Um novo olhar sobre o país: Emílio Biel e A Arte e Natureza em Portugal

Share Embed


Descrição do Produto

O Portugal de Emílio Biel The Portugal of Emílio Biel

Biel Andrew.indd 1

15/06/19 14:55

Biel Andrew.indd 4

15/06/19 14:55

Sumário

Contents

Introdução

Introduction

9

Rui Moreira, Presidente da Câmara Municipal do Porto

9

Rui Moreira, Mayor of Porto

15

Paulo Cunha e Silva, Vereador do Pelouro da Cultura

15

Paulo Cunha e Silva, City Councillor for Culture

21

Carlos Melo Ribeiro, CEO Siemens, S.A.

21

Carlos Melo Ribeiro, CEO Siemens, S.A.

25

A vida e obra de Emílio Biel

25

The life and works of Emilio Biel



O Portugal de Emílio Biel



The Portugal of Emílio Biel

41

Emílio Biel no Arquivo Histórico Municipal do Porto, Maria Helena Gil Braga e Maria do Rosário Guimarães

41

Emílio Biel at the Municipal Historical Archive of Porto, Maria Helena Gil Braga and Maria do Rosário Guimarães

49

Emílio Biel: Algumas notas para uma biografia, Manuel Magalhães

49

Emílio Biel: Some notes for a biography, Manuel Magalhães

63

Um novo olhar sobre o país: Emílio Biel e A Arte e a Natureza em Portugal, Paulo Ribeiro Baptista

63

A new visual perspective of Portugal: Emílio Biel’s Art and Nature in Portugal, Paulo Ribeiro Baptista

85 Emílio Biel & C.a: Fundo e coleções no Centro Português de Fotografia, Bernardino Castro

85

Emílio Biel & Co.: Fund and collections at the Portuguese Centre of Photography, Bernardino Castro

97

97

Image gallery

Galeria de imagens

capa / cover Porto: Padeiras de Avintes Porto: Bakers from Avintes c. 1900. CMP/AHMP/EBC ao lado / opposite Emílio Biel c. 1910. Coll. Elisabeth Eisele

Biel Andrew.indd 5

15/06/19 14:55

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 62

62

15/06/19 14:59

63

Um novo olhar sobre o país: Emílio Biel e A Arte e a Natureza em Portugal A new visual perspective of Portugal, Emílio Biel’s Art and Nature in Portugal

Abordar a obra de uma figura da dimensão de Emílio Biel é um tremendo desafio. Ele foi, no seu tempo, um dos mais destacados empresários da cidade do Porto, evidenciou-se na fotografia portuguesa como um inovador e concretizador, capaz de façanhas extraordinárias, dirigiu um dos mais importantes estúdios fotográficos portugueses e foi o maior editor fotográfico por quase quarenta anos, de 1875 a 1915. Por outro lado, fazer-lhe justiça é um imperativo. O seu legado foi desdenhado pelos seus contemporâneos e concidadãos que, logo após a sua morte, não tiveram a nobreza de nele encontrar a cidadania empenhada e a profundidade de uma reflexão sobre o património cultural português e as consequências desse legado na nossa cultura. Infelizmente, esse legado, pela ignorância e leviandade caiu no esquecimento e enfrentamos hoje o tremendo mas justo desafio de o revelar e lhe restituir o importante papel que verdadeiramente lhe é devido. Recentes estudos na institucionalização do património cultural, na fotografia de inventário e a sua divulgação no final do século dezanove e início dos vinte, trouxeram novas perspectivas para a importância que esses temas desempenharam nos contextos político e cultural. Em casos como o português, temos que considerar os esforços que figuras como Emílio Biel levaram a cabo no sentido de realizar e editar álbuns sobre património e como essas obras partiram de uma necessidade verdadeiramente nacional de afirmação no âmbito da cena política internacional num contexto geopolítico em que a nação era desafiada por algumas das mais importantes potências imperialistas europeias que procuravam dominar novos territórios, como bem ficou provado em 1890, com o ultimato inglês aos territórios portugueses na África e às ambições expressas no chamado “mapa cor-de-rosa”. A mobilização

Paulo Ribeiro Baptista Coordinator of the photographic collections of the Museu Nacional do Teatro e da Dança (Lisbon); Researcher at IHA/FCSH Nova University of Lisbon

 Tunnel of Loureiro and of Murta. Emílio Biel & Co. Collotype. c. 1890 Coll. Manuel Magalhães

Biel Andrew.indd 63

It is a formidable challenge to approach the life and work of a figure such as Emílio Biel, as he was one of the most proeminente entrepreneurs of Oporto, standing in Portuguese photography as an inovator, capable of outstanding achievements, director of the most important Portuguese studio of his time and the leading Portuguese photographic publisher during a period of forty years, from 1875 to 1915. Particularly since Biel and his legacy just after his death were unloved by his fellow citizens and contrymen who faced with contempt Biel’s artístic and cultural heritage, as they were unable to realize the profound meaning and importance it assumed in Portuguese culture. Unfortunetely his legacy remained in ob-

Paulo Ribeiro Baptista Responsável pelas coleções fotográficas do Museu Nacional do Teatro e da Dança (Lisboa); Investigador do IHA/ FCSH da Universidade Nova de Lisboa

 Túnel do Loureiro e da Murta. Emílio Biel & Ca. Fototipia. c. 1890 Col. Manuel Magalhães

scurity and today we face a huge challenge to fully understand the consequences of his work and praise it as he deserves. Recently, studies on the institutionalisation of cultural heritage, survey photography and it disclosure in the nineteenth and beginning of the twentieth centuries, brought new perspectives to the importance those questions had in political and cultural contexts. In cases such as the Portuguese one we must envisage the efforts made by Biel and its work on the publication of heritage albums as a reflex of a Portuguese national will and need of assertion in the international geopolitical arena. Actually Portugal was challenged by European imperialisms attempting to

15/06/19 14:59

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

64

da sociedade portuguesa para dar uma resposta a tão injusto desafio à nossa soberania foi fortíssima e deu azo a veementes e apaixonadas respostas e estamos convictos que a de Emílio Biel materializou-se na concretização do projecto de A Arte e a Natureza em Portugal, malgrado o atraso que a sua realização necessariamente implicou.

