pequena habitação para acolher uma pessoa – estava desabitada e, como tal, a desperdiçar espaço que poderia ser útil. “Resolvemos partir uma das paredes e por aí fazer a porta, começar a demolir e a renovar toda a habitação”, diz Susana. “De princípio, era apenas para reuniões, pois até a luz era doada pelos elementos da associação”, bem como o material e mão-de-obra para a recuperação da nova sede. Hoje, é uma sede com um pequeno bar, frequentada diariamente por muitos moradores. Depois de mais de uma década a lutar pela legalização da propriedade das casas, a Associação dos Moradores do Bairro da Prodac Norte viu, finalmente, o seu trabalho dar frutos nos últimos anos. Em 2011, os moradores do bairro começaram a receber em casa cartas da Câmara Municipal de Lisboa com as licenças de habitação e a informação da possibilidade de se comprar os terrenos. “Ao fim de quarenta anos, já ninguém acreditava que a Câmara fosse vender os terrenos”, diz Miguel Ferreira. Mas aconteceu. E os moradores puderam, finalmente, confirmar a sua propriedade. “Muitos deles já têm os terrenos nos seus nomes.” Quem sai da Rua Bento Mântua e atravessa a Azinhaga do Vale Fundão poderá sentir que continua no mesmo bairro. De facto, o bairro do Vale Fundão partilha as origens com o da Prodac Norte. E muitas são as pessoas que fazem a sua vida entre os dois conjuntos de casas, fazendo compras num sítio, deixando os netos na creche no outro, bebendo um café ainda noutro. Mas os vizinhos da “cova” – como muitas vezes se chama à zona do bairro da Prodac que fica na parte mais baixa da antiga Quinta do Vale Fundão – desenvolveram uma autonomia face aos da primeira fase da construção. A própria representação dos seus moradores é autónoma relativamente à das casas da Rua Bento Mântua.

A sede da Associação dos Moradores do bairro da Prodac Norte, ao fundo da Rua Bento Mântua, está na origem de muitas das iniciativas de moradores que visam melhorar as condições da sua comunidade. [Nuno Alexandre Jorge, 2014]

José Augusto Silva é o dirigente e um dos principais impulsionadores deste grupo de moradores: a Associação de Moradores do Vale Fundão, formada em 2004. É ele que confirma que o grande cavalo de batalha do bairro e da associação foi sempre a continuidade da participação dos moradores nas decisões tomadas. Não admitem a cedência desse direito a uma entidade externa. “A Gebalis teve a ideia de vir para aqui para gerir o bairro, mas nós conseguimos formar uma associação de moradores e impedir essa situação”, diz José Augusto. “A associação foi formada por um grupo de amigos da minha idade que decidiram organizar-se e impedir que a Gebalis ou outra entidade aqui entrasse. Todos os moradores se associaram, à exceção de dois ou três. Somos 456 sócios, um por casa.”

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O bairro da Prodac, hoje. As hortas que o circundam e cruzam são prova da vitalidade e iniciativa dos moradores. [Francisco Albergaria da Silva – Memoriar, 2014]

1  Art. 3.º, alínea b ) dos estatutos da “Associação dos Moradores do Bairro da Prodac ( 1.ª Fase )”. 10 de maio de 2002.

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O bairro da Prodac, construído entre 1971 e 1974 para realojar a população da Quinta do Marquês de Abrantes, desenvolveu-se em duas fases distintas de construção: uma primeira fase, de 85 fogos de casas unifamiliares, numa estrutura tradicional das zonas rurais; e uma segunda fase, com pequenos prédios plurifamiliares de rés-do-chão e primeiro andar, com dois fogos por piso, num total de quinhentos fogos. Seguir-se-ia uma terceira fase do projeto de autoconstrução, mas os acontecimentos de abril de 1974, as interrupções do financiamento e a falta de terrenos disponíveis suspenderam o processo, que nunca foi retomado. No entanto, as diferentes tipologias destas duas fases da autoconstrução foram sendo vincadas ao longo do tempo, quase criando duas identidades distintas dentro do mesmo bairro. Na viragem para o século xxi, os moradores da primeira fase do bairro da Prodac identificaram um conjunto de necessidades para as quais não viam solução à vista. Resolveram avançar para a criação de uma associação de moradores. Miguel Ferreira, de 44 anos, presidente da associação desde 2008, refere que a ideia inicial era a de fundar uma associação que representasse as duas partes do bairro. No entanto, os moradores da segunda fase preferiram constituir uma associação só daquela zona. “Amigos, amigos, negócios à parte”, defende Miguel.