 ‘Os Lusíadas’, gravura do Canto I 1880. Col. Elisabeth Eisele

Inequivocamente, o álbum monumental A Arte e a Natureza em Portugal de Emílio Biel tem que ser considerado como uma afirmação inequívoca da cultura e do património portugueses no complexo contexto internacional em que a nação portuguesa procurava um lugar próprio. A narrativa nacionalista veiculada pela obra A Arte e a Natureza em Portugal deve ser olhada como um passo crucial numa afirmação nacional no contexto cultural, assinalando a antiguidade do nosso património cultural, a beleza pitoresca das nossas paisagens e ancestralidade das tradições etnográficas. Dessa forma podemos encarar essa obra de Biel como um meio de propaganda nacionalista de Portugal. No entanto, não nos devemos esquecer que Emílio Biel tinha já um longo passado de atitudes políticas nacionalistas portuguesas, tais como a edição de 1880 dos Lusíadas de Camões, o álbum da Exposição Distrital de Aveiro ou o álbum de homenagem à obra de Soares dos Reis, logo após a morte do escultor. A dimensão política de tais gestos vai muito para além da sua obra e revela-nos o profundo comprometimento de Emílio Biel com o seu país adoptivo, com a sua cultura e sociedade e, sobretudo, com a sua própria cidade, o Porto. Estudos recentes têm procurado destacar a natureza política da fotografia e da prática fotográfica como instrumentos de fazer história. Investigadores como Elizabeth Edwards e Eduardo Cadava sublinharam novas tendências na historiografia da fotografia particularmente relativamente à forma como podemos abordar sequências, narrativas e séries fotográficas. Este tipo de análise privilegia as sequências de fotografias ao invés da imagem isolada e, nessa medida, é particularmente adequada ao caso dos álbuns de Emílio Biel. Com efeito, podemos encarar a obra de Biel sob uma dupla perspetiva política, como um reflexo do ímpeto de afirmação nacionalista mas, por outro lado, num profundo comprometimento com o estudo e a proteção do património nacional.

 ‘Os Lusíadas’, Engraving for Canto I 1880. Coll. Elisabeth Eisele

Biel Andrew.indd 64

rule new territories, as the 1890’s British ultimatum on African Portuguese territorial claims eloquently proved. The mobilization of Portuguese society to give an answer to such unrighteous challenges to our dignity as a nation had a vehement and passionate response from Emílio Biel and the prosecution of a project such as the Art and Nature in Portugal that was postponed a few years before it was resumed. Today, Biel’s Art and Nature in Portugal monumental album must be regarded as an unequivocal statement of Portuguese culture and heritage in the complex international context in which Portugal was trying to assert itself. The nationalist narrative conveyed by the Art and Nature in Portugal album is a crucial step of such an assertion in the cultural context, pointing out Portuguese old architectural heritage, beautiful pictoresque landscape and ethnographic traditions. In this context we can regard Biel’s work as a Portuguese propaganda medium. But we must not forget that Emílio Biel had already a past of Portuguese nationalist political

gestures, such as the 1880’s edition of Camões’ Os Lusíadas, the Aveiro’s Distrital Exhibition album or the Soares dos Reis homage album, published following the death of the sculptor. The political expression of such gestures goes well behond the works and reveal a deep comitement with Portuguese society and culture. Recent studies have outlined the political nature of photography and photographic practice as instruments of history. Researchers such as Elizabeth Edwards and Eduardo Cadava have pointed out new trends on the history of photography, particularly in the way we can address as “sequences, narratives, and series” (EDWARDS: 2014, 180). This kind of analysis priveliges sequences of photographs rather than single images and therefore are particularly suited to apply to Biel’s studio albums. Actually, we can regard Biel’s work through a double political perspective, as a reflex of the Portuguese will of assertion, but in another dimension as a commitment with Portuguese heritage study and protection.

15/06/19 14:59

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 65

65

15/06/19 14:59

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 66

66

15/06/19 15:00

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

67

Emílio Biel (1838-1915) foi um emigrante alemão que se estabeleceu no Porto. Veio da Saxónia, provavelmente como muitos outros na esteira de príncipe Fernando de Saxe Coburgo Gotha quando ele se tornou rei consorte de Portugal ao contrair matrimónio com Dona Maria ii, em 1836. D. Fernando ii foi regente de Portugal por diversos períodos, até 1867, para além de ter tido um papel destacado na promoção das artes e das letras no nosso país. Chegado a Portugal, Biel cedo começou uma actividade comercial. Primeiro fixou-se em Lisboa, tendo frequentado um círculo cultural erudito alemão que se reunia em redor de Anton Roeder, o precetor dos jovens príncipes reais e fundador da escola que se viria a tornar no futuro colégio alemão. Em breve Biel se mudaria para o Porto e, apesar de estrangeiro, pouco tardou a que se integrasse na vida da cidade e nas fileiras das suas elites sociais. Ele conseguiu compreender e interiorizar profundamente os valores culturais portugueses adoptando-os como seus, aproximando-se de grandes vultos da cultura portuguesa do seu tempo como a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921), o historiador da arte Joaquim de Vasconcelos e sua mulher, Carolina Michäelis de Vasconcelos, uma erudita dos estudos clássicos e da música antiga. Biel assumiu Portugal e a sua cultura como suas pátrias e o seu primeiro gesto patriótico público foi a realização de uma nova edição monumental da epopeia de Camões, por ocasião do tricentenário da morte do poeta, em 1880.

 ‘Os Lusíadas’, Gravura do Canto V, est.83 1880. Col. Elisabeth Eisele

Actualmente, atribuímos às comemorações do tricentenário da morte de Camões em dez de Junho de 1880 um significado político muito especial. Esse dia seria, mais tarde, escolhido como dia da nação portuguesa, prestando homenagem ao poeta, à sua obra e ao génio português consubstanciado na epopeia camoniana, Os Lusíadas. Em 1880 as comemorações assumiram um significado muito especial e profundo na medida em que representavam um movimento implícito contra um regime monárquico amorfo. Embora tenham assumido uma dimensão nacional, as comemorações camonianas foram promovidas, em grande medida, por meios jornalísticos republicanos, em que se destacou a figura de Teófilo Braga. No Porto, a iniciativa mais relevante foi levada a cabo por Emílio Biel que publicou a referida edição monumental de Os Lusíadas. Não devemos encarar o gesto de Biel como um

 ‘Os Lusíadas’, Engraving for Canto V, est.83 1880. Coll. Elisabeth Eisele

Biel Andrew.indd 67

Emílio Biel (1838-1915) was a German born emigrant established in Oporto, Portugal. He came from Saxonia, such as many locals probably in the wake of the saxonian prince Ferdinand who was to become Portugal’s consort king following his marriage with the Portuguese queen D. Maria II in 1836. Ferdinand I became Portuguese regent king for several short periods until 1867. In Portugal, Biel started his commercial activity in Lisbon were he joined a german cultural circle formed around Anton Roeder, the preceptor of the Portuguese princes. Biel soon moved to Oporto and there, although being a foreigner he was soon integrated into the elites of Oporto’s society. He deeply understood Portuguese cultural values and took them up as his own, approaching Portuguese scholars such as the writer Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921), the art historian Joaquim de Vasconcelos and his wife Carolina Michaelis de

Vasconcelos, a classical studies scolar. Biel took Portugal as his genuine homeland and one of his first patriotic gestures was a new monumental edition of Portuguese national epic saga, Luís de Camões’s Os Lusíadas wich was published at the tercentenary of his death in 1880. Today we attribute to the celebrations of Camões tercentenary in 1880 a deep political meaning. Later the date of 10th of June date was choose to be the Portuguese national day, to honour the poet and his work, Os Lusíadas, and therefore the Portuguese genius. In 1880 the celebrations had a deep political meaning since they were largely promoted by the republicans that contested the amorphous Portuguese monarchy. Although the celebrations did assume a national dimension, most of the initiaves had been taken by republican supporters, mostly republican jornalists, such as Teófilo Braga. In Oporto the most significant

15/06/19 15:00

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

68

envolvimento político directo com os meios republicanos visto que o próprio Biel tinha alguma proximidade com a Casa Real Portuguesa e o seu estúdio fotográfico pertencia aos eleitos para fotógrafos reais, mas devemos fazer antes a leitura do seu profundo comprometimento com os mais profundos valores da cidadania portuguesa que honrou até à morte. Para a nova edição monumental da epopeia de Camões, Biel encomendou um conjunto de gravuras a oficinas alemãs e acrescentou-lhes um conjunto de cópias de gravuras impressas em fototipia, um novo processo fotomecânico cuja técnica lhe fora transmitida recentemente. Isso deveu-se ao facto de, em 1875, o abastado fotógrafo amador Carlos Relvas ter adquirido os direitos da fototipia e recrutado um técnico da firma austríaca C. H. Jacobi para a demonstrar no seu estúdio da Golegã. Generosamente, Relvas convidou diversos fotógrafos portugueses para assistirem às sessões técnicas da fototipia e um deles foi Biel. Na sequência dessas sessões Biel montou uma instalação técnica para explorar a fototipia e as reproduções de gravuras para os Lusíadas foram das primeiras provas fototípicas comerciais realizadas por Biel. Dez reproduções de originais dos artistas franceses Alexandre-Joseph Desenne, Alexandre-Évariste Fragonard e François Gerard tinham sido já publicadas na versão de 1817, chamada do Morgado de Mateus e, na nova versão de Biel., foram reproduzidos por fototipia.

 Viaduto de Cabeda. Emilio Biel & C.a. Fototipia. c. 1890. Col. Manuel Magalhães  Vale do Douro e Viaduto do Laranjal. Emilio Biel & C.a. Fototipia. c. 1890. Col. Manuel Magalhães

Em 1882 Emílio Biel esteve também envolvido numa polémica científica, cultural e política que pôs frente a frente o historiador da arte Joaquim de Vasconcelos e a Academia de Belas Artes. A Academia tinha organizado a representação portuguesa à Exposição Ibérica de Arte Ornamental que foi apresentada em Londres, no Museu de South Kensinghton (actualmente o Victoria and Albert Museum), em 1881. Posteriormente, a exposição foi mostrada no Museu das Janelas Verdes (hoje o Museu Nacional de Arte Antiga), em Lisboa. Joaquim de Vasconcelos contestou os critérios que a Academia, nomeadamente o seu presidente Delfim Guedes, conde de Almedina, seguiu na escolha das peças. No entender de Vasconcelos, uma mostra nacional deveria incluir objectos regionais que traduzissem as

 Viaduto de Cabeda. Emílio Biel & Co. Collotype, c. 1890. Coll. Manuel Magalhães  Vale do Douro e Viaduto do Laranjal. Emilio Biel & Co. Porto. Collotype, c. 1890. Coll. Manuel Magalhães

Biel Andrew.indd 68

iniciative was Biel’s monumental edition of Luís de Camões’s Os Lusíadas. We can’t regard Biel’s gesture as a political comitement with republicans since he had a close proximity to the Portuguese Royal family, being granted the title of Royal photographer, but with no doubt does commited him with the deepest values of Portuguese citizenship which he honoured for the rest of his life. For the monumental edition of Camões’ Os Lusíadas Biel commanded several print plates in German workshops, the other illustrations were produced in Biel’s printing studio using collotype printing, a new photomechanical process with what he was recently acquainted. In 1875 collotype was introduced in Portugal due to Carlos Relvas, a whealthy amateur that brought to Portugal a photographer of the Austrian firm C. H. Jacobi to demonstrate collotype. Generously, Relvas invited a few Portuguese photographers, including Emílio Biel, to attend collotype’s technical demonstration. Soon Biel started exploring collotype in an industrial level, seting up a facility devoted to

collotype processing. Biel’s Lusíadas edit on collotypes were the first collotypes released by his new firm, ten reproductions of prints from French artists Alexandre-Joseph Desenne, Alexandre-Évariste Fragonard and François Gerard included in the previous Morgado de Mateus 1817’s Lusiadas edition. In 1882, Biel was partly involved in the dispute regarding Portuguese heritage between the scholar and art historian Joaquim de Vasconcelos and the Portuguese Fine Arts Academy. The Academy was responsible for organizing the 1881’s Portuguese representation to the Iberian Ornamental Art Exhibition presented at London’s South Kensington Museum, which is today the Vitctoria and Albert Museum. Later the exhibition was held in Lisbon, at the Museu das Janelas Verdes. Joaquim de Vasconcelos contested the objects selection’s criteria undertaken by the academy members such as Delfim Guedes, count of Almedina. From Vasconcelos’ point of view they should include regional objects that would give account of local artistic schools, a subject he had been

15/06/19 15:00

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 69

69

15/06/19 15:00

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 70

70

15/06/19 15:00

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

71

escolas e as oficinas regionais, questões sobre as quais ele tinha já realizado uma longa e profunda pesquisa. Outro dos aspectos da exposição de Londres/Lisboa que Vasconcelos contestava era o catálogo ilustrado, uma edição limitada, extraordinariamente dispendiosa impressa em fototipa e produzida pelo fotógrafo amador Carlos Relvas e pelo técnico da Imprensa Nacional, Joseph Leipold.