Parque infantil no coração do Vale Fundão, parte sul do bairro da Prodac. É possível ver as casas de dois pisos caraterísticas da segunda fase de construção. [Francisco Albergaria da Silva – Memoriar, 2014]

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E a parte norte? A associação hoje dirigida por Miguel Ferreira já existia quando o bairro do Vale Fundão avançou com a proposta. “Pensou-se em fazer uma para todo o bairro”, esclarece José Augusto Silva, mas “eles não quiseram desistir porque já tinham aquela”. Criaram, então, a sua, com um nome que os distinguisse. “Tivemos medo que acontecesse o mesmo que aconteceu quando havia as reuniões no Centro, em que acabava tudo à chapada”, admite o dirigente da associação. Apesar dos ocasionais desentendimentos, as relações mantêm o respeito e as amizades pessoais que sempre foram caraterísticos do bairro. E o trabalho de ambas as associações prossegue, mesmo que em velocidades diferentes. À imagem dos vizinhos do bairro da Prodac Norte, os moradores do Vale Fundão continuam a trabalhar para a legalização, ainda que sempre sem as plantas originais das casas. “Candidatámo-nos a um projeto da Câmara Municipal de Lisboa e recebemos 130 mil euros para fazer as plantas”, diz José Augusto. “Já conseguimos fazer plantas para cerca de 180 casas, para depois cada morador poder registar a sua.” Uma luta constante pelo direito à posse da sua própria habitação.

O bairro da Quinta do Chalé em festa. As festividades rurais são mantidas vivas pelas várias coletividades locais, trazendo assim as tradições do campo para a cidade. [Arquivo fotográfico da Associação de Moradores do Bairro da Quinta do Chalé]

Muitas das coletividades surgiram de forma espontânea, nascidas da necessidade que pequenos grupos de mo­radores sentiram de intervir melhor e exigir mais. Pequenos grupos que foram crescendo e inspirando mais pessoas, fazendo parte do quotidiano de centenas de famílias que se vão cruzando nestes bair­ros de Marvila. O bairro da Quinta do Chalé, em plena freguesia de Marvila. [Nuno Alexandre Jorge, 2014]

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Quase despercebido no meio do vale de Chelas, fica o bairro da Quinta do Chalé. Este bairro, construído no espaço da quinta com o mesmo nome, fica localizado precisamente no limite entre o bairro da Prodac e a antiga Quinta do Marquês de Abrantes. Ainda hoje, das janelas de alguns dos seus prédios, se pode ver o terreno descampado e vazio onde outrora se erguia, jovem e fervilhante, o Bairro Chinês. Quem desce a Rua José do Patrocínio e passa o campo do Clube Oriental de Lisboa, vê à sua direita este pequeno conjunto de prédios que destoam das casas baixas do bairro da Prodac. Entrando na rua que medeia as duas fileiras de prédios, a diversidade de cores salta à vista. Bem como a noção de resguardo do mundo lá fora. Sereno, o bairro da Quinta do Chalé faz a sua vida ao próprio ritmo. Maria Fernanda Correia, presidente da associação de moradores do bairro, confirma esta particularidade. “Há menos gente a passar e as pessoas ali são mais sossegadas, são mais calmas”, diz. “Há quem diga que, muitas vezes, quando vão à Câmara Municipal pedir uma casa, a assistente social diz: ‘Querem um bairro sossegado? Vão para a Quinta do Chalé.’” 192

A presença discreta e o sossego são traços que orgulham os moradores. Um pouco à imagem dos vizinhos do bairro da Prodac. Ou não fossem quase todos antigos habitantes do Bairro Chinês. Tal como o bairro autoconstruído, também o da Quinta do Chalé surgiu para dar resposta às necessidades de habitação da população local após os eventos desencadeados pelo 25 de Abril de 1974. Muitos dos atuais residentes viveram e cresceram no bairro de barracas contíguo, com esperança de adquirir uma casa com melhores condições através da Prodac. Após a suspensão dos realojamentos desta associação, manteve-se uma necessidade de mais casas e, segundo Maria Fernanda, “uma sociedade luso-americana decidiu construir aquele bairro ali, onde na altura era uma quinta”. Maria Fernanda Correia chegou cedo. “Quando vim para ali morar, a rua nem era alcatroada, ainda passávamos por montes de terra. Nem tínhamos luz, nem água, não tínhamos nada.” O seu prédio, o último, também ficou inacabado, fruto das convulsões sociais da época, tendo sido ela própria a construir a casa de banho. “Nós é que acabámos as casas”, afirma. “Quisemos ter as nossas casas em

Entrando na rua que medeia as duas fileiras de prédios, a diversidade de cores salta à vista. Bem como a noção de resguardo do mundo lá fora. Sereno, o bairro da Quinta do Chalé faz a sua vida ao próprio ritmo.

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condições para habitar como deve ser, porque fartos de viver em más condições estávamos nós na barraca, não é?”. Um encontro de sentimentos opostos. De alguma mágoa por não terem encontrado melhores circunstâncias, mas também de orgulho, pela força com que ultrapassaram o desafio. Com o fim da sociedade responsável pela construção, a gestão passou para uma cooperativa de habitação “a quem nós pagávamos a quota por causa das casas”, explica Maria Fernanda, acrescentando que o acordado era “ao fim de 25 anos as casas serem nossas”. Vários acidentes de percurso levaram a que essa passagem da propriedade fosse tão turbulenta quanto a do bairro da Prodac. Mas concretizou-se, com vários moradores a comprarem as suas casas. No dia 2 de dezembro de 1997, surge a Associação de Moradores do Bairro da Quinta do Chalé, retomando o papel de gestão outrora assumido pela cooperativa e a tarefa de conservar os edifícios e os espaços públicos, ao mesmo tempo que ocupa os tempos livres dos seus sócios. Este último papel, mais recreativo, tem sido desempenhado com tanto sucesso que a associação é assiduamente frequentada por moradores de outros bairros. “Talvez por conhecimento deles ou porque tenham colegas que os levem para ali”, avalia a presidente. “Temos uma associação muito grande, com possibilidades para eles verem jogos, jogarem às cartas, jogarem ao dominó, comerem o seu lanchezinho… talvez se sintam à vontade.” Tal como o bairro, também a associação de moradores parece estar serenamente no caminho da continuidade e da preservação. Os vários percalços das últimas décadas não foram suficientes para abalar quer a presença constante dos sócios na sede quer a esperança de Maria Fernanda Correia. “Gosto de trabalhar na minha associação. Gosto do meu bairro. Gosto das pessoas que lá moram”, diz. Sentimentos que são pilares do seu trabalho, dedicado ao bairro.

A entrada para a Associação de Moradores do Bairro da Quinta do Chalé ( em cima ) e a sua direção num dos aniversários da coletividade ( em baixo ). [Nuno Alexandre Jorge, 2014; Arquivo fotográfico da Associação de Moradores do Bairro da Quinta do Chalé]

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No bar da Associação Sociocultural dos Moradores do Bairro Marquês de Abrantes são várias as pistas que recordam o legado do Bairro Chinês. [Nuno Alexandre Jorge, 2014]

afastou mais as famílias que viviam lado a lado no Bairro Chinês. Por isso, a nova sede foi uma importante vitória. O apoio jurídico e as consultas de psicoterapia oferecidos pela Associação Sociocultural, a preços simbólicos, têm dado um grande auxílio às famílias a atravessar problemas pessoais e financeiros graves. A luta por uma paragem da Carris no interior do bairro também deu frutos e mais comodidade aos moradores. É também nas pequenas iniciativas que se nota a diferença. Num bairro que recebera pessoas de várias zonas de Lisboa, a descaraterização era um risco enorme. Mas perder contacto com a identidade e as raízes de cada um nunca foi uma opção. Daí que Constantino incentive os festejos do São Martinho, do Natal e de várias festas tradicionais, sempre com um olho na tradição do Interior. Entre elas, a criação de um nicho de Nossa Senhora dos Remédios para apoiar as respectivas celebrações, “uma festa como há poucas no país”, entre 6 e 9 de dezembro. Uma forma, no fundo, de ajudar quem não tem possibilidades de viajar para a sua terra por essa altura, trazendo, em alternativa, a festa até Lisboa.