 Serra da Estrela: Lagoa Escura gelada. In: A Arte e a Natureza em Portugal 1907. CMP/AHMP

Efectivamente, como resposta à exposição arte ornamental de Londres/Lisboa, Joaquim de Vasconcelos organizou duas exposições regionais em 1882, uma no Porto, de peças nacionais de cerâmica e outra, regional, em Aveiro. As duas exposições pretendiam desafiar e propor alternativas aos critérios científicos e museográficos adoptados por Delfim Guedes e seus colegas académicos. No caso da exposição de Aveiro, Joaquim de Vasconcelos escolheu objectos regionais de arte religiosa de oficinas de ourivesaria regionais. Por outro lado, com a colaboração de Emílio Biel, foi produzido um catálogo relativamente acessível, ilustrado com fototipias, intitulado Exposição Districtal de Aveiro em 1882, relíquias da arte nacional. Esse álbum incluía quarenta e cinco fototipias de objectos patentes na exposição e duas vistas da cidade de Aveiro. A colaboração entre Biel e Vasconcelos no contexto da prossecução da exposição de Aveiro de 1882 foi apenas um primeiro pequeno passo numa colaboração que se assumiu muito mais vasta do que a mera produção de fototipias para a produção do álbum e estendeu-se a múltiplos domínios. Com efeito, Biel foi um verdadeiro cúmplice de Vasconcelos nos seus ideais e intenções políticas concretas relativamente à necessidade do estudo e do levantamento do património nacional e o colossal desafio que esse projecto representou para a sua casa de edições fotográficas foi o primeiro passo de ima parceria sólida que os uniu por cerca de quarenta anos. Os projectos mais ambiciosos da casa de edições fotográficas de Emílio Biel tiveram coordenação científica e literária de Joaquim de Vasconcelos e contaram com uma colaboração dedicada de sua mulher, Carolina Michäelis de Vasconcelos. Foi seguramente essa uma das principais razões para que projectos protagonizados por Emílio

 Serra da Estrela: Frozen Lagoa Escura. In: A Arte e a Natureza em Portugal 1907. CMP/AHMP

Biel Andrew.indd 71

researching for a long time. Another aspect of London/ Lisbon’s exhibition contested by Vasconcelos was the illustrated catalogue, a limited very expensive edition of a monumental collotype printed volume produced by Carlos Relvas, amateur photographer and Joseph Leipold, printmaker of the National Press Office. Actually, as an answer to the London/Lisbon ornamental art exhibition, Joaquim de Vasconcelos organized two regional exhibitions in 1882, one in Oporto, on national ceramics and another in Aveiro. Both exhibitions intended to challenge the scientific and museographical criteria undertaken by Delfim Guedes and his colleagues of the academy commission. In the Aveiro exhibition case, Joaquim de Vasconcelos choose regional religious objects from Aveiro local jewelery workshops, giving enfasis to the regional production. Moreover it was produced an inexpensive catalog with Biel’s collaboration, illustrated with collotypes, entitled the Exposição Districtal de Aveiro em 1882, relíquias da arte nacional [1882 Aveiro’s District Exhibition, national art relics] album. Aveiro’s exhi-

bition album included forty five collotypes of objects included in the exhibition and two cityscapes of Aveiro. The collaboration of Emílio Biel in Vasconcelos 1882 exhibition’s project was only a first step and it went much further than just producing the collotypes and publishing the album. In fact, Biel was an accomplice of Joaquim de Vasconcelos political intentions in Portuguese cultural heritage and the challenge that project set to his publishing house represented only the first step of a solid partnership he established with Joaquim de Vasconcelos for almost forty years. The most ambitious projects of Emílio Biel’s publishing activity were produced under the scientific and artistic direction of Joaquim de Vasconcelos’ and often with close collaboration from his wife, Carolina Michäelis de Vasconcelos. This was surelly one of the main reasons they were carried out in such solid scientific basis and therefore had a special meaning to Portuguese cultural heritage context. Vasconcelos 1882 exhibition’s project can be regarded as one of the first meaningful situations

15/06/19 15:00

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 72

72

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

73

Biel tivessem uma base científica tão sólida e, desse modo, assumissem um tão profundo significado no contexto do património cultural português. O projecto de exposição de Joaquim de Vasconcelos, em 1882 pode ser considerado como uma das primeiras situações significativas de uma reflexão teórica profunda sobre o património cultural português e o facto de Emílio Biel estar intimamente relacionado com essa situação deve ser tido em consideração relativamente à dimensão da sua cidadania portuguesa.

 ‘Os Lusíadas’, Gravura do Canto V, est.49 1880. Col. Elisabeth Eisele

Em 1896, Joaquim de Vasconcelos organizou uma nova exposição de arte religiosa, agora em Viana do Castelo, numa perspectiva semelhante à de Aveiro em 1882. Emílio Biel também produziu o catálogo, maior, com sessenta fototipias. Podemos encarar os álbuns de Aveiro e Viana como os primeiros passos de um amplo projecto que também junto Biel e Vasconcelos, A Arte Religiosa em Portugal, referir-nos-emos a ele mais tarde. Pelo menos desde 1887 até 1895, a Casa Biel publicou os catálogos das exposições de arte do Ateneu Comercial do Porto, uma instituição artística que desempenhou um papel de especial relevo na actividade cultural e artística da cidade do Porto. Anualmente, o grupo de exposições artísticas organizou no Ateneu Comercial do Porto um salão artístico que contava com a participação da maior parte dos mais destacados artistas portugueses, com especial relevo para aqueles que tinham uma ligação mais próxima com a cidade do Porto. Essas exposições eram as mais importantes realizadas na cidade do Porto e assumiam mesmo um significado nacional. Biel foi o responsável pela produção dos catálogos dessas exposições e não podemos deixar de reconhecer, nesse gesto, o particular empenho com que ele se envolvia na vida cultural da cidade e a sua destacada contribuição para a vida artística da cidade. Semelhante empenho teve Biel para com a família do malogrado escultor Soares dos Reis aquando da sua morte em circunstâncias dramáticas. Biel publicou um álbum dedicado à obra do escultor que procurava obter fundos para a sua viúva. Não podemos deixar de destacar que a figura de Soares dos Reis viu o seu valor artístico, e o do seu trabalho, sistematicamente postos em causa pelas instituições académicas portuguesas e essa