MARQUÊS DE ABRANTES

2  SOARES, Ana Maria Baptista – Identidade Territorial de Um Bairro Social: O Caso da Quinta Marquês de Abrantes. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas ( Universidade Nova de Lisboa ), 2011. Dissertação de mestrado, p. 28.

É uma pesada responsabilidade carregar um nome com tanta história quanto o da Quinta do Marquês de Abrantes. Mas este bairro, construído entre 1996 e 2001 no âmbito do Programa Especial de Realojamento ( P ER )2, carrega esse legado sem qualquer hesitação. E fá-lo com orgulho das suas raízes. Que o digam os sócios de uma das associações do bairro: a Associação Sociocultural dos Moradores do Bairro Marquês de Abrantes. Esta coletividade, cuja sede ainda ostenta o nome do Bairro Chinês no toldo, foi formada por várias pessoas que experienciaram o dia-a-dia naquele território, muito antes de existirem prédios em altura. A opção por manter a referência ao antigo bairro de barracas que ficava no meio da Quinta do Marquês de Abrantes é uma forma de homenagear esse passado. Porém, aquela não foi a primeira associação a surgir no bairro. A primeira, fundada em janeiro de 1998, foi a Associação de Moradores do Bairro Marquês de Abrantes, cuja sede fica no conjunto de prédios vulgarmente conhecidos como Bairro do Piano, pelas semelhanças que os seus contornos têm com a forma de um piano de cauda. O atual presidente da associação, Marco Pereira, assume “a responsabilidade de olhar pelos nossos moradores, como crianças e idosos, e pelas habitações”, contando estar sempre lá para ajudar

os moradores que pedem apoio à coletividade. Um apoio que não é prestado apenas nas alturas mais difíceis mas também no quotidiano de quem a frequenta, através de atividades recreativas que procuram aproximar mais os moradores. Através de torneios de futebol, malha, sueca, atletismo e outras modalidades, a associação procura estar presente para o bairro. Meses depois da criação da primeira associação de moradores, um grupo de pessoas impulsionou a formação de outra. Constantino Rodrigues, de 63 anos, confessa que esta alternativa surgiu porque, apesar da amizade para com os membros da primeira coletividade, as pessoas e a direção tinham “maneiras diferentes de fazer as coisas”. Surgiu então, também em 1998, a Associação Sociocultural dos Moradores do Bairro Marquês de Abrantes, com 21 sócios, ainda numa fase de transição dos últimos moradores do Bairro Chinês para os novos edifícios de habitação. “Trabalhei três anos em casa, porque não tinha sede”, conta Constantino, que saíra da sua terra natal em Resende, distrito de Viseu, para Marvila com apenas 11 anos de idade. Hoje com 160 sócios, a associação dirigida por Constantino Rodrigues tem uma sede nova, inaugurada em julho de 2012 no bairro Marquês de Abrantes. Mas o trajeto até obter estas instalações foi sinuoso. As que a Câmara cedeu “eram muito pequeninas”, diz Constantino. Um problema rapidamente identificado apenas por quem trabalha, dia a dia, no terreno, atendendo as necessidades dos moradores do bairro e organizando atividades que estimulem o sentido de comunidade. “A partir do momento em que entraram, cada uma, para o seu apartamento, as pessoas isolaram-se um bocado. Entram, fecham a sua portinha. O convívio deixou de existir”, lamenta o presidente da associação. “Daí a pressão de ter uma sede o mais depressa possível onde se pudesse trabalhar, desenvolver atividades e o convívio das pessoas.” A própria tipologia das casas do bairro, em apartamento,