 ‘Os Lusíadas’, Engraving for Canto V, est.49 1880. Coll. Elisabeth Eisele

Biel Andrew.indd 73

of the theoretical reflection on Portuguese cultural heritage and the fact Emílio Biel was closely related to it must be taken into consideration in his own Portuguese citizenship. In 1896, Joaquim de Vasconcelos held a new religious art exhibition in Viana do Castelo, in a similar context of the Aveiro’s 1882 exhibition. Emílio Biel remained his accomplice and an even larger catalog was published with sixty collotypes. Probably, the Aveiro and Viana do Castelo albums were the first steps of a last vast project A Arte Religiosa em Portugal [Portuguese Religious Art] acomplished Biel and Vasconcelos. We will address it later. At least from 1887 to 1895, Biel’s house published the art exhibition catalogues of Ateneu Comercial do Porto, an instituition that played a very important role in Oporto’s artistic and cultural activity. The Ateneu Comercial do Porto held annual art exhibitions, salons, with the participation of most Portuguese artists, particularly those who had a close connection with the city. The artistic exhibitions

group organized a series of exhibitions in the Ateneu Comercial, one of the most prestigious institution in Oporto. Those exhibitions were the most important art exhibition held at Oporto and therefore it was of a high national meaning. Biel was responsible for the catalogs of those exhibitions and his gesture must be regarded as a special commitement with the city and an important contribution to Oporto’s art scene. It was a similar commitement Biel had with the family of the sculptor Soares dos Reis when he died in dramatic circunstances. Biel published an album dedicated to the work of the sculptor in order to raise funds for his widow. We should point out that Soares dos Reis had his artistical genius (and work) systematically questioned by Portuguese academic institutions and this regretable situation ultimately lead to his own death. In such context, Biel’s noble attitude can also be regarded as a civical and political statement against the Portuguese artistic institutions’s situation that didn’t support the most talented artists.

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

74

situação lamentável, mesmo mesquinha, contribuiu, em última instância, para a sua própria morte. Dessa forma, não será exagerado encontrar na nobreza do gesto de Biel também uma dimensão cívica e política de afirmação contra a situação das instituições artísticas oficiais portuguesas que não tiveram a capacidade de proteger os seus mais talentosos.

 ‘Os Lusíadas’, Gravura do Canto VIII 1880. Col. Elisabeth Eisele

Como vimos anteriormente, a maior parte do trabalho fotográfico de Emílio Biel, do seu estúdio, em arte e património, levado a cabo em parceria com Joaquim de Vasconcelos, resultava de uma abordagem científica. Para além disso procurava uma afirmação profunda da arte portuguesa, particularmente dos seus contextos regional e nacionalista. Tal significado político constituiu a base de trabalho para a mais importante obra levada a cabo pelo estúdio de Biel, A Arte e a Natureza em Portugal, um álbum monumental sobre a arte, a paisagem e a etnografia portuguesas, publicado entre 1902 e 1908. Em termos políticos é inquestionável que A Arte e a Natureza em Portugal foi publicada num período histórico de grande perturbação da sociedade portuguesa, num contexto geopolítico que punha em causa a soberania de Portugal, um pequeno país europeu, sobre vastos territórios nas suas duas maiores colónias africanas, Angola e Moçambique. O povo português, particularmente republicanos e nacionalistas, contestava a política submissa do governo português de aceitação das exigências inglesas. A resposta inconformista de largos sectores da sociedade portuguesa ao desafio político colocado pela Inglaterra e, em particular, à resposta passiva das instâncias governamentais portuguesas foi particularmente dura, sobretudo pelos meios republicanos e nacionalistas. Foi assumido um imperativo colectivo de afirmar os valores nacionais, na arte, na literatura, na cultura. Vimos que, até certo ponto, alguns dos álbuns referidos acima foram publicados por Emílio Biel justamente tendo em consideração algumas das dimensões políticas referidas, como sucedeu com a edição de Os Lusíadas.

 ‘Os Lusíadas’, Engraving ofr Canto VIII 1880. Coll. Elisabeth Eisele

Biel Andrew.indd 74

As we have seen before, most of Emílio Biel’s photographic work in art and heritage, carried out in partnership with Joaquim de Vasconcelos, was particularly engaged in a scientific perspective. Furthermore, it has a deep political assertion of Portuguese art, particularly regarding regional and nationalistic contexts. Such political significance will be the basis of the largest and most important work carried out by his studio, A Arte e a Natureza em Portugal [Art and Nature in Portugal], a monumental album on Portuguese art, landscape and ethnography, published from 1902 until 1908. In political terms, it is unquestionable that A Arte e a Natureza em Portugal was published in a particularly troubled period of Portuguese history. Internationaly, sovereignity of a small European country such as Portugal over large territories in the South of Africa was chalenged. The infamous British ultimatum jeopardized Portuguese claims to connect the territories of the two larger African colonies, Angola and Mozambique. Portuguese people, and particularly

republicans and nationalists contested the submissive governmental position that accepted British claims. The response of the Portuguese society to the British political challenge and particularlly to the amorphousness of the home government was exceedingly harsh from the nationalist and republlicans sectors. There was a sudden imperative to assert national values in art, in literature and in culture. We have seen that to a certain extent some of the aforementioned works and albums were published by Emílio Biel considering some political concerns, particularly in the case of Os Lusíadas. In the foreword of A Arte e a Natureza em Portugal Biel highlights the need for a Portuguese volume dedicated to art and nature (landscape as we say today) since most cultivated nations such as France, England, Germany, Swiss, Belgium, Scandinavian countries, Russia and even Spain already had one. He also outline the importance that such publications do represent as each country’s propaganda, and therefore have political relevance. Furthermore on Biel describes the nature

15/06/19 15:01

Biel Andrew.indd 75

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

76

Na introdução a A Arte e a Natureza em Portugal, Emílio Biel destaca a necessidade de um volume dedicado à arte e natureza (paisagem, diríamos hoje) portuguesas porque a maior parte das nações europeias cultas como a França, o Reino Unido, a Alemanha, a Suíça, a Bélgica, os países escandinavos, a Rússia e até a Espanha já as tinham. Biel destaca também a importância que tais publicações poderiam assumir em termos da propaganda tendo, dessa forma, especial relevância política. Por outro lado Biel define as características da obra como um levantamento fotográfico das suas belezas menos acessíveis, monumentos e paisagens. Faz ainda uma alusão expressa à natureza patriótica da obra, para mostrar os traços portugueses a outros povos e, finalmente, não deixa de sugerir uma intenção imperial (no sentido de um imperialismo discreto, uma expressão proposta por Elizabeth Edwards), procurando chegar aos emigrantes portugueses no Brasil, lembrando-lhes a sua metrópole.

 Batalha: Exterior da Igreja, lado norte. In: A Arte e a Natureza em Portugal 1905. CMP/AHMP

A Arte e a Natureza em Portugal foi realizada de acordo com um plano longamente amadurecido, com diversas tentativas e insucessos anteriores que deu os primeiros passos ainda na década de 1870. Emílio Biel e Joaquim de Vasconcelos iniciaram as primeiras tentativas de editar levantamentos de património português logo no início da década de 1880. Uma parte das imagens de inventário foi captada durante as diversas campanhas que tinham sido encomendadas a Emílio Biel para documentar a construção das novas linhas de caminhode-ferro. Os fotógrafos da Casa Biel não perderam a oportunidade e fotografaram muitos dos monumentos e paisagens mais significativas do interior de Portugal. Uma circunstância particularmente interessante relativamente às campanhas de levantamento de Biel é o facto de elas poderem ser seguidas, à medida que eram realizadas, através das gravuras feitas a partir dessas imagens e publicadas na revista O Ocidente. Naturalmente que temos imagens das linhas de caminho-de-ferro mas também há monumentos e paisagens do interior. Essas gravuras têm ainda a vantagem de nos permitir datar melhor a atividade fotográfica da Casa Biel nesses primeiros passos que conduziram à realização de A Arte e a Natureza em Portugal.

 Batalha: Church North side. In: A Arte e a Natureza em Portugal 1905. CMP/AHMP

Biel Andrew.indd 76

of the volume as a photographic survey of a country with unreachable beautiful features, monuments and landscapes. But he explicitly mentions the patriotic purposes of the work, to show Portuguese features to other peoples and finally an imperial (in a sense of a discreet imperialism, an expression proposed by Elizabeth Edwards) intention, to reach Portuguese emigrants in Brasil, to remind them homeland. A Arte e a Natureza em Portugal was a long and well matured plan, with several trials and errors that had its first steps in the 1870’s. Emílio Biel and Joaquim de Vasconcelos begun the first efforts to publish a Portuguese heritage survey in the first years of the 1880’s. A part of the survey’s images were registered during a number of campaigns Biel’s photographers carried out simultaneously with the survey of the new railroad lines that had been commisioned to Biel. Biel’s studio photographers took pictures of significant monuments and landscapes during those campaigns. A particularly interesting circunstance regarding Biel’s photographic survey is the fact that the cam-

paigns can be followed throughout the illustrated press, particularly O Ocidente, a journal illustrated with woodcuts. A significant part of the O Ocidente’s illustrations were made after Biel’s photographs, representing views of the railway lines but also monuments and landscapes. Those woodcut illustrations allow us to date the photographic activity of Biel’s studio in the first steps of A Arte e a Natureza em Portugal project. Biel’s railways albums should be mentioned because they have a political, sociological and artistic importance. They can be regarded as one of the strongest Portuguese positivist claims of progress represented by Fontes Pereira de Melo (1819-1887) minister consulate, known as the Portuguese Fontismo age of progress in 1860 and 1870 decades. For the work of photographers such as Biel and his collaboraters, the railroad lines opened the possibility to explore unknown parts of Portuguese inland hardly accessible until then. As we wrote elsewhere, the making of the railways albums gave Biel’s studio a huge advantage over competing studios. In fact the

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 77

77

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

78

Os álbuns dos caminhos-de-ferro produzidos por Biel merecem um destaque particular pela importância que assumem em termos políticos, sociológicos e artísticos. Podem ser encarados como um dos mais fortes testemunhos positivistas do progresso representado pela era fontista, do consulado do primeiro-ministro Fontes Pereira de Melo (1819-1887), conhecida como uma era de acelerado progresso. Para a obra de fotógrafos como Biel e os seus colaboradores, as linhas de caminho-de-ferro constituíram uma oportunidade privilegiada de explorarem regiões inóspitas e quase desconhecidas do território nacional. Como referimos noutro trabalho, a documentação das linhas de caminho-de-ferro deram à Casa Biel uma inegável vantagem relativamente à concorrência. Com efeito, os álbuns dos caminhosde-ferro, cujos levantamentos foram realizados entre 1882 e 1885, em particular o álbum do caminho-de-ferro do Douro são, provavelmente, dos mais belos trabalhos fotográficos portugueses do século xix. Esses levantamentos terão constituído aliás oportunidades fundamentais para que os fotógrafos da Casa Biel pudessem desenvolver o seu virtuosismo fotográfico na captura dos espetaculares cenários das paisagens do Douro. Constituíram um extraordinário avanço na representação fotográfica da paisagem portuguesa. Boa parte das imagens dos álbuns dos caminhos-de-ferro do Douro revelam uma abordagem fotográfica inteiramente nova, seja através da profunda riqueza tonal, um significativo testemunho da capacidade técnica dos fotógrafos e impressores da Casa Biel, ou pelo dramatismo dos enquadramentos cenográficos que interpretam aquela paisagem de fundos vales cavados em encostas abruptas, de uma beleza rude. Essa experiência técnica e estética revelar-se-ia crucial para a realização de A Arte e a Natureza em Portugal. Biel ensaiou a primeira tentativa de publicar um álbum sobre património em 1883, quando divulgou na imprensa a informação sobre o projeto ‘Portugal Antigo e Moderno’, um álbum de oitocentas fototipias de monumentos e objetos artísticos portugueses, com textos de Joaquim de Vasconcelos. No ano seguinte, Biel publicou o Archivo Photographico, um álbum sobre o património de Aveiro e podemos especular que parte dessas imagens seriam incluídas no anterior projecto, ao qual não surgiu mais nenhuma referência.

albums of the railways, produced between 1882 and 1885, and particularly the album of Douro Railways are probably the most accomplished photographic works of Portuguese 19th century photography - it was also an opportunity for Biel’s studio photographers to develop their skills masterfully by capturing images of the spectacular Douro’s landscape scenery. It was a true breakthrough in Portuguese landscape representation. Most photographs from the Douro Railways album have a completely new photographic approach, either through their deep tonal richness, a remarkable testimony of the technical skill of Casa Biel’s photographers and printmakers, or by the scenic and monumental panoramic framework that interpret the rude and rugged beauty of the Douro valley with its deep riverbed dug through abrupt slopes. Such technical and aesthetical experience would become crucial in the making of A Arte e a Natureza em Portugal. The first of Biel’s attemps to publish a volume on heritage started in 1883, when he released to the press the information on Portugal Antigo e Moderno

Biel Andrew.indd 78

[Ancient and Modern Portugal] project, an album of eight hundred collotypes of Portuguese monuments and art works, with texts by Joaquim de Vasconcellos. Next year Biel published the Archivo Photographico, an album on Aveiro’s heritage and we can speculate that probably it was part of the preliminary work for the failed previous attempt. The project later entitled A Arte e a Natureza em Portugal was postponed during the rest of 1880’s and the begining of 1890’s. However soon after it was resumed because Biel’s studio was invited to contribute to the preparatory works for Portuguese participation in two of the most important international exhibitions of the XIXth century, the Chicago World Fair in 1893 and the 1900’s Paris Exposition Universelle. For the 1893’s Chicago exhibition, Biel’s studio was comissioned albums of collotypes for the Associação Comercial do Porto [Oporto Commercial Association], an album with pictures from the new building, the Palácio da Bolsa and probably another album on Oporto wine commerce, Commerce des Vins du Porto. Naturally