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Um pouco mais próximo do Convento de Chelas, para quem desce na direção do Terreiro do Paço, ficam dois outros bairros de Marvila: o bairro dos Alfinetes e o bairro das Salgadas. Ao contrário do que acontece com as coletividades do bairro da Prodac, estes dois bairros – ambos surgidos em 1996 com o Programa de Intervenção a Médio Prazo3 – deram origem a uma só associação de moradores, que se encarrega de representar as pessoas dos dois conjuntos habitacionais. Fundada a 25 de março de 1999 por um grupo de moradores do bairro, desde logo assumiu a árdua tarefa de ser a principal interlocutora em qualquer debate ou negociação entre os associados e entidades como a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia de Marvila e a Gebalis. O seu presidente, José Moreira, levou para a associação a experiência da criação de uma casa regional de Castro Daire, também em Marvila. Para José, a grande responsabilidade da Associação de Moradores do Bairro dos Alfinetes e Salgadas foi sempre “fomentar a boa vizinhança entre os moradores de ambos os bairros através de

eventos culturais e desportivos” e “requalificar espaços verdes e habitações”4. Duas missões aparentemente alcançáveis. Mas que, na prática, são o trabalho de uma vida. Um trabalho que nunca está concluído. Com a nova sede da coletividade, adquirida em 2002, foram intensificados os trabalhos junto dos moradores. O novo espaço, na Rua Artur Duarte, permitiu a realização de “reuniões, apoio escolar, terapia da fala, secção desportiva, secção cultural e bar de apoio aos associados e moradores”5. Atividades que não poderiam ser realizadas num espaço mais diminuto. Para Isilda Sousa, de 74 anos, a grande vitória da associação, da qual é membro da direção, foi a criação do nicho de Santo António. Criado em 2000, este nicho representa as tradições e a devoção religiosa das várias origens regionais, “para se fazer a missa e a procissão pelo bairro no dia de Santo António”, explica Isilda. De certo modo, é também uma forma de manter unidos todos os moradores, que celebram o Santo António com a sua própria procissão. Independentemente do concelho em que tenham nascido.

3  ABEL, Marília; CONSIGLIERI, Carlos – O formoso sítio de Marvila. Lisboa: Junta de Freguesia de Marvila, 2004, p. 63. 4  MOREIRA, José – Associação de Moradores do Bairro dos Alfinetes e Salgadas. Publicado em 13 de agosto de 2008. Disponível no blog do autor em www.avidapassoapasso. blogspot.com. Consultado em 28 de abril de 2014. 5  Idem, ibidem.

Na Rua Artur Duarte, em Marvila, a construção do nicho de Santo António marcou uma das vitórias da Associação de Moradores do Bairro dos Alfinetes e Salgadas. [Nuno Alexandre Jorge, 2014]

Defronte da Azinhaga dos Alfinetes, a sede da Associação de Moradores do Bairro Marquês de Abrantes, coletividade pioneira deste género no bairro. [Nuno Alexandre Jorge, 2014]

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A direção da Associação Sociocultural dos Moradores do Bairro Marquês de Abrantes ( A SMBMA ) posa para a posteridade na inauguração da nova sede, em junho de 2012. [Arquivo fotográfico da ASMBMA]

U M P É N A T R A D I Ç Ã O E O U T R O N A C U LT U R A : A S CA S A S R E G I O NA I S E A AC U L M A

6  “Conheça as instituições da freguesia: Casa do Concelho de Castro Daire” – Marvila: Jornal da Junta de Freguesia. Lisboa: Junta de Freguesia de Marvila. Ano VII, n.º 75, fevereiro ( 2012 ), p. 4. 7  Casa do Concelho de Cinfães. Publicado em 27 de março de 2008. Disponível no blog da coletividade em www.cinfaesdodouro.blogspot.pt. Consultado em 29 de abril de 2014.

Em rigor, pode afirmar-se que, embora tenha crescido em Lisboa, o bairro da Prodac nasceu no Norte. Muito à imagem dos seus próprios habitantes, cujas casas se erguem sob o céu de Lisboa mas respiram hábitos e tradições rurais. Por isso, em redor do bairro, podem ser encontrados diversos vestígios dessa ligação à terra, através das iniciativas promovidas pelas várias casas regionais fundadas por gente do antigo Bairro Chinês. Na Rua Vale Formoso de Cima encontra-se a Casa do Concelho de Castro Daire, fundada no dia 14 de dezembro de 1991 por vários marvilenses oriundos daquele concelho. Deslocados da primeira terra que conheceram, e na qual deixaram as suas raízes, resolveram trabalhar para “manter-se perto das suas origens” e “preservar os usos e costumes da região de Castro Daire”. As atividades que realizam são, desde então, bastante variadas, mas o mote é sempre divulgar e perpetuar a cultura castrense6. Também Cinfães e Arcos de Valdevez viram as suas tradições representadas em Marvila, fruto da presença de muitos filhos das suas terras na zona. No dia 30 de maio de 1997 foi fundada a Casa do Concelho de Cinfães, para dinamizar as celebrações tradicionais daquele concelho do Douro em Lisboa, entre elas o universal magusto e a pitoresca festa da “matança do porco”. Para além de promover a prática de alguns desportos, esta associação presta particular atenção ao seu rancho folclórico, que, recriando os trajes e os cantares de Cinfães, mantém viva e palpável a cultura daquela terra, sobretudo para os mais jovens, que com ela têm pouco contacto7.