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

79

Embora o projecto da publicação que mais tarde se veio a designar de A Arte e a Natureza em Portugal tinha sido protelado durante a década de 1880 e início da de 1890, pouco tempo depois foi retomada porque a Casa Biel foi convidada a colaborar na preparação das participações de Portugal na Feira Mundial de Chicago de 1893 e na Exposição Universal de Paris de 1900. Para a exposição de Chicago a Casa Biel foi encarregada de preparar um álbum sobre a Associação Comercial do Porto e o seu novo edifício, o Palácio da Bolsa e, provavelmente, um outro sobre o comércio do vinho do Porto. Naturalmente as concessionárias das linhas de caminho-de-ferro enviaram para Chicago as fototipias anteriormente referidas e também terão sido expostos outros álbuns de engenharia como as pontes do Porto, D. Maria Pia e D. Luís I e do Porto de Leixões. Para a Exposição Universal de Paris, a Casa Biel produziu um conjunto de fotografias que integraram o álbum Le Portugal Au Point de Vue Agricole, que viria a ser produzido na Imprensa Nacional. No início do século xx, Emílio Biel tinha paulatinamente conseguido reunir as condições necessárias a prosseguir finalmente o seu almejado projeto e, para isso, lançou um número espécime em Outubro de 1901. Já vimos como a edição foi cuidadosamente planeada, Biel criou uma nova sociedade para a produção de álbuns e acolheu como sócios Ferdinand Brütt, antigo fotógrafo da Casa Biel e José Augusto da Cunha Moraes, um talentoso fotógrafo que tinha começado a carreira em Angola e chegara ao Porto poucos anos antes. A equipa para concretizar o ambicioso projeto de A Arte e a Natureza em Portugal estava formada e, dessa forma, começaram os trabalhos beneficiando de todo o levantamento prévio que a Casa Biel já realizara desde a década de 1870. Uma análise detalhada aos oito volumes e trezentas e cinquenta e duas fototipias de A Arte e a Natureza em Portugal não cabe no presente texto mas devemos sublinhar alguns aspetos da sua estrutura no sentido de entender melhor o papel crucial que esta obra assumiu no contexto do património português, no seu estudo, conhecimento e divulgação.

the railways companies sent the collotypes albums of their lines, the Douro, the Minho and the Beira Alta lines and maybe from other engeneering works such as the Oporto bridges, D. Maria Pia and D. Luís I and the Leixões port, the port that served Oporto. For the 1900’s Paris Exposition Universelle Biel’s studio didn’t produce collotypes since the album was and edition of the Imprensa Nacional [The national printing office] but it provided a number of photographs as other Portuguese photographers did. Coming to the verge of the XXth century, Emílio Biel had gradually met the conditions to put the project he named A Arte e a Natureza em Portugal on tracks and thus he released an advertising number in October 1901. The edition was carefully planed, Biel formed a new society for the production of the albums and gave partnership to Ferdinand Brütt, already a photographer of the studio and to José Augusto da Cunha Moraes, a talented photographer that worked at Angola and arrived in Oporto shortly before. The staff to fulfil such ambitious project as A Arte e a Natureza

Biel Andrew.indd 79

em Portugal was formed and therefore they started the work benefiting from all the survey already made by Biel’s studio since late 1870’s. In this text we can’t analise the full extent of A Arte e a Natureza em Portugal‘s eight volumes, 352 collotypes and numerous monographic articles but we must outline a few aspects of its structure in order to better understand the crucial role this work assumed in the context of the Portuguese heritage, in its study, knowledge and disclosure. The monograph that introduces the four fascicles entirelly dedicated to the Batalha monastery is writen by Joaquim de Vasconcelos, on one of the most important Portuguese monument, and it is a significant example of the author’s knowledge. Vasconcelos was the main coordinator of A Arte e a Natureza em Portugal’s monographies, and art history and ethnography scientific adviser. In the preamble of the Batalha’s monograph, Vasconcelos expresses important research methodology considerations and emphasizes the need to look at the stones, at the

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Biel Andrew.indd 80

80

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

81

A monografia que introduz os quatro fascículos inteiramente dedicados ao mosteiro da Batalha foi escrita por Joaquim de Vasconcelos, sobre um dos mais importantes e emblemáticos monumentos portugueses e é um exemplo significativo da erudição do seu autor. Vasconcelos foi o principal coordenador das monografias da obra e o consultor científico para as questões da história da arte e de etnografia. No preâmbulo à monografia sobre a Batalha Vasconcelos aborda importantes considerações metodológicas e destaca a necessidade de olhar para as pedras do monumento, para os objetos e edifícios. Ele usa um termo extremamente interessante na sua abordagem, chama-lhe a autópsia do edifício e recomenda o uso de modernos dispositivos óticos, a que podemos chamar de binóculos técnicos, na análise dos detalhes das fachadas e partes mais elevadas. O método de estúdio proposto por Joaquim de Vasconcelos era verdadeiramente moderno porque os seus colegas continuavam a basear os seus estudos na estrita análise documental e bibliográfica. A modernidade do método de Joaquim de Vasconcelos no estudo da arte valeu-lhe o destaque que lhe atribuiu José-Augusto França como o primeiro historiador da arte portuguesa.

 Coimbra: Paisagem no Choupal. In: A Arte e a Natureza em Portugal 1902. CMP/AHMP

Outra dimensão presente em A Arte e a Natureza em Portugal é um certo gosto estético romântico tardio, que atravessa todo o álbum, com numerosas paisagens e ruínas, como referimos noutro estudo. O fascículo sobre os Arredores de Coimbra, organizado pela referida Carolina Michäelis de Vasconcelos, é particularmente interessante porque propõe uma visita guiada visual com uma leitura poética aos arredores de Coimbra. A autora sugere uma similitude entre as imagens dos jardins de Coimbra e as paisagens densas do pintor simbolista suíço Arnold Böcklin (1827-1901). Ela sugere pontos especiais de interesse como a fonte dos amores, cujo nome adveio do drama romântico de Pedro e Inês, numa moderna sugestão simbolista. A autora sublinha o romantismo do drama do rei português e compara-o com os personagens de Abelardo e Heloísa do Romance da Rosa ou com a figura simbolista da Ofélia do Hamlet de Shakespeare. Pela leitura estética que Carolina Michäelis faz dos jardins românticos de Coimbra podemos pressentir uma reação estética contra

 Coimbra: Landscape in Choupal. In: A Arte e a Natureza em Portugal 1902. CMP/AHMP