O mesmo objetivo de promoção da cultura regional norteia a atividade da Casa do Concelho de Arcos de Valdevez, fundada inicialmente em 30 de abril de 1955. Tendo passado por algumas dificuldades nas décadas iniciais, revitalizou-se na década de 1980, tendo inclusivamente criado o Rancho Folclórico da Casa dos Arcos, que realiza concertos por todo o país e mesmo em comunidades portuguesas fora de Portugal, como é o caso de França. Apesar da presença forte em Marvila, encontrou o espaço necessário para a sua sede na Baixa de Lisboa, na Rua Augusto Rosa. A importância e o dinamismo desta coletividade ficam comprovados pelo seu papel na criação da Associação das Casas Regionais de Lisboa em 2007, tendo sido a primeira casa a presidi-la. Por fim, é necessário destacar a importância da Associação para o Desenvolvimento Cultural e Social de Marvila, mais conhecida como Aculma. A sua Banda Filarmónica nasceu no antigo Centro de Animação Comunitária ( Cenac ) – hoje Centro de Promoção Social da Prodac – em junho de 1988, antes da criação da própria associação e com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Cresceu pelas mãos de um grupo de moradores do bairro da Prodac e da Quinta do Marquês de Abrantes, que então frequentavam aquele centro. Tendo como base uma escola de música, onde se lecionavam todos os instrumentos integrantes da banda, o projeto procurava, através da música, “promover o desenvolvimento de atividades culturais, educativas e sociais” que melhorassem as condições de vida dos bairros em que estavam presentes. Esse projeto teve continuidade através da autonomização da escola e da banda, formalizando-se a criação da Aculma em 18 de março de 1994. Quer através da Banda Filarmónica quer da Banda Juvenil ou do Rancho Folclórico e Etnográfico Raízes de Montemuro, a Aculma tem dinamizado o envolvimento dos moradores do bairro Marquês de Abrantes ( onde tem hoje a sua sede ) e dos bairros envolventes nas atividades que desenvolve. Sobretudo, tem-no feito através das bem-sucedidas participações da banda, dirigida desde o início pelo maestro João Juvandes, em diversos eventos de Lisboa. Muitos dos alunos da sua escola prosseguem atualmente os estudos no Conservatório Nacional de Lisboa, um sinal da importância que a coletividade tem para os mais jovens.

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Assembleia de bairro da Quinta do Chalé, realizada em 2014. [Arquivo fotográfico do CPS da Prodac]

A Casa do Concelho de Castro Daire, na Rua Vale Formoso de Cima, é uma das mais destacadas coletividades de Lisboa Oriental. [Nuno Alexandre Jorge, 2014]

Assembleias participativas Mecanismos estratégicos de desenvolvimento da capacidade de intervenção da comunidade, as assembleias participativas têm o objetivo de fortalecer a autonomia e a responsabilidade. O Centro de Promoção Social ( CPS ) da Prodac é ator e promotor destas ferramentas de debate e partilha que ocorrem a vários níveis, com distintas abrangências e convocando diferentes

A Banda Filarmónica da Aculma ( à esquerda ) e a sede da associação na Rua António Gedeão, em Marvila ( à direita ). [Arquivo fotográfico da Aculma; Nuno Alexandre Jorge, 2014]

intervenientes. Nas páginas que se seguem, a diretora do CPS Prodac, Susana Ferreira, esclarece o que são e como funcionam as assembleias de bairro, de centro e de jardim de infância, enquanto o monitor António Jales descreve a importância que estas assumem no âmbito do projeto do grupo de jovens que funciona no equipamento polivalente da Misericórdia de Lisboa.

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