Biel Andrew.indd 81

actual objects and buildings. He uses a very interesting term for his approach calling it an “authopsy” of the building and recommends the use of modern optical devices (technical binoculars) to analise the details on the façades and high places. The method proposed by Joaquim de Vasconcelos can be regarded as truly modern since his fellow scollars based their studies on archive and library researches. Joaquim de Vasconcelos modern perspective of art history was one of the main reasons that justified his role as the first Portuguese art historian, as José Augusto França has pointed out. Another dimension present in A Arte e a Natureza em Portugal is a late romantic aesthetical taste that intersects the album, with a great number of landscapes and ruins, as we have pointed out elsewhere. The Surroundings of Coimbra fascicle, organized by the aforementioned Carolina Michaëlis de Vasconcelos, is particularly interesting since it proposes a rather poetic illustrated guided tour to Coimbra’s surroundings. The author suggests a resemblance between

the Coimbra photographs and the dense landscapes of the swiss painter Arnold Böcklin (1827-1901). She points out places of interest like the fountain of love, named after the romantic drama of Pedro and Inês, in a modern symbolist dimension. She emphasizes the romanticism of the Portuguese king drama comparing it to Roman de la Rose’s Abelard and Heloise episode and also to the symbolist character of Shalespeare’s Ophelia. In Carolina Michaëlis’ aesthetical reading of the romantic gardens of Coimbra we can realise a clear reaction against the naturalist mainstream taste that still dominated Portuguese art scene at all levels, from official exhibitions to academical art institutions. Her praise to modernity is actually a proposal to a profund change in Portuguese art scene status quo! The importance attributed to landscape in A Arte e a Natureza em Portugal is particularly meaningful. As we proposed in another work, landscape represented an ambiguous subject to Portuguese visual culture and to the representation of nature. Until the end of

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

82

o gosto naturalista dominante que marcava ainda a arte portuguesa a todos os níveis, das exposições oficiais às instituições artísticas académicas. A sua exaltação da modernidade foi uma proposta de uma profunda mudança no contexto artístico nacional. A importância atribuída à paisagem em A Arte e a Natureza em Portugal é especialmente significativa. Como sugerimos noutro trabalho, a representação da paisagem foi uma questão ambígua na cultura visual portuguesa até muito tarde. Até final do século dezanove, a maior parte dos pintores portugueses continuavam a representar a natureza de forma idealizada. Estamos convictos que o entendimento profundo da paisagem portuguesa, demonstrado por Biel em fotografia, trouxe um profundo contributo para outras áreas da cultura visual, mormente da pintura. A preocupação com o levantamento, estudo e proteção do património era uma preocupação permanente de Biel e Vasconcelos. Há um testemunho direto dessa preocupação no levantamento fotográfico urgente do Convento de São Bento da Avé Maria na eminência da sua derrocada. Os fotógrafos da Casa Biel procederam a um importante levantamento do edifício e as imagens resultantes foram expostas em Junho de 1897. Por fim, não podemos deixar de nos referir sinteticamente à derradeira colaboração entre Emílio Biel e Joaquim de Vasconcelos, A Arte Religiosa em Portugal. Um álbum entendido como um complemento a A Arte e a Natureza em Portugal, mas que foi muito mais do que isso porque tem uma coerência muito maior. O álbum foi dividido em dois volumes, o primeiro dedicado ao norte e centro de Portugal, o outro ao sul, infelizmente incompleto por ter sido realizado já após a morte de Emílio Biel, numa situação de colapso da firma, muito por responsabilidade do congelamento dos bens dos inimigos decretado pelo governo. A Arte Religiosa em Portugal foi o resultado de uma longa investigação de Joaquim de Vasconcelos, de quase uma vida de trabalho. É um empreendimento notável que, em certos aspetos, só recentemente foi ultrapassado, mas não deixa de ter um significativo interesse científico e historiográfico.

the nineteenth century most Portuguese painters still idealized nature representation. It’s our conviction that Biel’s deep understanding of the Portuguese landscape aesthetical values gave a major contribution to other areas of the visual culture, particularly to painting. Finnaly, we should make a brief reference to Biel’s last album and the final collaboration with Joaquim de Vasconcelos, A Arte Religiosa em Portugal [Religious Art in Portugal]. This album is considered an extension to A Arte e a Natureza em Portugal but it structure is much more coerent. A Arte Religiosa em Portugal is geographically organized in two volumes, the first on the North of Portugal and the second on the South. Unfortunattely, the second volume was not finished because it was only started after Emílio Biel’s death and the firm colapsed soon after, partly in consequence of the governmental lock out of German firms.

Biel Andrew.indd 82

A Arte Religiosa em Portugal was the result of Joaquim de Vasconcelos’ research on ornamental art during his working life. It is a remarkable achievement that in some aspects it was only recently outdated, but it still possesses an important scientific and historiographical value. Ultimatelly we can regard Biel’s work through several political aspects. On the one hand the nationalist dimension of Portuguese heritage assertion in international context is present in A Arte e a Natureza em Portugal and also in A Arte Religiosa em Portugal conception. But on the other hand there is another important political aspect in Emílio Biel’s and Joaquim de Vasconcelos’ heritage survey carried out in those works since it was a replacement of the functions due to official institutions, national and local. Therefore, Biel’s dedication to the nation that received him and he trully adopted has his own and to his city, Oporto, deserve a significant hommage.

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Para além da dimensão política de afirmação nacionalista do património português em termos internacionais, que já sugerimos anteriormente, podemos encontrar tanto n’ A Arte e a Natureza em Portugal, como também n’ A Arte Religiosa em Portugal uma dimensão da maior relevância na obra de Emílio Biel, agora em parceria com Joaquim de Vasconcelos, o facto de mais uma vez e como sucedera em circunstâncias anteriores já referidas, Biel se ter substituído às instituições oficiais portuguesas em importantes tarefas no campo do inventário do património. Efetivamente, a sua dedicação à nação que o acolheu e que ele verdadeiramente adotou, Portugal, e à cidade que era a sua, o Porto, merece uma significativa homenagem.

83

 Sé de Braga: bacia e gomil, séc. XVIII c. 1914. CMP/AHMP/EBC

 Braga Cathedral: basin and ewer, 18th century c. 1914. CMP/AHMP/EBC

Biel Andrew.indd 83

15/06/19 15:01

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

102

Pala: Douro Pala: Douro c. 1907 CMP/AHMP/EBC

Biel Andrew.indd 102

15/06/19 15:02

O PORTUGAL DE EMÍLIO BIEL

Portas do Rodão Portas do Rodão c. 1900 CMP/AHMP/EBC

Biel Andrew.indd 103

103

página seguinte / following page Porto: Feira dos Ferros Velhos na zona da Cordoaria Porto: Flea market in the Cordoaria neighbourhood c. 1900 CMP/AHMP/EBC

15/06/19 15:02

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.